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Universidade de São Paulo
Escola de Comunicações e Artes
Comunicação, o negócio da alma
Módulo III
São Paulo
Setembro/2009
Fernando Carvalho Tabone
Nº USP: 6805440
Comunicação, o negócio da alma
Módulo III
Trabalho apresentado como
requisito parcial para conclusão da
disciplina CCA‐255 ‐ Teoria da
Comunicação, ministrada na
Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo.
Prof. Dr. Vinícius Romanini
São Paulo
Setembro/2009
“para que a comunicação da tua fé seja eficaz, no conhecimento de todo o bem que
em vós há, por Cristo Jesus.”
Filemon 1:6
4
Sumário
1. Introdução ____________________________________________________ 5
2. O processo de influência no discurso________________________________ 6
3. O processo de influência do discurso________________________________ 8
4. Quebrando estereótipos__________________________________________ 10
5. Concluindo____________________________________________________ 11
6. Referências Bibliográficas________________________________________ 13
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1. Introdução
O assunto de estudo da presente reflexão surgiu a partir da leitura de um
trabalho de pesquisa em iniciação científica, da Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo (ECA/USP), intitulado “Religião e Mídia: os vieses
da cobertura jornalística brasileira” (Veras, Sousa, Paiva, Parrini, Kato, 2008). A
pesquisa tinha por objetivo realizar um levantamento minucioso da cobertura
jornalística de temas religiosos em alguns dos principais veículos da imprensa
nacional, como O Globo, O Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo e a revista
Veja.
Algumas conclusões parciais do trabalho apontavam que em muitos casos
a cobertura jornalística da mídia em assuntos religiosos acabava por retratar as
notícias de maneira distinta e parcial de acordo com a religião que estivesse em
questão. O estudo ainda indicava que na maioria dos casos, quando notícias
relacionadas a igrejas protestantes ou evangélicas, os fatos e denuncias eram
relatados predominantemente de maneira pejorativa, denegrindo assim por
diversas formas as igrejas citadas.
Entretanto, o intuito desta reflexão não se retém ao tema de estudo do
trabalho em iniciação científica apresentado, mas objetiva partir do suporte
científico fornecido pela pesquisa e abordar sucintamente sobre a péssima
imagem que o cristianismo, mais precisamente o difundido por igrejas evangélicas,
concretizou nas últimas décadas perante a sociedade, explanando um pouco de
como essa imagem se concretizou e de como ela se transmite.
É também objetivo dessa reflexão relacionar diretamente com os assuntos
abordados parte da bibliografia estudada na disciplina de Teoria da Comunicação
e no curso de Publicidade e Propaganda no foco de compreender melhor o
importante papel da comunicação e de suas ferramentas nas relações sociais,
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destacando que sua relevância como ferramenta pode acontecer e acontece não
só na política e na economia, mas também no âmbito religioso.
2. O processo de influência no discurso
Ainda que partidários de um “catolicismo preguiçoso” somos no Brasil
majoritariamente católicos. Mesmo que os jornalistas não sintam o peso da cultura
dessa religião em sua formação e visão de mundo, ela se impõe,
inadvertidamente, muitas vezes, em algumas sutilezas da edição, pauta ou
reportagens (Veras, 2008, p. 32). Em diversos casos, peculiaridades que a
princípios seriam insignificantes para o entendimento do tema de uma
determinada reportagem se unem em uma espécie de moldura do fato retratado,
podendo configurar-se como um elemento decisório para que o leitor construa
uma imagem positiva ou negativa do que está sendo exposto (idem).
Por exemplo, em uma das reportagens utilizadas como material de estudo
no trabalho de pesquisa em iniciação científica citado, na cobertura do discurso
papal sobre o meio ambiente (Papa mobiliza 5 mil por ecologia, O Globo,
03/09/2007), pode-se perceber que o jornalista autor da matéria usou-se de uma
linguagem carinhosa para descrever Ratzinger, o Papa Bento XVI, ao referir-se a
ele como octogenário (remetendo-nos a uma imagem de “bom velhinho”) e ao
mencionar de suas roupas verdes, de sua popularidade e de seu discurso
cativante: “Em atestado de popularidade invejável para qualquer estadista, o Papa
Bento XVI conseguiu reunir e mobilizar meio milhão de jovens”. Sendo assim,
aproximando Bento XVI da imagem do idoso frágil e amável, e afastando-o de seu
passado, em que foi dirigente do quadro de religiosos encarregados da
Congregação da Doutrina da Fé (o novo nome do antigo tribunal da Santa
Inquisição), e de suas principais qualificações, como a de teólogo conservador.
Além disso, o uso de “meio milhão”, ao invés dos 500 mil, no título, é muito mais
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impactante aos olhos de quem se depara com o texto, exemplificando ainda
melhor o poder que o estilo do texto tem diante do processo cognitivo de seus
leitores (Veras, 2008, p. 33).
A linguagem utilizada em um discurso, e seja esse jornalístico ou não,
acaba por carregar em si implicitamente uma ideologia interprete do papel de
mediadora entre o ser e o mundo. Maria Lurdes Motter faz a seguinte afirmação
sobre o assunto:
“A linguagem diz mais do que aparenta o simples falar presente nas relações
de sujeitos que dela fazem uso para suas trocas cotidianas. Ela é um índice
de classificação social, define instâncias de poder, revela conflitos e
ideologias (Motter, 2002, p. 32).”
Portanto, qualquer que seja o discurso, ele acaba não sendo neutro e
revela em si conflitos e ideologias. Tratando-se ainda de matérias jornalísticas
relacionadas à religião, no contexto brasileiro tradicionalmente católico, as
reportagens de cunho religioso são então consequentemente tendenciosas.
Quando de temática católica, as notícias são relatadas de modo
predominantemente favorável e ainda, quando acusativas, de posse do
eufemismo e pouca incisão. Por outro lado, nos casos referentes a igrejas
evangélicas, há nas reportagens uma venalidade intrínseca aos evangélicos
tratando os quase invariavelmente como facilmente corruptíveis quando o assunto
é dinheiro (Veras, 2008, p. 4). Na maioria dos casos a abordagem acaba
consequentemente por denegrir e prejudicar a imagem das igrejas mencionadas.
Estudando a revista Veja, o pesquisador Rafael Kato fez a seguinte
afirmação:
“A notícia sobre a beatificação de católicos que lutaram ao lado de Franco,
por exemplo, tem um título que já diz tudo, numa reverência: “Ferramenta
da Fé”. Mas para falar sobre os neopentecostais ou a igreja Renascer o tom é
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diferente, pois a chamada, pejorativa, é: “O templo caiu para os Hernandes”.
A intencionalidade não está apenas em títulos, mas no jogo de palavras, na
pauta, na concatenação dos elementos do texto, nas relações entre o texto
verbal e não verbal de cada página. A cobertura de religião não foge à regra
(Veras, 2008, p. 7).”
A reportagem mencionada sobre a Renascer ainda segue com uma série
de deboches e se utilizando de um vocabulário típico de uma seção de economia,
tais como: “arrecadação diminuiu 60%”, “mais de 140 funcionários foram
demitidos” ou “centenas de templos considerados deficitários tiveram as portas
cerradas”. Sonia e Estevam Hernandes são tratados como “a autonomeada bispa
e o auto-intitulado apóstolo”, como se em outras denominações religiosas, a
escolha dos líderes e cardeais se desse por voto democrático universal. Há
também expressões recheadas de sarcasmo, como em: “os púlpitos da igreja
permanecerão desfalcados de suas estrelas até, pelo menos, 2009” (Veras, 2008,
p.7).
A partir do produto oferecido pelo trabalho de iniciação científica e desse
quadro inicial explanado podemos perceber a parcialidade nos discursos
jornalísticos referentes a reportagens que tratam de assuntos relacionados a
religião e seguir então para uma análise de como se dão suas conseqüências e
influências na sociedade em relação a imagem das igrejas evangélicas e de seus
membros.
3. O processo de influência do discurso
Nós conhecemos algo primordialmente como resultado de nossa vivência,
nosso estar no mundo, mas conhecemos também através de vários processos
mediadores, tais como o acesso a informações (França, 2003, p. 43). As
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informações que recebemos sobre um assunto novo nos levam a conhecê-lo e
uma vez se tratando de informações ruins, nossa opinião consequentemente
tende a ser a pior possível também, ainda mais quando se tratam de informações
fornecidas por veículos de expressão e repercussão em massa
Na maior parte das vezes, não vemos primeiro para depois definir, mas
primeiro definimos e depois vemos. Em meio ao caos e a grande disponibilidade
de informações que possuímos, poupamos nosso trabalho de investigação e
colhemos o que nossa cultura já definiu para nós formulando conceitos
estereotipados (Lippmann, 1980, p. 151).
Por meio da relação, discurso ideológico e assimilação das informações
que recebemos, podemos entender que consequentemente há uma indução a
formulação de conceitos estereotipados do cristão evangélico. Isto é, colhem-se
aspectos do real já recortados e confeccionados pela cultura e o processo de
estereotipia se apodera da nossa vida mental, como afirma Ecléa Bosi (Bosi,
1977).
A imagem então que muitas vezes se forma de um cristão evangélico, por
essa relação, é justamente a que é transmitida através do deboche e do sarcasmo
contidos nas abordagens jornalísticas: de um ser enviesado, encarado
normalmente como alguém deslocado das práticas sociais, que é facilmente
enganado e direcionado a enriquecer financeiramente o seu líder espiritual.
Obviamente, a estereotipização não se deve somente ao modo como os
jornais e revistas abordam reportagens relacionadas a religião, mas sim por todo
um conjunto de informações e definições que colhemos de toda uma cultura que é
transmitida. Porém, através do estudo até aqui apresentado, podemos comprovar
que o meio jornalístico contribui para essa associação e principalmente para sua
continuidade, e por obtermos apenas esses dados nessa reflexão, é que ela é
enfatizada e focada mais precisamente na influência do meio jornalístico impresso.
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Marshall Macluhan, em sua teoria, destaca o papel influenciador da palavra
impressa corroborando para importância do meio aqui estudado:
“Mas o poder da palavra impressa em criar o homem social homogeneizado
cresceu de maneira segura até nosso tempo, criando o paradoxo da
“mentalidade de massa” e do militarismo de massa dos exércitos de cidadãos
(Macluhan, 196, p. 123).”
4. Quebrando estereótipos
Um caso interessante, é o da igreja evangélica conhecida como Bola de
Neve Church, que por meio de uma série de ferramentas de comunicação tem
conseguido levar as pessoas ao conhecimento de uma realidade diferente da que
é comumente apresentada à sociedade, principalmente por seu posicionamento
diferenciado ante outras igrejas evangélicas. A igreja apela para uma
comunicação de caráter alternativo, voltada mais para o público jovem, atrelando
continuamente sua imagem à esportes radicais, como surf e skate, e à música,
mais especificamente, à ritmos musicais como rock e reagge.
Procurando sempre transmitir seu posicionamento, uma série de meios são
utilizados na sua comunicação, como programas de rádio, programas de televisão,
website, tiwitter, patrocínios, promoção de shows, de eventos, de congressos e
palestras, entre outros, conjugando um verdadeiro mix da comunicação para
atingir com maior eficácia seus objetivos pretendidos (Brochand, 1999, p. 44).
A comunicação, não ela somente, mas juntamente com outras
características da igreja e como umas das importantes ferramentas de marketing
(Yanaze, 2007, p. 26), tem servido como base para repercutir o posicionamento
diferenciado da igreja Bola de Neve e em conseqüência, quebrar estereótipos
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marcados e contribuir para um crescimento vertiginoso da igreja nos últimos anos,
conquistando a adesão de um público majoritariamente de jovens de classe média
entre 15 e 30 anos de idade (Época, 28/07/2003).
O conhecimento, como dito anteriormente, provém tanto do estar no mundo
quanto do acesso a informações (França, 2003, p. 43), e da mesma forma que o
acesso a informações que denigrem pode prejudicar, o acesso a informações que
beneficiem pode ajudar. As ferramentas de comunicação então, como irradiadoras
de informações, possuem um papel de fundamental importância, e seguindo essa
linha de raciocínio, é possível compreender melhor como a igreja Bola de Neve
conseguiu se opor aos estereótipos que se consolidaram e tem conseguido seguir
uma constante de crescimento conquistando cada vez mais adeptos.
Curiosamente, o público que a igreja Bola de Neve acaba atingindo e que
configura a maior parte de seus membros é justamente um público que faz parte
das gerações mais novas, que é na verdade o mais influenciado pelo que nossa
cultura transmite, ou seja, seriam os primeiros a concordarem com um estereótipo.
Portanto, a igreja Bola de Neve os atraindo, demonstra então a forte influência que
a comunicação e suas ferramentas podem exercer.
5. Concluindo
A comunicação, que inicialmente era estudada por motivações de ordem
política e econômica, visando a expansão da produção industrial e a necessidade
de ampliar a venda dos novos produtos ( França, 2003, p. 54), foi motivada no
sucinto caso apresentado sobre a igreja Bola de Neve por motivos diferentes e
portanto, nos permite considerar a partir desse estudo que a comunicação pode
ser uma ferramenta importante não só para as empresas e grandes corporações,
como também para as igrejas.
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Também, abraçando o papel de comunicólogo e estudando a realidade
humana a partir dos fenômenos comunicacionais, a presente reflexão buscou
entender como que se dão os processos de influencia no discurso jornalístico que
abordam assuntos relacionados a religião e como que esse discurso pode
influenciar causando e permitindo a continuidade de estereótipos na sociedade.
No objetivo de estudar esse interessante tema, de como as igrejas
evangélicas adquiriram uma imagem denegrida e de como se pode quebrar essa
imagem, podemos concluir por fim, a partir do que afirma Luis Carlos Martino, que
fizemos de fato, um estudo teórico da comunicação:
“Assim, se o economista explica através da centralidade dos fenômenos
econômicos (mercado); se o sociólogo o faz através dos fenômenos sociais
(evolução, estrutura, organização social)... o comunicólogo deve explicar a
realidade humana a partir dos fenômenos comunicacionais (Martino, 2007,
p. 28).”
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6. Referências Bibliográficas
BOSI, Ecléa. A opinião e o estereótipo. In. Revista Contexto, nº 2, mar 77, p. 97-
104.
BROCHAND, B; et all. Publicitor, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1999.
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LIPPMANN, Walter. Estereótipos. In SREIMBERG, Ch. (org.) - Meios de
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MACLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação com extensões do homem, São
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São Paulo: Ed. Atlas, 2002.
SEGATTO, Cristiane. Na onda de Cristo. Revista Época, 28 de Julho de 2003.
Disponível em: <http://bnc.zip.net/> Acesso em: 8/12/2009
VERAS, Camila; SOUSA, Dayanne; PAIVA, Gustavo; PARRINI, Luigi; KATO,
Rafael. Quando o Dízimo é Crime Maior que o Genocídio: os scripts religiosos
escritos e descritos pela mídia brasileira, In: Revista Anagrama, 2008. Disponível
em: <http://www.usp.br/anagrama/Veras_Dizimo.pdf> Acesso em 23/09/2009
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YANAZE, Mitsuru H., Gestão de marketing e comunicação: avanços e aplicações.
São Paulo, Saraiva, 2007.