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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
DISCIPLINA: TÓPICOS DE RELIGIOSIDADE
BRASILEIRA E CULTURA AMAZÔNICA
DOCENTE: DANIELA CORDOVIL
WILLIAM TEIXEIRA GONÇALVES
PAJELANÇA CABOCLA
BELÉM-PARÁ
2012
WILLIAM TEIXEIRA GONÇALVES
PAJELANÇA CABOCLA
Trabalho apresentado à disciplina, Tópicos de Religiosidade Brasileira e Cultura Amazônica como requisito parcial da 2ª avaliação, orientado pela docente Daniela Cordovil.
BELÉM-PARÁ
2012
1) Descreva o sistema de crenças da pajelança cabocla e suas práticas terapêuticas.
A pajelança cabocla pode ser descrita, em síntese, como um sistema de crenças que
herdou características do xamanismo praticado pelos índigenas brasileiros e se fundiu com
elementos do catolicismo popular (através do sincretismo) e outras crenças existentes na
região norte e nordeste do Brasil. Neste sistema, o poder mágico exerce influência sobre todos
os seres vivos, assim como os próprios elementos da natureza.
Dentro da pajelança cabocla, este poder mágico é definido como a encantaria e que
trata-se de uma força sobrenatural existente dentro do reino na natureza, sendo capaz de
exercer domínio sobre toda a ordem natural e cósmica do universo. Por meio de um elo que
mantém a ligação entre o mundo espiritual (reino dos encantados) e o mundo físico (seres
vivos e seres humanos). Neste contexto nos deparamos com os seres não-humanos
(encantados) e animais (bichos visagentos), que atuam de forma negativa ou positiva na
ordem natural.
A manipulação deste poder mágico se estabelece na figura do pajé, um indivíduo
detentor de dons sobrenaturais que possibilitam seu contato direto com a encantaria e os seres
que lá habitam. Por meio de seus rituais, o pajé busca através deste contato, reverter os
possíveis desvios ocorridos na ordem natural e que são causadores de vários malefícios aos
seres vivos. Essa intervenção, feita pelo pajé, é capaz de curar doenças e outros males.
Tomando como base a leitura do texto de Eduardo Galvão, Santos e Visagens, o pajé
já nasce predestinado à esta função. O dom se manifesta ainda durante o período de gestação
da mãe, quando esta passa a sofre de um mal denominado “corrente do fundo” que consiste
em um incômodo para a genitora, que deve procurar um pajé para endireitar os companheiros
do fundo e impedir que estes venham incomodar na hora do parto ou durante a vida da
criança. Entretanto, fica a cargo dos pais decidir se a criança se tornará um pajé no futuro,
visto que através dos rituais feitos pelo pajé estes companheiros podem ser mandados embora.
Dessa forma o dom sobrenatural manifestado na criança cessará, e ela passará a ter uma vida
normal.
Sobre os companheiros do fundo, e sua relação com o pajé, temos a seguinte
definição:
Companheiros são espíritos ou seres que se supõe habitar o fundo dos rios. Descrevem-nos sob forma humana com pele muito branca e os cabelos louros. São conhecidos por nomes cristãos. Agem como espíritos familiares dos pajés e são por estes “chamados” durante as sessões de cura. O poder de um pajé depende proporcionalmente do número de companheiros que é capaz de mobilizar. (GALVÃO, 1955: 94)
2) Discorra sobre o papel da mulher na pajelança cabocla.
Uma caracaterística bastante presente no xamanismo brasileiro, praticado através da
pajelança e que é possível encontrar tanto no âmbito indígena quanto caboclo, é a ausência
das mulheres dentro do ritual. Situação essa que pode ser justificada de formas distintas
conforme as crenças do povo local, como por exemplo, na localidade de Itapuá onde foi
realizada a pesquisa de campo para a dissertação de mestrado de Gabriela Motta-Maués.
Neste lugar a mulher é vista como um indivíduo ambíguo, pois está exposta à diferentes
momentos que são considerados como condição de instabilidade, dentre os quais podemos
citar a menstruação e a gravidez.
Neste trecho é possível associar a mulher á outra característica, no qual se estabelece
uma possível explicação para a ausência da mulher nos rituais de pajelança.
(...) as mulheres eram também consideradas fonte de desordem, sendo dotadas de uma espécie de poder perigoso (ficando “venenosas” ou podendo transmitir panema), estando ainda continuamente sujeitas á poluição, que as afetava pessoalmente, e com a qual poderiam contaminar a outros seres (inclusive os homens). (MOTTA-MAUÉS. VILLACORTA, 2008: 331)
Se considerarmos que mulher é dotada de uma energia negativa, ou o “poder perigoso”
conforme descrito, sua participação dentro da pajelança torna-se complexa visto que o poder
de um pajé tende a trabalhar tanto para o bem quanto para o mal, e neste caso a mulher está
exposta á energias negativas. Sendo que por este motivo, é feita sua associação á prática da
feitiçaria e ao fado de transforma-se em Matinta Perera.
Ainda sim é possível encontrar, conforme mostra a pesquisa de Motta-Maués,
mulheres em atividade na pajelança. Porém, não possuem a mesma eficácia de um pajé
homem, estando sujeitas á descrença da população e aos comentários em torno de sua pessoa
que é vista como uma feitiçeira.
Diante de tais considerações, nos deparamos com uma questão que é própria de
algumas culturas no que diz respeito ao papel do homem e da mulher dentro da sociedade.
Claro que este papel é definido mediante a cada visão de mundo dentro da estrutura social, e
nos casos encontrados na pesquisa de Motta-Maués em Itapuá, observa-se um papel que é
definido pelas condições biológicas do gênero feminino. E que é alternativa encontrada, no
estudo da autora, para responder o afastamento das mulheres em relação à pajelança.
3) Reflita sobre a religião como forma de explicação e compreensão do sofrimento a
partir dos textos discutidos em sala de aula e do documentário “Espíritos” da
National Geographic.
As religiões em geral costumam possuir diferentes concepções acerca do que está por
trás do sofrimento que afeta o ser humano, sejam as doenças propriamente ditas ou qualquer
mal que prejudique, de uma forma ou de outra, a vida de uma pessoa. Cada doutrina busca
explicar com base em sua cosmovisão.
Se levarmos em consideração a idéia apresentada pelo xamanismo, por exemplo,
teremos a idéia de que existe um ciclo responsável por conduzir o universo num determinado
caminho. E este ciclo possui vários componentes, dentre os quais, se encaixam os seres
humanos. A partir do momento em que há um rompimento nesta ordem, surgem as anomalias
que trazem consigo vários efeitos negativos á vida de uma pessoa. Partindo do pressuposto
que esta cada pessoa possui o seu próprio ciclo, e que conecta-se como uma peça de uma
engrenagem muito maior.
Em algumas doutrinas religiosas, esta idéia ainda pode ser válida, porém é possível
encontrar religiões que não possuem a mesma interpretação. Nas religiões onde não há esta
relação com a natureza, como é visto frequentemente em algumas correntes cristãs, o
sofrimento pode ser interpretado como um possível castigo divino ocasionado pelo desvio de
conduta do fiel. Mas que muitas vezes ainda pode ser perdoado, através de orações e o
arrependimento do mesmo, na esperança de que o castigo acabe e as coisas voltem ao normal.
É interessante observar que a Igreja Católica, em algumas situações, ainda se mostra
bastante cética quanto aos casos de enfermidades e outros problemas que são atribuídos á
causas espirituais. Apelando para hipóteses embasadas em estudos científicos, como forma de
solucionar maioria destes casos. No documentário “Espíritos” podemos ver isso, pegando
como exemplo o caso em a mãe acreditava que seu filho estava sendo atormentado por
alguma entidade sobrenatural. E recorreu a ajuda de um curandeiro para cuidar de seu filho,
visto que os médicos não souberam informar o que poderia ser o motivo de tais
anormalidades que este garoto apresentava. O padre não concordava com este tipo de
tratamento, e possivelmente acreditava na hipótese de ser algum problema psicológico.
Podemos concluir que a religião sempre terá uma explicação sobrenatural para todos
os males que atingem o ser humano, variando conforme a crença e a cultura de determinado
local. Mas a ciência também terá o seu posicionamento, e se não tem, irá buscá-lo. Cabe a
sociedade escolher no que irá acreditar.
4) Referências
MOTTA-MAUÉS, Angélica; VILLACORTA, Gisela Macambira. “Matintasperereas e Pajés:
gênero, corpo e cura na pajelança amazônica”. In MAUÉS, Raymundo Heraldo,
VILLACORTA, Gisela Macambira (orgs). Pajelança e Religiões Africanas na Amazônia.
Belém: EDUFPA, 2008.
MAUÉS, Raymundo Heraldo. A Ilha Encantada. Medicina e xamanismo numa comunidade
de pescadores. Belém: Editora da Universidade/UFPA, 1990.
GALVÃO, Eduardo. Santos e Visagens. Um estudo da vida religiosa de Itá. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1955.
“Pajelança – O Xamanismo brasileiro”. Xamanismo. Disponível em: <http://www.xamanismo.com.br/Teia/SubTeia1192186946>. Acessado em 18 de julho de 2012.