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Com clima europeu e denominada capital nacional do vinho, Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, investe cada vez mais nessa indústria, em seus derivados e no enoturismo, um segmento em ascensão no país. Percorrer a região, especialmente o Vale dos Vinhedos, é seguir o mapa do desfrute e uma festa para os sentidos, nas quatro estações
• por Simone Galib
OS PRAZERESdo vinho... E MUITO MAIS!
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CAPA
aquele que sabe degustar,
não bebe demasiado vi-
nho, mas desfruta de seus
suaves segredos”, já dizia o pintor
surrealista Salvador Dalí. E os bra-
sileiros demonstram cada vez mais
interesse em desvendar os misté-
rios da bebida ancestral: essa in-
dústria ganha fôlego e muita quali-
dade no país, especialmente no Rio
Grande do Sul. Em 2014, o estado
processou mais de 605 milhões de
quilos de uva, que resultaram em
374,4 milhões de litros de vinho e
seus derivados, como o suco con-
centrado. Porém, a chamada “ca-
pital nacional do vinho” tem nome
e sobrenome: Bento Gonçalves, na
Serra Gaúcha, responsável por cer-
ca de 29% da produção (28,3 mi-
lhões de litros em 2014) do estado.
Além dos vinhos finos, muitos de-
les premiados internacionalmente,
e de abrigar vinícolas tradicionais,
como Aurora, Miolo e Salton, entre
muitas outras, a região vem apos-
tando, de forma muito profissional,
no enoturismo e no turismo rural,
segmentos também em expansão
no Brasil e já consolidados no exte-
rior. Os amantes do vinho, dos es-
pumantes, da boa gastronomia e de
belas paisagens costumam sair de
lá muito bem servidos.
Embora a indústria moveleira
seja o setor mais rentável de sua
economia, são os prazeres propor-
cionados pelo vinho e tudo que gira
ao seu redor os responsáveis por
atrair à região cerca de 300 mil vi-
sitantes por ano. Os sommeliers lo-
cais costumam dizer que em Bento
(como é chamada a cidade) pode-
mos degustar com todos os nossos
sentidos. Eles têm razão: visão, ol-
fato, paladar, audição e tato são
extremamente aguçados –mesmo
para os não experts no assunto. Os
produtores afirmam que o vinho
“está ganhando asas no Brasil”. De
fato, essa bebida transcendental
é super tendência: de mercado, de
comportamento (está muito pre-
sente no cotidiano dos brasileiros e
os espumantes já chegaram até as
praias neste verão, por uma iniciati-
va da Miolo) e até mesmo de saúde.
Localizada a 120 km de Porto
Alegre (cerca de uma hora de car-
ro, dependendo do trânsito), Bento
Um dos melhores programas em Bento Gonçalves é percorrer de bike as trilhas históricas e os vinhedos, interagindo com uma paisagem diferente a cada estação
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Gonçalves é “mezzo italiana, mezzo
brasileira”. Lembra um pedacinho
da Toscana, principalmente quan-
do percorremos o Vale dos Vinhedos
e observamos suas colinas repletas
de parreirais, roseiras (“guardiãs”
dos vinhedos, porque são as primei-
ras a serem atingidas pelas pragas,
dando o sinal de alerta) e suculen-
tos cachos de uva, de todos os tipos,
especialmente na vindima, a festa
da colheita, no verão. Na região
serrana se concentram mais de 70
empreendimentos, que constituem
a Aprovale (Associação dos Produ-
tores de Vinhos Finos do Vale dos
Vinhedos), criada para promover o
desenvolvimento sustentável por
meio do enoturismo. Somente o
vale produz uma média anual de
10 milhões de garrafas de vinho.
Pelas suas características únicas de
solo, clima e topografia, ganhou re-
conhecimento internacional como
destino enoturístico e recebeu, em
2012, o certificado de Denominação
de Origem (D.O), válido somente
para os vinhos (brancos, espuman-
tes ou tintos), produzidos em seu
terroir – uma classificação ainda
exclusiva no setor vinícola do país.
VIVÊNCIAS SABOROSASMas não é apenas a excelência
dos vinhos finos que faz de Bento
Gonçalves um lugar de personali-
dade própria, habitado por gente
muito hospitaleira, que não abre
mão de uma boa prosa e da mesa
farta, incluindo massas, carnes e
aves deliciosas com direito a muitas
taças de vinho, suco de uva e pre-
ços honestos. Isso porque a região
mantém o legado histórico, cultural
e gastronômico deixado pelos imi-
grantes que chegaram à Serra Gaú-
cha em 1875, fugindo de uma Itália
em profunda crise econômica, com
o objetivo de encontrar o paraíso
na América. Depois de uma longa
e sofrida travessia, em que muitos
morreram ou perderam seus filhos
pelo caminho, quando o navio atra-
cou em Porto Alegre, o sonho virou
pesadelo: as famílias subiram a ser-
ra a pé, durante 15 dias, enfrentan-
do fome, frio e animais selvagens.
Assim, nasceu o Vale dos Vinhedos,
um lugar cheio de histórias, planta-
das pelos italianos e cultivadas pe-
los seus filhos e netos.
Os imigrantes trabalharam ar-
duamente, incorporando ao coti-
diano seus costumes, como o cul-
tivo da uva para consumo próprio
e barris nos porões, as casas de pe-
dras, o prazer em receber amigos,
os valores familiares e a devoção
religiosa. Hoje, netos e bisnetos re-
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Instalações da Miolo, no Vale dos Vinhedos; a vinícola produz 12 milhões de litros de vinhos finos em suas três unidades, uma delas na Bahia
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produzem as receitas culinárias de
seus antepassados e dominam a
arte de fabricar vinho como poucos.
Tanto as vinícolas contemporâneas,
com tecnologia de ponta e produ-
ção em larga escala, quanto as ar-
tesanais, charmosas e convidativas,
oferecem atrativos personalizados
aos visitantes, que vão muito além
da degustação. Há vivências sabo-
rosas, como piqueniques embaixo
das parreiras, almoços ou jantares
em confortáveis edredons ao ar li-
vre, degustação às cegas, podas e
colheitas noturnas de uva, que se
tornam ainda mais incríveis sob o
luar da serra. A presença italiana
é também marcante na fisionomia
da população local e até no sota-
que, que mescla o português com o
dialeto de Vêneto, na Itália.
Os vinhedos também incre-
mentaram a infraestrutura turística
e os serviços: existem ótimos hotéis
(o Dall´Onder Grande Hotel tem ex-
celente padrão), pousadas charmo-
sas, ateliês de arte, trilhas históricas
que podem ser percorridas de bike,
restaurantes, fábricas de massas e
diferenciados cookies, como a Zac-
caron, bistrôs gourmet, trattorias e
armazém para comer (e comprar)
do bom e do melhor (caso da Mam-
ma Gema, no complexo turístico
Villa Michelon) e até mesmo um
spa internacional, que oferece va-
riados tratamentos à base de vinho.
Outro fator positivo é que a região
exibe um perfil diferenciado nas
quatro estações. No verão, está toda
florida e perfumada, com as parrei-
ras carregadas de frutas e o aroma
das uvas no ar. É tempo da colheita
e de muito trabalho. Com a chegada
do outono, a paisagem exibe tons de
verde, dourado e vermelho, com as
folhas caídas ao chão antes do pe-
ríodo de dormência. E no inverno
ganha ainda mais um toque euro-
peu, com as baixas temperaturas e
geadas, perfeitas para se degustar
um bom vinho. A tranquilidade é do
campo, o cenário, bucólico, mas há
muita diversão em Bento Gonçal-
ves. E os negócios borbulham!
MADE IN BRAZILFundada há 84 anos por 16 famí-
lias italianas produtoras, oriundas da
região de Vêneto, hoje a cooperativa
da Vinícola Aurora reúne 1,1 mil fa-
mílias, que devem colher cerca de 60
mil toneladas de uva na safra deste
ano. Elabora 20 marcas, entre vinhos
brancos (seu Moscatel figura entre os
A vinícola Salton, no Vale dos Vinhedos, tem arquitetura inspirada em uma villa italiana e reserva boas surpresas àqueles que percorrem suas instalações
A cave privé da centenária Aurora, no centro de Bento Gonçalves, e que recebe cerca de 150 mil pessoas por ano
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100 melhores do mundo), tintos, es-
pumantes, sucos de uvas integrais e
coolers. Uma das líderes no mercado
nacional, também exporta para mais
de 20 países, triplicando, em 2014, a
receita, com faturamento de US$ 2,8
milhões, segundo o WinsOf Brasil,
programa do Instituto Brasileiro do
Vinho. Seus principais mercados
no exterior são Reino Unido, Bélgi-
ca, Alemanha, Estados Unidos, Ja-
pão e França. Mas, aposta em novas
fronteiras, como Japão, Hong Kong e
Coreia do Sul, na Ásia. A Miolo, ou-
tra peso pesado do setor, registrou,
no primeiro quadrimestre de 2014,
crescimento de 375% no fatura-
mento das exportações em relação
ao mesmo período do ano anterior,
vendendo US$ 1,8 milhão. Com 1,2
mil hectares de vinhedos plantados
(na Bahia, no Rio Grande do Sul, qua-
se divisa com o Uruguai, e no vale),
produz 12 milhões de litros de vi-
nhos finos, espumantes, destilados
e sucos de uva, que estão presentes
em 32 países dos quatro continentes.
E a expectativa de fechamento do
semestre é faturar US$ 2,5 milhões
com os produtos importados.
Já a Aurora foi a pioneira em
implantar um esquema profissional
de recepção aos turistas, no final
dos anos 1960, tornando-se a recor-
dista da Serra Gaúcha em visitação:
recebe cerca de 150 mil pessoas por
ano em suas instalações dentro da
cidade de Bento Gonçalves. Os vi-
sitantes percorrem quatro quartei-
rões, interligados por túneis subter-
râneos, conhecendo todo o processo
de elaboração do vinho. O trajeto é
adaptado com rampas e elevador
para cadeirantes. No final, podem
ser provados alguns dos melhores
produtos e há uma bem servida loja.
A degustação e o tour são gratuitos.
Outro delicioso passeio é conhe-
cer os vinhedos da contemporânea
vinícola Almaúnica, criada pelos
irmãos gêmeos Magda e Márcio
Brandelli, com foco no mercado na-
cional, produzindo vinhos de mesa
para o consumidor premium. Ali o
que conta “é o charme da discrição
e a qualidade”, afirma Brandelli.
No vale, cada produtor tem o seu
próprio nicho e estilos diversos. É o
caso da centenária Salton, instalada
em uma bela construção, com arqui-
tetura inspirada em uma villa italia-
na, dotada de completa infraestrutu-
ra para receber turistas e sommeliers.
No interior, suas paredes exibem pin-
turas relembrando a história da famí-
lia e do próprio vinho. Porém, o mais
surpreendente ali é percorrer a cave
da evolução, iluminada apenas por
anjos em neon ao longo dos corredo-
res. No final desse túnel do tempo, o
impacto: uma sala, com uma grande
mesa oval, uma mandala no teto da
mesma proporção e cadeiras altas,
que nos remetem a uma daquelas
lendárias tabernas do rei Arthur e os
Cavaleiros da Távola Redonda, com
direito a trilha sonora e muitas taças
de vinho. Um grand finale!
Os vinhos Miolo envelhecendo nos barris de carvalho
A tecnologia de ponta da Vinícola Alamaúnica, especialista em vinhos exclusivos e no cliente premium
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CAPA • O MeLHOR DO enOTuRISMO
Pequeno roteiro para degustar a Serra Gaúcha com todos os sentidos
VINHEDO DO MUNDOInstalada em uma ampla área verde em Bento Faria, distrito de Bento Gonçalves, a Dal Pizzol tem uma
coleção de videiras, com uvas do mundo inteiro. O projeto, exclusivo na América Latina, foi inspirado pelo enólogo italiano Luigi Soini. A colheita dessas uvas dá origem a um vinho único, batizado de Vinumundi (vinho do mundo). Além disso, a vinícula tem outros rótulos (produz anualmente 300 mil garrafas de vinhos finos), um ecomuseu, loja, restaurante e faz “degustação às cegas” com jantar, por R$ 130,00.www.dalpizzol.com.br
CAMINHO DAS PEDRASO roteiro, de 12 quilômetros, resgata a história da imigração italiana na arquitetura e nos costumes. As centenárias casas de pedra hoje abrigam moinhos, cantinas coloniais e lojas de artesanato etc. Valem escalas na Casa das Ovelhas, que fabrica queijos, iogurtes e cria os animais; na Casa do erva Mate (foto acima) para experimentar um autêntico chimarrão; e na Casa Vanni, um bucólico restaurante, com um cardápio diferenciado à base de risotos e massas. esse roteiro, além de outros, também pode ser feito de bicicleta, uma iniciativa da rede Dall´Onder, que tem alguns dos melhores hotéis da região e criou uma boa estrutura para quem ama pedalar. www.caminhosdepedra.org.br e www.dallondergrandehotel.com.br
PISANDO EM UVASuma experiência divertida, que inclui colheita, ao som de um coral cantando antigas músicas italianas, e que termina com um “merendin” (lanche típico) embaixo das parreiras é a proposta da simpática vinícula Cainelli. Os visitantes ainda podem passear entre os vinhedos de tuque-tuque (uma espécie de trator) e conhecer o museu, que a família mantém no 3º andar. e no final, pisar nas uvas que colheram para amassá-las.www.vinicolacainelli.com.br
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A MENOR VINÍCOLASente na mesa e coma até se fartar na Torcello, a menor vinícula do vale. O almoço típico é servido em um aconchegante ambiente familiar. Seus vinhos são artesanais e costumam ser vendidos para clientes sob indicação. Ali, não deixe de prosear com o patriarca Remy Valduga (foto acima), de 74 anos, conhecido como o “senhor do conhecimento”. Já publicou sete livros, dá palestras nas escolas e recebe os turistas na vínicula. ele sabe tudo sobre a vida, tradições e cultivo da uva. “Vinho e fé são o anestésico para a alma”, diz. www.torcello.com.br
EDREDOM NOS PARREIRAISQue tal fazer uma refeição sob as videiras? Pode ser o café da manhã, o almoço ou uma degustação romântica ao entardecer. O programa é da vinícola artesanal Cristofoli (a 15 minutos do centro de Bento Gonçalves), cuja cantina funciona hoje no porão da casa onde tudo começou, em 1896. A comida é farta, deliciosa, feita pela “mamma” e tem ótimos preços. uma refeição com entrada, massa, polenta cremosa com galinha caipira e todos os vinhos para harmonização custa R$ 75,00 por pessoa.www.vinhoscristofoli.com.br
COLHEITA NOTURNA Outra vivência interessante no vale é colher uvas à noite, de preferência na lua cheia, oferecida pela Larentis Vinhos Finos (foto abaixo). O programa começa às 18h e André Larentis recebe os visitantes com muitas taças. Depois da degustação, munidos de avental, tesoura e lanterna na cabeça, os participantes colhem as uvas. O programa, delicioso, termina com um jantar, que inclui tábua de frios, um prato quente e vinhos, é claro. Custa R$ 120,00 por pessoa. [email protected]
Viagens S/A foi à Serra Gaúcha a convite da Secretaria de Turismo de Bento Gonçalves, Aprovale e Dall´Onder Grande Hotel.
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