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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
NEOCONSERVADORISMO PÓS-MODERNO: IMPLICAÇÕES TEÓRICO-POLÍTICAS
PARA O FEMINISMO
Thaisa Vanessa Costa Oliveira1
RESUMO:
Esse artigo tem como objetivo problematizar os pressupostos teóricos-políticos da pós-
modernidade, bem como as implicações ideopolíticas para a organização dos movimentos sociais,
particularmente do feminismo. Demarcamos teórica e politicamente nossa perspectiva de análise na
esteira do referencial marxista. Assim, analisaremos a pós-modernidade imbricada à atual crise do
capital, que se traduz na revitalização do conservadorismo, no irracionalismo e nos processos de
reificação constitutivos da sociabilidade capitalista. Concluímos que, para o movimento feminista
um dos grandes desafios que se coloca na atualidade é articulá-lo a uma perspectiva radicalmente
classista. Somente uma ampla convergência de lutas anticapitalistas, antipatriarcais, antirracistas e a
nossa capacidade organizativa de construir estratégias coletivas podem apontar caminhos
emancipatórios para construção de uma nova sociabilidade.
Palavras-chave: Conservadorismo. Pós-modernidade. Feminismo.
I. Introdução
Mudanças profundas ocorridas no âmbito da economia, da política, da tecnologia, do social
estariam inaugurando uma nova época, um novo ciclo histórico. Análises mais apressadas insistem
em afirmar que a modernidade, de fato, chegou ao fim e que vivemos numa nova era: uma era pós-
moderna. Para os teóricos dessa perspectiva teórico-política está em curso acontecimentos de
ordem inteiramente nova para os quais as análises clássicas não oferecem mais respostas adequadas,
pelo contrário, já perderam a validade e são incapazes de responder por essas transformações que se
processam contemporaneamente.
Há muito que se decreta o fim da modernidade. Segundo Magalhães (2004, p. 61) “desde a
década de 30 já se fazia uso do termo pós-moderno no mundo hispânico, pelo menos ‘uma geração
antes do seu aparecimento na Inglaterra e nos Estados Unidos’. ” Todavia, o debate sobre a pós-
modernidade só ganha amplitude no final da década de 1970 com o lançamento do livro do filosofo
francês Jean-François Lyotard, A condição pós-moderna.
Embora o conceito de pós-modernidade remonte à primeira metade do século, os tempos
“pós-modernos” só se revelam em sua inteireza a partir da crise que o sistema do capital se encontra
imerso desde os anos de 1970 e das mudanças operadas pelo capitalismo desde então. “Em resumo,
1 Assistente Social, mestranda em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Direitos Sociais
(PPGSS) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, Mossoró, Brasil.
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a pós-modernidade é um fenômeno próprio da mundialização do capital, cuja gênese teórica não
nova, mas somente agora se mostrou capaz de plena realização” (MAGALHÃES, 2004, p. 63).
Nesse sentido, analisaremos a pós-modernidade imbricada à atual crise capitalista, supondo
sua inserção em um processo sócio-histórico movido por um conjunto de determinações estruturais,
que incluem fatores econômicos, político, sociais, culturais e pela luta de classes, própria da
sociabilidade burguesa.
Portanto, demarcamos teórica e politicamente nossa perspectiva de análise na esteira do
referencial crítico marxista, por compreendermos que se trata da teoria/método mais fidedigno de
apreensão do movimento dialético do real e que permite apreender os processos que se desdobram
atualmente dentro de uma perspectiva de totalidade e que supere a superficialidade aparente dos
fenômenos. Nesse sentido, o pensamento marxiano e do próprio marxismo como teoria e como
práxis política nunca foi tão atual em tempos de crise do capital, irracionalismo e pós-modernidade.
II. O fim da modernidade: a retórica pós-moderna
O marco inaugural da modernidade está representado pelo Iluminismo2, que calcou o seu
projeto na ideia de que a razão é o instrumento indispensável para a autodeterminação do homem, e
por meio dela a humanidade poderia se emancipar e exercer a liberdade (EVANGELISTA, 1992).
A crítica feita à modernidade pelos ideólogos da pós-modernidade, vem sendo dirigida ao
conjunto de sua racionalidade e a consequente negação daqueles que são considerados seus ideais
mais caros: história, sujeito, revolução, humanidade, progresso, ciência, verdade. Nesse sentido,
segundo Santos (2007, p. 32) “o capitalismo já algum tempo vem tentando se ver livre do projeto
civilizatório da modernidade devido a sua incompatibilidade histórica cada vez mais evidentes com
os valores centrais constitutivos desse projeto.”
O projeto do Iluminismo teve como conquista civilizatória fundamental o “desencantamento
do mundo” a partir da progressiva substituição do teocentrismo medieval pela centralidade do
homem, isto é, pela centralidade da razão e do humanismo. Até então, predominava a visão mística
e sobrenatural do mundo, própria da Idade Média, fomentada pela Igreja e pela nobreza feudal.
2 Linha filosófica caracterizada pelo empenho em estender a razão como crítica e guia a todos os campos da experiência
humana. O Iluminismo compreende três aspectos diferentes e conexos: 1º extensão da crítica a todo e qualquer crença e
conhecimento, sem exceção; 2º realização de um conhecimento que, por estar aberto à crítica, inclua e organize os
instrumentos para sua própria correção; uso efetivo, em todos os campos, do conhecimento assim atingido, com o fim
de melhorar a vida priva e social dos homens (ABBAGNANO, 2011, p. 534-535).
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A ascensão da burguesia, aliada a necessidade prática de impor uma nova visão de mundo e
se desvencilhar das amarras feudais que se constituíam em entraves ao desenvolvimento do
capitalismo, exigiu que a burguesia assumisse um papel altamente revolucionário no processo de
sepultamento da ordem feudal. Como apontam Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista
(...) os meios de produção e de circulação, sobre os quais a burguesia se apoia,
formaram-se na sociedade feudal. Em uma certa etapa do desenvolvimento desses
meios de produção e de circulação, as forças produtivas não encontram mais
correspondência com as relações com as quais a sociedade feudal produzia e
trocava, com a organização feudal da agricultura e da manufatura, em suma, com
as relações de propriedade. Estas obstruíram a produção em vez de incentivá-la,
transformando-se em outras tantas amarras que a paralisavam. Elas precisavam ser
destroçadas e foram destroçadas (2008, p. 16-17).
Portanto, as modificações que ocorreram na transição do antigo regime para o capitalismo
foram, sem dúvida, a negação de toda a ordem política, econômica, social e ideológica precedente
(MAGALHÃES, 2004).
O papel revolucionário assumido pela burguesia, que tem seu apogeu no processo
revolucionário francês em 1789 na luta contra o absolutismo feudal, se expressava principalmente
nos valores que a burguesia era portadora nesse momento: “a afirmação da universalidade,
individualidade e da autonomia como pilares de sustentação dessa consciência revolucionária”,
conforme Santos (2007, p. 33). Ao conquistar a hegemonia político-econômica a burguesia passa a
negar esses valores, assumindo um caráter profundamente conservador.
Isso significa dizer que o projeto da modernidade foi útil à burguesia enquanto seus
interesses ainda eram expressões universais. A partir do momento que se
transmutaram, evidenciando seu projeto particular de classe dominante, a
modernidade e seu desenvolvimento em direção à emancipação humana e à razão
dialética passam a representar uma ameaça. (SANTOS, 2007, p. 34).
Com a conjuntura revolucionária que emerge em 1848 se encerra o ciclo progressista da
classe burguesa. A Revolução de 1848 traz à tona o caráter antagônico dos interesses das classes
sociais num processo que estaria excluída qualquer colaboração de classes. Se explicita as
limitações do projeto burguês e impossibilidade de realização nesse horizonte político os interesses
de toda a humanidade. Uma das resultantes desse processo revolucionário foi a passagem do
proletariado da condição de classe em si para classe para si.
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A moderna sociedade burguesa não aboliu as contradições de classe, ela apenas colocou
novas classes, novas condições de opressão e novas formas de luta no lugar das antigas. Toda
sociedade se divide em duas classes diretamente opostas: a burguesia e o proletariado (MARX;
ENGELS, 2008). Os primeiros se constituem os proprietários dos meios de produção e da riqueza
socialmente produzida através da exploração do trabalho e da extração de mais-valia. Os
proletários, possuidores apenas de sua força de trabalho, são forçados a vende-la no mercado em
troca de um salário e se constituem numa mercadoria como outra qualquer.
A era moderna inaugurou, portanto, conforme Santos (2002) uma nova forma de organizar o
processo de produção e reprodução social, evidenciando a presença do capital na direção do
conjunto da sociedade. Desse modo, a ascensão da burguesia como classe dominante, a questão da
liberdade individual, da igualdade dos indivíduos (do ponto de vista jurídico-formal), da
constituição do Estado moderno e da soberania popular são instituídas como essenciais ao novo
formato societário. Esses aspectos sintetizam um verdadeiro divisor de águas entre as sociedades
tradicionais e a sociedade moderna burguesa.
III. “Crise do marxismo” e neoconservadorismo pós-moderno
A crescente complexificação do capitalismo em sua fase tardia, o fim das experiências
socialistas do Leste Europeu, a adesão da antiga União Soviética à economia de mercado tem
contribuído para um questionamento implacável do marxismo como teoria e práxis política. Para os
críticos da modernidade a realidade atual defronta-se com uma série de transformações econômicas,
políticas, culturais, tecnológicas incapazes de serem captadas pelo referencial marxista. Seria
necessário buscar novos referenciais de análise aos problemas colocados pelo mundo
contemporâneo. Essa busca, todavia, tem apontado para perspectivas cada vez mais irracionalistas,
totalmente descoladas da realidade concreta e de seu conteúdo sócio-histórico.
Para alguns círculos de intelectuais, as Ciências Sociais estariam atravessando uma suposta
“crise de paradigmas. ” As grandes teorias sociais ou metanarrativas que alicerçaram seu paradigma
sob a influência da modernidade, da razão e do progresso civilizatório da humanidade, estariam
agora diante de uma crise sem precedentes que demonstraria justamente a incapacidade e
insuficiência dessas teorias em explicar os fenômenos sociais nas sociedades contemporâneas.
Assim, seria necessário a elaboração de um novo paradigma que desse conta dessa nova realidade.
É a partir dessa premissa que se localiza a crítica feita ao marxismo.
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Conforme Wood (1999, p. 10) segundo os teóricos dessa vertente “vivemos uma época ‘pós-
moderna’ que o projeto do iluminismo está morto, que todas as antigas verdades e ideologias
perderam a relevância e que os velhos princípios de racionalidade não mais se aplicam”. A pós-
modernidade proclama o fim da modernidade e que todas as expectativas históricas que
caracterizam a cultura ocidental perderam a relevância, entre elas a razão e a liberdade.
“Sabe-se que o pensamento que se chama pós-moderno está longe de ser algo homogêneo.
Mas não seria irrazoável afirmar que o abandono das categorias de totalidade e da essência está
entre as características comuns a todas as formas desse pensamento” (TONET, 2005, p. 8). Ao
invés disso, o construto pós-moderno centra suas análises na valorização do fragmentário, do
microscópico, do singular, do efêmero, do imaginário, do subjetivo.
A realidade, para a perspectiva pós-moderna, deixou de ser a referência para a produção do
conhecimento. O simbólico, a imagem, os discursos, as representações, passaram a ocupar a
centralidade em detrimento da realidade objetiva. A possibilidade de conhecer os processos
histórico-sociais numa perspectiva de totalidade vem sendo substituída pela apreensão fragmentada,
aparente e ahistórica da realidade.
Se é impossível a descoberta de um sentido no processo histórico-social, que possa
ser racionalmente apreendido, instaura-se o império da incognoscibilidade com a
relativização de todo o conhecimento, permitindo uma multiplicidade inesgotável
de interpretações, todas válidas. A realidade teria como característica essencial o
seu caráter fragmentário, que impede qualquer possibilidade de síntese ou
totalização, que apreenda o real (EVANGELISTA, 1992, p. 31).
Não se trata mais de apreender a realidade por meio de suas macroestruturas, mas a partir de
suas singularidades e especificidades. O próprio real não pode ser explicado e entendido em sua
totalidade, podendo, apenas, as suas partes derem descritas de forma fragmentada e isolada, sem
nenhuma relação com as determinações estruturantes dessa realidade.
Os defensores da pós-modernidade advogam pela “crise do marxismo”, identificando-a pela
suposta defasagem entre suas teses constitutivas e a realidade concreta: o fim das experiências
históricas de construção do socialismo, a fragilização da organização operária, o gradativo
abandono de algumas parcelas da esquerda de suas utopias revolucionárias para assumir uma
postura de defesa de reformas sociais. Segundo Barroco (2011) trata-se de condições favoráveis à
desqualificação da política, facilitadas por inúmeros fatores históricos, especialmente das determi-
nações que incidiram sobre as possibilidades concretas de organização política das classes
trabalhadoras.
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As manifestações dessa teoria pós-moderna imprimem tendências particulares que se
traduzem na positividade e na revitalização do conservadorismo, os quais representam a “lógica
cultural do capitalismo tardio” e que estão profundamente imbricados à atual crise capitalista.
Em sua função ideológica, como analisa Barroco (2015), o conservadorismo reproduz um
modo de ser fundado em valores historicamente preservados pela tradição, pelos costumes, pela
cultura. Sua difusão é facilitada pela reificação, que, no capitalismo tardio, invade todas as
dimensões da vida social, obscurecendo suas determinações, e pelo irracionalismo, que dissemina o
pessimismo, o anti-humanismo, o individualismo e desvaloriza a verdade objetiva, dissimulando as
contradições sociais e naturalizando-as.
Quando o fragmentário, o microcosmo e o factual, que abundam na cotidianidade não são
vistos como produzidos pela reificação das relações sociais no capitalismo, instala-se a irrazão. O
mediato foge, portanto, à percepção da consciência, restando apenas, exclusiva ou principalmente, o
imediato. Essa é no geral a origem do irracionalismo contemporâneo (EVANGELISTA, 1992).
No universo pós-moderno as raízes desse irracionalismo remontam ao pensamento político
liberal do século XVII, rebatizado modernamente de neoliberalismo3. Como bem sintetiza Barroco
O pensamento dominante no capitalismo contemporâneo, a ideologia neoliberal e
seu subproduto, a ideologia pós-moderna, exerce a função social de justificação das
transformações operadas na vida social pela ofensiva do capital. É dessa forma que
a insegurança, a instabilidade e a fragmentação são disseminadas como
componentes ontológicos constitutivos de uma etapa histórica intransponível: a
“era pós-moderna” (2011, p. 206).
Como consequência dessa reação restauradora, o irracionalismo e o subjetivismo que
predominam na filosofia pós-moderna são produtos de uma reorientação teórica adotada pelo
pensamento (neo) liberal na sua leitura sobre a racionalidade humana (MAGALHAES, 2004).
Entretanto, esse irracionalismo não se restringe a uma corrente de pensamento, embora o
campo da pós-modernidade tenha se destacado, pelo teor claramente irracional de suas análises.
Toda essa nova quadra histórica que reatualiza tradições irracionalistas e que tem posto em cheque
a modernidade, deriva de uma concepção de mundo que tem na “atomização do indivíduo” sua
3 O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar
humano é condicionado as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura
institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livre mercados e livre comércio (HARVEY, 2013,
p.12).
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razão de ser. O homem fragmentado, exilado de sua condição de ser social, estranhado de si e
consequentemente, de todo gênero humano.
Numa conjuntura profundamente desfavorável onde o capital engendra os mais perversos
processos de barbarização da vida social, uma espécie de desencanto universal toma conta do
mundo com fortes apelos às saídas individuais, fomentada pela apologética capitalista de que
chegamos ao “fim da história” e que não há alternativas.
Apesar da repetição insistente desse discurso, isso de modo algum significa o triunfo do
capitalismo ou aceitação passiva dos sujeitos às mais variadas formas de exploração e opressão
engendradas pelo capital. A direção em que se dará esse desfecho está permanentemente em disputa
pela dinâmica da luta de classes própria da sociedade capitalista.
IV. Implicações teórico-políticas para o feminismo
O atual contexto de crise, bem como as transformações contemporâneas engendradas pelo
capital se constituem como resultantes de medidas encontradas pelo próprio sistema para enfrentar e
se recuperar das crises que lhe são constitutivas. O cenário atual de mundialização do capital,
financialização da economia, reestruturação da produção e neoliberalismo, vão revelar, em alguma
medida, transformações sócio-políticas que remetem ao reordenamento do capital e elevação das
taxas de lucro, abaladas mais uma vez pelas suas crises cíclicas.
Segundo Harvey (2013) devemos interpretar a neoliberalização como um projeto político de
restabelecimento das condições de acumulação do capital e de restauração do poder das elites
econômicas. Essas transformações atingem frontalmente a classe trabalhadora, gerando
desemprego, subempregos, miséria, perda de direitos, políticas sociais focalizadas e fragmentadas,
acirramento das contradições sociais, recrudescimento da violência.
Além destes processos que podem ser destacados no plano da macropolítica, também, são
acionados mecanismos de dominação, na formação de consensos, na massificação da ideologia
dominante e na fabricação de irracionalismos.
No campo do feminismo temos o surgimento de novas “tendências”, entre elas as que de
denominam “pós-feministas”, que ganham espaço não só no campo das análises, mas que se
infiltram nas concepções teóricos-políticas, na programática e nas formas de organização.
O feminismo “pós-feminista” seria tributário da pós-modernidade, representando uma
ruptura com os velhos paradigmas que orientavam as teorias feministas, principalmente aquelas que
faziam suas análises dentro de uma perspectiva de totalidade, estabelecendo mediações entre
objetividade e subjetividade, entre sociabilidade e individualidade, universalidade e particularidade.
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Questiona e desconstrói os conceitos relacionados ao sexo, gênero e sexualidade. Aqui não se fala
em mulheres, mas na construção/desconstrução de identidades. A partir dessa perspectiva de
análises não existem mais identidades coletivas, mas uma fluidez permanente na construção da
identidade do sujeito. Nesse subjetivismo é impossível situar quem é esse sujeito, de onde ele fala, a
que classe pertence.
Segundo Montaño e Duriguetto (2011) o entendimento das postulações teóricas e políticas
pós-modernas apenas pode se desvelado quando referido à crise do capital e da sua ofensiva, que
tem na acumulação flexível e no projeto neoliberal sua base material e ideológica. Esse construto
teórico-político é altamente funcional por abandonar a crítica teórica e a ação política contra o
capitalismo, propondo o protagonismo da ação de grupos em microespaços, inócuos para a
superação dos fundamentos capitalistas das opressões sociais, cujas manifestações propõem-se a
combater.
As análises pós-modernas sugerem que a visibilidade política dos “novos movimentos
sociais” (entre os quais destacamos o movimento feminista, estudantil, homossexual, negro,
ecológico, pacifista, entre outros) teriam deslocado para um segundo plano o “velho movimento
operário. ”
A “velha política foi substituída pela “nova política”. Esses “novos” movimentos
sociais atacaram o “ponto fixo da política”, cristalizado em instituições políticas
bem delimitadas e que gravitava, exclusivamente, em torno do Estado. A estratégia
de “tomada do poder” caducou e cedeu lugar à “contestação imediata e cotidiana
de cada relação de dominação” (EVANGELISTA, 1992, p. 16).
Essa onda irracionalista toma corpo com as reflexões em torno do Maio Francês e se
caracteriza resumidamente pela “desreferencialização do real”, pela dessubstancialização do
sujeito” (EVANGELISTA, 1992) A realidade objetiva deixou deixa de ser a referência para a
produção do conhecimento e a apreensão da realidade. Não há real e muito menos sentido nesse
real. A realidade é uma série de acontecimentos aleatórios, sem sentido. Ainda segundo Evangelista
(1992, p. 35) “é justamente por esse desprezo pela dimensão ontológica do real, que as análises pós-
modernas não conseguem ultrapassar a superficialidade aparente dos fenômenos societários. ”
Para os ideólogos da filosofia pós-moderna vivemos uma época marcada pelo
“descentramento da política”, que se caracteriza pelo surgimento de “novos sujeitos sociais”, com
igual capacidade de engendrar processos de mudança da realidade, negando a existência de um
sujeito revolucionário e da importância que as classes sociais assumem na sociedade capitalista.
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Vem prevalecendo nessa perspectiva teórico-política elaborações construídas a partir de
eixos culturalistas, relativos aos processos de construção de identidades. A centralidade dessas
questões expressa uma clara rejeição das abordagens totalizantes, a exemplo do marxismo, como
aponta Montano e Duriguetto (2011). A tônica que orienta esse discurso é uma abordagem que
desestoriciza o sujeito, cindindo as identidades das determinações estruturantes da realidade social.
O que na verdade está em curso é uma clara investida ideológica de tentar descartar a noção de
classe social pela noção de identidades, de mascarar as desigualdades sociais e manter inalteradas as
bases que lhe dão sustentação.
Como aponta Evangelista (1992, p. 34) “é necessário pensar, teoricamente esses ‘novos
movimentos sociais’, que se multiplicam na sociedade contemporânea. Todavia não podemos toma-
los como significantes em si mesmos, mas exatamente como complexificação processada no ser
social do mundo do capital. ”
Isso não significa desconsiderar a importância dessas lutas. Elas são absolutamente
necessárias e se constituem como mediação política estratégica no plano da emancipação política e
da formação de uma consciência revolucionária para a superação da ordem burguesa. Todavia,
como aponta Gurgel (2011) essa compreensão reafirma a necessidade histórica da continuidade de
auto-organização das mulheres no processo da luta anticapitalista, antipatriarcal e antirracista. O
desafio é se constituir um campo político no qual a luta pela igualdade entre os sexos e a ruptura
radical com as estruturas do capitalismo caminhem com a mesma intensidade e força política no
interior do projeto libertário.
O horizonte estratégico dessas lutas, mesmo levando em conta as singularidades e
particularidades dos sujeitos, precisam ter a clara compreensão que somente uma transformação
profunda e estrutural das relações sociais (por isso a dimensão sexo e da “raça” /etnia devem estar
necessariamente consubstanciados à dimensão da classe) podem apontar caminhos emancipatórios
para a construção de uma outra sociabilidade.
Os limites situam-se na ocorrência de lutas de natureza específica com pouca ou nenhuma
consciência de classe e sem articulação com lutas de caráter radicalmente emancipatório. Sendo
assim, a vinculação a uma perspectiva anticapitalista, antipatriarcal e antirracista permitiria o ataque
simultâneo de todas as opressões, apontando para uma radicalização da consciência de classe e
articulação de todos os sujeitos sociais que lutam contra os processos de dominação-exploração.
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Portanto, é de fundamental importância articularmos o feminismo a um projeto de sociedade
que ultrapasse não só as desigualdades entre os sexos, mas que a igualdade substantiva se constitua
como princípio ontológico.
Considerações finais
De acordo com o construto pós-moderno o marxismo não teria mais nada a nos dizer sobre o
mundo, seria uma fonte datada e já há muito ultrapassada, incapaz de permitir apreensão dos
fenômenos que se processam contemporaneamente. Declara-se a caducidade dos “velhos
esquemas” interpretativos e proclama-se a necessidade de elaboração de “novos paradigmas” de
análise dos processos sociais e do conhecimento da realidade.
Não há dúvidas que profundas mudanças se operam nas últimas décadas do século XX,
todavia não há elementos de realidade que apontem o deslocamento da modernidade, menos ainda
que atestem a superação do capitalismo, pois este permanece ordenando a produção e reprodução da
vida social. Trata-se de alterações certamente intensas, mas que se processaram no interior do
próprio capitalismo, sem modificações materiais no conteúdo da economia, que permanece
capitalista em sua essência. A produção de riqueza social e a reprodução simultânea de pauperismo;
a superexploração do trabalho; a concentração e centralização de capitais; a reprodução de uma
consciência alienada e fetichizada funcional a manutenção do ethos burguês permanecem como
elementos constitutivos desse sistema.
Segundo Tonet (2005, p. 23) “é da natureza do sistema capitalista tornar-se tanto mais
fragmentado, mais fetichizado, mais irracional e mais poderoso face aos indivíduos, quanto mais
desenvolvido for. No próprio Manifesto do Partido Comunista, escrito no final de 1847 e início de
1848, Marx e Engels já afirmam que a burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente
os instrumentos e as relações de produção, e por conseguinte todas as relações sociais. É justamente
a transformação continua da produção e abalo permanente de todo o sistema social que distinguem
a época burguesa de todas as demais.
Nesse sentido, a atualidade do pensamento marxiano e do próprio marxismo como teoria e
como práxis política é inequívoca se formos capazes de apreender os processos sociais
contemporâneos para além da sua aparência fenomênica. O quadro mundial contemporâneo,
inclusive a crise econômica atual, é absolutamente incompreensível sem Marx” (Netto, 2016).
Evidentemente, que não se trata de considerarmos Marx um profeta onisciente que a tudo previu,
mas o tomamos como grande teórico, que condicionado pelas dimensões históricas de seu tempo,
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realizou um profundo esforço teórico-reflexivo para apreender a dinâmica da totalidade histórica
que é a sociedade burguesa.
O marxismo, ao contrário do que apregoa a filosofia pós-moderna, reivindica para si a
condição de pensamento totalizante, reconhecendo-se como herdeiro e continuador das grandes
sínteses do pensamento moderno. Mais do que isso: propõe-se a ser a expressão teórica do
movimento real e que, por isso, é o único capaz de conhecer e explicar, racionalmente a totalidade
histórica, que é a sociedade burguesa (EVANGELISTA, 1992).
O construto teórico-político pós-moderno numa flagrante oposição ao marxismo passa a
qualifica-lo como uma fonte “datada”, a divisão da sociedade em classes como superada e a luta
política revolucionária, assim como a vitalidade das organizações classistas, ultrapassadas frente às
demandas postas pelos “novos movimentos sociais”.
Nesse sentido, se coloca como necessária a importância de reconhecer a existência de novas
problemáticas postas na ordem do dia pelos “novos movimentos sociais” e que em grande medida
foram secundarizados por algumas correntes do marxismo.
Por isso, estamos convencidos, que muito diferentemente do “estilhaçamento ou
descentramento da política”, o que temos é sua ampliação. “Ao contrário de “novos sujeitos
políticos”, que substituem os velhos – como o proletariado e os partidos – o que temos são sujeitos
políticos renovados pluridimensionalmente”, como esclarece Evangelista (1992, p. 53).
Assim, um dos grandes desafios que se colocam para o movimento feminista na atualidade é
articulá-lo a uma perspectiva radicalmente classista e de enfretamento a esse sistema desigual e
opressor. Por isso se faz necessário e urgente, como aponta Cisne (2014, p. 250) “a construção de
um feminismo que incorpore as particularidades das mulheres, sem cair na fragmentação de suas
‘identidades’, mas articulando-as em torno de um projeto societário radicalmente emancipatório”
Desse modo, somente a construção de um feminismo classista e popular, que seja capaz de
articular suas lutas dentro de uma perspectiva radicalmente antipatriarcal, antirracista e
anticapitalista, em alianças com outros movimentos e sujeitos coletivos do nosso campo, podem
permitir um amplo alcance das nossas lutas na superação do capitalismo. Será a convergência
dessas lutas e a nossa capacidade organizativa de construir estratégias coletivas que podem
provocar rupturas nesse sistema e apontar caminhos emancipatórios.
Concordamos absolutamente com a ideia de que, apesar do feminismo historicamente
empreender lutas contra a dominação e exploração das mulheres e encampar, de forma legitima,
questões que nos são específicas, ele não deve ser um movimento que luta restritamente por essas
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questões (CISNE, 2014), embora, entendamos que essa é a razão de ser do feminismo e que a
emancipação das mulheres é seu devir histórico. Todavia, a luta pela emancipação das mulheres
deve estar necessariamente associada à luta pela emancipação humana.
Referências
BARROCO, Maria Lúcia S. Barbárie e neoconservadorismo: os desafios do projeto ético-político.
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Abstract:
This article aims to problematize the theoretical-political assumptions of postmodernity, as well as
the ideopolitical implications for the organization of social movements, particularly feminism. We
demarcate theoretically and politically our perspective of analysis in the direction of the Marxist
referential. Thus, we analyze the postmodernity imbricated to the current crisis of capital, which
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
translates into the revitalization of conservatism, irrationalism and the processes of reification
constitutive of capitalist sociability. We conclude that, for the feminist movement, one of the major
challenges facing us actuality is to articulate it to a radically classist perspective. Only a broad
convergence of anti-capitalist, anti-patriarchal, anti-racist struggles, and our organizational capacity
to construct collective strategies can point to emancipatory ways of building a new sociability.
Keywords: Conservatism. Postmodernity. Feminism.
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