6
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 23, MAIO 2006 43 Recebido em 12/4/04, aceito em 7/12/05 V isto nos primórdios da huma- nidade como uma manifesta- ção dos deuses, o fogo e as chamas vêm sendo utilizados pelo homem em seu benefício desde que este aprendeu a dominá-lo, primeiro para iluminação, aquecimento e para espantar animais, depois para cozi- nhar alimentos. Há muito tempo o fogo também está associado às armas e à destrui- ção. Atribui-se a certo Calínico de Heliópolis a invenção, em cerca de 675 d.C., do “fogo grego”, um líquido inflamável que, lançado de navios, destruía a armada inimiga. Supõe-se hoje que de sua composição partici- passem salitre, enxofre fundido, óleos minerais e vegetais. Diversas e interessantes são as teorias que consideravam o fogo co- mo elemento primitivo na constituição da natureza. Esses assuntos não se- rão abordados aqui, mas ao leitor su- gere-se a busca de literatura especia- lizada no assunto, algumas delas sugeridas ao final deste trabalho. Par- ticularmente neste trabalho, serão abordados assuntos voltados à com- posição e uso de chamas, especi- ficamente aos testes de chama. Os primeiros trabalhos descritivos Augusto César Gracetto, Noboru Hioka e Ourides Santin Filho As chamas são classificadas em chamas de difusão e de pré-mistura. Nas primeiras, a mistura combustível/oxigênio é feita na própria chama, por difusão dos gases, enquanto que na segunda ocorre a mistura dos dois gases antes da zona de combustão. As duas chamas apresentam diferenças de temperatura, cor e estabilidade. Neste artigo mostra-se como se obter chamas dos dois tipos e como avaliar qualitativamente os produtos obtidos, em função da relação combustível/ oxigênio na chama. Além disso, apresenta-se uma proposta simples para se obter chamas de duração prolongada, de execução fácil e barata, muito úteis para se realizar testes de chamas em cátions. combustão, estrutura de chamas, testes de chama para cátions de que se tem notícia sobre o fogo são devidos ao naturalista inglês Francis Bacon. Em 1620, ele obser- vou que a chama de uma vela tem uma estrutura definida. Robert Fludd (ca. 1630) descreveu um experimento de combustão em recipiente fechado, constatando que o ar participava des- se processo. Em 1650, Otto Von Gue- ricke demonstrou que uma vela não se queima se confinada em um reci- piente sem ar (sabe-se hoje que, mesmo na presença de ar, é neces- sária uma quantidade mínima de oxigênio para que a chama subsista – vide Braathen, 2000). Robert Hooke sugeriu, em 1665, que o ar seria componente essencial na combustão, o qual, sob aqueci- mento, combinava- se com substâncias combustíveis, dando origem à chama. Outras idéias atri- buíam a alta tempe- ratura da chama à presença de partículas de ar exe- cutando movimentos extremamente rápidos. É curioso notar o quanto essas idéias já estavam próximas do que se conhece hoje sobre combus- tão e comportamento dos gases. Estudos sobre a combustão tam- bém foram conduzidos por Sir Hum- phry Davy. Em 1815, Davy descobriu que uma chama não atravessava uma tela de metal de malha estreita. No caso, a chama queima de um dos la- dos da tela sem inflamar os gases que passam para o outro lado. Isto ocorre porque a tela dissipa calor de modo rápido o suficiente para que a temperatura dos gases que a atraves- sam fique abaixo de seu ponto de ignição. Essa descoberta propiciou o desenvolvimento de lâmpadas de se- gurança, usadas pelos trabalhadores das minas de carvão. Tais lâmpadas eram conhecidas como “lâmpadas de Davy” e consis- tiam em artefatos contendo pequenos queimadores cober- tos com uma capa de tela metálica. As lâmpadas de Davy foram muito utiliza- das pelos mineiros como equipamento de segurança e iluminação até serem substituídas pelas lâmpadas elétricas pelos idos de 1930. Antes da invenção da lâmpada Combustão, chamas e teste de chama para cátions Por volta de 1630, Fludd constatou que o ar participava do processo de combustão e, em 1650, Von Guericke demonstrou que uma vela não queimava na ausência de ar

Teste chama espectroscopia

Embed Size (px)

DESCRIPTION

teste da chama, espectroscopia quimica.

Citation preview

Page 1: Teste chama espectroscopia

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 23, MAIO 2006

43

��

Recebido em 12/4/04, aceito em 7/12/05

Visto nos primórdios da huma-nidade como uma manifesta-ção dos deuses, o fogo e as

chamas vêm sendo utilizados pelohomem em seu benefício desde queeste aprendeu a dominá-lo, primeiropara iluminação, aquecimento e paraespantar animais, depois para cozi-nhar alimentos.

Há muito tempo o fogo tambémestá associado às armas e à destrui-ção. Atribui-se a certo Calínico deHeliópolis a invenção, em cerca de675 d.C., do “fogo grego”, um líquidoinflamável que, lançado de navios,destruía a armada inimiga. Supõe-sehoje que de sua composição partici-passem salitre, enxofre fundido, óleosminerais e vegetais.

Diversas e interessantes são asteorias que consideravam o fogo co-mo elemento primitivo na constituiçãoda natureza. Esses assuntos não se-rão abordados aqui, mas ao leitor su-gere-se a busca de literatura especia-lizada no assunto, algumas delassugeridas ao final deste trabalho. Par-ticularmente neste trabalho, serãoabordados assuntos voltados à com-posição e uso de chamas, especi-ficamente aos testes de chama.

Os primeiros trabalhos descritivos

Augusto César Gracetto, Noboru Hioka e Ourides Santin Filho

As chamas são classificadas em chamas de difusão e de pré-mistura. Nas primeiras, a mistura combustível/oxigênio éfeita na própria chama, por difusão dos gases, enquanto que na segunda ocorre a mistura dos dois gases antes da zona decombustão. As duas chamas apresentam diferenças de temperatura, cor e estabilidade. Neste artigo mostra-se como seobter chamas dos dois tipos e como avaliar qualitativamente os produtos obtidos, em função da relação combustível/oxigênio na chama. Além disso, apresenta-se uma proposta simples para se obter chamas de duração prolongada, deexecução fácil e barata, muito úteis para se realizar testes de chamas em cátions.

combustão, estrutura de chamas, testes de chama para cátions

de que se tem notícia sobre o fogosão devidos ao naturalista inglêsFrancis Bacon. Em 1620, ele obser-vou que a chama de uma vela temuma estrutura definida. Robert Fludd(ca. 1630) descreveu um experimentode combustão em recipiente fechado,constatando que o ar participava des-se processo. Em 1650, Otto Von Gue-ricke demonstrou que uma vela nãose queima se confinada em um reci-piente sem ar (sabe-se hoje que,mesmo na presença de ar, é neces-sária uma quantidade mínima deoxigênio para que a chama subsista– vide Braathen, 2000).

Robert Hooke sugeriu, em 1665,que o ar seria componente essencialna combustão, oqual, sob aqueci-mento, combinava-se com substânciascombustíveis, dandoorigem à chama.Outras idéias atri-buíam a alta tempe-ratura da chama àpresença de partículas de ar exe-cutando movimentos extremamenterápidos. É curioso notar o quantoessas idéias já estavam próximas doque se conhece hoje sobre combus-

tão e comportamento dos gases.Estudos sobre a combustão tam-

bém foram conduzidos por Sir Hum-phry Davy. Em 1815, Davy descobriuque uma chama não atravessava umatela de metal de malha estreita. Nocaso, a chama queima de um dos la-dos da tela sem inflamar os gasesque passam para o outro lado. Istoocorre porque a tela dissipa calor demodo rápido o suficiente para que atemperatura dos gases que a atraves-sam fique abaixo de seu ponto deignição. Essa descoberta propiciou odesenvolvimento de lâmpadas de se-gurança, usadas pelos trabalhadoresdas minas de carvão. Tais lâmpadaseram conhecidas como “lâmpadas

de Davy” e consis-tiam em artefatoscontendo pequenosqueimadores cober-tos com uma capade tela metálica. Aslâmpadas de Davyforam muito utiliza-das pelos mineiros

como equipamento de segurança eiluminação até serem substituídaspelas lâmpadas elétricas pelos idosde 1930.

Antes da invenção da lâmpada

Combustão, chamas e teste de chama para cátions

Por volta de 1630, Fluddconstatou que o ar

participava do processo decombustão e, em 1650,

Von Guericke demonstrouque uma vela não queimava

na ausência de ar

Page 2: Teste chama espectroscopia

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 23, MAIO 2006

44

elétrica, as chamas produzidas pelaqueima de matéria orgânica na pre-sença de ar eram o único meio de ilu-minação artificial conhecido. Apesardas características de alta lumino-sidade, essas chamas têm elevadaprodução de fuligem. Esse inconve-niente, além da relativamente baixatemperatura de combustão, tornavaseu uso quase impraticável nos labo-ratórios. Robert Bunsen (1811-1899)resolveu esse problema desenvolven-do um queimador em que a misturagás-ar é feita antes da queima, numacâmara interna. A nova chama, pro-duzida pela queima da mistura com-bustível e comburente (O2 contido noar), mostrou ser muito mais quente,livre de fuligem e dotada de leve colo-ração, que depende da proporçãogás-ar da mistura. A invenção do bicode Bunsen trouxe consideráveldesenvolvimento da espectroscopiade chama.

Estrutura e composição das chamasAs chamas têm estrutura e com-

posição bastante complexas. A emis-são de luz nestas resulta da presençanão só de átomos e íons excitados,mas também de fragmentos de molé-culas e partículas sólidas incandes-centes.

O processo de combustão envol-ve, com raras exceções, muitas eta-pas e depende de fatores tais comocomposição do com-bustível, fração rela-tiva deste e do oxi-gênio, temperatura epressão.

A combustão decompostos orgâni-cos (por exemplo,hidrocarbonetos e ál-coois) é conhecida apenas em seusaspectos mais gerais. Os mecanis-mos que envolvem a combustãodestes compostos são complexosem função da diversidade de molé-culas, radicais e fragmentos molecu-lares que tomam parte no processo.Diversos produtos podem ser gera-dos, em função da composição docombustível e sua concentração rela-tiva ao oxigênio. Em geral o excessode oxigênio conduz à combustãocompleta, gerando gás carbônico e

água, com chama normalmente azu-lada. A diminuição na quantidaderelativa de oxigênio conduz à oxida-ção parcial da matéria orgânica, po-dendo-se gerar, por exemplo, monó-xido de carbono e água. No casoextremo, formam-se partículas de car-bono (negro de fumo) incandescen-tes e em parte responsáveis pela coramarelada das chamas fuliginosas.

Para entender melhor o que foi ex-posto acima, consideremos a combus-tão de um álcool alifático (fórmula geralCnH2n+1OH) na presença de quan-tidades relativas cada vez menores deoxigênio, conforme as equações:

CnH2n+1OH + (3n/2)O2 →nCO2(g) + (n+1)H2O

CnH2n+1OH + nO2 →nCO(g) + (n+1)H2O

CnH2n+1OH + (n/2)O2 →nC(s) + (n+1)H2O

As equações ilustram que, paraum dado álcool, contendo n átomosde carbono, a diminuição da quanti-dade de oxigênio disponível paracombustão, de 3n/2 para n e final-mente para n/2 moléculas, gerasucessivamente produtos que vão doCO2 para o CO e finalmente paracarbono livre (C). Este, na forma departículas de fuligem, pode ser obser-

vado nas chamaspobres em oxigênio,sendo o principalresponsável pela coramarelada destas.Deste modo, o con-trole da quantidadede oxigênio presentena mistura vai deter-

minar as características de tempera-tura, cor e luminosidade da chamaformada.

As mesmas diferenças podem semanifestar em chamas produzidaspela combustão de álcoois com ta-manhos de cadeia diferentes, man-tendo-se fixa a quantidade de oxigê-nio disponível. Tal condição é alcan-çada de modo aproximado ao sequeimarem combustíveis livrementena atmosfera gerando-se as ditaschamas de difusão (ver a seguir).

Tipos de chamasAs chamas podem ser classifica-

das em dois tipos: chamas de pré-mistura e chamas de difusão. Nas pri-meiras, o combustível, normalmentegasoso, é misturado ao oxigênio an-tes da queima. O que se inflama, por-tanto, é a mistura desses dois com-ponentes. Este procedimento gerachamas normalmente de temperaturamuito alta e de baixa luminosidade,controladas pela proporção combus-tível/oxigênio. A Figura 1 mostra umatípica chama de pré-mistura. Outroexemplo, comum a todos, é a chamade um fogão.

As chamas de difusão são aque-las em que não houve pré-mistura deseus componentes. A difusão mo-lecular, que ocorre muitas vezes demodo turbulento, é responsável pelamistura de gases nesse tipo de cha-ma. Nesses casos, a proporção com-bustível-oxigênio é de difícil controle,resultando muitas vezes em baixaquantidade de comburente, gerandochamas luminosas, turbulentas e fuli-ginosas (Figura 2). Chamas de difu-são são geradas normalmente pelacombustão livre de sólidos e líquidosexpostos ao ar.

Como pode ser observado nasfiguras, as chamas não-turbulentasapresentam uma estrutura definida.Cada uma das regiões observáveis éconhecida como cone de chama. Oscones têm diferente composição etemperatura. A parte mais interna dachama é conhecida como zona decombustão primária, enquanto que aparte mais externa é dita zona de com-

Combustão, chamas e teste de chama para cátions

Figura 1: No bico de Bunsen, o combus-tível (GLP, por exemplo) e o comburente(O2) são previamente misturados, o queleva a uma chama mais quente e livre defuligem.

Em função de combustívele do comburente serem ou

não previamentemisturados, as chamas

podem ser classificadas emchamas de pré-mistura ou

chamas de difusão

Page 3: Teste chama espectroscopia

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 23, MAIO 2006

45

bustão secundária. Entre essas duassitua-se a região interzonal, a maisquente da chama. A temperatura al-cançada pelas chamas depende devários fatores, entre os quais os tiposde combustível e comburente usados.Como exemplo, misturas típicas de gásbutano/ar geram chamas cuja tem-peratura fica na faixa 1700-1900 °C,enquanto que misturas a base de ace-tileno/N2O geram chamas que podemalcançar cerca de 2800 °C.

As cores das chamas e os estudosespectroscópicos

Desde a invenção da pólvora ne-gra no século IX pelos chineses,sabe-se que determinados materiais,

quando queimados, produzem cha-mas coloridas. Foram porém os italia-nos e alemães que, na Idade Média,deram mais cores e efeitos às cha-mas. Eles aprenderam a adicionarcompostos metálicos na pólvora,obtendo variada gama de cores eefeitos.

A origem das cores geradas pelapresença de metais nas chamas estána estrutura eletrônica dos átomos.Com a energia liberada na combus-tão, os elétrons externos dos átomosde metais são promovidos a estadosexcitados e, ao retornarem ao seu es-tado eletrônico inicial, liberam a ener-gia excedente na forma de luz. A cor(ou os comprimentos de onda) da luzemitida depende da estrutura eletrô-nica do átomo (para um melhor enten-dimento deste assunto sugere-serecorrer ao artigo de Filgueiras, 1996).Assim, a cor verde é obtida a partirda queima de sais decobre e de bário, oamarelo pelo uso dosódio e o vermelhopelo uso do estrôncio(ver mais exemplos naTabela 1).

Misturas dessesingredientes produ-zem uma ampla ga-ma de cores, enquan-to que brilhos metá-licos e faiscamentossão obtidos pela adição de magnésioe alumínio.

O uso das chamas em QuímicaAnalítica

Em meados do século XVIIIcomeçaram os estudos sistemáticosde identificação de compostos pelouso de chamas, conduzidos mais oumenos de modo simultâneo por vá-rios pesquisadores. Thomas Melvill

(1726-1753) observou, em 1752, o es-pectro de linhas brilhantes emitido porchamas contendo sais metálicos. Em1758, Andreas Marggraf (1709-1782)conseguiu diferenciar sais de sódio esais de potássio pela cor de suas cha-mas. John Herschel (1792-1871), porsua vez, mostrou que a radiação emi-tida pelas chamas de bário, cálcio,estrôncio e cobre, ao atravessar umprisma de vidro, era resolvida emsuas linhas espectrais características,fato que poderia ser usado para finsde identificação química. JosephFraunhofer (1787-1826) fez o mesmotipo de estudo, observando em parti-cular o par de linhas amarelas emiti-das pelo sódio, quando fazia estudosde índice de refração de vidros. Taisestudos redundaram na construçãodo espectroscópio de Bunsen eKirchoff (Lockemann, 1956), valiosoinstrumento de identificação de me-

tais, que culminoucom a descoberta,pelos dois cientis-tas, dos elementoscésio e rubídio (no-vamente recomen-da-se a leitura dotrabalho de Filguei-ras). Esta vasta ga-ma de estudos per-mitiu, em 1928, queo botânico dinamar-quês Henrik Lunde-

gardh (1888-1969) criasse a foto-metria de chama (Maar, 1999).

Neste trabalho ilustramos a obten-ção de algumas chamas, tanto de di-fusão quanto de pré-mistura, usandoprodutos de baixo custo, disponíveisem boa parte nos laboratórios deQuímica do Ensino Médio. As chamaspodem ser usadas para identificaçãoqualitativa de cátions, ilustrando demodo fácil o uso dos testes de cha-ma. Salienta-se a importância dasegurança na execução dos experi-mentos, recomendando-se fortemen-te que sejam atendidas as sugestõesque seguem.

Recomendações de segurança1) As atividades propostas são de

natureza didática e não devem ser,JAMAIS, executadas em casa.

2) Os experimentos só devem ser

Combustão, chamas e teste de chama para cátions

Tabela 1: Coloração típica de chamas, devido à presença de alguns cátions em estadoexcitado (Vaitsman e Bittencourt, 1995).

Elemento Cor da chama Elemento Cor da chama

Antimônio Azul-esverdeada Cobre Verde

Arsênio Azul Estrôncio Vermelho-tijolo

Bário Verde-amarelada Lítio Carmim

Cálcio Alaranjada Potássio Violeta

Chumbo Azul Sódio Amarela

Figura 2: Chamas de difusão estável (emcima) e turbulenta (em baixo).

Com a invenção da pólvorapelos chineses (séc. IX),conseguiu-se produzirchamas coloridas, masforam os italianos e os

alemães (na Idade Média)que adicionaram

compostos metálicos àpolvora para obter chamas

de cores variadas

Page 4: Teste chama espectroscopia

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 23, MAIO 2006

46

executados pelo professor responsá-vel da turma.

3) Os experimentos envolvem ouso de álcoois inflamáveis, tóxicos seingeridos ou inalados, que devem sermanipulados apenas pelo professorresponsável. Deve-se tomar especialcuidado com os vapores do metanol.

4) Os experimentos só devem serexecutados em condições de venti-lação adequada, em ambiente aberto.O ideal é conduzir o experimento nointerior de uma capela exaustora degases.

5) Os frascos que contêm álcool(ou outros líquidos inflamáveis) de-vem ser mantidos longe das chamas.

6) É imprescindível que o labora-tório disponha de um extintor de in-cêndio classe B (para uso em líquidosinflamáveis).

7) Chamas de metanol em am-bientes claros, na presença de luz dodia, são praticamente invisíveis. Deve-se, portanto, tomar o máximo de cui-dado ao inflamá-lo. Para ter certezaque uma chama se extinguiu total-mente, teste-a passando um palito defósforo já usado pelas suas vizinhan-ças.

8) Os recipientes ficam muitoaquecidos, portanto deixe-os esfriarantes de manuseá-los.

9) No uso do etanol com a lata per-furada, decorre certo tempo para queo sistema fique bem aquecido e achama saia pela boca da lata.

Material e métodos• Latas de refrigerantes limpas e

secas, das quais foram removi-dos o anel e a lingüeta de aber-tura

• Álcoois com cadeias de diversostamanhos (no presente trabalhotestou-se metanol, etanol, bu-tan-1-ol e álcool tert-butílico).Caso alguns desses álcoois nãoestejam disponíveis, pode-seencontrar propan-2-ol, vendidoem farmácias como álcool iso-propílico e metanol em oficinasde refrigeração.

• Tesoura grande (para corte daslatas) CUIDADO!

• Pipeta graduada (ou seringa) decapacidade 5 mL

• Alicate e pregos

• Areia seca e uma rolha, para au-xiliar na perfuração das latas

• Fósforos longos• Soluções de sais metálicos (lítio,

sódio, potássio, cálcio, estrôn-cio, bário e cobre), de preferên-cia cloretos ou nitratos

Para os experimentos com cha-mas foram utilizadas latas preparadasde duas formas diferentes:

Latas recortadas - corte uma latade refrigerante para que fique com al-tura máxima de 3 centímetros. Tomeespecial cuidado com as bordas doalumínio, que são bastante cortantes.Assim, dobre para dentro cerca de3 mm da parede das mesmas, paraevitar bordas cortantes.

Latas perfuradas - para evitar quea lata se amasse com a perfuração,preencha-a com areia até a boca etampe com uma rolha. Com o auxiliodo prego, faça diversos furos na pa-rede lateral da lata, guardando alturamínima de 2 cm da base. Um artefatode madeira com alguns pregos atra-vessados pode facilitar o trabalho. Aslatas utilizadas neste artigo têm cercade 250 furos (ver Figura 3).

Preparo das chamas

Chamas de difusão e de pré-misturaPegue uma lata recortada e uma

lata perfurada e adicione 3 mL de eta-nol em cada uma delas, usando a pi-peta (ou seringa). Inflame o conteúdo(jogue com cuidado o palito aceso

dentro da lata perfurada e aguarde).Observe as diferenças de textura, cor,estabilidade e altura entre as chamas.Certifique-se de que as chamas seextinguiram e deixe todo o materialesfriar completamente antes de tocá-lo. O resultado está mostrado naFigura 4.

A queima começa a acontecer nointerior da lata, possivelmente sobre oálcool. Com o aumento da tempera-tura do recipiente e, conseqüente-mente, do líquido, acontece aumentoda pressão de vapor deste, provocan-do expansão da chama, até que elaabandona a lata, saindo pela aberturasuperior. Com isso, o ar é injetado paradentro da lata pelas perfurações late-rais, ocorrendo pré-mistura na base dachama.

Combustão, chamas e teste de chama para cátions

Figura 3: Exemplo de lata perfurada usadacomo queimador.

Figura 4: Chamas de difusão (em cima) ede pré-mistura (em baixo) usando etanol.

Page 5: Teste chama espectroscopia

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 23, MAIO 2006

47

Combustão, chamas e teste de chama para cátions

Série dos álcoois com diferentescadeias

Usando chamas de difusão, variea relação combustível/oxigênio, pormeio da combustão dos diferentesálcoois, desde o metanol até o butan-1-ol. Vale lembrar que álcoois decadeia mais longa não se inflamamnas condições propostas, provavel-mente por apresentarem pressão devapor insuficiente.

Trabalhe em local ventilado ou nointerior de uma capela e remova dasproximidades todos os recipientescontendo inflamáveis, bem comoquaisquer outros materiais tais comopapel, papelão, borrachas etc. Casoa capela disponha de bicos de gás,certifique-se de que eles estão fecha-dos.

Pegue quatro latas recortadas eadicione 3 mL de cada álcool em latasdiferentes, pela ordem crescente donúmero de átomos de carbono.

Acenda (cuidado!) os álcoois eobserve a textura, cor, estabilidade,presença de fuligem e altura aproxi-mada das chamas. Compare osresultados. Chamas obtidas nessascondições são de difusão e estãomostradas na Figura 5.

Testes de chama com as soluções desais

Testes de chama são executadossistematicamente com chamas depré-mistura. Para esses experimen-tos, usam-se as lata maiores, com osfuros laterais, contendo 3 mL deetanol. Deposite sobre a tampa dalata, nas vizinhanças da abertura,algumas gotas de solução aquosa decada um dos sais e inflame o conteú-do da lata. Com o aquecimento datampa, a solução de sal ferve e pe-quenas gotas de solução serão as-pergidas para a chama, gerando ascores características de cada cátion.A Figura 6 mostra as cores de chamasproduzidas pelos cátions usadosneste trabalho.

Resultados e discussão

Chamas de difusão e de pré-misturaNeste experimento evidencia-se

claramente as diferenças das cha-mas de pré-mistura nos aspectos

de estabilidade, cor e temperatura(ver Figura 4). A chama de difusãoé turbulenta e sem estrutura defi-nida; entretanto, ela é mais adequa-da para iluminação (no escuro adiferença é notável). Uma vez quea mistura dos componentes não éhomogênea e é limitada pela con-centração de O2 nas vizinhanças dachama, a queima tende a ser in-completa, gerando espécies menosoxidadas (CO e C) em maior quan-tidade. Por outro lado, quando amistura é antecipada, a queima émais completa, gerando maior pro-porção de CO2 e redundando emchama mais estável, limpa e maisquente do que no primeiro caso,porém bem menos luminosa.

Série dos álcooisNas condições em que o experi-

mento foi executado – queima ematmosfera aberta com chama de difu-são – pode-se considerar constantea quantidade de oxigênio disponível(pressão parcial de O2 na atmosfera)na queima de cada um dos álcoois.Sendo assim, ao se aumentar o nú-mero de átomos de carbono, aumen-

ta-se a razão carbono/oxigênio naqueima, diminuindo-se a geração deprodutos mais oxidados (CO2) eaumentando-se a de espécies menosoxidadas (C na forma de fuligem). Emparticular, esta última é observadamais claramente na queima do álcooltert-butílico do que na queima dobutan-1-ol (ver Figura 5). Em situaçãooposta está o metanol, que se infla-ma com chama quase invisível. Destefato resulta a grande preocupação deengenheiros e técnicos que traba-lham para equipes de competição deautomóveis, que usam este álcoolcomo combustível de seus motores(por exemplo, na Fórmula Indy).

Testes de chamaAs chamas geradas por pré-mis-

tura se mostraram excelentes para ex-perimentos de testes de chama,como pode ser visto nas fotos (Figura6). Para um volume de 3 mL de etanol,a duração média das chamas foi de1 min e 40 s, tempo suficientementeelevado para permitir uma boa de-monstração. Como visto na Figura 6,a chama fica totalmente tingida pelacor emitida pelo cátion, com

Figura 5: Chamas de difusão obtidas utilizando metanol, etanol, álcool tert-butílico ebutan-1-ol, respectivamente.

Figura 6: Cores de chamas de pré-mistura produzidas por diferentes cátions, usandoetanol como combustível.

Page 6: Teste chama espectroscopia

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 23, MAIO 2006

48

Abstract: Combustion, Flames and Cation Flame Tests: Experiment Proposal – Flames are classified into diffusion and premixed flames. In the first, the fuel/oxygen mixture happens in the flameitself, by diffusion of the gases, while in the second the mixture of the two gases occurs before the combustion zone. The two flames present differences in temperature, color and stability. This papershows how to obtain flames of the two types and how to qualitatively evaluate the obtained products as a function of the fuel/oxygen ratio. Besides that, it presents a simple proposal on how to obtainlong lasting, easily executed and inexpensive flames, very useful to carry out cation flame tests.Keywords: combustion, flames structure, cation flame tests

Referências bibliográficas

BRAATHEN, C. Desfazendo o mito dacombustão da vela para medir o teor deoxigênio no ar. Química Nova na Escola,n. 12, p. 43-45, 2000.

FILGUEIRAS, C.A.L. A Espectrosco-pia e a Química. Química Nova na Es-

baixíssima interferência da cor ama-rela característica das combustões in-completas.

Desse modo, discussões acercada estrutura eletrônica dos átomose da sua identificação tornam-semais atraentes para o aluno do En-sino Médio. O professor de QuímicaOrgânica pode utilizar-se deste ex-perimento para introduzir séries ho-

mólogas de compostos orgânicos,bem como a termodinâmica de suacombustão.

Alternativamente, na queima dossais pode-se usar o método do fio deplatina preso em um suporte, substi-tuindo-se a platina por um pedaço deresistência de chuveiro elétrico (ligade níquel-cromo), barateando aindamais o experimento.

Combustão, chamas e teste de chama para cátions

Augusto César Gracetto, bacharel e mestre emQuímica Analítica pela Universidade EstadualPaulista Julio de Mesquita Filho (Unesp), é alunodo curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Química da Universidade Estadualde Maringá (UEM), da qual é professor colaborador.Noboru Hioka ([email protected]), bacharel emQuímica, mestre em Físico-Química e doutor emCiências (área de Físico-Química) pela USP, édocente do Departamento de Química (DQ) daUEM. Ourides Santin Filho ([email protected]),bacharel, mestre e doutor em Química (área deFísico-Química) pela USP, é docente do DQ-UEM.

cola, n. 3, p. 22-25, 1996.LOCKEMANN, G. The centenary of the

Bunsen burner. J. Chem. Educ., v. 33, p.20-22, 1956.

MAAR, J.H. Pequena história da Quími-ca. Florianópolis: Ed. Papa-Livro, 1999.

VAITSMAN, D.S. e BITTENCOURT, O.A.Ensaios químicos qualitativos. Rio de

Janeiro: Interciência, 1995.

Para saber maisIHDE, A.J. The development of mod-

ern chemistry. Nova Iorque: Dover, 1984.SKOOG, D.A.; WEST, D.M. e HOLLER,

F.J.. Analytical chemistry: An introduction.6ª ed. Filadélfia: Saunders, 1994.

Evento

O ENEQ é um evento da Divisãode Ensino da Sociedade Brasileira deQuímica. O primeiro aconteceu na Fa-culdade de Educação da Unicampem 1982 e os seguintes foram reali-zados bienalmente. Entre 1984 e 1992o ENEQ ocorreu em conjunto com asreuniões da SBPC. A partir de 1994,desvinculado, da SBPC foi realizadoem Belo Horizonte (1994), CampoGrande (1996), Aracajú (1998), PortoAlegre (2000), Recife (2002) e Goiânia(2004).

Para 2006, em comemoração aos25 anos de realizações de ENEQs, foiproposto que o XIII ocorresse na Uni-camp, sob a coordenação da Facul-dade de Educação em conjunto com

o Instituto de Química. Neste XIIIENEQ, haverão 12 conferências ple-nárias, 43 minicursos, 5 sessões co-ordenadas paralelas, 9 mesas-redon-das e duas sessões de apresentaçãode painéis. Além disso, paralela-mente, acontecerão outros eventosrelacionados com o Ensino de Quí-mica realizados no Estado de SãoPaulo: o VI SIMPEQ – Simpósio deProfissionais do Ensino de Química(http://gpquae.iqm.unicamp.br/simpeq.htm) e o III EPPEQ – EncontroPaulista de Pesquisa em Ensino deQuímica.

O XIII ENEQ será realizado com acolaboração e apoio de outras univer-sidades paulistas que também man-

tém cursos de Química, e especial-mente de licenciatura em Química:USP (campi São Paulo, Ribeirão Pretoe São Carlos), Unesp, UFSCar, Uni-mep, USF e PUC-Campinas. Váriosrepresentantes dessas universidadescompõem a comissão organizadora.

A coordenação geral da comissãoorganizadora está sob a responsa-bilidade das Profas. Maria Inês P. Rosa(FE-Unicamp) e Adriana Vitorino Rossi(IQ-Unicamp) e de Cármen LúciaRodrigues Arruda (coordenadora dosetor de eventos da FE-Unicamp).

Todas as informações sobre o XIIIENEQ, inclusive para inscrição, estãodisponíveis em:

www.fae.unicamp.br/eneq