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HISTÓRIA DA IGREJA ANTIGA Introdução Depois da morte dos apóstolos a Igreja se encontrava na obrigação de continuar com as doutrinas e práticas aprovadas e ordenadas por eles, certos de que estas eram inspiradas pelo Espírito de Cristo, o Senhor da Igreja. Contudo, devido ao grande adversário do homem aqui na terra - sua natureza ainda corrompida a Igreja aos poucos se desviou de seu caminho original. Neste período vamos observar o que aconteceu com a Igreja em seus primeiros séculos de vida. Extensão da Igreja Após os apóstolos morrerem a Igreja já tinha crescido bastante, se formos analisar a quantidade de discípulos que existiam no tempo da sua inauguração (At 1:15 - em torno de 120 pessoas), veremos que a Igreja cresceu muito desde a época apostólica, como fica claro no registro de Lucas (At 2:41; 4:4; 5:14; 6:7; 8:6, 14; 9:31, 35; 13:48; 16:5). Contudo, e semente que um dia fora tão pequena, se tornou cada vez maior em sua influência e abrangência. Em seus primeiros anos ela continuou a crescer, mesmo após a morte do último apostolo perto do fim do primeiro século (João, 96-98 d.C.): Entre o ano 100 d.C. e o reinado de Constantino, o Cristianismo alcançou maravilhoso progresso. Em 313, era a religião dominante na Ásia Menor, região muito importante do mundo de então, como na Trácia e na longínqua Armênia. A Igreja se constituíra numa influência civilizadora muito poderosa na Antioquia, na Síria, nas costas da Grécia e Macedônia, nas ilhas gregas, no norte do Egito, a província da África, na Itália, no sul da Gália e na Espanha. Era menos forte em outras partes do império, inclusive e Britânia. Era fraca, naturalmente, nas regiões mais remotas, como a Gália central e do norte. Em todas essas regiões a Igreja alcançou povos das mais variadas línguas, que não faziam parte da civilização greco-romana... O Cristianismo não tinha alcançado somente os limites do império; mesmo o leste da Síria e a Mesopotâmia receberam influência poderosa. 1 Mas por que a Igreja alcançou tão grande número de convertidos em tão pouco tempo? Qual havia sido a base de tamanho progresso? Alguns fatores certamente colaboraram para este crescimento, os quais passaremos a conhecer. Para tanto, utilizaremos da explicação de um escritor de história da Igreja chamado, Robert Nichols, o qual afirma que diversos meios contribuíram para este crescimento da Igreja nos seus primeiros anos de existência 2 , a saber: a) Missionários itinerantes; b) Os apologistas ou defensores intelectuais do Cristianismo realizaram uma grande obra missionária; c) Os homens que realizaram o trabalho de mestres nas igrejas foram de utilidade extraordinária no desenvolvimento do Cristianismo daqueles dias; d) Todavia, a maior parte da obra que contribuiu poderosa e decisivamente para espalhar a causa da cruz, foi realizada pelos cristãos em geral. Por suas vidas, especialmente pelo seu grande amor fraternal e também pelo amor aos descrentes, pela fidelidade e coragem sob as perseguições e pelo testemunho oral da história do Evangelho, estes desconhecidos servos de Cristo trouxeram aos pés do Salvador a quase totalidade dos que foram ganhos para a Causa do Evangelho naquele tempo. Perseguição ao Cristianismo Simultaneamente ao seu crescimento, a Igreja presenciou também a dura perseguição. A vida dos cristãos naqueles primeiros anos de vida da Igreja não foi fácil. Os cristãos eram vítimas de perseguições terríveis por parte tanto do povo, quanto por parte do Império Romano. Evidentemente que estes dois perseguiram de formas diferentes. Vejamos como era a perseguição naquela época da Igreja: 1. Perseguição por parte do Império A partir de Nero (54-68), o governo romano hostilizou tenazmente o Cristianismo. Qual a causa dessa atitude? O governo permitia a livre prática de muitas religiões. Mas o Cristianismo era diferente das outras religiões. Os crentes prestavam obediência e lealdade supremas ao seu Salvador. E para os romanos, o Estado era a suprema força, e a religião era uma forma de patriotismo. Os deuses reconhecidos pelo Estado eram cultuados com o objetivo de beneficiar o governo e a nação... Mas o Cristianismo era exclusivista. Não condescendia em prestar culto a outra divindade. Os cristãos sustentavam a inutilidade 1 NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1992, p 34. 2 Ibid., p 35, 36.

História da igreja antiga

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Page 1: História da igreja antiga

HISTÓRIA DA IGREJA ANTIGA

Introdução

Depois da morte dos apóstolos a Igreja se encontrava na obrigação de continuar com as doutrinas e práticas

aprovadas e ordenadas por eles, certos de que estas eram inspiradas pelo Espírito de Cristo, o Senhor da Igreja. Contudo,

devido ao grande adversário do homem aqui na terra - sua natureza ainda corrompida – a Igreja aos poucos se desviou de

seu caminho original. Neste período vamos observar o que aconteceu com a Igreja em seus primeiros séculos de vida.

Extensão da Igreja

Após os apóstolos morrerem a Igreja já tinha crescido bastante, se formos analisar a quantidade de discípulos

que existiam no tempo da sua inauguração (At 1:15 - em torno de 120 pessoas), veremos que a Igreja cresceu muito

desde a época apostólica, como fica claro no registro de Lucas (At 2:41; 4:4; 5:14; 6:7; 8:6, 14; 9:31, 35; 13:48; 16:5).

Contudo, e semente que um dia fora tão pequena, se tornou cada vez maior em sua influência e abrangência. Em seus

primeiros anos ela continuou a crescer, mesmo após a morte do último apostolo perto do fim do primeiro século (João,

96-98 d.C.):

Entre o ano 100 d.C. e o reinado de Constantino, o Cristianismo alcançou maravilhoso progresso. Em 313,

era a religião dominante na Ásia Menor, região muito importante do mundo de então, como na Trácia e na

longínqua Armênia. A Igreja se constituíra numa influência civilizadora muito poderosa na Antioquia, na

Síria, nas costas da Grécia e Macedônia, nas ilhas gregas, no norte do Egito, a província da África, na

Itália, no sul da Gália e na Espanha. Era menos forte em outras partes do império, inclusive e Britânia. Era

fraca, naturalmente, nas regiões mais remotas, como a Gália central e do norte. Em todas essas regiões a

Igreja alcançou povos das mais variadas línguas, que não faziam parte da civilização greco-romana... O

Cristianismo não tinha alcançado somente os limites do império; mesmo o leste da Síria e a Mesopotâmia

receberam influência poderosa.1

Mas por que a Igreja alcançou tão grande número de convertidos em tão pouco tempo? Qual havia sido a base de

tamanho progresso? Alguns fatores certamente colaboraram para este crescimento, os quais passaremos a conhecer. Para

tanto, utilizaremos da explicação de um escritor de história da Igreja chamado, Robert Nichols, o qual afirma que

diversos meios contribuíram para este crescimento da Igreja nos seus primeiros anos de existência2, a saber:

a) Missionários itinerantes;

b) Os apologistas ou defensores intelectuais do Cristianismo realizaram uma grande obra missionária;

c) Os homens que realizaram o trabalho de mestres nas igrejas foram de utilidade extraordinária no

desenvolvimento do Cristianismo daqueles dias;

d) Todavia, a maior parte da obra que contribuiu poderosa e decisivamente para espalhar a causa da cruz, foi

realizada pelos cristãos em geral. Por suas vidas, especialmente pelo seu grande amor fraternal e também pelo

amor aos descrentes, pela fidelidade e coragem sob as perseguições e pelo testemunho oral da história do

Evangelho, estes desconhecidos servos de Cristo trouxeram aos pés do Salvador a quase totalidade dos que

foram ganhos para a Causa do Evangelho naquele tempo.

Perseguição ao Cristianismo

Simultaneamente ao seu crescimento, a Igreja presenciou também a dura perseguição. A vida dos cristãos

naqueles primeiros anos de vida da Igreja não foi fácil. Os cristãos eram vítimas de perseguições terríveis por parte tanto

do povo, quanto por parte do Império Romano. Evidentemente que estes dois perseguiram de formas diferentes.

Vejamos como era a perseguição naquela época da Igreja:

1. Perseguição por parte do Império

A partir de Nero (54-68), o governo romano hostilizou tenazmente o Cristianismo. Qual a causa dessa

atitude? O governo permitia a livre prática de muitas religiões. Mas o Cristianismo era diferente das outras

religiões. Os crentes prestavam obediência e lealdade supremas ao seu Salvador. E para os romanos, o

Estado era a suprema força, e a religião era uma forma de patriotismo. Os deuses reconhecidos pelo

Estado eram cultuados com o objetivo de beneficiar o governo e a nação... Mas o Cristianismo era

exclusivista. Não condescendia em prestar culto a outra divindade. Os cristãos sustentavam a inutilidade

1 NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1992, p 34.

2 Ibid., p 35, 36.

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dos deuses, exceto o que eles adoravam. De modo algum prestariam culto aos deuses romanos, por ordem

do Estado. Jamais colocariam César acima de Cristo. Podemos entender por que, aos olhos dos governos

romanos, o Cristianismo parecia um ensino desleal e perigoso para o Estado e para a sociedade. Assim os

cristãos foram acusados de anarquistas, sacrílegos, ateus e traidores. O governo, então, hostilizava o

Cristianismo porque o considerava uma ameaça ao Estado Supremo.3

E ainda:

Não houve uma perseguição contínua, de Nero a Constantino. O tratamento dado aos cristãos variava de

acordo com as atitudes dos imperadores ou dos governos regionais. Houve muitas épocas de trégua em

certas regiões ou no império todo. Mas durante todo o tempo o Cristianismo esteve fora da lei, e em

qualquer ocasião os cristãos podiam ser presos e acusados diante de um magistrado. A recusa de

participação no culto oficial significava tortura e, para os obstinados, a morte. Nenhum cristão, nestes

séculos, pôde viver sem sofrer perseguição, de um modo ou de outro.4

2. Por parte do povo

Até ao 3º século, quando os cristãos se tornaram mais bem conhecidos, o Cristianismo era odiado pelo

povo. O repúdio dos cristãos ao culto do Estado, símbolo de patriotismo, tornava-os traidores aos olhos do

povo.5

Fim das perseguições

Todavia, esta perseguição não durou por muitos séculos, a Igreja teria o alívio destas dores o mais rápido

possível. E no 4º século ela se viu livre destes males sociais. Primeiramente veio a liberdade de ser cristão sem sofrer

pelas mãos do império, o qual deu licença para aos cristãos viverem a fé que professavam. O imperador responsável por

isto foi Constantino. Alguns intérpretes da história diz que Constantino se converteu. Já outros dizem que apoiar os

cristãos era uma questão de procurar apoio deles, já que não podia vencê-los, deveria juntar-se a eles. Qual destas duas

ocasiões será a mais condizente com os fatos? Vejamos uma explicação melhor deste acontecimento:

Muito já foi escrito e discutido sobre a conversão de Constantino. Pouco depois de ela ter acontecido

houve escritores cristãos, como veremos no próximo capítulo, que quiseram mostrar que esta conversão

era o ponto culminante de toda a história da igreja. Outros têm dito que Constantino não passava de um

político hábil que percebeu que vantagens poderia obter com uma “conversão”, e que por isto decidiu

atrelar seu carro à causa do cristianismo. As duas interpretações são exageradas... O mais certo parece ser

que Constantino cria mesmo no poder de Jesus Cristo. Mas esta afirmação não implica em que o

imperador entendesse sua nova fé como os muitos cristãos que tinham entregue sua vida por ela a

entendiam. Para Constantino o Deus dos cristãos era um ser extremamente poderoso, que estava disposto a

ajudá-lo sempre e quando ele favorecesse os seus fiéis. Quando Constantino, portanto, começou a

construir igrejas e a proclamar leis favoráveis ao cristianismo, ele não estava tanto buscando o favor dos

cristãos, mas o do seu Deus... Constantino interpretava a fé em Jesus Cristo de uma maneira que não o

impedia de adorar a outros deuses. Seu pai já tinha sido devoto do Sol Invicto. Este era um culto ao Deus

Supremo, cujo símbolo era o sol, mesmo não negando a existência de outros deuses. Parece que

Constantino, durante boa parte da sua carreira política, pensou que o Sol Invicto e o Deus dos cristãos

eram o mesmo ser, e que os outros deuses também eram reais e relativamente poderosos, apesar de serem

divindades subalternas.6

E ainda:

[...] nunca demonstrou em sua conduta qualquer influência da moral cristã... não recebeu batismo até

pouco tempo antes de morrer.7

Bom, independente de sua falsa conversão, o fato é que a liberdade de religião dos cristãos veio a existir neste

período. E eles puderam finalmente respirar aliviado depois de séculos de sofrimento e ameaças constantes:

Em 331, apareceu um Édito de Tolerância, publicado por Galério, imperador no oriente, no qual se

reconhecia a insânia da perseguição aos cristãos. Dois anos mais tarde, o Édito de Milão, de Constantino e

3 NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1992, p 36, 37.

4 Ibid., p 37, 38.

5 Ibid., p 37.

6 GONZALEZ, Justo L. E até aos confins da terra: Uma história ilustrada do cristianismo. A Era dos Gigantes. Volume 2. São

Paulo, Vida Nova, 1980, p 29, 30-33. 7 NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1992, p 48, 49.

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Licínio, imperadores do ocidente e do oriente, estabelecia a liberdade religiosa para todos. Tal Édito foi

destinado a pôr fim à perseguição ao Cristianismo.8

Com toda certeza, mesmo trazendo consigo muito sofrimento, a perseguição trouxe um grande benefício ao

cristianismo em seus primeiros anos de existência: Uma vida moral elevada. Os cristãos daquela época realmente eram

provados duramente em sua fé. Os que continuavam em sua fé apesar dos sofrimentos terríveis, davam provas de que

verdadeiramente criam em Cristo e O serviam em quaisquer circunstâncias. A perseguição era como que um purificador

da fé dos crentes:

Essas grandes perseguições tiveram como resultado moldar em grande parte o caráter moral da Igreja. Só

uma pessoa zelosa e fiel professaria a fé em Cristo quando tal ato constituía hostilidade ao governo. A

vida cristã foi mantida num alto nível moral... No 2º e 3º séculos o caráter geral dos cristãos permaneceu

como desde o princípio, bastante elevado, o que os tornava distintos do resto do mundo. Não obstante

haver algumas exceções, os cristãos, em geral, eram conhecidos por sua moralidade superior.9

O Cristianismo como Religião oficial do Império

As mudanças drásticas com relação ao cristianismo não pararam quando os cristãos obtiveram sua almejada

liberdade de culto e religião. Com mais um pouco de tempo e os cristãos testemunharam um acontecimento talvez jamais

esperado por eles – o cristianismo tornar-se a religião oficial do Império Romano. Foi o que sucedeu nos anos do

imperador Teodósio:

Poucos anos depois (380), Teodósio, imperador cristão do oriente, baixou um decreto pelo qual todos os

súditos do império deveriam aceitar a fé cristã como estabelecida pelo Concílio de Nicéia... Assim o

Cristianismo veio a ser uma parte da lei imperial. Esse ato deu, naturalmente, o golpe de morte no

paganismo dentro do império. Muitos templos pagãos e ídolos foram destruídos, e pelo ano 400 o culto

pagão havia desaparecido.10

Contudo, mesmo parecendo contraditório, a perseguição aos cristãos trouxeram mais benefícios do que a

elevação do cristianismo à religião oficial do Império Romano. Enquanto era uma religião perseguida o cristianismo

estava livre da força do paganismo em seu seio, apesar de ter seus filhos presos ao sofrimento. Entretanto, ao ver seus

filhos livres de perseguições, o cristianismo viu o paganismo começar a influenciar desastrosamente sua pureza

doutrinária e moral:

A nova posição da Igreja, aliada ao século, de modo algum foi benéfica à sua vida. A entrada de multidões

nas igrejas impediam-na de manter aquela vigilância e aquele escrúpulo necessário ao preparo e exame

cuidadosos dos candidatos, como sempre o fizera. A maioria dos que entravam para a Igreja era realmente

pagã, gente de vida reprovável. Era natural que aparecesse uma queda no nível moral do caráter cristão.11

Surgimento do Monasticismo

Com o passar do tempo, o cristianismo já havia sofrido tanto com a entrava paulatina de ímpios falsamente

convertidos à fé, que muitos cristãos não suportavam mais a presente situação. “Muitíssimos cristãos sinceros tornaram-

se ansiosos por uma vida mais elevada, mais piedosa do que a que existia ao redor deles.”12

Assim, mesmo entendendo

que outros fatores também trouxeram sua contribuição para a existência da atitude monástica, podemos resumir as

motivações da seguinte forma:

O número cada vez maior de bárbaros a abarrotar a Igreja trouxe muitas práticas semi-pagãs para dentro

da Igreja, contra o que as almas puritanas se revoltaram. A crescente deterioração moral, especialmente

entre as classes altas da sociedade romana, levou muitos a descrerem da reforma social. O monasticismo

tornou-se um refúgio para os que se revoltavam contra a galopante decadência dos tempos.13

Quem aderiu ao modo monástico de viver, mais tarde foiçou conhecido como “monge”. “A própria palavra

“monge” vem do grego monachós, que quer dizer “solitário”. Uma das principais motivações dos primeiros monges foi

8 NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1992, p 38.

9 Ibid., p 38, 39.

10 Ibid., p 50.

11 Ibid., p 51, 52.

12 Ibid., p 52.

13 CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: Uma história da Igreja cristã. São Paulo, Vida Nova, 1995, p 123.

Page 4: História da igreja antiga

viver sozinho, longe da sociedade, da sua inquietação e das suas tentações. O termo “anacoreta, com o qual eles logo

foram chamados, quer dizer “retirado” ou “fugitivo”.”14

Os monges que geralmente conhecemos em nossos dias vivem em grandes mosteiros bem organizados. Todavia,

não era assim que os adeptos da vida monástica viviam desde o seu início. O movimento monástico teve alguns estágios

antes de chegar à forma que conhecemos hoje:

O monasticismo passou por quatro estágios antes de seu aparecimento na civilização ocidental. De início,

as práticas ascéticas eram vividas por muitos dentro da Igreja. Muitos depois deixaram a sociedade para

viver como anacoretas ou eremitas. A santidade dos eremitas atraía a outros, que passavam a morar em

cavernas próximas a eles e sob sua liderança. Pôde-se construir, então, um claustro para exercícios

coletivos. No estágio final, surgiu a vida comunal organizada dentro do mosteiro. Este processo teve seus

primórdios no Oriente, no século IV, de onde se espalhou para a Igreja no Ocidente.15

A partir de seu surgimento houve depois várias ordens monásticas: Agostinianos, Beneditinos, Dominicanos,

Carmelitas, Franciscanos, Capuchinhos e Jesuítas.

Surgimento da Igreja Católica

Neste período da Igreja Antiga é que nós vemos surgir a denominação “Igreja Católica”, que nós conhecemos

em nossos dias. “Por volta de 170, a Igreja chamava-se a “católica” ou universal, um termo usado pela primeira vez por

Inácio em sua epístola a Esmirna.”16

Há tempos que a Igreja vinha progressivamente construindo sua organização

estrutural, ainda que não fosse tão formal, oficial, e institucional como se tornou mais tarde. Sua organização não surgiu

“da noite para o dia”. Isto se deu num processo de vários anos até chegar à sua forma final com o a conhecemos

atualmente. Porém, como percebemos, seu nome designativo apareceu cedo na história:

Diante da existência de grupos dissidentes como docetistas, gnósticos, marcionitas, montanistas e outros,

logo surgiu a questão: Onde está a igreja verdadeira e como identificá-la? A resposta foi o que se

convencionou chamar de “igreja católica”, expressão essa que surge pela primeira vez na literatura

conhecida numa carta do bispo Inácio de Antioquia datada aproximadamente do ano 110. A “igreja

católica” passou a ser uma designação da igreja majoritária, do cristianismo normativo e ortodoxo, fiel aos

ensinamentos de Cristo e dos apóstolos, em contraste com os movimentos alternativos, considerados

falsos ou heréticos. Essa “igreja católica” do segundo século caracterizava-se por três elementos essenciais

de unidade e estabilidade: a aceitação de um conjunto de livros tidos como divinamente inspirados (as

Escrituras Hebraicas e o cânon do Novo Testamento), a declaração formal dos pontos centrais da fé cristã

(o credo, geralmente em forma trinitária) e especialmente a concentração da autoridade nas mãos de um

único líder em cada igreja local (o bispo monárquico). Associado a isso, surgiu o conceito de sucessão

apostólica.17

O Surgimento do Papa

Estando a se organizar cada vez mais a Igreja foi vagarosamente fundamentando a idéia de um “bispo universal”.

Ou seja, um papa. O aparecimento da idéia de um bispo superior a outros estava presente desde cedo na Igreja. E pouco

a pouco esta idéia tomou espaço até se tornar no que conhecemos como a sucessão de Pedro. Vejamos abaixo o seu

desenvolvimento:

Neste período apareceu um governo geral da Igreja Católica nos concílios gerais ou ecumênicos. A

autoridade desses concílios era exercida pela publicação dos credos que decidiam quanto à doutrina

aprovada pela Igreja Católica. Tais concílios eram, em teoria, compostos de todos os bispos, embora nem

todos estivessem presentes aos concílios do 4º e do 5º séculos... Temos visto na Igreja Católica um

processo de centralização de autoridade com o aparecimento do bispo com caráter monárquico, isto é, do

bispo que a princípio é dirigente de uma igreja e depois aparece como governador de uma diocese. Por

essa época a idéia de diocese tomou grande desenvolvimento, tornando cada vez maior o poder dos bispos.

Mais adiante, os bispos das capitais das províncias romanas tornaram-se, naturalmente, mais importantes

que os demais. Foram chamados os bispos metropolitanos, e cada um exercia superintendência sobre os

demais bispos e suas dioceses. Com um passo mais adiante na centralização, cinco bispos se levantaram

acima dos demais, e foram considerados patriarcas, e que eram: o bispo de Roma, o de Constantinopla, o

14

GONZALEZ, Justo L. E até aos confins da terra: Uma história ilustrada do cristianismo. A Era dos Gigantes. Volume 2. São

Paulo, Vida Nova, 1980, p 61. 15

CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: Uma história da Igreja cristã. São Paulo, Vida Nova, 1995, p 123. 16

Ibid., p 93. 17

MATOS, Alderi Souza de. Vós sois corpo de Cristo: Reflexões histórico-teológicas sobre a igreja cristã. Centro Presbiteriano de

Pós-Graduação Andrew Jumper. Acessado em 16 de julho de 2007.

Page 5: História da igreja antiga

de Alexandria, o de Antioquia e o de Jerusalém... Ainda um novo passo foi dado para a centralização do

governo da Igreja. Entre os cinco patriarcas, os dois mais importantes eram: o de Roma e o de

Constantinopla, as duas principais cidades do império. Muitas foram as causas que contribuíram para o

engrandecimento do bispo de Roma. A principal é que ele era o bispo da antiga capital do mundo. Por

muitos séculos Roma impôs sua autoridade sobre o mundo inteiro. Inevitavelmente, seu bispo dispunha de

um poder que nenhum outro poderia conseguir. Outra causa foi o costume mais e mais acentuado de se

apelar para o bispo de Roma nas disputas eclesiásticas. Tal hábito não deixava de ter seu apoio na

influência e prestígio com que os imperadores cercavam esses bispos. A partir do século 5º, a conhecida

pretensão petrina, ou papal, veio a ser geralmente aceita... A geral aceitação dessa doutrina criou

condições tais no mundo, como se a mesma fosse verdadeira. Além de tudo, os bispos romanos

prosseguiram numa política persistente de manter toda a autoridade que pudessem alcançar, aproveitando

cada oportunidade por exercerem, em toda a plenitude, a autoridade e o poder de que dispunham. Um

exemplo notável desse proceder foi o de Leão I (440-461), chamado por muitos “o primeiro papa”.18

Como podemos observar o ofício de bispo foi se tornando cada vez mais hierárquico de acordo com a

abrangência de seu poder. Até que o último a possuir mais poder foi chamado papa num sentido exclusivo. Digo isto

porque nem sempre o termo papa foi utilizado somente ao bispo principal de Roma:

Originalmente, a palavra grega papas ou a latina papa foi aplicada a altos oficiais eclesiásticos de todos os

tipos, especialmente aos bispos. A partir de meados do quinto século passou a ser aplicada quase que

exclusivamente aos bispos de Roma.19

E também:

O termo “papa”, que atualmente é empregado no Ocidente exclusivamente para o bispo de Roma, nem

sempre teve este sentido. A palavra em si significa simplesmente “papai”, sendo, portanto, um termo de

carinho e respeito. Na época antiga ele era usado para qualquer bispo distinto, sem importar se ele era ou

não o bispo de Roma.20

Como podemos concluir claramente, a utilização do termo progrediu ainda mais em exclusividade. Atualmente,

quando alguém fala do “papa”, está se referindo única e exclusivamente ao bispo que possui o mais alto poder

hierárquico da Igreja Católica. Porém, este é o sentido final a que se chegou a utilização do termo pelos católicos.

Naquela época, o poder do papa chegou ao ponto de ser considerado superior ao poder do próprio rei. Mas como

se chegou a esta conclusão? É simples, “porque o papa tinha de prestar contas a Deus no dia do julgamento, pelo rei, o

poder papal era mais importante que o poder real. Assim, os governadores deveriam se submeter ao papa.”21

18

NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1992, p 57-59. 19

MATOS, Alderi Souza de. O papado: Sua origem, evolução histórica e significado atual. Centro Presbiteriano de Pós-

Graduação Andrew Jumper. Acessado em 16.07.2007. 20

GONZALEZ, Justo L. E até aos confins da terra: Uma história ilustrada do cristianismo. A Era das Trevas. Volume 3. São

Paulo, Vida Nova, 1980, p 61. 21

CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: Uma história da Igreja cristã. São Paulo, Vida Nova, 1995, p 129.