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2⁰ Simpósio Internacional de História das Religiões
XV Simpósio Nacional de História das Religiões
ABHR 2016
GT 75 - Territórios Sagrados: poder, memória e identidades1
Os mapeamentos de terreiro no Brasil: análise na utilização da cartografia social
Aline Soares Rangel 2
1 Inicialmente, o trabalho seria apresentado no GT 63- Religiões de matriz africana: violências, práticas de resistência e identidades. 2 Licenciada em Geografia pela FFP-UERJ. Mestranda em Geografia na PPGEO/UERJ. Endereço eletrônico: alliell_4@hotmail.com
Resumo: Este trabalho analisa os mapeamentos de terreiros realizados por diversas
instituições ao longo do Brasil, sua principal característica é a participação dos membros no
processo de produção dos mapas realizados. Demonstraremos a multiplicidade dessas casas
que utilizam-se desses mapas de diversas maneiras e para vários propósitos. Foi feito com
base nas coletas de materiais, através da pesquisa, acompanhamento, análise de dados,
questionários e entrevistas das comunidades mapeadas, disponibilizados pelas diversas
instituições que são responsáveis pelo mapa. É primordial destacar a relevância dada à
representatividade dos grupos excluídos dentro da sociedade vigente e a importância que
esses mapas têm na luta por igualdade de direitos. E a utilização desses mapas como
ferramenta para que saíssem da invisibilidade como instrumento para fins diversos e no
destaque de suas territorialidades e sua relevância para a valorização das tradições dos povos
de Santo.
Palavras chave: Cartografia-participativa; Religião-matriz-africana; intolerância-religiosa.
INTRODUÇÃO
O referido trabalho tem como perspectiva a utilização das cartografias inclusivas de
ação, que são denominadas cartografias sociais ou participativas. Aqui analisamos a relevância
do estudo das novas práticas cartográficas, sejam elas abordadas na nova cartografia ou na
cartografia social ou participativa que são utilizadas como instrumento de poder por grupos
anteriormente invisibilizados e subalternizados, os povos de santo. Isso percebido na eclosão
de inúmeros mapeamentos que tem acontecido no Brasil.
Devemos destacar a importância do uso da cartografia por esses grupos, os povos de
santo. Abordaremos os mapeamentos de terreiros e de religiões de matriz africana feitos no
Brasil e sua relevância como instrumento de luta e disputa na agenda do movimento negro
contemporâneo como uma das alternativas contra intolerância e religiosa e afirmação da
religiosidade afro-brasileira, como mecanismo de promoção e bandeira para uma
revalorização da tradição e cultura dessas comunidades. Contudo, não devemos desassociar
de outros usos desse mapa produzido por esses terreiros, alguns dos usos, como um
mecanismo comprobatório legal para a requisição de direitos e proteção, junto aos
departamentos públicos cabíveis. Essa correlação existente entre a necessidade da
reafirmação da identidade do negro e a conscientização de suas raízes e tradições que são
elementos da cultura brasileira, destacando a necessidade de políticas afirmativas para a
proteção e resguarda das populações do povo de santo.
Organizamos esse artigo em três momentos distintos, primeiramente faremos uma
revisão bibliográfica com uma discussão com a base epistemológica desse trabalho,
posteriormente faremos uma exposição de alguns dos mais relevantes mapeamentos
finalizados. E por último uma análise dos mapas e do material exposto pelos responsáveis
pelos projetos emergentes em todo o país de mapeamentos de casas religiosas de matriz
africanas, destacando os principais mapeamentos realizados como obra afirmativa para a
promoção de igualdade racial e a valorização das tradições dos povos de terreiros, destacando
suas características e a relevância de tão distintos projetos que trazem aos mapas dando
visibilidade a homens e mulheres que anteriormente tinham como aliado sua camuflagem.
Tentamos aqui demonstrar a junção desses “povos de Santo” com instituições diversas com
intuito de dar aos mesmos a possibilidade de luta por igualdade e direitos.
Analisaremos brevemente os dois últimos censos do IBGE (2000 e 2010) que mostram
uma estabilização o número de praticantes das religiões de matriz africana, consideradas
nesse trabalho como umbanda e candomblé, frente a um aumento nos membros das religiões
evangélicas, principalmente os pentecostais e neopentecostais. Refletindo a partir do caso do
estado do Rio de Janeiro, que possui expressivo número de evangélicos, defendemos a
hipótese que se faz necessário fazer uma correlação entre o crescimento destas
denominações com suas as estratégias proselitistas de encorajamento de ações intolerantes
– praticadas por algumas dessas religiões – tendo como principais alvos os membros de
religiões de matriz africana, seus terreiros e festividades, como vemos em Silva (2015). E com
isso, muitos desses terreiros, tem seu direito à culto violado e seus terreiros depredadas.
Numa outra perspectiva, religiosos de matriz africanas mobilizam-se em cooperação
com diversas instituições para realização desses mapeamentos que acontecem no país.
Algumas das causas apontadas como fator determinante desse movimento paradoxal de
estabilização e mobilização, seria uma corroboração entre necessidade de proteção e a
intolerância religiosa, especificamente, por medo da represália vivenciada por esses membros
frutos da intolerância religiosa, que lhes são submetidos historicamente, como vemos na
literatura. E para defenderem-se desta mesma intolerância religiosos utilizam sair da
invisibilidade e mostrarem-se nos diversos mapeamentos existentes.
Analisaremos diferentes correlações existentes entre esses povos de terreiro, suas
vivências e pleitos com base nos dados do censo, e associá-lo com a questão geográfica
implícita nas relações existentes nessa disputa de poder que ocorre no campo religioso,
expressado, vivido e representado no espaço e na paisagem. Para isso, utilizaremos a
perspectiva da descrição densa de Geertz (1978:7), com o cuidado de observar as
manifestações culturais explicitadas na valorização da tradição afrocentrada com uma teia de
significados, só sendo possível ao entender as várias possibilidades de lê-las por diferentes
perspectivas. Esta metodologia visa elaborar uma análise que perpassa o olhar objetivo dos
dados do censo. Para isso fizemos a análise de material divulgação, análise metodológica dos
mapas, visando saber que tipo de técnica cartográfica foram utilizadas e do material fornecido
pelos responsáveis dos projetos. Com o material exposto online, criamos um quadro de dados
sistematizado com informações pertinente dos mapeados, fotos, mapas e números de cada
projeto, através desse quadro de dados conseguimos perceber similaridades e
particularidades de cada mapeamento.
Pretendemos destacar algumas das riquezas culturais compreendidas nas tradições
religiosas de matriz africana, realçando sua etnicidade, suscitando a pluralidade e relevância
desses terreiros. Para tal, destacaremos a territorialidade, a questão identitária e a
complexidade de cultos e ritos. Falar de candomblé é falar de resistência e de riqueza, seja
nas indumentárias, na linguagem, nas expressões sagradas que se materializam no corpo, na
esquina, nas vestes, na comida, na natureza. Essa herança traz consigo um passado marcado
de perseguição e violência.
Temos, neste trabalho, o intuito de uma aproximação da análise geográfica da religião
com os povos de terreiro, tendo a dimensão poderosa que a religião tem na reorganização de
espaços, disputas de poder, (Raffestin, 1993), mudanças na paisagem e principalmente
demarcar como essas lutas acontecem nas áreas urbanas e suas periferias. A escolha de partir
do censo do IBGE foi uma tentativa compreender como as mudanças ocorridas no campo
religioso brasileiro servem como indicativo relevante de ações que geraram reações. Uma
destas reações está materializada como mapa, um símbolo geográfico. Essa análise é uma
iniciativa de olhar para uma discussão sobre, cultura, religião e diversidade das religiões de
matriz africana e suas particularidades.
A ECLOSÃO DE MAPAS DE TERREIRO
Nessa etapa do trabalho analisaremos as recentes cartografias participativas de
terreiros que emergem por todo o Brasil, experiências mais consolidadas como o caso do
Mapeamento dos Terreiros das Casas Religiosas de Matriz Africana, no Rio de Janeiro e
mapeamentos mais recentes como o que acontece em Ilhéus. Faremos um levantamento
desses dados disponibilizados através da internet e suas especificidades.
Analisaremos os atores inseridos na etapa de elaboração dos mapas, para que
entendamos o papel participativo que foi administrado para fazê-lo. Nessa etapa,
demarcaremos não só a metodologia como também a relevância do processo de construção,
já que ao serem inseridos nessa etapa, aqueles que estão sendo mapeados veem estão
integrados, tendo a possibilidade nas escolhas e relevância de assuntos que são fundamenteis
para descrever suas vivências, que se explicitam em suas tradições e culturas.
É necessário entender que para os povos que expressam as religiões de matriz africana
tem vivenciado anos de violência e omissão com relação ao poder público e mesmo assim,
conseguiram transpor essas adversidades, mantendo suas tradições e cultos religiosos. Seus
espaços se dão de formas distintas com uma grande variedade de utilização com grande
relevância para suas cerimônias religiosas e vida social, como o que destaca Ratts e Teixeira
no fragmento abaixo:
Umbandistas e candomblecistas podem frequentar o terreiro pelo culto pelos serviços religiosos, mas também o fazem como quem vai a um local sagrado e nele permanecem particularmente no candomblé, entre irmãs e irmãos, entre mães e pais, entre guias”. Terreiros podem ser considerados casas, termo pelos quais muitas vezes são denominados. A casa remete a um grupo – não homogêneo indiferenciado internamente, mas relativamente coeso. O terreiro-lugar pode ser casa, pode ser território – de um grupo religioso, pode ser território--terreiro, como propõe Corrêa (2005). (RATTS e TEIXEIRA, 2011: 344).
A necessidade que essas casas têm de sair da invisibilidade para poderem reivindicar
seus direitos é um ponto em comum, contudo as grandes mobilizações por todo o país acerca
dos mapeamentos de terreiro, que querem destacar suas casas, seus ritos, seus trabalhos
sociais na comunidade em que estão localizados é uma indicativa das ações afirmativas, que
são firmadas pelo movimento negro para uma revalorização da cultura africana, assim como
metidas que são reflexo dessa luta contínua, por promoção da igualdade racial.
“É bastante recente o amálgama existente entre ativismo político das
questões étnico-raciais e os assuntos relacionados ao universo das comunidades--terreiro da religião afro-brasileira. O entrelaçamento de posições assumidas por militantes do MN e povo de santo daquela prática religiosa ocorreu, presumo, por diversos fatores, dos quais podemos elencar dois fundamentais: a) o universo das lutas desferidas pelo MN contra o racismo, a discriminação, o preconceito, ao afetar as populações afro-brasileiras, o faziam no interior de sua cultura, aqui consideradas como o amplo espectro de atitudes, valores, pensamentos, sabores, onde a religiosidade faz parte enquanto elemento fundante; a partir deste momento estava criado o amplo arco de preservação das matrizes negras contra todo tipo de xenofobia. b) Participação voluntária de diversos militantes do MN no interior das comunidades-terreiro na condição de “iniciados”, cuja visão de dentro proporcionou a vinculação do discurso militante juntamente com aquele de caráter religioso...” (PIRES 2011, :328).
Outro ponto de destaque é a tentativa de proteção contra ações violentas que são
sofridas por seus terreiros/casas e adeptos motivados tela intolerância religiosas. Questão de
que esses líderes vêm denunciando, mas como não tinham nenhum “documento” que
formalizasse a situação legal de suas casas, muitas vezes caía no esquecimento e o agressor
se mantinha impune. Essas ações tem sido foco dos praticantes e zeladores de terreiro, que
tomam diversas outras medidas como podemos exemplificar a marcha contra a intolerância.
Esses mapeamentos são considerados por eles, uma prova de sua existência e importância
que suas tradições têm para a narrativa histórica da população brasileira.
Aqui apresentamos alguns desses casos com suas particularidades em uma série de
mapeamentos que diferem em alguns conceitos metodológicos ou apresentação, mas que
tem uma grande importância para os povos da religião de matriz africana.
Essa pesquisa nos impressionou ao ver que muitas dessas casas mantinham-se
invisibilizadas por questões ligadas ao preconceito/intolerância religiosa passaram a optar por
fazer parte desse mapeamento. Um dos motivos relatados pelos “pais e mães de santo” era a
necessidade corrente que eles tinham de “aparecer” para que pudessem recorrer junto ao
poder público, para exigir proteção e outros direitos que sempre lhes eram negados, outra
necessidade, era reafirmar a cultura e descendência africana, explícitos em seus cultos e
tradições (PIRES, 2012).
Percebemos que historicamente essas casas que seguem as religiões de matriz
africana, como umbanda e candomblé, dentre outras, muitas delas eram destruídas, seus
membros agredidos e até desapropriadas e não havia como caracterizar como uma ação de
intolerância.
OS MAPEAMENTOS
MAPEAMENTO DAS CASAS AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
No ano de 2006, Mãe Beata de Iemanjá, líder negra religiosa do Candomblé residente
de Nova Iguaçu, que realiza dentre outros trabalhos para valorização a mulher negra e das
religiões de matriz africana, idealiza o mapeamento e procura a PUC RIO com a proposta de
mapearem as casas religiosas de matriz africana no município do Rio de Janeiro e regiões
metropolitanas. 25 de agosto de 2008: é assinado um protocolo de intenções entre Mãe
Beata, PUC-Rio e o governo federal (SEPPIR) para a realização da pesquisa.
Em maio de 2008 foi formado o Conselho Griot, composto por quatorze autoridades
religiosas sendo sete do Candomblé e sete de Umbanda, com a finalidade de dar suporte a
esta pesquisa e orientar a academia (PUC-Rio) e o poder público (SEPPIR) na construção deste
trabalho acompanhando e deliberando em toda a sua elaboração. Após a criação do conselho
decidiu-se que o mapeamento se realizaria na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro e São
Gonçalo. O mapeamento começou em outubro, com coordenação do Núcleo Interdisciplinar
de Meio Ambiente (Nima) e do Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória
Afrodescendente (Nirema).
O projeto tem como objetivo de visibilizar o quantitativo de Terreiros de Umbanda e
Candomblé presentes no Estado com a objetivação de que este resultado possibilite a
construção de Políticas Públicas que beneficiassem essas casas religiosas e também o seu
fortalecimento na luta pela liberdade religiosa através da construção de uma cultura de Paz
criando mecanismos na defesa contra a violação de direitos frequentemente sofridos pelas
casas de religiões de matrizes africanas, compreendida como sistêmica orquestrada e
absolutamente estratégica enquanto prática de racismo com finalidades políticas e
econômicas.
Esse projeto é a primeira materialização da desejada integração de movimentos sociais
atuais, suas territorialidades, conteúdos e práticas já trabalhadas em pesquisas anteriores
através do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente - NIMA e Núcleo Interdisciplinar de
Reflexão e Memória Afrodescendente - NIREMA/PUC-RIO. Sua grande inovação é a
construção de uma base documental qualitativa através de um trabalho de campo sistemático
para que esta seja mapeada utilizando-se a tecnologia do Global Positioning System-GPS—,
que permitirá diferenciadas leituras das territorialidades humanas integradas às suas
paisagens correspondentes.
Em dezembro de 2007, quando ainda estava em processo de desenvolvimento, o
estudo recebeu o Prêmio Nacional dos Direitos Humanos na categoria Liberdade Religiosa,
indicando o respeito não só às religiões de matrizes africanas, mas a toda pluralidade religiosa
encontrada em nosso País. Segundo a pesquisadora e fundadora da Casa do Perdão, Flávia
Pinto, existem dois mil terreiros em todo o estado aguardando em uma fila de espera para
serem mapeados. Após finalizarem a primeira parte de do projeto dependem de novos
repasses de verbas para darem continuidade ao mapeamento. Sendo um dos lemas do projeto
o combate a qualquer tipo de intolerância que essas casas venham sofrer.
O trabalho realizado pela PUC- Rio ainda está acontecendo, casas religiosas de matriz
africana que tem interesse em serem mapeadas por todo estado entram em contato com a
instituição para receberem a visita dos pesquisadores e responderem o questionário. É
imprescindível destacar a importância do mesmo para as casas mapeadas. Assim como seu
valo no endossamento cotidiano das lutas vivenciadas por essas casas para obterem respaldo
que lhes permita igualdade racial e respeito frente a diversos setores da sociedade. A grande
adesão ao mapeamento demonstra a necessidade dessas casas saírem da marginalidade que
a invisibilidade, que anteriormente lhes eram um dos mecanismos encontrados para a
convivência e permanência em seu lócus de origem.
Neste momento optar pela exposição e a mobilização com outros chefes de terreiros,
zeladores de casas de santo, cria um endossamento de forças para uma revalorização das
religiões de matriz africana, na intolerância religiosa que a eles foram submetidas por distintos
grupos, por exemplo, a especulação imobiliária que expulsam os zeladores dessas casas,
quando há na região uma revalorização nos preços dos terrenos. Ou por grupos religiosos
fundamentalistas, que entram nessa casa com intuito de depredação de seus santuários, que
para esses seguidores é conhecido como gongá.
A manutenção dessas casas é de suma importância no processo de reparação e
valorização histórica que vem ocorrendo na sociedade brasileira contra a violência e
desigualdade a que o negro vem vivenciando ao longo dos anos na hierarquização social a que
foi submetido. Essa valorização, reparação foi fruto da mobilização do movimento negro que
teve um desdobramento em diversas políticas públicas e leis para que as religiões, antes
marginalizadas pudessem requerer seus direitos junto ao poder público. Essa legitimação no
caso do Mapeamento das casas Religiosas de Matriz Africana do Rio de Janeiro tem no mapa
produzindo um instrumento a mais nessa empreitada.
A seguir demonstraremos o mapa resultante da pesquisa, com suas demarcações.
Percebemos nesse mapa uma concentração de casas religiosas na região metropolitana do
Rio de Janeiro, área em que houve maior divulgação da pesquisa. A PUC-Rio utiliza uma
plataforma própria para a exposição do mapa, destacamos algumas dificuldades ao manuseá-
las, o que torna mais difícil o uso de pessoas que não tenham um conhecimento prévio ao
fazê-lo.
Mapeamento das Casas Religiosas de Matriz Africana PUC - RIO
Mapeamento das Casas Religiosas de Matriz Africana PUC - RIO
MAPEAMENTOS DOS TERREIROS DE CANDOMBLÉ DE SALVADOR
A cidade de Salvador é a capital com o maior número percentual de população
afrodescendente do Brasil. Culturalmente temos nessa representatividade uma característica
que perpassa as reminiscências. A sociedade soteropolitana está intrinsecamente permeada
de conceitos e tradições negras, ela foi moldada e formada sobre influência direta desses
costumes de homens e mulheres afrodescendentes e essa influência preta é percebida na
religiosidade sob a forma de diversas denominações religiosas que diferenciam por nações
com distinções no vocabulário (Angola, Ketu, Jeje. Ijexá).
No ano de 2010 houve uma mobilização da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do
Seppir (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) com intuito de
registro desses terreiros da cidade de Salvador. Realizaram conjuntamente um levantamento
dos terreiros de salvador com o intuito de conhecer os terreiros. O levantamento levava em
consideração dados quantitativos como o número de terreiros saber quantos terreiros
localizados são e onde estão localizados com suas respectivas situações documentais no que
se refere à titulação de propriedade.
Atualmente esse projeto é um rico banco de dados com uma vasta documentação
disponibilizada no site do mapeamento. Tem uma base acessível para consulta com várias
opções para aqueles que se predisporem ao fazê-lo. E ao encerrar o processo de
questionários, organização de banco de dados, documentação em fotos e plotagem nos
mapas o resultado final é uma série de registros que legitimam as diversas frentes de luta
dessas comunidades importantes para a sociedade de Salvador. Esses mapas foram utilizados
para políticas públicas e regularização fundiária impedindo até mesmo que algumas casas não
fossem expulsas de suas casas por interesse de grupos do setor imobiliário.
Mapeamento de Salvador
Figura 7 - Mapa dos Terreiros de Salvador
MAPEAMENTO DAS CASAS DE TERREIRO DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA
O projeto Mapeamento das casas de terreiros do município de João Pessoa (PB)
realizado pela Casa de Cultura Ilê Asé d’Osoguiã (IAÔ) foi responsável pela realização do
projeto, que teve como gestor e mantedor o Fundo de Municipal de Cultura, no estado da
Paraíba, para desenvolver atividades voltadas para a promoção de políticas públicas na capital
paraibana.
O IAÔ ficou responsável pela elaboração do questionário e pelo recrutamento dos
agentes censitários do projeto. O questionário semelhava-se com o elaborado pela Puc-Rio,
levando em considerações questões quantitativas e qualitativas. Como diferencial desse
projeto podemos destacar a valorização dada práticas de saúde dos povos tradicionais, ou
seja, a valorização dos conhecimentos que perpassam de geração para geração e são
transmitidas pelos povos de terreiros em suas práticas e místicas como, por exemplo, a
utilização de chás e unguentos para alguns males, que são práticas recorrentes dos ritos do
Candomblé e Umbanda.
Nos dias 9 e 10 de julho de 2011foi realizado o I Seminário de Políticas Públicas e
Confraternização das Comunidades de Terreiros de Matriz Africana do Estado da Paraíba,
realizada nos dias. Durante o encontro, foram apresentados os dados resultantes do
mapeamento e propostas políticas públicas para questões voltadas à saúde das comunidades
de terreiros, o enfrentamento à intolerância religiosa e a implementação da Lei 10.639, que
garante o ensino da história e cultura afro-brasileiras nas escolas.
Notamos no mapa uma pulverização dessas casas na região de João Pessoa, sendo a
maioria próxima a capital. Os dados são bem disponibilizados e base do Google facilita a
utilização por parte do usuário. Segue o mapa para que possamos observar:
Mapeamento de João Pessoa
Figura 8 - Mapeamento de João Pessoa
MAPEAMENTO DOS TERREIROS DE CANDOMBLÉ EM ILHEUS
O Núcleo de Estudos Afro-Baianos Regionais, o Kàwé, da Universidade Estadual de
Santa Cruz, foi responsável pelo mapeamento. Que começou com o intuito de um trabalho e
documentação do histórico das tradições e cultura de matriz africana na região de Ilhéus, para
isso os cuidadores desses terreiros, chamados por eles de pais e mães de santo foram
buscados para auxiliarem essa reestruturação cultural. Foram localizados os vários pais e mães
de santo e chegando no Pai Pedro, Mãe Pedrina, Mãe Malungo Monaco e Mãe Ilza Mukalê,
que os auxiliaram no início dessa tarefa.
Munidos da documentação oral inicialmente coletada, teve-se a ideias de mapear os
Terreiros do Sul da Bahia. Os pesquisadores e estudiosos do Kàwé daquela época foram
responsáveis por toda a parte teórico-metodológico na elaboração de um questionário inicial,
da elaboração de um banco de dados e divulgação do trabalho com outros pais de Santo. Cabe
salientar a contribuição da Associação as Yabás, que forneceu fichas cadastrais de um pré-
mapeamento já realizado pela referida associação.
Posterior mente essa etapa da pesquisa chegaram ao número de 32 terreiros em
Ilhéus; 11, em Itabuna; 2, em Itajuipe; 1, em Bandeira do Almada; 2, em Coaraci; 2, em Una;
2, em Canavieiras; 2, em Buerarema; 1, em Arataca e 2, em Camacan, perfazendo um total de
57 terreiros a serem visitados.
Após um período paralisado a Professora Valéria Amim tomou como objeto para sua
pesquisa as “Águas de Angola em Ilhéus”, que teve como objetivo traçar o perfil, uma
caracterização dos cultos de matriz africana em Ilhéus seguindo para o mapeamento
propriamente dito. Esse trabalho foi se modelando e o estudo sobre as configurações
identitárias do candomblé no Sul da Bahia teve um posicionamento central.
O mapeamento de terreiros fez-se fundamental para demonstração da relevância
dessas casas até então invisibilizadas. E então assim surge este Mapeamento de terreiros em
Ilhéus que foi bem aceito pelo próprio povo de santo de Ilhéus.
A professora Valéria Amorim, em conversa por telefone relatou que houve uma grande
dificuldade na utilização do GPS, dada a imprecisão ao demarcar os terreiros. Disse também,
que optaram pela plataforma Google, por ser mais costumaz o que facilitaria o seu manuseio.
O resultado final do mapa foi recebido com grande entusiasmo pelos regentes e membros dos
Terreiros e foi publicado pela Revista Kawe dessa mesma instituição.
A seguir o resultado final do mapa de Ilhéus, percebemos neste mapa, um
adensamento maior na região compreendida entre os leitos de rio, matas e o litoral. Essa
proximidade nos traz a referencias existente entre aos cultos afros e sua ligação direta com as
forças da natureza, os Orixás (deuses e deusas da religião de matriz africana) são forças da
Natureza, aqui representado, como Oxum, mãe das cachoeiras e rios, Oxóssi, caboclo das
matas e Iemanjá, ou Yeamanjá, senhora dos mares variável de acordo com o Candomblé ou a
Umbanda. Essa religião tem uma grande e inseparável ligação com elementos da natureza.
Mapa dos Terreiros de Ilhéus
Figura 9 - Mapeamento dos Terreiros de Candomblé de Ilhéus
MAPEANDO O AXÉ
Várias secretárias dentre ela, o Seppir, o Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS), a Unesco e outras secretarias se uniram para a realização dos
mapeamentos dos terreiros das capitais, Salvador, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre. Para
execução desse projeto fizeram uma seleção mediante a edital público para a escolha de uma
produtora interdisciplinar capaz de elaborar e executar tal mapeamento. Na seleção é eleita
a Associação de Filmes de Quintal, que passa ser então o responsável na preparação para que
o projeto tomasse forma e saísse do papel.
Esse mapeamento teve como características reunir dados que permitissem não só o
georeferenciamento, mas também um banco de dados que tornasse possível a catalogação e
descrição das características social, econômicas e políticas desses terreiros nas relevantes e
populosas capitais. Esse agrupamento de dados permitiria que houvesse uma exposição das
áreas mapeadas.
A Filme de Quintal ficou responsável pela elaboração do questionário que seria
responsável pela implementação do banco de dados com informações relevantes como
localização, número de membros, escolaridade desses membros e regentes, fotos, linhas que
essas casas seguem, se são de Umbanda, se de Candomblé, se sim, de que nação; se são de
Quimbanda, quantos anos seguem, quantidades de membros e se essas casas possuem algum
tipo de ligação ou recebem algum tipo de benefício por órgãos públicos.
Munidos dessas informações foram traçados perfis característicos para cada uma das
quatro capitais, com seus pontos de semelhança e distinção. Onde fica claro a necessidade de
um maior investimento por parte do poder público na manutenção e resguardo desse
patrimônio cultural que são os Terreiros, que muitas vezes se encontram em total abandono
sendo vitimizados pela pressão social e descaso público, assim como pelo preconceito
baseado em questões raciais e intolerância religiosa. Foi ressaltada no relatório final a
relevância dessas comunidades para seus seguidores, mas uma correlação importante com
suas cidades de origem, uma correlação que permeia a própria descrição da capital.
Os Terreiros são parte da cidade, vivenciam e contam a narrativa das mesmas.
Portanto seu legado e história não podem ser suplantados como vinha acontecendo, sejam
pelo descaso vivenciado por essas comunidades com relação a políticas públicas, seja, pela
ação da especulação imobiliária com uma valorização das áreas metropolitanas, pós-
aquecimento da economia, ou pela ação de grupos que fazem da intolerância religiosa um
ponto de explicação para atitudes de violência.
Esse mapeamento vem sendo utilizado por essas comunidades para requisição de
proteção junto ao poder público para a solicitação de medidas de ação por meio dos órgãos
responsáveis. Outro ponto característico é a valorização da cultura e tradição
afrodescendente para o fortalecimento da valorização de suas matrizes. Os povos de terreiro
necessitam de um resguardo para que suas vivências, seus direitos, cultos e práticas sejam
protegidas.
A resultante foi o mapa das Regiões Metropolitanas de Belém, Belo Horizonte, Porto
Alegre e Recife que vemos a seguir. Com um banco de dados acessível aos usuários que
permitem a visualização das fichas resultantes com fotos em alguns casos e dados de todas as
casas mapeadas. A base escolhida para o mapa foi a do Google o que facilita o manuseio o site
é dividido em duas partes, uma delas mais ligados aos dados referentes do mapeamento e a
outra o mapa propriamente dito. Sua relevância diz respeito com relação aos pontos aqui
apontados como a valorização dos terreiros, por exemplo, como também um modelo que foi
capaz de mapear cidades distintas num mesmo projeto.
Mapeamento de Belém
Figura 10 – Mapeando o Axé
CONCLUSÃO
O referido trabalho teve como objetivo fazer uma reflexão na correlação existente
entre a eclosão de mapeamentos no Brasil e a necessidade de uma maior visibilidade dos
povos de terreiro, como motivação destacamos a proteção e promoção de sua ancestralidade
religiosidade.
Em contrapartida associamos a nova utilização da cartografia pelos grupos que
anteriormente eram invisibilizados por elas mesmas como é o caso dos negros. Esses grupos
têm se utilizado desses mapas, que são feitos conjuntamente entre acadêmicos/instituições
e os povos de terreiro para dar origem a mapas que serão uteis em suas reivindicações e lutas.
Esses mapas que surgem em todo o país têm diferentes motivações e finalidades, contudo,
percebemos que sua utilização vem endossando a luta do negro na sociedade
contemporânea, luta contra a intolerância religiosa, contra grandes grupos do ramo
imobiliários que vêm historicamente sendo o opressor de comunidades tradicionais pela
forma estrutural no qual a sociedade foi constituída.
A perspectiva da religião que é a nossa área de enfoque nos direcionará a considerar
quais implicações nessa situação, já que existe sobrepostas várias considerações. Uma
comunidade tradicional com ritos e características próprias. Com uma relação singular com
seu território, a dimensão espacial com sua ligação com as tradições religiosas, fazendo desse
espaço um espaço sagrado. A proteção que lhes é garantida por lei. A valorização da
ancestralidade africana expresso nos seus cultos religiosos.
O desrespeito vivido pelos membros dessa comunidade tanto no que se diz respeito a
questão da intolerância, quanto no tocante da desterritorialização implícita nos grandes
centros. É importante para nós geógrafos para balizarmos as questões sociais implícitas nessa
agenda.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CORRÊA, A. M. Irmandade da Boa Morte como manifestação cultural afrobrasileira: de cultura alternativa à inserção global. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: CCMN / PPGG /UFRJ, 2004.
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