21.11 - Carlos Roberto Nogueira_Em Torno Da Realidade Da Bruxaria

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    A E X I ST E N C IA M A G I C A

    E 0 I N C O N SC I EN T E

    EM TORNO DA REALIDADE DA B'RUXARIA

    Desta retomada das principais teorias sobre as origense 0

    desenvolvimento da feitiyaria e da bruxaria, fica patente que a

    explicayao dofenomeno deve ser buscada na convergencia de

    uma "criayao" eclesiastica com as diversas tradiy6es populares

    qlle, sob uma capa crista, permaneciam no seio das comunida- '

    des ocidentais, e, por uma mudanya de atitude da Igreja, foram

    radicalmente inscritas em urn circuito diab6lico. Assim, a res-

    posta nao parece estar na irrealidade ou na realidade dabruxa-

    ria, mas em urn imaginario peculiar onde, do campones aos eru-ditos, acredito~-se no Demonio e em seus agentes, que trama-

    yam a perdiyao da humanidade. E a existencia de unia mentali-

    dade magica que procuraremos resgatar e inserir no universo

    mental da epoca, nao sem antes\etomarmos algumas das teorias

    . apresentadas que, se tomadas em absoluto, inipediriam acom-

    preensao da "psique" que buscamos desvendar..

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    Em principia, ha que relativizar as teorias oriundas de

    um positivismo feroz, que negam a realidade das .pniticas ma-

    gicas (em particular da bruxaria), atribuindo-as as maquina~

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    Figura 12-

    Assinatura do pacto

    demoniaco. (Bosch,

    1450-1516,

    A tentw;ao de

    Santo Antao.)

    190

    A evidencia de uma dissemina

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    que existe, ffsica e mentalmente, no seio da coletividade. Enos

    parece singularmente sensata a opiniao de urn homem do secu-

    1 0 XVII, La Bruyere:

    Que pensar da magia e do sortilegio? A teoria e obscurecida, os

    principios vagos, incertos,que se aproximam do visiowirio; mas ha

    fatos embara

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    ta a luz destas coloca~6es, uma vez que comentava Libanio: "era

    urn antigo costume reunir-se nos campos mais conhecidos, e,

    depois que se havia sacrificado, celebrar ai urn banquete. Se-

    guiu-se este costume assim durante muito temp9 enquanto ossacrificios foram autorizados; quando esses foram proibidos, li-

    mitou-se aos banquetes".l0

    No -inicio deste seculo, Jean Marx ja havia observado a

    existencia de urn gruPQ decren~as que, embora de inegavel ori-

    gem popular, apresentava uma certa analogia com 0Sabbat das

    bruxas esquematizado por teologos e inquisidores.ll Apesar de

    encontrarmos uma serie de indicios localizados, 0 estudo do

    grau de participa~ao paga em rela~ao ao mundo magico, e de

    sua extensao a Europa como urn todo, ainda esta por ser feito,

    demandando uma pesquisa intensa e exaustiva para esclarecer 0problema. Entretanto, valeria a pena ainda citar 0 estudo de

    Mircea Eliade sobre 0temaque, nas pegadas de Ginzburg, recu-

    pera 0processo de '~diaboliza~ao"de cultos populares, e do estu-

    do ~ ate agora ignorado pelos especialistas ocidentais - dos ele-

    mentos folcloricos da Rumania, onde se constata a presen~a (al~

    tamente esclarecedora e inquietante) da figura de Diana e seu

    "exercito".12Deste modo, a sobrevivencia paga (entenda-se vesti-

    gios de paganismo) e uma realidade na cristandade europeia, 0

    que e atestado em pleno seculo XVI por Samuel de Cassini que,

    em Uma rigida forma escolastica, argumentava que era urn erroacreditar que os atos que cometiam as bruxas eram devidos ~s

    detennina~6es do Diabo, pois eram so urn-reflexo do paganismo

    10 Oratio pro Templis. Apud MAURY,A. Op. cit., p. 106.

    11 L'Inquisition en Dauphine. Paris, 1914. p. 3l.

    12 Ocultismo, brujeria y modas culturales. Trad. de Enrique Butelman.

    BuenosAires, 1977. p. 109-143.

    ocuIto, mas todavia latente.13Os vestigios de paganismo, pois,

    existem. Resta determinar como se processa essa sobrevivencia,

    com que intensidade, homogeneidade e integridade atua no

    c'ontexto mental que the e posterior.Todavia a recupera~ao das origens historic as do~ valores

    e cren~as magicos nao e a inten~ao primordial deste livro, nos

    interessando basicamente 0estado da sociedade em que se de-

    senvolvem e se articulam. Ou seja, a coletividade que reage e in-

    terage com 0universo magico. Assim, nosso interesse e procurar

    interpretar 0 imaginario, e esta tentativa nos obriga a reexami-

    nar a atribui~ao de urn estatuto de doen~a mental as prMicas

    magicas. Teoria ainda de gtande aceita~ao na atualidade, sua

    ado~ao inviabiliza a possibilidade de compreensao de urn esque-

    ma mental singular, onde racional e irrational nao denominameste ou aquele padrao de pensamento ou comportamento, mas

    configuram momentos apenas distintos de um'mesmo sistema

    mental. Ja afirmamos anteriormente, ao tratarmos das elabora-

    ~6es psiquiMricas, que a assimila~ao do fen6meno da bruxaria a

    urn estado de doen~a mental nos parece uma atitude simplista,

    para nao dizer preconceituosa, advinda da necessidade de afir-

    ma~ao de uma ciencia que, para se impor, necessitava de urn

    embasamento e uma justificativa historicos.

    Examinando 0numero de vitimas das persegui~6es, re-

    gistrados nos processos que fazem parte dos arquivos eclesiasti-cos e laicos, a sua quantidade numerica e significativa. De 1609

    a 1614, mais de 2000 bruxos foram acusados a Inquisi~ao de Lo-

    grono, Navarra. Na pequena cidade de Opperau, em Wtirtem-

    berg, no ana de 1631, foram executadas 50 pessoas e denuncia-

    13 Question de la strie (1505). Texto em HANSEN, J . Quellen ... , p.

    262-263.

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    das em seguida mais 179,em uma popula

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    Figura 13 - Hereticos Valdenses (frontispicio do Tractatus contra secturn

    Valdensiurn). 0. B. Russel, A history of witchcraft, p. 74.)

    Insistimos, ainda que em contesta

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    Nada nos autoriza a tachar de incredulidade particular, de es-

    tupidez, de debilidade mental,aos olhos dds contemporaneos, os

    magistrados notaveis e respeitados ... 0 seu modo de reagir diante

    dos fatos nao era 0nosso ... Loucura, essa palavra hao tern sentido.

    o seu modo de pensar nao era 0nosso, eis tudo; ... Na verdade nin-guem tinha 0sentido do impossive!. A noc;:ao do impossive!. Di-

    zem-nos que urn decapitado agarrou a cabec;:acom as maos e pos-

    se a andar no meio da rua. Encolhemos os ombros, sem pensarmos

    mais no assunto. Os homens de 1541 nao diziam: impossive!. Nao

    sabiam duvidar da possibilidade de urn fato."

    Resta agora tentarmos entender 0universo mental onde

    se desenvolvem as pniticas magicas, a partir das categorias men-

    tais formadoras do imaginario: 0consciente e 0inconsciente.

    Acreditamos existir, na origem da posis:ao ocupada pelas

    personagens magicas no imaginario estudado, uma base arque-

    tipica, que manifesta a sua existencia aos niveis individual e co-

    letivo. Seu estabelecimento pode ser recuperado a partir de urn

    imaginario "primitivo" e de representas:6es psiquicasconscien-

    tes atraves das quais saD vividas as categorias e significas:6es

    mentais. Existencia fisica,que para Jung corresponde ~o pr6prio

    existir: "a psique existe, com efeito, a (mica forma de existencia

    de que possuimos urn conhecimento imediato e psiquica': 17 Esta

    existencia esta impressa no inconsciente dohomem, que a refle-

    te a urn nivel consciente atraves de imagens e representas:6es. 0

    irracional e urn fato psicol6gico, e, se sua existencia a nivel indi-

    160 problema da descren(a . . . ,p. 484-486.

    17 Psicologia y religion. 4. ed. Trad. de Enrique Butelman. Buenos Aic

    res, 1972. p. 28.

    vidual tern urn carMer subjetivo, assume toda a sua realidade e

    objetividade quando e aceito e compartilliado por urn grupo,

    passando a esfera do coletivo.

    Nesta perspectiva, podemos tentar resgatar urn desenvol-vimento arquetipico da personagem magica, tendo por base a

    representas:ao assumida pela figura do xamfi, nas sociedades

    "primitivas". Derivado do vocabulo siberiano shaman, 0termo

    serve para designar nao s6 os atributos de mago e "homem-me-

    dico", como tambem de psicopompo (condutor de almas), sa-

    cerdote, mistico e poeta.18 A nossa utilizas:ao tern urn carMer

    eminentemente utilitario e operacional, uma vez que, em stricto

    sensu, 0xamanismo corresponde a urn fenameno especifico, a

    uma estrutura social pr6pria equediz respeito a uma regiaoem

    particular. Empregamos aqui a denominas:ao em seu sentidomais amplo, em virtude de suas atividades darem conta deuma

    gama de fenamenos que dizem respeito a uma construs:ao men-

    tal arquetipica, possibilitando, assim, englobar toda a represen-

    tas:ao que pretendemos recuperar.

    E curio so que 0 papel xamanico tenha sido associado

    igualmente com uma ou varias categorias de enfermidades men-

    tais. Nao nos interessa insistir nesta questao,.uma vez que a ex-

    periencia do xama tern urn qmteudo restaurador para a comu-

    nidade, constituindo urn agente ~eequilibrio entre 0racional e

    o irracional, entre 0 consciente e as perigosas tendencias do in-consciente. 0 "mago primitivo",0curandeiro, nao e umdoente,

    mas sobretudo urn enfermo que conseguiu curar e que curou a si

    mesm