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QUEM É QUEM NA JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 26° DOMINGO TEMPO COMUM COR: VERDE I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Nós nos reunimos para celebrar a fé naquele que se apresen- tou em nosso meio como simples homem, rebaixou-se, foi obedi- ente até a morte e morte de cruz. Diante dele todos os joelhos se dobram e toda língua proclama: "Jesus é o Senhor!" (2ª leitura Fl 2,1-11). Abrindo os olhos, percebemos estar vivendo numa socie- dade desigual, onde não é possível pôr a culpa somente nos ou- tros e, menos ainda, em Deus. Se nos convertermos, poderemos caminhar rumo aos horizontes de uma sociedade justa e fraterna (1ª leitura Ez 18,25-28). Por isso a celebração da fé tem como objetivo mostrar quem somos nós diante de Jesus e diante das pessoas. Se não nos comprometermos com ele, acabaremos ex- cluídos do Reino do Céu, pois o Pai não quer pessoas que digam "sim" mas depois o traiam refugiando-se numa religião maquilada e falsa (evangelho Mt 21,28-32). II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 1ª leitura (Ez 18,25-28): Comunidade de pessoas responsáveis 2. Ezequiel é profeta do exílio. Ele está junto ao povo, ajudan- do-o a entender a vontade de Deus em momentos de desânimo geral. De fato, o cap. 18 de Ezequiel outra coisa não faz senão insistir na responsabilidade individual. Acontece que o povo exilado deixou-se possuir por uma espécie de fatalismo, imagi- nando estar pagando uma dívida que não contraiu. Em outras palavras, o exílio seria simplesmente conseqüência das graves faltas de seus antepassados. Além disso, os exilados estão longe do templo e de seus ritos e sacrifícios pelos pecados. O povo exilado se julgava vítima de passado errado, sem possibilidade de enxergar algo de novo para o futuro. 3. Não resta dúvida: o exílio é conseqüência de uma série de erros passados; é fruto das injustiças cometidas, sobretudo as injustiças dos líderes políticos e religiosos. Mas os exilados tam- bém estão sendo injustos por não entenderem a justiça de Deus, pois afirmam: "A conduta do Senhor não é correta" (v. 25a). Eles até haviam criado um provérbio para traduzir a situação em que viviam: "Os pais comeram uva verde, e a boca dos filhos ficou amarrada" (v. 2). 4. É justamente contra esse modo de pensar e de agir que se levanta o profeta. A conduta do Senhor não é injusta por dois motivos: em primeiro lugar, porque ele não quer que o injusto morra, mas que se converta de seus maus caminhos, e viva (v. 23). Deus não sente prazer na morte de suas criaturas, mesmo que estas venham a cometer injustiça. Sendo o Deus da vida, quer que todos a possuam. Em segundo lugar, o Senhor não é injusto, pois está oferecendo ao povo a possibilidade de novo início. Basta que os exilados percebam seus erros, mudem de vida, e Deus estará com eles: "Quando um injusto se arrepende da maldade que prati- cou e faz o que é direito e justo, conserva a própria vida. Arre- pendendo-se de todos os seus crimes, com certeza ele vai viver; não vai morrer" (vv. 27-28). 5. Há, para os exilados, uma saída capaz de destruir para sem- pre o "não" dado por seus antepassados: ela consiste em reconhe- cer os próprios erros e arrepender-se, voltando ao Deus que não quer a morte do injusto, e sim sua conversão. O povo no exílio tinha mais facilidade em acusar Deus de injustiça que em admitir as conseqüências dos próprios erros. O que Deus quer é uma comunidade de pessoas responsáveis. Não é necessário serem perfeitas. Basta que tenham consciência de seus limites e não acusem Deus de responsável pelos erros que eles próprios come- tem, para que novo horizonte de vida e liberdade se abra diante deles. 6. Em outras palavras: hoje sofremos, sim, as conseqüências de uma opção política de sociedade fundada na injustiça. Mas isso não nos isenta da responsabilidade. Seremos irresponsáveis se não fizermos algo para mudar, agora, essa situação injusta. 2. Evangelho (Mt 21,28-32): Quem é contra a justiça do Rei- no? 7. A parábola dos dois filhos só se encontra no evangelho de Mateus. Esse dado é importante, pois o evangelista tirou lá do fundo do baú (cf. 13,52) coisas antigas, mas também coisas "no- vas", a fim de dar ao seu escrito uma dimensão especial. As pará- bolas exclusivas de Mateus são as coisas novas que ele reservou para o momento certo, querendo com isso sublinhar a idéia básica que percorre todo o evangelho. Essa idéia básica é o tema da justiça do Reino, como já tivemos oportunidade de ver nos co- mentários ao evangelho dos domingos anteriores. 8. Jesus está em Jerusalém e, mais exatamente, no Templo, centro do poder político, econômico e ideológico daquela época. É aí que ele conta três parábolas, sendo a primeira delas a "pará- bola dos dois filhos" (as outras duas irão aparecer nos próximos domingos). Trata-se de parábolas de confronto e de conflito entre o Mestre da Justiça e os promotores da sociedade injusta, repre- sentados, na parábola de hoje, pelos chefes dos sacerdotes (poder religioso-ideológico) e anciãos do povo (poder econômico). a. Quem é quem diante da justiça do Reino (vv. 28-30) 9. A parábola é muito simples. Jesus se dirige, de forma provo- cadora, às lideranças político-econômicas e religiosas do tempo, perguntando: "O que vocês acham disso?" A parábola, portanto, é uma provocação de Jesus aos que servem de suporte a uma socie- dade injusta. Ao responderem à parábola, eles serão forçados a se posicionar e, conseqüentemente, acabam emitindo a própria sen- tença. 10. A parábola fala de dois filhos com atitudes contrastantes: o filho mais velho é muito impulsivo e reage com um "não quero" quando o pai lhe pede que vá trabalhar na vinha. A seguir, pensa melhor e volta atrás: "depois arrependeu-se e foi". O filho mais novo é cheio de etiquetas, incapaz de responder impulsivamente: "Sim, senhor, eu vou", mas acaba não indo trabalhar na vinha. 11. O filho mais velho representa os pecadores e os marginaliza- dos que aceitam a mensagem de Jesus e se comprometem com a proposta da justiça do Reino. O próprio evangelista Mateus está entre essas categorias sociais, pois era cobrador de impostos. Junto com as prostitutas, constituíam os grupos sociais mais detestados pelas elites religiosas e políticas do tempo de Jesus. Os donos do saber e da religião haviam decretado que essas categori- as de pessoas não teriam parte no mundo futuro, exatamente o contrário de tudo o que Jesus ensinou. Cobradores de impostos e prostitutas, portanto, são a síntese da marginalidade, considerados pecadores públicos. 12. O filho mais novo recorda as "pessoas de bem", maquiladas de religiosidade e "justiça", prontas a se escandalizar e a se levan- tar em defesa de suposta verdade, mas presas fáceis do dinheiro (os anciãos eram latifundiários), crentes de que estavam cumprin- do a vontade de Deus. Desde o começo do evangelho de Mateus, os chefes dos sacerdotes estão ao lado de Herodes, que pretende matar Jesus (cf. 2,3-4). Herodes morreu em seguida, mas os che- fes dos sacerdotes e os anciãos do povo, membros do Sinédrio, serão os responsáveis diretos pela morte do Mestre da Justiça. 13. Notemos ainda duas coisas: 1. No Antigo Testamento, todo o Israel era considerado filho de Deus. No tempo de Jesus, todavia,

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Comentário bíblico: 26° Domingo do Tempo Comum - Ano A - TEMA: "QUEM É QUEM NA JUSTIÇA DO REINO?" - LEITURAS BÍBLICAS (PERÍCOPES): http://pt.slideshare.net/josejlima3/26-domingo-do-tempo-comum-ano-a-2014 - TEMAS E COMENTÁRIOS: AUTORIA: Pe. José; Bortolini, Roteiros Homiléticos, Anos A, B, C Festas e Solenidades, Editora Paulus, 3ª edição, 2007 - OUTROS: http://www.dehonianos.org/portal/liturgia_dominical_ver.asp?liturgiaid=429 SOBRE LECIONÁRIOS: - LUTERANOS: http://www.luteranos.com.br/conteudo/o-lecionario-ecumenico - LECIONÁRIO PARA CRIANÇAS (Inglês/Espanhol): http://sermons4kids.com - LECIONÁRIO COMUM REVISADO (Inglês): http://www.lectionary.org/ http://www.commontexts.org/history/members.html ; http://lectionary.library.vanderbilt.edu/ - ESPANHOL: http://www.isedet.edu.ar/publicaciones/eeh.htm (Less)

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Page 1: Comentário: 26° Domingo do Tempo Comum - Ano A

QUEM É QUEM NA JUSTIÇA DO REINO? Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 26° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL

1. Nós nos reunimos para celebrar a fé naquele que se apresen-tou em nosso meio como simples homem, rebaixou-se, foi obedi-ente até a morte e morte de cruz. Diante dele todos os joelhos se dobram e toda língua proclama: "Jesus é o Senhor!" (2ª leitura Fl 2,1-11). Abrindo os olhos, percebemos estar vivendo numa socie-dade desigual, onde não é possível pôr a culpa somente nos ou-tros e, menos ainda, em Deus. Se nos convertermos, poderemos caminhar rumo aos horizontes de uma sociedade justa e fraterna (1ª leitura Ez 18,25-28). Por isso a celebração da fé tem como objetivo mostrar quem somos nós diante de Jesus e diante das pessoas. Se não nos comprometermos com ele, acabaremos ex-cluídos do Reino do Céu, pois o Pai não quer pessoas que digam "sim" mas depois o traiam refugiando-se numa religião maquilada e falsa (evangelho Mt 21,28-32).

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Ez 18,25-28): Comunidade de pessoas responsáveis

2. Ezequiel é profeta do exílio. Ele está junto ao povo, ajudan-do-o a entender a vontade de Deus em momentos de desânimo geral. De fato, o cap. 18 de Ezequiel outra coisa não faz senão insistir na responsabilidade individual. Acontece que o povo exilado deixou-se possuir por uma espécie de fatalismo, imagi-nando estar pagando uma dívida que não contraiu. Em outras palavras, o exílio seria simplesmente conseqüência das graves faltas de seus antepassados. Além disso, os exilados estão longe do templo e de seus ritos e sacrifícios pelos pecados. O povo exilado se julgava vítima de passado errado, sem possibilidade de enxergar algo de novo para o futuro.

3. Não resta dúvida: o exílio é conseqüência de uma série de erros passados; é fruto das injustiças cometidas, sobretudo as injustiças dos líderes políticos e religiosos. Mas os exilados tam-bém estão sendo injustos por não entenderem a justiça de Deus, pois afirmam: "A conduta do Senhor não é correta" (v. 25a). Eles até haviam criado um provérbio para traduzir a situação em que viviam: "Os pais comeram uva verde, e a boca dos filhos ficou amarrada" (v. 2).

4. É justamente contra esse modo de pensar e de agir que se levanta o profeta. A conduta do Senhor não é injusta por dois motivos: em primeiro lugar, porque ele não quer que o injusto morra, mas que se converta de seus maus caminhos, e viva (v. 23). Deus não sente prazer na morte de suas criaturas, mesmo que estas venham a cometer injustiça. Sendo o Deus da vida, quer que todos a possuam. Em segundo lugar, o Senhor não é injusto, pois está oferecendo ao povo a possibilidade de novo início. Basta que os exilados percebam seus erros, mudem de vida, e Deus estará com eles: "Quando um injusto se arrepende da maldade que prati-cou e faz o que é direito e justo, conserva a própria vida. Arre-pendendo-se de todos os seus crimes, com certeza ele vai viver; não vai morrer" (vv. 27-28).

5. Há, para os exilados, uma saída capaz de destruir para sem-pre o "não" dado por seus antepassados: ela consiste em reconhe-cer os próprios erros e arrepender-se, voltando ao Deus que não quer a morte do injusto, e sim sua conversão. O povo no exílio tinha mais facilidade em acusar Deus de injustiça que em admitir as conseqüências dos próprios erros. O que Deus quer é uma comunidade de pessoas responsáveis. Não é necessário serem perfeitas. Basta que tenham consciência de seus limites e não acusem Deus de responsável pelos erros que eles próprios come-tem, para que novo horizonte de vida e liberdade se abra diante deles.

6. Em outras palavras: hoje sofremos, sim, as conseqüências de uma opção política de sociedade fundada na injustiça. Mas isso não nos isenta da responsabilidade. Seremos irresponsáveis se não fizermos algo para mudar, agora, essa situação injusta.

2. Evangelho (Mt 21,28-32): Quem é contra a justiça do Rei-no?

7. A parábola dos dois filhos só se encontra no evangelho de Mateus. Esse dado é importante, pois o evangelista tirou lá do fundo do baú (cf. 13,52) coisas antigas, mas também coisas "no-vas", a fim de dar ao seu escrito uma dimensão especial. As pará-bolas exclusivas de Mateus são as coisas novas que ele reservou para o momento certo, querendo com isso sublinhar a idéia básica que percorre todo o evangelho. Essa idéia básica é o tema da justiça do Reino, como já tivemos oportunidade de ver nos co-mentários ao evangelho dos domingos anteriores.

8. Jesus está em Jerusalém e, mais exatamente, no Templo, centro do poder político, econômico e ideológico daquela época. É aí que ele conta três parábolas, sendo a primeira delas a "pará-bola dos dois filhos" (as outras duas irão aparecer nos próximos domingos). Trata-se de parábolas de confronto e de conflito entre o Mestre da Justiça e os promotores da sociedade injusta, repre-sentados, na parábola de hoje, pelos chefes dos sacerdotes (poder religioso-ideológico) e anciãos do povo (poder econômico).

a. Quem é quem diante da justiça do Reino (vv. 28-30)

9. A parábola é muito simples. Jesus se dirige, de forma provo-cadora, às lideranças político-econômicas e religiosas do tempo, perguntando: "O que vocês acham disso?" A parábola, portanto, é uma provocação de Jesus aos que servem de suporte a uma socie-dade injusta. Ao responderem à parábola, eles serão forçados a se posicionar e, conseqüentemente, acabam emitindo a própria sen-tença.

10. A parábola fala de dois filhos com atitudes contrastantes: o filho mais velho é muito impulsivo e reage com um "não quero" quando o pai lhe pede que vá trabalhar na vinha. A seguir, pensa melhor e volta atrás: "depois arrependeu-se e foi". O filho mais novo é cheio de etiquetas, incapaz de responder impulsivamente: "Sim, senhor, eu vou", mas acaba não indo trabalhar na vinha.

11. O filho mais velho representa os pecadores e os marginaliza-dos que aceitam a mensagem de Jesus e se comprometem com a proposta da justiça do Reino. O próprio evangelista Mateus está entre essas categorias sociais, pois era cobrador de impostos. Junto com as prostitutas, constituíam os grupos sociais mais detestados pelas elites religiosas e políticas do tempo de Jesus. Os donos do saber e da religião haviam decretado que essas categori-as de pessoas não teriam parte no mundo futuro, exatamente o contrário de tudo o que Jesus ensinou. Cobradores de impostos e prostitutas, portanto, são a síntese da marginalidade, considerados pecadores públicos.

12. O filho mais novo recorda as "pessoas de bem", maquiladas de religiosidade e "justiça", prontas a se escandalizar e a se levan-tar em defesa de suposta verdade, mas presas fáceis do dinheiro (os anciãos eram latifundiários), crentes de que estavam cumprin-do a vontade de Deus. Desde o começo do evangelho de Mateus, os chefes dos sacerdotes estão ao lado de Herodes, que pretende matar Jesus (cf. 2,3-4). Herodes morreu em seguida, mas os che-fes dos sacerdotes e os anciãos do povo, membros do Sinédrio, serão os responsáveis diretos pela morte do Mestre da Justiça.

13. Notemos ainda duas coisas: 1. No Antigo Testamento, todo o Israel era considerado filho de Deus. No tempo de Jesus, todavia,

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as elites haviam determinado que os pobres, analfabetos, cobra-dores de impostos, prostitutas e outras categorias de marginaliza-dos deveriam ser considerados "malditos de Deus", portanto, excluídos do povo. 2. O pai pede aos filhos para irem hoje traba-lhar na vinha. Esse "hoje" não é um dia apenas. É o período que vai do início da atividade libertadora de Jesus, anunciada por João Batista, até que cheguemos à construção aqui na terra da justiça que implanta o Reino no meio de nós. Os marginalizados deram ouvidos e se comprometeram. O mesmo não se pode dizer das elites. Isso nos mostra que ser filho obediente do Pai não é ques-tão de palavras, mas de gestos libertadores à semelhança da práti-ca de Jesus.

b. Uns entram no Reino, outros não (vv. 31-32)

14. Depois de contar a parábola, Jesus pergunta aos chefes dos sacerdotes e anciãos do povo: "Qual dos dois fez a vontade do Pai?" Por trás dessa pergunta ressoam as primeiras palavras que traçam o programa de Jesus segundo o evangelho de Mateus: "Devemos cumprir toda a justiça" (3,15). A vontade do Pai está expressa na prática do Filho. Os que se comprometem com ele se comprometem também com o projeto de sociedade nova que ele trouxe. Jesus confirma, a seguir, a sentença que as elites inconsci-entemente deram para si próprias: "Pois eu lhes asseguro que os cobradores de impostos e as prostitutas vão entrar antes de vocês no Reino do Céu. Porque João veio até vocês para mostrar o caminho da justiça, e vocês não creram nele. Os cobradores de impostos e as prostitutas creram nele" (vv. 31b-32a). Segundo os estudiosos, a expressão "entrar antes" é um modo de afirmar a exclusão. Não é que os cobradores de impostos e as prostitutas entram antes e os outros entram depois. Afirma, isso sim, que os primeiros entram e os segundos ficam fora. E isso está de acordo com a parábola, pois o filho mais novo diz sim, e acaba não indo trabalhar na vinha. Ressoa mais uma vez a afirmação de 5,20: "Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu".

15. Por que há pessoas que não entram no Reino do Céu? Porque não se sensibilizaram diante de João Batista, nem com a adesão dos cobradores de impostos e prostitutas e, pior ainda, procuram sufocar o caminho da justiça matando Jesus. Grave alerta para todos nós que nos julgamos seguidores de Jesus. Há muita gente por aí que, mesmo não freqüentando igrejas e não se dizendo cristã, tem um sentido e uma prática de justiça muito mais acura-dos que os nossos. Exatamente como no tempo de Jesus. O senti-do da justiça se encontrava justamente naqueles que nada tinham a ver com a religião. Essa é uma grave previsão de futuro: encon-trar o sentido da justiça longe das igrejas e das entidades religio-sas, entre os discípulos anônimos do Mestre da Justiça. Por quê? Porque eles descobriram no hoje da nossa história a urgência da justiça que, por si só, já os faz participantes do Reino.

2ª leitura (Fl 2,1-11): Tenham as mesmas disposições de vida que havia em Jesus

16. Continuamos a ler a carta aos Filipenses (para uma visão de conjunto, cf. o comentário à 2ª leitura do domingo passado). Depois de ajudar a perceber os conflitos que vêm de fora (1,27-30), Paulo convida a comunidade a olhar para dentro de si (2,1-5). Aí também há muita coisa que precisa ser transformada. A

exortação é feita de forma solene: "Se há uma consolação em Cristo, se há um encorajamento no amor, se existe uma comu-nhão no Espírito, se existe ternura e compaixão, então tornem completa a minha alegria, permanecendo unidos no mesmo sen-timento, no mesmo amor, num só coração, num só pensamento. Nada façam por competição e vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é superior, e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro" (vv. 1-3).

17. Lido pelo avesso, esse trecho nos dá o retrato de uma comu-nidade envolvida em conflitos internos. O que estava acontecen-do? – Temos a impressão de que não havia união de sentimentos. Pelo contrário, a competição e o desejo de receber elogios, o considerar-se superior aos outros, o desinteresse pelo bem co-mum, tudo isso estava presente na comunidade. – O cap. 4 nos diz que duas líderes disputavam entre si o poder sobre a comuni-dade (4,2). E Sízigo pouco se importava com isso (4,3).

18. Paulo apresenta à comunidade o ponto de referência insubsti-tuível: Cristo Jesus. E pede que todos tenham as mesmas disposi-ções de vida (sentimentos) que havia nele. Vem, a seguir, um dos hinos cristológicos mais importantes do Novo Testamento (vv. 6-11), que era provavelmente um canto litúrgico conhecido na comunidade de Filipos.

19. O hino tem dois movimentos. O primeiro (vv. 6-8) é de cima para baixo, e fala do esvaziamento de Jesus. – É como uma esca-da com vários degraus: ele não se apegou à sua igualdade com Deus, esvaziou-se, tornou-se servo, fez-se obediente até a morte de cruz. – O sujeito dessas ações é o próprio Jesus: consciente e livremente despoja-se de tudo. Seu lugar social é junto aos escra-vos, sem privilégios, marginalizados e condenados. Para ele não há outra forma de revelar o projeto de Deus a não ser esvaziando-se daquelas realidades humanas das quais com dificuldade abri-mos mão: prerrogativas, posição social, honra, dignidade, fama e, o que é mais precioso, a própria vida. Jesus perdeu todas essas coisas. Desceu ao poço mais profundo da miséria e solidão hu-manas. – O primeiro movimento desse hino não fala de Deus. Tem-se a impressão de que Jesus, despojado de tudo, tenha sido inclusive abandonado por Deus.

20. O preço da encarnação foi a cruz. E o Evangelho de Paulo é exatamente o Evangelho de um crucificado. E a gente se pergun-ta: onde foi parar a divindade de Jesus? Ficou escondida por um momento? Ou era justamente no fato de ser plenamente humano que revelava o ser de Deus?

21. O segundo movimento (vv. 9-11) é de baixo para cima. Aqui o sujeito é Deus. É ele quem exalta Jesus, ressuscitando-o e colo-cando-o no posto mais elevado que possa existir. O Nome que ele recebe é o título de Senhor, termo muito querido pelos primeiros cristãos. Jesus é o Senhor do universo e da história. Diante dele toda a criação se prostra em adoração: "todos os joelhos se do-brem no céu, na terra e abaixo da terra".

22. Deus Pai é glorificado quando as pessoas reconhecem em Jesus o humano que passou pela encarnação das realidades mais sofridas e humilhantes, culminando com a morte na cruz, conde-nação imposta a criminosos. E nós, quando aprenderemos a ter as mesmas disposições de vida (sentimentos) que havia em Jesus?

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

23. Comunidade de pessoas responsáveis. A mensagem de Ezequiel nos ensina a não culpar Deus por nossos erros. – O nosso sim ao projeto de Deus é capaz de reverter as situações mais difíceis?

24. Quem é contra a justiça do Reino? Não basta freqüentar a igreja para dizer que somos cristãos. O mundo e a sociedade são o campo onde o Pai nos pede hoje um compromisso com a justiça do Reino. E não há como ficar em cima do muro.

25. Tenham as mesmas disposições de vida que havia em Jesus. Aquele que é a razão da nossa fé é também o horizonte de nossa ação na família, na comunidade e na sociedade. Quais são os conflitos que dividem a co-munidade? Como superá-los?