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6° Encontro ABRI – Perspectivas sobre o poder em um mundo em redefinição
25 a 28 de julho de 2017, Belo Horizonte
História das Relações Internacionais e da Política Externa
GUERRA CIVIL INGLESA: UMA ANÁLISE DA TRAGÉDIA POLÍTICA DE CARLOS I
José Renato Ferraz da Silveira – UFSM
Na política, indivíduos e sociedades estão em permanente luta. A política vincula indivíduo,
sociedade e guerra e qualquer um desses três elementos da equação supõe a persistência
de outros dois componentes, gerando a orgânica reciprocidade entre política e guerra. Desse
modo, um dos traços da tragédia da política são as negociações longas, difíceis, inevitáveis e
de arranjo político indeterminado. Ou seja, é muito comum na dimensão trágica da política a
persistências das tensões entre duas facções políticas opostas que evitam a todo custo a
reconciliação e o acerto temporário na busca da ordem/estabilidade. O conflito e a
impossibilidade da harmonia são facetas do impactante e aterrorizante significado de política
como tragédia. Por meio de pesquisa teórica, este estudo analisa a guerra civil inglesa a partir
de elementos pertencentes ao realismo trágico. Foram selecionados – como recortes para
análise – os paradoxos, as tensões, as alianças, a força do Parlamento e a queda do rei Carlos
I. A partir do realismo trágico, esperamos que o estudo em pauta contribua com a teoria em
perspectiva e auxilie numa análise investigativa das relações de poder entre os protagonistas
da política – rei e Parlamento - acerca da revolução inglesa.
Palavras-chave: Tragédia. Política. Guerra.
1 Introdução
Durante o século XVI, a história inglesa se caracterizou pela busca do fortalecimento
da autoridade real. O século XVII, no entanto, foi marcado pelos conflitos constantes entre a
monarquia e o Parlamento.
Os conflitos decorreram da divergência crescente entre as medidas autoritárias dos
monarcas da dinastia Stuart e a necessidade da sociedade inglesa de se livrar das amarras
e rígidos controles mercantilistas, para impulsionar seus negócios de modo mais flexível. Vale
ressaltar, que esse conflito assumiu também aspectos religiosos e se mesclou com as lutas
entre católicos, anglicanos, presbiterianos e puritanos. Até hoje a guerra civil inglesa é assunto
discutido por historiadores e é vista de dois modos muito diferentes: “Guerra religiosa” e
“revolução inglesa”. O filósofo inglês Thomas Hobbes, por exemplo, preferiu utilizar o termo
revolta, rebelião ou subversão ao invés de revolução.
Após, esse evento, em movimentos sucessivos, o Parlamento foi se fortalecendo,
passando a representar verdadeiramente as aspirações das elites inglesas.
Conforme Hill (2012, p. 5): “o período de 1603 a 1714 foi talvez o período mais decisivo
na história da Inglaterra”. A Inglaterra do início do século XVII era uma potência de segunda
classe, no século XVIII e XIX era uma potência mundial. Mas, sem dúvida, esse momento da
história inglesa é longo e tumultuado.
A partir deste ponto de crises e revoluções, o presente trabalho, por meio de pesquisa
teórica, propedêutica, analisa a guerra civil inglesa a partir de elementos pertencentes ao
realismo trágico. Essa corrente teórica advinda do realismo clássico é uma concepção
inteiramente nova do jogo/disputa política em que temos a presença das seguintes ideias e
premissas:
1) Visão pessimista da natureza humana;
2) Convicção de que a política é necessariamente conflituosa;
3) A tragédia da política está sempre presente no jogo e na disputa do poder;
4) Coalizões e intrigas palacianas são instrumentos da conquista e manutenção do
poder;
5) A conquista do poder é um traço marcante da política trágica;
6) A imprevisibilidade e o descontrole fazem parte das conjunturas políticas;
7) Uma das facetas da tragédia na política é a problemática das crises, que realmente
se liga, no fundo à da legitimidade.
Foram selecionados – como recortes para análise – os paradoxos, as tensões, as
alianças, a força do Parlamento e a queda do rei Carlos I. A partir do realismo trágico1,
esperamos que o estudo em pauta contribua com a teoria em perspectiva e auxilie numa
análise investigativa das relações de poder entre os protagonistas da política – rei e
Parlamento - acerca da revolução inglesa.
A estrutura do trabalho estará recortada em cinco momentos:
a) os paradoxos-tensões: a grande Rebelião que designa a revolta do Parlamento
contra a Monarquia absolutista;
b) as alianças do rei e Parlamento: conflitos religiosos entre a Igreja Anglicana e a
ideologia puritana-calvinista;
c) a força do Parlamento: o exército Parlamentar, liderado por Oliver Cromwell,
venceu as tropas do rei, na Batalha de Naseby (1645);
d) a queda do rei Carlos I: após a perda da Batalha de Naseby e o refúgio na Escócia,
o rei Carlos I negando-se a reconhecer a autoridade da Igreja Presbiteriana, é
vendido pelo Parlamento escocês ao Parlamento inglês e executado em 1649.
e) as considerações finais: uma breve síntese do trabalho expondo os elementos
analisados e como a teoria do realismo trágico é válida para avaliar momentos de
crise e revolução. Ou seja, a busca do encontro entre poder e legitimação repousa
o desafio do pensamento político contemporâneo. Limites e formas de poder,
linguagens e comportamentos, tudo se entende em função dos encontros e
desencontros que ocorrem nos embates de poder.
E tratar desses desgastantes embates, no qual até hoje – queríamos ou não –
estão envolvidos governantes e governados.
2 Desenvolvimento
Na próxima seção, podemos levantar a sequência que estrutura a análise do presente
trabalho: os paradoxos e tensões, as alianças, a força do Parlamento e a queda do rei Carlos
I. Dessa maneira, a prática política fornece, assim, as três categorias necessárias para a
articular e pontuar os três momentos recortados para efeitos de estudos: conquista/posse,
manutenção e queda do poder.
1 Tais conceitos, entre outros, estão presentes nos artigos, textos, livros e publicações do professor Dr. José
Renato Ferraz da Silveira.
2.1 Os paradoxos e tensões
2.1.1 Carlos I e Buckingham
Carlos I, no começo de seu reinado, foi descrito assim pelo historiador alemão Ranke:
Ele estava, diz este, no apogeu da vida: completara 25 anos. Tinha boa aparência quando montado a cavalo; era perito em exercícios de cavaleiro; tinha boa pontaria com a funda, bem como a pistola, e sabia até mesmo como carregar um canhão. Era pouco menos fervoroso do que seu pai, no amor à caça. Não podia competir com ele em inteligência e cultura, nem com seu finado irmão Henrique, em vivacidade, energia e disposição. Em qualidades morais, era superior a ambos. Era um desses jovens que a gente diz não terem defeito. Sua típica timidez, à moda de uma donzela, revelava um espírito sério e temperado que se espelhava em seu olhar calmo. Tinha um pendor natural para apreender mesmo as questões mais complicadas, era um bom escritor. Desde a juventude revelara-se econômico; nem pródigo, nem avarento; preciso com todos os assuntos. Todavia, sofrera de paralisia infantil e falava gaguejando (RANKE, 1875, p. 537).
A grande crise política e religiosa já assolava a Inglaterra desde o tempo do primeiro
Stuart: Jaime I. O Parlamento tomava a dianteira, não somente em coletar taxas, mas,
gradativamente, em conduzir os assuntos de Estado, em especial a política exterior. Uma
sociedade mais complexa do que os tempos dos Tudors estava nascendo. Em diversos
campos, do comércio, no direito, entre outros.
O Parlamento de Jaime, e no momento o de Carlos, era favorável à guerra e a
intervenção na Europa. No entanto, o Parlamento procurava usar o poder financeiro para
induzir o rei e seus ministros a trilharem esses perigosos caminhos. Carlos I diferente de seu
pai (Jaime I) não conseguiu escapar dessa armadilha. Teve uma guerra desastrosa com a
Espanha. O favorito de Carlos I, Buckingham, foi responsabilizado pelo fracasso. O
Parlamento decidiu substituir o ministro. Carlos I, para salvar seu amigo, dissolveu o
Parlamento. Em outra tentativa fracassada, agora na França, Buckingham corria novamente
o risco de sofrer impeachment. Desesperado e sem alternativa, Carlos I exigiu um empréstimo
compulsório. Foi negado pelos credores. Carlos I prendeu-os. Cinco desses prisioneiros
ficaram conhecidos como os “cinco cavaleiros”. Daí surgiu a famosa Petição de Direito.
Contudo, os empréstimos compulsórios não eram suficientes. Sem alternativa, o rei Carlos I
socorreu ao Parlamento mas buscava o compromisso de que Buckingham não passaria por
um novo impeachment.
A Inglaterra estava em efervescência. O Parlamento fez jogo duro com o rei e buscou
ter compensações. Tais compensações ficaram conhecidas em quatro resoluções2:
nenhum homem livre poderia ser coagido ou aprisionado, a não ser que algum motivo legal fosse apresentado; a ordem de “habeas corpus deveria ser extensiva a toda pessoa, coagida ou aprisionada, mesmo que o tivesse sido por ordem do rei ou do Conselho Privado; se não houvesse motivo legal para a prisão, a vítima deveria ser posta em liberdade, se preciso sob fiança; era um direito líquido e certo de todo homem livre a posse integral e absoluta de seus bens e propriedades; nenhuma taxa, empréstimo ou contribuição poderia ser imposta pelo Rei ou seus ministros, sem o pleno consentimento do Parlamento, por ato especial (CHURCHILL, 2006, p. 176).
O rei Carlos I só receberia os subsídios se aceitasse essas e outras condições do
Parlamento. Ele aceitou com reservas e após consultas aos juízes - sua prerrogativa não seria
atingida – o júbilo foi geral. Os Comuns votaram todos os subsídios. Acreditavam terem
vencido mais uma batalha.
Nos bastidores do Parlamento, imperava o temor de uma monarquia autocrática como
já acontecia na Europa. A nova batalha se avizinhava. O rei estava confiante nas garantias
que os juízes lhe haviam dado. E os Comuns prosseguiram com críticas amplas ao Papismo
e ao Armenianismo.
O Rei e Buckingham acreditavam que feito militar ou diplomático fortaleceria e
recuperaria a imagem de ambos diante da opinião pública. Aqui a categoria da
imprevisibilidade aparece3. Um fanático tenente, João Felton, assassinou Buckingham. O rei
ficou abalado e atribuía a culpa a Eliot, a cujos discursos atribuiu o gesto de Felton.
Após uma nova escaramuça com os Comuns, ficou claro que o rei e os Comuns não
trabalhariam juntos, de maneira alguma. Eis aqui o elemento do descontrole4. O Parlamento
foi dissolvido e o período do governo pessoal teve início.
Vale ressaltar alguns aspectos quanto à categoria intitulada descontrole, o ator
político, detentor ou não da virtù, confrontará somente com as forças humanas
(situação/oposição) que limitarão sua liberdade de ação/margem de manobra. Nesta
categoria, o ator político pode ou não possuir os mecanismos necessários para garantir êxitos
em seus empreendimentos, modificando a situação de descontrole, cujo o resultado não é
2 Aprovadas de forma unânime. 3 A categoria política intitulada imprevisibilidade, utilizada no pensamento trágico da política, é entendida como
acaso, fortuito, aleatório, eventual, que não se pode prever. 4 A categoria política chamada de descontrole, a partir de uma perspectiva do pensamento trágico da política, é
compreendida como falta de controle, de domínio, desgoverno, desequilíbrio. Ou seja, é uma hybris, os gregos
entendiam como uma violação da norma da medida, dos limites que o homem e a mulher deve encontrar em suas
relações com os outros homens e mulheres, com a divindade e com a ordem das coisas. Logo, é o rompimento da
medida de equilíbrio.
incerto e imprevisível. Nesta categoria, o sujeito político, através da virtù – capacidade de
análise, compreensão, habilidade política, munido de informações, entre outros - pode
reverter a situação de descontrole. Aqui o número de limitador político5 que prejudica a
governabilidade é menor do que na primeira categoria. Logo, o número de escolhas e
alternativas é maior e sem o elemento da imprevisibilidade.
A categoria analítica chamada de imprevisibilidade pertence ao campo do
ingovernável, de incontrolável, de incognoscível em que o sujeito político, mesmo possuidor
da virtù – energia, audácia, impetuosidade e sabedoria – não tem garantia do êxito de sua
ação política (imprevisível) e as informações disponíveis não revelam ou dificultam a predição.
Nesta categoria, a incerteza, o eventual, o casual, aquilo que não se pode prever está
presente. Sendo assim, as forças do acaso podem se sobrepor às ações virtuosas dos sujeitos
(políticos). Aqui reside “o angustiante coração da lição maquiaveliana” (RINESI, 2009, p. 65).
O número de limitador político6 que prejudica a governabilidade é maior. Neste sentido, o ator
político possui poucas, dolorosas escolhas e que implicam em sacrifícios, sem a certeza de
êxito7. O campo de ação/margem de manobra para o sujeito político é bem reduzido.
2.1.2 O Governo pessoal
Carlos I estabeleceu, abertamente, seu governo pessoal. Isso exigiria medidas de
longo alcance. Primeiramente, era preciso estabelecer a paz com a França e a Espanha. Sem
o apoio parlamentar, Carlos não tinha força suficiente para guerrear no exterior. E a paz não
era difícil de ser obtida. Os governos franceses e espanhol mostraram desdém pelos esforços
ingleses. E a segunda medida era obter a simpatia de pelo menos alguns líderes
parlamentares. O escolhido foi Wentworth. Antes mesmo da morte de Buckingham,
Wentworth havia feito várias tentativas de aproximação. Em dezembro de 1628 tornou-se
Lorde Presidente do Conselho do Norte e membro do Conselho Privado. Seus antigos aliados
tacharam-o de “Satã da apostasia”, “arcanjo caído”, traidor subornado da causa parlamentar.
A terceira medida era obter dinheiro. Era uma condição imperativa. E, neste sentido, toda a
ação do Estado devia ser reduzida ao mínimo. Nada de guerras, aventuras de qualquer
espécie ou agitações. A tranquilidade devia imperar de qualquer modo. A paz reinava no país.
5 Essa noção de limitador político expressa a tentativa de descrever a relação dinâmica entre o poder e as formas
de contrapoder no qual se confrontam a potência política contra a potência cidadã. 6 Trata-se de uma expressão cunhada por José Renato Ferraz da Silveira para se referir a um conteúdo de ações de
grupos políticos diversos em situações que resistem ao poder político e constituem um contrapoder. 7 Esse antagonismo entre poder e contrapoder é caracterizado pela ação do político que é da ordem do possível,
enquanto o desejo da esfera cidadã é da ordem do desejável.
De acordo com Churchill (2010, p. 186): “ele era déspota, mas déspota desarmado. Não havia
um exército permanente para impor seus decretos. Havia mais tolerância religiosa no círculo
real do que em qualquer outra parte”.
Esse período de governo pessoal foi reconhecido como de relativa tranquilidade e
sossego. Mas a busca por dinheiro se dava através da cobrança de direitos alfandegários e
comissões de exportações e importação. Usando de diversos meios, num regime austero, o
rei Carlos conseguiu governar sem o Parlamento.
Dois incidentes poderiam tirar a tranquilidade real. O primeiro tratava-se de um imposto
em que toda população devia pagar um tributo para contribuir com a manutenção da
esquadra. Entretanto, durante muito tempo apenas os condados do litoral cumpriram essa lei.
Em agosto de 1635, o rei arquitetou o projeto: instituiu o “imposto para construção de navios”,
extensivo a todo país. O Parlamento tentou reagir, mas a Coroa prevaleceu. Os juízes
justificaram sua decisão. O segundo incidente era evitar a agitação religiosa. Mas o rei Carlos
I e seu “autêntico gênio do mal”, Guilherme Laud, arcebispo de Canterbury, procuraram trazer
inovações e multar homens e mulheres que não fossem ao culto. A situação ganhou tons
dramáticos quando envolveu a Escócia. Laud convenceu o rei que os escoceses deviam
adotar o Livro Inglês de Oração e integrar-se completamente na nova comunidade inglesa. A
Escócia reagiu violentamente. O novo Livro de Orações foi anulado. O constrangimento
aumentava de intensidade. Após concessões e pedidos de desculpas, o rei Carlos I via-se
obrigado a usar da força caso a reconciliação falhasse. Em maio de 1639, o exército escocês,
com cerca de 20 mil homens, colocou-se na fronteira escocesa diante das forças incertas,
mais fracas e indisciplinadas que Carlos e seus conselheiros haviam reunido. Os escoceses
saíram vitoriosos. Para Churchill (2010, p. 196):
Em fins de 1639 Carlos viu-se às voltas com um Estado dotado de governo próprio, na região norte, o qual, embora o reconhecesse protocolarmente como soberano, estava disposto a seguir sua própria política interna e externa. Tal fato ameaçava não só a prerrogativa real, como a integridade dos seus domínios.
A única alternativa era Wentworth. Ele foi chamado da Irlanda para fortalecer o
Conselho. “Sua reputação na Corte era boa. Restaurou não somente a ordem, como a
aparência de lealdade em toda a Irlanda. Governando como um déspota esclarecido, o Lorde
Deputado criara, mantinha e treinava um exército irlandês de 8000 homens (CHURCHILL,
2010, p. 196).
Nesse momento tenso, Wentworth compreendeu bem que as rendas reais não eram
suficientes para suportar o custo da campanha contra a Escócia. Diante disso, concluiu que o
Parlamento devia ser convocado. Ele acreditava em seu prestígio e confia excessivamente
em si. Após quase onze anos de poder pessoal, o Rei convocou um novo Parlamento e houve
eleições gerais na Inglaterra. O Parlamento reuniu-se a 13 de abril de 1640. Apenas um quarto
dos antigos membros reapareceu. Carlos e seus principais conselheiros, Strafford e Laud, não
se satisfizeram com a nova assembleia. Num gesto de extrema imprudência, ela foi dissolvida
a 5 de maio, poucos dias depois após sua convocação. Somado a isso, o exército escocês
invadiu a Inglaterra. O resultado é que o rei Carlos I deveria convocar o Parlamento. A situação
de descontrole está presente. O espaço de manobra política para o rei Carlos I é
limitado, mas é possível. A posição moral do Rei Carlos era a pior possível. Seus inimigos,
tramando lentamente sua destruição, puseram em mãos uma ideologia e uma causa que
qualquer homem morreria.
2.2 A Grande Rebelião 1640-1642
Em 3 de novembro de 1640, foi instalado um dos mais longos parlamentos que a
Inglaterra já conheceu. Ele durou ininterruptamente até 1653 quando foi dissolvido por
Cromwell.
Logo a iniciativa política passava às mãos da oposição parlamentar, centrada na
Câmara dos Comuns. Liderada por deputados experientes (Pym, Hampden e outros), a
“oposição estava decidida a conquistar (no terreno constitucional) para o Parlamento a
soberania política” (FLORENZANO, 1981, p. 96).
Pym e Hampden, os líderes da nova Câmara dos Comuns, agiram rápido. Impugnaram
os ministros Stafford e Laud, executores do thorough system (o primeiro, acusado de traição,
foi executado e o segundo mantido encarcerado). A partir daí uma série de ações do
Parlamento contra os principais instrumentos do poder monárquico:
a) Os tribunais de privilégio ou Cortes de prerrogativas (Câmara estrelada, Corte de
Alta Comissão e Conselho do Norte e de Gales) de mais de 150 anos de existência.
b) Aboliu o ship Money e todos os outros impostos e taxas utilizados pelo rei nos onze
anos de governo pessoal e não votados pelo Parlamento.
Somado a isso, o Parlamento para assegurar sua própria independência como poder,
aprovou dois atos: o Trienal Act, que tornava automática a convocação do Parlamento se a
monarquia não o fizesse no prazo de três anos; e o Ato contra a dissolução do Longo
Parlamento sem seu próprio consenso. Na concepção de Churchill (2010, p. 210):
O Rei subscreveu a tudo isso, forçado. Mas, o soberano devia estar completamente fora de si quando concordou com uma medida destinada “a evitar o inconveniente que possa ocorrer pela prematura prorrogação ou dissolução do atual Parlamento”, exceto se fosse por seu próprio consentimento. Ele aceitou isso no mesmo dia da condenação de Strafford à morte. Era uma lei que implicitamente transformava a Câmara em instituição perpétua, passando ela a ser chamada, desde aí, Longo Parlamento.
A luta entre os dois poderes (Monarquia e Parlamento) parecia não transbordar do
terreno constitucional. Mas o radicalismo puritano e a revolta na Irlanda deram o estopim que
fez a unidade da oposição se dividir. Carlos, que na reunião do Parlamento se vira quase
sozinho em meio a um bloco de contestáveis ministros, viu-se apoiado por correntes da
opinião pública, cada vez mais fortes e profundas. O erro de Carlos foi não ter consolidado
esse apoio, e alcançar a perfeita estabilidade. Pois a situação exigia paciência e sabedoria.
Havia excessos e fanatismos por parte dos puritanos, a conivência do Parlamento com os
escoceses, todos esses elementos poderiam consolidar a posição de Carlos I. Com a divisão,
“o rei, até então isolado, ganhou forças para contra-atacar e a guerra civil tornou-se
irremediável” (FLORENZANO, 1981, p. 97).
A revolta católica na Irlanda criou uma situação embaraçosa para o Parlamento. Afinal,
quem iria comandar o exército para reconquistar a Irlanda? Legalmente o comandante das
forças armadas era o rei. O Parlamento via-se sem alternativas. Isso punha em risco a vitória
recém conquistada sobre a monarquia. O rei, sem demora, buscando explorar a situação e
tomar controle da situação, não abriu mão do comando do exército.
Após a catástrofe na Irlanda, Carlos I cometeu sucessivos erros. Alguns erros
apontados por Churchill (2010, p. 216):
Em certo momento, procurou formar um ministério independente da facção majoritária que dominava a Câmara. Uma dúzia de lordes da oposição prestou juramento como membros do Conselho Privado. Mas, quando, em poucas semanas, se descobriu que esses nobres faziam comentários desrespeitosos ao Rei, as facções de Londres os acusaram de traidores. Ainda à procura desesperada de um apoio, Carlos convidou o próprio Pym para o cargo de Chanceler do Tesouro. Tal plano era absurdo. Colepeper, ao invés de Pym, assumiu o cargo, e Falkland tornou-se secretário de Estado. Em seguida, numa violenta reviravolta, Carlos resolveu processar cinco dos seus principais opositores nos Comuns, por alta traição.
No dia 4 de janeiro de 1642, Carlos com um grupo armado – 300 a 400 espadachins,
realistas – invadiram a Câmara dos Comuns para prender Pym, Hampden, Holles, Hazelrigg
e Strode. Porém, um recado secreto de uma dama da câmara da Rainha avisara Pym em
tempo. Os membros acusados já haviam tomado o rumo de Westminster e estavam seguros
entre a milícia e os magistrados da City. Coube ao rei Carlos I lamentar o episódio e
reconhecer o equívoco. Vale registrar que nunca, antes disso, um rei pusera os pés na
Câmara. Em consequência de esse episódio a fúria dos apoiadores do Parlamento tornou-se
incontrolável. Eis aqui o elemento do descontrole. O rei Carlos I não soube lidar com
prudência e agiu impulsivamente. A Guerra civil era inevitável. Pym, os puritanos e uma parte
do Parlamento governavam com poderes “ilimitados” em Londres, em nome do Rei; Carlos
tinha o grupo com “os melhores elementos da velha Inglaterra” (CHURCHILL, 2010, p. 217).
Ao redor desses dois grupos foram se agrupando tropas, recursos e ideologias para iniciar a
guerra civil.
2.3 A guerra civil 1642-1648
A relação de forças pendia favoravelmente à causa parlamentar (os cabeças
redondas8), dada a superioridade em recursos econômicos, humanos e estratégicos. No
entanto, até 1644-1645, os realistas – melhor preparados e organizados militarmente –
conseguiam equilibrar nas batalhas. Principalmente, em destaque, a poderosa cavalaria de
nobres. Contudo, sem obter nenhuma vitória decisiva. Os realistas não conseguiram tomar
Londres. No entanto, o curso da guerra mudou a partir de Marston Moor. O exército do
Parlamento contou com a ajuda da Escócia. Mas o papel decisivo nesta batalha coube a
cavalaria dos Independentes, liderada pelo deputado Oliver Cromwell. O exército chefiado por
Cromwell (conhecido pelo nome de Iron Side, ou Costelas de Ferro) tinha uma estrutura
revolucionária e democrática (New Model Army).
Por fim, depois das divergências entre o partido presbiteriano e os independentes, e a
decisão “da guerra até a vitória”, o exército realista foi definitivamente derrotado em 1645 na
batalha de Naseby.
Depois da fuga do rei e com a nova, e desta vez definitiva, derrota do rei em 1648
(Carlos I foi capturado pelo exército), Cromwell e o exército, apoiado pelos Niveladores
(Levellers) decidiram expurgar o Parlamento de todos os realistas e acabar com a Monarquia.
8 Os realistas chamavam pejorativamente os puritanos de cabeças redondas por usarem o cabelo curto.
2.4 A queda do rei Carlos I
Carlos I, rei da Inglaterra foi transferido pelas autoridades inglesas ao castelo de Hurst
no final de 1648 e depois para o castelo de Windsor. O julgamento contra o rei, pelas penas
de grave traição e de "outros crimes graves", começou no dia 2 de janeiro de 1649, já que
Carlos havia recusado atender a um pedido, alegando que nenhuma corte teria jurisdição
sobre um monarca. Carlos I acreditava que sua própria autoridade para governar foi
concedida por Deus quando o coroaram e foi ungido. Carlos I foi sumariamente julgado e
executado como “inimigo público do bom povo desta nação”.
Carlos foi decapitado no dia 30 de janeiro de 1649. Era prática comum que o carrasco
levantasse a cabeça do executado e a mostrasse a multidão com as palavras: "Vejam a
cabeça de um traidor!" e ainda que a cabeça de Carlos tenha sido exibida, tais palavras não
foram proferidas. Em um gesto sem precedentes, um dos líderes revolucionários, Oliver
Cromwell, permitiu que a cabeça do rei fosse presa a seu corpo para que, dessa forma, sua
família pudesse render-lhe seus respeitos. Carlos I foi enterrado secretamente na noite do dia
7 de fevereiro de 1649, na câmara protegida Henrique VIII, na capela de St. George, no
castelo de Windsor.
3 Considerações finais
O objetivo do presente estudo foi analisar a guerra civil inglesa a partir de elementos
pertencentes ao realismo trágico a partir das duas categorias elencadas como essenciais para
o entendimento da tragédia na política: o descontrole e a incerteza. Foram selecionados –
como recortes para análise – os paradoxos, as tensões, as alianças, a força do Parlamento e
a queda do rei Carlos I. A partir do realismo trágico, esperamos que o estudo em pauta
contribua com a teoria em perspectiva e auxilie numa análise investigativa das relações de
poder entre os protagonistas da política – rei e Parlamento - acerca da revolução inglesa.
Referências
ARRUDA, José Jobson de Andrade. A grande revolução inglesa 1640-1780. São Paulo:
Departamento de História – FFLCH-USP/HUCITEC, 1996.
BURKE, Peter; PALLARES-BURKE, Maria Lúcia. Os ingleses. São Paulo: Contexto, 2016.
CHURCHILL, Winston. História dos povos de língua inglesa. Trad. Enéas Camargo. São
Paulo: Ibrasa, 2006.
FLORENZANO, Modesto. As revoluções burguesas. São Paulo: Brasiliense, 1981.
HILL, Christopher S. O século das revoluções 1603-1714. Trad. Alzira Vieira Alllegro. São
Paulo: Editora Unesp, 2012.
SILVEIRA, José Renato Ferraz da. A tragédia da política em Ricardo III. Rio de Janeiro: Beco
do Azougue, 2012.
_____________. A tragédia da política em Ricardo II. Rio de Janeiro: Pensamento brasileiro,
2014.
STONE, Lawrence. Causas da Revolução Inglesa 1529-1642. Trad. Modesto Florenzano.
Bauru: EDUSC, 2000.
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