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C M Y K C M Y K Saber viver Editora: Ana Paula Macedo [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 28 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, terça-feira, 29 de setembro de 2009 Especialização Hebiatria é uma área da medicina ligada à pediatria e especializada na adolescência. O nome vem de Hebe, deusa grega da juventude. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a adolescência é faixa compreendida entre os 10 e 20 anos de idade, que marca a transição da infância para a fase adulta. O fim da adolescência é um período bastante complexo, tanto para os jovens, que se veem diante de no- vos desafios e responsabilidades, quanto para os pais, que têm dificuldades para julgar o momento certo de incentivar ou limitar a independência dos filhos. No entanto, especialistas garantem que, com diálogo e bom senso, é possível transformar essa fase, muitas vezes traumática, em um período rico de aprendizado e crescimento pessoal. Para o hebiatra Maurício de Souza Li- ma, secretário do Departamento de Ado- lescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo, o primeiro passo na busca pela in- dependência é se mostrar maduro e res- ponsável. “Se um jovem quer ser tratado como adulto, ele precisa demonstrar que tem maturidade. Não dá para agir de ma- neira irresponsável e depois querer rece- ber uma tratamento diferente”, conta o médico, autor do livro Filhos crescidos, pais enlouquecidos (Landscape). Lima explica que os pais devem dar opor- tunidades para que os filhos mostrem que cresceram e, a partir daí, avaliar se eles têm condições de viver sozinhos ou começar a chegar em casa mais tarde, por exemplo. “Se você marca um horário para o adolescente estar em casa e ele o desrespeita, é difícil imaginar que ele esteja preparado para si- tuações mais complexas, como viajar desa- companhado”, cita. O estudante Albert Domingo Carneiro, 21 anos, vive hoje o desafio de andar com os próprios pés. Ele passou um semestre per- correndo o caminho entre a casa da família, em Luziânia (GO), e a Universidade de Bra- sília (UnB), onde estuda. “Era muito cansati- vo e caro, eu tinha de acordar de madrugada e só voltava para casa à noite. Foi aí que eu decidi procurar uma maneira de morar mais próximo da universidade”, conta o aluno de artes cênicas. Para se adaptar à vida na Casa do Estu- dante Universitário, na própria UnB, Albert teve de aprender a viver sem o apoio direto e constante da família. “Você não tem mais a mãe passando a mão na sua cabeça, te dan- do apoio o tempo todo. Os amigos ajudam muito, mas nunca é a mesma coisa”, explica. Para ele, quando os problemas começam a aparecer, é preciso determinação. “Nessas horas, a gente tem de botar na cabeça o que quer e ter persistência. Acho que é muito pi- or ceder e desistir da independência.” Para a psicóloga da Associação Brasilei- ra da Adolescência, Fabiana Luckemeyer, os pais devem assumir o papel de orienta- dores nesse processo de amadurecimento. “Em vez de ficar dando muitos palpites, os Em busca de independência A chegada da idade adulta traz em muitos jovens a vontade de morar sozinhos. Diálogo com os pais é fundamental para que o filho tome a decisão correta e se torne uma pessoa responsável Albert saiu da casa dos pais, em Luziânia, para estudar na UnB: “Você não tem mais a mãe passando a mão na sua cabeça, te dando apoio o tempo todo” www.correiobraziliense.com.br Veja algumas dicas para quem está começando a morar sozinho da casa dos pais para estudar em Jaú (SP). As experiências vividas pelo jovem foram parar em uma comunidade virtual. “Eu não divul- guei para ninguém, eu só postava lá o que ia acontecendo, era uma espécie de diário vir- tual”, conta Vinícius. A comunidade fez tan- to sucesso que, quando ele deixou de atuali- zá-la, recebeu diversos e-mails de pessoas que acompanhavam o seu dia a dia. Foi então que Vinícius criou um site com dicas úteis para quem vai morar sozinho. No endereço www.morandosozinho.net, é pos- sível encontrar de tudo um pouco: receitas fáceis e rápidas, dicas de como acordar ce- do, limpeza doméstica e finanças pessoais. “Quando eu saí de casa, tive de me virar para aprender uma série de coisas, e acho que o site pode ser útil para que outras pessoas não tenham os mesmos problemas que eu”, conta o rapaz. Economia O fim da adolescência, porém, não signi- fica que a pessoa deva sair da casa dos pais apenas para provar que já é adulta. Conti- nuar morando com a família pode ter suas vantagens. Jovens que trabalham e vivem com os pais podem juntar dinheiro ou in- vestir em viagens ou cursos de qualificação profissional. Foi essa a opção da estudante de publici- dade Sharmaine Caixeta, 21 anos. Como não precisa se preocupar com o aluguel ou as compras de supermercado, ela decidiu eco- nomizar para realizar um de seus maiores desejos: viajar para o exterior. Durante dois anos, trabalhou como digitadora para finan- ciar os 10 dias em Buenos Aires com amigos. “Normalmente, meus pais não me deixa- riam viajar assim, mas como eu guardei to- do o dinheiro e planejei tudo sozinha, eles perceberam que eu estava preparada para ir”, conta a jovem. Depois da viagem, Sharmaine percebeu que pode ir mais longe. Agora, se prepara para viajar a Londres, desta vez sem data pa- ra voltar. “Meu pai vai me ajudar com as pas- sagens, mas quando eu chegar lá é por mi- nha conta.” Se depender de determinação, a viagem da jovem tem tudo para dar certo. “Eu estou indo para aprender, então estou disposta a ralar muito”, completa. pais devem mostrar que todas as atitudes trazem consequências. O erro também é importante para o amadurecimento. Mui- tas vezes, é melhor fazer errado e arcar com as consequências. Há momentos em que tomar atitudes erradas ajuda o jovem a crescer”, completa. Ela aponta o diálogo como o principal ca- minho para o entendimento. “É difícil falar sobre drogas ou sexualidade com seu filho se você nem sequer consegue conversar so- bre a música favorita dele. O diálogo é fruto de uma boa relação, que deve ser cultivada desde sempre.” Fabiana lembra também que os pais precisam assumir seus papéis. “O pai não é o melhor amigo. Ele pode ser um pai-amigo, mas não pode abrir mão de sua autoridade”, completa. Temporada Uma boa saída para os jovens que procu- ram amadurecimento, mas não querem sair definitivamente de casa, são as viagens para trabalhar. Conhecidas como work experien- ce, esses programas são a oportunidade de viajar para o exterior, morar sozinho e ter um emprego por três a quatro meses. A dis- tância da família acaba incentivando a inde- pendência, pois, em outro país, dificilmente os pais podem proteger ou ajudar. Foi essa a opção do estudante de ciência política Natanael Lopes, 22 anos. No ano passado, ele passou uma temporada de qua- tro meses nos Estados Unidos. Lá, fez de tu- do um pouco. Foi caixa de lanchonete, sal- va-vidas em parque aquático e faxineiro. “Fui com muita disposição. Houve semanas em que eu cheguei a trabalhar 100 horas. Foi uma boa oportunidade para crescer, melho- rar o inglês e, é claro, juntar dinheiro”, conta. Mais do que a língua estrangeira, Nata- nael viu no programa uma possibilidade de adquirir maturidade e experiência de vida. “Acho que cresci muito como pessoa. Tinha de me preocupar com as compras de super- mercado, com o aluguel, com a roupa limpa. Nessas horas, a gente aprende a valorizar es- ses detalhes”, conta o jovem. “Hoje, vejo de maneira diferente quem me atende na lan- chonete ou limpa os lugares que frequento. Estive no lugar deles e vi como é um traba- lho difícil”, completa. A experiência contou pontos quando o estudante voltou ao Brasil. No processo sele- tivo para uma vaga na Organização Interna- cional do Trabalho (OIT), órgão ligado às Nações Unidas, a viagem influenciou na es- colha de Natanael para a vaga. “Era um pro- cesso concorrido, minha experiência pesou na decisão final. Viram que eu era persisten- te e tinha disposição, características que eles estavam procurando”, explica o rapaz. Para o analista de sistemas Vinícius de Oliveira, a aventura de viver longe da família começou cedo. Aos 19 anos, ele precisou sair Rafael Ohana/CB/D. A Press Elio Rizzo/Esp.CB/D.A Press O período de quatro meses trabalhando nos Estados Unidos ajudou Natanael a amadurecer

Em busca de Independência

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Saber viver EEddiittoorraa:: Ana Paula Macedo [email protected]

3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

28 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, terça-feira, 29 de setembro de 2009

EspecializaçãoHebiatria é uma áreada medicina ligada à

pediatria eespecializada na

adolescência. O nomevem de Hebe, deusagrega da juventude.

Segundo a OrganizaçãoMundial de Saúde

(OMS), a adolescência éfaixa compreendida

entre os 10 e 20 anos deidade, que marca a

transição da infânciapara a fase adulta.

O fim da adolescência é um períodobastante complexo, tanto para osjovens, que se veem diante de no-vos desafios e responsabilidades,

quanto para os pais, que têm dificuldadespara julgar o momento certo de incentivarou limitar a independência dos filhos. Noentanto, especialistas garantem que, comdiálogo e bom senso, é possível transformaressa fase, muitas vezes traumática, em umperíodo rico de aprendizado e crescimentopessoal.

Para o hebiatra Maurício de Souza Li-ma, secretário do Departamento de Ado-lescência da Sociedade de Pediatria de SãoPaulo, o primeiro passo na busca pela in-dependência é se mostrar maduro e res-ponsável. “Se um jovem quer ser tratadocomo adulto, ele precisa demonstrar quetem maturidade. Não dá para agir de ma-neira irresponsável e depois querer rece-ber uma tratamento diferente”, conta omédico, autor do livro Filhos crescidos, paisenlouquecidos (Landscape).

Lima explica que os pais devem dar opor-tunidades para que os filhos mostrem quecresceram e, a partir daí, avaliar se eles têmcondições de viver sozinhos ou começar achegar em casa mais tarde, por exemplo. “Sevocê marca um horário para o adolescenteestar em casa e ele o desrespeita, é difícilimaginar que ele esteja preparado para si-tuações mais complexas, como viajar desa-companhado”, cita.

O estudante Albert Domingo Carneiro, 21anos, vive hoje o desafio de andar com ospróprios pés. Ele passou um semestre per-correndo o caminho entre a casa da família,em Luziânia (GO), e a Universidade de Bra-sília (UnB), onde estuda. “Era muito cansati-vo e caro, eu tinha de acordar de madrugadae só voltava para casa à noite. Foi aí que eudecidi procurar uma maneira de morar maispróximo da universidade”, conta o aluno deartes cênicas.

Para se adaptar à vida na Casa do Estu-dante Universitário, na própria UnB, Albertteve de aprender a viver sem o apoio direto econstante da família. “Você não tem mais amãe passando a mão na sua cabeça, te dan-do apoio o tempo todo. Os amigos ajudammuito, mas nunca é a mesma coisa”, explica.Para ele, quando os problemas começam aaparecer, é preciso determinação. “Nessashoras, a gente tem de botar na cabeça o quequer e ter persistência. Acho que é muito pi-or ceder e desistir da independência.”

Para a psicóloga da Associação Brasilei-ra da Adolescência, Fabiana Luckemeyer,os pais devem assumir o papel de orienta-dores nesse processo de amadurecimento.“Em vez de ficar dando muitos palpites, os

Em busca deindependência

A chegada daidade adulta

traz em muitosjovens a

vontade demorar

sozinhos.Diálogo com os

pais éfundamental

para que o filhotome a decisão

correta e setorne uma

pessoaresponsável

Albert saiu da casados pais, emLuziânia, paraestudar na UnB:“Você não tem maisa mãe passando amão na sua cabeça,te dando apoio otempo todo”

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Veja algumas dicas para quem está começando a morar sozinho

da casa dos pais para estudar em Jaú (SP). Asexperiências vividas pelo jovem foram pararem uma comunidade virtual. “Eu não divul-guei para ninguém, eu só postava lá o que iaacontecendo, era uma espécie de diário vir-tual”, conta Vinícius. A comunidade fez tan-to sucesso que, quando ele deixou de atuali-zá-la, recebeu diversos e-mails de pessoasque acompanhavam o seu dia a dia.

Foi então que Vinícius criou um site comdicas úteis para quem vai morar sozinho. Noendereço www.morandosozinho.net, é pos-sível encontrar de tudo um pouco: receitasfáceis e rápidas, dicas de como acordar ce-do, limpeza doméstica e finanças pessoais.“Quando eu saí de casa, tive de me virar paraaprender uma série de coisas, e acho que osite pode ser útil para que outras pessoasnão tenham os mesmos problemas que eu”,conta o rapaz.

EconomiaO fim da adolescência, porém, não signi-

fica que a pessoa deva sair da casa dos paisapenas para provar que já é adulta. Conti-nuar morando com a família pode ter suasvantagens. Jovens que trabalham e vivemcom os pais podem juntar dinheiro ou in-vestir em viagens ou cursos de qualificaçãoprofissional.

Foi essa a opção da estudante de publici-dade Sharmaine Caixeta, 21 anos. Como nãoprecisa se preocupar com o aluguel ou ascompras de supermercado, ela decidiu eco-nomizar para realizar um de seus maioresdesejos: viajar para o exterior. Durante doisanos, trabalhou como digitadora para finan-ciar os 10 dias em Buenos Aires com amigos.“Normalmente, meus pais não me deixa-riam viajar assim, mas como eu guardei to-do o dinheiro e planejei tudo sozinha, elesperceberam que eu estava preparada parair”, conta a jovem.

Depois da viagem, Sharmaine percebeuque pode ir mais longe. Agora, se preparapara viajar a Londres, desta vez sem data pa-ra voltar. “Meu pai vai me ajudar com as pas-sagens, mas quando eu chegar lá é por mi-nha conta.” Se depender de determinação, aviagem da jovem tem tudo para dar certo.“Eu estou indo para aprender, então estoudisposta a ralar muito”, completa.

pais devem mostrar que todas as atitudestrazem consequências. O erro também éimportante para o amadurecimento. Mui-tas vezes, é melhor fazer errado e arcarcom as consequências. Há momentos emque tomar atitudes erradas ajuda o jovem acrescer”, completa.

Ela aponta o diálogo como o principal ca-minho para o entendimento. “É difícil falarsobre drogas ou sexualidade com seu filhose você nem sequer consegue conversar so-bre a música favorita dele. O diálogo é frutode uma boa relação, que deve ser cultivadadesde sempre.” Fabiana lembra tambémque os pais precisam assumir seus papéis.“O pai não é o melhor amigo. Ele pode serum pai-amigo, mas não pode abrir mão desua autoridade”, completa.

TemporadaUma boa saída para os jovens que procu-

ram amadurecimento, mas não querem sairdefinitivamente de casa, são as viagens paratrabalhar. Conhecidas como work experien-ce, esses programas são a oportunidade deviajar para o exterior, morar sozinho e terum emprego por três a quatro meses. A dis-tância da família acaba incentivando a inde-pendência, pois, em outro país, dificilmenteos pais podem proteger ou ajudar.

Foi essa a opção do estudante de ciênciapolítica Natanael Lopes, 22 anos. No ano

passado, ele passou uma temporada de qua-tro meses nos Estados Unidos. Lá, fez de tu-do um pouco. Foi caixa de lanchonete, sal-va-vidas em parque aquático e faxineiro.“Fui com muita disposição. Houve semanasem que eu cheguei a trabalhar 100 horas. Foiuma boa oportunidade para crescer, melho-rar o inglês e, é claro, juntar dinheiro”, conta.

Mais do que a língua estrangeira, Nata-nael viu no programa uma possibilidade deadquirir maturidade e experiência de vida.“Acho que cresci muito como pessoa. Tinhade me preocupar com as compras de super-mercado, com o aluguel, com a roupa limpa.Nessas horas, a gente aprende a valorizar es-ses detalhes”, conta o jovem. “Hoje, vejo demaneira diferente quem me atende na lan-chonete ou limpa os lugares que frequento.Estive no lugar deles e vi como é um traba-lho difícil”, completa.

A experiência contou pontos quando oestudante voltou ao Brasil. No processo sele-tivo para uma vaga na Organização Interna-cional do Trabalho (OIT), órgão ligado àsNações Unidas, a viagem influenciou na es-colha de Natanael para a vaga. “Era um pro-cesso concorrido, minha experiência pesouna decisão final. Viram que eu era persisten-te e tinha disposição, características que elesestavam procurando”, explica o rapaz.

Para o analista de sistemas Vinícius deOliveira, a aventura de viver longe da famíliacomeçou cedo. Aos 19 anos, ele precisou sair

Rafael Ohana/CB/D. A Press

Elio Rizzo/Esp.CB/D.A Press

O período de quatro meses trabalhando nos Estados Unidos ajudou Natanael a amadurecer