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17 equacoes que mudaram o mundo ian stewart

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  • Ian Stewart

    Dezessete equaes que mudaram omundo

    Traduo:George Schlesinger

    Reviso tcnica:Diego Vaz Bevilaqua

  • SumrioPor que equaes?1. A ndia da hipoptama

    Teorema de Pitgoras2. Abreviando os procedimentos

    Logaritmos3. Fantasmas de grandezas sumidas

    Clculo4. O sistema do mundo

    A lei da gravitao de Newton5. Prodgio do mundo ideal

    A raiz quadrada de menos um6. Muito barulho por ndoa

    A frmula de Euler para poliedros7. Padres de probabilidade

    Distribuio normal8. Boas vibraes

    Equao de onda9. Ondulaes e blipes

    A transformada de Fourier10. A ascenso da humanidade

    A equao de Navier-Stokes11. Ondas no ter

    As equaes de Maxwell12. Lei e desordem

    A segunda lei da termodinmica13. Uma coisa absoluta

    Relatividade14. Estranheza quntica

    Equao de Schrdinger15. Cdigos, comunicao e computadores

    Teoria da informao16. O desequilbrio da natureza

    Teoria do caos17. A frmula de Midas

    Equao de Black-ScholesE agora, para onde?

  • NotasCrditos das ilustraesndice remissivo

  • To avoide the tediouse repetition of these woordes: is equalle to: I will sette asI doe often in woorke use, a paire of paralleles, or gemowe lines of one lengthe:====, bicause noe .2. thynges, can be moare equalle.a

    ROBERT RECORDE, The Whetstone of Witte, 1557a Para evitar a tediosa repetio destas palavras: igual a: vou estabelecer como frequentemente fao no trabalho, um par

    de paralelas, ou linhas gmeas de mesmo comprimento: =====, porque no pode haver 2 coisas mais iguais.

  • Por que equaes?EQUAES SO A SEIVA VITAL da matemtica, da cincia e da tecnologia. Sem elas, nosso

    mundo no existiria na sua forma atual. No entanto, as equaes tm a reputao de ser algoassustador: os editores de Stephen Hawking lhe disseram que cada equao faria cair pelametade as vendas de Uma breve histria do tempo, mas ignoraram o prprio conselho epermitiram que ele inclusse E = mc, quando se a houvessem cortado, supostamente teriamvendido mais 10 milhes de exemplares. Estou do lado de Hawking. Equaes soimportantes demais para serem escondidas. Mas os editores tambm tinham razo em umponto: elas so formais e austeras, parecem complicadas, e mesmo aqueles que adoramequaes podem ficar desconcertados se bombardeados por elas.

    Neste livro, eu tenho uma desculpa. J que um livro sobre equaes, posso evitar inclu-las no mais do que poderia, se fosse escrever um livro sobre montanhismo, abrir mo dapalavra montanha. Quero convencer voc de que as equaes tm um papel fundamental nacriao do mundo de hoje, desde a cartografia at a navegao por satlite, da msica televiso, da descoberta da Amrica explorao das luas de Jpiter. Felizmente, voc noprecisa ser um gnio para apreciar a beleza e a poesia de uma boa e significativa equao.

    Em matemtica h dois tipos de equaes, que primeira vista parecem muito similares.Um tipo apresenta relaes entre diversas grandezas matemticas: a tarefa provar que aequao verdadeira. O outro tipo fornece informaes sobre uma grandeza desconhecida, e atarefa do matemtico resolv-la tornar conhecido o desconhecido. A distino no ntida, porque s vezes a mesma equao pode ser usada das duas maneiras, mas pode servircomo uma linha mestra. Aqui voc encontrar os dois tipos.

    Equaes em matemtica pura geralmente so do primeiro tipo: revelam profundos e belospadres e regularidades. So vlidas porque, dadas as nossas premissas bsicas sobre aestrutura lgica da matemtica, no h alternativa. O teorema de Pitgoras, que uma equaoexpressa na linguagem da geometria, um exemplo. Se voc aceita as premissas bsicas deEuclides sobre a geometria, ento o teorema de Pitgoras verdadeiro.

    Equaes em matemtica aplicada e fsica matemtica so habitualmente do segundo tipo.Elas codificam informaes sobre o mundo real; expressam propriedades do universo que, emprincpio, poderiam ter sido diferentes. A lei da gravitao de Newton um bom exemplo. Elanos conta como a fora de atrao entre dois corpos depende de suas massas e da distnciaque existe entre eles. Resolver as equaes resultantes nos diz como os planetas giram emtorno do Sol ou como calcular a trajetria de uma sonda espacial. Mas a lei de Newton no um teorema matemtico; ela verdadeira por razes fsicas, ela se encaixa na observao. Alei da gravitao poderia ter sido diferente. De fato, ela diferente: a teoria geral darelatividade de Einstein aperfeioa a de Newton encaixando melhor algumas observaes, aomesmo tempo sem invalidar aquelas em que sabemos que a lei de Newton funciona bem.

    O curso da histria humana tem sido repetidamente redirecionado por uma equao.Equaes tm poderes ocultos. Elas revelam os segredos mais ntimos da natureza. Este no o modo tradicional pelo qual historiadores organizam a ascenso e queda de civilizaes.Reis, rainhas, guerras e desastres naturais so abundantes em livros de histria, mas asequaes ocupam uma camada finssima. Isso no justo. Em tempos vitorianos, MichaelFaraday estava demonstrando as relaes entre magnetismo e eletricidade para plateiasinteiras na Royal Institution em Londres. Consta que o primeiro-ministro, William Gladstone,

  • teria perguntado se dali sairia alguma coisa de consequncia prtica. Conta-se (com base emquase nenhuma evidncia factual, mas por que estragar uma boa histria?) que Faraday teriareplicado: Sim, senhor. Algum dia o senhor cobrar impostos sobre isso. Se Faradayrealmente disse isso, estava certo. James Clerk Maxwell transformou as observaesexperimentais iniciais e as leis empricas sobre magnetismo e eletricidade num sistema deequaes para o eletromagnetismo. Entre as muitas consequncias figuram o rdio, o radar e ateleviso.

    Uma equao extrai seu poder de uma fonte simples. Ela nos conta que dois clculos, queparecem diferentes, tm a mesma resposta. O smbolo-chave o sinal de igual, =. As origensda maioria dos smbolos matemticos esto ou perdidas na neblina da antiguidade ou so torecentes que no h dvida de onde vieram. O sinal de igual incomum por datar de mais de450 anos atrs, porm no s sabemos quem o inventou, como sabemos at por qu. Oinventor foi Robert Recorde, em 1557, em The Whetstone of Witte. Ele usou duas linhasparalelas (e utilizou uma palavra antiga, gemowe, que significa gmeo) para evitar amontona repetio das palavras igual a. E optou por esse smbolo porque no h duascoisas mais iguais. Recorde escolheu bem. Seu smbolo permanece em uso h 450 anos.

    O poder das equaes reside na correspondncia filosoficamente difcil entre amatemtica, uma criao coletiva de mentes humanas, e uma realidade fsica externa. Elasmoldam padres profundos no mundo exterior. Aprendendo a dar valor a equaes e a ler ashistrias que elas contam, podemos descobrir traos vitais do mundo ao nosso redor. Emprincpio, poderia haver outros meios de chegar ao mesmo resultado. Muita gente preferepalavras a smbolos; a linguagem, tambm, nos d poder sobre aquilo que nos cerca. Mas overedito da cincia e tecnologia de que as palavras so imprecisas demais, limitadasdemais, para fornecer uma rota efetiva para os aspectos mais profundos da realidade. Elas sotingidas demais por pressuposies no nvel humano. As palavras, sozinhas, no podemprover as compreenses essenciais.

    As equaes podem. Elas tm sido um motor primordial na civilizao humana pormilhares de anos. Ao longo da histria, as equaes vm manipulando as cordas da sociedade.Ocultas nos bastidores, com certeza mas a influncia sempre esteve a, quer tenha sidonotada, quer no. Esta a histria da ascenso da humanidade, contada por meio de dezesseteequaes.

  • 1. A ndia da hipoptamaTeorema de Pitgoras

    O que diz?Como os trs lados de um tringulo retngulo esto relacionados.Por que importante?Fornece um elo vital entre geometria e lgebra, permitindo-nos calcular distncias em

    termos de coordenadas. Alm disso, inspirou a trigonometria.Qual foi a consequncia?Mapeamento, navegao e, mais recentemente, a relatividade especial e geral as

    melhores teorias atuais de espao, tempo e gravitao.

  • PERGUNTE A QUALQUER ALUNO de colgio o nome de um matemtico famoso e, presumindo

    que ele consiga se lembrar de um, muito frequentemente ele optar por Pitgoras. Se no,Arquimedes pode vir cabea. At mesmo o ilustre Isaac Newton precisa tocar terceiroviolino para esses superstars do mundo antigo. Arquimedes foi um gigante intelectual, ePitgoras provavelmente no foi, mas merece mais crdito do que geralmente recebe. Nopelo que alcanou, mas pelo que ps em movimento.

    Pitgoras nasceu na ilha grega de Samos, no Egeu oriental, por volta de 570 a.C. Erafilsofo e gemetra. O pouco que sabemos sobre sua vida provm de autores que viverammuito depois, e sua preciso histrica questionvel, mas os acontecimentos cruciaisprovavelmente esto corretos. Em torno de 530 a.C. mudou-se para Crotona, uma colniagrega na regio em que hoje est a Itlia. Ali fundou um culto filosfico-religioso, ospitagricos, que acreditavam que a base do universo o nmero. A fama do seu fundador atos dias de hoje reside no teorema que leva seu nome. Esse teorema tem sido ensinado pormais de 2 mil anos e penetrou na cultura popular. O filme Viva o palhao!, de 1958, estreladopor Danny Kaye, inclui uma cano cuja letra comea:

    O quadrado da hipotenusade um tringulo retngulo igual soma dos quadradosdos dois lados adjacentes.A cano prossegue com alguns duplos sentidos acerca de no deixar seu particpio

    balanar,a e associa Einstein, Newton e os irmos Wright ao famoso teorema. Os doisprimeiros exclamam Eureca!; no, isso foi Arquimedes. Voc concluir que a letra noprima pela acuidade histrica, mas isto Hollywood. No entanto, no Captulo 13 veremos queo autor da letra (Johnny Mercer) estava certo sobre Einstein, provavelmente mais do quesoubesse.

    O teorema de Pitgoras aparece em piadas e trocadilhos, fazendo a alegria de estudantesque brincam com a semelhana entre hipotenusa e hipoptama. Como todas as piadas, bemdifcil saber de onde surgiu.1 H desenhos animados sobre Pitgoras, camisetas e at um selogrego, Figura 1.

    FIGURA 1 Selo grego mostrando o teorema de Pitgoras.Apesar de todo esse rebulio, no temos a menor ideia se Pitgoras de fato provou seu

  • teorema. Na verdade, nem sequer sabemos se o teorema era mesmo dele. Pode muito bem tersido descoberto por um de seus adeptos, ou algum escriba sumrio ou babilnio. MasPitgoras recebeu o crdito, e seu nome pegou. Qualquer que seja sua origem, o teorema esuas consequncias exerceram um impacto gigantesco sobre a histria humana. Eles abriramcompletamente o nosso mundo.

    OS GREGOS NO EXPRIMIAM o teorema de Pitgoras como uma equao no sentidosimblico moderno. Isso veio depois, com o desenvolvimento da lgebra. Nos tempos antigos,o teorema era expresso de forma verbal e geomtrica. Ele adquiriu sua forma mais polida, esua primeira prova registrada, nos escritos de Euclides de Alexandria. Por volta de 250 a.C.Euclides tornou-se o primeiro matemtico moderno quando escreveu seu famoso Oselementos, o livro didtico de matemtica mais influente de todos os tempos. Euclidestransformou geometria em lgica ao tornar explcitas suas premissas bsicas e invoc-las paradar provas sistemticas para todos os seus teoremas. Ele construiu uma torre conceitual cujasfundaes eram pontos, retas e crculos, e cujo pice era a existncia de precisamente cincoslidos regulares.

    Uma das joias da coroa de Euclides era o que chamamos agora de teorema de Pitgoras:Proposio 47 do Livro I de Os elementos. Na famosa traduo para o ingls feita por SirThomas Heath, esta proposio afirma: Em tringulos com ngulo reto o quadrado do ladoque subtende o ngulo reto igual aos quadrados dos lados que contm o ngulo reto.

    Ento, nada de hipoptama. Nada de hipotenusa. Nem sequer um explcito soma ouadio. S aquela palavra engraada, subtende, que significa basicamente oposto a.Porm, o teorema de Pitgoras expressa claramente uma equao, porque contm a palavravital: igual.

    Para propsitos de matemtica superior, os gregos trabalhavam com retas e reas em vezde nmeros. Assim, Pitgoras e seus sucessores gregos viriam a decodificar o teorema comouma igualdade de reas: A rea de um quadrado construdo usando o lado maior de umtringulo retngulo a soma das reas dos quadrados formados a partir dos outros doislados.b O lado maior a famosa hipotenusa, que significa estender-se abaixo, o queacontece de fato se voc desenhar o diagrama na posio adequada, como na Figura 2(esquerda).

    Em apenas 2 mil anos, o teorema de Pitgoras havia sido reformulado como a equaoalgbrica

    a + b = cem que c a medida da hipotenusa, a e b so as medidas dos outros dois lados, e o

    pequeno 2 mais alto significa ao quadrado. Algebricamente, o quadrado de qualquer nmero esse nmero multiplicado por si mesmo, e todos ns sabemos que a rea de qualquerquadrado o quadrado da medida de seu lado. Logo, a equao de Pitgoras, como passarei acham-la, diz a mesma coisa que disse Euclides exceto pela variada bagagem psicolgica,que tem a ver com a maneira como os antigos pensavam sobre conceitos matemticos bsicoscomo nmeros e reas, tema em que no pretendo entrar.

    A equao de Pitgoras tem muitos usos e implicaes. Mais diretamente, ela permite quese calcule a medida da hipotenusa, dados os outros dois lados. Por exemplo, suponhamos quea = 3 e b = 4. Ento c = a + b = 3 + 4 = 9 + 16 = 25. Portanto, c = 5. Este o famosotringulo 345, onipresente na matemtica escolar, e o exemplo mais simples de uma trinca

  • pitagrica: uma lista de trs nmeros inteiros que satisfaz a equao de Pitgoras. A trincaseguinte, em termos de simplicidade, sem considerar as verses em escala, como 6810, porexemplo, o tringulo 51213. H uma infinidade de trincas desse tipo, e os gregos sabiamcomo constru-las todas. Elas ainda conservam algum interesse para a teoria dos nmeros, eat mesmo na ltima dcada foram descobertas novas caractersticas.

    Em vez de usar a e b para descobrir c, pode-se proceder indiretamente, e resolver aequao para obter a contanto que se conhea b e c. Voc pode tambm responder a questesmais sutis, como veremos em breve.

    FIGURA 2 Esquerda: Linhas de construo para a prova de Euclides do teorema de Pitgoras. Centro e direita: Provaalternativa do teorema. Os quadrados externos possuem reas iguais, e os tringulos sombreados possuem todos reas iguais.

    Logo, o quadrado branco inclinado tem a mesma rea que os outros dois quadrados brancos combinados.Por que o teorema verdadeiro? A demonstrao de Euclides bastante complicada, e

    envolve desenhar cinco retas adicionais no diagrama, Figura 2 (esquerda), e recorrer adiversos teoremas previamente demonstrados. Os rapazes dos colgios da poca vitoriana(poucas moas estudavam geometria naquele tempo) referiam-se a ela, irreverentemente, comoas calas de Pitgoras. Uma prova direta e intuitiva, embora no a mais elegante, utiliza quatrocpias do tringulo para relacionar duas solues do mesmo quebra-cabea matemtico, aFigura 2 (direita). A figura convincente, mas o preenchimento dos detalhes lgicos requeralgum raciocnio. Por exemplo: como sabemos que a regio branca inclinada no meio dafigura um quadrado?

    H UMA PODEROSA EVIDNCIA de que o teorema de Pitgoras j era conhecido muito antesde Pitgoras. Uma tabuleta de argila babilnica2 no British Museum contm, em escritacuneiforme, um problema matemtico e sua resposta, que podem ser parafraseados como:

    4 o comprimento e 5 a diagonal. Qual a largura?4 vezes 4 16.5 vezes 5 25.Tire 16 de 25 para obter 9.Quanto vezes quanto preciso pegar para obter 9?3 vezes 3 9.Portanto 3 a largura.

    Ento, os babilnios certamente conheciam o tringulo 345, mil anos antes de Pitgoras.Outra tabuleta, de 7289 a.C., da coleo babilnica da Universidade Yale, mostrada na

    Figura 3 (esquerda). Ela mostra o diagrama de um quadrado de lado 30, cuja diagonal marcada com duas listas de nmeros: 1, 24, 51, 10 e 42, 25, 35. Os babilnios empregavam anotao de base 60 para os nmeros, ento a primeira lista efetivamente se refere a

  • , o que, em nmeros decimais, 1,4142129.A raiz quadrada de 2 1,4142135. A segunda lista 30 vezes isto. Ento, os babilniossabiam que a diagonal de um quadrado o seu lado multiplicado pela raiz quadrada de 2. J

    que , este tambm um exemplo do teorema de Pitgoras.

    FIGURA 3 Esquerda: Ano 7289 a.C. Direita: Plimpton 322.Mais impressionante ainda, embora mais enigmtica, a tabuleta Plimpton 322 da coleo

    George Arthur Plimpton na Universidade Columbia, Figura 3 (direita). Trata-se de uma tabelade nmeros, com quatro colunas e quinze linhas. A ltima coluna simplesmente menciona onmero da linha, de 1 a 15. Em 1945, os historiadores da cincia Otto Neugebauer e AbrahamSachs3 notaram que em cada linha o quadrado do nmero (digamos c) na terceira coluna,menos o quadrado do nmero (digamos b) na segunda coluna, ele prprio um quadrado(digamos a). Segue-se que a + b = c, de modo que a tabela parece registrar trincaspitagricas. Pelo menos o caso se forem corrigidos quatro erros aparentes. No entanto, no absolutamente certo que essa Plimpton 322 tenha alguma coisa a ver com trincas pitagricas, emesmo se tiver, talvez possa ter sido apenas uma lista conveniente de tringulos cujas reaseram fceis de calcular. Tais reas poderiam ser reunidas a fim de obter boas aproximaespara outros tringulos e outras formas, talvez para medies de terras.

    Outra civilizao antiga icnica a do Egito. Existe alguma evidncia de que Pitgoraspode ter visitado o Egito quando jovem, e chegou-se a conjeturar que foi ali que ele aprendeuseu teorema. Os registros remanescentes da matemtica egpcia oferecem escasso respaldopara esta ideia, mas so poucos e especializados. Com frequncia se afirma, tipicamente nocontexto das pirmides, que os egpcios montavam ngulos retos usando um tringulo 345,formado por um comprimento de corda com ns dispostos em doze intervalos iguais, e que osarquelogos encontraram cordas desse tipo. Todavia, nenhuma dessas alegaes faz muitosentido. Esta tcnica no seria muito confivel, porque as cordas podem se esticar e os nsteriam de estar espaados com muita exatido. A preciso com que as pirmides em Gizaesto construdas muito superior a qualquer coisa que pudesse ser obtida com uma cordadessas. Ferramentas muito mais prticas, semelhantes a um esquadro de carpinteiro, foramencontradas. Egiptlogos especialistas em matemtica egpcia antiga no conhecem registrosde cordas empregadas para formar um tringulo 345, e no h exemplos de tais cordas.Portanto essa histria, por mais encantadora que seja, quase com certeza um mito.

    SE PITGORAS FOSSE TRANSPORTADO para o mundo de hoje, notaria muitas diferenas. Nasua poca, o conhecimento mdico era rudimentar, a iluminao era feita com velas e tochas, e

  • as formas mais rpidas de comunicao eram um mensageiro a cavalo ou um sinal luminoso noalto de um morro. O mundo conhecido abrangia grande parte da Europa, sia e frica masno as Amricas, a Austrlia, o rtico ou a Antrtida. Muitas culturas consideravam que omundo era plano: um disco circular ou at mesmo um quadrado alinhado com os quatro pontoscardeais. Apesar das descobertas da Grcia clssica, essa crena ainda era difundida emtempos medievais, na forma de mapas orbis terrae, Figura 4.

    FIGURA 4 Mapa do mundo feito por volta de 1100 pelo cartgrafo marroquino al-Idrisi para o rei Rogrio da Siclia.Quem primeiro percebeu que o mundo era redondo? Segundo Digenes Larcio, um

    bigrafo grego do sculo III, foi Pitgoras. Em seu livro Vidas e opinies de filsofoseminentes, uma coletnea de ditos e notas biogrficas que uma das nossas principais fonteshistricas para as vidas privadas dos filsofos da Grcia antiga, ele escreveu: Pitgoras foi oprimeiro que chamou a Terra de redonda, embora Teofrasto atribua isso a Parmnides e Zenoa Hesodo. Os antigos gregos muitas vezes alegavam que importantes descobertas haviamsido feitas pelos seus famosos antepassados, independentemente de fatos histricos; assim,no podemos considerar a afirmao como garantida, mas indiscutvel que a partir de sculoV a.C. todos os filsofos e matemticos gregos de reputao consideravam a Terra redonda. Aideia parece de fato ter se originado mais ou menos na poca de Pitgoras, e pode ter vindo deseus seguidores. Ou pode ter sido uma noo comum, com base em evidncia, tal como asombra redonda da Terra na Lua durante um eclipse, ou a analogia com a forma da Lua,obviamente redonda.

    Mesmo para os gregos, porm, a Terra era o centro do universo e tudo o mais girava emtorno dela. A navegao era feita por mera avaliao: observar as estrelas e seguir a linhacosteira. A equao de Pitgoras mudou isso tudo. Colocou a humanidade no caminho dacompreenso atual da geografia do nosso planeta e seu lugar no Sistema Solar. Foi um passofundamental rumo s tcnicas geomtricas necessrias para elaborao de mapas, navegao etopografia. Alm disso, forneceu tambm a chave para a fundamentalmente importante relaoentre geometria e lgebra. Essa linha de desenvolvimento conduz dos tempos antigosdiretamente para a relatividade geral e a cosmologia moderna, como veremos no Captulo 13.A equao de Pitgoras abriu rumos inteiramente novos para a explorao humana, tantometafrica quanto literalmente. Revelou o formato do nosso mundo e seu lugar no universo.

    MUITOS DOS TRINGULOS encontrados na vida real no so retngulos, de modo que as

  • aplicaes diretas da equao podem parecer limitadas. No entanto, qualquer tringulo podeser dividido em dois tringulos retngulos, como na Figura 6 (p.24), e qualquer formapoligonal pode ser separada em tringulos. Assim, tringulos retngulos so a chave: elesprovam que existe uma relao til entre a forma de um tringulo e a medida de seus lados. Otema que se desenvolveu a partir dessa percepo a trigonometria: medio de tringulos.

    O tringulo retngulo fundamental para a trigonometria, e em particular determina asfunes trigonomtricas bsicas: seno, cosseno e tangente. Os nomes so de origem rabe, e ahistria dessas funes e suas muitas predecessoras mostra o complicado trajeto pelo qualsurgiu a verso atual do assunto. Vou me ater ao bsico, e explicar o resultado final. Umtringulo retngulo possui, claro, um ngulo reto, mas seus outros dois ngulos soarbitrrios, a no ser o fato de somarem 90. Associadas a qualquer ngulo h trs funes, ouseja, regras para calcular um nmero relacionado a ele. Para o ngulo assinalado na Figura 5,usando os tradicionais a, b, c para os trs lados, ns definimos seno (sen), cosseno (cos) etangente (tan) da seguinte maneira:

    Essas grandezas dependem apenas do ngulo A, porque todos os tringulos retngulos comum determinado ngulo A so idnticos, no se considerando a escala.

    FIGURA 5 A trigonometria se baseia num tringulo retngulo.Consequentemente, possvel montar uma tabela de valores do sen, cos e tan para uma

    gama de ngulos e depois us-los para calcular caractersticas de tringulos retngulos. Umaaplicao tpica, que remonta aos tempos antigos, calcular a altura de uma coluna altautilizando apenas medidas feitas no cho. Suponhamos que, a uma distncia de 100 metros, ongulo do topo da coluna seja 22. Faamos A = 22 na Figura 5, de modo que a seja a alturada coluna. Ento, a definio da funo tangente nos diz que

    logo,a = 100 tan 22.Uma vez que tan 22 0,404, at a terceira casa decimal, deduzimos que a = 40,4 metros.

    FIGURA 6 Diviso de um tringulo em dois com ngulos retos.Dispondo das funes trigonomtricas, diretamente se estende a equao de Pitgoras para

    tringulos que no tenham um ngulo reto. A Figura 6 mostra um tringulo com um ngulo C e

  • lados a, b, c. Dividimos o tringulo em dois tringulos retngulos, como mostra a figura.Ento, duas aplicaes de Pitgoras e um pouco de lgebra4 provam que

    a + b 2ab cos C = cque semelhante equao de Pitgoras, exceto pelo termo extra 2ab cos C. Esta lei

    dos cossenos cumpre a mesma tarefa que Pitgoras, relacionando c com a e b, mas agoratemos de incluir informaes sobre o ngulo C.

    A lei dos cossenos um dos esteios da trigonometria. Se conhecermos dois lados de umtringulo e o ngulo entre eles, podemos us-la para calcular o terceiro lado. Outras equaesnos dizem os ngulos restantes. Todas essas equaes podem remeter a tringulos retngulos.

    ARMADOS COM EQUAES TRIGONOMTRICAS e aparelhos de medida adequados, podemosrealizar levantamentos e fazer mapas acurados. A ideia no nova. Ela j aparece no PapiroRhind, uma coletnea de tcnicas matemticas do Egito antigo datada de 1650 a.C. O filsofogrego Tales usou a geometria dos tringulos para estimar as alturas das pirmides de Giza, emcerca de 600 a.C. Hero de Alexandria descreveu a mesma tcnica em 50 d.C. Por volta de 240a.C., o matemtico grego Eratstenes calculou o tamanho da Terra observando o ngulo do Solao meio-dia em dois lugares diferentes: Alexandria e Siena (hoje, Assu) no Egito. Umasucesso de estudiosos rabes preservou e desenvolveu esses mtodos, aplicando-os emparticular a medies astronmicas tais como o tamanho da Terra.

    Levantamentos topogrficos comearam a decolar em 1533, quando o cartgrafo holandsGemma Frisius explicou como usar a trigonometria para gerar mapas precisos, em Libellus deLocorum Describendorum Ratione (Libelo concernente a raciocnios para descreverlugares). A novidade do mtodo espalhou-se pela Europa, chegando aos ouvidos do nobre eastrnomo dinamarqus Tycho Brahe. Em 1579 Tycho o utilizou para fazer um mapa acuradode Hven, a ilha onde estava localizado seu observatrio. Em 1615, o matemtico holandsWillebrord Snellius (Snel van Royen) desenvolveu o mtodo at chegar essencialmente suaforma moderna: triangulao. A rea do levantamento coberta com uma rede de tringulos.Medindo-se uma distncia inicial com o mximo cuidado, e muitos ngulos, possvelcalcular a localizao dos vrtices dos tringulos, e com eles quaisquer outras caractersticasque nos interessem. Snellius calculou a distncia entre duas cidades holandesas, Alkmaar eBergen op Zoom, usando uma rede de 33 tringulos. Escolheu essas cidades porque ficavamna mesma linha de longitude e estavam separadas exatamente por um grau de arco.Conhecendo a distncia entre elas, ele pde calcular o tamanho da Terra, publicado em seuEratosthenes Batavus (O Eratstenes batavo) em 1617. Seu resultado tem uma preciso emtorno de 4%. Ele tambm modificou as equaes da trigonometria para refletir a naturezaesfrica da superfcie da Terra, um passo importante rumo a uma navegao efetiva.

    A triangulao um mtodo indireto de calcular distncias usando ngulos. Ao fazer olevantamento de uma faixa de terra, seja numa rea urbana ou no campo, a principalconsiderao prtica que muito mais fcil medir ngulos que distncias. A triangulao nospermite medir algumas distncias e muitos ngulos; da segue-se todo o restante a partir dasequaes trigonomtricas. O mtodo comea estabelecendo-se uma linha reta entre doispontos, chamada linha de base, e medindo seu comprimento diretamente com precisoelevada. Ento, escolhemos um ponto proeminente na rea de viso, que seja visvel de ambasas extremidades da linha de base. Medimos ento o ngulo entre o segmento da base e esseponto, em ambas as extremidades do segmento da base. Agora temos um tringulo, do qual

  • conhecemos um lado e dois ngulos, o que fixa sua forma e tamanho. Podemos ento usar atrigonometria para descobrir os outros dois lados.

    Efetivamente, temos agora mais duas linhas de base: os recm-calculados lados dotringulo. A partir deles, podemos medir ngulos para outros pontos, mais distantes.Continuamos o processo at criar uma rede de tringulos que cubra toda a rea dolevantamento. Dentro de cada tringulo, observam-se os ngulos com todos os elementosdignos de nota torres de igreja, cruzamentos, e assim por diante. O mesmo truquetrigonomtrico localiza suas posies precisas. Como lance final, a preciso de todo olevantamento pode ser verificada medindo-se um dos lados finais diretamente.

    No fim do sculo XVIII, a triangulao era empregada rotineiramente nos levantamentosde reas. O levantamento cartogrfico da Gr-Bretanha teve incio em 1783, e levou 70 anospara a tarefa ser completada. O Grande Levantamento Trigonomtrico da ndia, que entreoutras coisas mapeou a cordilheira do Himalaia e determinou a altura do monte Everest,comeou em 1801. No sculo XXI, a maior parte dos levantamentos geogrficos em largaescala feita com a utilizao de fotografias de satlites e GPS [sigla em ingls para Sistemade Posicionamento Global]. A triangulao explcita no mais empregada. Mas ela aindaest l, nos bastidores, nos mtodos utilizados para deduzir as localizaes a partir dos dadosde satlite.

    O TEOREMA DE PITGORAS foi vital tambm para a inveno da geometria de coordenadas.Trata-se de um modo de representar figuras geomtricas em termos numricos, usando umsistema de retas, conhecidas como eixos, numeradas. A verso mais familiar conhecidacomo coordenadas cartesianas no plano, em homenagem ao matemtico e filsofo francsRen Descartes, que foi um dos grandes pioneiros na rea embora no o primeiro.Desenhemos duas retas: uma horizontal rotulada x e uma vertical rotulada y. Essas retas soconhecidas como eixos, e se cruzam num ponto chamado origem. Marcamos pontos ao longodesses eixos segundo sua distncia da origem, como se fosse uma rgua: nmeros positivospara a direita e para cima, negativos para a esquerda e para baixo. Agora podemos determinarqualquer ponto no plano em termos de dois nmeros x e y, suas coordenadas, relacionando oponto aos dois eixos como na Figura 7. O par de nmeros (x, y) especifica completamente alocalizao do ponto.

    FIGURA 7 Os dois eixos e as coordenadas de um ponto.Os grandes matemticos europeus do sculo XVII perceberam que, nesse contexto, uma

    reta ou curva no plano corresponde a um conjunto de solues (x, y) de alguma equao em x ey. Por exemplo, y = x determina uma reta inclinada subindo da extremidade inferior esquerda

  • para a extremidade superior direita, porque (x, y) fica nessa reta se, e somente se, y = x. Emgeral, uma equao linear da forma ax + by = c, com a, b e c constantes corresponde auma linha reta, e vice-versa.

    Que equao corresponde a uma circunferncia? a que entra a equao de Pitgoras.Ela implica que a distncia r da origem ao ponto (x, y) satisfaa

    r = x + ye podemos solucionar esta equao em r para obter

    Uma vez que o conjunto de todos os pontos que esto a uma distncia r da origem umacircunferncia de raio r, cujo centro a origem, ento a mesma equao define umacircunferncia. Mais genericamente, a circunferncia de raio r com centro em (a, b)corresponde equao

    (x a) + (y b) = re a mesma equao determina a distncia r entre os dois pontos (a, b) e (x, y). Logo, o

    teorema de Pitgoras nos conta duas coisas fundamentais: qual a equao dascircunferncias e como calcular distncias a partir de coordenadas.

    O TEOREMA DE PITGORAS, ento, importante em si, mas exerce ainda mais influncia pormeio de suas generalizaes. Aqui seguirei o fio de apenas um desses desenvolvimentos maisrecentes para explicitar a relao com a relatividade, qual voltarei no Captulo 13.

    A demonstrao do teorema de Pitgoras em Os elementos de Euclides coloca o teoremafirmemente no campo da geometria euclidiana. Houve uma poca em que essa expresso podiaser substituda simplesmente por geometria, porque de forma geral se presumia que ageometria de Euclides era a verdadeira geometria do espao fsico. Ela era bvia. Comotodas as coisas admitidas como bvias, isso acabou se revelando falso.

    Euclides deduziu todos os seus teoremas de um pequeno nmero de premissas bsicas, queele classificou como definies, postulados e noes comuns. Sua estrutura era elegante,intuitiva e concisa, com uma flagrante exceo, o quinto postulado: Se uma linha retacruzando duas linhas retas forma os ngulos internos do mesmo lado somando menos de doisngulos retos, as linhas retas, se prolongadas indefinidamente, encontram-se do lado em queesto os dois ngulos menores que dois ngulos retos. um tanto prolixo: a Figura 8 poderajudar.

    FIGURA 8 O postulado das paralelas de Euclides.Por bem mais de mil anos, os matemticos tentaram consertar aquilo que viam como uma

    falha. No estavam apenas procurando por algo mais simples e mais intuitivo que atingisse omesmo fim, embora muitos tenham descoberto tais coisas. Queriam se livrar totalmente de um

  • postulado desconfortvel, provando-o. Aps vrios sculos, os matemticos finalmenteperceberam que havia geometrias no euclidianas alternativas, implicando que tal prova noexistia. Essas novas geometrias eram to consistentes do ponto de vista lgico quanto a deEuclides, e obedeciam a todos os postulados, exceto o das paralelas. Podiam ser interpretadascomo a geometria das geodsicas caminhos mais curtos em superfcies curvas, Figura 9.Isso focalizou a ateno no significado de curvatura.

    FIGURA 9 Curvatura de uma superfcie. Esquerda: curvatura zero. Centro: curvatura positiva. Direita: curvatura negativa.O plano de Euclides achatado, curvatura zero. Uma esfera tem a mesma curvatura em

    todo lugar, e positiva: perto de qualquer ponto ela parece um domo. (Como refinamentotcnico: crculos mximos se encontram em dois pontos, no em um, como requer o postuladode Euclides, de modo que a geometria esfrica modificada identificando-se pontos antpodasna esfera considerando-os idnticos. A superfcie torna-se um assim chamado planoprojetivo e a geometria chamada elptica.) Existe tambm uma superfcie de curvaturanegativa constante: em qualquer ponto ela parece uma sela. Essa superfcie chamada deplano hiperblico, e pode ser representada em vrias formas prosaicas. Talvez a mais simplesseja considerar o interior de um disco circular, e definir reta como um arco decircunferncia que se encontra com a borda formando ngulos retos (Figura 10).

    FIGURA 10 Modelo de disco do plano hiperblico. Todas as trs linhas que passam por P no conseguem se encontrar com alinha L.

    Poderia parecer que, enquanto a geometria no plano pudesse ser no euclidiana, isso seriaimpossvel para a geometria do espao. Pode-se dobrar uma superfcie forando-a para umaterceira dimenso, mas no se pode dobrar o espao porque no h lugar para uma dimensoextra para a qual for-lo. Entretanto, essa uma viso bastante ingnua. Por exemplo,podemos modelar um espao tridimensional hiperblico usando o interior de uma esfera. Asretas so modeladas como arcos de crculos que encontram a borda em ngulos retos, e osplanos so modelados como partes de esferas que encontram a borda em ngulos retos. Ageometria tridimensional, satisfaz todos os postulados de Euclides, exceto o Quinto, e, numcerto sentido que pode ser identificado, define um espao tridimensional curvo. Mas ele securva em torno de nada, e em nenhuma direo.

    simplesmente curvo.

  • Com todas essas novas geometrias disposio, um novo ponto de vista comeou a ocuparo centro do palco mas como fsica, no como matemtica. Uma vez que o espao noprecisa ser euclidiano, qual ento a sua forma? Os cientistas perceberam que, na verdade,no sabiam. Em 1813, Gauss, sabendo que num espao curvo os ngulos de um tringulo nosomam 180, mediu os ngulos de um tringulo formado por trs picos o Brocken, oHohenhagen e o Inselberg. Ele obteve uma soma de quinze segundos a mais que 180. Secorreto, isso indicava que o espao (ao menos nessa regio) tinha curvatura positiva. Masseria preciso um tringulo muito maior, e medies muito mais precisas, para eliminar errosde observao. Assim, as observaes de Gauss foram inconclusivas. O espao podia sereuclidiano, mas podia tambm no ser.

    MINHA OBSERVAO DE QUE O espao hiperblico tridimensional simplesmente curvodepende de um novo ponto de vista sobre curvatura, que tambm retrocede at Gauss. A esferatem uma curvatura positiva constante, e o plano hiperblico tem uma curvatura negativaconstante. Mas a curvatura de uma superfcie no precisa ser constante. Ela pode seracentuadamente curva em alguns lugares, menos encurvada em outros. De fato, poderia serpositiva em algumas regies e negativa em outras. A curvatura poderia variar continuamentede um lugar para outro. Se a superfcie tem a aparncia de um osso de cachorro, ento oscalombos nas extremidades tm curvatura positiva, mas a parte que as une tem curvaturanegativa.

    Gauss buscou uma frmula para caracterizar a curvatura de uma superfcie em qualquerponto. Quando finalmente encontrou, ele a publicou em seu Disquisitiones Generales CircaSuperficies Curvas (Investigaes gerais sobre superfcies curvas), de 1828, denominando-a teorema notvel. O que era to notvel? Gauss havia partido de uma viso primitiva decurvatura: embutir a superfcie num espao tridimensional e calcular quo curva ela . Mas aresposta lhe disse que o espao em volta no tinha importncia. Ele no entrava na frmula.Gauss escreveu: A frmula leva a si mesma a um teorema notvel: se uma superfciecurva desenvolvida sobre qualquer outra superfcie, a medida da curvatura em cada pontopermanece inalterada. Por desenvolvida ele queria dizer enrolada em torno.

    Pegue uma folha de papel plana, curvatura zero. Agora enrole-a em torno de uma garrafa.Se a garrafa cilndrica o papel se ajusta perfeitamente, sem se dobrar, esticar ou torcer. Elese curva at onde alcana sua aparncia visual, mas trata-se de um tipo de enrolamento trivial,porque no alterou a geometria do papel de nenhuma maneira. Ele s mudou a forma como opapel se relaciona com o espao em volta. Desenhe um tringulo retngulo nesse papel plano,mea seus lados, verifique Pitgoras. Agora enrole o desenho em torno da garrafa. Oscomprimentos dos lados, medidos ao longo do papel, no mudam. Pitgoras ainda vigora.

    A superfcie de uma esfera, porm, tem curvatura diferente de zero. Ento no possvelenrolar uma folha de papel de modo que ela se ajuste perfeitamente contra a esfera, semdobr-la, estic-la ou rasg-la. A geometria de uma esfera intrinsecamente diferente dageometria de um plano. Por exemplo, o equador da Terra e as linhas de longitude de 0 e 90ao norte determinam um tringulo que possui trs ngulos retos e trs lados iguais (presumindoque a Terra seja uma esfera). Ento a equao de Pitgoras falsa.

    Hoje em dia chamamos curvatura em seu sentido intrnseco de curvatura gaussiana.Gauss explicou por que ela importante usando uma vvida analogia, ainda atual. Imaginemosuma formiga confinada superfcie. Como ela pode descobrir se a superfcie curva? Ela no

  • pode sair da superfcie para ver se tem uma aparncia dobrada. Mas ela pode usar a frmulade Gauss fazendo medies adequadas puramente sobre a superfcie. Ns estamos na mesmasituao que a formiga quando tentamos descobrir a verdadeira geometria do nosso espao.No podemos dar um passo para fora dele. No entanto, antes de podermos imitar a formigafazendo medies, precisamos de uma frmula para a curvatura de um espao de trsdimenses. Gauss no a tinha. Mas um de seus discpulos, num acesso de temeridade,anunciou que tinha.

    O DISCPULO ERA Georg Bernhard Riemann, e estava tentando obter o que as universidadesalems chamam de habilitao, o passo seguinte ao doutorado. Na poca de Riemann issosignificava que se podia cobrar dos estudantes uma taxa pelas aulas. Na poca e hoje, ahabilitao requer a apresentao de cada pesquisa numa aula pblica que tambm constituium exame. O candidato apresenta vrios tpicos e o examinador, que no caso de Riemann eraGauss, escolhe um deles. Riemann, um brilhante talento matemtico, fez uma lista de vriostpicos ortodoxos que sabia de trs para a frente, mas num jorro de sangue para o crebrosugeriu tambm Sobre as hipteses que jazem nos fundamentos da geometria. Gauss haviamuito se interessava exatamente por esse tema, e naturalmente o escolheu para o exame deRiemann.

    Riemann imediatamente se arrependeu de apresentar algo to desafiador. Ele tinha umaprofunda averso a falar em pblico, e no havia pensado detalhadamente a matemtica dotema. Tinha simplesmente algumas ideias vagas, embora fascinantes, sobre espao curvo. Emqualquer nmero de dimenses. O que Gauss fizera para duas dimenses, com seu notvelteorema, Riemann queria fazer em quantas dimenses se desejasse. Precisava tornar aquilorealidade, e depressa. A aula pblica estava assomando. A presso quase lhe provocou umesgotamento nervoso, e seu emprego diurno ajudando Wilhelm Weber, colaborador de Gauss,em experimentos com eletricidade, no contribuiu em nada. Bem, talvez tenha, sim,contribudo, porque enquanto Riemann estava pensando na relao entre foras eltricas emagnticas no trabalho, percebeu que a fora pode estar relacionada com a curvatura.Trabalhando de trs para diante, ele podia usar a matemtica das foras para definir curvatura,conforme seu exame exigia.

    Em 1854, Riemann apresentou sua aula, obtendo uma recepo calorosa, o que no foi deadmirar. Ele comeou definindo aquilo que chamou de variedade, no sentido de umagrandeza de aspectos mltiplos. Formalmente, uma variedade especificada por um sistemade muitas coordenadas, juntamente com uma frmula para distncia entre pontos prximos,agora chamada de mtrica riemanniana. Informalmente, uma variedade um espaomultidimensional em toda a sua glria. O clmax da aula de Riemann foi uma frmula quegeneralizava o notvel teorema de Gauss: definia a curvatura da variedade somente em termosde sua mtrica. E aqui que a histria d a volta completa, como a serpente Urboro, e engolea prpria cauda: a mtrica contm visveis remanescentes de Pitgoras.

    Suponhamos, por exemplo, que uma variedade tenha trs dimenses. Sejam (x, y, z) ascoordenadas de um ponto e (x + dx, y + dy, z + dz) as coordenadas de um ponto prximo, emque o d significa um minsculo acrscimo de. Se for um espao euclidiano, com curvaturazero, a distncia entre esses dois pontos satisfaz a equao

    ds = dx + dy + dze isso exatamente Pitgoras, restrito a pontos muito prximos. Se o espao for curvo,

  • com curvatura varivel de ponto a ponto, a frmula anloga, a mtrica, ter o seguinte aspecto:ds = X dx + Y dy + Z dz + 2U dx dy + 2V dx dz + 2W dy dzAqui X, Y, Z, U, V, W podem depender de x, y e z. Pode parecer um pouco prolixo, mas,

    como a equao de Pitgoras, ela envolve somas de quadrados (e produtos intimamenterelacionados de duas grandezas como dx e dy) mais alguns enfeites menos relevantes. Onmero 2 ocorre porque a frmula pode ser embalada numa tabela ou matriz 3 3:

    em que X, Y, Z aparecem uma vez, mas U, V, W aparecem duas. A tabela simtrica emrelao diagonal; em linguagem de geometria diferencial ela um tensor simtrico. Ageneralizao de Riemann do notvel teorema de Gauss uma frmula para a curvatura davariedade, num ponto dado, em termos deste tensor. No caso especial em que Pitgoras seaplica, a curvatura acaba se revelando zero. Assim, a validade da equao de Pitgoras umteste para a ausncia de curvatura.

    Como a frmula de Gauss, a expresso de Riemann para a curvatura depende apenas damtrica da variedade. Uma formiga confinada variedade poderia observar a mtricamedindo minsculos tringulos e calculando a curvatura. Curvatura uma propriedadeintrnseca de uma variedade, independentemente de qualquer espao em volta. De fato, amtrica j determina a geometria, de modo que nenhum espao em volta exigido. Emparticular, ns, formigas humanas, podemos perguntar qual a forma do nosso vasto emisterioso universo, e ter esperana de responder fazendo observaes que no exijam quesaiamos do universo. Que no fundo muito bom, j que de fato no podemos sair.

    Riemann descobriu sua frmula usando foras para definir a geometria. Cinquenta anosdepois, Einstein reverteu a ideia de Riemann na sua cabea, usando geometria para definir afora da gravidade em sua teoria da relatividade geral, e inspirando novas ideias sobre aforma do universo (ver Captulo 13). Trata-se de uma progresso de eventos impressionante.A equao de Pitgoras veio a existir inicialmente cerca de 3.500 anos atrs para medir aterra de um agricultor. Sua extenso para tringulos sem ngulos retos, e tringulos sobre umaesfera, permitiu que mapessemos os nossos continentes e medssemos o nosso planeta. E umanotvel generalizao nos permite medir a forma do universo. Grandes ideias tm pequenoscomeos.

    a Em ingls, dangle. Jogo de palavras com triangle, tringulo, em ingls. (N.T.)b Em portugus, comum a utilizao do termo catetos referindo-se aos outros dois lados do tringulo retngulo: O

    quadrado da hipotenusa igual soma dos quadrados dos catetos o texto consagrado do teorema de Pitgoras emportugus. Embora em ingls exista o termo leg, significando cateto, seu uso no to corrente, preferindo-se a forma theother two sides, os outros dois lados. Por fidelidade ao texto original, vamos manter esta expresso em lugar do usualcatetos. (N.T.)

  • 2. Abreviando os procedimentosLogaritmos

    O que diz?Como multiplicar nmeros fazendo, em vez da multiplicao, uma soma de nmeros

    correlacionados.Por que importante?Somar muito mais simples que multiplicar.Qual foi a consequncia?Mtodos eficientes para calcular fenmenos astronmicos tais como eclipses e rbitas

    planetrias. Formas rpidas de executar clculos cientficos. A companheira fiel dosengenheiros, a rgua de clculo. Decaimento radiativo e psicofsica da percepo humana.

  • OS NMEROS SE ORIGINARAM a partir de problemas prticos: registrar propriedade, tal

    como animais ou terras, e transaes financeiras, tais como taxao e contabilidade. Aprimeira notao conhecida de nmeros, alm de simples entalhes como ||||, encontra-se naparte externa de invlucros de argila. Em 8000 a.C., os contadores mesopotmios mantinhamregistros usando pequenas fichas de argila de vrios formatos. A arqueloga DeniseSchmandt-Besserat notou que cada formato representava um bem bsico uma esfera paragros, um ovo para um cntaro de leo, e assim por diante. Por segurana, as fichas eramcolocadas e lacradas em invlucros de argila. Mas era um estorvo quebrar um invlucro paradescobrir quantas fichas cada um continha, ento os antigos contadores rabiscavam smbolosna parte externa para mostrar o que havia dentro. Finalmente acabaram percebendo que, umavez tendo os smbolos, podiam abandonar as fichas. O resultado foi uma srie de smbolosescritos para os nmeros a origem de todos os smbolos numricos posteriores, e talveztambm da escrita.

    Junto com os nmeros veio a aritmtica: mtodos para somar, subtrair, multiplicar edividir nmeros. Dispositivos como o baco eram usados para somas; ento os resultadospodiam ser registrados em smbolos. Aps um tempo, foram encontrados meios de usarsmbolos para executar os clculos sem auxlio mecnico, embora o baco ainda sejaamplamente utilizado em muitas partes do mundo, enquanto as calculadoras eletrnicassuplantaram os clculos feitos com lpis e papel na maioria dos pases.

    A aritmtica provou tambm ser essencial de outras maneiras, especialmente emastronomia e levantamentos de reas. medida que comearam a surgir os contornos bsicosdas cincias fsicas, os primeiros cientistas precisaram executar clculos cada vez maiselaborados, a mo. Geralmente isso ocupava grande parte de seu tempo, s vezes meses ouanos, vindo a atrapalhar atividades mais criativas. Acabou se tornando essencial acelerar oprocesso. Foram inventados inmeros dispositivos mecnicos, mas o avano mais importantefoi conceitual: pense primeiro, calcule depois. Usando uma matemtica inteligente, seriapossvel facilitar muito os clculos.

    A nova matemtica evoluiu rapidamente, desenvolvendo vida prpria e revelando possuirprofundas implicaes tericas, bem como prticas. Hoje, essas ideias iniciais tornaram-seferramenta indispensvel em toda cincia, chegando at a psicologia e as cincias humanas.Foram amplamente usadas at 1980, quando os computadores as tornaram obsoletas paraobjetivos prticos, mas, apesar disso, sua importncia em matemtica e cincia temcontinuado a crescer.

    A ideia central uma tcnica matemtica chamada logaritmo. Seu inventor foi umproprietrio de terras escocs, mas foi necessrio um professor de geometria com fortesinteresses em navegao e astronomia para substituir a ideia brilhante, porm falha, do senhorde terras por outra melhor.

    EM MARO DE 1615 Henry Briggs escreveu uma carta a James Ussher, registrando um fatocrucial na histria da cincia:

    Napper, lorde de Markinston, ps minha cabea e minhas mos para trabalhar comseus novos e admirveis logaritmos. Espero v-lo neste vero, se Deus quiser, pois nuncavi um livro que me agradasse tanto ou me deixasse mais maravilhado.Briggs foi o primeiro professor de geometria no Gresham College, em Londres, e

  • Napper, lorde de Markinston era John Napier, oitavo senhor de Merchiston, agora parte dacidade de Edimburgo, na Esccia. Napier parece ter sido um pouco mstico; tinha fortesinteresses teolgicos, mas que se centravam principalmente no livro do Apocalipse. Na suaopinio, sua obra mais importante foi A Plaine Discovery of the Whole Revelation of St.John, que o levou a predizer que o mundo terminaria ou em 1688 ou em 1700. Acredita-se queele tenha se envolvido tanto em alquimia quanto em necromancia, e seus interesses no ocultolhe valeram uma reputao de mago. Segundo um boato, ele levava para todo lugar que ia umaaranha preta numa caixinha, e possua um familiar, ou companheiro mgico: um galo preto.De acordo com um de seus descendentes, Mark Napier, John empregava seu familiar parapegar criados que estivessem roubando. Trancava os suspeitos num quarto com o galo, e osinstrua a afag-lo, dizendo que seu pssaro mgico detectaria o culpado sem risco de errar.Mas o misticismo de Napier tinha um ncleo racional, que neste exemplo especfico envolviacobrir o galo com uma fina camada de fuligem. Um criado inocente teria confiana suficientepara afagar a ave conforme instrudo, e ficaria com fuligem nas mos. O culpado, receoso deser descoberto, evitaria afagar o galo. Assim, ironicamente, mos limpas provavam que osujeito era culpado.

    Napier dedicou grande parte do seu tempo matemtica, especialmente a mtodos paraacelerar clculos matemticos complicados. Um dos inventos, os ossos de Napier, era umconjunto de dez bastes, marcados com nmeros, que simplificava o processo demultiplicaes longas. Melhor ainda foi a inveno que gerou sua reputao e criou umarevoluo cientfica: no o seu livro sobre o Apocalipse, como ele esperava, mas seu MirificiLogarithmorum Canonis Descriptio (Descrio do maravilhoso cnone dos logaritmos), de1614. O prefcio mostra que Napier sabia exatamente o que tinha produzido, e para queservia.1

    J que no existe nada mais enfadonho, colegas matemticos, na prtica da artematemtica do que o grande atraso sofrido no tdio de extensas multiplicaes e divises,de encontrar razes, e na extrao de razes quadradas e cbicas e os muitos errostraioeiros que podem surgir: eu estive, portanto, revirando em minha mente que artesegura e expedita eu poderia ser capaz de aperfeioar para tais mencionadas dificuldades.No final, aps muito pensar, finalmente descobri uma surpreendente maneira de abreviaros procedimentos e uma tarefa prazerosa apresentar o mtodo para o uso pblico dosmatemticos.No momento que Briggs ouviu falar dos logaritmos, ficou encantado. Como muitos

    matemticos de sua poca, ele passava bastante tempo fazendo clculos astronmicos.Sabemos disso porque outra carta de Briggs para Ussher, datada de 1610, menciona o clculode eclipses, e pelo fato de Briggs ter publicado anteriormente dois livros sobre tabelasnumricas, uma relacionada com o polo Norte e outra com navegao. Todas essas obrasexigiram vastas quantidades de complicada aritmtica e trigonometria. A inveno de Napiereconomizaria uma grande dose dessa tediosa labuta. Mas quanto mais Briggs estudava o livro,mais convencido ficava de que, embora a estratgia de Napier fosse maravilhosa, a tticaestava errada. Briggs concebeu um aperfeioamento simples porm efetivo, e fez a longaviagem para a Esccia. Quando se encontraram, passou-se quase um quarto de hora, umobservando o outro com admirao, antes que qualquer palavra fosse dita.2

    O QUE FOI QUE PROVOCOU tanta admirao? A observao fundamental, bvia para

  • qualquer um que aprenda matemtica, era que somar nmeros relativamente fcil, masmultiplicar no . A multiplicao requer muito mais operaes matemticas que a adio. Porexemplo, somar dois nmeros de dez dgitos envolve cerca de dez passos simples, masmultiplicar exige 200. Com computadores modernos, esta questo ainda importante, masagora fica escondida nos bastidores, nos algoritmos utilizados para a multiplicao. Mas notempo de Napier tudo tinha de ser feito a mo. No seria timo se houvesse algum truquematemtico que pudesse converter aquelas cansativas multiplicaes em agradveis e rpidassomas? Parece bom demais para ser verdade, mas Napier percebeu que era possvel. O truqueera trabalhar com as potncias de um nmero fixo.

    Em lgebra, as potncias de um x desconhecido so indicadas por um pequeno nmerosobrescrito o expoente. Isto , xx = x2, xxx = x3, xxxx = x4, e assim por diante, uma vez queem lgebra usual colocar duas letras uma ao lado da outra significando que devem sermultiplicadas. Ento, por exemplo, 104 = 10 10 10 10 = 10.000. Voc no precisabrincar muito com essas expresses para descobrir uma maneira fcil de deduzir, digamos,104 103. Basta escrever

    10.000 1.000 = (10 10 10 10) (10 10 10) = 10 10 10 10 10 10 10 = 10.000.000

    O nmero de zeros na resposta 7, que equivale a 4 + 3. O primeiro passo no clculomostra por que 4 + 3: grudamos quatro 10 e trs 10 lado a lado. Resumindo,

    104 103 = 104+3 = 107Da mesma forma, qualquer que seja o valor de x, se multiplicarmos x elevado potncia a

    por x elevado potncia b, sendo a e b nmeros inteiros, ento teremos x elevado potncia(a + b):

    xa xb = xa+bEsta pode parecer uma frmula incua, mas esquerda estamos multiplicando duas

    grandezas, enquanto direita o passo principal somar a e b, o que mais simples.Suponha que voc quisesse multiplicar, digamos, 2,67 por 3,51. Pela multiplicao longa

    voc chega a 9,3717, que, com duas casas decimais, fica 9,37. E se voc tentar usar a frmulaacima? O truque reside na escolha de x. Se tomarmos x como 1,001, ento um pouco dearitmtica revela que

    (1,001)983 = 2,67(1,001)1.256 = 3,51arredondados para duas casas decimais. A frmula ento nos diz que 2,67 3,51 (1,001)983 + 1.256 = (1,001)2.239que, com duas casas decimais, 9,37.O ncleo do clculo uma fcil adio: 983 + 1.256 = 2.239. No entanto, se voc tentar

    verificar a minha aritmtica logo perceber que na verdade eu dificultei o problema ao invsde facilitar. Para descobrir (1,001)983 preciso multiplicar 1,001 por si mesmo 983 vezes. Epara descobrir que 983 a potncia certa a se usar, preciso mais trabalho ainda. Ento, primeira vista, parece uma ideia bastante intil.

    A grande sacada de Napier foi que essa objeo errada. Mas para super-la alguma almaintrpida precisa calcular montes de potncias de 1,001, a comear por (1,001)2, e subir atalgo como (1,001)10.000. Ento pode-se publicar uma tabela de todas essas potncias. Depois

  • disso, a maior parte do trabalho j est feita. Basta voc correr os dedos pelas potnciassucessivas at ver 2,67 perto de 983; da mesma forma voc localiza 3,51 perto de 1.256. Avoc soma os dois nmeros para obter 2.239. A fila correspondente na tabela lhe diz que estapotncia de 1,001 9,37. Tarefa cumprida.

    Resultados realmente acurados requerem potncias de algo bem mais perto de 1, algocomo 1,000001. Isso torna a tabela muito maior, com cerca de um milho de potncias. Fazeros clculos para essa tabela uma empreitada gigantesca. Mas precisa ser feita apenas umavez. Se algum benfeitor disposto ao autossacrifcio fizer tal esforo de antemo, geraessucessivas sero poupadas de um volume enorme de aritmtica.

    No contexto deste exemplo, podemos dizer que as potncias 983 e 1.256 so oslogaritmos dos nmeros 2,67 e 3,51 que queremos multiplicar. Da mesma forma, 2.239 ologaritmo de seu produto 9,37. Escrevendo log como abreviatura, o que fizemos equivale equao

    log ab = log a + log bque vlida para quaisquer nmeros a e b. A escolha relativamente arbitrria de 1,001

    chamada base. Se usarmos uma base diferente, os logaritmos que podemos calcular tambmsero diferentes, mas para qualquer base fixada tudo funciona da mesma maneira.

    Isto o que Napier deveria ter feito. Mas por razes que podemos apenas adivinhar, elefez algo ligeiramente diferente. Briggs, abordando a tcnica de uma nova perspectiva, divisouduas formas de melhorar a ideia de Napier.

    QUANDO NAPIER COMEOU a pensar nas potncias de nmeros, no fim do sculo XVI, aideia de reduzir multiplicao adio j circulava entre os matemticos. Um mtodo bastantecomplicado conhecido como prostafrese, baseado numa frmula que envolve funestrigonomtricas, estava em uso na Dinamarca.3 Napier, intrigado, era esperto o bastante paraperceber que as potncias de um determinado nmero podiam fazer o mesmo trabalho demaneira mais simples. As tabelas necessrias no existiam mas isso seria remediadofacilmente. Alguma alma com senso de coletividade precisava fazer o trabalho. Napier seapresentou como voluntrio para a tarefa, mas cometeu um erro estratgico. Em vez de usaruma base que fosse ligeiramente maior que 1, usou uma base ligeiramente menor que 1. Comoresultado, a sequncia de potncias tinha incio com nmeros grandes, que iam diminuindosucessivamente. Isso tornou os clculos um pouco mais complicados.

    Briggs identificou o problema, e viu como lidar com ele: usou uma base ligeiramentemaior que 1. E tambm identificou um problema um pouco mais sutil, e tambm lidou com ele.Se o mtodo de Napier fosse modificado para funcionar com potncias de algo como1,0000000001, no haveria relao direta entre os logaritmos de, digamos, 12,3456 e1,23456. Ento no ficava inteiramente claro aonde a tabela podia parar. A origem doproblema era o valor de log 10, porque

    log 10x = log 10 + log xInfelizmente log 10 era uma confuso: com a base 1,0000000001 o logaritmo de 10 era

    23.025.850.929. Briggs pensou que seria muito melhor se a base pudesse ser escolhida demodo que log 10 = 1. Ento, log 10x = 1 + log x, de modo que, qualquer que fosse o log1,23456, bastava somar 1 para obter log 12,3456. Agora as tabelas de logaritmos precisavamabranger somente de 1 a 10. Se aparecessem nmeros maiores, bastava somar o nmerointeiro apropriado.

  • Para fazer log 10 = 1, faz-se o que Napier fez, usando a base de 1,0000000001, e a sedivide cada logaritmo por esse curioso nmero 23.025.850.929. A tabela resultante consisteem logaritmos de base 10, que escreverei como log10x. Eles satisfazem

    Log10xy = log10x + log10ycomo antes, mas tambmlog1010x = log10x + 1Dois anos depois, Napier faleceu, ento Briggs comeou a trabalhar numa tabela de

    logaritmos de base 10. Em 1617 publicou Logarithmorum Chilias Prima (Logaritmos doprimeiro milhar), os logaritmos de inteiros de 1 a 1.000 com preciso de catorze casasdecimais. Em 1624 deu prosseguimento com Arithmetic Logarithmica (Aritmtica doslogaritmos), uma tabela de logaritmos com base 10 de nmeros de 1 a 20.000 e de 90.000 a100.000, com igual preciso. Outros seguiram rapidamente o caminho de Briggs, preenchendoo grande vo e desenvolvendo tabelas auxiliares tais como logaritmos de funestrigonomtricas como log sen x.

    AS MESMAS IDEIAS QUE INSPIRARAM os logaritmos nos permitem definir potncias xa de umavarivel positiva x para valores de a que no sejam nmeros positivos inteiros. Tudo quetemos a fazer insistir que a nossa definio seja consistente com a equao xaxb = xa+b, eseguir nosso instinto. Para evitar complicaes desagradveis, melhor assumir que x sejapositivo e definir xa de modo que tambm seja positivo. (Para um x negativo, melhorintroduzir nmeros complexos, como no Captulo 5.)

    Por exemplo, o que x0? Tendo em mente que x1 = x, a frmula diz que x0 precisasatisfazer x0x = x0+1 = x. Dividindo por x descobrimos que x0 = 1. E agora, o que significa x1?

    Bem, a frmula diz que x1x = x1+1 = x0 = 1. Dividindo por x, obtemos . De

    forma idntica, , e assim por diante.

    Comea a ficar mais interessante, e potencialmente muito til, quando pensamos em .

    Isso precisa satisfazer . Logo, , multiplicadopor si mesmo, x. O nico nmero com essa propriedade a raiz quadrada de x. Logo,

    . Da mesma forma, , a raiz cbica de x. Prosseguindo dessa maneira

    podemos definir para qualquer frao . Ento, usando fraes como aproximaes denmeros reais, podemos definir xa para qualquer real a. E a equao xaxb = xa+b aindapermanece vlida.

    Segue-se tambm que e que , demodo que podemos calcular as razes quadradas e cbicas utilizando a tabela de logaritmos.Por exemplo, para encontrar a raiz quadrada de um nmero formamos seu logaritmo,dividimos por 2, e ento descobrimos qual nmero tem como resultado aquele logaritmo. Pararazes cbicas, fazemos o mesmo dividindo por 3. Os mtodos tradicionais para essesproblemas eram tediosos e complicados. Voc pode ver por que Napier mencionou razesquadradas e cbicas no prefcio de seu livro.

    TO LOGO AS TABELAS DE LOGARITMOS completas ficaram disponveis, tornaram-se uma

  • ferramenta indispensvel para cientistas, engenheiros, topgrafos e navegadores.Economizavam tempo, poupavam esforos e aumentavam a probabilidade de a resposta estarcorreta. De incio, uma importante beneficiria foi a astronomia, porque os astrnomosrotineiramente necessitavam executar clculos longos e difceis. O matemtico e astrnomofrancs Pierre Simon de Laplace disse que a inveno dos logaritmos reduz para algunspoucos dias o trabalho de muitos meses, duplica a vida do astrnomo e o poupa de erros edesgostos. medida que foi aumentando o emprego de maquinrio na produo, osengenheiros comearam a fazer mais e mais uso da matemtica para projetar equipamentoscomplexos, analisar a estabilidade de pontes e edifcios, fabricar carros, bondes, navios eavies. Algumas dcadas atrs, os logaritmos eram parte integrante do currculo escolar dematemtica. E os engenheiros carregavam no bolso o que era efetivamente uma calculadoraanalgica para logaritmos, uma representao fsica da equao bsica para logaritmos parauso imediato. Era chamada rgua de clculo, e a utilizavam rotineiramente em aplicaes queiam de arquitetura a projetos aeronuticos.

    A primeira rgua de clculo foi construda em 1630 por um matemtico ingls, WilliamOughtred, usando escalas circulares. Ele modificou o desenho em 1632, fazendo as duasescalas retas. Esta foi a primeira rgua de clculo. A ideia simples: quando voc alinha duashastes, as medidas se somam. Se as hastes so marcadas utilizando uma escala logartmica, naqual os nmeros esto espaados segundo seus logaritmos, ento os nmeros correspondentesse multiplicam. Por exemplo, alinhemos o 1 de uma haste com o 2 da outra. Ento, qualquernmero x da primeira haste estar alinhado com 2x da segunda. Desse modo, alinhado com o 3teremos 6, e assim por diante, como vemos na Figura 11. Se os nmeros forem maiscomplicados, digamos 2,67 e 3,51, colocamos o 1 alinhado com o 2,67 e lemos o nmeroalinhado com o 3,51, ou seja, 9,37. muito fcil.

    FIGURA 11 Multiplicando 2 por 3 na rgua de clculo.Engenheiros rapidamente desenvolveram rguas de clculo extravagantes, com funes

    trigonomtricas, razes quadradas, escalas log-log (logaritmos de logaritmos) para calcularpotncias, e assim por diante. Os logaritmos acabaram ficando em segundo plano com ainveno dos computadores digitais, mas mesmo hoje o logaritmo ainda desempenha um papelenorme em cincia e tecnologia, juntamente com sua inseparvel companheira, a funoexponencial. Para logaritmos de base 10, trata-se da funo 10x; para logaritmos naturais, afuno ex, onde e = 2,71828, aproximadamente. Em cada par, as duas funes so o inversouma da outra. Se pegarmos um nmero, tirarmos seu logaritmo, e ento fizermos a exponencialdele, obteremos o nmero com o qual se comeou.

    POR QUE PRECISAMOS DE logaritmos agora que temos computadores?Em 2011 um terremoto de magnitude 9,0 na costa oriental do Japo provocou um

    gigantesco tsunami, que devastou uma rea densamente habitada, matando cerca de 25 milpessoas. No litoral havia uma usina de energia nuclear, Fukushima Dai-ichi (Usina Fukushima1, para distinguir de uma segunda usina nuclear situada nas proximidades). Seis reatoresnucleares distintos ficaram comprometidos: trs estavam em operao quando o tsunamiatingiu a usina; os outros trs haviam cessado de operar temporariamente e seu combustvel

  • fora transferido para reservatrios de gua fora dos reatores, mas dentro dos edifcios dausina.

    O tsunami sobrecarregou as defesas da usina, cortando o suprimento de energia eltrica.Os trs reatores em operao (nmeros 1, 2 e 3) foram fechados como medida de segurana,mas seus sistemas de resfriamento ainda precisavam impedir o derretimento do combustvel.No entanto, o tsunami tambm destruiu os geradores de emergncia, que deveriam suprir aenergia do sistema de resfriamento e outros sistemas de segurana crticos. O nvel seguinte desustentao eram baterias, que rapidamente escoaram sua energia. O sistema de resfriamentoparou e o combustvel nuclear em vrios reatores comeou a superaquecer. Improvisando, osoperadores usaram extintores de incndio para bombear gua do mar nos trs reatores emfuncionamento, mas esta gua reagiu com o revestimento de zircnio das hastes de combustvelproduzindo hidrognio. A formao de hidrognio causou uma exploso no edifcio queabrigava o reator 1. Os reatores 2 e 3 logo sofreram a mesma sorte. A gua no reservatrio doreator 4 secou, deixando seu combustvel exposto. Quando os operadores recuperaram o queparecia ser o controle da situao, o recipiente de conteno de pelo menos um dos reatoreshavia rachado, e havia radiao vazando para o ambiente local. As autoridades japonesasevacuaram 200 mil pessoas da rea ao redor porque a radiao estava bem acima dos limitesde segurana normais. Seis meses depois, a companhia que operava os reatores, a Tepco,declarou que a situao permanecia crtica e muito mais trabalho seria necessrio antes que osreatores pudessem ser considerados totalmente sob controle, mas alegavam que o vazamentotinha sido interrompido.

    No quero analisar aqui os mritos ou as desvantagens da energia nuclear, mas queromostrar, sim, como o logaritmo responde a uma questo vital: se voc sabe quanto materialradiativo foi liberado, e de que tipo, por quanto tempo ele permanecer no ambiente, ondepode ser perigoso?

    Elementos radiativos decaem; quer dizer, transformam-se em outros elementos medianteprocessos nucleares, emitindo partculas nucleares ao faz-lo. So essas partculas queconstituem a radiao. O nvel de radiatividade cai com o tempo da mesma maneira que atemperatura de um corpo quente ao esfriar: exponencialmente. Logo, em unidades apropriadas,que no sero discutidas aqui, o nvel de radiatividade N(t) num instante t segue a equao

    Em que N0 o nvel inicial e k uma constante que depende do elemento em questo. Maisprecisamente, depende de que forma, ou istopo, do elemento estamos considerando.

    Uma medida conveniente do tempo que a radiatividade persiste a meia-vida, um conceitointroduzido pela primeira vez em 1907. o tempo que leva para o nvel inicial N0 cair parametade de seu valor. Para calcular a meia-vida, resolvemos a equao

    tomando os logaritmos de ambos os lados. O resultado

    e podemos fazer o clculo porque k conhecido de experimentos.A meia-vida um modo conveniente de avaliar por quanto tempo a radiao persistir.

    Suponhamos que a meia-vida seja uma semana, por exemplo. Ento, a taxa original com que o

  • material emite radiao cai pela metade aps uma semana, cai para um quarto aps duassemanas, para um oitavo aps trs semanas, e assim por diante. So necessrias dez semanaspara que a taxa de radiao caia para um milsimo de seu nvel original (na verdade,

    ), e vinte semanas para cair para um milionsimo.Em acidentes com reatores nucleares convencionais, os produtos radiativos mais

    importantes so o iodo-131 (um istopo radiativo do iodo) e o csio-137 (um istoporadiativo do csio). O primeiro pode causar cncer na tireoide, porque a glndula tireoideconcentra iodo. A meia-vida do iodo-131 de apenas oito dias, de modo que ele causa poucodano se pudermos dispor da medicao adequada, e seus riscos decrescem de forma muitorpida a menos que continue a vazar. O tratamento padro dar s pessoas tabletes de iodo,que reduzem a quantidade da forma radiativa absorvida pelo corpo, mas o remdio maiseficaz parar de beber leite contaminado.

    O csio-137 muito diferente: ele tem uma meia-vida de trinta anos. Leva cerca deduzentos anos para que o nvel de radiatividade caia para um centsimo do valor inicial, demodo que ele permanece perigoso por muito tempo. A questo prtica mais importante numacidente com um reator a contaminao do solo e dos edifcios. A descontaminao vivelat certo ponto, porm cara. Por exemplo, o solo pode ser removido, carregado em caminhes,e armazenado em algum lugar seguro. Mas isso cria quantidades enormes de lixo radiativo debaixo nvel.

    O decaimento radiativo apenas uma das muitas reas nas quais os logaritmos de Napier eBriggs continuam a servir cincia e humanidade. Se voc folhear captulos posteriores dolivro os encontrar pipocando em termodinmica e teoria da informao, por exemplo. Aindaque computadores rpidos tenham tornado os logaritmos redundantes em seu propsito inicial,que eram os clculos rpidos, eles ainda so centrais para a cincia por motivos conceituais eno computacionais.

    OUTRA APLICAO DE LOGARITMOS provm dos estudos da percepo humana: comosentimos o mundo ao nosso redor. Os pioneiros da psicofsica da percepo fizeram estudosextensivos da viso, da audio e do tato, e encontraram algumas intrigantes regularidadesmatemticas.

    Na dcada de 1840, um mdico alemo, Ernst Weber, realizou experimentos paradeterminar quo sensvel a percepo humana. Os participantes receberam pesos parasegurar nas duas mos, instrudos a dizer quando pudessem sentir que um era mais pesado queoutro. Weber pde ento calcular qual era a menor diferena detectvel nos pesos. Talvez deforma surpreendente, essa diferena (para um determinado sujeito experimental) no era umvalor fixo. Dependia de quais eram os valores dos pesos que estavam sendo comparados. Aspessoas no sentiam uma diferena mnima absoluta cinquenta gramas, digamos. Sentiamuma diferena mnima relativa 1% dos pesos comparados, digamos. Ou seja, a menordiferena que os sentidos humanos podem detectar proporcional ao estmulo, quantidadefsica real.

    Nos anos 1850 Gustav Fechner redescobriu essa lei, e a reformulou matematicamente. Issoo conduziu a uma equao, que ele chamou de lei de Weber, embora atualmente seja em geralchamada de lei de Fechner (ou lei de Weber-Fechner, se voc for purista). Ela afirma que asensao percebida proporcional ao logaritmo do estmulo. Experimentos sugeriram queessa lei se aplica no somente ao nosso senso de peso, mas tambm viso e audio. Se

  • olharmos para uma luz, o brilho que percebemos varia com o logaritmo da emisso real deenergia. Se uma fonte dez vezes mais intensa que outra, ento a diferena que percebemos constante, por mais brilhantes que as duas fontes efetivamente sejam. O mesmo vale para aintensidade do som: uma exploso com dez vezes mais energia tem o som com valor fixo maisalto.

    A lei de Weber-Fechner no totalmente precisa, mas uma boa aproximao. Aevoluo tinha de acabar recorrendo a algo como uma escala logartmica, porque o mundoexterno apresenta aos nossos sentidos estmulos que abrangem uma gama enorme de tamanhos.Um rudo pode ser um pouquinho mais do que um camundongo correndo pelo mato, ou podeser uma trovoada; ns precisamos ser capazes de ouvir as duas coisas. Mas a gama dos nveissonoros to vasta que nenhum mecanismo sensorial biolgico pode responderproporcionalmente energia gerada pelo som. Se o ouvido capaz de ouvir um camundongofizesse isso, ento uma trovoada o destruiria. Se ele sintonizasse os nveis sonoros de modoque a trovoada produzisse um sinal confortvel, jamais seria capaz de ouvir o camundongo. Asoluo comprimir os nveis de energia dentro de uma faixa confortvel, e o logaritmo fazexatamente isso. Ser sensvel a propores em vez de valores absolutos faz muito sentido, egera excelentes sentidos.

    Nossa unidade padro para o rudo, o decibel, incorpora a lei de Weber-Fechner numadefinio. Ela mede no o rudo absoluto, mas o rudo relativo. Um camundongo na gramaproduz cerca de dez decibis. Uma conversa normal entre pessoas a um metro de distnciaocorre em quarenta a sessenta decibis. Um liquidificador eltrico direciona sessenta decibispara a pessoa que est usando-o. O rudo num carro, provocado pelo motor e pelos pneus, de sessenta a oitenta decibis. Um avio a jato a cem metros produz 110-140 decibis,subindo para 150 a trinta metros. Uma vuvuzela (o irritante instrumento semelhante a umatrombeta de plstico largamente ouvido na Copa do Mundo de Futebol de 2010, trazido paracasa por fs desorientados) gera 120 decibis a um metro; a exploso de uma granada militarchega a produzir 180 decibis.

    Escalas como essas so amplamente encontradas porque possuem um aspecto desegurana. O nvel em que o som potencialmente causa dano audio de cerca de 120decibis. Por favor, jogue fora a sua vuvuzela.

  • 3. Fantasmas de grandezas sumidasClculo

    O que diz?Encontrar a taxa de variao instantnea de uma grandeza que varia com (digamos) o

    tempo, calcular como seu valor varia em um breve intervalo de tempo e dividi-lo pelotempo em questo. E ento fazer com que esse intervalo se torne to pequeno quanto sequeira.

    Por que importante?Fornece uma base rigorosa para o clculo, o meio mais importante que os cientistas

    usam para modelar o mundo natural.Qual foi a consequncia?O clculo de tangentes e reas. Frmulas para volumes de slidos e comprimentos de

    curvas. As leis do movimento de Newton, equaes diferenciais. A lei da conservao daenergia e da quantidade de movimento. A maior parte da fsica matemtica.

  • EM 1665 CARLOS II ERA REI da Inglaterra e sua capital, Londres, era uma metrpole em

    expanso de meio milho de pessoas. As artes floresciam e a cincia estava em seus estgiosiniciais de ascendncia cada vez mais rpida. A Royal Society, talvez a mais antiga sociedadecientfica atualmente, em existncia, fora fundada cinco anos antes, e Carlos lhe concederaapoio real. Os ricos moravam em casas impressionantes e o comrcio prosperava, mas ospobres viviam espremidos em ruas estreitas obscurecidas por construes decrpitas que seprojetavam mais e mais medida que cresciam, pavimento por pavimento. O saneamento erainadequado; ratos e outros bichos nocivos estavam por toda parte. No final de 1666 um quintoda populao de Londres fora morta pela peste bubnica, disseminada primeiro por ratos edepois pelas prprias pessoas. Foi o pior desastre na histria da capital, e a mesma tragdiase espalhou por toda a Europa e pelo norte da frica. O rei partiu s pressas para a regiorural mais saneada de Oxfordshire, retornando no incio de 1666. Ningum sabia o quecausava a peste, e as autoridades municipais tentaram de tudo manter fogueirascontinuamente acesas para purificar o ar, queimar qualquer coisa que exalasse cheiro forte,enterrar os mortos rapidamente em fossas. Mataram muitos ces e gatos, ironicamenteremovendo dois predadores da populao de ratos.

    Durante esses dois anos, um obscuro e despretensioso estudante de graduao no TrinityCollege, em Cambridge, completava seus estudos. Na esperana de evitar a peste, retornou casa onde nascera, de onde sua me administrava uma fazenda. Seu pai morrera pouco antesde ele nascer, e ele fora criado pela av materna. Talvez inspirado pela paz e tranquilidaderural, ou na falta de algo melhor para fazer com seu tempo, o jovem pensava em cincia ematemtica. Mais tarde, escreveu: Naqueles dias eu estava na melhor poca da minha vidapara inveno, e me entreguei matemtica e filosofia [natural] mais do que em qualqueroutra poca desde ento. Suas pesquisas o levaram a compreender a importncia da lei dagravitao variando com o inverso do quadrado, uma ideia que estivera pairando no arineficazmente por pelo menos cinquenta anos. Ele elaborou um mtodo prtico para resolverproblemas em clculo, outro conceito que estava no ar, mas no fora formulado de nenhumaforma genrica. E descobriu que a luz branca do Sol composta de muitas cores diferentes todas as cores do arco-ris.

    Quando a peste cedeu, ele no contou a ningum das descobertas que fizera. Retornou aCambridge, fez o mestrado e tornou-se professor no Trinity. Eleito para a Ctedra Lucasianade Matemtica, finalmente comeou a publicar suas ideias e a desenvolver pensamentosnovos.

    O jovem era Isaac Newton. Suas descobertas criaram uma revoluo na cincia,originando um mundo que Carlos II jamais acreditaria que pudesse existir: prdios com maisde cem andares, carroas sem cavalos fazendo 120km/h pelas estradas enquanto o motoristaescuta msica usando um disco mgico feito de um estranho material que parece vidro,mquinas de voar mais pesadas que o ar que cruzam o Atlntico em seis horas, pinturascoloridas que se movem e caixas que voc leva no bolso para falar com o outro lado domundo

    Anteriormente, Galileu Galilei, Johannes Kepler e outros tinham erguido a ponta do tapeteda natureza e visto algumas das maravilhas ocultas debaixo dele. Agora Newton simplesmenteremovia o tapete do lugar. No s revelou que o universo tem padres secretos, as leis da

  • natureza; alm disso, forneceu ferramentas matemticas para exprimir essas leis precisamentee deduzir suas consequncias. O sistema do mundo era matemtico; o corao da criao deDeus era um universo sem alma, que funcionava como um relgio.

    A viso que a humanidade tinha do mundo no mudou subitamente de religiosa parasecular. At hoje isso no ocorreu completamente, e provavelmente nunca ocorrer. Masdepois que Newton publicou seu Philosophi Naturalis Principia Mathematica (Princpiosmatemticos da filosofia natural), O sistema do mundo subttulo do livro no era maisterritrio exclusivo da religio organizada. Mesmo assim, Newton no foi o primeiro cientistamoderno; ele tinha tambm um lado mstico, e dedicou anos de sua vida alquimia e especulao religiosa. Em notas para uma palestra,1 o economista John Maynard Keynes,tambm um erudito newtoniano, escreveu:

    Newton no foi o primeiro da idade da razo. Foi o ltimo dos mgicos, o ltimo dosbabilnios e sumrios, a ltima grande mente que olhava para o mundo visvel eintelectual com os mesmos olhos que aqueles que comearam a construir a nossa heranaintelectual pouco menos de 10 mil anos atrs. Isaac Newton, filho pstumo nascido sempai no dia de Natal de 1642, foi o ltimo menino-prodgio a quem os magos puderamprestar sincera e apropriada reverncia.Hoje ns, em geral, ignoramos o aspecto mstico de Newton, e nos lembramos dele pelas

    suas realizaes cientficas e matemticas. Supremas entre elas so a percepo de que anatureza obedece a leis matemticas e sua inveno do clculo, a principal maneira queconhecemos para exprimir essas leis e derivar suas consequncias. O matemtico e filsofoalemo Gottfried Wilhelm Leibniz tambm desenvolveu o clculo, de forma mais ou menosindependente, na mesma poca, mas pouco fez com sua descoberta. Newton usou o clculopara entender o universo, embora o tivesse mantido encoberto em sua obra publicada,reformulando-o em linguagem geomtrica clssica. Ele foi uma figura de transio que afastoua humanidade de uma viso mstica, medieval, e abriu o caminho racional moderno. Depois deNewton, os cientistas reconheceram conscientemente que o universo possui profundos padresmatemticos, e estavam equipados com tcnicas poderosas para explorar essa percepo.

    O CLCULO NO SURGIU sem mais nem menos. Foi proveniente de questes tanto dematemtica pura quanto aplicada, e seus antecedentes podem ser traados at a poca deArquimedes. O prprio Newton fez um comentrio famoso: Se vi um pouco mais longe, foiporque estava de p nos ombros de gigantes.2 Soberanos entre esses gigantes estavam JohnWallis, Pierre de Fermat, Galileu e Kepler. Wallis desenvolveu um precursor do clculo emsua obra de 1656, Arithmetica Infinitorum (Aritmtica do infinito). De TangentibusLinearum Curvarum (De tangentes de linhas curvas) de Fermat, publicado em 1679,apresentava um mtodo para achar, de tangentes a curvas, problema intimamente ligado aoclculo. Kepler formulou trs leis bsicas do movimento planetrio, que conduziram Newton sua lei da gravitao, assunto do prximo captulo. Galileu fez grandes avanos emastronomia, mas tambm investigou aspectos matemticos da natureza aqui embaixo, no cho,publicando suas descobertas em De Motu (Do movimento), em 1590. Investigou como semove um corpo em queda, descobrindo um elegante padro matemtico. Newton desenvolveuesse palpite nas trs leis gerais do movimento.

    Para entender o padro de Galileu precisamos de dois conceitos cotidianos da mecnica:velocidade e acelerao. Velocidade a rapidez com que algo se move, e em qual direo. Se

  • ignorarmos a direo, teremos a velocidade escalar o valor da velocidade. Acelerao uma mudana de velocidade, que geralmente inclui uma mudana no seu valor a velocidadeescalar (surge uma exceo quando o valor da velocidade permanece o mesmo mas a direomuda). No dia a dia, usamos acelerao quando nos referimos a aumentar a velocidade edesacelerao quando nos referimos a frear. Mas em mecnica ambos os casos soacelerao: o primeiro acelerao positiva e o segundo, acelerao negativa. Quandoguiamos por uma rua, o valor da velocidade do carro exibido no velocmetro pode ser, porexemplo, 80km/h. A direo para onde o carro est apontando. Quando baixamos o p, ocarro acelera e o valor da velocidade aumenta; quando pisamos o freio, o carro desacelera acelerao negativa.

    Se o carro se move numa velocidade constante, fcil calcular qual o valor davelocidade. A abreviatura km/h j diz tudo: quilmetros por hora. Se o carro viaja oitentaquilmetros em uma hora, dividimos a distncia pelo tempo, e essa a velocidade. Noprecisamos guiar por uma hora inteira: se o carro percorre oito quilmetros em seis minutos,tanto a distncia quanto o tempo esto divididos por dez, e sua razo ainda 80km/h. Emsuma,

    velocidade escalar = distncia percorrida dividida pelo tempo decorrido.Da mesma forma, uma acelerao constante dada por

    acelerao = variao de velocidade dividida pelo tempo decorrido.Tudo isso parece muito simples, mas surgem dificuldades conceituais quando a

    velocidade, ou a acelerao, no constante. E no podem ambas ser constantes, porqueacelerao constante (e diferente de zero) implica uma variao de velocidade. Suponha quevoc esteja dirigindo por uma estrada no campo, acelerando nas retas, reduzindo o valor davelocidade nas curvas. O valor da velocidade muda o tempo todo, e o mesmo acontece com asua acelerao. Como podemos calcul-las num determinado instante? A resposta pragmtica pegar um curto intervalo de tempo, digamos um segundo. Ento a sua velocidade escalarinstantnea s (digamos) 11h30 a distncia percorrida entre esse momento e um segundodepois, dividida por um segundo. O mesmo vale para a acelerao instantnea.

    Exceto que essa no exatamente a sua velocidade escalar instantnea. Na verdade uma velocidade escalar mdia num intervalo de tempo de um segundo. H circunstncias nasquais um segundo um intervalo de tempo enorme uma corda de violo tocando um Dcentral vibra 440 vezes a cada segundo; faa a mdia de seu movimento em um segundo inteiroe voc achar que ela est parada. A resposta considerar um intervalo de tempo mais curto um dcimo de milsimo de segundo, talvez. Mas isso ainda no capta a velocidade escalarinstantnea. A luz visvel vibra 10 15 vezes a cada segundo. E mesmo assim bem, para serpedante, isso ainda no um instante. Seguindo essa linha de pensamento, parece necessriousar um intervalo de tempo mais curto que qualquer outro intervalo. Mas o nico nmero

    desse tipo 0, e isso intil, porque ento a distncia percorrida tambm ser 0, e no

    tem o menor sentido.Os pioneiros ignoravam essas questes e assumiam um ponto de vista pragmtico. Quando

    o provvel erro nas medies se torna maior do que a preciso que voc teoricamente buscaao usar intervalos de tempo menores, isso j no adianta mais. Os relgios da poca deGalileu eram muito imprecisos, ento ele media o tempo cantarolando para si um msico

  • treinado capaz de dividir uma nota em intervalos muito breves. Mesmo assim, medir o tempode um corpo caindo algo traioeiro, portanto Galileu recorreu ao truque de reduzir avelocidade do movimento de queda fazendo com que bolas rolassem num plano inclinado.Ento observava a posio da bola em intervalos de tempo sucessivos. O que ele descobriu(estou simplificando os nmeros para deixar claro o padro, mas o padro o mesmo) quepara os instantes 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, essas posies eram

    0 1 4 9 16 25 36A distncia era (proporcional a) o quadrado do tempo. E quanto s velocidades escalares?

    Fazendo a mdia de intervalos sucessivos, as diferenas foram1 3 5 7 9 11entre os quadrados sucessivos. Em cada intervalo, exceto o primeiro, a velocidade escalar

    mdia aumentava em duas unidades. um padro surpreendente ainda mais para Galileu, aodesenterrar algo assim de dzias de medies com bolas de muitas massas diferentes emplanos com muitas inclinaes distintas.

    A partir desses experimentos e do padro observado, Galileu deduziu algo maravilhoso. Atrajetria de um corpo em queda, ou de um corpo lanado no ar, como uma bala de canho, uma parbola. Trata-se de uma curva em forma de U, conhecida dos antigos gregos. (Nessecaso um U de cabea para baixo. Estou ignorando a resistncia do ar, que muda a forma datrajetria: ela no tinha muito efeito nas bolas rolando de Galileu.) Kepler encontrou umacurva correlacionada, a elipse, em sua anlise das rbitas planetrias: isso parece ter sidosignificativo tambm para Newton, mas a histria vai ter de esperar at o prximo captulo.

    Com apenas essa srie particular de experimentos para se basear, no fica claro quaisprincpios gerais jazem sob o padro de Galileu. Newton percebeu que a fonte do padro soas taxas de variao. Velocidade a taxa com que a posio varia em relao ao tempo;acelerao a taxa com que a velocidade varia em relao ao tempo. Nas observaes deGalileu, a posio variava de acordo com o quadrado do tempo, a velocidade variavalinearmente e a acelerao no variava em absoluto. Newton percebeu que para adquirir umacompreenso mais profunda dos padres de Galileu, e do que significavam para a nossa visoda natureza, teria de lidar com as taxas de variao instantneas. Ao faz-lo, surgiu o clculo.

    SERIA DE ESPERAR QUE UMA ideia to importante como o clculo fosse anunciada com umafanfarra de trombetas e desfile pelas ruas. No entanto, leva algum tempo at que o significadode novas ideias seja absorvido e apreciado, e foi o que aconteceu com o clculo. O trabalhode Newton sobre o assunto data de 1671 ou antes, quando escreveu O mtodo de fluxes esries infinitas. No temos certeza da data porque o livro s foi publicado em 1736, quaseuma dcada aps sua morte. Vrios outros manuscritos de Newton tambm se referem a ideiasque hoje reconhecemos como clculo diferencial e integral, os dois principais ramos doassunto. Os cadernos de anotaes de Leibniz mostram que ele obteve seus primeirosresultados significativos em clculo em 1675, mas no publicou nada sobre o tema at 1684.

    Depois que Newton alcanou a proeminncia cientfica, muito aps esses dois homensterem elaborado a base do clculo, alguns dos amigos de Newton geraram uma controvrsiaacalorada, mas sem sentido, acerca da primazia, acusando Leibniz de plagiar os manuscritosno publicados de Newton. Alguns matemticos da Europa continental responderam comcontra-alegaes de plgio por parte de Newton. Matemticos ingleses e continentaispassaram quase um sculo sem se falar, o que causou um prejuzo enorme para os que eram

  • ingleses, porm nenhum para os demais. Eles desenvolveram o clculo como ferramentacentral da fsica matemtica enquanto suas contrapartes inglesas ferviam de raiva pelosinsultos a Newton ao invs de explorar suas descobertas. uma histria emaranhada e aindasujeita a disputas eruditas por parte dos historiadores da cincia, mas falando genericamenteparece que Newton e Leibniz descobriram as ideias bsicas do clculo de forma independente pelo menos, de forma to independente quanto permitia sua cultura matemtica e cientficaem comum.

    A notao de Leibniz difere da de Newton, mas as i