2. TEOLOGIA SISTEMTICA Um dos maiores telogos e avivalistas de
todos os tempos 2
3. SUMRIO PREFACIO A EDIO BRASILEIRA PREFCIO DO AUTOR AULA1
VARIAS CLASSES DE VERDADES Como chegamos ao conhecimento de certas
verdades As revelaes da autoconscincia Dos sentidos Da razo Do
entendimento Verdades que exigem prova Verdades que no exigem prova
AULA 2 GOVERNO MORAL Lei fsica Lei moral Os atributos essenciais da
lei moral Subjetividade Objetividade Liberdade em contraposio
necessidade Adequao Universalidade Imparcialidade Praticabilidade
Independncia Imutabilidade Unidade Convenincia Exclusividade AULA 3
GOVERNO MORAL A razo fundamental do governo moral De quem o direito
de governar? Que se implica no direito de governar? Os limites
desse direito Obrigao moral 3
4. As condies da obrigao moral Condies da obrigao de
desenvolver atos executivos AULA 4 OBRIGAO MORAL O homem est
sujeito obrigao moral A amplitude da obrigao moral AULA 5 VRIAS
TEORIAS SOBRE O FUNDAMENTO DA OBRIGAO MORAL Da vontade de Deus como
a base da obrigao Teoria do Interesse Prprio de Paley A filosofia
utilitarista A teoria do direito como o fundamento da obrigao A
teoria da bondade ou a excelncia moral de Deus A filosofia da ordem
moral Teoria da natureza e relaes dos seres morais Teoria da idia
do dever Filosofia da complexidade AULA 6 TENDNCIAS PRTICAS DAS
VRIAS TEORIAS DO FUNDAMENTO DA OBRIGAO MORAL A teoria da soberania
da vontade de Deus A teoria da escola egosta Utilitarismo Teoria do
direito A natureza e o valor intrnsecos do mximo bem-estar de Deus
e do universo AULA 7 A UNIDADE DA AO MORAL O que constitui a
obedincia lei moral A obedincia no pode ser parcial AULA 8
OBEDINCIA LEI MORAL O governo de Deus nada aceita como virtude,
exceto a obedincia lei de Deus No pode haver uma regra de dever,
seno a lei moral Que nada pode ser virtude ou religio verdadeira,
seno a obedincia lei 4
5. moral O que no est implcito na perfeita obedincia a essa lei
AULA 9 OS ATRIBUTOS DO AMOR Certos fatos na filosofia mental
conforme revelados na conscincia Atributos daquele amor que se
constitui obedincia lei de Deus Voluntariedade Liberdade
Inteligncia Virtude Desinteresse Imparcialidade Universalidade
Eficincia Satisfao Oposio ao pecado Compaixo pelos miserveis
Misericrdia Justia Veracidade Pacincia Mansido Humildade Abnegao
Condescendncia Estabilidade Santidade AULA 10 EM QUE CONSISTE A
DESOBEDINCIA LEI MORAL Em que no pode consistir a desobedincia lei
moral Em que consiste a lei moral AULA 11 ATRIBUTOS DO EGOSMO
Voluntariedade Liberdade Inteligncia Irracionalidade Carter
interesseiro 5
6. Parcialidade Eficincia Oposio benevolncia Crueldade Injustia
Falsidade, ou mentira Orgulho Inimizade contra Deus Intemperana
Depravao moral total AULA 12 SANES DA LEI MORAL, NATURAL E
GOVERNAMENTAL O que constitui as sanes da lei Em que luz devem ser
consideradas as sanes Por qual regra devem ser conferidas as sanes
A lei de Deus possui sanes A perfeio e durao das sanes
remuneratrias da lei de Deus As inflies sob o governo de Deus devem
ser infinitas Examinemos esta questo luz da revelao AULA 13 EXPIAO
Alguns princpios bem estabelecidos de governo O termo expiao Os
ensinos da teologia natural O fato da expiao O que constitui a
expiao AULA 14 EXTENSO DA EXPIAO Quais as pessoas para quem se
destinavam os benefcios da expiao Respostas s objees AULA 15
GOVERNO HUMANO Os governos humanos fazem parte do governo moral
divino O fim ltimo da criao divina Os governos providencial e moral
so indispensveis Os governos civil e familiar so indispensveis
Demarcao dos limites ou fronteiras do direito de governo 6
7. Algumas observaes a respeito de formas de governo Princpios
dos direitos e deveres dos governos e indivduos AULA 16 DEPRAVAO
MORAL O termo depravao A distino entre depravao fsica e moral O que
est sujeito depravao fsica O que est sujeito depravao moral A
humanidade fsica e moralmente depravada Subseqente ao incio da
agncia moral e anterior regenerao, a depravao moral da humanidade
universal A depravao moral dos agentes morais irregenerados de
nossa raa total O mtodo apropriado para explicar a depravao moral
universal e total dos agentes morais irregenerados A depravao moral
consiste em egosmo ou na escolha do interesse prprio Exame
complementar dos argumentos mencionados em apoio oposio de que a
natureza humana em si pecaminosa Observaes AULA 17 REGENERAO A
distino comum entre regenerao e converso As razes alistadas em
favor dessa distino As objees a essa distino O que no regenerao O
que regenerao A necessidade universal de regenerao Agncias
empregadas na regenerao Instrumentos empregados na obra Na
regenerao o indivduo passivo e ativo O que est implcito na
regenerao AULA 18 TEORIAS FILOSFICAS DA REGENERAO O esquema do
gosto O esquema ou teoria da eficincia divina O esquema da
suscetibilidade O esquema da teoria da persuaso moral Observaes
finais AULA 19 7
8. EVIDNCIAS DA REGENERAO Observaes introdutrias Em que santos
e pecadores podem concordar Em que santos e pecadores diferem AULA
20 A CAPACIDADE NATURAL A noo do presidente Edwards sobre a
capacidade natural Esta capacidade natural no absolutamente
capacidade O que constitui a incapacidade natural de acordo com
esta escola Esta incapacidade natural no absolutamente incapacidade
A capacidade natural idntica liberdade da vontade A vontade humana
livre, ento os homens tm o poder ou a capacidade de cumprir todo o
seu dever O que constitui a incapacidade moral, segundo Edwards e
os que esto de acordo com ele A incapacidade moral da escola
edwardiana em obedecer a Deus consiste em real desobedincia e numa
incapacidade natural em obedecer Esta pretensa distino entre a
incapacidade natural e moral absurda O que constitui a capacidade
moral de acordo com esta escola? A capacidade moral da escola
edwardiana em obedecer a Deus nada mais do que real obedincia e uma
incapacidade natural em desobedecer O que considero serem os erros
fundamentais de Edwards e de sua escola sobre o tema da capacidade
Outro esquema da incapacidade e sua filosofia As reivindicaes desta
filosofia da incapacidade AULA 21 A CAPACIDADE DA GRAA O que se
quer dizer pelo termo capacidade da graa Esta doutrina de uma
capacidade da graa um absurdo Em que sentido possvel uma capacidade
da graa? AULA 22 A NOO DE INCAPACIDADE AULA 23 ARREPENDIMENTO E
IMPENITNCIA O que o arrependimento no O que arrependimento 8
9. O que est implcito no arrependimento O que no impenitncia O
que impenitncia Coisas que esto implcitas na impenitncia Algumas
das caractersticas ou evidncias da impenitncia AULA 24 F E
INCREDULIDADE O que a f evanglica no O que a f evanglica O que est
implcito na f evanglica? O que a incredulidade no O que
incredulidade Condies da f e da incredulidade A culpa e o
merecimento da incredulidade Conseqncias naturais e governativas da
f e da incredulidade AULA 25 JUSTIFICAO O que a justificao
evanglica no O que justificao evanglica? Condies da justificao O
fundamento da justificao dos crentes penitentes em Cristo Observaes
finais AULA 26 SANTIFICAO Alguns pontos j estabelecidos neste curso
Definindo os termos principais a serem usados nesta discusso
Mostrando qual a verdadeira questo em debate Esta santificao plena
alcanvel nesta vida O argumento da Bblia AULA 27 SANTIFICAO: PAULO
PLENAMENTE SANTIFICADO AULA 28 CONDIES PARA ALCANARMOS A SANTIFICAO
AULA 29 9
10. OBJEES SANTIFICAO Objees respondidas Observaes finais AULA
30 ELEIO Concordncia geral entre todas as denominaes crists, no que
diz respeito aos atributos naturais e morais de Deus O que a
doutrina bblica da eleio no O que a doutrina bblica da eleio Devo
provar a doutrina quando a declaro como verdadeira Quais podem ter
sido as razes para a no eleio Quais devem ter sido provavelmente as
razes para a eleio Quando a eleio foi feita A eleio no fornece
meios desnecessrios salvao dos eleitos A eleio a nica base para a
esperana no sucesso dos meios A eleio no coloca nenhum obstculo
salvao dos no eleitos No existe nenhuma injustia na eleio Este o
melhor que pode ser feito pelos habitantes deste mundo Como que
podemos apurar a nossa prpria eleio Inferncias e comentrios AULA 31
REPROVAO O que a doutrina da reprovao no O que a doutrina da
reprovao Esta uma doutrina da razo Esta a doutrina da revelao Por
que os pecadores so reprovados ou rejeitados Quando os pecadores so
reprovados A reprovao justa A reprovao benevolente Como se poder
saber quem so os reprovados Objees AULA 32 A SOBERANIA DIVINA O que
o termo "soberania" no significa quando aplicado a Deus O que se
deseja transmitir atravs dos termos "soberania divina" Deus , e
deve ser, um soberano absoluto e universal 10
11. Observaes finais AULA 33 OS PROPSITOS DE DEUS O que eu
entendo por propsitos de Deus A diferena entre propsito e decreto
Existe obrigatoriamente um sentido pelo qual os planos de Deus
estendem- se a todos os eventos O diferente sentido, em que Deus
prope diferentes eventos A vontade revelada de Deus jamais
inconsistente com o seu propsito secreto A sabedoria e a
benevolncia dos propsitos de Deus A imutabilidade dos propsitos
divinos Os propsitos de Deus so a base de uma confiana eterna e
feliz Os propsitos de Deus com a sua prescincia ou conhecimento
prvio Os propsitos de Deus no so inconsistentes entre si, porm
demandam o uso de meios, tanto por parte de Deus como por ns, para
que se cumpram AULA 34 A PERSEVERANA DOS SANTOS Os diferentes tipos
de certeza A declarao do que no pretendido pela perseverana dos
santos O que a doutrina em questo pretende AULA 35 A PROVA DA
PERSEVERANA DOS SANTOS AULA 36 A PERSEVERANA DOS SANTOS Objees
respondidas Mais objees respondidas Observaes finais GLOSSRIO
11
12. PREFACIO EDIO BRASILEIRA Gostaria que Ernest Renan tivesse
lido a Teologia Sistemtica de Charles Finney. Mas pelo que
depreendemos das obras do genial escritor francs, no fora ele
brindado com tal privilgio. Quem sabe haja sido este o motivo que o
levou a pronunciar-se to ceticamente acerca da teologia: "Construo,
toda ela, do sculo XIII, a teologia se assemelha a uma catedral
gtica: tem-lhe toda a grandeza, os vazios imensos e a pouca
solidez". Que a teologia comparvel a uma catedral, nem os seus mais
renhidos adversrios discordam. Ela bela e majestosa; a cincia de
Deus. Vazios? So preenchidos pelo Esprito Santo toda vez que a Ele
se entrega o telogo que busca o conhecimento do Altssimo.
Imensides? Imensurvel Deus em suas grandezas e bondades. Pouca
solidez? As catedrais, mesmo as gticas, vm desafiando os sculos,
ostentando uma firmeza digna dos palcios encastelados nas rochas. A
teologia, porm, no propriamente uma catedral; um templo similar ao
que Salomo fez construir em Jerusalm. Neste santurio, Renan jamais
transps a linha dos trios exteriores; limitou-se a contemplar os
alpendres. Tivera se postado naqueles degraus de onde os levitas
enalteciam a Deus, veria que a teologia celebrao. Adentrasse o
santurio onde estavam a mesa com os pes da apresentao e o
candelabro, constataria ser a teologia alimento para a alma e luz
para o caminho do peregrino. Rompesse o vu do Santos dos santos,
haveria de ser convencido de que a teologia, conquanto a mais alta
e sublime das cincias, acha-se acessvel ao viajor que anseia por um
conhecimento mais profundo de Deus. Se Renan, por causa de sua
incredulidade, no logrou ultrapassar os alpendres da teologia,
Charles Finney no se limitou aos seus degraus. Seguindo as pegadas
do Mestre dos mestres, adentrou o santssimo onde 12
13. ofertou a Deus o labor de um conhecimento maduro, slido e
experimentado, e o incenso de uma devoo prpria dos serafins. Finney
no foi apenas um grande telogo; ergueu-se como um autntico homem de
Deus. Por mais altissonantes que lhe hajam sido as palavras, sua
vida de uma eloqncia insupervel. Uma vida santificada a Deus
Nascido no ano de 1792, na cidade norte-americana de Connecticute,
na Nova Inglaterra, Charles Finney teve o privilgio de ser educado
numa famlia tradicionalmente puritana. Quando ele tinha dois anos
de idade, seus pais resolveram transferir-se para Nova Iorque. Aos
vinte anos, retornou Nova Inglaterra a fim de cursar a Escola
Superior. Enquanto prosseguia nos estudos, ps-se a lecionar em
escolas pblicas. Nessa poca, j se havia especializado em latim,
grego e hebraico. Em 1918, comeou a estudar Direito nos escritrios
de Squire Wright, de Adams, em Nova Iorque. Quanto vida espiritual,
seu progresso era quase nulo. Os sermes que ouvia, achava-os
montonos e sem nenhum atrativo. Sua mente lgica e agudssima exigia
algo mais consistente. Foi por essa poca, que ele comeou a estudar
as Sagradas Escrituras. De incio, mostrou-se ctico. Mas com o
passar dos tempos, no pde mais resistir: a Bblia de fato a
inspirada, infalvel e inerrante Palavra de Deus. O que lhe faltava
seno aceitar a Cristo? Deixemos que ele mesmo fale de sua
experincia de salvao: "Num sbado noite, no outono de 1821, tomei a
firme resoluo de resolver de vez a questo da salvao de minha alma e
ter paz com Deus". Finney, porm, no se conformava. Queria mais de
Cristo. Sua fome pelo Senhor era insacivel. Foi assim, buscando
incessantemente a Deus, que veio ele a ser batizado no Esprito
Santo. Que o prprio Finney narre como se deu sua experincia
pentecostal: "Ao entrar e fechar a porta atrs de mim, parecia-me
ter encontrado o Senhor Jesus Cristo face a face. No me entrou na
mente, na ocasio, nem por algum tempo depois, que era apenas uma
concepo mental. Ao contrrio, parecia-me que eu o encontrara como
encontro qualquer pessoa. Ele no disse coisa alguma, mas olhou para
mim de tal forma, que fiquei quebrantado e prostrado aos seus ps.
Isso, para mim, foi uma experincia extraordinria, porque parecia-me
uma realidade, como se Ele mesmo ficasse em p perante mim, e eu me
prostrasse aos seus ps e lhe derramasse a minha alma. Chorei alto e
fiz tanta confisso quanto possvel, entre soluos. Parecia-me que
lavava os seus ps com as minhas lgrimas; contudo, sem sentir ter
tocado na sua pessoa. "Ao virar-me para me sentar, recebi o
poderoso batismo com o Esprito Santo. Sem o esperar, sem mesmo
saber que havia tal para mim, o Esprito Santo desceu de tal
maneira, que parecia encher-me o corpo e a alma. Senti-o como uma
onda eltrica que me traspassava repetidamente. De fato, parecia-me
como ondas de amor liqefeito; porque no sei outra 13
14. maneira de descrever isso. Parecia o prprio flego de Deus.
"No existem palavras para descrever o maravilhoso amor derramado no
meu corao. Chorei de tanto gozo e amor que senti; acho melhor dizer
que exprimi, chorando em alta voz, as inundaes indizveis do meu
corao. As ondas passaram sobre mim, uma aps outra, at eu clamar:
'Morrerei, se estas ondas continuarem a passar sobre mim! Senhor,
no suporto mais!' Contudo, no receava a morte. "Quando acordei, de
manh, a luz do sol penetrava no quarto. Faltam-me palavras para
exprimir os meus sentimentos ao ver a luz do sol. No mesmo
instante, o batismo do dia anterior voltou sobre mim. Ajoelhei- me
ao lado da cama e chorei pelo gozo que sentia. Passei muito tempo
sem poder fazer coisa alguma seno derramar a alma perante Deus". Um
homem profundamente espiritual Quem l a Teologia Sistemtica de
Charles Finney tem a impresso de estar diante de um Aristteles ou
de um Emanuel Kant. E no est de todo errado; ele foi um pensador de
inigualveis pendores. Com rarssima maestria, utilizou-se das
ferramentas da filosofia, a fim de expor as verdades acerca do Deus
nico e Verdadeiro. Eis por que Finney considerado o maior telogo
desde os tempos apostlicos. O que muita gente no sabe, porm, que
esse gigante do pensamento foi um mstico apaixonado pelo Senhor.
Finney era profundamente espiritual, mas jamais colocou a sua
espiritualidade acima das Sagradas Escrituras. Toda a sua
experincia passava necessariamente pelo crivo da Palavra de Deus.
Em nada assemelhava-se aos msticos da Idade Mdia que se punham
acima da Bblia. Sua espiritualidade tinha equilbrio, possua moderao
e era temperada pela s doutrina. No era fantico; fervoroso de
esprito, tinha um arrebatado amor pelas almas. O grande evangelista
Charles Finney foi um grande evangelista. Suas campanhas eram
marcadas por fatos extraordinrios. O missionrio Orlando Boyer
mostra o impacto que Finney causava como mensageiro de Cristo:
"Perto da aldeia de New York Mills, no sculo dezenove, havia uma
fbrica de tecidos movida pela fora das guas do Rio Oriskany. Certa
manh, os operrios se achavam comovidos, conversando sobre o
poderoso culto da noite anterior, no prdio da escola pblica. "No
muito depois de comear o rudo das mquinas, o pregador, um rapaz
alto e atltico, entrou na fbrica. O poder do Esprito Santo ainda
permanecia sobre ele; os operrios, ao v-lo, sentiram a culpa de
seus pecados a ponto de terem de se esforar para poderem continuar
a trabalhar. Ao passar perto de duas moas que trabalhavam juntas,
uma delas, no ato de emendar um fio, foi tomada de to forte
convico, que caiu em terra, chorando. Segundos depois, quase todos
em redor tinham lgrimas nos olhos e, em poucos minutos, o
avivamento encheu todas as dependncias da fbrica. 14
15. "O diretor, vendo que os operrios no podiam trabalhar,
achou que seria melhor se cuidassem da salvao da alma, e mandou que
parassem as mquinas. A comporta das guas foi fechada e os operrios
se ajuntaram em um salo do edifcio. O Esprito Santo operou com
grande poder e dentro de poucos dias quase todos se converteram.
"Diz-se acerca deste pregador, que se chamava Charles Finney, que,
depois de ele pregar em Governeur, no Estado de New York, no houve
baile nem representao de teatro na cidade durante seis anos.
Calcula-se que, durante os anos de 1857 e 1858, mais de 100 mil
pessoas foram ganhas para Cristo pela obra direta e indireta de
Finney". A importncia da teologia de Finney Charles Finney no foi
apenas o maior evangelista do sculo XIX. J. Gilchrist Lawson, um de
seus mais autorizados bigrafos, nele reconhece o mais importante
telogo do Cristianismo. Ernest Renan errou mais uma vez ao afirmar
ser a teologia um edifcio iniciado e concludo no sculo XIII. Pois
se Toms de Aquino ergueu uma catedral, Charles Finney consagrou um
templo cujo lugar santo, descerrado j o vu, conduz-nos ao corao do
Eterno. Charles Finney e Ernest Renan so de um sculo onde a palavra
de ordem era a racionalizao. Haja vista a Vida de Cristo de Renan,
onde, ignorando as profecias e as mais sublimadas demandas das
Sagradas Escrituras, esvazia ele, de Cristo, toda a divindade.
Transforma-o num mero fundador de religies, num simples Jesus
histrico. Enquanto isso, ia Finney levantando o edifcio de um
sistema teolgico que, conquanto se utilize das ferramentas da razo
e dos instrumentos da filosofia, tornou-se insupervel como
demonstrao da superioridade da revelao divina a Bblia a Palavra de
Deus. Como compreender o pensamento teolgico de Finney Antes de nos
pormos a ler a Teologia Sistemtica de Finney, tenhamos em mente os
seguintes pontos: A teologia de Finney no meramente sistemtica;
ampla; sua abrangncia, s vezes, surpreendente e desconcertante.
Isto no significa que Finney seja especulativo; ele simplesmente no
tem medo de levantar possibilidades. Neste sentido, foi muito mais
ousado que Calvino. A teologia de Finney no dogmtica; amorosamente
ortodoxa e bblica; jamais se distancia da Palavra de Deus. Se no a
entendemos de imediato porque o autor, ao contrrio de ns, sabia
como entranhar-se nos mistrios divinos. Teria ele, em sua
experincia pentecostal, ouvido coisas que ao comum dos mortais no
lcito referir? A teologia de Finney no calvinista nem arminianista;
bblica. Ele fala da predestinao, da reprovao e da eleio com a
liberdade que lhe propicia o Novo Testamento. E um pentecostal
transitando com desenvoltura pelo terreno das maravilhosas verdades
da salvao. A teologia de Finney acadmica, mas no hermtica. E um
genial pensador discorrendo sobre Deus. A linguagem difcil, mas no
15
16. intrincada. O estilo complexo, mas no indevassvel. E uma
obra que exige reflexo e pacincia. Esta a Teologia Sistemtica que a
CPAD apresenta aos evanglicos brasileiros. Atravs desta obra,
teremos condies de compreender melhor os mistrios de Deus e o seu
plano redentivo. Nossa orao que os estudiosos das Sagradas
Escrituras, atravs deste livro, possam aprofundar suas experincias
com o Deus que transformou o jovem Finney num dos maiores heris da
f de todos os tempos. A Deus toda a glria. PREFCIO 1. Boa parte das
verdades do evangelho bendito est escondida sob uma falsa
filosofia. Em minhas primeiras indagaes no campo da religio, vi-me
totalmente incapaz de compreender as instrues tanto orais como
escritas de mestres religiosos no inspirados. Parecia-me que eles
resolviam toda religio dividindo-a em estados, ou do intelecto, ou
da sensibilidade, coisa que a conscincia me garantia serem
totalmente passiva ou involuntria. Quando buscava definies e
explicaes, ficava certo de que eles no compreendiam bem a si
prprios. Fiquei alarmado com o fato de que raramente definiam,
mesmo para si, as prprias posies. Entre as palavras empregadas com
maior freqncia, era-me difcil encontrar algum termo definido de
maneira inteligvel. Eu perguntava em que sentido os termos
"regenerao", "f", "arrependimento", "amor", etc, eram empregados,
mas no conseguia obter resposta, e no me parecia que a razo ou a
revelao revoltassem-se contra isso. As doutrinas de uma natureza,
pecaminosa por si, de uma vontade necessitada, da incapacidade e da
regenerao fsica, e a influncia fsica na regenerao, com seus dogmas
afins e conseqentes, desconcertavam e at confundiam- me a cada
passo. Dizia para mim mesmo com freqncia: "Se essas coisas so de
fato ensinadas na Bblia, devo ser incrdulo". Contudo, quanto mais
lia minha Bblia, tanto mais claro percebia que essas coisas no se
encontravam ali sob nenhum dos princpios sadios de interpretao que
pudessem ser aceitos em um tribunal de justia. No pude deixar de
perceber que a verdadeira idia de governo moral no tinha lugar na
teologia da Igreja; pelo contrrio, por trs de todo o sistema havia
pressu- posies de que todo governo era fsico (no que se ope a
"moral") e que o pecado e a santidade so mais atributos naturais
que atos morais e voluntrios. Tais erros no eram expressos em
palavras, mas no podia deixar de ver que eram pressupostos.
Desconcertavam-me a distino entre pecado original e pecado de fato,
e a total ausncia de uma distino entre 16
17. depravao fsica e moral. Alis, estava convencido: ou eu era
incrdulo ou eram erros que no encontravam espao na Bblia. Fui vrias
vezes alertado contra a racionalizao e a dependncia de meu prprio
entendimento. Descobri que os mestres de religio discriminadores
eram levados a confessar que no conseguiam estabelecer a
consistncia lgica do sistema deles e que eram obrigados a fechar os
olhos e crer, quando a revelao parecia entrar em conflito com as
afirmaes da razo. Mas eu no podia seguir esse curso. Descobri, ou
pensei ter descoberto, que todas as doutrinas do cristianismo esto
envolvidas pelas pressuposies acima citadas. Mas o Esprito de Deus
conduziu-me pela escurido e livrou-me do labirinto e do nevoeiro de
uma falsa filosofia, firmando-me os ps sobre a rocha da verdade,
conforme creio. Mas at hoje encontro alguns que parecem estar muito
confusos a respeito da maioria das doutrinas prticas do
cristianismo. Reconhecem que o pecado e a santidade devem ser
voluntrios, ainda assim falam em regenerao como qualquer coisa,
exceto mudana voluntria, e dizem que a influncia divina na
regenerao tudo, exceto moral ou persuasiva. Parece que no tm
conscincia alguma das decorrncias e implicaes da admisso da
existncia do governo moral e do fato de que o pecado e a santidade
devem ser atos livres e voluntrios e estados mentais. Nesta obra
empenho-me por definir os termos empregados por clrigos cristos e
as doutrinas do cristianismo, conforme os compreendo, e levar s
concluses lgicas as conseqncias das admisses cardeais de autores
teolgicos mais recentes e tpicos. Insisto, especialmente, em levar
s suas conseqncias lgicas as duas afirmaes de que a vontade livre e
que o pecado e a santidade so atos voluntrios da mente. No vou
pressupor que consegui satisfazer os outros nos pontos que discuti,
mas consegui ao menos satisfazer a mim mesmo. Considero perigosa e
ridcula a declarao de que as doutrinas da teologia no podem
preservar uma coerncia lgica do princpio ao fim. 2. De incio, meu
principal objetivo ao publicar uma Teologia Sistemtica era prover
para meus alunos um livro didtico em que fossem discutidos muitos
pontos e questes de grande importncia prtica que, segundo me
consta, no tm sido discutidos em nenhum sistema de instruo teolgica
existente. Tambm espero beneficiar outras mentes estudiosas e
piedosas. 3. Escrevi para aqueles que se disponham a enfrentar a
dificuldade de pensar e formar opinies prprias acerca de questes
teolgicas. No faz parte de meu alvo poupar meus alunos ou qualquer
outra pessoa do trabalho de pensar intensamente. Caso desejasse
faz-lo, os assuntos discutidos tornariam abortivo tal empenho. 4. H
muitas questes de grande importncia prtica e questes em que
multides esto profundamente interessadas no momento, as quais no
podem ser estabelecidas de maneira inteligente sem que se institua
investigaes fundamentais envolvendo a discusso daquelas questes
colocadas no alicerce da moralidade e da religio. 5. A maior parte
dos assuntos em debate entre cristos nos dias de hoje est
fundamentada em concepes errneas em torno de assuntos 17
18. discutidos no volume. Se consegui elucidar as questes que
discuti, veremos que num volume futuro a maior parte dos focos de
discordncia entre os cristos no presente pode ser ajustada com
relativa facilidade. 6. O que digo em "Lei Moral" e "Fundamento da
Obrigao Moral" a chave para toda a questo. Quem dominar e
compreender esses pode compreender de pronto o restante. Mas aquele
que no dominar o que entendo desses assuntos no compreender o
restante. 7. Que ningum desanime no incio do livro nem tropece nas
definies, pensando que jamais conseguir compreender assunto to
obscuro. Lembre-se que o que se segue uma expanso e explicao guisa
de aplicao do que se encontra de maneira muito condensada nas
primeiras pginas no livro. Meu irmo, irm, amigo: leia, estude,
pense e leia novamente. Voc foi feito para pensar. Far-lhe- pensar;
desenvolver suas capacidades pelo estudo. Deus determinou que a
religio exigisse pensar, pensar intenso, e desenvolvesse nossa
capacidade de pensamento. A prpria Bblia escrita em estilo to
condensado para exigir o mais intenso estudo. No pretendo explicar
a teologia de tal maneira que dispense o labor do pensamento. No
tenho habilidade para isso nem desejo faz-lo. 8. Se alguns de meus
irmos pensam convencer-me de que estou errado, primeiro devem
compreender-me e mostrar que leram o livro todo, que o
compreenderam e que esto em busca sincera da verdade, no "lutando
por domnios". Se meu irmo est buscando a verdade, irei, pela graa
de Deus, "ouvir com os dois ouvidos e depois julgar". Mas no
prometerei atender a tudo o que os crticos possam dizer nem prestar
ateno ao que possam dizer ou escrever todos aqueles palestrantes e
escritores impertinentes que precisam de controvrsias. Mas a todos
os que buscam honestamente a verdade, eu diria: Salve, meu irmo!
Vamos ser meticulosos. A verdade nos far bem. 9. Notar-se- que o
presente volume s contm parte de um curso de Teologia Sistemtica.
Caso o curso inteiro venha a pblico, um volume preceder e outro
suceder o presente. Publico primeiro este porque contm todos os
pontos em que suponho diferir das opinies que se costumam receber.
Como professor de teologia, considerei que a Igreja e o mundo
mereciam que lhes desse minhas opinies acerca daqueles pontos em
que tenho sido acusado de divergir das opinies comuns dos cristos.
10. Ainda no consegui estereotipar minhas opinies teolgicas e parei
de pensar consegui-lo algum dia. A idia absurda. Nada, seno um
intelecto onisciente, pode continuar mantendo uma identidade
precisa de concepes e opinies. Mentes finitas, a menos que
adormecidas ou entorpecidas por preconceitos, devem avanar no
conhecimento. A descoberta de uma nova verdade modificar concepes e
opinies antigas, e talvez esse processo no tenha fim em mentes
finitas, qualquer que seja o mundo. A verdadeira coerncia crist no
consiste em estereotipar nossas opinies e concepes e em recusar-nos
a fazer qualquer progresso para no sermos acusados de mudana, mas
consiste em manter a mente aberta para receber os raios da verdade
por todos os lados e em mudar 18
19. nossas opinies, linguagem e prtica na freqncia e na
velocidade com que conseguimos obter informaes complementares.
Chamo-o de coerncia crist porque s essa trilha est de acordo com
uma confisso crist. Uma confisso crist implica a confisso de uma
sinceridade e de uma disposio de conhecer toda a verdade e obedecer
a ela. Deve-se seguir que a coerncia crist implica investigao
contnua e mudana de opinio e prtica em correspondncia ao
conhecimento crescente. Nenhum cristo, portanto, e nenhum telogo
deve temer uma mudana em suas concepes, linguagem ou prticas em
conformidade com uma luz crescente. A predominncia desse temor
manteria o mundo no mnimo numa imobilidade perptua, e todos os
objetos da cincia e, por conseguinte, todos os aperfeioamentos
tornar-se-iam impossveis. Toda tentativa no inspirada de esboar
para a Igreja um padro de opinio que possa ser considerado uma
exposio inquestionvel da Palavra de Deus no s mpia em si, como
tambm uma admisso tcita do dogma fundamental do papado. A Assemblia
de Clrigos fez mais que admitir a necessidade de um papa para fazer
leis das opinies humanas; ela admitiu criar uma lei imortal ou,
antes, embalsamar o credo que tinha e preserv-lo como o papa de
todas as geraes; ou mais justo dizer que os que adotaram aquela
confisso de f e catecismo como padro autorizado de doutrina,
adotaram de maneira absurda o mais detestvel princpio do papado,
elevando a confisso e o catecismo deles ao trono papal e ao lugar
do Esprito Santo. Que o instrumento forjado por tal assemblia seja
reconhecido no sculo XIX como o padro da Igreja, ou de um ramo
inteligente dela, no s surpreendente como, devo dizer, por demais
ridculo. absurdo na teologia como seria em qualquer outro ramo da
cincia, e to prejudicial e entorpecente quanto absurdo e ridculo.
melhor ter um papa vivo que um morto. Se precisarmos de um
expositor autorizado da palavra de Deus, que tenhamos um vivo, para
no excluir a esperana de progresso. "Melhor o co vivo do que o leo
morto" (Ec 9.4), assim, um papa vivo melhor que uma confisso de f
morta e estereotipada, que obrigue todos os homens a subscrever
seus dogmas inalterveis e sua terminologia invarivel. 11.
Mantenho-me sagradamente obrigado, no a defender essas posies em
qualquer circunstncia, mas, pelo contrrio, a sujeitar cada uma
delas mais completa discusso e a mant-las e trat-las como opinies
de qualquer outro; ou seja, se aps maior discusso e investigao no
encontrar motivo para mudar, mantenho-as com firmeza; mas se
conseguir ver uma falha em alguma delas, farei emendas ou a
rejeitarei por completo, conforme exigir a luz complementar. Caso
eu me recusasse a isso ou falhasse nesse ponto, teria de corar por
meu desatino e incoerncia, pois, repito, a verdadeira coerncia
crist implica progresso em conhecimento e santidade, e mudanas em
teoria e prtica conforme exigir a luz crescente. Nas questes
estritamente fundamentais da teologia, minhas opinies no tm sofrido
nenhuma mudana h muitos anos, exceto pelo fato de ter uma
compreenso mais clara do que antes, devendo, talvez, expressar
19
20. algumas delas de maneira um tanto diferente do que teria
feito. O AUTOR AULA 1 VRIAS CLASSES DE VERDADES (Da edio de 1847)
Antes de prosseguir nessas investigaes, devo chamar sua ateno para
um assunto que precisa estar exatamente no incio deste curso de
estudos e que a deve ser encontrado, caso essas aulas sejam
publicadas na devida ordem: refiro-me s vrias classes de verdades
consideradas neste curso de instruo, com a maneira pela qual
chegamos a conhec-las ou a crer nelas. Todas as investigaes humanas
avanam sobre o pressuposto da existncia e validade de nossas
faculdades e da credibilidade do testemunho inequvoco delas. Negar
isso cancelar de uma vez a possibilidade do conhecimento ou de uma
crena racional e entregar a mente ao ceticismo universal. As
classes de verdades a que seremos chamados a estar atentos em
nossas investigaes podem ser divididas, com exatido suficiente para
nosso propsito, em verdades que no precisam ser provadas e verdades
que precisam ser provadas. A mente humana constituda de tal forma
que, por meio de leis prprias, percebe, reconhece ou conhece
algumas verdades sem testemunho externo. Ela toma conhecimento
direto dessas verdades, e s pode ser assim. A primeira classe, ou
seja, verdades que no precisam ser provadas, pode ser subdividida
em verdades da razo pura e verdades da sensao. Essas duas classes
so em certo sentido evidentes por si, mas no no mesmo sentido.
Verdades da razo pura so intuies dessa faculdade, e verdades da
sensao so intuies dos sentidos. Falarei, portanto, de verdades
manifestas da razo e de verdades manifestas da sensao. Devo
pressupor que vocs possuem algum conhecimento de psicologia e dar
por certo que compreendem a diferena entre as intuies da razo e as
intuies dos sentidos. 20
21. Por verdades manifestas da razo, portanto, quero dizer
aquela classe de verdades intudas e confirmadas diretamente por
essa faculdade, de acordo com suas evidncias e em virtude de suas
leis, sempre que forem declaradas de tal forma que os termos da
proposio pelos quais so expressas so entendidos. No se chega a elas
por argumentaes ou por nenhum tipo de evidncia, exceto o que est
contido nelas mesmas. Assim que se compreendem os termos da
proposio em que so expressas, a razo confirma sua veracidade de
maneira instantnea e segura. desnecessrio e absurdo procurar
qualquer outra prova dessa classe de verdades, exceto elaborar uma
declarao compreensvel delas. Tambm completamente prejudicial,
talvez absurdo, tentar provar na acepo normal do termo provar uma
verdade manifesta da razo. Todas as tentativas de provar tais
verdades por argumentao implicam um absurdo, sendo mais uma obra de
supererrogao, como seria tentar provar que vocs vem um objeto com
os olhos bem abertos e fixados nele. Os axiomas matemticos
pertencem a essa classe. As verdades manifestas da razo so verdades
de conhecimento certo. Uma vez declaradas dessa forma ou
apresentadas de algum modo mente para que sejam compreendidas, a
mente no s cr nelas, como sabe que so absolutamente verdadeiras. Ou
seja, ela percebe que so verdades absolutas e sabe que impossvel no
serem verdadeiras. Embora no se chegue a essa classe de verdades
por argumentao, faz-se muito uso delas na argumentao, j que a
principal premissa de um silogismo com freqncia uma verdade
manifesta da razo. Essa classe de verdades afirmada por uma
faculdade de todo distinta do entendimento ou daquele poder que
adquire por intermdio dos sentidos todo o seu conhecimento. Ela
toma conscincia de uma classe de verdades que, pela prpria natureza
dela, permanece eternamente parte dos sentidos e, por conseguinte,
do entendimento. Os sentidos jamais nos podem dar as verdades
abstratas da matemtica. Jamais nos podem dar o absoluto ou o
infinito. No nos podem dar uma lei moral ou alguma lei. Os sentidos
podem dar fatos, mas no leis e princpios. Que Deus e o espao e o
tempo so infinitos, que todos os atributos de Deus devem ser
infinitos, so verdades manifestas da razo; ou seja, so verdades de
uma afirmao e pressuposio a priori. Jamais se chega a elas pela
argumentao ou por induo, e no se pode chegar. A mente s as conhece
em virtude de leis prprias, pressupondo-as e intuindo-as
diretamente, sempre que apresentadas. Os olhos da razo vem-nas de
maneira distinta, assim como os olhos da mente vem objetos de viso
apresentados ao rgo fsico da viso. A mente construda de tal maneira
que v algumas coisas com os olhos naturais da carne e algumas
verdades diretamente com olhos prprios, sem o uso de algum olho
fsico. Todas as verdades manifestas da razo pertencem a essa
classe; ou seja, so verdades que a mente v e conhece, e no
simplesmente cr. Na argumentao, a declarao crua de uma verdade
manifesta suficiente, desde que, conforme se disse, seja expressa
com tal clareza que os termos da proposio sejam compreendidos.
Deve-se ter em mente, na 21
22. argumentao, que todos os homens possuem mente e que as leis
do conhecimento so fsicas e, claro, estabelecidas e comuns a todos
eles. As condies do conhecimento so iguais em todos os homens.
Devemos, portanto, sempre pressupor que no se pode deixar de
compreender as verdades manifestas assim que sejam expostas com tal
clareza que os termos em que so expressas sejam compreendidos.
Nossas pesquisas futuras apresentaro muitas ilustraes da verdade
desse tipo. Deve-se tambm notar que a universalidade um atributo
das verdades manifestas da razo. Ou seja, so universais nos
seguintes sentidos: 1. Todos os homens afirmam serem verdades
quando as compreendem. 2. Todos afirmam serem verdades do mesmo
modo; ou seja, por intuio direta. Ou as percebem por luz prpria e
no por meio de argumentao, demonstrao ou sentidos. 3. As verdades
manifestas da razo so verdadeiras sem exceo e, nesse sentido, tambm
universais. 4. A necessidade tambm um atributo das verdades
manifestas. Ou seja, so necessariamente verdadeiras e no possvel
consider-las de outra maneira. E quando so cumpridas as condies
alistadas, s podem ser conhecidas dessa maneira por todos os
agentes morais. As verdades manifestas da razo podem, de novo, ser
divididas em verdades meramente manifestas e verdades primeiras da
razo. Essa classe de verdades possui todas as caractersticas das
verdades manifestas, ou seja: so verdades universais; so verdades
necessrias; so verdades de intuio direta; so verdades de
conhecimento certo. Nisto est sua peculiaridade: so verdades
necessria e universalmente conhecidas pelos agentes morais. Ou
seja, no se distinguem das meras verdades manifestas da razo,
exceto pelo fato de serem universalmente conhecidas a partir da lei
da agncia moral; assim todos os agentes morais possuem e devem
possuir conhecimento certo delas. So verdades de pressuposio
necessria e universal. Estejam ou no no pensamento direto em algum
tempo ou a todo tempo, sejam ou no objeto de ateno especfica da
mente, de qualquer forma so pressupostas por uma lei da necessidade
universal. Suponham, por exemplo, que a lei da causa e efeito no
estivesse o tempo todo ou em algum tempo sujeita a uma ponderao ou
ateno distinta. Suponham que a proposio em palavras jamais viesse
mente: "todo efeito deve ter uma causa". Ainda assim, a verdade est
ali em forma de um conhecimento absoluto, uma pressuposio
necessria, uma afirmao a priori, e a mente defende isso com tamanha
fora, que totalmente incapaz de dispensar, esquecer ou neg-la na
prtica. Toda mente a tem por conhecimento certo muito antes de
conseguir compreender a linguagem em que expressa, e nenhuma
declarao ou evidncia pode dar mente alguma convico mais firme de
sua veracidade do que a dada primeiro pela necessidade. Isso
verdade em relao a todas as verdades dessa classe. Elas so sempre e
22
23. necessariamente aceitas por todos os agentes morais, quer
haja um pensamento distinto, quer no. E a maior parte dessa classe
de verdades aceita sem ser objeto freqente ou, pelo menos, objeto
geral de ponderao ou ateno direta. A mente as pressupe, sem que
haja conscincia direta da pressuposio. Por exemplo, agimos a cada
momento, julgamos, raciocinamos e cremos na pressuposio de que cada
efeito precisa ter uma causa mesmo assim no temos conscincia de
pensar nessa verdade nem de pressup-la, at que algo nos chame ateno
para ela. As verdades primeiras da razo, portanto, que sejam
lembradas com nitidez, so sempre e necessariamente pressupostas,
embora possam receber pouca ateno. Elas so conhecidas
universalmente, antes que se compreendam as palavras pelas quais
possam ser expressas e, ainda que possam ser jamais expressas numa
proposio formal, a mente tem por certo um conhecimento delas assim
como tem por certa a existncia de si mesma. Mas cabe indagar se
existem algumas condies para que sejam pressupostas e, caso
existam, quais so. A inteligncia faz essas pressuposies sob certas
condies ou independentemente de todas ou de algumas condies? A
verdadeira resposta a essa indagao que a mente s aceita essa
pressuposio aps o cumprimento de certas condies. Cumpridas essas
condies, a inteligncia faz essa pressuposio de maneira instantnea e
necessria em virtude de uma lei da prpria natureza dela e a faz,
quer a pressuposio seja um objeto distinto da conscincia, quer no.
A nica condio dessa pressuposio que precisa ser mencionada a
percepo mental daquilo com que a verdade primeira mantm a relao de
um antecedente lgico ou uma condio lgica. Por exemplo, para
desenvolver a pressuposio de que cada efeito deve ter uma causa e
para necessitar dessa pressuposio, a mente s precisa perceber ou
possuir a concepo de um efeito, qual a pressuposio em questo
segue-se de imediato por uma lei da inteligncia. Essa pressuposio
no uma deduo lgica a partir de alguma premissa; mas a partir da
percepo de um efeito ou a partir do fato de a mente possuir a idia
ou noo de um efeito, a inteligncia irresistivelmente, em virtude de
leis prprias, pressupe a verdade primeira da causalidade como
condio lgica e necessria do efeito; ou seja, pressupe que um evento
e todos os eventos precisam ter uma causa. A condio pela qual as
verdades primeiras da razo so pressupostas ou desenvolvidas chamada
a condio cronolgica de seu desenvolvimento, por ser anterior em
tempo e na ordem da natureza para seu desenvolvimento. A mente
percebe um efeito. Com isso, pressupe a verdade primeira da
causalidade. Ela percebe o corpo e, com isso, pressupe a verdade
primeira: o espao existe e deve existir. Essas verdades primeiras,
vamos repetir, no so pressupostas na forma de uma proposio,
ponderada ou expressa em palavras, e nem sempre, ou talvez nunca de
incio, a mente est consciente da pressuposio, ainda que desse
momento em diante a verdade coloque-se entre as posses 23
24. inalienveis da mente e para sempre; a partir de ento, seja
necessariamente reconhecida em todos os julgamentos prticos da
mente. Assim, deve-se dizer de modo especfico, as verdades
primeiras da razo postam-se to profundas na mente, que talvez seja
raro aparecerem diretamente no campo do pensamento consciente;
ainda assim, a mente as conhece de maneira to absoluta, que j no as
pode esquecer, desprezar ou negar na prtica, assim como no pode
esquecer, desprezar ou negar na prtica a existncia dela mesma.
Afirmei que todas as argumentaes procedem da pressuposio dessas
verdades. Preciso faz-lo necessariamente. E absurdo tentar provar
verdades primeiras para um agente moral: pois caso seja um agente
moral, j as conhece absolutamente e, se no conhecer, no h meio
possvel de coloc-lo em posse delas, a no ser apresentar sua percepo
a condio cronolgica do desenvolvimento delas, e em circunstncia
alguma seria necessrio mais que isso, pois ocorrendo essa percepo,
segue-se a pressuposio ou desenvolvimento, por uma lei de
necessidade absoluta e universal. E at que essas verdades sejam
desenvolvidas de fato, nenhum ente pode ser um agente moral. No h
argumentao com algum que questione as verdades primeiras da razo e
exija prova delas. Toda argumentao deve, pela natureza da mente e
pelas leis do raciocnio, ter as verdades primeiras da razo por
certas e notrias e como condio a priori de todas as dedues e
demonstraes lgicas. Algumas deles devem ser pressupostas
verdadeiras, direta ou indiretamente, em todos os silogismos e em
todas as demonstraes. Em todas as nossas investigaes futuras na
linha da verdade que realizaremos, teremos ocasies abundantes para
aplicar e ilustrar o que se disse agora acerca das verdades
primeiras da razo. Se, em algum estgio de nosso progresso,
iluminarmos uma verdade dessa classe, que se tenha em mente que a
natureza da verdade a precluso, ou, como diriam os advogados, a
interdio de toda controvrsia. Negar a realidade dessa classe de
verdades negar a validade de nosso conhecimento mais perfeito e,
claro, negar a validade de nossas faculdades. A nica pergunta a se
levantar a respeito dessa classe de verdades : a verdade em questo
pertence a essa classe? H muitas verdades dessa classe que no
obtiveram reconhecimento geral de que pertencem a ela. Disso
teremos exemplos abundantes que ocorrero em nosso caminho quando
prosseguirmos em nossa investigao. H muitas verdades que os homens,
todos os homens sadios, com certeza conhecem, sobre as quais
raramente pensam, mas que, em teoria, negam com persistncia. Antes
de dispensar essa parte de nosso assunto, mencionarei algumas das
muitas verdades que pertencem inegavelmente a essa classe, deixando
outras para serem mencionadas conforme prosseguirmos,
encontrando-as em investigaes futuras. J observei trs tipos dessa
classe, ou seja: a verdade da causalidade a existncia do espao e do
tempo. Que o todo de qualquer coisa igual 24
25. a todas s suas partes tambm uma verdade dessa classe,
conhecida universal e necessariamente e pressuposta por todos os
agentes morais. Tambm, que algo no pode ser e no ser ao mesmo
tempo. Uma terceira classe de verdades manifestas so verdades
particulares da razo. A razo as intui e afirma diretamente. So
verdades de conhecimento certo, mas no possuem os atributos de
universalidade ou infinitude. A essa classe pertencem as verdades
de nossa existncia, de identidade pessoal e individualidade. No so
verdades dos sentidos nem so verdades primeiras ou manifestas, de
acordo com o uso comum desses termos. Mas so verdades de intuio
racional e so consideradas verdadeiras luz da prpria evidncia delas
e, como tais, nos so dadas como verdades indubitveis pela
conscincia. Todas as verdades que ficam no mbito de nossa
experincia, ou seja, todos os nossos exerccios e estados mentais so
verdades manifestas para ns. No precisamos prov-las. Quer sejam
fenmenos, quer sejam estados do Intelecto, da Vontade ou da
Sensibilidade. Quando se fala delas no coletivo, no podem ser
chamadas verdades manifestas, exceto no sentido de que para ns
manifestam-se no campo da conscincia, como fatos ou realidades, e
que as conhecemos ou as afirmamos com certeza indubitvel. As
verdades dos sentidos, como dissemos, so em certo sentido verdades
manifestas. Ou seja, so fatos dos quais a mente possui conhecimento
direto por intermdio dos sentidos. Ao falar que as verdades dos
sentidos so de certa forma manifestas, falo, claro, de verdades ou
fatos de nossos sentidos ou daqueles revelados a ns diretamente
pelos nossos sentidos. Sei que no comum falar dessa classe de
verdades como manifesta; e no o so no sentido que so as intuies
racionais simples. Ainda assim, so fatos ou verdades que no
precisam de provas para nos serem estabelecidas. O fato de que
seguro esta caneta na mo uma realidade manifesta para mim, tanto
quanto trs e dois so cinco. Percebo uma e outra com a mesma
realidade e nenhuma delas precisa de prova alguma. No meu intuito
exaurir este assunto, nem entrar em distines sutis e altamente
metafsicas, mas s dar indicaes e deixar sugestes que o faam estar
atento ao assunto, e suprir nossas necessidades durante nosso curso
de estudos, deixando a seu critrio entrar numa anlise mais crtica
do assunto. Das verdades que exigem prova, a primeira classe para a
qual devo chamar ateno a das verdades de demonstrao. Essa classe de
verdades admite grau to elevado de prova que, completada a
demonstrao, a inteligncia confirma que impossvel no serem verdades.
Essa classe, quando demonstrada com eficincia, so consideradas
verdadeiras com no menos certeza que as verdades manifestas: mas a
mente no chega percepo delas por algum caminho. Chega-se quela
classe de maneira universal e direta, a priori, pela intuio direta,
sem argumentao. Chega-se a esta classe universalmente pela
argumentao. Aquelas so obtidas sem nenhum processo lgico, enquanto
esta ltima classe sempre e necessariamente obtida por conseqncia de
um processo lgico. Muitas vezes obtemos essas verdades por um
processo 25
26. estritamente lgico, sem conscincia alguma da maneira pela
qual as obtivemos. Essas classes, portanto, diferentes das outras,
no devem ser comunicadas e estabelecidas sem argumentao, mas pela
argumentao. Nessas classes de verdades, a mente, por leis prprias,
no descansar a menos que sejam demonstradas. Elas admitem
demonstrao e, pela natureza delas e pela natureza da inteligncia,
precisam ser demonstradas antes que possam ser consideradas e
aceitas como conhecimento certo. Muitas delas podem ser aceitas, no
sentido de receber crdito, sem uma demonstrao absoluta. Mas no se
pode dizer de maneira exata que a mente as conhece antes que tenha
percorrido a demonstrao, e depois disso ela no pode deixar de
conhec-las. Para colocar a mente em posse de uma verdade primeira
da razo, vocs s precisam apresentar a condio cronolgica de seu
desenvolvimento. Para revelar uma verdade manifesta da razo, vocs s
precisam defini-la com termos suficientemente claros. Mas para
provar uma verdade pertencente classe ora em considerao, vocs
precisam cumprir as condies lgicas do intelecto para afirm-las. Ou
seja, precisam demonstr-las. A prxima classe a considerar so as
verdades da revelao. Quero dizer as verdades reveladas por inspirao
divina. Todas as verdades so de algum modo reveladas mente, mas nem
todas, pela inspirao do Esprito Santo. A mente conhece algumas das
verdades dessa classe; em outras, ela s cr. Ou seja, algumas dessas
verdades so objetos ou verdades do conhecimento ou da intuio quando
levadas pelo Esprito Santo ao campo da viso ou intuio. Outras so s
verdades de f ou verdades em que se deve acreditar. A divindade do
Senhor Jesus Cristo uma verdade da revelao da primeira classe, ou
seja, uma verdade da intuio ou de conhecimento certo quando
revelada para a mente pelo Esprito Santo. Essa verdade, quando
assim revelada, intuda diretamente pela razo pura. Ela sabe que
Jesus verdadeiro Deus e vida eterna pela mesma lei pela qual
conhece as verdades primeiras da razo. O nico motivo que a alma
pode dar para crer ser ela verdade saber que verdade. Ela v ou
percebe que verdadeira. Mas essa percepo ou intuio condicionada
pela revelao do Esprito Santo. Ele "h de receber do que meu e vo-lo
h de anunciar", disse Jesus. Mais acerca desse tpico ser
acrescentado no seu devido lugar. Os fatos e verdades ligados com a
humanidade do Senhor Jesus so da segunda classe de verdades da
revelao, ou seja, so s verdades de crena ou de f, em contraste com
verdades da razo pura ou da intuio. Essa classe de verdades, pela
prpria natureza, no so suscetveis de intuio. Podem ser reveladas de
tal maneira que a mente no tenha dvidas acerca delas, sendo-lhe
difcil distingui-las das verdades de conhecimento certo;
entretanto, s se cr nelas e no so conhecidas com a mesma certeza
que as verdades da intuio. Por si, a Bblia no estrita e
propriamente uma revelao para o homem. , mais propriamente, uma
histria de revelaes antes feitas a certos homens. A fim de ser uma
revelao para ns, suas verdades devem 26
27. ser levadas pelo Esprito Santo para o campo da viso
espiritual. Essa a condio para conhecermos as verdades da revelao
ou crer nelas da maneira apropriada. "Ningum pode vir a mim, se o
Pai, que me enviou, o no trouxer". "O homem natural no compreende
as coisas do Esprito de Deus, porque lhe parecem loucura; e no pode
entend-las, porque elas se discernem espiritualmente". "Mas o que
espiritual [possui o Esprito] discerne bem tudo". Mas no devo me
prolongar aqui neste assunto. S acrescentaria agora que os que
questionam a divindade de Cristo manifestam evidncia conclusiva de
que Cristo jamais lhes foi revelado pelo Esprito Santo. Os que
defendem sua divindade como uma teoria ou opinio no so de algum
modo beneficiados por ela, pois Cristo no conhecido por algum de
maneira salvadora, exceto pela revelao do Esprito Santo. s classes
de verdades j consideradas podem-se acrescentar algumas outras,
tais como Verdades Provveis, Verdades Possveis, etc. Mas levei
longe demais esta discusso para atender aos propsitos deste curso
de instruo e, creio, o suficiente para impressionar a mente de vocs
com uma noo da importncia de atentar para a classificao das
verdades e verificar a classe especfica a que certa verdade
pertence como a condio para obt-la com sucesso para si mesmo ou dar
posse dela a outras mentes. Como mestres de religio, nunca lhes ser
demais ter incutida a importncia de atentar para essa classificao.
Estou plena- mente convencido de que boa parte da ineficcia dos
mestres de religio deve-se ao fato de no estudarem as leis do
conhecimento e da crena e no obedecerem a elas para levar convico
mente de seus ouvintes. Eles no parecem ter considerado as
diferentes classes de verdades e como a mente passa a conhec-las ou
acreditar nelas. Por conseguinte, ou gastam o tempo em esforos
menos que inteis para provar verdades primeiras ou manifestas, ou
esperam que verdades suscetveis de demonstrao sejam recebidas e
aceitas sem tal demonstrao. Com freqncia fazem pouca ou nenhuma
distino entre as diferentes classes de verdades e raramente ou
nunca chamam a ateno de seus ouvintes a essa distino.
Conseqentemente, desconcertam e muitas vezes confundem seus
ouvintes com violaes flagrantes de todas as leis da lgica,
conhecimento e crena. Com freqncia tenho sido afligido e at
angustiado com a deficincia de mestres de religio nesse aspecto.
Estudem para se apresentarem aprovados, como obreiros que no tm de
que se envergonhar e estarem aptos para se recomendar conscincia de
todo homem, na presena de Deus. COMO CHEGAMOS AO CONHECIMENTO DE
CERTAS VERDADES (Da edio de 1851) Todos os ensinos e argumentaes
pressupem certas verdades. E preciso pressupor e aceitar que as
afirmaes inequvocas e a priori da razo so vlidas para todas as
verdades e princpios afirmados dessa forma; ou cada tentativa de
construir uma cincia de qualquer tipo ou de 27
28. obter certo conhecimento sobre algum assunto seria vo e at
absurdo. Devo comear minhas aulas sobre governo moral estabelecendo
certos postulados ou axiomas morais que so, a priori, afirmados
pela razo e, portanto, manifestos a todos os homens quando
expressos de tal forma que sejam compreendidos; passarei alguns
instantes estabelecendo alguns fatos que pertencem mais
propriamente ao departamento da Psicologia. A Teologia est to
ligada Psicologia que impossvel ser bem-sucedido no estudo daquela,
sem um conhecimento desta. Todo sistema teolgico e toda opinio
teolgica pressupem alguma verdade na Psicologia. A Teologia , em
grande parte, a cincia da mente e suas relaes com a lei moral. Deus
uma mente ou Esprito: todos os agentes morais so a sua imagem. A
Teologia a doutrina de Deus, compreendendo sua existncia,
atributos, relaes, carter, obras, palavra, governo (providencial e
moral) e, claro, deve abranger os fatos da natureza humana e a
cincia da agncia moral. Todos os telogos supem e precisam supor a
verdade de algum sistema de psicologia e filosofia mental, e os que
clamam com mais vigor contra a metafsica no o fazem menos que os
outros. H uma distino entre a mente ter conhecimento de uma verdade
e ter conhecimento de que a conhece. Assim, comeo definindo a
autoconscincia. Autoconscincia o reconhecimento que a mente faz de
si mesma. E o ato de perceber ou conhecer a si prprio: sua
existncia, atributos e estados, com os atributos de liberdade ou
necessidade que caracterizam tais atos e estados. Disso falarei com
freqncia daqui em diante. As revelaes da autoconscincia A
autoconscincia nos revela trs faculdades primrias da mente a que
chamamos intelecto, sensibilidade e vontade. O intelecto a
faculdade de conhecimento; a sensibilidade a faculdade ou
susceptibilidade de sentir; a vontade a faculdade executiva ou a
faculdade de fazer ou agir. Todo pensamento, percepo, intuio,
raciocnio, opinio, formao de noes ou idias pertencem ao intelecto.
A conscincia revela as vrias funes do intelecto e tambm da
sensibilidade e da vontade. Aqui, s vamos atentar para as funes do
intelecto, uma vez que nosso interesse presente verificar os mtodos
pelos quais o intelecto chega a seus conhecimentos, os quais nos so
dados na autoconscincia. A autoconscincia , em si, obviamente, uma
das funes do intelecto; e cabe aqui dizer que uma revelao na
conscincia cincia e conhecimento. O que a conscincia nos d,
sabemos. Seu testemunho infalvel e conclusivo em todos os assuntos
sobre os quais testifica. Entre outras funes do intelecto, que no
preciso mencionar, a autoconscincia revela a trplice distino
fundamental dos sentidos, da razo e do entendimento. Dos sentidos O
sentido a capacidade que percebe sensaes e as leva ao campo 28
29. da conscincia. A sensao uma impresso deixada na
sensibilidade por algum objeto externo ou por algum pensamento na
mente. O sentido assume ou percebe a sensao e essa sensao percebida
revelada na conscincia. Se a sensao vem de algum objeto fora da
mente, como um som ou uma cor, sua percepo pertence ao sentido
externo. Se vem de algum pensamento ou exerccio mental, a percepo
do sentido interno. Eu disse que o testemunho da conscincia
conclusivo para todos os fatos dados por seu testemunho inequvoco.
No precisamos nem podemos ter qualquer evidncia mais contundente da
existncia de uma sensao que aquela dada pela conscincia. Nossas
primeiras impresses, pensamentos e conhecimento so derivados dos
sentidos. Mas o conhecimento derivado puramente dessa fonte seria
necessariamente muito limitado. Da razo A autoconscincia tambm nos
revela a razo ou a funo a priori do intelecto. A razo aquela funo
do intelecto que defende ou intui de imediato uma classe de
verdades que, pela natureza delas, no podem ser conhecidas nem pelo
entendimento nem pelos sentidos. Tais, por exemplo, so os axiomas e
postulados da matemtica, filosofia e moral. A razo fornece leis e
princpios primeiros. Ela fornece o abstrato, o necessrio, o
absoluto, o infinito. Ela fornece todas as suas afirmaes pela
contemplao ou intuio direta, no por induo ou raciocnio. As classes
de verdades dadas por essa funo do intelecto so manifestas. Ou
seja, a razo intui ou as contempla de maneira direta, assim como a
faculdade dos sentidos intui ou contempla de maneira direta uma
sensao. Os sentidos fornecem conscincia a viso direta de uma sensao
e, assim, a existncia da sensao conhecida de maneira inegvel por
ns. A razo fornece conscincia a viso direta da classe de verdades
das quais toma conhecimento; e da existncia e validade dessas
verdades j no podemos duvidar, assim como no podemos duvidar da
existncia de nossas sensaes. H uma diferena entre o conhecimento
derivado dos sentidos e o derivado da razo: no primeiro caso, a
conscincia nos d a sensao: pode-se questionar se as percepes dos
sentidos so uma contemplao direta do objeto da sensao e, por
conseguinte, se o objeto realmente existe e o real arqutipo da
sensao. De que a sensao existe estamos certos, mas se existe o que
supomos ser o objeto e causa da sensao, admite dvida. A questo :
ser que os sentidos intuem ou contemplam de maneira imediata o
objeto da sensao? O fato de nem sempre ser possvel confiar no
relato dos sentidos parece mostrar que a percepo dos sentidos no
uma contemplao imediata do objeto da sensao; a sensao existe, isso
sabemos; que possui uma causa, sabemos; mas talvez no saibamos se
conhecemos corretamente a causa ou o objeto da sensao. Mas a
respeito das intuies da razo, essa faculdade contempla diretamente
as verdades que afirma. Essas verdades so os objetos de suas
29
30. intuies. No so recebidas em segunda mo. No so inferncias ou
indues, no so opinies, nem conjecturas ou crenas; so conhecimentos
diretos. As verdades fornecidas por essa faculdade so vistas e
conhecidas de maneira to direta que impossvel duvidar delas. A
razo, em virtude de leis prprias, contempla-as face a face luz das
evidncias delas prprias. Do entendimento O entendimento aquela funo
do intelecto que toma, classifica e arranja os objetos e verdades
da sensao sob uma lei de classificao e arranjo dada pela razo, e
assim forma noes e opinies e teorias. As noes, opinies e teorias do
entendimento podem ser errneos, mas no possvel haver erros nas
intuies a priori da razo. O conhecimento do entendimento com
tamanha freqncia o resultado de induo ou raciocnio, ficando com
isso totalmente distante de uma percepo direta, que muitas vezes s
so conhecimento num sentido modificado e restrito. Da imaginao, da
memria, etc, no h necessidade que eu fale aqui. O que se disse,
creio, preparou o caminho para dizer que as verdades da teologia
agrupam-se sob duas categorias: Verdades que exigem prova e
verdades que no exigem prova. Verdades que exigem prova. Primeiro.
Dessa classe deve-se dizer, em geral, que a ela pertencem todas as
verdades no intudas diretamente por alguma funo do intelecto luz de
evidncias prprias. Toda verdade a que se deva chegar por raciocnio
ou induo, toda verdade que se alcana por outro testemunho, que no o
de observao, percepo, intuio ou reconhecimento direto uma verdade
que pertence classe que necessita de prova. Segundo. As verdades de
demonstrao pertencem classe que necessita de prova. Quando verdades
de demonstrao so de fato demonstradas por alguma mente, ela com
certeza sabe que so verdades e sabe no ser possvel que afirmaes
contrrias sejam verdadeiras. Para incutir outras mentes com essas
verdades, precisamos conduzi-las pelo processo de demonstrao.
Fazendo isso, no podem deixar de ver a verdade demonstrada. A mente
humana em geral no recebe uma verdade de demonstrao nem descansa
nela, a menos que seja demonstrada. Ela o faz com freqncia sem
reconhecer o processo de demonstrao. As leis do conhecimento so
fsicas. As leis da lgica so inerentes a todas as mentes; mas em
vrios estados de desenvolvimento em diferentes mentes. Se uma
verdade que exige demonstrao e pode ser demonstrada simplesmente
anunciada e no demonstrada, a mente sente-se insatisfeita e no
descansa sem a demonstrao que considera necessria. Pouco adianta,
portanto, dogmatizar, quando se deve argumentar, demonstrar e
explicar. Em todos os casos de verdades no manifestas ou de
verdades que exigem prova, os mestres religiosos devem entender e
as condies lgicas do 30
31. conhecimento e da crena racional e adaptar-se a elas; eles
atentam contra Deus quando s dogmatizam quando devem argumentar,
explicar e provar, lanando sobre a soberania de Deus a
responsabilidade de produzir convico e f. Deus convence e produz f,
no pela deposio das leis mentais estabelecidas, mas de acordo com
elas. E, portanto, absurdo e ridculo dogmatizar e asseverar, quando
explicaes, ilustraes e provas so possveis e exigidas pelas leis do
intelecto. Fazer isso e depois deixar a cargo de Deus fazer as
pessoas compreender e crer pode-nos ser conveniente no momento, mas
se no significar morte para nossos auditores, no se nos devem
agradecer. Somos intimados a inquirir que classe pertence certa
verdade, se uma verdade que, pela natureza e pelas leis da mente,
precisa ser ilustrada ou provada. Caso sim, no temos o direito de
meramente assever-la, se no tiver sido provada. Vamos cumprir as
condies necessrias de uma convico racional e depois deixar o
resultado com Deus. A classe de verdades que no exigem prova
pertencem as da revelao divina. Todas as verdades conhecidas do
homem so divinamente reveladas a ele em algum sentido, mas falo
aqui de verdades reveladas ao homem pela inspirao do Esprito Santo.
A Bblia anuncia muitas verdades manifestas e muitas verdades de
demonstrao. Elas podem ou poderiam ser conhecidas, pelo menos
muitas delas, independentemente da inspirao do Esprito Santo. Mas a
classe de verdades de que falo aqui baseia-se inteiramente no
testemunho de Deus, sendo verdades de inspirao pura. Algumas dessas
verdades esto acima da razo, no sentido de que a razo no pode, a
priori, nem afirmar nem neg-las. Quando se afirma que Deus as
afirmou, a mente no precisa de outra evidncia de sua veracidade,
pois por uma lei necessria do intelecto, todos os homens afirmam a
veracidade de Deus. Mas apesar dessa lei necessria da mente, os
homens no conseguem apoiar-se no simples testemunho de Deus,
solicitando evidncias de que se deve crer em Deus. Mas tal a
natureza da mente, conforme constituda pelo Criador, que nenhum
agente moral necessita provar que o testemunho de Deus deve ser
recebido. Uma vez estabelecido que Deus declarou um fato ou
verdade, essa , para todos os agentes morais, toda a evidncia
necessria. A razo, por leis prprias, afirma a perfeita veracidade
de Deus, e embora a verdade anunciada possa ser tal, que a razo, a
priori, no consiga nem afirmar nem neg-la; ainda assim, quando
afirmada por Deus, a razo confirma irresistivelmente que o
testemunho de Deus deve ser recebido. Essas verdades exigem prova
no sentido de determinar que se demonstre que foram dadas por
inspirao divina. Demonstrado esse fato, as prprias verdades s
precisam ser compreendidas, e a mente necessariamente afirma sua
obrigao de crer nelas. Meu presente objetivo mais particular
observar: Verdades que no exigem prova. Essas so verdades a priori
da razo e verdades dos sentidos; ou seja, 31
32. so verdades que no exigem prova porque so intudas ou
observadas diretamente por uma dessas faculdades. As verdades a
priori possuem os seguintes atributos. (1) So verdades absolutas ou
necessrias no sentido de que a razo afirme que preciso que sejam
verdadeiras. Cada efeito tem uma causa adequada. O espao deve
existir. E impossvel que no exista, mesmo que qualquer outra coisa
exista ou no. O tempo deve existir, haja ou no eventos que se
sucedam no tempo. Assim, a necessidade um atributo dessa classe.
(2) A universalidade um atributo de uma verdade primeira. Ou seja,
as verdades dessa classe no comportam exceo. Todo efeito deve ter
uma causa; no pode haver efeito sem uma causa. (3) As verdades
primeiras so verdades de conhecimento necessrio e universal. Ou
seja, no so meramente cognoscveis, mas conhecidas de todos os
agentes morais por uma lei necessria de seu intelecto. O espao e o
tempo existem e devem existir; que cada efeito possui e deve
possuir uma causa, e verdades desse tipo so conhecidas
universalmente e pressupostas por todos os agentes morais, quer os
termos em que so declaradas tenham sido ouvidas por eles, quer no.
Esta a caracterstica que distingue as verdades primeiras das
outras, meramente manifestas, das quais logo falaremos. (4) As
verdades primeiras so, claro, manifestas. Ou seja, so percebidas de
maneira universal e direta luz de evidncias prprias. (5) As
verdades primeiras so de razo pura e, claro, verdades de
conhecimento certo. So conhecidas universalmente com tal certeza
que impossvel algum agente moral negar, esquecer ou desconsider-las
na prtica. Ainda que possam ser negadas em teoria, so sempre e
necessariamente reconhecidas na prtica. Nenhum agente moral pode,
por exemplo, em hiptese alguma, negar ou esquecer ou desconsiderar
na prtica as verdades primeiras de que o tempo e o espao existem e
devem existir; que cada efeito deve ter uma causa. Deve-se,
portanto, lembrar sempre que as verdades primeiras so pressupostas
e conhecidas universalmente, e em todos os nossos ensinos e em
todas as nossas indagaes devemos tomar por certas as verdades
primeiras. E absurdo tentar prov-las, em razo de necessariamente
pressup-las como base e condio de todo raciocnio. A mente chega a
um conhecimento dessas verdades pela observao direta e necessria
delas, preenchida a condio de primeiro perceber a condio lgica
delas. A mente percebe ou atinge a concepo de um efeito. Com essa
concepo conclui instantaneamente, quer pense quer no na concluso,
que esse efeito teve, e que cada efeito deve ter, uma causa. A
mente percebe o corpo ou tem noo dele. Essa concepo desenvolve
necessariamente a verdade primeira, o espao existe e deve existir.
A mente observa ou concebe a sucesso; e essa observao ou concepo
desenvolve necessariamente a verdade primeira: o tempo existe e
deve existir. 32
33. A medida que prosseguirmos vamos notar vrias verdades que
pertencem a essa classe, algumas das quais, em teoria, tm sido
negadas. No entanto, em seus julgamentos prticos, todos os homens
as tm aceitado e dado profundas evidncias do fato de as conhecerem,
tanto quanto tm conhecimento da existncia deles prprios. Suponham,
por exemplo, que a lei da causalidade no fosse, jamais, em tempo
algum, objeto de ponderao e ateno distinta. Suponham que a
proposio, em palavras, "todo efeito deve ter uma causa", jamais
estivesse em mente ou que tal proposio devesse ser negada. Ainda
assim o conhecimento permanece ali, em forma de conhecimento
absoluto, uma pressuposio necessria, uma afirmao a priori, e a
mente possui tamanha convico dela que totalmente incapaz de
desconsiderar, esquecer ou neg-la na prtica. Todas as mentes a tem
por conhecimento certo muito antes de conseguir compreender a
linguagem em que expressa, e nenhuma declarao ou evidncia, qualquer
que seja, pode dar a elas convico maior que a obtida primeiro pela
necessidade. Isso se aplica a todas as verdades dessa classe. Elas
so sempre e necessariamente aceitas por todos os agentes morais,
quer haja um pensamento distinto, quer no. E a maior parte dessa
classe de verdades aceita, sem que sejam com freqncia ou, pelo
menos, em geral, objeto de ponderao ou ateno direta. A mente as
pressupe sem uma conscincia distinta da pressuposio. Por exemplo,
agimos a cada momento e julgamos, raciocinamos e acreditamos na
pressuposio de que cada efeito deve ter uma causa; ainda assim no
temos conscincia de ponderar acerca dessa verdade nem de
pressup-la, at que algo nos chame a ateno para ela. Verdades
primeiras da razo, portanto, que fique bem destacado, so sempre e
necessariamente aceitas, ainda que possa ser rara a ponderao acerca
delas. Elas so de conhecimento universal antes de se compreenderem
as palavras pelas quais so expressas; e embora possam ocorrer de
jamais serem expressas numa proposio formal, ainda assim a mente
possui um conhecimento certo delas tanto quanto possui da existncia
dela prpria. Todo raciocnio desenvolve-se na pressuposio dessas
verdades. Precisa faz-lo necessariamente. absurdo tentar provar
verdades primeiras para um agente moral, pois, sendo um agente
moral, j deve conhec-las de maneira absoluta e, caso contrrio, no h
meio pelo qual se consiga coloc-lo em posse delas, exceto pela
apresentao da condio cronolgica do desenvolvimento delas sua
percepo e em hiptese alguma seria necessrio mais alguma coisa, pois
com a ocorrncia dessa percepo, segue-se a pressuposio ou o
desenvolvimento, por uma lei de necessidade absoluta e universal. E
at essas verdades serem de fato desenvolvidas, nenhum ser pode ser
um agente moral. No se pode discutir com algum que questione as
primeiras verdades da razo e exija comprovao delas. Toda argumentao
deve, pela natureza da mente e pelas leis do raciocnio, considerar
certas e aceitas as verdades primeiras da razo e como condio a
priori de toda 33
34. deduo e demonstrao lgica. Algumas delas precisam ser
consideradas verdades, de maneira direta ou indireta, em cada
silogismo e em cada demonstrao. Em todas as nossas investigaes
futuras, teremos abundantes ocasies para aplicar e ilustrar o que
se disse agora acerca das verdades primeiras da razo. Se, em algum
estgio de nosso progresso, lanarmos luz sobre uma verdade dessa
classe, tenha-se em mente que a natureza da verdade a precluso, ou,
como expressariam os advogados, a interdio de toda controvrsia.
Negar a realidade dessa classe de verdades negar a validade de
nosso mais perfeito conhecimento. A nica dvida a se elucidar : a
verdade em questo pertence a essa classe? H muitas verdades que os
homens, todos os homens, com certeza conhecem, acerca dos quais
raramente pensam, mas que, em teoria, so persistentes em negar. 2.
A segunda classe de verdades que no exigem prova so verdades
manifestas, que possuem os atributos de necessidade e
universalidade. Dessas verdades, destaco: (1) Elas, como as
verdades primeiras, so confirmadas pela razo pura e no pelo
entendimento ou pelos sentidos. (2) So confirmadas, como as
verdades primeiras, a priori; ou seja, so percebidas ou intudas
diretamente e no se chega a elas por evidncias ou induo. (3) So
verdades de afirmao universal e necessria, quando expressas de
maneira que sejam compreendidas. Por uma lei da razo, todos os
homens sos devem aceitar e confirm-las luz de evidncias prprias,
sempre que se as compreende. Essa classe, ainda que manifesta
quando apresentada mente, no , como as verdades primeiras,
universal e necessariamente conhecida de todos os agentes morais.
Os axiomas matemticos e os princpios primeiros, as bases e
princpios a priori de toda a cincia, pertencem a essa classe. (4)
So, como as verdades primeiras, universais no sentido de no haver
exceo a elas. (5) So verdades necessrias. Ou seja, a razo afirma,
no s que so verdadeiras, mas que precisam ser verdadeiras; que
essas verdades no podem deixar de ser. O abstrato, o infinito
pertencem a essa classe. Para compelir outras mentes a aceitar essa
classe de verdades, s precisamos elaborar uma declarao to perspicaz
para elas, que possam ser percebidas e compreendidas com clareza.
Feito isso, todas as mentes ss as confirmam irresistivelmente, quer
o corao seja, quer no honesto o bastante para admitir a convico. 3.
Uma terceira classe de verdades que no exigem prova so verdades de
intuio racional, mas no possuem os atributos de universalidade e
necessidade. Nossa existncia, personalidade, identidade pessoal,
etc, pertencem a essa classe. Essas verdades so intudas pela razo,
so manifestas e certas, como tais, na conscincia; so conhecidas da
prpria pessoa, sem 34
35. provas, e no se pode duvidar delas. Elas so primeiro
desenvolvidas pela sensao, mas no inferidas dela. Suponham uma
sensao a ser percebida pelos sentidos; tudo o que se poderia
inferir logicamente disso que existe algum recipiente dessa sensao,
mas que eu existo e sou o recipiente dessa sensao, no surge
logicamente. A sensao primeiro desperta a mente conscincia do eu;
ou seja, uma sensao de algum tipo primeiro desperta a ateno da
mente para os fatos da prpria existncia dela e da identidade
pessoal. Essas verdades so percebidas e confirmadas diretamente. A
mente no diz, sinto, ou penso, logo existo, pois isso um mero
sofisma; isso pressupor a existncia do eu como o recipiente do
sentimento e depois inferir a existncia do eu a partir do
sentimento ou sensao. 4. Uma quarta classe de verdades que no
exigem prova so as sensaes. J se observou que todas as sensaes
dadas pela conscincia so manifestas para quem as sente. Se atribuo
ou no minhas sensaes verdadeira causa delas possvel discutir, mas
no se pode duvidar que a sensao real. O testemunho dos sentidos
vlido quanto ao que eles contemplam ou intuem de forma direta, ou
seja, quanto realidade da sensao. O julgamento pode enganar-se,
atribuindo a sensao a uma causa errada. Mas no devo prosseguir com
esse discurso; meu objetivo no entrar em muitos detalhes em
distines metafsicas sutis, nem, de maneira alguma, esgotar o
assunto desta aula, mas s fixar a ateno nas distines em que venho
insistindo com o propsito de evitar todas as discusses irrelevantes
e absurdas acerca da validade das verdades primeiras e manifestas.
Devo pressupor que vocs possuem algum conhecimento de psicologia e
filosofia mental, e deixo a seu critrio um exame mais completo e
extenso do assunto s insinuado nesta preleo. O suficiente, creio,
foi dito a fim de preparar a mente de vocs para a instruo dos
grandes e fundamentais axiomas que se colocam no fundamento de
todas as nossas idias de moralidade e religio. Nossa prxima aula
apresentar a natureza e os atributos da lei moral. Prosseguiremos
luz das afirmaes a priori da razo, ao postular sua natureza e
atributos. Tendo chegado a um terreno firme quanto a esses pontos,
devemos ser naturalmente conduzidos pela razo e pela revelao a
nossas concluses ltimas. 35
36. AULA 2 GOVERNO MORAL A lei, num sentido do termo
suficientemente popular e tambm cientfico para meus propsitos, uma
regra de ao. Em seu significado genrico, aplicvel a todo tipo de
ao, seja material, seja mental seja inteligente, seja no
inteligente seja livre, seja necessria. Lei fsica um termo que
representa a ordem de seqncia em todas as mudanas que ocorrem sob a
lei da necessidade, quer na matria, quer na mente. Ou seja, todas
as mudanas de estado ou de ao que no consistem nos estados ou aes
de livre-arbtrio. A lei fsica a lei do universo material. tambm a
lei da mente, desde que os estados e as mudanas sejam involuntrios.
Todos os estados ou atos mentais que no sejam atos livres e
soberanos da vontade devem ocorrer sob a lei fsica e ser sujeitos a
ela. No se pode ser responsvel por eles, a menos que sejam
atribudos lei da necessidade ou imposio. A lei moral uma regra de
ao moral com sanes. E aquela regra a que os agentes morais precisam
conformar todos os atos voluntrios, sendo reforada por sanes
equivalentes ao valor do preceito. a regra que governa a ao livre e
inteligente, em contraposio lei da necessidade de motivaes e livre
escolha em oposio a uma ao necessria e no inteligente. a lei da
liberdade, em contraste com a lei da necessidade de motivao e livre
escolha, em oposio imposio de todo tipo. A lei moral primeiramente
uma norma para regular todas aqueles atos e estados da mente e do
corpo que se seguem aos atos livres da lei por uma lei da
necessidade. Assim, a lei moral controla estados mentais
involuntrios e atos exteriores s pelo ato de assegurar a
conformidade das aes do livre-arbtrio com seu preceito. 36
37. Os atributos essenciais da lei moral 1. Subjetividade. Ela
e deve ser uma idia de razo desenvolvida na mente do indivduo. uma
idia ou concepo daquele estado de vontade, ou curso de ao, que est
obrigatoriamente num agente moral. Ningum pode ser um agente moral,
ou sujeitado lei moral, a menos que tenha essa idia desenvolvida;
pois essa idia idntica lei. a lei desenvolvida ou revelada dentro
dele mesmo, e assim ele se torna "lei para si mesmo", sua nica razo
para reafirmar sua obrigao de conformar-se com essa idia. 2.
Objetividade. A lei moral pode ser considerada uma regra de
obrigao, prescrita pelo Legislador supremo e externa ao eu. Quando
assim considerada, objetiva. 3. Liberdade em contraposio a
necessidade. O preceito deve permanecer desenvolvido na mente, como
uma regra de obrigao uma lei de obrigao moral uma regra de opo ou
de inteno ltima, declarando aquilo que um agente moral deve
escolher, desejar, pretender. Mas isso no possui, nem deve possuir,
o atributo de necessidade em suas relaes. No deve, no pode, possuir
qualquer elemento ou atributo de imposio, em algum sentido que
traduza conformao inevitvel da vontade com seu preceito. Isso
confundiria com a lei fsica. 4. Adequao. Deve ser uma lei da
natureza, ou seja, seus preceitos devem prescrever e requerer s os
atos da vontade cabveis natureza e relaes de seres morais, nada
mais nem menos; ou seja, tendo por base o valor intrnseco do
bem-estar de Deus e do universo, e por condio da obrigao da
natureza e as relaes dos seres morais, a razo confirma
necessariamente, em seguida, a correo e adequao intrnseca de
escolher esse bem e de consagrar todo o ser sua promoo. isso que se
entende por lei da natureza. E a lei ou regra de ao imposta a ns
por Deus na natureza e pela natureza que ele nos deu. 5.
Universalidade. Sendo iguais as condies e circunstncias, ela exige,
e precisa exigir, o mesmo de todos os agentes morais, no importa o
mundo em que se encontrem. 6. Imparcialidade. A lei moral no
distingue pessoas no privilegia classes. Ela exige o mesmo de
todos, sem nenhuma ressalva, exceto o fato de serem agentes morais.
Com isso no se quer dizer que o mesmo curso de ao externo seja
exigido de todos; mas o mesmo estado de alma em todos que todos
tenham uma inteno maior que todos devotem-se a um fim que todos
conformem-se inteiramente, de corao e vida, sua natureza e relaes.
7. Praticabilidade. A exigncia do preceito deve ser possvel para o
indivduo. Aquilo que exige uma impossibilidade natural no nem pode
ser uma lei moral. A verdadeira definio de lei exclui a suposio de
que possa, sob alguma circunstncia, exigir uma impossibilidade
absoluta. Tal exigncia no estaria de acordo com a natureza e as
relaes dos agentes morais e, portanto, a praticabilidade deve
sempre ser um atributo da lei moral. Falar da incapacidade de
obedecer lei moral falar um absurdo. 8. Independncia. uma idia
eterna e necessria da razo divina. 37
38. a regra eterna, autnoma da conduta divina, a lei que a
inteligncia de Deus prescreve para si mesmo. A lei moral, como
veremos melhor daqui em diante, no se origina, e no pode
originar-se, na vontade de Deus. Ela existe eternamente na razo
divina. E a idia daquele estado de vontade que permanece
obrigatoriamente em Deus, sob condio de seus atributos naturais ou,
em outras palavras, sob condio de sua natureza. Como lei,
inteiramente independente da vontade de Deus, exatamente como a
prpria existncia dele. Ela obrigatria tambm a todos os agentes
morais, inteiramente independente da vontade de Deus. Dadas suas
natureza e relaes e sendo desenvolvida sua inteligncia, a lei moral
deve ser obrigatria a eles e no cabe a nenhum ser optar por outro
caminho. Dadas suas natureza e relaes, seguir um curso de conduta
adequado sua natureza e relaes necessrio e manifestamente
obrigatrio, parte da vontade de qualquer ser. 9. Imutabilidade. A
lei moral jamais pode mudar ou ser mudada. Ela sempre exige de todo
agente moral um estado de alma e, claro, de conduta, precisamente
adequado sua natureza, e relaes. Qualquer que seja sua natureza,
quaisquer que sejam sua capacidade e relaes, requer-se dele, a todo
momento, nada mais nada menos que inteira conformidade com essa
natureza, essa capacidade e relaes, desde que seja capaz de
compreend- las. Aumentando-se a capacidade, o indivduo no com isso
considerado capaz de obras de super-rogao fazer mais do que exige a
lei; pois a lei ainda requer, como sempre, a plena consagrao de
todo seu ser aos interesses pblicos. Se por algum meio, qualquer
que seja, sua capacidade reduzida, a lei moral, sempre e
necessariamente coerente consigo mesma, ainda requer o que resta
nada mais nem menos deve ser consagrado aos mesmos fins que antes.
Qualquer coisa que exija conformidade mais ou menos completa,
universal e constante do corao e da vida natureza, capacidade e
relaes de agentes morais, seja qual for, no e no pode ser lei
moral. Se, portanto, a capacidade diminuda de algum modo, o
indivduo no se torna com isso incapaz de prestar plena obedincia;
pois a lei ainda exige e insta que o corao e a vida estejam
plenamente conformados com a natureza, capacidade e relaes
existentes e presentes. Qualquer coisa que requeira mais ou menos
que isso no pode ser lei moral. A lei moral invariavelmente fala
uma lngua. Ela jamais muda suas exigncias. "Amars" (Dt 6.5) ou sers
perfeitamente benevolente sua demanda uniforme e nica. Essa demanda
jamais varia e jamais pode variar. Ela to imutvel quanto Deus, e
pela mesma razo. Falar de abrandamento ou alterao da lei moral
falar absurdo. Isso naturalmente impossvel. Nenhum ser possui o
direito ou o poder de faz- lo. A suposio desconsidera a prpria
natureza da lei moral. A lei moral no um estatuto, um decreto, que
tenha sua origem ou fundamento na vontade de algum ser. a lei da
natureza, a lei que a natureza ou constituio de todo agente moral
impe a si prprio e que Deus nos impe porque inteiramente adequada a
nossa natureza e relaes, sendo, portanto, naturalmente obrigatria
para ns. demanda inaltervel da razo que todo o ser, o que quer que
exista dele em qualquer tempo, deve 38
39. ser inteiramente dedicado ao mximo bem do ser universal, e
por esse motivo Deus exige isso de ns, com todo o peso de sua
autoridade. 10. Unidade. A lei moral prope um nico fim maior a ser
buscado para Deus e para todos os agentes morais. Todas as suas
exigncias, em seu esprito, resumem-se e expressam-se em uma
palavra: amor ou benevolncia. Anuncio aqui s isso. Aparecer de
maneira mais completa daqui em diante. A lei moral uma idia pura e
simples da razo. a idia da consagrao perfeita, universal e
constante de todo o ser para o mximo bem do ser. S isso , e nada
mais nem menos pode ser, lei moral; pois s isso, e nada mais nem
menos, um estado do corao e um curso de vida exatamente adequado
natureza e relaes de agentes morais, a nica definio verdadeira de
lei moral. 11. Convenincia. Aquilo que mais sbio no todo
conveniente. Aquilo que conveniente no todo exigido pela lei moral.
A verdadeira convenincia e o esprito da lei moral so sempre
idnticos. A convenincia pode no estar em harmonia com a letra, mas
isso nunca ocorre com o esprito da lei moral. Alei na forma de
mandamento uma revelao ou declarao daquele caminho que conveniente.
convenincia revelada, como no caso do declogo, e o mesmo verdade
quanto a todos os preceitos da Bblia; ela nos revela o que
conveniente. Uma lei ou um mandamento revelado jamais deve ser
desconsiderado por nossa opinio de convenincia. Podemos saber com
certeza que o que exigido conveniente. O mandamento o julgamento
expresso de Deus no caso e revela com certeza inerrante o
verdadeiro caminho da convenincia. Quando Paulo diz: "Todas as
coisas me so lcitas, mas nem todas as coisas convm" (1 Co 6.12),
preciso que no o entendamos como se quisesse dizer que todas as
coisas, no sentido absoluto, fossem lcitas para ele, ou que algo no
conveniente fosse lcito para ele. Mas sem dvida ele queria dizer
que muitas coisas inconvenientes no eram expressamente proibidas
pela letra da lei; que o esprito da lei proibia muitas coisas no
proibidas expressamente pela letra. No se deve esquecer jamais que
o que simplesmente se exige para o mximo bem do universo lei. E
conveniente. sbio. O verdadeiro esprito da lei moral exige isso e
precisa exigi-lo. Assim, por outro lado, tudo o que simplesmente
inconsistente com o bem mximo do universo ilegal, insensato,
inconveniente e deve ser proibido pelo esprito da lei moral. Mas
vamos repetir o pensamento: os preceitos da Bblia sempre revelam o
que conveniente de verdade, e em hiptese alguma temos liberdade de
pr de lado o esprito de algum mandamento na suposio de que a
convenincia o exige. Alguns condenam totalmente a doutrina da
convenincia, como se fosse sempre contra a lei de direito. Trs
filsofos elaboraram sobre a pressuposio de que a lei de direito e a
lei da benevolncia no so idnticas, mas inconsistentes entre si.
Trata-se de erro comum, mas fundamental, o que me leva a observar
que: A lei prope o mximo bem do ser universal como fim e requer que
todos os agentes morais consagrem-se promoo desse fim. Por
conseguinte, a convenincia deve ser um de seus atributos. Aquilo
que ocupa, no geral, o mais alto grau de utilidade para o universo
deve ser exigido pela lei moral. 39
40. A lei moral deve, pela prpria natureza dela, requerer s
aquele curso de vontade e ao que ocupa no todo o mais alto grau de
utilidade e, por conseguinte, de convenincia. E estranho e absurdo
que se tenha defendido que o direito seria obrigatrio se
necessariamente tendesse para desgraa universal e perfeita ou nela
resultasse. Jamais se fez afirmao mais disparatada. A afirmao
pressupe que a lei de direito e a boa vontade no s so distintas,
como podem ser antagnicas. Tambm pressupe que pode haver leis no
adequadas natureza e relaes de agentes morais. Com certeza no se
pretende que o curso de ao e de vontade que necessariamente tenda
para a desgraa universal e nela resulte possa ser coerente com a
natureza e relaes de agentes morais. Nada que no promova no todo o
mximo bem-estar deles ou pode ser adequado sua natureza e relaes. A
convenincia e o direito esto sempre e necessariamente juntos.
Jamais podem ser discrepantes. Aquilo que no todo mais conveniente
direito; e o que direito conveniente no todo. 12. Exclusividade. A
lei moral a nica regra possvel de obrigao moral. Faz-se em geral
distino entre leis morais, cerimoniais, civis e impostas. Essa
distino conveniente em alguns aspectos, mas pode confundir, criando
a impresso de que algo pode ser obrigatrio, em outras palavras,
pode ser lei, sem possuir os atributos da lei moral. Nada pode ser
lei, no devido sentido do termo, se no for universalmente
obrigatrio a todos os agentes morais sob as mesmas circunstncias. E
lei porque, e s porque, sob todas as circunstncias do caso, o curso
prescrito adequado, apropriado, conveniente sua natureza, relaes e
circunstncias. No pode haver outra regra de ao para agentes morais,
a no ser a lei moral ou a lei da benevolncia. Todas as outras
regras so absolutamente excludas pela prpria natureza da lei moral.
Com certeza no pode haver lei que seja ou possa ser obriga