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A convivência como tecnologia
de cuidado: A experiência do
Centro de Convivência Irmã
Dulce dos Pobres.
Fernanda Aragão
Sanitarista e apoiadora institucional em Saúde Mental na SMS
de Salvador e Educadora Social no Centro de Convivência Irmã
Dulce dos Pobres.
Iara Marques
Terapeuta ocupacional na SMS de Salvador e Educadora
Social no Centro de Convivência Irmã Dulce dos Pobres.
O Centro de Convivência Irmã Dulce dos Pobres:
Fundado em janeiro de 2014, o Centro de Convivência Irmã Dulce dos
Pobres (CCIDP) é um dos 17 núcleos geridos pelas Obras Sociais Irmã
Dulce (OSID) em parceria com a Secretaria de Saúde do Estado da
Bahia (SESAB);
Localizado no bairro Santo Antonio Além do Carmo, atua no cuidado
às pessoas em situação de rua, usuários de substâncias psicoativas,
moradores do bairro e adjacências residentes, prioritariamente, nas
regiões de abrangência de dois Distritos Sanitários: Itapagipe e Centro
Histórico.
Dispositivo que constitui à rede de atenção psicossocial do município
de Salvador;
Os Centros de Convivência:
Os Centros de Convivência: - Fundamentos legais
• Os Centros de Convivência e Cultura estão inscritos no
processo da Reforma Psiquiátrica, instituída pela Lei
10.216/2001, o qual preconiza uma orientação diferenciada
no tratamento, assistência e atendimento aos portadores de
sofrimento psíquico, propondo o tratamento em serviços
substitutivos de base comunitária. Surgem em uma estrutura
de superação da lógica manicomial que o organiza a partir
da busca de novas formas de relação da sociedade com o
indivíduo marginalizado, em vulnerabilidade social.
Os Centros de Convivência: - Fundamentos legais
•Amparados pela portaria Nº 3.088/ 2011:
Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno
mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Os Centros de Convivência:
- Fundamentos legais:
III - Centro de Convivência: é unidade pública, articulada às Redes de Atenção à Saúde, em especial à
Rede de Atenção Psicossocial, onde são oferecidos à população em geral espaços de sociabilidade,
produção e intervenção na cultura e na cidade.
§ 4º Os Centros de Convivência, de que trata o inciso III deste artigo, são estratégicos para a inclusão social das pessoas
com transtornos mentais e pessoas que fazem uso de crack, álcool e outras drogas, por meio da construção de espaços de
convívio e sustentação das diferenças na comunidade e em variados espaços da cidade.
Os Centros de Convivência:
- Pressupostos teórico-metodológicos e Ferramentas de Cuidado
Subjetividade em foco:
Os serviços de saúde mental têm como objetivo “realizar o acompanhamento clínico e a reinserção social dos
usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e
comunitários” (BRASIL, 2004, p.13).
Nesta perspectiva, devem constituir-se em dispositivos abertos, acolhedores e, sobretudo, centrados no
usuário e sua história de vida, respeitando sua singularidade. E para tanto, afirma Rotelli (1990), deve estender
seus olhares para além do sofrimento mental, orientando-se pela superação do paradigma reducionista
tradicionalmente voltado para os sintomas.
Os Centros de Convivência:
- Pressupostos teórico-metodológicos e Ferramentas de Cuidado
O cuidado para além do sintoma:
A política nacional para usuários de álcool e outras drogas preconiza que a assistência deve ser ofertada em
todos os níveis de atenção e levando-se em consideração a singularidade de cada sujeito e o seu contexto
social, colocando que devem promover a reinserção social dos usuários mediante diversas ações: pautadas no
trabalho, na cultura, no esclarecimento e na educação da população, utilizando para tanto recursos
intersetoriais, ou seja, de setores como educação, esporte, cultura e lazer, montando estratégias conjuntas
para o enfrentamento dos problemas (BRASIL, 2003).
Os Centros de Convivência:
- Pressupostos teórico-metodológicos e Ferramentas de Cuidado
Acolhimento como ato de inclusão:
A Política Nacional de Humanização (PNH) do SUS (BRASIL, 2010) preconiza o acolhimento enquanto ato ou
efeito de acolher, que implica em uma disposição e abertura para o encontro de subjetividades, considerando
suas dimensões ética, estética e política. Ele pode ainda atuar como uma ferramenta assistencial que se
vincula às relações humanas e habilidades interpessoais dos profissionais que atendem os usuários (FRANCO
et al., 1999).
Nesta perspectiva, percebe-se que os centros de convivência por serem dispositivos não sanitarizados,
compostos por espaços de expressão e criação, elementos que são propiciadores de inclusão social,
conseguem facilmente direcionar o acolhimento como uma ferramenta de cuidado.
Os Centros de Convivência:
- Pressupostos teórico-metodológicos e Ferramentas de Cuidado
Redução de Danos: uma estratégia possível
Compreendida, para além de com conjunto de políticas e práticas voltadas para pessoas
que fazem consumo de substâncias psicoativas e sua rede de sociabilidade, a redução
de danos é concebida enquanto ética do cuidado pautada na clínica da negociação e nos
direitos humanos.
A RD é pontuada enquanto estratégia para defesa e produção de vida, que reconhece
cada usuário em suas singularidades, oferecendo-se como um método (no sentido de
caminho) e, portanto, não excludente de outros. Mas o método está vinculado a direção
do tratamento, significando aumentar o grau de liberdade, de co-responsabilidade e
autonomia daquele que está se tratando (BRASIL, 2003).
Os Centros de Convivência:
- Pressupostos teórico-metodológicos e Ferramentas de Cuidado
Redução de Danos: uma estratégia possível
A estratégia de Redução de Danos (RD) é norteada por três pressupostos básicos: o pragmatismo, referente à
clareza de sua finalidade de prevenção de doenças e promoção de saúde; a tolerância, devido ao respeito da
continuidade do uso de drogas; e a diversidade, relativas à singularidade e complexidade dos sujeitos e das
formas de uso e tipos de drogas, sendo as ações de RD personalizadas (ANDRADE, 2004).
Por ser uma estratégia, e, portanto, não seguir um protocolo, mas sim princípios, tendo flexibilidade nas suas
práticas, a RD se torna uma maneira realista de lidar com os problemas provenientes do uso e abuso de álcool
e outras drogas, ofertando cuidados à saúde dos usuários dessas substâncias, considerando estes como
cidadãos de fato e direito.
Os Centros de Convivência:
- Pressupostos teórico-metodológicos e Ferramentas de Cuidado
Agenciador do cuidado: uma espécie de Técnico de Referência
A principal função do TR é monitorar junto com o usuário o seu projeto terapêutico, definindo junto com o
sujeito ações, atividades e frequência do mesmo ao serviço (BRASIL, 2004). Para Campos apud Furtado &
Miranda (2006), o sucesso desse dispositivo está intimamente ligado à ampliação da clínica..
Entretanto, os Centros de Convivência não se inserem nessa lógica da prática do TR, como acontece
por exemplo nos CAPS, pois não seguem o preceito de responsabilização por um certo número de
pacientes adscritos.
Contudo, pelas particularidades inerentes aos sujeitos que buscam estes serviços fazem-se necessários
vínculo e transversalidade nas relações ainda mais qualificadas, que surge por meio de uma personificação da
atenção e do cuidado mais estrita, configurada na presença de uma espécie de agenciador do cuidado.
Os Centros de Convivência:
- Pressupostos teórico-metodológicos e Ferramentas de Cuidado
Plano de cuidado singular: uma espécie de Projeto Terapêutico Singular (PTS)
Para Silva (2005), a singularidade é a razão de ser do PTS, é o lócus onde, em função de um sujeito singular é
determinada a ação de saúde oferecida para alcançar o objetivo de produzir saúde.
No entanto, no CCIDP, não há uma construção de PTS formal e processual como acontece nos CAPS, mas
existe sim, a construção de um plano de cuidado que atenda aos desejos dos usuários a partir das
necessidades identificadas pelos técnicos de uma maneira mais informal e sem tanto rigor teórico-prático como
é realizado no dispositivo anteriormente citado.
Os Centros de Convivência:
- Pressupostos teórico-metodológicos e Ferramentas de Cuidado
Reunião Técnica
A reunião técnica possibilita que os papéis dos profissionais possam ser reconstruídos, propiciando um
processo participativo e de compartilhamento de saberes, contribuindo para a construção de uma clínica
pautada na realidade dos sujeitos. Para Campos (2000) espaços coletivos são arranjos concretos de tempo e
de lugar, e onde, de fato, se analisam problemas e se tomam decisões.
A reunião técnica do CCIDP acontece uma vez na semana com todos os profissionais do serviço. A pauta é
definida coletivamente, dividida em assuntos administrativos e técnicos.
Metodologia de Trabalho:
A Rua:
Espaço de Potência, Vida;
Respeito, escuta e conhecimento: vinculo;
Identificar dificuldades e apostar nas potencialidades;
Contribuir para ressignificação de experiências;
Promover saúde e cidadania;
Motivar construção de estratégias de RD.
Territórios de Atuação:
DS Centro Histórico
Rua das Flores
Baixa do Sapateiro/Barroquinha
Aquidabã
Praça da Sé
Praça do Santo Antônio
Praça da Piedade
Praça das Mãos
Feira de São Joaquim
Gamboa
Fonte do Gravatá
Ladeira da Conceição
Ladeira da Preguiça
Projeto Levanta-te e Anda
Unidades de Acolhimento Institucional
DS Itapagipe
Praça de Irmã Dulce/Roma
Praça dos Mares
Cantão
Areal da Ribeira
Baixa do Bonfim
Travessa Dom Avelar
Uruguai
Projeto Sonho de Mãe/Uruguai
Calçada
Baixa do Fiscal
Unidades de Acolhimento Institucional
Estratégias de Intervenção:
MAPEAMENTO
DO TERRITÓRIO
VÍNCULO / ACOLHIMENTO
ARTICULAÇÃO
EM REDE
Estratégias de Intervenção:
MAPEAMENTO DE
DEMANDAS Escuta/Encaminhamento
INTERVENÇÕES
LÚDICAS
Música
Jogos
Estratégias de Intervenção:
INTERVENÇÕES
DE SAÚDE E
REDUÇÃO DE
DANOS
• Procedimentos de saúde
• Informação/ Orientação (Educação popular
em saúde)
• Encaminhamentos para rede SUS e SUAS
• Oferta de água mineral
• Álbuns Seriados
• Fomentar arte, cultura, lazer.
* INTENSIFICAÇÃO
DE CUIDADOS
Entre a Casa e a Rua:
A Casa:
Fortalecimento de vínculos e da rede de suporte social;
Ressignificar experiências;
Aprimorar a autoestima e autocuidado;
Reconstruir histórias de vidas;
Atividades focadas na expressão/ subjetivação
A Casa:
- Oficinas Educativas: educação/ informação em saúde
- Oficinas Geradoras de Renda
Informação em saúde;
Protagonismo e autonomia
Rede de trocas solidárias
CCIDP na pandemia
Informação em saúde;
Protagonismo e autonomia
Rede de trocas solidárias
Considerações:
Observa-se que há uma relativa quantidade de Centros de Atenção Psicossocial no país,
porém evidencia-se uma quantidade ainda incipiente de outros modelos de serviços dentro
da perspectiva da atenção psicossocial. Sendo assim, a análise dessa realidade permite
perceber a necessidade de discutir e propor novas formas inovadoras do fazer em saúde
mental.
Entretanto sabe-se que há uma limitação no que concerne a reforma psiquiátrica, tendo
em vista que esta é muito recente em termos históricos, e por isso, torna-se necessário
que as idéias possam ser solidificadas, os projetos possam ser analisados e seu trabalho
transmitido para que se reflita de maneira aprofundada nos aspectos referentes à
desinstitucionalização.
Considerações:
O CCIDP vem se consolidando como ponto de apoio na RAPS de Salvador, mesmo que
ainda timidamente, por ser tratar de um serviço novo, e ao menos tempo inovar tanto para
a equipe que o compõe como para a própria rede.
Os resultados/ experiências poderão ser utilizados como fonte de informação para se
refletir sobre esse modelo de atenção em saúde mental e sobre os avanços e desafios
colocados nesta trajetória.
Por fim, percebe-se a luta incansável dos trabalhadores de saúde mental, usuários e
familiares no processo de reforma psiquiátrica para que as mudanças nas práticas do
cuidado sejam efetivas. Todavia sabe-se que ainda há uma longa caminhada para que o
movimento antimanicomial seja concretizado de fato, por isso tornam-se pertinentes o
compartilhamento de experiências de serviços como este, no sentido de revelar e inspirar
novas e/ou outras possibilidades de cuidado em saúde.
Referências:
AMARANTE. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007. 120 p.
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