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À DIRETORIA EXECUTIVA DA COMISSÃO CIENTÍFICA DO XXXIX
CONGRESSO NACIONAL DOS PROCURADORES DE ESTADO
A presente tese intitulada “Advocacia por Procurador do Estado, nos
termos do Estatuto da OAB“- que submeto para análise - tem pertinência temática com o
“Temário II – Direito Administrativo, item “9” que trata do regime jurídico dos advogados
públicos.”
Muito se discute sobre a vedação do exercício da advocacia privada por
Procurador do Estado. A presente tese, de forma objetiva, busca demonstrar que qualquer
norma a respeito do “exercício da profissão” de advogado, com o aumento ou diminuição de
capacidade profissional, somente pode ser articulada pela legislação federal e, ainda assim,
com interpretação restritiva às cláusulas que diminuem a capacidade postulatória do
advogado/procurador, por se tratar de direito fundamental, previsto no artigo 5º, inciso XIII,
que determina “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Além da adequação ao temário do Congresso, a presente tese reúne os
outros elementos de admissibilidade previstos no art. 9º do Regimento do XXXIX Congresso
Nacional dos Procuradores de Estado, tais como clareza do texto, obediência aos requisitos
formais; coerência lógica da argumentação e conclusão própria suficiente para indicar a
inovação ora oferecida.
No aguardo do encaminhamento da tese a plenário, subscrevo-me,
muito atenciosamente,
ANDRE BRAWERMAN
Procurador do Estado de São Paulo
andrebrawerman@gmail.com
3
1. Colocação do Problema
A função de Procurador do Estado é exercida no Estado de São Paulo com “dedicação
exclusiva, vedado o exercício da advocacia fora do âmbito das atribuições previstas nesta Lei
Complementar”. (art. 74, da Lei Complementar Paulista n. 478, de 18 de julho de 1986).
Passados quase três décadas em vigor a Lei Paulista está ultrapassada, precisa de
urgentes reformas para adaptar o seu texto à nova realidade jurídica, seja para compatibilizar
com o texto constitucional federal de 1988, seja em relação à Constituição Paulista (de 1989),
e diversos outras normas criadas após a promulgação da Constituição Federal, como por
exemplo, a lei que regula o peticionamento eletrônico. Por este motivo foi encaminhado pelo
Governador do Estado projeto de lei complementar (n. 25/2013) que busca – supostamente -
modernizar a estrutura da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
Existem diversas polêmicas em torno do projeto de Lei Orgânica Paulista (projeto n.
25/2013), tanto é assim que recebeu nada menos do que 793 emendas, ainda pendente de
análise pela Assembleia Legislativa na data da elaboração da presente tese.
Não vou aqui destacar todos os pontos polêmicos do projeto de lei paulista (todos
importantes, principalmente a questão do (i) poder exageradamente concentrada na figura do
Procurador Geral, (ii) a criação de uma “malha” de cargos comissionados e (iii) a falta de
autonomia financeira da instituição), meu foco está concentrado em apenas um ponto, a da
inconstitucionalidade da vedação ao exercício profissional do procurador fora das atribuições
de sua função.
Repetindo a redação da atual lei orgânica paulista (de 1986) o projeto de lei datado de
2013, dispõe que:
“Artigo 93 - Os Procuradores do Estado sujeitam-se a Jornada
Integral de Trabalho, caracterizada pela exigência da prestação de 40
(quarenta) horas semanais de trabalho, com dedicação exclusiva, vedado o
exercício da advocacia fora do âmbito das atribuições previstas nesta lei
complementar.”
4
Apenas em um primeiro olhar já é possível concluir que o projeto de lei – que busca
modernizar a PGE/SP – não ousou evoluir no tema da advocacia privada por procurador do
Estado. Repetiu – ipses litteris – a ultrapassada redação de 1986.
Além de não acrescentar algo novo e moderno, o projeto de lei prevê um rigor absurdo
para aqueles que praticarem a advocacia fora das atribuições da função. O projeto de lei
complementar 25/2013 prevê a pena de demissão, qualquer que seja a circunstância que levou
o procurador a exercer sua capacidade profissional da advocacia, ainda que seja “pro Bono”
ou em causa própria.
A propósito, os citados artigos do projeto de lei – que aplicam - sem critérios, a pena
de demissão pelo exercício da advocacia:
Artigo 122 - Além das proibições decorrentes do exercício de
cargo público, ao Procurador do Estado é vedado:
II - exercer a advocacia fora do âmbito das atribuições
institucionais;
Artigo 135 - As sanções previstas no artigo 134 desta lei
complementar serão aplicadas:
IV - a de demissão, nos casos de:
f) exercício da advocacia fora do âmbito das atribuições
institucionais.
Pela lei vigente (de 1986) a pena para o exercício da advocacia privada por procurador
do Estado paulista é dosada de acordo com os critérios subjetivos do “tipo administrativo”,
(nos termos do Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo – Lei Paulista n.
10.261/68, art. 251.). A comissão processante pode recomendar a repreensão, suspensão,
multa e, finalmente, em casos extremos a demissão (por exemplo, advocacia contra o ente
público que o remunera).
Pela proposta do projeto de lei um mero recurso de trânsito – por exemplo - poderia
caracterizar o exercício da advocacia fora das atribuições da função e, consequentemente,
5
comprovado o fato a comissão processante não teria outra opção, a não ser recomendar a
demissão, diante da legalidade estrita que permeia a administração pública. Situação caricata
que demonstra, data vênia, ser o projeto de lei orgânica paulista desarrazoado e
desproporcional.
2. PROCURADOR DO ESTATO CONTEMPORÂNEO.
Por outro lado, nestes trinta anos em que está em vigor a Lei Orgânica Paulista novos
fatos jurídicos relevantes aconteceram, dentre elas a retomada por diversos Estados da
Federação da única vedação legítima e constitucional prevista no Estatuto da OAB, em seu
art. 30, I, ou seja, somente proibido o exercício profissional da advocacia frente ao Ente
público que remunera o procurador.
Neste sentido, salvo engano, em agosto de 2013 contamos com 23 (vinte e três1)
Estados que permitem a advocacia por Procurador do Estado, nos termos do Estatuto da OAB,
sem enumerar a grande maioria das procuradorias dos municípios, das Assembleias
Legislativas, das Câmaras Municipais, que também permitem o exercício da profissão nos
termos do Estatuto.
Apenas São Paulo, Acre, Rio Grande do Sul e Paraná vedam o exercício da advocacia
fora das atribuições institucionais, não modernizando o regime jurídico do Procurador do
Estado à nova concepção de liberdade, administração pública e eficiência administrativa
adotada por quase a totalidade dos Estados membros ao permitir o exercício profissional, com
as restrições do órgão que regula a profissão, a Ordem dos Advogados do Brasil.
Vale citar as recentes alterações feitas pelo Estado de Minas Gerais, Goiás e Mato
Grosso, apenas para citar como exemplos. O Estado de Minas Gerais modificou a Lei
Orgânica local em 2010, para aplicar a vedação prevista na Lei Federal (estatuto da OAB)
com a finalidade de “igualar Procuradores do Estado em direitos e prerrogativas,
1 Em Roraima e em Santa Catarina existem discussões a respeito da constitucionalidade e legalidade da vedação
da advocacia fora das atribuições do cargo.
6
suprime restrições no regime jurídico de parcela da carreira e revoga dispositivos que
destoavam da nova concepção que se pretende implantar.”2
Os Estados que optaram por retornar ao regime jurídico da vedação do Estatuto da
OAB nada mais fizeram do que atualizar a própria lei orgânica para aplicar corretamente a
legislação em vigor, além de trilhar no mesmo caminho político que a grande maioria dos
Estados optaram, que representa a atual tendência do perfil do procurador do Estado
contemporâneo.
Feitas estas breves ponderações, vamos analisar a questão da permissão do procurador
em exercer a advocacia nos moldes da Constituição Federal e do Estatuto da OAB.
3. ANÁLISE CONSTITUCIONAL, LEGAL E DOUTRINÁRIA.
A Constituição Federal determina em seu artigo 5º, XIII que “é livre o exercício de
qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei
estabelecer”.
Trata-se de artigo inserido no capítulo dos “direitos e garantias fundamentais”, que,
conforme preleciona a doutrina, impõe interpretação restritiva no que se refere as normas ou
atos estatais tendentes a diminuí-los.
Sobre a natureza restritiva da interpretação dos impedimentos e incompatibilidades o
STF decidiu no RE 92.237-PI: "Por outro lado, os impedimentos constituem exceção à regra
geral da possibilidade integral do exercício da profissão de advogado, de modo que os
dispositivos da lei que os estabelecem devem ser interpretados restritivamente".3
Ainda em relação ao exercício profissional, determina a Constituição Federal em seu
artigo 22, XVI, que compete privativamente à União legislar sobre “condições para o
exercício de profissões”.
2 Mensagem 502/2010, de 10 de maio de 2010, enviada pelo Governador do Estado de Minas Gerais para a
Assembleia Legislativa daquele Estado. 3 Conforme LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da advocacia e da OAB. 4 ed. São Paulo. Saraiva. 2007, p.
157
7
Apenas o Estatuto da OAB pode criar condições para o exercício da profissão de
advogado, é competência privativa da União legislar sobre este assunto. Cabe às leis
orgânicas que regulam as respectivas procuradorias gerais do estado tão somente a
organização da própria instituição e disciplinar o regime jurídico de trabalho, sem
descaracterizar a atividade do advogado, sem abusos no processo de estabelecimento da
restrição ao direito fundamental à liberdade de profissão.4
O Estatuto da OAB, em estrito cumprimento aos comandos constitucionais, não
reduziu a liberdade do exercício profissional, além dos moldes previstos na Constituição
Federal de 1988.
Com efeito, quando a Constituição Federal quis restringir o direito fundamental do
exercício profissional do advogado, o fez expressamente, conforme se observa no comando
que regula a Defensoria Pública:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa,
em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.) (...)
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da
União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais
para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na
classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a
seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da
advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004, grifei)
Em relação aos Procuradores do Estado e do Distrito Federal a Constituição Federal,
em seu art. 132, não restringe a capacidade postulatória do advogado, “in verbis”:
4 “(...), a Constituição ressalva, quanto á escolha e ao exercício de ofício e profissão, a sujeição á observância
das "qualificações profissionais que a lei exigir". Há, de fato, ofícios e profissões que dependem de
capacidade especial, de certa formação técnica, científica ou cultural. "Compete privativamente á União
legislar sobre: ( ... ) condições para o exercício de profissões" (art. 22, XVI). Só lei federal pode definir as
qualificações profissionais requeridas para o exercício das profissões.” SILVA, José Afonsa da. Comentário
Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores. 8ª Edição. 2011, p. 111.
8
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal,
organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público
de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil
em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria
jurídica das respectivas unidades federadas. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é
assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante
avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório
circunstanciado das corregedorias. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
Também merece destaque a Constituição Paulista de 1989 que – de igual forma – não
veda a advocacia por Procurador do Estado fora de suas atribuições institucionais e mais,
ainda foi além, ao determinar que a Lei Orgânica da PGE/SP deve obediência aos limites
previstos no art. 132 da Constituição Federal, ou seja, na leitura restritiva que se faz aos
limites de um direito fundamental, não pode o Estado pretender criar uma limitação a direito
fundamental – desarrazoada – que o próprio texto constitucional estadual buscou balizar,
limitando seu campo de atuação ao art. 132 da Constituição Federal. A propósito, confira a
redação da Constituição Paulista:
Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de
natureza permanente, essencial à administração da justiça e à
Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador,
responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da
legalidade e da indisponibilidade do interesse público. (Redação dada pela
Emenda Constitucional Estadual n. 19, de 14.04.2004).
§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado
disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá
sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do
Estado, respeitado o disposto nos artigos 132 e 135 da Constituição
Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional Estadual n. 21, de
14.02.2006).
9
Em se tratando de comando constitucional que regula o exercício da profissão,
qualquer interpretação tendente a aniquilar esta garantia constitucional, criando embaraços ao
exercício profissional, tem que obedecer primeiro aos limites previstos no próprio texto
constitucional, que, como visto, não prevê vedação ao “exercício da advocacia fora das
atribuições institucionais”.
Além deste primeiro limite, em um segundo momento o intérprete deve analisar quem
detém competência legislativa para regular este direito fundamental. No presente caso, a
iniciativa é privativa da União (art. 22, XVI, CF “condições para o exercício de profissões”),
portanto, somente a União, por meio do Estatuto que regula a profissão (Estatuto da OAB)
pode criar tais limitações.
E, por último, na análise de eventuais lesões ao direito fundamental, deve-se observar
se a limitação imposta cria requisitos e condições intransponíveis para o exercício
profissional, se inexiste meios de se compatibilizar os dois direitos (exclusividade x
liberdade), ou seja, se a limitação fere – ou não - o próprio exercício do direito fundamental
protegido, se a restrição imposta acaba por violar os princípios da igualdade, da
proporcionalidade e da razoabilidade.5
A propósito, o 'Tribunal Regional Federal da 4ª Região já decidiu que" a Constituição
Federal permite restrições [à liberdade profissional) pela lei ordinária; todavia, não é toda e
qualquer restrição. O legislador não poderá impô-las indiscriminadamente, deverá observar
outros princípios constitucionais, preponderantemente o princípio da proporcionalidade e da
razoabilidade". E mais: "a atividade a ser fiscalizada deve ser potencialmente lesiva,
justificando a atuação no sentido de proteger a sociedade. (...)".6
A vedação existente no Estatuto da OAB é eficiente, atende à moralidade pública,
inexiste razoabilidade em maiores vedações. Aliás, é até despiciendo, pois evidente, em
qualquer esfera, seja pública ou privada, que o advogado não pode exercer sua profissão
5 Neste sentido: “Da mesma forma, inconstitucional seria a regulamentação de qualquer profissão, embora
advinda de legislador federal ordinário, no uso de suas constitucionais atribuições, que impusesse requisitos e
condições intransponíveis. Além de violar a isonomia constitucional (CF, art. 5.°, caput), a lei que restringe
direito de maneira excessiva. PIVA, Otávio. Comentários ao art. 5 da CF e teoria dos direitos fundamentais. 3ª
edição – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p. 95. 6MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2013, p. 114.
10
contra aquele que o remunera. Trata-se, antes de uma norma geral de direito, uma norma de
conduta ética que sequer precisaria estar estampada no art. 30, I, do Estatuto da OAB, que é
claro ao afirmar:
“Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:
I - os servidores da administração direta, indireta e fundacional,
contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a
entidade empregadora;
Mas – para deixar ainda mais clara a discussão - o mesmo Estatuto prevê determinados
cargos dentro da chamada “advocacia pública” em que é vedado o “exercício da advocacia
fora das atribuições institucionais”, conforme determina o seu art. 29, in verbis:
Art. 29. Os Procuradores Gerais, Advogados Gerais,
Defensores Gerais e dirigentes de órgãos jurídicos da Administração
Pública direta, indireta e fundacional são exclusivamente legitimados para
o exercício da advocacia vinculada à função que exerçam, durante o
período da investidura.
Ora, (I) se a Constituição Federal não veda a advocacia privada, e quando quis vedar
fez expressamente (art. 134, Defensoria Pública); (II) se a Constituição Estadual também não
veda, e ainda faz expressa ressalva de que o limite da legislação estadual é aquela prevista no
art. 132 da CF; (III) se o Estatuto da OAB não veda e quando quis, fez expressamente (art. 29
e 30, I), conclui-se que: não há fundamento legal para que a legislação paulista limite o direito
fundamental ao exercício da profissão de advogado.
Cabe, então, discutir a respeito da abrangência do art. 3º, §1º do Estatuto da OAB
permite que os Estados criem “regime próprio” ao procurador do Estado, in verbis:
Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território
brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao
regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem os
11
integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda
Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias
Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das
respectivas entidades de administração indireta e fundacional. (destaquei)
O “regime próprio” referido neste dispositivo não se aplica à competência privativa da
União de legislar sobre “condições para o exercício de profissões”. Somente “lei
complementar federal” poderia delegar aos Estados o poder legiferante para tratar deste
assunto, nos termos do artigo 22, parágrafo único da Constituição Federal, in verbis:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)
XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições
para o exercício de profissões; (....)
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os
Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas
neste artigo.
Inexiste no ordenamento jurídico Lei Complementar Federal que permita ao Estado
legislar a respeito da questão específica da “condição para o exercício de profissões”. Resta,
então, compreender que “o regime próprio” referido no art. 3º, §1º do Estatuto da OAB não
foi editado pelo Congresso Nacional, por meio da necessária lei complementar para regular o
exercício profissional dos Procuradores do Estado no âmbito nacional.
Diante da inexistência de lei complementar específica autorizadora (art. 22, § único da
CF), não pode o Estado-membro legislar em sentido contrário à legislação federal, que detém
a competência privativa (art. 22, XVI, CF) para disciplinar a atividade do advogado de forma
ampla (Estatuto da OAB).
A este respeito, cumpre destacar a balizada doutrina de Arthur Borba, Procurador do
Estado de Sergipe, “in verbis”:
“(...) o artigo 132, que trata dos Procuradores dos Estados e do
Distrito Federal, não faz qualquer menção à regulamentação da profissão,
limitando-se a informar que estes deverão ser organizados em carreira. A
12
organização em carreira pressupõe a criação de regras próprias para
ingresso, progressão funcional e vencimental, organização interna com
divisões de competência e atribuições próprias, não vislumbrando a
possibilidade de criação de “condições para o exercício de profissões”,
cuja competência, como nos demonstra o artigo 22, inc. XVI, acima
transcrito, é privativa da União.
Dessume-se, pois, que somente a União poderá instituir
“regime próprio” que, ao estabelecer condições para o exercício da
profissão de Procurador do Estado ou do Distrito Federal, restrinja
direitos.
Estabelecidas estas premissas, insta observar que o
Constituinte, quando quis vedar o direito ao exercício da advocacia e
consultoria jurídica fora das atribuições institucionais dos exercentes das
Funções Essenciais à Justiça, o fez de forma expressa, como nos artigos:
128, II, b, em que é vedada a advocacia para os integrantes do Ministério
Público e 134, Parágrafo Único, em que é vedada a advocacia para os
integrantes da Defensoria Pública; ou a União, em face da previsão de que
Lei Complementar seria responsável pela organização e funcionamento da
carreira (Art. 131, caput), exercendo sua competência privativa para
estabelecer condições para o exercício de profissões, através da Lei
Complementar 73/93, art. 28, inc. I, vedou o exercício da advocacia aos
integrantes da Advocacia-Geral da União.
Interpretando-se, portanto, sistematicamente e a contrário
senso os dispositivos constitucionais acima apontados e, considerando-se a
previsão constante do artigo 22, XVI, da Constituição Federal, conclui-se
que foi constitucionalmente facultado aos Procuradores dos Estados e do
Distrito Federal o exercício da advocacia fora das atribuições
institucionais, sendo que, apenas e tão-somente à União, em face da sua
competência privativa, cabe legislar sobre condições para o exercício de
13
profissões, impondo norma restritiva aos Procuradores dos Estados e do
Distrito Federal.”7
Diante de tal quadro normativo, é inegável que – com a devida vênia - a Lei Orgânica
do Estado de São Paulo (e também a do Acre, Paraná e Rio Grande do Sul) longe de
disciplinar a instituição PGE em si, acaba por descaracterizar um direito fundamental (ao
exercício profissional) do advogado, aniquilando parte deste direito ao proibir a advocacia
fora das atribuições da função.
Não pode a Lei Orgânica da PGE/SP proibir algo que a legislação privativa da União
não vedou. O limite imposto ao direito fundamental do exercício profissional de advogado foi
colocado nas bem traçadas linhas do art. 30, I do Estatuto da OAB, para vedar tão somente a
advocacia contra o ente público empregador.
A propósito, importante destacar a emenda n. 759 ao Projeto de Lei Complementar n.
25/2013, de autoria do Professor e Deputado Estadual Fernando Capez, que propõe a
mudança do regime jurídico do Procurador do Estado, permitindo a advocacia nos termos da
Constituição Federal e Estatuto da OAB, com o seguinte e importante fundamento
constitucional (publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo no dia 14/8/2013):
“A regulamentação da advocacia é feita pela Lei 8.906/94, que
dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil –
OAB.
O art. 132 da Constituição Federal, que trata dos Procuradores
do Estado e do Distrito Federal, não faz qualquer menção à
regulamentação da profissão, limitando-se a informar que estes deverão ser
organizados em carreira.
A organização em carreira pressupõe a criação de regras
próprias para ingresso, progressão funcional e vencimentos, organização
interna com divisões de competência e atribuições próprias, não
vislumbrando a possibilidade de criação de “condições para o exercício de
7 Borba, Arthur Cezar Azevêdo. EXERCÍCIO DA ADVOCACIA PARTICULAR PELOS PROCURADORES
DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL. AMPARO CONSTITUCIONAL. Extraído do site
http://www.viajuridica.com.br/doutrina.asp., em 25.8.2013.
14
profissões”, cuja competência, no que se refere à advocacia, é da União,
como nos demonstra o artigo 22, inc. XVI, da Constituição Federal.
Com efeito, a Constituição Federal quando quis discriminar a
regulação de determinada carreira profissional o fez expressamente. Neste
sentido, o art. 131 da Constituição Federal, que regula a Advocacia da
União prevê – expressamente - a regulamentação da profissão por meio de
Lei Complementar. De igual forma o art. 134 da Constituição Federal ao
tratar da Defensoria Pública. Contudo, em relação às procuradorias
Estaduais nada disse a Constituição Federal (art. 132, CF), devendo,
portanto, serem submetidas apenas aos limites da Lei Federal que regula a
profissão do advogado (Lei n. 8.906/94).”
Apenas para ilustrar, cabe mencionar que a cláusula de exclusividade da advocacia na
área privada (art. 20 do Estatuto da OAB) não é ilimitada. A jurisprudência trabalhista tem
decidido que a exclusividade não abarca o horário em que o advogado está fora do seu
ambiente de trabalho. Em outro giro verbal, o advogado é livre para exercer sua profissão
fora do expediente de trabalho.
“RECURSO DE EMBARGOS. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. ADVOGADO
EMPREGADO. JORNADA DE TRABALHO. DEDICAÇÃO EXCLUSIVA.
CONTRATAÇÃO. O artigo 20, "caput", da Lei nº 8.906/94, estabelece que a
jornada de trabalho do advogado empregado não pode exceder 4 horas
diárias ou 20 horas semanais, salvo em acordo ou convenção coletiva de
trabalho ou em caso de dedicação exclusiva. O art. 12 do Regulamento
Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB dispõe que : -Para os fins do art.
20 da Lei nº 8906/94, considera-se dedicação exclusiva o regime de
trabalho que for expressamente previsto em contrato individual de trabalho.
Parágrafo único: Em caso de dedicação exclusiva, serão remuneradas
como extraordinárias as horas trabalhadas que excederem a jornada
normal de oito horas diárias". Quanto ao advogado que celebrou contrato
de trabalho com cláusula de dedicação exclusiva, a jurisprudência desta
C. Corte é no sentido de não haver direito à jornada reduzida de 4 horas,
não cabendo afastar a jornada nesse sentido, quando o reclamante é
confesso quanto ao fato de que procedia a atividades particulares apenas
15
após a jornada contratual. Embargos não conhecidos.” (Processo: E-RR
7723822920015035555 772382-29.2001.5.03.5555 Relator(a): Aloysio
Corrêa da Veiga Julgamento: 30/06/2008 Órgão Julgador: Subseção I
Especializada em Dissídios Individuais, Publicação: DJ 01/08/2008)
(grifamos).
O Regulamento Geral do Estatuto da OAB, na redação original do art. 12, dispunha
que o Regime de Dedicação Exclusiva não impedia o advogado de exercer outras atividades
remuneradas, fora dela. O dispositivo não foi repetido na nova redação definida nas sessões
plenárias dos dias 16 de outubro, 06 e 07 de novembro de 2000 - DJ, 12.12.00, p. 574, S.1,
mas também não foi contradito.8
“Art. 12: Considera-se dedicação exclusiva a jornada de trabalho do
advogado empregado que não ultrapasse 40 (quarenta) horas semanais,
prestada à empresa empregadora.
§ 1º Prevalece a jornada de dedicação exclusiva, se este foi o regime
estabelecido no contrato individual de trabalho quando da admissão do
empregado no emprego, até que seja alterada por convenção ou acordo
coletivo de trabalho.
§ 2º A jornada de trabalho prevista neste artigo não impede o
advogado de exercer outras atividades remuneradas, fora dela.” (grifei)
Assim, ainda para melhor ilustrar a tese, se sequer o advogado privado é limitado em
seu direito de exercer sua função de advogado fora do âmbito do escritório que é contratado
com exclusividade, com muito mais razão afirmar este mesmo direito ao Procurador do
Estado, cuja cláusula de exclusividade não tem contornos jurídicos.
As leis orgânicas que dispõe ao contrário, que exigem dedicação exclusiva e vedação à
advocacia fora das atribuições de seu cargo é flagrantemente inconstitucional, pois cria
vedação a um direito fundamental sem competência legislativa para tanto e, ainda que assim
não fosse, a interpretação das cláusulas garantidoras dos direitos fundamentais devem ser
8 Conforme Rafael Effting Cabral, Exercício da advocacia privada pelos advogados empregados de empresas
públicas” extraído do site http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11221#_ftn3, visitado em 25 de
agosto de 2013
16
interpretadas de forma restritiva, jamais abarcando a interpretação de que a exclusividade
também se opera “fora do escritório” da procuradoria.
Não existe um plantão 24 horas de atendimento à Procuradoria, o trabalho
desenvolvido pelo Procurador/advogado fora do âmbito da procuradoria, e contanto que não
seja contra o ente público que o remunera, não interessa ao âmbito da administração pública e
tampouco pode ser invadido em sua capacidade profissional/postulatória.
Importante lembrar que a Lei n. 11.419, de 19/12/2006, que regula a informatização
do processo judicial, prevê a possibilidade de envio de petições, de recurso e a prática de atos
processuais em geral por meio eletrônico, mediante assinatura eletrônica, com prazo de
protocolo até as 24 (vinte e quatro) horas do último dia.
Assim, cumprida a jornada de trabalho de 40 horas semanais, o Procurador pode
exercer, sem prejuízo algum ao bom andamento do trabalho, a profissão de advogado, com a
restrição única do Estatuto, sem que isso causasse qualquer prejuízo para a Administração
Pública.
Por outro lado, a vedação de advocacia fora das atribuições institucionais aleija o
profissional que, ainda que queira, não poderá abraçar e exercer a carreira que elegeu para a
sua satisfação pessoal, para o exercício de um direito elevado ao patamar de fundamental pela
Constituição Federal, que é o pleno exercício profissional (art. 5º, XIII, CF).
Maior absurdo ainda é querer o projeto de lei paulista punir com demissão algo que é
jurídica e altamente questionável. Punir com demissão aqueles que – ainda que fora do
ambiente de trabalho, fora da jornada de trabalho de seu “empregador”, em causas sem
qualquer vínculo com o ente que remunera o procurador – queiram apenas trabalhar.
Existe uma máxima popular de que “se você quer que alguma coisa seja feita, peça a
uma pessoa ocupada”. O ritmo de trabalho, o cumprimento das tarefas cotidianas, dos prazos,
pareceres, acompanhamento processual feito pelo Procurador do Estado continua a ser
regulado – e, principalmente, fiscalizado - pelas respectivas corregedorias. Cada qual tem o
seu ritmo de trabalho, cada qual responde pela qualidade de suas petições, não pode aquele
que é cumpridor de suas tarefas ser penalizado porque fora de suas atribuições normais deseja
17
trabalhar ainda mais, ainda que em horário de descanso. Ainda mais na era digital, em que o
peticionamento pode ser feito em qualquer lugar e em qualquer horário.
A mens lege do impedimento previsto no art. 30, I do Estatuto da advocacia é a de que
“o advogado exerça a sua profissão com absoluta independência e isenção sob qualquer
circunstância e que o exercício de tais funções não propicie a angariação de clientela,
facilitação decorrente do exercício de cargo público”9
A contrário senso, se restar caracterizado que o Procurador utiliza o cargo para
angariar clientes, deverá ser punido, nos termos da lei. A questão aqui é meramente de uma
corregedoria atuante, não se pode punir uma carreira inteira, proibindo-os de exercer a
advocacia livremente, nos termos do Estatuto da OAB, em detrimento de meia dúzia de
profissionais que cometem ilícitos.
Anoto, de passagem, que o discrimen para proibir a advocacia privada fere o princípio
da igualdade. Não é razoável proibir o Procurador do Estado de advogar na área privada, mas
permitir que ele exerça outra profissão liberal qualquer, como por exemplo, a de psicólogo.
Os arts. 242 e 243 do Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo (Lei
Paulista n. 10.261/68) elencam as vedações aos funcionários públicos. Dentre elas, verba
gratia, a de participar da administração de empresas que tenham relação com o Governo, mas
nada dispõe a respeito de eventual proibição para o exercício de outra profissão liberal.
Portanto, respeitada a jornada de trabalho, o Procurador pode ter seu consultório de
psicologia. Todavia, contraditoriamente, o Procurador não poderá exercer a profissão pela
qual é verdadeiramente vocacionada, que é o da advocacia. Inexiste fundamento lógico para
tal discrimen.
Existem ainda outros motivos - além dos jurídicos – pelos quais deve ser abolida a
vedação do exercício profissional fora do âmbito das procuradorias. O Procurador do Estado
antes de qualquer outra formação é, na essência, advogado, na acepção “lata” da palavra.
9 AZEVEDO, Flávio Olimpio. Comentários ao Estatuto da Advocacia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, pag. 109
18
As experiências adquiridas em causas diversas, a dinâmica das relações privadas, a
necessária luta pela “sobrevivência” no mercado de trabalho faz com que o profissional esteja
– obrigatoriamente – em constante atualização e em busca de novos trabalhos, uma atitude
“pró-ativa” é esperada deste tipo de profissional.
Esta singular experiência sem dúvida retornará para a atividade pública desempenhada
pelo Procurador, conferindo a ele um raciocínio jurídico muito mais rico e dinâmico do que se
estivesse limitado à experiência da advocacia pública.
Com o mesmo pensamento, cito a justificativa de emenda elaborada pelo Prof.
Fernando Capez:
“Também merece destaque o fato de que o advogado que tem aberta
a possibilidade do amplo exercício da profissão adquire experiência e
vivência que serão utilizadas em benefício da função pública.
Isto porque acarretará maior eficiência e agilidade ao profissional,
pois a salutar concorrência existente na iniciativa privada fará com que o
profissional tenha que se aperfeiçoar para conseguir competir (sobreviver)
no mercado de trabalho, situação que, como se sabe, inexiste na área
pública, envolto em teses e procedimentos burocráticos que cercam a
administração pública e acabam por engessar a criatividade do jovem
profissional.”
E não é só. Também cabe ressaltar que a liberdade para exercer plenamente a profissão
de advogado por Procurador do Estado torna a carreira mais atraente aos novos profissionais.
Primeiro porque existem outros 23 entes da federação que permitem (situação que levaria o
candidato a optar pelo estado com a legislação mais favorável), e segundo porque inexiste
aposentaria integral aos ingressos no funcionalismo público, no atual ordenamento
constitucional, nem tampouco o FGTS, restando assim, pouco atrativo – a não ser a relativa
estabilidade – que se tem nesta relação empregatícia.
A propósito, cabe destacar novamente a premissa do Deputado Estadual Fernando
Capez.
19
“Ainda em relação aos jovens profissionais, importante mencionar
que o atual sistema previdenciário não representa um estímulo para
permanecer na área pública, pois inexiste a aposentadoria integral e
tampouco o benefício do FGTS, restarão, assim, poucos atrativos para
segurar tais profissionais na carreira.”
Também não se deve confundir o pleito pela liberdade do exercício profissional com a
política remuneratória dos procuradores. Não existe qualquer argumento para afirmar que a
vedação da advocacia implicou melhores salários. Pode ser que a vedação do exercício da
advocacia tenha coincidido com o aumento salarial em algumas Procuradorias. Mas me
parece que se trata apenas de uma coincidência, e não de uma relação de causalidade.
A partir de uma visão um pouco mais abrangente, é certo que o aumento salarial na
Procuradoria não decorre da vedação da advocacia, mas da valorização da advocacia pública,
promovida pela Constituição de 1988, e da reestruturação do funcionalismo público, ocorrida
na década de 1990.
Ainda que não existisse a proibição, o aumento salarial da PGE/SP teria ocorrido em
decorrência da estabilidade econômica experimentada na década de 90. Tanto é assim que a
PGE/RJ, a PG/DF e tantas outras Procuradorias que permitem a advocacia não deixaram de
ter aumentos salariais por conta disso. Pelo contrário, a remuneração inicial dessas carreiras
afiguram-se, no mais das vezes, superiores às da PGE/SP.
A propósito, cito Eugênia Maria Nascimento Freire, Procuradora do Estado de
Sergipe, que, afortunadamente, fez as seguintes ponderações:
“Sabe-se que em alguns estados, os Procuradores do Estado entraram
em acordo com o Poder Executivo, no sentido de obter a paridade com o
Judiciário e o Ministério Público, renunciando ao exercício da advocacia
privada. Infelizmente, nesses estados, aconteceu que o governo não cumpriu
seu compromisso de paridade salarial com aquelas carreiras, ficando os
Procuradores sem a advocacia privada e sem um salário condigno.
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Dessa forma, entendemos que a luta por uma melhor remuneração,
para a carreira de Procurador de Estado, inclusive a luta pela paridade, deve
ser efetivada de forma específica, sem abdicar de prerrogativas e
competências, entre estas a possibilidade do exercício da advocacia
privada.”10
4. CONCLUSÕES E PROPOSIÇÕES.
1. A Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado, datada de 18 de julho de 1986,
prevê regime jurídico de dedicação exclusiva, vedado o exercício da advocacia fora do âmbito
institucional.
2. O Governador do Estado de São Paulo encaminhou projeto de lei complementar (n.
25/2013) com o propósito de reorganizar a Procuradoria Geral do Estado, de acordo com os
ditames da posterior Constituição Federal (1988), da Constituição Estadual (1989), bem como
demais dispositivos legais supervenientes à antiga lei de 1986.
3. O projeto de lei complementar de 2013 repete a redação da lei de 1986, no que se
refere ao regime jurídico ao qual o Procurador do Estado está submetido, reiterando a vedação
da advocacia fora do âmbito institucional.
4. Após quase três décadas em vigor, a ultrapassada lei orgânica paulista não
aproveitou o ensejo para acompanhar as mudanças ocorridas no Brasil, (i) seja porque agora a
maioria absoluta dos Estados-membros admite a advocacia privada por Procurador do
Estado/Distrital; (ii) seja diante das novas legislações supervenientes, desde a concepção do
processo eletrônico, que possibilidade intensa atividade processual 24 (vinte e quatro) horas
por dia, até a correta adequação das diversas leis orgânicas estaduais ao novo arcabouço
jurídico advindo com a Constituição Federal de 1988, que demonstra o correto
enquadramento das procuradorias estaduais com a Constituição Federal (art. 5º, XIII, art. 22,
art. 132 e art. 133) e o Estatuto da OAB (art. 29 e art. 30, I).
10
Freire, Eugênia Maria Nascimento. CONSTITUCIONALIDDE DA ADVOCACIA PRIVADA DO
PROCURADOR DO ESTADO, extraído do site
http://portalciclo.com.br/downloads/artigos/direito/EugeniaFreire_ConstitucionalidadeDaAdvocPrivDoProcDo
Est.pdf, visualizado em 25 de agosto de 2013.
21
5. A Constituição Federal determina em seu artigo 5º, XIII que “é livre o exercício de
qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei
estabelecer”. Em seu artigo 22, XVI, determina a Constituição Federal que compete
privativamente à União legislar sobre “condições para o exercício de profissões”.
6. Lei complementar federal pode delegar aos Estados o poder legiferante para tratar
das “limitações do exercício profissional do advogado”, nos termos do artigo 22, parágrafo
único da Constituição Federal. Inexiste tal lei. Logo, na omissão prevalece a lei federal
ordinária (Estatuto da OAB) que estabelece limite ao exercício profissional.
7. O Estatuto da OAB prevê em seu art. 30, I, que “os servidores da administração
direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja
vinculada a entidade empregadora.” Tal vedação está de acordo com a Constituição Federal,
impondo limites ao exercício profissional compatível, proporcional e dentro da razoabilidade
do critério discrimen para o exercício da garantia fundamental do exercício profissional livre.
8. A Constituição Federal não veda a advocacia privada por Procurador do Estado, e
quando quis vedar para outras carreiras, o fez expressamente (verba gratia, art. 134,
Defensoria Pública); a Constituição do Estado de São Paulo igualmente não veda, e ainda faz
expressa ressalva de que o limite da legislação estadual é aquela prevista no art. 132 da CF; e
o Estatuto da OAB também não veda e quando quis, fez expressamente (art. 29 e 30, I).
9. Diante de tal quadro normativo, é inegável que a Lei Orgânica do Estado de São
Paulo (e também a do Acre, Paraná e Rio Grande do Sul) violam a Constituição Federal pois
restringem direito fundamental sem embasamento constitucional e legal.
10. O projeto de Lei Orgânica da PGE/SP, além de continuar proibindo o exercício
profissional do advogado/procurador, penaliza de forma mais acentuada o exercício da
advocacia fora das atribuições institucionais, atribuindo pena de demissão direta, sem prévio
escalonamento (repreensão, suspensão, etc), tornando algumas situações absurdas, como por
exemplo, minutar um recurso de trânsito acarretar infração administrativa cuja consequência
obrigatória é a demissão; situação jurídica que deve ser rechaçada por toda a comunidade
jurídica, em especial pelos colegas procuradores de todo o Brasil.
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11. Além dos argumentos já expostos, cabe mencionar que:
(a) proibir a advocacia privada fere o princípio da igualdade.
Não é razoável proibir o Procurador do Estado de advogar na área privada,
mas permitir que ele exerça outra profissão liberal qualquer, como por
exemplo, a de psicólogo;
(b) As experiências adquiridas em causas diversas, a dinâmica
das relações privadas, a necessária luta pela “sobrevivência” no mercado de
trabalho faz com que o profissional esteja – obrigatoriamente – em
constante atualização e em busca de novos trabalhos, uma atitude “pró-
ativa” é esperada deste tipo de profissional. Esta singular experiência sem
dúvida retornará para a atividade pública desempenhada pelo Procurador,
conferindo a ele um raciocínio jurídico muito mais rico e dinâmico do que
se estivesse limitado à experiência da advocacia pública; e,
(c) a liberdade para exercer plenamente a profissão de advogado
por Procurador do Estado torna a carreira mais atraente aos novos
profissionais. Primeiro porque existem outros 23 entes da federação que
permitem (situação que levaria o candidato a optar pelo estado com a
legislação mais favorável), e segundo porque inexiste aposentaria integral
aos ingressos no funcionalismo público, no atual ordenamento
constitucional, nem tampouco o FGTS, restando assim, pouco atrativo – a
não ser a relativa estabilidade – que se tem nesta relação empregatícia.
REFERÊNCIAS
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CONGRESSO NACIONAL DE PROCURADORES DO ESTADO, 30., 2004. Livro de teses.
Belém: Imprensa Oficial, 2004.
AZEVEDO, Flávio Olimpio. Comentários ao Estatuto da Advocacia. Rio de Janeiro: Elsevier,
2010.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativos. 20. ed. São
Paulo: Malheiros, 2006.
23
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. A teoria das Constituições rígidas. 2. ed. São
Paulo: Bushatsky, 1980.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.
DIMOULIS, Dimitri (Coord.). Teoria do direito neoconstitucional: superação do direito
neoconstitucional. São Paulo: Método, 2008.
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
1994.
FREIRE, Eugênia Maria Nascimento. CONSTITUCIONALIDDE DA ADVOCACIA
PRIVADA DO PROCURADOR DO ESTADO, extraído do site
http://portalciclo.com.br/downloads/artigos/direito/EugeniaFreire_ConstitucionalidadeDaAdv
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LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da advocacia e da OAB. 4 ed. São Paulo. Saraiva.
2007.
MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2013.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil
comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 9. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006.
PIVA, Otávio. Comentários ao art. 5 da CF e teoria dos direitos fundamentais. 3ª edição –
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.
SILVA, José Afonsa da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros
Editores. 8ª Edição. 2011.
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