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Embora bastante comum nas empresas, o jogo da culpa é extremamente prejudicial ao ambiente de trabalho e à produtividade. O propósito deste artigo é propor uma estratégia para eliminá-lo.
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O jogo da culpa e a aprendizagem no ambiente de trabalho Flavio Farah*
A coragem de assumir os próprios erros em vez de ficar buscando culpados é uma qualidade que
poucos possuem. Quando ocorrem problemas nas empresas, é comum tanto os funcionários como
os gerentes tentarem se eximir da responsabilidade transferindo-a para outros. Qualquer ação nesse
sentido, porém, dá início ao chamado “jogo da culpa”. Trata-se de um jogo porque, no final, haverá
ganhadores e perdedores entre os envolvidos. Ganhará quem conseguir livrar-se da culpa e perderão
todos aqueles que forem considerados “culpados”.
O programa televisivo “O Aprendiz” ilustrou excepcionalmente bem essa situação. Trata-se de um
reality show que, sob vários aspectos, assemelha-se a uma dinâmica de grupo: nele os participantes
se dividem em equipes e assumem tarefas que os fazem expressar idéias, emoções, decisões e ações
totalmente verdadeiras. Dentro dos grupos, porém, a cooperação é apenas temporária. No dia em
que o condutor do programa deve escolher um dos concorrentes para ser “demitido”, os membros
de cada equipe se engajam freneticamente na prática do jogo da culpa, apontando o dedo acusador
para todos os colegas de grupo, menos para si próprios. Outro aspecto a se ressaltar é o fato de que
os participantes são eliminados sumariamente por cometerem erros, ou seja, não existe segunda
oportunidade. Esse é um dos principais fatores que os levam a praticar o jogo da culpa.
Embora bastante comum nas empresas, o jogo da culpa é nocivo porque provoca medo e ressenti-
mento, rebaixa o moral e a motivação, elimina a possibilidade de as pessoas confiarem umas nas
outras, prejudica o trabalho de equipe e reduz a produtividade. Por que praticamos o jogo da culpa?
Por várias razões. Primeiro, porque, quando outros apontam nossos erros, sentimo-nos feridos em
nossa auto-estima. Segundo, acreditamos que, se reconhecermos nossas falhas, os outros pensarão
que somos fracos ou incompetentes e nossa imagem ficará prejudicada. Terceiro, temos receio de
que os outros usem os nossos equívocos para nos prejudicar ou se aproveitem deles para se promo-
ver às nossas custas. Quarto, temos medo de ser punidos pelos erros que cometemos, como bem de-
monstra o citado programa de televisão.
O jogo da culpa é um tipo de comportamento defensivo. O comportamento defensivo é prejudicial
por várias razões: bloqueia a comunicação e o relacionamento produtivo entre duas pessoas; pode
resultar em conflito, pois os métodos mais comuns que usamos para defender nossa auto-estima são
respostas verbais agressivas; e a pessoa que está se defendendo não pode analisar sua própria con-
duta nem seus sentimentos e atitudes, deixando de tirar conclusões úteis.
Existe uma estreita relação entre o jogo da culpa e o treinamento, ou melhor, entre o jogo da culpa e
a aprendizagem. Quando jogamos o jogo da culpa, nós ficamos totalmente concentrados em nos de-
fender, por isso gastamos uma grande quantidade de energia nessa tarefa. Ficamos focados exclusi-
vamente em descobrir como poderemos nos preservar, quem poderemos culpar, como ficará nossa
imagem, como escaparemos de uma eventual punição e assim por diante. Como conseqüência, ao
jogar o jogo da culpa nós nos tornamos incapazes de fazer qualquer outra coisa. Em particular, nós
deixamos de fazer algo muito importante que é refletir sobre nosso próprio comportamento, sobre
nosso papel na situação em pauta e sobre nossas ações e omissões. O resultado é que deixamos de
aprender com nossos erros.
Isto é profundamente lamentável. Tradicionalmente, o erro tem sido encarado como um produto que
não passou no teste de qualidade e que, portanto, deve ser descartado, jogado na lata de lixo. Todos
fogem do erro como se este fosse uma doença contagiosa. O erro, porém, tem um enorme valor pe-
dagógico, pois nos indica onde existem problemas. Aprender com os próprios erros é o melhor pro-
grama de treinamento que existe. Primeiro, porque é um curso grátis. Segundo, é muito fácil apren-
der suas lições porque se trata de um programa totalmente prático, baseado em nossas próprias vi-
vências. Terceiro, é um curso que não tem data para começar, pois é ministrado continuamente, a
todo momento. Assim, quando erramos, não deveríamos nos culpar nem ser acusados pelos outros.
Deveríamos ser estimulados a identificar e admitir nossos erros, refletir sobre suas causas e tentar
descobrir como poderemos modificar nossas ações para não errar outra vez.
Outro benefício da admissão dos próprios erros é a possibilidade de evitar as críticas. Um conhecido
autor escreveu: “Se você estiver errado, aceite a crítica e reconheça seu erro. Mas se quiser evitar a
crítica, reconheça o erro rapidamente, e com ênfase, antes que a outra pessoa comece a criticá-lo. Se
você já sabe o que vai ouvir, é muito melhor antecipar-se e dizer você mesmo o que o outro vai di-
zer. É mais fácil ouvir a crítica de sua própria boca do que da boca de outra pessoa. Se você pensa
que o outro vai falar sobre o erro que você cometeu, confesse o erro antes que ele fale. Se você fizer
isso é provável que a outra pessoa baixe o tom da crítica ou talvez nem fale nada. Para que falar, se
você já disse tudo?”1 Eu acrescentaria ainda o seguinte: mesmo que o outro fale depois de você ter
assumido o erro, o impacto do que ele disser será muito menor, pois parecerá assunto “requentado”.
Para manter um ambiente de trabalho sadio e estimulante, um gerente não deveria praticar o jogo da
culpa nem permitir que sua equipe faça isso. O dever de todo gerente é criar e manter um ambiente
onde todos tenham o hábito de assumir a própria responsabilidade e de reconhecer os próprios erros.
Construir esse ambiente, porém, não é fácil. É preciso tempo e esforço, assim como uma estratégia
bem formulada. Em primeiro lugar, é necessário que as pessoas mudem de atitude. Em segundo lu-
gar, é preciso que adquiram a capacidade de se auto-avaliar e de identificar os próprios erros com
precisão.
A formulação de uma estratégia capaz de mudar um ambiente de trabalho acusatório exige que an-
tes se identifique aquilo que leva as pessoas a praticar o jogo da culpa. A meu ver, a causa dessa
prática está em uma atitude negativa em relação à assunção de responsabilidade e ao reconhecimen-
to dos próprios erros.
A Psicologia nos ensina que toda atitude é constituída de três elementos: (1) crenças, (2) sentimen-
tos e (3) uma tendência para agir de uma determinada forma. No caso da prática do jogo da culpa,
as crenças que alimentamos a respeito da assunção de responsabilidade são, como descrito anterior-
mente, que, se reconhecermos nossos erros, os outros pensarão que somos incompetentes e nossa
imagem será prejudicada; os outros usarão nossos erros para nos prejudicar ou se aproveitarão deles
para se promover às nossas custas; e seremos punidos.
Ademais, nutrimos um sentimento negativo, de rejeição em relação à assunção de responsabilidade,
pois, para nós, reconhecer os próprios erros é algo que só traz prejuízo.
Por último, temos a tendência ou pré-disposição de praticar o jogo da culpa sempre que percebemos
a possibilidade de sermos apontados como culpados por algum problema, em razão das crenças e do
sentimento negativo que abrigamos.
A tarefa do gerente, portanto, é fazer com que sua equipe mude de atitude com respeito à assunção
de responsabilidade, adquirindo uma atitude positiva. Para tanto, ele precisa mudar as crenças, o
sentimento e a pré-disposição de seus subordinados. Uma maneira de fazê-lo é por meio de um pro-
cesso educativo de mudança. Esse processo poderá começar com uma reunião do gerente com sua
equipe. A finalidade desse encontro será, de início, tomar consciência da questão. O gerente poderá
tentar identificar a percepção de seu pessoal sobre a existência do problema com um exercício do ti-
po: “Na nossa área as pessoas fazem isto?”. O exercício poderá servir como ponto de partida para
uma discussão sobre o que é o jogo da culpa e como ele se manifesta. Em seguida, o gerente poderá
discutir os malefícios advindos da prática do jogo da culpa a partir das percepções de seus subordi-
nados. Ele poderá tentar identificar os desejos e esperanças de sua equipe em relação a um ambiente
melhor bem como aferir a disposição do pessoal de fazer algo para mudar o ambiente atual.
Isto posto, o gerente poderá anunciar sua disposição de tomar medidas para alterar a situação, co-
meçando por sua própria disposição de mudar. Ele proporá aos subordinados um contrato constituí-
do das seguintes cláusulas:
1. O gerente falará sobre seus próprios erros e pedirá à equipe que lhe dê feedback, criticando-o.
2. Não haverá punição sumária para quem comete erros, salvo atos antiéticos. Todos terão uma se-
gunda oportunidade.
3. Será proibido praticar o jogo da culpa; em contrapartida, também ficará proibido ocultar os pró-
prios erros.
4. Quem souber de um erro cometido por um colega poderá estimulá-lo a assumir o erro.
5. Excepcionalmente, a denúncia do erro alheio será considerada legítima quando se tratar de erro
grave ou de ato antiético.
6. Será proibido usar os erros dos colegas para prejudicá-los ou para se auto-promover. Será puni-
do quem fizer ou tentar fazer isso.
7. O gerente, se necessário, falará sobre os erros dos subordinados privadamente.
8. A identificação dos próprios erros, denominada “capacidade de auto-avaliação”, será considera-
da como uma competência a ser desenvolvida pelos funcionários.
9. Nas avaliações de desempenho periódicas, a capacidade de auto-avaliação será considerada co-
mo um fator de desempenho.
10. Nas avaliações de desempenho periódicas, cada funcionário fará uma auto-avaliação antes de o
gerente avaliá-lo. O gerente discutirá com o funcionário sua auto-avaliação.
11. O gerente pedirá aos subordinados que falem sobre os erros que cometeram em situações rele-
vantes. Ele lhes perguntará o que fizeram para corrigir ou remediar o erro, caso o tenham reco-
nhecido logo, o que aprenderam com essa falha e o que pretendem fazer de diferente no futuro
para não repetir o equívoco.
12. Os funcionários que avaliarem a si próprios com precisão e que demonstrarem ter aprendido
com a própria experiência serão reconhecidos e recompensados.
Como se pode perceber, trata-se de um processo longo, difícil e delicado, características típicas das
iniciativas destinadas a promover mudanças pessoais. Alguém se habilita?
Notas 1 CARNEGIE, Dale. Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas. 25ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969.
p. 154.
*Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro “Ética na gestão de pessoas”. Contato: farah@flaviofarah.com
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