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Curso Tessituras – Formação de Mediadores de Leitura IDENTIDADE E DIFERENÇA NA LITERATURA INFANTIL Rosa Maria Hessel Silveira

Curso tessituras formação de mediadores sem figuras

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Curso Tessituras – Formação de Mediadores de Leitura

IDENTIDADE E DIFERENÇA NA

LITERATURA INFANTIL Rosa Maria Hessel Silveira

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Lançando bases para uma primeira discussão

As diferenças, a alteridade estão na ordem do dia.

Mas... o que se quer dizer quando se fala em

diferença ?

Há um movimento simultaneamente de “unificação”

das diferenças e de multiplicação (visibilização)

das mesmas.

Proliferação atual de textos de gêneros variados

sobre diferença(s)

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Sobre diferenças... (brevemente) O “diferente”, para nós, é o “outro”,

aquele que tem outras características que não são as nossas (ou mesmo se opõem às nossas) – é de outro sexo (ou “gênero”), é de outra etnia, é de outra idade, é de outra religião, é de outra cultura, de outro país, fala outra língua (ou variedade linguística), tem uma configuração corporal que não é a nossa, tem uma “deficiência” etc...

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Sobre diferenças... (brevemente) O “diferente” é aquele que foge ao que uma

sociedade considera a norma, o normal. O “diferente” geralmente é menos valorizado.

Lembremos algumas dicotomias: europeu versus índio/africano/”incivilizado” branco versus negro jovem/adulto versus velho ouvinte versus surdo homem versus mulher magro versus gordo classes médias versus classes populares citadino-urbano versus rural, interiorano

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Teorias da diferença... .... questionam a superioridade de um lado da

equação em relação ao outro, desnaturalizando certas verdades que a justificariam (a “natureza”, a eficiência, a perfeição, a “ordem pública”, a “justiça”, a “moral”, a “meritocracia”, a “segurança”, a “manutenção do nosso senso estético”, a “ciência”, a “necessidade de se situar bem nos rankings”... (slogans simbólicos de muita força e pouca profundidade...)

... apontam não para a simples tolerância, ou para a piedade, mas para um “saber viver com o outro”, para o reconhecimento da riqueza das diferenças, para a descentração, para a “hospitalidade”.

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Exemplo: uma “diferença” que foi ressignificada nas últimas décadas: o gênero Conceito que assinala o “caráter

fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo” e, portanto, a variabilidade e contingência das representações de feminino e masculino

Questionamento da “naturalização” de características femininas e masculinas, de suas tarefas e restrições sociais

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Outras diferenças que são questionadas (exemplos) A etnia – superioridade de raças? Existem

etnias e raças ? A surdez – uma deficiência física ou uma

forma cultural específica (LIBRAS)? A homossexualidade – um desvio e

aberração ou uma orientação sexual específica ?

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Um pouco sobre literatura infantil

Surgimento histórico comprometido com uma idéia de infância e um ideal escolar

Persistente tensão entre uma maioridade artística (literariedade) e uma vocação pedagógica – a busca de “um livro para trabalhar X”

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Um pouco sobre literatura infantil Tendências atuais – o discurso da “crise da

leitura”, a culpabilização da escola tradicional, a ênfase no desenvolvimento do “gosto pela leitura” e numa “renovação da literatura infantil”

Grande ênfase atual ao contato precoce com livros, à ligação entre leitura (ou simples manuseio de livros ou audição de leituras) e prazer e à negação de um caráter escolarizante estrito ao livro

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Toda a literatura infantil “ensina” ?

Em que sentido ? Teresa Colomer relembra o deslocamento da função

declaradamente educativa dos livros infantis para as funções de “entretenimento e ócio” (séc. XX). Isso, entretanto, não apaga a função produtora de representações e subjetividades dos livros escritos para crianças.

Toda a literatura abrange representações variadas e, como artefato cultural, também veicula uma “pedagogia cultural” (mesmo que não intencional)

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A literatura infantil – mais algumas reflexões

Uma das perguntas principais é:- qual o lugar e a função que vêm sendo

reservados para a literatura infantil ?

A resposta do mercado livreiro parece muito condicionada às expectativas do professorado:“a literatura é um ótimo recurso para... ensinar X, Y e Z...”

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Literatura infantil e mercado

Tal resposta tem produzido uma avalanche de publicações diretamente interessadas em “serem úteis para a professora ensinar X...”, desconsiderando-se...

... o inusual, o criativo, o lúdico, o imaginativo...

e acentuando-se...

... a lição...

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Questões que se colocam Como essa literatura tem tratado e retratado a questão das diferenças em

relação a uma norma? Como essa literatura tem refratado, replicado, desviado ou camuflado a questão das diferenças em relação a uma norma?

Como tem “ensinado” – deliberada ou implicitamente – a nossas crianças sobre o tema?

Tem se valido de ficções de caráter realista, retratando personagens com diferenças que implicam discriminações “reais” (negros, cegos, ciganos, deficientes, homossexuais...) ?

Tem lançado mão do fantástico, do maravilhoso, do metafórico para simbolizar as diferenças ?

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Algumas análises feitas no projeto “Narrativas, diferenças e infância

contemporânea”(PPGEducação – Ulbra)

Análises mais gerais apontam tendências dos livros que têm sido produzidos (cerca de 400 títulos)

Análises mais específicas já foram feitas sobre a questão da etnia, dos velhos, dos deficientes (cadeirantes e cegos), das personagens gordas, do papel da professora e professor nas histórias, sobre as ilustrações e sobre os paratextos.

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Tipos de abordagem das diferenças(classificação simplificada) 1o tipo de livros: A diferença ou a diversidade ou a

igualdade... são o mote central de livros,

que, basicamente, não contêm uma narrativa inteira de personagens, mas uma descrição ou uma “lição de vida” ou um texto explicativo com recomendações...

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Tipos de abordagem das diferenças 2o tipo de livros: Contém uma narrativa, uma história, que

envolve personagens que figurativizam/simbolizam a diferença: animais (principalmente), flores, objetos, etc.

Lança-se mão do fantástico, do maravilhoso, do metafórico para simbolizar as diferenças, como se fossem parábolas, fábulas contemporâneas.

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Tipos de abordagem das diferenças 3o tipo de livros: Narrativas que trazem personagens com

diferenças próximas à “realidade”, que implicam discriminações “reais” (mulheres, negros, gordos, surdos, cadeirantes, cegos...).

Entre esses livros, alguns são marcadamente pedagógicos, até “conteudistas”.

VEJAMOS EXEMPLOS DE CADA TIPO

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Exemplos de livros do 3o tipo(histórias de personagens humanos) Observações: algumas diferenças são mais focalizadas do

que outras no mercado editorial; algumas diferenças são focalizadas sob um

viés extremamente pedagogizante – os livros contêm ensinamentos e recomendações e não histórias lúdicas ou criativas

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Outros parâmetros a serem questionados

A literariedade:ainda que tal conceito tenha uma historicidade e sofra deslizamentos, ele pode ser situado no campo da polissemia, do inusitado, da ambiguidade, da ludicidade, do inesperado...Explicar demais não é literário, não é desafiador, não é múltiplo... Dar todas as respostas – explicar para as crianças a “mensagem”, para não deixar dúvidas... – isso é pura pedagogia

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Alguns “problemas” ou pontos a serem observados (esboço de roteiro para

análise) Pesquisas têm mostrado a importância da forma

como o personagem “diferente” é mostrado: - às vezes, como vítima, inspirando sentimentos de

piedade, - às vezes, com um viés compensatório (o que lhe

falta num aspecto é compensado por um excesso no outro)

- às vezes, preso em estereótipos – no texto verbal e/ou no texto imagético

- “narrado pelos outros” – ex.: o índio narrado pelos brancos... Os diferentes nunca têm voz para se narrarem

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Alguns “problemas” ou pontos a serem observados As ações do enredo são importantes para a

abordagem da diferença, para a manutenção da verossimilhança e também para a literariedade...

A “diferença” é o principal nó narrativo ou o personagem “diferente” se envolve numa trama cujo problema é outro ? Então, a diferença do personagem “desaparece’...

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O personagem diferente...

Sob a inspiração da autora Lygia Assumpção Amaral, podemos analisar a forma como o personagem “diferente” é mostrado:

- às vezes, como vítima, inspirando sentimentos de piedade;

- frequentemente, com um viés compensatório (o que lhe falta num aspecto é compensado por um excesso no outro) [o diferente não pode ser apenas “outro” – deve se redimir da falha...]

- às vezes, preso em estereótipos – no texto verbal e/ou no texto imagético (vovó que faz bolos, cego musical, o gordinho bonachão...)

- às vezes, envolto numa atmosfera de excessiva pacificação da diferença

- quase sempre “narrado pelos outros” – ex.: o índio narrado pelos brancos... Os diferentes nunca têm voz para se narrarem

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Alguns “problemas” ou pontos a serem observados Quando a “diferença” consiste no principal nó

narrativo... qual é o desfecho para este personagem com uma

diferença “real”? - elimina-se a diferença, normalizando-se o

diferente ? - há uma ênfase no amor dos outros ? - há uma aceitação da diferença pelos outros ou

pelo próprio personagem ? - há uma inserção do “diferente” no seu grupo de

iguais ? - Existe outro desfecho ?

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O QUE ALGUMAS ANÁLISES FEITAS TÊM MOSTRADO?

Um didatismo explícito e exacerbado – incluindo paratextos

A utilização de estereótipos A “lição” como a principal preocupação A autoria de especialistas em determinadas

diferenças (médicos, psicopedagogos, militantes de movimentos...)

Uma visão anacrônica de criança e de literatura Um grande enfoque no consumo fácil(reprodução de

imagens que se aproximam das imagens da indústria cultural, p.ex., e de um decorativismo padronizado)

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Como opera a pedagogia cultural da literatura infantil ? Através do prazer, do encantamento e, de

forma muito importante, dos personagens Para Colomer (2003, p.201), os

personagens devem ser vistos como “suporte fundamental dos valores propostos e da interpretação da obra”, com uma importância tanto maior quanto trazem ou uma “proposta de identificação através de protagonistas infantis” ou a proposição de “modelos adultos”.

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Questões que ficam...

Será o tratamento simbólico, metafórico, alegórico o mais fecundo para abordar literariamente tais questões, abrindo às crianças leitores-ouvintes diferentes possibilidades de entendimento e conexões com suas vivências ?

A projeção em animais, objetos, etc... facilita às crianças “trabalhar” com a diferença ?

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Ou, para crianças maiores, que se defrontam de forma mais direta com preconceitos e discriminação, a focalização realista permite uma negociação e uma identificação mais poderosas ?

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Por que, com tanta freqüência, se delega ao discurso científico - mesmo em obras que se intitulam literárias - o poder de dizer e explicar longamente a verdade, no intuito de “resolver” as questões do âmbito social e cultural dos grupos, incluindo as “diferenças”?

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Algumas diferenças não são “risíveis” ?

Nos livros de literatura infantil sobre os diferentes (estudo feito com 20 obras...)

ri-se pouco dos velhos... ri-se pouco dos deficientes... .... Mesmo que eles sejam objeto de repúdio,

afastamento, estranheza, repulsa... Tais escolhas estariam relacionadas à coexistência

da piedade e compaixão ?