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ÉTICA CRISTÃ PUC – 2011.2

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ÉTICA CRISTÃ

PUC – 2011.2

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ÍNDICE

Introdução

Primeira parte: Sentido e Relevância da Ética Cristã

Segunda parte: Questões metodológicas

Terceira parte: Dignidade e direitos da pessoa humana

Quarta parte: O Fim Último

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ÍNDICE

Quinta parte: A Liberdade

Sexta parte: A consciência moral do cristão

I. O Homem, a Consciência e a Moralidade dos seus Atos

II. O Agir Cristão: A Moralidade Nova

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ÉTICA CRISTÃ

INTRODUÇÃO

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INTRODUÇÃOQual é a coisa de maior valor que você tem?É a sua própria pessoa, o seu eu.

Qual é a razão pela qual a sua pessoa tem tanto valor, e deve ser amada sem cálculo algum?Existe uma única razão: o fato de você existir, por si só, já é motivo suficiente para que a sua pessoa tenha valor. Com efeito, o universo inteiro não vale tanto quanto cada pessoa humana.

O que justifica o fato de uma pessoa ser “pessoa” e, portanto, ter um valor tão sublime, acima de qualquer outra coisa?

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INTRODUÇÃO

a) O fato de a pessoa ser constituída por uma dupla dimensão: uma dimensão material (corpo) e uma dimensão espiritual (alma).

b) O fato de a pessoa ser relacionamento misterioso, porém real, com algo de infinito, algo de Transcendente. De fato, existe algo em nós que não deriva de antecedentes biológicos de nossos pais; deriva do Criador, e revela que há no homem uma semelhança com o Divino: estamos falando da nossa alma espiritual.

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INTRODUÇÃO

Com efeito, o grande filósofo Maurice Blondel, afirmava: “O nosso corpo deriva de nossos pais; mas a nossa alma deriva diretamente de Deus”.

c) O fato de carregar dentro de si um complexo de evidência e exigências originais: exigência de verdade, de justiça, de amor, de felicidade, de bondade, etc.

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INTRODUÇÃO

Que relação existe entre a evidência dessas exigências originais e a ética? E por que?

Em primeiro lugar, é preciso dizer que existe uma relação intrínseca e profunda, já que tais exigências constituem como que o tecido do qual o ser é constituído.

Em segundo lugar, exatamente pelo fato que tais exigências fazem parte da essência do nosso ser, é que podemos dizer quando uma coisa é boa ou má, justa ou injusta, verdadeira ou falsa.

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INTRODUÇÃO

Para compreendermos isso, basta recordarmos certas afirmações, que são reconhecidas como justas e verdadeiras por todos:

“Não faças ao outro aquilo que você não quer que seja feito contigo”. “Faça o bem e evite sempre o mau”. “Fazer o bem realiza a pessoa humana”. “Dê ao outro o que lhe é devido”.

Tais afirmações constituem a base fundamental da reflexão sobre a ética ou sobre a moral

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INTRODUÇÃO

De tudo isto que acima destacamos, como linha de síntese, é preciso frisar que encontramos dentro de nós um instrumento, dado pela própria natureza, que nos permite confrontar e julgar cada coisa com a qual nos deparamos ou ouvimos: é aquele complexo de exigências originais.

Esse complexo de exigências originais pode ser chamado também de senso ético ou senso moral; ou, ainda, de senso crítico, crivo crítico. A Bíblia sintetiza tudo isso com uma palavra: “coração”.

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Tese I

I. CRISE ÉTICO-MORAL NA SOCIEDADE ATUAL

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I. CRISE ÉTICO-MORAL NA SOCIEDADE ATUAL

Introdução

Etimologicamente, a palavra “ética” origina-se do termo grego ethos, que significa o conjunto de costumes, hábitos e valores de uma determinada sociedade ou cultura.

Os romanos traduziram para o latino mos, moris (que mantém o significado de ethos), dos quais provém moralis, que deu origem à palavra moral em português.

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I. CRISE ÉTICO-MORAL NA SOCIEDADE ATUAL

O mundo em que vivemos suscita muitas perguntas e incertezas. Por que?

1. As mudanças acontecem com tal velocidade que torna quase impossível ter um ponto de referência duradouro no qual fundamentar a existência humana.

2. Existe uma aversão ao antigo, ao tradicional. É uma sociedade onde domina o imediato, o útil para o agora.

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I. CRISE ÉTICO-MORAL NA SOCIEDADE ATUAL

3. Somos tomados por um niilismo, ou seja, não se reconhece mais algo que possa dar um sentido definitivo para a vida; aliás, o que domina é exatamente a ausência de sentido e de normas. Num clima social assim o que domina é o individualismo narcisista.

Hoje sentimos cada vez mais que vivemos uma grave crise de ética: situação política do pais, questões da corrupção na sociedade e no governo, crise na família, etc.

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I. CRISE ÉTICO-MORAL NA NOSSA SOCIEDADE

4. O niilismo atinge também a dimensão ético-moral, ou seja, por uma descrença absoluta frente a atual situação e sua hierarquia de valores, já que nada existiria de realmente absoluto.

5. O mundo dos nossos dias é, também, plural, policêntrico, planetário, ecumênico. Ele não gira em torno de uma só idéia das coisas, nem de uma única direção da vida.

Vejamos ainda outros elementos que descrevem a nossa sociedade atual:

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I. CRISE ÉTICO-MORAL NA NOSSA SOCIEDADE

1. O choque da modernidade

Na sociedade tradicional as mudanças eram lentas, constituição familiar sólida, princípios éticos e morais sólidos, reconhecidos e vividos tanto pela sociedade religiosa quanto pela civil. Tudo girava em torno do sagrado, e, portanto, Deus era reconhecido como o centro da vida e das coisas.Mas com o advento do modernismo tudo isso entrou em crise, mudando muita coisa: a maneira de pensar e de viver das pessoas. Vejamos agora como isso se deu:

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I. CRISE ÉTICO-MORAL NA NOSSA SOCIEDADE

a) A afirmação da autonomia

A modernidade (que começou a mais ou menos 500 anos) tem como elemento central a afirmação de que o ser humano é autônomo, sujeito de si e da história. Essa concepção se afirma propondo sempre mais a independência frente toda e qualquer determinação que vem de fora (autoridade, religião, etc.), ou seja, de toda heteronomia.

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I. CRISE ÉTICO-MORAL NA NOSSA SOCIEDADE

Os grandes expoentes da modernidade são: René Descartes (1596-1650), Emmanuel Kant (1724-1804).

- René Descartes, com seu famoso “cogito” afirma que com o pensar (cogito=eu penso) nós poderíamos chegar à certeza sobre as coisas e garantir assim a verdade. “Ousa pensar por ti mesmo”, diziam os adeptos do Iluminismo.

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- Emannuel Kant foi mais longe e teve a pretensão de dizer que toda a verdade sobre o ser humano vem unicamente dele mesmo; para ele, o alcance e o valor da razão são tão grandes que a própria moral tem a necessidade de fundamentar-se em imperativos categóricos gerados pela razão prática.

Quando falamos assim, estamos afirmando que toda heteronomia cai por terra e que nós nos orientamos a partir da nossa própria razão, sem precisar recorrer a leis externas.

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I. CRISE ÉTICO-MORAL NA NOSSA SOCIEDADE

b) Uma autonomia questionada

Com Descartes, Kant e Iluminismo se pensou que afinal estava criado o “homem da razão”, autônomo, livre, sujeito de si e da história, detentor de direitos.

Mas quatro personagens dos dois últimos séculos nos deixaram alguns recados importantes, que contestam tal pretensão.

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I. CRISE ÉTICO-MORAL NA NOSSA SOCIEDADE

São eles:

1) Karl Marx, que sublinhou o papel das forças sociais que marcam o ser humano como um todo. Segundo ele, nós pensamos e agimos sob a influência destas forças. Marx chega a afirmar no seu livro Ideologia Alemã, que “não é a consciência dos homens que determina a sua existência, mas, ao contrário, é a sua existência social que determina a sua consciência”. Esta afirmação tornou-se o “a b c” do materialismo histórico.

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I. CRISE ÉTICO-MORAL NA NOSSA SOCIEDADE

2. Sigmund Freud lembra-nos, por sua vez, a força dos instintos e suas repercussões sobre o agir do ser humano. Ressalta igualmente o papel dos interditos (proibições), através do qual a sociedade busca fazer frente a esses instintos.

Os interditos condicionam nosso sistema de reflexos formando assim o que seria a consciência, o superego.

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I. CRISE ÉTICO-MORAL NA NOSSA SOCIEDADE

Além disso, a escola freudiana tenta demonstrar a ligação que existe entre o nosso inconsciente e os nossos comportamentos e ações.

Estes são percebidos como sintomas de uma realidade psíquica mais profunda, lançando uma enorme dúvida sobre o real espaço de liberdade que dispomos.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

3) Friedrich Nietzsche, numa critica à sociedade existente, mostra as disparidade sócio-culturais das morais e dos costumes em vigor, rejeita a moral existente e nega a validade da organização política vigente. Para ele, não há verdade moral nem hierarquia de valores.

Prega que o progresso da sociedade só acontecerá depois que destruirmos sua organização atual. É o niilismo proclamado; chega-se a falar até da “morte de Deus”.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

4) Claude Lévi-Strauss, nascido em 1908, mostra que o cogito, este “eu penso”, funciona no interior de uma cultura da qual ele é reflexo. Ou seja, eu penso como pensa o “o mundo” em volta de mim.

Existe aí uma reciprocidade entre o “sujeito” e o “outro”. No estruturalismo (de Lévi Strauss), o centro não está no “eu”, mas no “outro”. Toda a vida coletiva seguirá esta lógica.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

Dito e recolhido isto, o ser humano não seria tão poderoso assim, como imaginaram os modernos. Ele dependeria, na verdade, de toda uma rede de referências tecidas fora de si mesmo, condicionando-o fortemente.

É como se a percepção de si, dos outros e das coisas fosse reflexo de uma visão vinda de fora. Isto influenciaria a formação da própria consciência. Todos somos, sob alguma forma e medida, condicionados.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

2. O fascínio da produção

Como foi visto, a modernidade deu importância crucial à razão. Ao mesmo tempo, fez da produção a mola-mestre para a satisfação da suas necessidades. As ciências passaram a imperar. Merece crédito e, portanto, tem valor, o que pode ser comprovado cientificamente.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

A razão está na base do mundo técnico-científico de nossos dias. Este impôs algumas regras de valor. Por exemplo, o conhecimento produzido pelo ser humano deve passar pelo crivo da experiência científica para ser válido. Vale o que pode ser comprovado por experiências científicas.

Em primeiro lugar está o interesse técnico. Este vai estabelecer o que é útil, eficiente e lucrativo. Tudo passa a ser medido, calculado, verificado.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

A voracidade do ter, capitalizado, aparece como a tentação constante deste sistema. Quem conta, na verdade, são os que conseguem competir e sobreviver. Os demais, excluídos do sistema, são entregues à própria sorte, sacrificados. E a natureza, por sua vez, é sugada ao máximo, numa visão utilitarista, lucrativa e de acúmulo. Isto levou a uma “lógica” da depredação, apontando para a existência de um desenvolvimento insustentável.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

3. O processo de secularização

O referencial religioso/transcendente foi substituído, criando um novo tipo de relação entre as sociedades modernas e a religião. Um processo de secularização muito profundo se fazia presente.

Esta modernidade, tão ciosa de sua autonomia, mostrou, por sua vez, que pode cair em visões reducionistas do ser humano e da realidade como um todo. Isso acontece quando assume uma visão cientista ou laicista. Vamos explicar isso.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

Cientismo. O que é isto? É a pretensão de utilizar as leis de uma determinada ciência para todos os outros campos e dar explicações para tudo, mesmo na religião (muitas vezes para esvaziá-la).

O laicismo quer aqui apontar para aquela forma de ocupar o espaço público para desvalorizar ou ridicularizar os diferentes credos. Falamos, então, de uma sociedade “laica”, ou seja, sem os referenciais religiosos.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

Outra característica estreitamente ligada à precedente é o antidogmatismo: a hostilidade contra qualquer forma de verdade, princípios, normas absolutas. O homem moderno é antidogmatico e antitradicional: a partir do século do Iluminismo, tornou-se cada vez mais rebelde a aceitar qualquer afirmação ou verdade que não venha de si mesmo ou que, pelo menos, não possa ser por ele compreendida e verificada experimentalmente; tem, pois, profunda aversão a tudo que foi transmitido pelo passado, a qualquer forma de tradição. A idéia de tradição foi substituída pela de evolução e de progresso. A “perfeição”, o modelo ideal, portanto, não está no passado, mas no futuro.

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O homem moderno considera-se como essencialmente livre: a liberdade é o seu próprio ser, como disse Sartre. A liberdade não é simplesmente uma perfeição aplicável a uma liberdade a uma faculdade, a vontade, como afirmava a filosofia escolástica, mas um dote do homem na sua totalidade. Graças a tal conceito de liberdade, o homem atual reivindica para si o direito de realizar-se como quiser, em harmonia ou em oposição à tradição, à sociedade, à ordem constituída.

Porém, basta olhar com atenção para o que realmente acontece na nossa sociedade para verificarmos que essa pretensa liberdade é profundamente equivocada.

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O homem moderno tornou-se eminentemente prático: é conduzido para a ação. O que o atrai e absorve completamente é o fazer, produzir, trabalhar. Não encontra mais tempo para pensar, meditar, contemplar, e, sobretudo, isso não mais o interessa. Mesmo quando pensa, reflete, estuda, tem sempre em vista algum resultado concreto. A razão não exerce mais a função de perceber, mas a de produzir. Não se esforça mais para colher essência permanente da realidade, mas quer conhecer para transformar: o pensamento moderno é um pensamento que produz e opera. É pragmático: a realidade é sinônimo de atividade. Não se verifica as idéias estabelecidas um confronto com as idéias eternas, mas através da práxis e de seus resultados.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

Não podendo mais viver isolado, o homem moderno não se sente apenas envolvido nos acontecimentos em relação a seus semelhantes, mas torna-se solidário com eles: empenha-se pelos outros, procura ajudá-los a vencer a escravidão. A opressão, a violência, a injustiça, a fome, etc. Mas a socialização conduz muitas vezes às massificações: o indivíduo é arrastado pela massa; os meios de comunicação, os jornais, principalmente a internet fazem um ótimo trabalho de homologação na forma de pensa da massa e dos indivíduos que compõem essa massa; os direitos e valores pessoais são até reconhecidos, mas na prática, não se concretiza.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

Outro produto da socialização, e da massificação é a anomínia. O individuo desaparece na massa. Para a sociedade não conta mais o indivíduo como Pedro, Paulo, João, mas apenas como unidade no sistema de produção, no corpo eleitoral, na classe dos estudantes. Nos hospitais, particularmente públicos, os pacientes não são vistos como pessoas, mas como número; são totalmente descartáveis O homem moderno é desorientado e inseguro: perdeu qualquer princípio seguro de orientação e não consegue mais achar parâmetros válidos para fundamentar os próprios julgamentos. Não sabe mais distinguir entre o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, o justo de desonesto, o ilícito do ilícito, o decente e o indecente, etc. não tem nenhum ponto certo de apoio; vive como que suspenso no vazio.

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As antigas certezas culturais desabaram; os valores sobre os quais, durante muitos séculos, se assentaram nossa civilização desapareceram quase por completo; os pontos de referência para o progresso humano e ético, ação perderam a consistência.

O fato é que hoje não se sabe o que crer, nem no campo religioso, nem no político, sindical, econômico, educativo e ainda menos no campo filosófico. Centro criticante de tudo, o homem do nosso tempo está ele próprio, por sua vez, em crise profunda. Estranho a si mesmo, num mundo estranho e estrangeiro, ele se pergunta, como profunda ânsia, sobre o sentido de sua existência e sobre a finalidade de sua vida.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

O homem moderno, não obstante toda a sua opulência, ciência, poder, técnica, encontra-se mais do que nunca sob o peso enorme e insuportável de uma capa opressiva: é oprimido muitas vezes muitas vezes pelas necessidades mais elementares: pela fome, sede, miséria; é oprimido e obcecado pelo sexo, transformado em ídolo que o tiraniza cada vez mais; é oprimido por uma série infinita de necessidades através de uma propaganda astuciosa, acompanhada de uma total ausência de espírito crítico. É oprimido pela falsidade, pela mentira, pelo engano; é oprimido pela violência ora patente, ora mascarada; é oprimido pelo trabalho etc.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

Na face do homem moderno, marcada pela opressão e pela alienação, vem também impressa a marca da perversão: o homem do nosso século tornou-se escravo dos próprios instintos: egoísmo, prazer, inveja, sensualidade, mentira, avidez, fraude. Recorre a qualquer meio para satisfazer suas múltiplas paixões. Pouco importa se desse modo ofende o próximo, lesa seus direitos, talvez o próprio direito à existência (inclusive dos filhos). O importante é que triunfe o prazer e o bem-estar. A sociedade de consumo cultiva e incentiva seu impulso para o egoísmo, o erotismo, a ostentação, a violência, etc.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

Erigindo a liberdade em valor supremo, os chamados estados democráticos toleram que o exercício incontrolado da liberdade, da parte de alguns poucos, ofenda, fira, mutile ou mais diretamente elimine a liberdade de todos os demais. Enquanto de um lado escasseiam as instituições que patrocinam os ideais espirituais da vida humana (a moral e a religião), o poder civil autoriza, torna respeitáveis e legais suas mais brutais manifestações. O homem do século XXI, ao invés de elevar-se, caminha cada vez mais em direção ao abismo, torna-se mais corrupto e mergulhado num oceano de delinqüência.

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I. A CRISE ÉTICO-MORAL EM NOSSA SOCIEDADE

Há, finalmente, a marca da frustração, da angustia e do desespero. Pensadores, literatos, filósofos e teólogos estão de acordo em reconhecer que um dos traços característicos do homem moderno é a angustia. O que domina na vida da grande maioria das pessoas é a falta do gosto de viver, é a desorientação sobretudo a respeito do motivo pelo qual vive, trabalha, estuda; enfim, é o vazio existencial.

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tese II: O QUE É O SENSO ÉTICO

PONTO DE PARTIDA: A EXPERIÊNCIA

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INTRODUÇÃO

Como introdução à primeira premissa colocamos logo uma página do livro de Aléxis Carrel:  “Na enervante comodidade da vida moderna, o conjunto de regras que dão consistência à vida se reduziu a mingau; (...) a maior parte dos esforços que o mundo cósmico impunha desapareceu e com eles desapareceu o esforço criativo da personalidade (...). A fronteira entre o bem e o mal se desvaneceu, a divisão reina em toda à parte (...). Pouca observação e muito raciocínio conduzem ao erro. Muita observação e pouco raciocínio conduzem à verdade”.

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1. SENSO ÉTICO-MORAL. O QUE É?

Este texto de Carrel introduziu bem o que significa partir da realidade: para uma investigação séria sobre qualquer acontecimento é necessário realismo.

A nossa intenção aqui é partir logo do fato para ter um conhecimento adequado de qualquer aspecto da realidade é preciso não privilegiar um esquema que já tenhamos em mente e, sim, procurar ter uma observação global, apaixonada e insistente do fato, isto é, do acontecimento real.

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1. SENSO ÉTICO-MORAL. O QUE É?

Queremos aplicar este método do realismo a um conceito básico da ética cristã, que é o senso ético-moral.

Comecemos por perguntar: em que consiste este senso ético-moral? É preciso dizer logo que se trata de um dado de fato, faz parte da essência do meu ser. Portanto, se trata de um dado que está presente no ser humano desde a origem da sua existência.

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1. SENSO ÉTICO-MORAL. O QUE É?

Com efeito, nós só podemos dizer que uma coisa corresponde a nós se encontrarmos algum tipo de sintonia entre aquilo que nos é proposto e a nossa experiência pessoal. Ou seja, se existir dentro de nós algo que nos permita verificar e dizer: esta coisa tem a ver comigo, corresponde ao meu ser.

Com efeito, quando dizemos que um ato é bom ou mau, são tais em relação a quê? Qual é a norma ou o critério para definir a bondade ou a malícia de um ato?

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1. SENSO ÉTICO-MORAL. O QUE É?

Não há dúvida de que para responder a essas perguntas, temos que admitir que existe em nós algo que nos é dado pela nossa natureza (aqui a palavra “natureza”, evidentemente, esconde a palavra “Deus”, indício da origem última do nosso eu), ou seja, a consciência ético-moral ou senso ético-moral (ou, ainda, senso crítico).

De fato, como poderíamos justificar expressões de homens de todos os tempos, tais como: “não faças ao outro aquilo que você não quer que seja feito contigo” ou “faça o bem e evita o mal”, sem admitir que existe, na própria estrutura do nosso ser, esse dado do senso ético-moral?

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2. Uma reflexão sobre a própria experiência

Como encarar esse senso-ético moral, para termos certeza de conseguir conhecê-lo bem?

O realismo exige que, para observar um objeto de modo tal que ele seja conhecido, o método não seja imaginado, pensado, organizado ou criado pelo sujeito, mas imposto pelo objeto. Ora, que tipo de fenômeno é o senso ético-moral? É um fenômeno que diz respeito ao ser humano, é algo que se relaciona com a pessoa.

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2. Uma reflexão sobre a própria experiência

Então, como agir? Em se tratando, pois, de um fenômeno que se passa em mim, que interessa à minha consciência e ao meu eu como pessoa, é sobre mim mesmo que devo refletir. Faz-se necessária uma investigação existencial.

Uma vez terminada tal investigação, ser-me-á muito útil confrontar os resultados com o que pensadores e filósofos dizem a respeito. Porém, se não fosse enriquecimento ou confirmação, como conseqüência de uma reflexão que eu pessoalmente já fiz, o parecer de outrem seria somente alienante. É preciso verificar pessoalmente, ou seja, partir da própria experiência.

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2. A experiência implica uma avaliação

Gostaria de precisar que a palavra "experiência" não significa exclusivamente "provar": o homem experimentado não aquele que acumula experiências – fatos e sensações.

Por isso, o que caracteriza a experiência não é tanto o fazer, o estabelecer relações com a realidade como fato mecânico; (...) o que caracteriza a experiência é compreender uma coisa, descobrir-lhe o sentido. A experiência implica, pois, a inteligência do sentido das coisas.

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3. Critério para a avaliação

Sem a capacidade de avaliação, não podemos fazer experiência das coisas. Mas que critério usar para realizar tal avaliação? Duas as possibilidades:

a) O critério em base no qual julgar aquilo que se vê em nós é buscado fora de nós ...b) Ou é encontrado dentro de nós...Qual das duas possibilidades é a mais razoável?Com certeza só pode ser aquela que considera que o critério está dentro de nós. Mas porque esta última é a mais razoável?

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3. Critério para a avaliação

Em consiste este critério de avaliação?

Se trata de um complexo de exigências e evidências originais com a qual o homem é projetado no confronto com tudo aquilo que existe. A tais exigências podem ser dados muitos nomes, tais como: exigência de verdade, de felicidade, de justiça, de amor, etc.

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3. Critério para a avaliação

É muito fácil verificar o quanto esse critério de juízo é importante para a vida. Com efeito, todas as decisões que na vida somos obrigados a tomar, inevitavelmente temos que confrontá-las com esse senso critico, ou seja, com a exigência de verdade, de justiça, de amor que encontramos dentro de nós, que constitui como que o nosso rosto interior; ou, em outras palavras, constitui a base fundamental daquilo que acima chamamos de senso ético-moral.

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4. Coração

A Bíblia deixa muito que a base desse nosso senso crítico ou senso ético-moral é o “coração”, entendido de forma profunda e verdadeira: o coração como lugar das decisões, do afeto, da liberdade, do sentimento e da vontade. Com efeito, basta olhar para o nosso próprio coração para verificarmos o quanto é verdade que nos movemos, em tudo que fazemos, provocados por aquele complexo de exigências (de verdade, de justiça, etc.)

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4. Coração

De fato, as traições, o roubo, a corrupção, a maldade, os assassinatos, as mentiras são todos atos realizados pelos homens e mulheres, que se concretizam (quase sempre), após serem decididos no “coração”. As decisões, para o bem ou para o mal, são tomadas no mais íntimo da pessoa, ou seja, no coração.

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5. O homem, último tribunal?

Se o homem encontra dentro de si este critério de juízo, então não seria ele mesmo o critério último de tudo. Mas isto não seria a anarquia?

Ao nosso ver, são dois tipos de homem que resgatam inteiramente a estatura do ser humano: o anarquista e o autenticamente religioso.

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5. O homem, último tribunal?

A natureza do homem é relacionamento com o infinito:

a) O anarquista é a afirmação de si mesmo até o infinito...

b) E o homem autenticamente religioso é afirmação do infinito como significado de si...

Qual das duas posturas é a mais razoável, isto é, que considera todos os fatores implicados nesta questão.

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5. O homem, último tribunal?

É a postura religiosa.

Por que?

Porque, na verdade, o homem afirma a si mesmo somente quando aceita o real, isto é, o fato de que o seu próprio ser lhe é dado; ele não dá o ser a si mesmo, e nem mesmo consegue prolongar o seu ser além do limite natural das coisas: seu ser lhe é dado por Deus.

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6. Ascese para a libertação

Mais ainda: também o senso ético-moral nos é dado junto com a nossa natureza, ou seja, ao nos criar o próprio Criador nos faz com este instrumento natural que nos permite confrontar com tudo, de forma livre e consciente.

É aquilo que em ética se chama também de “lei natural”, impressa na nossa natureza; é como se fosse uma voz interior que nos diz: isto é bom, isto é mal, justo ou injusto.

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6. Ascese para a libertação

Se uma pessoa quer se tornar adulta, sem ser enganada, instrumentalizada pelos outros, deve acostumar-se a comparar cada coisa com a qual se depara com esse complexo de exigências fundamentais, com esse senso crítico. Mas isso exige de nós um trabalho, uma ascese.

Com o termo ascese queremos indicar aquele empenho do homem que visa o seu amadurecimento, o conhecimento de si mesmo, ou seja, a realização de si mesmo.

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Tese III: MORALIDADE

A INCIDÊNCIA DA MORALIDADE NO PROCESSO DO CONHECIMENTO

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1. A razão inseparável da unidade do eu

Confiar em alguém introduz um fator de postura da pessoa que nós chamamos de “moralidade”. Por isso, neste ponto queremos falar da incidência da moralidade no interior da dinâmica do conhecimento. Iniciemos com alguns exemplos: 1) Uma garota é muito boa em matemática. Há um exercício em sala de aula. Mas naquela manhã ela está sofrendo uma forte dor de estômago...;

2) Um rapaz é muito bom em redação. Na noite anterior a uma prova de redação, vai a um jantar e exagera na comida, tem uma péssima noite; no dia seguinte não consegue desenvolver bem sua redação... .

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1. A razão inseparável da unidade do eu

Então: há uma unidade profunda entre a razão e o restante do nosso eu, uma relação orgânica entre o instrumento da razão e o resto da pessoa.

- Aula de redação: o tempo passa e nada. Passados 45 minutos, surge uma idéia genial, e aluno pegando o papel, escreve, escreve...;

- Uma garota está caminhando e ouve às suas costas um “psiu, psiu”, chamando. Três possibilidades: “De novo aquele chato”; ou: “quem será?”; ou então o coração bate mais rápido porque ela sabe quem é.

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2. A razão, ligada ao sentimento

Ora, há um denominador comum para esses fenômenos: trata-se sempre de alguma coisa que intervém no horizonte do indivíduo. Algo acontece e produz, inevitável e mecanicamente uma emoção, uma comoção: chama-se sentimento.

Chama-se “valor” o objeto do conhecimento enquanto interessa à vida da razão. O valor do objeto conhecido, segundo a posição e o temperamento do homem, toca-o de modo a provocar aquela emoção que identificamos com a palavra sentimento.

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3. A hipótese de uma razão sem interferências

Existem campos de conhecimentos que são de grande interesse para o homem: o problema do destino (significado último), o problema afetivo, o problema político.

Observação! Quanto mais uma coisa interessa ao indivíduo, e quanto mais é vital (isto é, tem valor para a vida), tanto mais gera um estado de ânimo, uma reação de antipatia ou simpatia, e tanto mais a razão é condicionada por este sentimento para o conhecimento daquele valor.

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3. A hipótese de uma razão sem interferência

Desse modo, a cultura racionalista pode dizer: é claro que com aquele tipo de objeto não se pode chegar à certeza objetiva, porque pesa demais o fator sentimento.

A respeito do destino, a respeito do amor, da vida social e política nos seus ideais, “cada cabeça uma sentença”: pesa demais a posição pessoal no seu aspecto mecânico, de estado de ânimo, isto é, de sentimento.

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3. A hipótese de uma razão sem interferência

Mas até onde pode chegar, realmente, a precaução que tende a eliminar o fator s? Ela é exeqüível somente no campo científico e matemático.

Por isso - argumenta a tese racionalista – só no campo matemático e científico é que a verdade sobre o objeto por ser percebida e afirmada...

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4. Uma questão existencial e uma questão de método

a) Existencialmente, quanto mais a natureza faz com que eu me interesse por algo e, portanto, quanto mais desperta em mim curiosidade, exigência e paixão por conhecê-lo, tanto mais me impede de conhecê-lo.

b) Porém, para resolver a questãoseria um erro de método formular um princípio explicativo que tenha necessidade de eliminar um dos fatores em jogo.

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5. Um outro ponto de vista

Existe um outro ponto de vista, ou seja, uma atitude adequada que valoriza o dinamismo humano total.

Exemplo: a lente do binóculo.... A lente do binóculo não feita para dificultar a visão.... Assim deve ser compreendido o fator sentimento....

Com efeito, o sentimento deve ser imaginado como a lente de um binóculo: se estiver fora de foco dificulta a visão. Mas se for colocado em foco facilita a visão. Portanto, o ponto não é eliminar o sentimento, mas colocá-lo em foco, ou seja, no seu justo lugar.

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5. Um outro ponto de vista

Atenção! O verdadeiro problema no que diz respeito à moralidade no processo do conhecimento não é de inteligência, mas de “moral”: um problema que diz respeito ao modo de colocar-se diante da realidade.

Exemplo: Pasteur que descobriu o papel do micróbios na medicina; tal descoberta revolução a medicina... Os últimos a aceitarem a nossa descoberta foram os membros da academia de ciência de Paris... Por que?

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5. Um outro ponto de vista

Esta mesma postura pode ser assumida por muitos diante do fato religioso, profundamente relacionado aos princípios éticos universais. Com efeito, chega-se a dizer: não podemos dizer que exista princípios éticos universais e perene, até porque tais princípios mudam de acordo com a evolução da sociedade...

A pessoa pode ter todos os motivos para reconhecer que existe dentro de si esse senso ético, (que é um dom da natureza, e, portanto, tem caráter perene, até porque a natureza humana não muda, em sua essência, com o passar dos anos) e mesmo assim negá-lo como princípio perene que nos permite julgar tudo.

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6. A moralidade no processo do conhecimento

Trata-se de uma postura justa e adequada na dinâmica do conhecimento.

Que postura é esta? Ela pode ser definida assim:

“Amor maior à realidade do que às opiniões que já temos sobre ela”.

Ou:

“Amar mais a verdade do que si mesmo”.

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7. Preconceito

Amar mais a verdade do que as opiniões que já temos sobre ela quer dizer ser livre de preconceitos. Porém, “ausência de preconceitos” é impossível. Isto porque quanto mais uma pessoa é inteligência, vivaz, interessada pelas coisas, tanto mais ao deparar-se com as coisas, tem logo uma imagem ou uma idéia sobre aquela coisa.

Então, o problema não é não ter preconceito. É o que veremos a seguir.

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7. Preconceito

O verdadeiro problema é estar aberto à realidade, ou seja, disposto a se render à evidência da razão, que percebe quando a nova postura é mais razoável, mais completa como juízo de valor.

Em uma palavra: é preciso aceitar a conversão (do ponto de vista intelectual, que não exclui de forma alguma o aspecto religioso).

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7. Preconceito

Mas para que isto aconteça é preciso ser moral, ou seja, é preciso ter um apego verdadeiro à realidade pelo que ela é.

Como vimos na primeira premissa, também no processo do conhecimento se faz necessário um trabalho, uma ascese para se ter uma abertura diante das coisas, que imediatamente pode não nos agradar.

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Tese IV

I. CRITÉRIO DA MORALIDADE

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1. OBJETO

O objeto do ato humano é a matéria sobre a qual versa sobre esse ato: o amor ao próximo, o sacrificar-se pelo bem dos outros..., que está de acordo com o mandamento de Deus; o não respeito à dignidade da vida, que a lei de Deus condena. Há, pois, atos que, por seu próprio objeto, são bons ou maus. Há outros atos que, considerados em si mesmos, são moralmente indiferentes: o dormir, o comer, etc...

Ora, a moralidade do ato humano é definida primeira e basicamente pelo objeto moral desse ato. Por exemplo, o adultério tem como objeto a violação da fidelidade conjugal; esta torna o adultério intrinsecamente mau, quaisquer que seja as intenções e as circunstâncias daqueles que a cometem.

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2. A FINALIDADE

A finalidade pode ser entendida como aquilo que move alguém a praticar determinado ato; é o bem (ou o mal) que a pessoa tem em vista ao agir; chama-se então “a finalidade do sujeito operante”. Distingue-se da finalidade imanente que existe no próprio ato (“finalidade da obra”).

Assim, por exemplo, dar esmola é um ato que tem uma finalidade intrinsecamente ou imanente: ajudar os pobres. Mas posso praticar esse ato para me enaltecer vaidosamente; neste caso a finalidade do sujeito perante não coincide com a da obra. Vê-se, pois, que a finalidade do sujeito operante influi na moralidade dos seus atos (outros exemplos: conceder certos benefícios para pessoas pobres visando votos na eleição..)

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3. AS CIRCUNSTÂNCIAS

As circunstâncias são os fatores que contornam o ato humano; podem ter repercussão na moralidade do mesmo. Dizem respeito ou ao objeto do ato ou ao sujeito que age, ou ao desenrolar do ato. Enumeram-se sete circunstâncias capazes de modificar a moralidade: quem, o quê, onde, com que meios, por que, como, quando. Examinemos cada qual por si:

a) Quem - refere-se ao sujeito do ato: à sua profissão, à sua idade, ao cargo que exerce... Assim, por exemplo, a mentira dita por um adulto sadio é mais grave do que aquela cometida dita por uma criança ou por um doente mental; um professor que dê maus exemplos aos seus alunos, tem mais responsabilidade do que um funcionário da administração.

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3. AS CIRCUNSTÂNCIAS

b) O quê – Refere-se às particularidades do objeto do ato: a ofensa cometida por um filho contra seus pais é mais grave do que se a cometesse contra outras pessoas; roubar um carro é muitos mais grave do que roubar alguns pães da padaria.

c) Onde – Refere-se ao lugar em que o ato é praticado: difamar alguém perante uma assembléia é diferente de difamar em conversa com um amigo de confiança.

d) Por que – Refere-se à intenção de quem age (finalidade do sujeito). Pode modificar, por completo, a moralidade do ato; tenha-se em vista o caso de quem dá esmola para ajudar o próximo e o de quem a dá unicamente para obter voto ou ser elogiado.

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3. AS CIRCUNSTÂNCIAS

e) Com que meios - Diz respeito aos recursos aplicados por quem age. Fazer a guerra com armas atômicas é algo de especialmente grave; ajudar o próximo com dinheiro roubado é diferente de ajudar com recursos próprios.

f) Como – Diz respeito à maneira de agir: obter um favor legítimo em contexto de fingimento e mentira muda a moralidade de um ato que poderia ser moralmente bom.

g) Quando - Designa o momento em que se realiza um ato: conceber ódio momentâneo não é o mesmo que alimentar ódio duradouro; ser grosseiro com uma pessoa que está sofrendo muito pela perda de uma pessoa queria é diferente em relação a outros momentos.

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4. A INTENÇÃO

Para que um ato seja moralmente bom, requer-se que seja tal tanto por parte do objeto como por parte do fim e das circunstâncias. Se algum destes elementos for mau, o ato há de ser tido como moralmente mau.

Conseqüentemente, entende-se que o fim não justifica os meios; ainda que a pessoa tencione atingir uma meta boa, não lhe é lícito recorrer a qualquer meio; desse modo, não devo roubar nem mesmo para ajudar os outros (“Não cometamos males para que daí venham bens: Rm 3,8).

Abstratamente falando, podem-se admitir atos indiferentes do ponto de vista moral: assim passear, dormir, cantar, etc Tais atos tem um objeto neutro. No plano concreto, porém, não existem atos moralmente neutros, pois os atos humanos concretos sempre supõe uma finalidade de quem os pratica: alguém pode dormir para descansar em hora de lazer, como pode dormir para fugir do trabalho, cedendo à indolência.

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5. A CAUSA COM DUPLO EFEITO

A questão da moralidade do ato humano se torna mais difícil quando este é causa de dois efeitos: um principal, moralmente bom; outro secundário, moralmente mal. Tal caso pode ocorrer, por exemplo, quando alguém se dedica ao apostolado entre pessoas de vida não recomendável, a fim de ajudar a sair de tal situação; o freqüentar certos ambientes, embora proceda de intenções puras, pode cansa escândalo. Pergunta-se como proceder em tal caso:

É lícito praticar um ato com efeito (um bom e outro mau), desde que se preencham as cinco seguintes condições:

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5. A CAUSA COM DUPLO EFEITO

a) O ato como tal (ou em si mesmo) seja bom ou indiferente. Nunca é lícito cometer o mal (mentir, adulterar, roubar...) mesmo que tal ato possa ser portador de efeitos salutares (cf. Rm 3,8).

b) O efeito bom que se espera, deve decorrer imediatamente do ato, e não após o efeito mau; este deve ser secundário em relação àquele. Isto quer dizer, por exemplo, que não é forma alguma lícito admitir o aborto porque a jovem ficou grávida antes de se casar; qualquer justificativa nesse caso é totalmente desproporcional em relação ao valor e à dignidade da vida humana. Todavia, é moralmente permitido a um comerciante vender cigarro, apesar dos danos que pode cansar nos fumantes; tais danos são inerentes a tal comércio.

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5. A CAUSA COM DUPLO EFEITO

c) A finalidade de quem assim age, deve ser honesta. Com outras palavras: o sujeito deve intencionar diretamente o efeito bom e apenas tolerar o efeito mau como algo não desejado, mas inseparável do efeito bom.

d) Haja causa proporcionalmente grave para permitir o efeito mau. Isto significa que o efeito bom deve ser de grande valor e importante, de modo tal a compensar o efeito mau. Em conseqüência, uma pessoa que necessita trabalhar para sustentar a família pode permanecer num emprego de forma honesta, mesmo sabendo que o produto do seu trabalho vai ser utilizado para fazer mal (exemplo: construir armas com finalidade bélica...).

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5. A CAUSA COM DUPLO EFEITO

e) Não haja outro recurso para obter o efeito bom senão o da causa do duplo efeito.

Os princípios expostos são especificamente valiosos para se considera, por exemplo, o caso de uma senhora grávida cujo útero esteja canceroso. É lícito extrair-lhe o útero doente, porque o tratamento do câncer se faz geralmente pela eliminação dos tecidos contaminados; tal operação (que não realizada diretamente para matar a criança, mas para extirpar o câncer) terá como conseqüência a perda do feto; esta não é desejada, mas apenas tolerada como efeito indireto de um ato que como tal, é moralmente bom. O mesmo se diga no caso da gravidez extra-uterina: há então o perigo de hemorragias mortais, que só podem ser evitadas se se eliminar a parte afetada: é lícito então extraí-la, embora seja portadora do feto; a perda deste é permitida, e não intencionada como tal.

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Tese V: O FIM ÚLTIMO

NÃO HÁ AÇÃO HUMANA SEM UMA FINALIDADE

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I. O FIM ÚLTIMO

1. O bem e o mal objetivos

A coisa para as quais tende a atividade humana tem seu valor objetivo próprio. Há um bem e um mal objetivo que existem independentemente do querer e que se impõe a este como coisas a perseguir ou evitar.

2. Como determinar estes bem e mal objetivos?

O bem é o que nos faz realizar a perfeição de nossa natureza, quer dizer, atingir o fim último da nossa natureza;O mal é o que nos desvia dessa perfeição, fim ultimo de nossa natureza.

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I. O FIM ÚLTIMO

3. O problema moral

O problema consistirá, pois aqui, em definir qual é a essência de nossa perfeição, quer dizer, em que consiste o fim ultimo da nossa natureza. Por isto mesmo conheceremos a lei de nossa atividade moral e o que fundamenta o seu valor absoluto, como também a natureza do dever.

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II. A EXISTÊNCIA DO FIM ÚLTIMO

1. Atos do homem e atos humanos 

Há dois tipos de atos no ser humano:

Atos humanos são aqueles que pertencem ao homem enquanto ser racional e, por conseqüente, que procede de sua inteligência e de sua vontade livre. Somente os atos humanos são os objetos do estudo da Ética. Somente eles são sujeitos de moralidade.

Atos do homem são aqueles praticados de maneira inconsciente e involuntário, como respirar, digerir, dormir... São atos comuns a todos os seres vivos.

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II. A EXISTÊNCIA DO FIM ÚLTIMO

 2. Todos os atos humanos têm um fim

Essa afirmação é evidente; com efeito, a inteligência não age ao acaso. As faculdades do homem têm um objeto determinado, que é seu fim particular (a verdade é o fim da inteligência, a beleza, o fim do sentimento estético etc.) e elas são por sua vez ordenadas ao bem total do homem, que é objeto da vontade.

 

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II. A EXISTÊNCIA DO FIM ÚLTIMO 

Por isto, o fim ou o bem são o princípio e o termo dos atos humanos:Princípio, enquanto é o fim conhecido e o bem almejado que determinam o cumprimento dos atos;Termo, enquanto é para a obtenção do bem que tendem todas as atividades do homem.

4. Todos os atos humanos têm um fim último 

O fim último designa o que é desejado por si e subordina todo o resto como meio. Exemplo: aquele que gosta do dinheiro não o faz por ele mesmo, mas pelos bens materiais que lhe proporciona, e estes, por sua vez, são desejados apenas como meios de realizar um fim mais alto e último, único fim verdadeiro, a felicidade. O homem só pode ter, pois, um único fim último.

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II. A EXISTÊNCIA DO FIM ÚLTIMO 

5. O fim último, específica os atos do ponto de vista moral

Os atos não são mais do que os elementos materiais da moralidade: o elemento formal, quer dizer, a maneira pelas quais os atos procedem da razão e da vontade, em outras palavras, o fim último é o verdadeiro princípio especificador da moralidade, quer dizer, aquele que dá ao ato sua espécie ou sua qualidade objetiva, boa ou má.

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III. NATUREZA DO FIM ÚLTIMO

O homem busca necessariamente a felicidade, quer dizer, o bem em geral, enquanto ele é oposto do mal e atrai toda vontade. A felicidade: eis, portanto, o bem supremo. Mas se todos os homens desejam necessariamente a felicidade como o bem supremo; não são unânimes em colocar a felicidade nos mesmos bens concretos. Uns pensam achá-la nos bens corporais, outros no exercício das faculdades intelectuais, outros na virtude, outros no conjunto de bens finitos, etc. É possível, pois, distinguir duas espécies de fins últimos: uma subjetiva, outra objetiva, que consiste na busca da felicidade em geral; na posse do qual o homem pensa encontrar a felicidade.

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III. A EXISTÊNCIA DO FIM ÚLTIMO 

1. O fim último subjetivo

O fim último é por definição, aquilo a que a natureza tende como ao termo último de sua perfeição, ao seu bem total e absoluto, na posse do qual todos os seus desejos serão tranqüilizados e saciados e pelo qual seremos homens, tão perfeito quanto possível.

Esta perfeição se traduz para nós pela felicidade completa, porque a perfeição é, não somente o bem, mas também o nosso bem. A felicidade: Tal é, pois, o fim último subjetivo, o aspecto sob o qual todo bem tomado como fim é visto e desejado. Quaisquer que sejam os bens concretos em que o homem pensa achar sua plenitude e seu repouso, lhe aparecem necessariamente como fonte de beatitude e se identificam com a beatitude.

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III. A EXISTÊNCIA DO FIM ÚLTIMO 

Este fim último subjetivo, o homem o quer com uma tendência instintiva e fatal e diz Pascal, mesmo quando ele vai se enforcar, é a felicidade que busca. O homem não pode renunciar tanto à felicidade quanto ao próprio ser.

2. O fim último objetivo

Mas qual é, entre todos os bens que solicitam o homem, aquele que lhe trará a felicidade perfeita, para a qual tendem todos os desejos? Qual é objetivamente o verdadeiro bem, fonte da verdadeira felicidade? Só pode ser um bem absoluto, quer dizer, último e almejado por si mesmo, excluído de todo o mal, estável e ao alcance de todos. Esta última condição se lhe impõe com evidência, porque o desejo da felicidade nasce da natureza e o bem que o saciará deve ser comum a todos aqueles que participam da mesma natureza, isto é, a todos os homens.

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III. A EXISTÊNCIA DO FIM ÚLTIMO 

Ora, nestas condições: A. Nenhum dos bens criados deste mundo pode ser o supremo bem. Ciência, virtude, honrarias, saúde, riquezas: todas estas coisas são bens, mas não o bem perfeito, porque são instáveis, efêmeras por sua natureza, associadas a males diversos, encerram labor e dificuldade e não são comum a todos.

B. O próprio conjunto dos bens criados não pode constituir o bem supremo, nem, por conseguinte satisfazer ao desejo profundo do homem, porque estes bens tomados em bloco participam da fragilidade e da relatividade dos bens particulares, que eles totalizam.

 C. Apenas Deus é nosso bem supremo. Somente Ele nos pode tornar felizes, porque somente Ele realiza o bem perfeito, que a inteligência concebe e ao qual aspira à vontade. “Fizeste nosso coração para vós o meu Deus, dizia Santo Agostinho, e nosso coração estará inquieto até que repouse em Vós”.

 

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IV. A OBTENÇÃO DO FI ÚLTIMO

A obtenção da beatitude é possível a todos e obrigatório para todos.

1. É possível para todos. Com efeito, todos os homens desejam a felicidade. Ora, seria contraditório o fato que um desejo natural não possa atingir seu fim, porque a natureza vem de Deus e traduz em suas tendências profundas uma ordem desejada por Deus.2. É obrigatório para todos. O homem, como tudo que existe, é feito para Deus, e, para ele (o homem), tender para o seu fim, isto é, para Deus, é conformar sua vontade ao fim necessário de toda a criação. O homem não pode, assim, renunciar a seu fim, sem violar a ordem estabelecida por Deus, quer dizer, a ordem natural das coisas, segundo a qual tudo deve estar subordinado ao primeiro princípio do ser.

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IV. A OBTENÇÃO DO FIM ÚLTIMO

3. Começa nesta vida, pelo conhecimento e o amor de Deus, mas a felicidade não pode consumar-se plenamente a não ser na vida eterna, porque será somente no além que o homem conhecerá a Deus e amará tão perfeitamente quanto possível.

4. A vida presente é, de certa forma, uma antecipação para a plenitude. E essencialmente o que se chama uma passagem, quer dizer, uma marcha à frente, para um termo que ela não atingirá plenamente neste mundo, mas que se aproximará, na medida em que se conformar ao desígnio do Criador, condição necessária e suficiente da beatitude.

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Tese VI: A LEI MORAL

Noção e Divisão da Lei

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1. Noção e divisão da Lei

É bom enfatizarmos que a moralidade está na relação do ato humano com o seu Fim Supremo. Isto quer dizer que o Fim Supremo é uma meta que o homem deve atingir, é um modelo que o homem deve realizar para ser plenamente sim mesmo.

1. Noção de Lei

Define-se por Lei, “uma determinação da razão em vista do bem comum, promulgada por quem tem o encargo da comunidade” (Santo Tomás de Aquino). Cada palavra tem seu peso nesta definição.

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1. Noção e divisão da Lei

- A lei é “uma determinação”, uma ordem, e não um simples conselho...

- “da razão”, isto é, deve proceder da inteligência capaz de conhecer os valores...

- “bem comum”, a lei deve ter por objeto o bem da comunidade à qual ela deve se destinar...

- “por quem tem o encargo”...: só tem força de lei as ordens da autoridade legítima...

- “promulgada”, a lei deve ser publicada, pois não se refere a uma pessoa ou um caso isolado, mas a uma coletividade e a uma série de casos.

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1. Divisão e divisão da Lei

Divide-se o conceito de Lei: 1) A Lei Divina é aquela que o próprio Deus promulga diretamente. A lei humana é a que os homens promulgam no exercício da autoridade de Deus lhes transmite; deve ser o eco concreto da lei de Deus.

a) A lei divina eterna é o plano da sabedoria divina, concebido desde toda a eternidade, para levar as criaturas ao seu Fim Supremo. A lei divina eterna é a fonte primeira de todas as demais leis e o fundamento mais profundo de toda a autoridade moral.

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1. Noção e Divisão da Lei

A sagrada Escritura afirma: a sabedoria “alcança com vigor de um extremo ao outro e governa o universo diretamente” (Sab 8,1).

“Eu possuo o conselho e a prudência, são minhas a inteligência e a fortaleza, é por mim que reinam os reis, e que os príncipes decretam a justiça; por mim governam os governadores e os nobres dão sentenças justas” (Pr 8,14-16).

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1. Noção e Divisão da Lei

b) A lei divina natural é aquela que Deus promulga através da natureza das criaturas.

Pode ser física: identifica-se então com as leis da natureza, que regem as criaturas sem que haja conhecimento e liberdade por parte destas (leis gravidade, da atração da matéria, da flutuação).

Pode ser também moral: coincide então com as normas morais que o homem pode conhecer mediante a luz da razão (não matar, não roubar, honrar pai e mãe...). Trataremos em particular da lei natural moral, dada a sua grande importância.

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1. Noção e Divisão da Lei

c) a) Todos os homens têm a Lei Natural impressa no coração, de maneira que podem conhecer por meio da razão os seus princípios básicos. Contudo, o pecado original e os pecados pessoais freqüentemente obscurecem esse conhecimento, pelo que Deus quis revelar-nos a sua vontade, de modo que todos os homens pudessem conhecer o que deviam fazer para Lhe agradar com maior facilidade, firme certeza e nenhum erro.

Assim, Deus não Se contentou gravar a sua lei na natureza humana, mas proclamou-a claramente: no Monte Sinai,

quando o Povo Eleito já saíra do Egito, Deus revelou a Moisés os Dez Mandamentos, para que nunca se esquecessem de os cumprir. Os mandamentos indicam-nos de maneira certa e segura o caminho da felicidade nesta vida e na outra. Neles nos diz Deus o que é bom e o que é mau, o que é verdadeiro e o que é falso, o que Lhe agrada e o que Lhe desagrada.

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1. Noção e Divisão da Lei

2. A lei humanaa) A lei humana eclesiástica é aquela que a Igreja, como mãe e mestra, promulga para dar maior precisão à lei de Deus, seja natural, seja positiva. Jesus Cristo mesmo outorgou à autoridade eclesiástica a faculdade de legislar: “Simão Pedro, respondendo disse: ‘Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo’. Jesus lhe respondeu-lhe: ‘Bem aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi nem a carne nem o sangue que te revelaram isso, e sim meu Pai que estás nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus e o que ligares na terra será ligado no céu e o que desligares na terra será desligada no céu” (Mt 18,18; cf. Mt 28,18-20; Jo 21015-17).

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2. A LEI NATURAL MORAL

1. Existência.

A natureza é dom e obra de Deus, por isto ela manifesta ao homem deveres que o próprio Criador impõe à criatura. Hoje em dia há quem conteste a existência da lei natural, julgando que esta concepção atrela ao homem as leis físicas ou biológicas cegas, em detrimento da sua criatividade pessoal. Eis porque passamos a examinar a existência da lei natural.

a) Em todos os povos primitivos encontra-se a noção de preceitos morais básicos como: “É preciso fazer o bem,...honrar pai e mãe,...; tais normas não são atribuídas a determinado chefe ou cacique, mas à própria natureza ou à Divindade.

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3. A LEI NATURAL MORAL

b) Na Sagrada Escritura, Paulo é o arauto mas explícito da lei natural existente em todos os homens:

“Quando então os gentios, não tendo Lei, fazem naturalmente o que é prescrito pela Lei, eles, não tendo Lei, para si mesmos são Lei; eles mostram a obra da lei gravada em seus corações, dando disto testemunho sua consciência e seus pensamentos que alternadamente se acusam ou defendem...” (Rm 2, 15-16).

c) A própria razão aponta a existência da lei natural recorrendo a dois argumentos, entre outras:

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2. A LEI NATURAL MORAL

a.1) Quem admite a existência de Deus criador, admitirá que tenha infundido dentro das criaturas livres, feitas à sua imagem, algumas grandes normas que encaminhem o homem à consecução da vida eterna. Essa orientação interior é precisamente o que se chama “a lei natural”.

a.2) A negação da lei natural leva a dizer que os atos mais objetivos podem vir a ser considerados virtudes, e vice-versa. Quem não reconhece a lei natural, atribui ao Estado Civil o poder de definir o bem e o mal éticos; a vontade do Estado torna-se a fonte da moralidade e do Direito; deste princípio segue-se a legitimação do totalitarismo e da tirania, de que testemunhou-nos o século XX.

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2. A LEI NATURAL MORAL

As funestíssimas conseqüências do totalitarismo moral do Estado levaram as Nações Unidas a promulgar em 1948 a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que não é senão a reafirmação, em grande parte da lei natural.

a.3) Contra a exigência da lei natural, a mentalidade moderna afirma: o homem não pode estar sujeito à natureza; ele, que por sua inteligência, remove montanhas e aterra baías, como não tem o direito de alterar o curso mesmo de sua natureza corpórea? Tal objeção foi formulada com especial veemência a fim de tentar legitimar os meios artificiais de limitação de prole mediante os quais o homem interfere nas leis e no funcionamento do seu organismo.

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2. A LEI NATURAL MORAL

Resposta da ética cristã: o homem não pode considerar o seu corpo como considera os demais corpos da natureza física. Se o homem trata esses últimos a seu bel-prazer, desviando rios e movendo montanhas, não lhe é lícito tratar o seu corpo como bem lhe pareça. Na verdade, o corpo humano, à diferença dos corpos, faz parte integrante demais corpos, faz parte integrante de um todo que é a pessoa humana; o homem não tem um corpo, mas é um corpo vivificado por uma alma espiritual. O corpo comunica à pessoa as suas características próprias; não é mero instrumento de uma pessoa espiritual.

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2. A LEI NATURAL MORAL

2. Conteúdo da lei natural

O primeiro princípio da lei natural: “Pratica o bem, evita o mal”. Deste princípio básico deduzem-se conclusões imediatas que explicitam o que sejam o bem a ser praticado e o mal a ser evitado; tais conclusões estão formuladas na chamada “regra de ouro” (“Não faças a ninguém o que não queres que teçam a ti” Tb 4,15), como também no Decálogo (Dez Mandamentos): 1º) Amar a Deus sobre todas as coisas...2º) Não tomar o nome de Deus em vão...3º)  Guardar os domingos e festas de preceito...4º)   Honrar pai e mãe

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2. A LEI NATURAL MORAL

5º)Não matar... 6º) Não cometer adultério...7º) Não roubar...8º) Não levantar falso testemunho...9º) Não desejar as coisas alheias...10º) Não cobiçar a mulher do próximo.Destas conclusões imediatas seguem-se outras, mais remotas, que a reflexão atenta sabe deduzir: a unidade e a indissolubilidade da união conjugal, o dever de educar a alimentar os filhos, a condenação do aborto.

O princípio fundamental da lei natural da lei natural pode ser conhecido com certeza por todo homem normal, pois é evidente por si mesmo.

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2. A LEI NATURAL MORAL

3. Propriedades da Lei Natural

a) A universalidade. A lei natural é válida para todos os homens e todos o tempos. Isto se deduz da unidade da natureza, da unidade de Deus e do plano divino de salvação.

b) Imutabilidade. A lei moral em si é imutável em virtude dos princípios que acabam de ser apontados. Todavia a aplicação da lei natural nem sempre foi a mesma entre os homens de bem no decorrer da história. Com efeito, para perceber certas conclusões da lei natural, o homem depende das circunstâncias, como mostram as seguintes considerações:

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2. A LEI NATURAL MORAL

c) Não admite dispensa: significa isto que nenhum legislador humano pode dispensar da observância da Lei Natural, pois é próprio da Lei só poder ser dispensada pelo legislador, que, neste caso, é Deus.

As aparentes exceções da lei estabelecidas pela Moral nos casos de homicídio e furto não são dispensas da Lei Natural, mais interpretações autênticas, que correspondem à verdadeira idéia de Lei e não à us expressão mais ou menos acertada em preceitos escritos. A breve fórmula “não matar” (ou “não furtar”) não exprime, pela sua necessária brevidade, o conteúdo

total do mandato, que poderia exprimir-se assim: “não cometer um homicídio (ou um roubo) injusto”.

Quando uma legislação humana estabelece uma norma ou permite determinadas condutas que contradizem a Lei Natural, é só aparência de lei, e não há obrigação de a seguir, pelo contrário, deve-se rejeitá-la ou opor-se a ela (p. ex., uma legislação que aprovasse o aborto).

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2. A LEI NATURAL MORAL

d) Evidência: todos os homens conhecem a Lei Natural desde que tenham o uso da razão, e a promulgação dessa Lei coincide com a aquisição desse uso.

Parece ir contra a evidência o fato de existirem certos costumes contrários à Lei Natural (p. ex., povos que não desenvolveram a cultura); mas isso apenas significa que a evidência da razão pode ser obscurecida pelo pecado e pelas paixões.

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3. AS LEIS HUMANAS 

 

Como já se disse, são estas as leis ditadas pela legítima autoridade – quer eclesiástica, quer civil -, em ordem ao bem comum.

Que a legítima autoridade tenha verdadeiro poder – dentro de sua competência específica – para dar leis obrigatórias, é a coisa que não se pode pôr em dúvida: resulta da própria natureza da sociedade humana, que exige a direção e o domínio por meio de algumas leis (cf. Rom 13,1; At 5, 29).

Por si mesma, portanto, toda a lei humana legítima e justa é obrigatória perante Deus; isto é, toda lei que: - seja ordenada ao bem comum;- seja promulgada pela legítima autoridade e dentro de suas atribuições;- seja boa em si mesma e nas circunstâncias;- seja impostas nas devidas proporções aos súditos a ela obrigados.

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3. AS LEIS HUMANAS 

 

No entanto, quando a lei é injusta porque lhe faltem algumas destas condições, não obriga, e, em certas ocasiões, pode até ser obrigatório desobedecer-lhe abertamente.

A lei injusta, por não ter a retidão necessária e essencial a toda a lei, já não é lei pois contradiz o bem divino.

Por isso, se uma lei civil se opõe manifestamente à Lei Natural ou à Lei Divina, ou à lei eclesiástica, não obriga, e é, pelo contrário, obrigatório desobedecer-lhe, por se tratar de uma lei injusta, afetando o bem comum.

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A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O MUNDO INTEIRO NÃO VALE TANTO QUANTO CADA PESSOA

HUMANA

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I. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

a) O valor da pessoa O mundo inteiro não vale tanto quanto a menor pessoa humana; ela não pode ser comparada a nada no universo, desde o instante da sua concepção até o último instante da sua velhice. A pessoa goza de um valor e de um direito em si, que ninguém pode atribuir ou tirar. A ética cristã considerara o valor da pessoa como algo incomensurável e irredutível. “Que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua alma? Que pode o homem dar em troca da sua alma?” (Mt 16,26).

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I. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

b) A dependência original

A pessoa depende originalmente de Deus, isto é, a ética cristã evidencia no homem uma realidade que não deriva de sua procedência fenomenológica, ela é uma realidade que é relação direta e exclusiva com Deus. É um relacionamento misteriosamente pessoal, que diz respeito até ao menor dos seres humanos (cfr Mt 18,10s; 13,44ss). Este relacionamento é de um valor tão sublime e tão fundamental que não pode ser refutado de modo algum (cfr Mt 10,28-33).

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I. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A trama e de certo modo toda a orientação da ética cristã, é a correta concepção da pessoa humana e o seu valor único, própria da sua dignidade incomparável. Por isso, a ética cristã afirma como princípio fundamental, que o ser humano tem dignidade de pessoa, desde a sua concepção até à sua morte.

Por conseqüência, em toda a convivência humana bem ordenada e fecunda há que estabelecer como fundamento o princípio de que todo o homem é pessoa, isto é, natureza dotada de inteligência e de vontade livre.

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

O reconhecimento da dignidade de toda a pessoa humana e a sua centralidade na vida social é partilhada por muitos não crentes. É um conceito chave na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948) e em outros importantes textos internacionais de direitos humanos, ao mesmo tempo está incluído nas ordenações constitucionais de muitos países.

A ética cristã afirma a dignidade da pessoa humana tendo como base três tipos de argumentos a seguir:

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

1. Fundamentos filosóficos

Na linguagem corrente, designamos como pessoa todo o indivíduo humano, homem ou mulher. O conceito de pessoa encerra em si uma enorme riqueza. A pessoa é um ser único, singular, imensurável, de valor incalculável.

Por isso, não podemos tratar as pessoas como “algo”, mas como “alguém”. Tratar uma pessoa como “algo” é atribuir-lhe a consideração de uma coisa, é “coisificá-la”.

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

Aprofundando um pouco mais, e seguindo uma definição clássica proposta pelo filósofo Boécio, pessoa é “uma substância individual de natureza racional” ou, dito mais concisamente, pessoa é “um sujeito racional”.

A condição de sujeito racional, e portanto de pessoa, é própria de todo ser humano e não se perde, ainda que não se constate a racionalidade. Também são pessoas os que têm deficiências psicológicas, as crianças não nascidas, os anciãos ou os doentes que perderam o uso da razão, etc.

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

Dito de outra forma, pode-se ser melhor pessoa se se adquirem qualidades morais, mais não pode ser mais pessoa. Qualquer outra consideração, como grau de desenvolvimento, estado ou saúde, inteligência, nível cultural, raça, sexo, etnia ou religião é acidental em relação à condição de pessoa.

Ser um sujeito racional significa estar dotado de razão e liberdade.

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

A razão proporciona à pessoa capacidade para conhecer o mundo que a rodeia, para além do puramente sensível, captando a essência das coisas. O ser humano raciocina sobre as causas e o significado dos seres e dos acontecimentos. Reflete acerca de si mesmo e, em certa medida, chega ao conhecimento próprio. Com a sua razão, busca a verdade e, através desta busca, tem capacidade para descobrir o Criador, autor último de todas as coisas.

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

A liberdade proporciona o domínio sobre os próprios atos. Porque tem vontade livre, o homem se auto-determina para agir e orientar-se para o bem. A liberdade dá a capacidade de amar com amor humano; não só por impulsos emocionais, mas pelo conhecimento do bem que reconhece no outro pela razão.

O homem pode amar e entrar em comunhão com outras pessoas, em união de vontades, graças à sua capacidade de conhecer as pessoas para além das suas aparências e de unir-se a elas com amor de auto-doação.

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

A razão e a vontade denotam a existência de um princípio espiritual que tradicionalmente se chama alma. A alma designa o que há de mais íntimo no homem e de mais valor em si mesmo. A alma, por ser espiritual, é também imortal.

A alma humana, isto é, o seu espírito, dá ao homem uma grande dignidade. Pela sua interioridade, o ser humano é superior ao universo material.

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

Alma e corpo formam uma profunda unidade (unidade substancial). Graças à alma espiritual, a matéria que integra o corpo é um corpo humano e vivente e, portanto, também o corpo participa da dignidade de pessoa.

Na unidade de corpo e alma, o homem, pela sua natureza corporal, é uma síntese do universo material, o qual atinge por meio dele a sua máxima elevação e pode, com voz forte, ser aquele ponto da realidade criada que louva ao Criador, pelo dom da vida.

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

2. A origem e a condição do homem revelados no mistério da criação

Os argumentos filosóficos sobre a dignidade da pessoa humana ampliam-se notadamente pela fé cristã. Em primeiro lugar, pela origem e condição do homem reveladas no mistério da Criação. A Bíblia ensina que o homem - varão e mulher – foi criado por Deus, à sua imagem e semelhança, com capacidade para conhecer a amar o seu Criador.

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

Toda a criação material é posta por Deus sob o domínio do homem. Deste modo, o ser humano foi constituído senhor de toda a criação visível para governá-la e usá-la glorificando a Deus. Deus criou tudo para o homem, mas o homem foi criado para servir e amar a Deus e para oferecer-Lhe em seu louvor, a obra de suas mãos.

Diferentemente da criação material, o homem foi criado só para Deus: O homem, a única criatura da terra que Deus quis por si mesma. O homem na sua totalidade – corpo e alma – é querido por Deus.

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

3. O homem no mistério de Cristo, Verbo encarnado e Redentor

O panorama alarga ainda mais ao considerar os mistérios da Encarnação e da Redenção e, em suma, ao refletir sobre a inserção do homem no mistério de Cristo. A encarnação do Filho de Deus é uma manifestação muito clara do valor do homem ante Deus. Deus entrou na história assumindo uma natureza humana: Deus se tornou homem.

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

O Filho de Deus, ao assumir a natureza humana no ato da Encarnação, fez-se verdadeiramente um de nós, “semelhante em tudo a nós, exceto no pecado” (Heb 4,15). Mais ainda, ao assumir a natureza humana, de alguma forma o Verbo de Deus uniu-se a todo o homem. Esta união de Cristo com todos os seres humanos que existiram, existem e existirão é uma exigência da Redenção. A Redenção estende-se ao que foi assumido e, portanto, é universal, já que Cristo morreu por todos.

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

Deste modo, em Cristo, a natureza humana assumida foi elevada, também em nós, a uma dignidade sem comparação.

Além da dignidade conferida à natureza humana pela encarnação do Verbo, o homem foi chamado a ser filho de Deus e a participar da natureza divina. Esta vocação divina a ser filho de Deus em Cristo dá ao homem uma nova dignidade: a Bíblia chama a isto de nova criação. Em Cristo nos tornamos uma nova criatura, afirma São Paulo.

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

4. Igualdade fundamental de todos os homens

Há uma igualdade essencial de todos os homens pela sua comum natureza humana e dignidade de pessoa. Esta igualdade é especialmente considerada na Bíblia.

“Deus de um só homem fez sair todo o gênero humano, para que habitasse sobre a face da terra” (Rm 10, 12).

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II. Fundamentos filosóficos e teológicos da dignidade humana

A dignidade humana abrange, de igual modo, todos os seres humanos, sem distinção de raça, etnia, crença ou condição. Também não há diferença e dignidade entre homem e mulher, já ambos são seres humanos no mesmo grau.

Esta igualdade fundamental entre todos os homens não se opõe à diferença que permanentemente constatamos entre todas e cada uma das pessoas. Cada pessoa é singular, única, sem igual. Não obstante, enquanto seres humanos, somos todos iguais.

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III. DIREITOS DA PESSOA HUMANA

A formulação dos direitos da pessoa - chamados também direitos humanos, direitos naturais – é relativamente recente. No entanto, o seu conceito está implícito em toda a tradição cristã. Já no Decálogo se coloca em relevo os deveres e, por conseguinte, indiretamente, os direitos fundamentais inerentes à natureza da pessoa humana.

Os direitos humanos têm sido progressivamente assumidos pela comunidade internacional e incluídos em muitas constituições políticas como base para a legislação.

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III. DIREITOS DA PESSOA HUMANA

1. Fundamentos antropológicos e teológicos dos direitos humanos

Todo ser humano é pessoa, e que, por esta razão, possui em si mesmo direitos e deveres que emanam diretamente da sua própria natureza. Estes direitos são, por isso, universais e invioláveis, que não podem absolutamente desconsiderados.

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III. DIREITOS DA PESSOA HUMANA

Donde se deduz que todos os homens têm os mesmos direitos fundamentais, independentes e anteriores ao seu reconhecimento e promulgação por parte da sociedade através das leis.

São direitos que, por derivarem da dignidade inata de todo o ser humano, são anteriores à sociedade; aliás, são exatamente por causa destes direitos que a sociedade promulga as leis.

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III. DIREITOS DA PESSOA HUMANA

Não é a sociedade quem concebe os direitos humanos, mas estes pertencem às pessoas como algo próprio. Não obstante, é muito conveniente que os direitos sejam reconhecidos e defendidos pelas instituições sociais e políticas, já que através dos direitos humanos a dignidade da pessoa tem eficácia operativa.

De fato, muitos países regem-se por leis constitucionais alicerçadas em grande número de direitos fundamentais.

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III. DIREITOS DA PESSOA HUMANA

Os direitos da pessoa radicam na verdade do homem, incluindo o necessário para o seu desenvolvimento humano. Para desenvolver-se como ser humano, o homem necessita que se respeite tudo aquilo que contribui para melhorar a sua humanidade.

Os direitos naturais estão, pois, unidos a deveres ou obrigações morais de quem possui esses direitos. Assim, o direito à vida está unido ao dever de conservá-la, o direito de procurar a verdade ao dever de procurá-la com maior profundidade e amplitude.

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III. DIREITOS DA PESSOA HUMANA

2. Direitos humanos na doutrina social da Igreja

Nos documentos da DSI enumeram-se vários direitos fundamentais da pessoa. Tais direitos são:

a) Direitos pessoais. Entre eles apontamos:

- O direito à vida, incluindo o direito a nascer do filho concebido.

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III. DIREITOS DA PESSOA HUMANA

- Direito de desenvolver a própria inteligência e a própria liberdade através da busca do conhecimento da verdade. E, em relação com este direito, o direito à liberdade religiosa e de culto e o direito a seguir a própria consciência.

- Direito a gozar de um ambiente moral favorável ao desenvolvimento da própria personalidade.

- Direito a gozar de personalidade jurídica.

- Direito à liberdade de educação e cultura.

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III. DIREITOS DA PESSOA HUMANA

- Direito ao devido respeito pela pessoa e a boa reputação social. - Direito à livre escolha de estado.

b) Direitos sociais, econômicos e políticos. Tais direitos são:- Direito a construir livremente uma família, a gerar e educar os filhos, fazendo uso responsável da própria sexualidade.- Direito a exprimir e difundir publicamente a própria opinião dentro do limite da moral e do bem comum (liberdade de expressão)

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III. DIREITOS DA PESSOA HUMANA

- Direito ao devido respeito pela pessoa e a boa reputação social. - Direito à livre escolha de estado.

b) Direitos sociais, econômicos e políticos. Tais direitos são:- Direito a construir livremente uma família, a gerar e educar os filhos, fazendo uso responsável da própria sexualidade.- Direito a exprimir e difundir publicamente a própria opinião dentro do limite da moral e do bem comum (liberdade de expressão)

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III. DIREITOS DA PESSOA HUMANA

- Direito a dispor de uma informação objetiva dos acontecimentos públicos (liberdade de informação).- Direito a ter acesso à educação e à cultura, segundo as capacidades de cada um e das possibilidades de cada país.- Direito de associação e reunião.- Direito de participar da vida pública- etc.

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A CONSCIÊNCIA MORAL DO CRISTÃO

 O HOMEM, A CONSCIÊNCIA E A MORALIDADE DOS SEUS ATOS

 

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

1.O homem é por natureza um ser livre. No homem a liberdade é uma força que o move rumo à verdade, à bondade e a felicidade: a liberdade se realiza ordenando-se a Deus.

Na existência a liberdade é uma tensão contínua em direção ao bem último: esta condição implica a possibilidade do homem escolher o bem, movendo-se em direção a perfeição; mas, também, é possível que o homem direciona sua vida rumo ao mal e, conseqüentemente, viva uma degradação de si.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

É escolhendo e fazendo o bem que o homem se torna livre. A liberdade faz com que a pessoa seja responsável pelos seus atos, na medida em são voluntários. O direito ao exercício da liberdade é um dos direitos fundamentais do ser humano; toda sociedade, para ser justa, deve promover e tutelar tais direitos.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

2. A liberdade torna o homem sujeito moral, isto é, responsável pelos atos que realiza e pelo valor desse ato. A moralidade dos atos humanos dependem: 

a) do objeto escolhido, que representa o bem ao qual se ordena a ação de forma livre e responsável;

b) da intenção, que representa o movimento da pessoa a um fim. Uma intenção boa não torna positivo um comportamento em si incorreto ( ex. não se justifica uma mentira afirmando que se teve uma boa intenção, pois o objetivo era ajudar alguém ); ao contrário, uma intenção má afeta um ato bom ( ex. ajudar os outros buscando somente a estima social );

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

c) das circunstâncias da ação, isto é, das condições nas quais se realiza um gesto (ambiente social, pressão social ou quando se é constrangido a agir), que, todavia, não modificam a qualidade dos atos, mas podem atenuar ou agravar a responsabilidade social.

Um ato para ser moralmente bom, implica que se manifeste a presença da bondade do objeto, a finalidade e as circunstâncias: a falta de uma só destas condições torna uma ação má.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

3. Todos os homens experimentam paixões ou sentimentos que os impelem a agir mais decididamente em direção ao bem ou a distanciar-se deste bem.

As paixões ou sentimentos são componentes da sensibilidade humana, em força da qual a pessoa sente atração em direção ao bem ou em direção ao mal.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

As principais paixões são o amor, o desejo, a alegria, o ódio, o temor, a tristeza e a alegria.

As paixões em si mesmas não são moralmente nem boas e nem más: se tornam bem quando contribuem a uma ação boa; caso contrário, são más. Existe perfeição da ação quando o homem se orienta para o bem não só com a vontade, mas também com a força dos sentimentos.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

4. “No íntimo de sua consciência, o homem descobre uma lei que não é dada por si mesmo e a qual deve obedecer. Essa lei é uma voz que o chama sempre a amar o bem e a fugir do mal. Ela fala diretamente aos ouvidos do seu coração”: são estas as palavras com as quais a constituição Gaudium et Spes, identifica a existência da consciência moral, que está presente no interior de cada pessoa.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

A consciência moral, em força de uma lei inscrita por Deus no coração do homem, o impele a reconhecer e fazer o bem e a evitar o mal.

O homem tem então, dentro de si, o critério de juízo do bem e do mal: portanto, deve seguir a sua consciência para realizar o bem e distanciar-se do mal. Diante de qualquer situação o homem deve ter consciência do direito de escolher e de agir.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

5. O homem aperfeiçoa a sua natureza através da virtude, que é uma disposição a fazer o bem, amadurecida através de atos bons que se torna estável. O homem é virtuoso se persegue livremente o bem durante a sua vida: com o comportamento virtuoso ele descobre todas as potencialidades positivas do seu ser. As virtudes são cardiais e teologais: as cardeais são tais porque são a base de todas as virtudes humanas; as teologais permitem ao cristão participar da natureza divina e, então, o torna capaz de viver a imitação de Cristo.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

As virtudes cardeais são:a) A prudência, isto é, a capacidade de escolher, em cada circunstância, os meios adequados para realizar o verdadeiro bem;

b) A justiça, isto é, a disposição a dar a Deus e ao próximo o que lhes são devido. A justiça move o cristão a respeitar cada pessoa, a viver os relacionamentos humanos de um modo autêntico e a empenhar-se por uma convivência social baseada em promoções dos direitos, sob critérios de valoração de cada pessoa e uma distribuição justa dos bem comum;

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

c) A fortaleza, isto é, aquela energia que permite à pessoa viver a dificuldade da vida mantendo e reforçando a sua tensão para o bem;

d) A temperança, isto é, aquela força de vontade que torna a pessoa capaz de ser equilibrado no uso dos bens matérias e de dominar os seu instinto, orientando-o para o bem.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

• As virtudes teologais são:  a) A fé, que consiste no reconhecer que

Cristo é o filho de Deus e está presente na vida da Igreja;b) A esperança, isto é, viver fundamentado na plena confiança de que a promessa do Reino de Deus e da felicidade eterna que Cristo trouxe, se realizará plenamente;c) A caridade, isto é, o mandamento do amor que Cristo realizou, em força do qual o homem ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. A caridade é amar o destino de cada pessoa; isto é, querer o seu bem total, e o querer de modo concreto.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

6. A vida do cristão é, pois, sustentada pelos dons do Espírito Santo, que aperfeiçoam as virtudes. O dom do Espírito Santo são sete: sabedoria, conhecimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus.

Além disso, os dons do Espírito Santo produz no homem outros frutos, isto é, perfeições que representam a antecipação da vida eterna. A tradição da Igreja indica doze: amor, alegria, paz, paciência, longanimidade, bondade, benevolência, bravura, fidelidade, modéstia, continência e castidade.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

7. O homem, mesmo com a consciência orientada para o bem e sustentado pela graça divina, carrega dentro de si uma ferida original, que o leva a cair continuamente no pecado e do qual só a misericórdia de Deus pode resgatá-lo. O pecado é uma falta no amor a Deus e ao próximo, determinada por uma posse errada a certos bens inferiores , preferidos ante que a Deus.

8. O pecado se distingue em mortal e venial: é mortal se infringe de modo grave a lei divina, anulando do coração do homem o amor a Deus; venial se ofende e afeta este amor, mas não o elimina.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

9. Para que exista pecado mortal é necessário duas condições: ter cometido um ato gravemente contrario à lei divina, classificado como matéria grave; tê-lo realizado com plena advertência e livre consentimento. Para que o amor de Deus seja regenerado é necessário a Sua iniciativa misericordiosa e o sincero arrependimento do homem: normalmente isto acontece no sacramento da Reconciliação.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

Se comete pecado venial quando se realiza gestos que não produz violação grave da lei divina ou quando se comete um fato grave, mas sem consciência e deliberado consentimento: para reparar a desordem provocada pelo pecado venial é suficiente o amor a Deus, que não foi afetado no coração do homem por tal pecado.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

10. Se permanecermos no pecado - mesmo que este não destrua a consciência moral -, ele fortifica e afeta a conduta moral. A repetição dos pecados gera o vício que é uma disposição consolidada para o mal: entre aqueles vários que devemos temer estão os pecados capitais (soberba, avareza, inveja, ira, luxúria, gula, preguiça ).

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

11. O homem é chamado ao bem, mas está ferido pelo pecado. Por isso, sozinho não pode realizar aquilo para o qual Deus o destinou. Desse modo, tem necessidade da intervenção de Deus que, de fato, tomou iniciativa, Ele mesmo, e interveio no caminho do homem: já lhe deu a lei moral, que é a via pela qual o homem, percorrendo-a, encontra a sua liberdade e o seu verdadeiro rosto

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I.CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

12. As expressões da lei moral são diversas. Na busca do bem, o homem é orientado por essas expressões da lei moral. Dentre estas são importantes:

a) A lei moral natural: inscrita no coração do homem e estabelecida pela razão, indica os valores positivos que toda pessoa pode descobrir em si e que permite perseguir o pessoal e social.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

b) A lei antiga: são as prescrições morais que Deus estabeleceu para o seu povo (o povo hebraico) e que são reassumidas nos dez mandamentos. Através da lei antiga Deus proíbe a seu povo o mal e indica aquilo que é essencial para viver o amor a Deus e ao próximo.

c) A lei nova: realização da lei antiga; é a lei do amor que Cristo deu aos homens e que coincide com a Sua pessoa. Cristo, de fato, é a realização da lei: é amando-O e vivendo como Ele, isto é, imitando-O, que o homem realiza a si mesmo A lei moral nova é a bem-aventuranças ( Mt 5,1-12 ).

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

13. O homem pode viver a lei moral em força da graça divina (graça santificante) que o sustenta no caminho ao bem: à força da graça deve corresponder porém, a liberdade e a adesão da pessoa. É da colaboração entre graça divina e a liberdade humana que o homem se torna partícipe da vida nova que está em Cristo e realiza o desejo de bem que está em si.

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

Na vida cristã os dez mandamentos encontram o seu significado pleno. Cristo mesmo indica isso quando, respondendo uma pergunta, afirmou: “Amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua inteligência. Este é primeiro e o maior de todos os mandamentos. E o segundo é similar ao primeiro: amarás ao próximo como a si mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas” (Mt 22, 37-40).

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I. CONSCIÊNCIA E MORALIDADE DOS ATOS

Com isto, Cristo afirma que o valor e o sentido dos mandamentos é o amor. Desse modo, observar os mandamentos é assumir o amor de Cristo, isto é, o seu olhar a Deus, a si mesmo, aos irmãos e à realidade. É neste olhar de amor que o homem realiza a si mesmo.

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O AGIR CRISTÃO

A MORALIDADE NOVA

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I. A MORALIDADE NOVA

1. Do batismo à nova moralidade O Cristianismo é o acontecimento de um homem novo que por sua natureza se torna um protagonista novo no cenário do mundo. O homem novo nasce no batismo, o primeiro sacramento que o insere no mistério de Cristo e da Igreja. Somente no pertencer a uma comunidade viva, o batizado toma consciência de ser criatura nova.

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I. A MORALIDADE NOVA

Ao pertencer a pessoa experimenta uma mudança real: pensa, percebe, julga, sente, trabalha de um modo profundamente diferente. Esse pertencer possibilita à pessoa viver a experiência de um novo significado e de uma nova unidade.

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I. A MORALIDADE NOVA

Tornar-se uma criatura nova significa ter uma consciência nova, uma capacidade de olhar e de compreender o real que os outros não conseguem ter, uma afeição nova, uma capacidade de adesão e de dedicação ao real que não é nem mesmo imaginável. Do pertencer à comunhão em Cristo nasce uma nova concepção do problema moral.

Jesus disse: “Sejais perfeitos como é perfeito meu Pai que está nos céus”. Isto significa que a moralidade é um “correr”, como disse São Paulo na carta aos Filipenses, é uma tensão. Pode-se errar mil vezes ao dia, mas mil vezes retomar o caminho.

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I. A MORALIDADE NOVA

  A este propósito, segue uma belíssima poesia de Eliot:

“E adveio então, num instante predeterminado, / um momento no tempo e do tempo, / Um momento não fora do tempo, mas no tempo, / naquilo que chamamos história: seccionando, dividindo / a esfera do tempo, um momento no tempo, mas não / como um momento do tempo,/ Um momento no tempo, mas o tempo foi feito / através desse momento, pois sem significado não há / tempo, e aquele momento do tempo lhe deu o sentido./ Pareceu então que os homens deviam seguir / de luz em luz, na luz do Verbo, / Através do Sacrifício e da Paixão salvos a despeito / da negatividade que o ser de cada qual continha;/ Bestiais como sempre, carnais, egoístas, / interesseiros e obtusos como sempre haviam sido / E ainda assim lutando, sempre reafirmando / e recomeçando a marcha num caminho que fora iluminado / pela luz; / Tantas vezes parando, perdendo tempo, desviando-se, / atrasando-se e voltando, mas jamais seguindo outro caminho.”

(T. S. Eliot, Coros de “ARocha”)

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I. A MORALIDADE NOVA

Na confusão, na violência voraz que domina o mundo de hoje, todos falam de moral. A moral estabelece o relacionamento entre a ação que se realiza e o desígnio total. Um ato é moral quando respeita o desígnio total, quando é disponível ao Mistério e, então, mantém uma abertura a realidade como o Senhor a apresenta.

A moralidade nasce como consciência da tarefa; juntamente com os limites, é a experiência de um homem que vive o pertencer a uma realidade maior que a si mesmo.

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I. A MORALIDADE NOVA

2. A consciência de ser pecadores.

Quem é capaz desta moralidade? Todo homem na sua fraqueza é pecador. Sem ter a consciência de sermos pecadores não podemos nos relacionamos com os outros sem injustiça, sem presunção, sem pretensão e posse, calunia e mentira.

Na consciência de ser pecadores, ao contrário, surge a possibilidade de um discernimento, isto é, a falta de uma verdade para si e para o outro, o desejo de que ao menos o outro seja melhor e mais humilde que a nós mesmos.

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I. A MORALIDADE NOVA

Não se pode estabelecer nenhum relacionamento verdadeiro senão partindo da consciência de ser pecadores, daquilo que nos falta, daquilo que nos faz cair.

Qual é o homem que pode dizer: “Eu obedeço a todas as leis?” Pode-se dizer: “Reconheço estas leis como necessárias”, mas quem as observa todas? Podemos ter tantas leis, e as intenções de quem as escreve podem também parecer teoricamente todas justas, mas o homem é impotente diante dos ideais que ele mesmo coloca como fundamento sob o qual quer ser fiel no seu caminho.

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I. A MORALIDADE NOVA

3. A coerência como milagre.

A coerência é um milagre e por isso, a moralidade verdadeira é um milagre. Na fidelidade à comunidade cristã, com o tempo, uma pessoa se surpreende ao ver-se capaz de coisas que nem mesmo poderia imaginar: “ Tu Senhor és a graça.” Somente Deus mede todos os fatores do homem que age e a sua medida é uma outra medida: se chama misericórdia, para nós uma coisa incompreensível.

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I. A MORALIDADE NOVA

Por isso, a moralidade é uma tensão, uma retomada contínua. O mal não pode nos parar porque não define a criatura nova. Como uma criança que começa a andar: cai dez vezes, mas sempre se levanta e corre para os braços de sua mãe. A característica da verdadeira moralidade é o desejo de correção. O termo leva a uma palavra latina que indica caminhar sustentando-se mutuamente.

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I. A MORALIDADE NOVA

O sintoma da nova moralidade é também a ausência de escândalo: um cristão que vive o pertencer à Igreja não se escandaliza com nada; sofre, mas não se escandaliza nem com os seus limites nem com os limites dos outros.

a) A corrupção da moralidade, o moralismo.

A corrupção da moral, hoje muito difundida, se chama moralismo. O homem que não obedece e não segue com humildade, com misericórdia, traduz a moral em moralismo. O moralismo é a escolha unilateral de valores para avaliar a própria visão das coisas; o moralismo privilegia sempre um ponto de vista particular, exaltando alguns valores e esquecendo ou renegando outros.

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I. A MORALIDADE NOVA

b) O sim de Pedro.

Como a moralidade nova, ao contrário, entrou no mundo? Como se manifestou? No capítulo 21 de João, com a aparição de Jesus ressuscitado caminhando sobre as águas, a nova pesca milagrosa, o reconhecimento do mestre, as três perguntas e a resposta de Pedro, são a chave de leitura que nos ajudam a entender o fundamento da concepção cristã do homem, da sua moralidade, do seu relacionamento com Deus, com a vida e com o mundo.

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I. A MORALIDADE NOVA

“Simão, tu me amas?” “Sim, senhor, eu te amo”. Como pode dizer isso depois de tudo aquilo que tinha feito? Aquele “sim” era a afirmação do reconhecimento de um fascínio que arrastava todas as outras coisas. Tudo estava inscrito naquele olhar, coerência e incoerência era como se passassem finalmente para segundo plano; pois, Pedro era fiel àquele encontro, estava ligado àquele homem, estava totalmente tomado por aquela Presença, tudo era plasmado a partir daquela presença.

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I. A MORALIDADE NOVA

A moralidade tem a sua raiz, no “sim “ de Simão. E este “sim” pode dar frutos na terra do homem somente se este for determinado por uma Presença dominante, compreensiva, acolhida, abraçada, servida com a abertura do próprio coração; pois, somente assim o homem pode tornar novamente simples, com o coração de criança.

Sem esta Presença não existe gesto moral, não existe moralidade. Só o homem que vive esta esperança em Cristo continua toda a sua vida na ascese, no esforço para o bem.

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I. A MORALIDADE NOVA

A moralidade é uma tensão contínua ao “perfeito” que nasce de um acontecimento, reconhecido e abraçado em uma comunidade concreta.

O início de uma moralidade humana é um ato de amor; por isso, se exige a presença de alguém que marque a nossa pessoa, que junte todas as nossas forças e as solicite, atraindo-as para um bem desconhecido porém desejado e esperado: aquele bem que é mistério porque não é antes de tudo uma lista de leis, mas é um amor ao Ser: alguém pode errar mil vezes e sempre será perdoado, sempre será acolhido pelo Senhor; a única condição que o Senhor pede é que o homem diga “sim”.

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II. O relacionamento com o Mistério

1. “Tu amarás o senhor teu Deus” (Dt 6,4) Escuta Israel: o Senhor é o nosso Deus, o Senhor é um só. Tu amarás o Senhor teu deus com todo o coração, com toda tua alma e com todas as forças [......]. Não esqueças o Senhor que te fez sair do país do Egito, da condição servil (Dt 6,4-13).

Se o início da moralidade nova é um ato de amor à Presença que cria a pessoa, essa se mantém na existência na existência fazendo memória. Na memória o acontecimento do mistério nos é atualizado no fluxo do tempo e do espaço; faz parte de uma história.

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II. O relacionamento com o Mistério

A memória se chama também oração e sacramento. os primeiros três mandamentos Amarás a Deus sobre todas as coisas, não falarás seu santo nome em Vão, guardarás domingos e festas retomam esta condição fundamental: se eu sou amado, se “sou” porque sou “amado”, o grande problema do meu existir, isto é, que torna possível que o meu sujeito se torne protagonista de um mundo novo, é a minha resposta ao tu que me ama, o meu relacionamento com Ele como dimensão da vida.

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II. O relacionamento com o Mistério

2. Oração: consciência de dependência.

A oração é tomar consciência de Deus. Tomar consciência de Deus significa dar-se conta da própria dependência original: não só como dependência do passado, do ato que nos criou, mas dependência total, em cada instante, contínua, em cada gesto. Em cada instante da existência o homem depende, tem no mistério de Deus Pai a sua total origem.

O dar-se conta que a própria vida depende integralmente de Deus, se traduz em pergunta. A questão é de ser verdadeiro, de tornar o seu ser verdadeiro. Quando o homem reza dizendo: “Venha o teu Reino, seja feita a tua vontade” pede que se realize o destino para o qual Deus o criou.

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II. O relacionamento com o Mistério

Também quando o homem pede os bens mais contingentes e materiais, em última análise pede que o eu seja aquilo que deve ser, aquilo que Deus quer é como se o homem dissesse: “Senhor eu te peço esta coisa concreta, porque me parece útil a realização de mim mesmo; porém, evidentemente, eu te peço aquilo que é conveniente e útil verdadeiramente, não aquilo que me parece tal; porque eu te peço o reino.

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II. O relacionamento com o Mistério

Uma oração que não tiver implícita esta pergunta ou explícita esta cláusula, não seria pergunta, mas tentativa de imposição; não seria expressão de uma consciência de dependência, mas rebelião.

Seria absurda a pretensão querer colocar Deus na medida do homem, de fazer o Eterno depender do efêmero, a sabedoria infinita do capricho infantil. Como cada realidade espiritual neste mundo, também a oração se vive na humildade e na simplicidade de algumas condições materiais:

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LIBERDADE, VERDADE E BEM

LIBERDADE E VERDADE

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I. LIBERDADE E VERDADE

Como ensina a VE “a liberdade depende fundamentalmente da verdade” (N 34). A relação “liberdade-verdade” é de fácil compreensão.

Em primeiro lugar porque, para o homem atuar livremente, requer-se que conheça o que realmente vai executar. Por exemplo, se me entregarem um embrulho que pelo que me dizem, contém um livro e por engano, contém meio quilo de cocaína, nem cometo uma falta moral, nem incorro um delito, nem posso ser considerado um traficante de droga.

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I. LIBERDADE E VERDADE

A razão é que a própria estrutura da liberdade – na medida em que é “ação humana” – supõe que o sujeito conhece a natureza do ato que realiza; mas ainda, que é consciente da bondade ou malícia do ato que pretende levar à cabo.

Com efeito, só é livre o homem que conhece e adere à verdade. Daí deriva imediatamente duas conseqüências:

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I. LIBERDADE E VERDADE

1. O meio para crescer na liberdade é aprofundar a verdade. O homem livre é aquele que ama, busca e alcança a verdade.

2. O caminho para ajudar os outros a serem livres é dar-lhes a possibilidade de saírem do erro e conhecerem a verdade. Daí que no campo da moralidade, seja rigoroso afirmar que para se educar o homem de forma autêntica e humana se faz necessário instruí-lo em conhecer e amar a verdade.

•  

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I. LIBERDADE E VERDADE

Com efeito, a “verdade” é a leitura da realidade. O homem não cria a realidade, “conhece-a”.

Por isso, “conhecer” não é opinar (“na minha opinião”), nem “parecer” (acho que), nem se quer é pensar (penso que), pois posso ter uma imaginação brilhante e ser capaz de pensar tantas coisas que, todavia, não corresponde à realidade.

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I. LIBERDADE E VERDADE

A este propósito, afirma Santo Agostinho que “muitas vezes confundimos o pensar com o saber; pensar não pode ser confundido com o saber, exatamente porque podemos pensar algo exatamente porque o conhecemos e não o contrário”.

Daí a última conexão que existe entre liberdade e verdade. Quando se observa isto se anulam os “subjetivismos relativistas”, incluído o relativismo ético.

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I. LIBERDADE E VERDADE

Neste campo, chegou-se no tempo a situações aberrantes, pois para muitos indivíduos a própria opinião prevalece sobre a verdade.

E, baseado no parecer pessoal, freqüentemente, acrescentam que se trata de “ser sincero consigo mesmo”, quando que de fato, o que se deve respeitar sempre é a verdade objetiva e a ela adequar-se com decisão firme.

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I. LIBERDADE E VERDADE

Esta atitude foi denunciada por João Paulo II nos seguintes termos:

“A exigência imprescindível de verdade desaparecem em prol de um critério de sinceridade, de autenticidade de ‘acordo consigo próprio’, a ponto de se ter chegado a uma concepção radicalmente subjetiva do juízo moral” (VS 32).

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II. LIBERDADE E BEM

2. Relação entre Liberdade e Bem

A relação entre “liberdade” e “bem” é ainda mais estreita do que a que existe entre “liberdade” e “verdade”. E, contudo, é mais difícil de expressar conceitualmente.

A razão é que, se se nega a liberdade para fazer o mal, parece que se limita, e até se pode pensar que se rejeita a condição livre do homem. Contudo, a liberdade deve ser exercitada para o bem, dado que assim se respeita o ser da pessoa e o ser da realidade.

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II. LIBERDADE E BEM

Trata-se de um problema, de ontologia, que se observa em todos os âmbitos da realidade. Assim por exemplo, se a pedra tivesse a possibilidade de não respeitar a lei da gravidade, produzir-se-ia um caos cósmico; se o animal fosse capaz de atuar contra seu próprio instinto, anular-se-ia e mutilar-se-ia a si mesmo.

De modo similar, se o homem não respeitar a ordem do seu próprio ser sofre as conseqüências. É o que acontece quando, em virtude de sua condição livre, a pessoa faz o mal, pois, nesse caso, atua de modo contrário ao seu próprio ser (exemplo: quando age de forma injusta com alguém).

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III. RELAÇÃO ENTRE LIBERDADE E BEM

Por isso, a liberdade humana deve respeitar o âmbito da sua realidade específica e não deve violentá-la. Mais ainda, o seu exercício não pode lesar o que o homem é, dado que a liberdade lhe foi concedida precisamente para aperfeiçoar-se como pessoa.

Essa é a origem da afirmação clássica: “Fazer o mal não é próprio da liberdade nem sequer parte dela, é apenas sinal de que o homem é livre”.

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III. RELAÇÃO ENTRE LIBERDADE E BEM

Isto é, quando o homem usa a liberdade para fazer o mal, mostra certamente que é livre, dado que pode fazê-lo, mas não exercita a verdadeira liberdade, pois não faz um uso legítimo dela: sob a aparência de liberdade, põe-se em evidência que é escravo da ignorância ou do mal que apetece e, ao decidir executá-lo faz mal a si próprio, pois se subordina ao que não é lícito.

Pode se dizer ainda mais: quando a liberdade faz o mal, deteriora-se e escraviza o homem. Basta usar bem a razão para perceber que o mal provoca a escravidão e nega a liberdade.

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III. RELAÇÃO ENTRE LIBERDADE E BEM

Este é o sentido da afirmação de São Paulo: “o que comete o pecado é escravo do pecado” (Rom 6, 17).

Oferecer à pessoa a possibilidade de optar pelo mal, é situá-la na rota do capricho, do “apetite” ou do instinto. Ao contrário, nos tornamos livres quando temos consciência de que a nossa ação é boa, contribui para o bem.

Com efeito, o ser humano é constituído de duas dimensões:1. O instinto (algo positivo, pois faz parte da nossa natureza, é o que nos coloca em movimento);2. A consciência da finalidade (ordena o instinto em direção à finalidade, de modo tal que a ação seja justa, equilibrada, construtiva, e, portanto, nos realiza, nos torna livres)

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III. RELAÇÃO ENTRE LIBERDADE E BEM

É o que ensina o Catecismo da Igreja Católica:“Quando o homem fizer o bem, mais livre se torna. Não há verdadeira liberdade senão no serviço do bem e da justiça. A opção pela desobediência e pelo mal é um abuso da liberdade e conduz à escravidão do pecado” (CIC, 1733).

A pessoa humana é um ser livre na medida em que está no seu arbítrio escolher o tipo de conduta que lhe permite alcançar a própria perfeição. “Pode” fazer o mal, mas não deve realizá-lo. A liberdade situa-se, portanto, não no poder físico, mas no dever moral. Por isso, se uma ação humana lesar a natureza do homem, este “deve” racionalmente rejeitar realizar tal ação.

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III. RELAÇÃO ENTRE LIBERDADE E BEM

Seja como for o homem tem em si uma disposição para o mal. O pecado original inclina-o ao pecado, ao erro. São Paulo ensina com precisão, e referindo-se à sua própria pessoa:

“... Não compreendo o que faço: pois não faço aquilo que quero, mais sim aquilo que não quero. Ora, se eu faço o que não quero, reconheço que a lei é boa. E assim já não sou eu que o realizo, mas o pecado que existe em mim. Porque eu sei que não há em mim, isto é, na minha carne, coisa boa, pois quero o bem, que está ao meu alcance, mas realizá-lo não. Efetivamente, o bem que eu quero, não o faço, mas o mal que não quero, é o que pratico. Se, pois, faço o que não quero, já não sou eu que o realizo, mas o pecado que está em mim. Deparo, então, com esta lei: Querendo fazer o bem, é o mal que eu encontro. Sinto prazer na lei de Deus, de acordo com o homem interior. Mas vejo outra lei nos meus membros, a lutar contra a lei da minha razão e a reter-me cativo na lei do pecado, que se encontra nos meus membros (...). Quem me libertará deste corpo de morte?” (Rom 7, 14-24).

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IV. LIBERDADE E RESPONSABILIDADE

Do ponto de vista conceitual, estes dois termos não são coincidentes, embora implicam-se mutuamente, de modo que toda a “liberdade” deve ser “responsável”. E, inversamente, não é possível a “responsabilidade” sem liberdade, tal como não se pode falar de liberdade irresponsável.

Com efeito, o argumento mais conclusivo para demonstrar a liberdade do indivíduo é precisamente o fato de que o agente é fiador dos seus atos. Embora a liberdade seja algo inquestionável, alguns autores – como indicamos anteriormente – negam sua existência. Pois bem, o argumento decisivo a favor do fato da liberdade é a responsabilidade.

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IV. LIBERDADE E RESPONSABILIDADE

Com efeito, cada pessoa sente-se responsável pelos seus atos, e por isso exige que se lhe reconheça a garantia do seu atuar. Igualmente, tanto a sociedade como o direito imputam ao homem as suas ações, porque o considera responsável por elas. Por isso se exalta e permeia a ação boa e pelo contrário, se censura e condena o agir mal, de maneira que quem faz o “bem” é premiado e o que causa o “mal” é condenado.

Na prática, o homem verdadeiramente livre é o que simultaneamente se sente responsável pela sua decisão. Outras vezes, o caminho para alcançar a verdadeira liberdade é fazer com que o indivíduo sinta realmente seguro do seu atuar.

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IV. LIBERDADE E RESPONSABILIDADE

É importante enfatizar que ao assumir responsabilidades, o indivíduo é obrigado a responder de acordo com as exigências que tal responsabilidade contém. Com efeito, como escreveu o psiquiatra Viktor Frankl, liberdade e responsabilidade devem andar juntas:

“Não me objetem que nos defendemos e propomos incondicionalmente a liberdade... Eu sou contra o incondicionalmente. A liberdade não é a última palavra. A liberdade pode degenerar em libertinagem, quando não é vivida com responsabilidade. Talvez agora se compreenda por qual razão recomendei com tanta freqüência aos meus alunos americanos que, ao lado da estátua da liberdade, levantassem outra a da responsabilidade” (O vazio existencial, 137) 

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V. A LIBERDADE E A GRAÇA

Dada à condição do homem, ferido pelo pecado original, o cristão precisa da graça de Deus para fazer uso permanentemente adequado da liberdade. Contudo, a cooperação da graça não determina a liberdade, mas representa uma ajuda para exercitar racionalmente, bem como para dirigir os seus atos ao fim sobrenatural. Igualmente, a graça facilita superar a ignorância e vencer as paixões, que são os dois grandes obstáculos para agir livremente, segundo o querer de Deus. Em conseqüência, o homem, quando atua guiado pela graça, é mais livre do que quem atua de um modo espontâneo, isto é, que se conduz guiado pela força do instinto ou mesmo que atua pelo querer exclusivamente humano.

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V. A LIBERDADE E A GRAÇA

Assim se expressa o Catecismo da Igreja Católica:

“A graça de Cristo não faz concorrência de modo nenhum à nossa liberdade, quando esta corresponde ao sentido da verdade e do bem que Deus colocou no coração do homem. Pelo contrário, e como o certifica a experiência cristã, sobretudo, na oração quanto mais dóceis formos aos impulsos da graça, tanto mais crescem a nossa liberdade interior e a nossa segurança nas provações, como também perante as pressões e constrangimentos do mundo exterior” (CIC, 1742).

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V. A LIBERDADE E A GRAÇA

Pode-se ainda acrescentar que, dada à condição pecaminosa do homem, a graça facilita-lhe conduzir a sua vida sem sucumbir às múltiplas tentações a que está sujeito. Com efeito, a situação calamitosa em que se encontra, leva-o, com freqüência, a fazer um mau uso da sua liberdade. Pois bem, a graça dá-lhe uma grande ajuda para superar essa condição:

“A liberdade do homem é finita e, portanto, falível. E, de fato, o homem falhou. Livremente, pecou. Rejeitando o projeto divino de amor enganou-se a si mesmo; tornou-se escravo do pecado. Esta primeira alienação gerou uma multidão de outras. A história da humanidade, desde as suas origens, dá testemunho de desgraças e opressões nascidas do coração do homem, como conseqüência de um mau uso da liberdade” (CIC 1739).

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VI. A LIBERDADE APERFEIÇOA O SER DA PESSOA

O homem é um ser livre por natureza, mas a liberdade é uma apaixonada conquista, que dura toda a vida.

De fato, cada pessoa deve estar continuamente a exercitar-se para alcançar a sua condição de ser livre, posto que a liberdade é mais um projeto do que uma realização, é mais uma meta do que uma realização.

Para conseguir ser livre, o homem deve em primeiro lugar desenvolver a inteligência, de modo a poder adquirir o conhecimento rigoroso das categorias morais.

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VI. A LIBERDADE APERFEIÇOA O SER DA PESSOA

Ao mesmo tempo, necessita-se da prática ascética que lhe facilita o domínio das paixões, de modo a ser-lhe fácil o exercício da liberdade.

Finalmente, deve ocupar-se na prática da virtude e no desenvolvimento da responsabilidade. É esta doutrina que a Catecismo expõe:

“A liberdade torna o homem responsável pelos seus atos, na medida em que são voluntários. O progresso na virtude, o conhecimento do bem e a ascese aumentam o domínio da vontade dobre os próprios atos” (CIC 1734).

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VI. A LIBERDADE APERFEIÇOA O SER DA PESSOA

Esta tarefa de aperfeiçoar a própria liberdade é um trabalho custoso, pois além do amor à verdade e do domínio dos instintos, requer um exercício contínuo de boas obras, de forma que a vontade adquira certa espontaneidade no cumprimento do dever: é chamada “liberdade moral”, ou seja, a que se aperfeiçoa com o exercício das virtudes, pois cresce ou diminui na medida em que se queira o bem ou se adira ao mal. A liberdade moral deve transferir o desejo de “poder fazer” para a determinação do “dever fazer”.

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VI. A LIBERDADE APERFEIÇOA O SER DA PESSOA

E mais do que a “liberdade”, isto é, sentir-se livre de certas limitações, deve ocupar-se na “liberdade para”, ou seja, na liberdade “para fazer o bem”.

Em última instância, tudo se reduz a amar: Amar a própria liberdade, e amar os mandatos que se devem cumprir, pois, como escreve Santo Agostinho, “quando alguém ama verdadeiramente, goza de maior liberdade”.

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CONCLUSÃO

“Mas o homem só pode orientar-se para o bem, mediante o uso da liberdade, que os nossos contemporâneos têm em tão grande apreço e procuram ardorosamente. E com razão. Muitas vezes, contudo, a fomentam de um modo não reto, como se fosse permitido fazer tudo, mesmo o mal, contanto que agrade. Mas a verdadeira liberdade é um sinal exímio da imagem divina no homem. Deus quis ‘deixar o homem nas mãos do seu desígnio’ (Ecl 15, 14) para que ele procure espontaneamente o seu Criador e, aderindo livremente a Ele, consiga a plena e bem-aventurada perfeição. A dignidade humana exige, portanto, que o homem atue segundo a sua consciente e livre escolha, isto é, movido e determinado por uma convicção pessoal interior, e não por um impulso interior quando, libertando-se inteiramente da escravidão das paixões, avança para o seu destino pela livre escolha do bem, tendo cuidado de procurar realmente os meios adequados. A liberdade humana, ferida pelo pecado, só poderá ordenar-se para Deus de uma maneira plena, com a ajuda da graça de Deus. Cada um deverá prestar contas da sua própria vida, diante do tribunal de Deus, conforme o bem ou o mal que terá feito” (GS 17).