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8/3/2019 21.11 - Carlos Roberto Nogueira_Em Torno Da Realidade Da Bruxaria
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A E X I ST E N C IA M A G I C A
E 0 I N C O N SC I EN T E
EM TORNO DA REALIDADE DA B'RUXARIA
Desta retomada das principais teorias sobre as origense 0
desenvolvimento da feitiyaria e da bruxaria, fica patente que a
explicayao dofenomeno deve ser buscada na convergencia de
uma "criayao" eclesiastica com as diversas tradiy6es populares
qlle, sob uma capa crista, permaneciam no seio das comunida- '
des ocidentais, e, por uma mudanya de atitude da Igreja, foram
radicalmente inscritas em urn circuito diab6lico. Assim, a res-
posta nao parece estar na irrealidade ou na realidade dabruxa-
ria, mas em urn imaginario peculiar onde, do campones aos eru-ditos, acredito~-se no Demonio e em seus agentes, que trama-
yam a perdiyao da humanidade. E a existencia de unia mentali-
dade magica que procuraremos resgatar e inserir no universo
mental da epoca, nao sem antes\etomarmos algumas das teorias
. apresentadas que, se tomadas em absoluto, inipediriam acom-
preensao da "psique" que buscamos desvendar..
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Em principia, ha que relativizar as teorias oriundas de
um positivismo feroz, que negam a realidade das .pniticas ma-
gicas (em particular da bruxaria), atribuindo-as as maquina~
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Figura 12-
Assinatura do pacto
demoniaco. (Bosch,
1450-1516,
A tentw;ao de
Santo Antao.)
190
A evidencia de uma dissemina
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que existe, ffsica e mentalmente, no seio da coletividade. Enos
parece singularmente sensata a opiniao de urn homem do secu-
1 0 XVII, La Bruyere:
Que pensar da magia e do sortilegio? A teoria e obscurecida, os
principios vagos, incertos,que se aproximam do visiowirio; mas ha
fatos embara
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ta a luz destas coloca~6es, uma vez que comentava Libanio: "era
urn antigo costume reunir-se nos campos mais conhecidos, e,
depois que se havia sacrificado, celebrar ai urn banquete. Se-
guiu-se este costume assim durante muito temp9 enquanto ossacrificios foram autorizados; quando esses foram proibidos, li-
mitou-se aos banquetes".l0
No -inicio deste seculo, Jean Marx ja havia observado a
existencia de urn gruPQ decren~as que, embora de inegavel ori-
gem popular, apresentava uma certa analogia com 0Sabbat das
bruxas esquematizado por teologos e inquisidores.ll Apesar de
encontrarmos uma serie de indicios localizados, 0 estudo do
grau de participa~ao paga em rela~ao ao mundo magico, e de
sua extensao a Europa como urn todo, ainda esta por ser feito,
demandando uma pesquisa intensa e exaustiva para esclarecer 0problema. Entretanto, valeria a pena ainda citar 0 estudo de
Mircea Eliade sobre 0temaque, nas pegadas de Ginzburg, recu-
pera 0processo de '~diaboliza~ao"de cultos populares, e do estu-
do ~ ate agora ignorado pelos especialistas ocidentais - dos ele-
mentos folcloricos da Rumania, onde se constata a presen~a (al~
tamente esclarecedora e inquietante) da figura de Diana e seu
"exercito".12Deste modo, a sobrevivencia paga (entenda-se vesti-
gios de paganismo) e uma realidade na cristandade europeia, 0
que e atestado em pleno seculo XVI por Samuel de Cassini que,
em Uma rigida forma escolastica, argumentava que era urn erroacreditar que os atos que cometiam as bruxas eram devidos ~s
detennina~6es do Diabo, pois eram so urn-reflexo do paganismo
10 Oratio pro Templis. Apud MAURY,A. Op. cit., p. 106.
11 L'Inquisition en Dauphine. Paris, 1914. p. 3l.
12 Ocultismo, brujeria y modas culturales. Trad. de Enrique Butelman.
BuenosAires, 1977. p. 109-143.
ocuIto, mas todavia latente.13Os vestigios de paganismo, pois,
existem. Resta determinar como se processa essa sobrevivencia,
com que intensidade, homogeneidade e integridade atua no
c'ontexto mental que the e posterior.Todavia a recupera~ao das origens historic as do~ valores
e cren~as magicos nao e a inten~ao primordial deste livro, nos
interessando basicamente 0estado da sociedade em que se de-
senvolvem e se articulam. Ou seja, a coletividade que reage e in-
terage com 0universo magico. Assim, nosso interesse e procurar
interpretar 0 imaginario, e esta tentativa nos obriga a reexami-
nar a atribui~ao de urn estatuto de doen~a mental as prMicas
magicas. Teoria ainda de gtande aceita~ao na atualidade, sua
ado~ao inviabiliza a possibilidade de compreensao de urn esque-
ma mental singular, onde racional e irrational nao denominameste ou aquele padrao de pensamento ou comportamento, mas
configuram momentos apenas distintos de um'mesmo sistema
mental. Ja afirmamos anteriormente, ao tratarmos das elabora-
~6es psiquiMricas, que a assimila~ao do fen6meno da bruxaria a
urn estado de doen~a mental nos parece uma atitude simplista,
para nao dizer preconceituosa, advinda da necessidade de afir-
ma~ao de uma ciencia que, para se impor, necessitava de urn
embasamento e uma justificativa historicos.
Examinando 0numero de vitimas das persegui~6es, re-
gistrados nos processos que fazem parte dos arquivos eclesiasti-cos e laicos, a sua quantidade numerica e significativa. De 1609
a 1614, mais de 2000 bruxos foram acusados a Inquisi~ao de Lo-
grono, Navarra. Na pequena cidade de Opperau, em Wtirtem-
berg, no ana de 1631, foram executadas 50 pessoas e denuncia-
13 Question de la strie (1505). Texto em HANSEN, J . Quellen ... , p.
262-263.
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das em seguida mais 179,em uma popula
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Figura 13 - Hereticos Valdenses (frontispicio do Tractatus contra secturn
Valdensiurn). 0. B. Russel, A history of witchcraft, p. 74.)
Insistimos, ainda que em contesta
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Nada nos autoriza a tachar de incredulidade particular, de es-
tupidez, de debilidade mental,aos olhos dds contemporaneos, os
magistrados notaveis e respeitados ... 0 seu modo de reagir diante
dos fatos nao era 0nosso ... Loucura, essa palavra hao tern sentido.
o seu modo de pensar nao era 0nosso, eis tudo; ... Na verdade nin-guem tinha 0sentido do impossive!. A noc;:ao do impossive!. Di-
zem-nos que urn decapitado agarrou a cabec;:acom as maos e pos-
se a andar no meio da rua. Encolhemos os ombros, sem pensarmos
mais no assunto. Os homens de 1541 nao diziam: impossive!. Nao
sabiam duvidar da possibilidade de urn fato."
Resta agora tentarmos entender 0universo mental onde
se desenvolvem as pniticas magicas, a partir das categorias men-
tais formadoras do imaginario: 0consciente e 0inconsciente.
Acreditamos existir, na origem da posis:ao ocupada pelas
personagens magicas no imaginario estudado, uma base arque-
tipica, que manifesta a sua existencia aos niveis individual e co-
letivo. Seu estabelecimento pode ser recuperado a partir de urn
imaginario "primitivo" e de representas:6es psiquicasconscien-
tes atraves das quais saD vividas as categorias e significas:6es
mentais. Existencia fisica,que para Jung corresponde ~o pr6prio
existir: "a psique existe, com efeito, a (mica forma de existencia
de que possuimos urn conhecimento imediato e psiquica': 17 Esta
existencia esta impressa no inconsciente dohomem, que a refle-
te a urn nivel consciente atraves de imagens e representas:6es. 0
irracional e urn fato psicol6gico, e, se sua existencia a nivel indi-
160 problema da descren(a . . . ,p. 484-486.
17 Psicologia y religion. 4. ed. Trad. de Enrique Butelman. Buenos Aic
res, 1972. p. 28.
vidual tern urn carMer subjetivo, assume toda a sua realidade e
objetividade quando e aceito e compartilliado por urn grupo,
passando a esfera do coletivo.
Nesta perspectiva, podemos tentar resgatar urn desenvol-vimento arquetipico da personagem magica, tendo por base a
representas:ao assumida pela figura do xamfi, nas sociedades
"primitivas". Derivado do vocabulo siberiano shaman, 0termo
serve para designar nao s6 os atributos de mago e "homem-me-
dico", como tambem de psicopompo (condutor de almas), sa-
cerdote, mistico e poeta.18 A nossa utilizas:ao tern urn carMer
eminentemente utilitario e operacional, uma vez que, em stricto
sensu, 0xamanismo corresponde a urn fenameno especifico, a
uma estrutura social pr6pria equediz respeito a uma regiaoem
particular. Empregamos aqui a denominas:ao em seu sentidomais amplo, em virtude de suas atividades darem conta deuma
gama de fenamenos que dizem respeito a uma construs:ao men-
tal arquetipica, possibilitando, assim, englobar toda a represen-
tas:ao que pretendemos recuperar.
E curio so que 0 papel xamanico tenha sido associado
igualmente com uma ou varias categorias de enfermidades men-
tais. Nao nos interessa insistir nesta questao,.uma vez que a ex-
periencia do xama tern urn qmteudo restaurador para a comu-
nidade, constituindo urn agente ~eequilibrio entre 0racional e
o irracional, entre 0 consciente e as perigosas tendencias do in-consciente. 0 "mago primitivo",0curandeiro, nao e umdoente,
mas sobretudo urn enfermo que conseguiu curar e que curou a si
mesm
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