A educação de sujeitos considerados portadores de deficiência-contribuições vygotskianas

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Introdução

A discussão a respeito da educação de sujeitos con-siderados portadores de deficiência foi enriquecida, apartir do final da última década, com a chegada ao Bra-sil de algumas obras de Lev S. Vygotski. Estas obras, aobasearem-se em uma concepção de desenvolvimentohumano que leva em consideração a íntima e constanterelação entre social e biológico, oportuniza aos profissi-onais da educação regular e especial, uma reflexão so-bre sua prática2 .

Entendendo que o desenvolvimento humano tempor base as relações sociais, interações de sujeitos his-tóricos, este autor ressalta que o desenvolvimento estáinterligado às aprendizagens desde os primeiros diasde vida da criança, que impulsionam e promovem odesenvolvimento. Dessa forma, o desenvolvimento seapresenta em dois níveis: real, que representa o que acriança pode realizar sozinha; e potencial, que repre-senta aquilo que ela só realiza com ajuda, ou pela imi-tação, mas que poderá vir a realizar sozinha a partir deinterações que promovam suas aprendizagens. Asaprendizagens, assim, são entendidas no sentido daapropriação (VYGOTSKI, 1989). Com esta compre-ensão, as aprendizagens e as não-aprendizagens naescola são atribuídas ao movimento possibilitado pelaforma como as interações estão organizadas entre pro-fessor e alunos e entre alunos, considerando suas his-

AEducação de SujeitosConsideradosPortadores deDeficiência:contribuiçõesvygotskianas

1 Fisioterapeuta; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Professora do Curso de Peda-gogia Educação Especial (Programa Magister) da UFSC e dos cursos Pedagogia Séries Iniciais (Programa Magister) eFisioterapia da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL.

2 Ver FREITAS (1994).3 No total, as Obras Completas do autor estão compostas por seis tomos.4 Os trechos citados neste texto foram submetidos à tradução livre para o português pela própria autora.

tórias anteriores de aprendizagem. Desta forma, o au-tor descarta uma leitura organicista e individualista ondeo êxito ou o fracasso estariam sendo atribuídos exclu-sivamente ao aluno.

Considerando que natureza e cultura convergem,penetram-se reciprocamente e formam uma única for-mação sociobiólogica do sujeito, é possível compreen-der o desenvolvimento orgânico, por realizar-se em ummeio cultural, como um processo biológico historica-mente constituído.

A obra que reúne textos de Vygotski que tratamespecificamente da educação de sujeitos consideradosportadores de deficiência tornou-se mais acessível porocasião das comemorações do centenário de seu nasci-mento, em 1996. Fundamentos de Defectología, quecorresponde ao Tomo Cinco das Obras Completas deLev S. Vigotski3 , foi publicada em 1983 pela EditorialPedagógica, em Moscou, e editado em 1989 pela Edito-rial Pueblo y Educación, em Havana, sendo reeditadoem 1995, com tradução para o espanhol por Maria delCarmen Ponce Fernández4 . A obra em questão estádividida em três partes: 1) Questões Gerais daDefectologia; 2) Problemas Especiais da Defectologia;3) Os Problemas Limítrofes da Defectologia, nas quaissão encontrados dezenove artigos que foram elabora-dos aproximadamente entre 1924 e 1935 e quecorrespondem à participação do autor em congressos,publicações em livros, revistas, coleções, etc. Seis deles

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foram publicados pela primeira vez nesta obra. Um nãoapresenta qualquer referência dos editores sobre datade elaboração e dados de origem.

Dentre as contribuições do autor, três pontos dediscussão serão apresentados aqui como fundamentais:a concepção de deficiência, o conceito de compensaçãosocial, e a educação de sujeitos considerados portado-res de deficiências.

DeficiênciaPrimáriaeSecundária

O autor distingüe dois tipos de deficiência – pri-mária e secundária. A deficiência primária é compreen-dida como biológica e a secundária como social. Nestestermos, a deficiência primária compreende as lesões or-gânicas, lesões cerebrais, malformações orgânicas, al-terações cromossômicas, ou seja, as características físi-cas apresentadas pelo sujeito considerado portador dedeficiência. A deficiência secundária, por sua vez, com-preende o desenvolvimento do sujeito que apresentaestas características, com base nas interações sociais.Uma vez que o autor defende uma concepção de de-senvolvimento que se orienta do plano social para o indi-vidual, a forma como o sujeito que apresenta uma lesãoorgânica ou alteração cromossômica desenvolve-se estáintimamente relacionada ao modo como vive, àsinterações sociais com as quais está envolvido.

Seu trabalho opõe-se às concepções que buscamexplicações exclusivamente biológicas para o desenvol-vimento dos sujeitos considerados portadores de defici-ência, propondo um enfoque no qual a deficiência não étanto de caráter biológico, como social. O autor não par-te dos dados biológicos, buscando relacioná-los à histó-ria e à vida social. Sua compreensão implica em consi-derar o caráter social do desenvolvimento, a história e avida social desde o princípio, quer o sujeito apresentecaracterísticas físicas relacionadas à deficiência ou não.

O que se observa em termos do desenvolvimentoda maioria das pessoas com algum diagnóstico de defi-ciência seria, no seu entender, decorrente da ausênciade uma educação adequada. A deficiência primária con-verte-se em secundária em certas condições sociais. Alesão cerebral converte-se ou não em deficiência men-tal em certas condições sociais, pois não há nenhum as-pecto onde o biológico possa separar-se do social(VYGOTSKI, 1995, p.71).

Segundo Vygotski, uma criança cujo desenvolvimen-to esteja complicado por uma lesão ou alteração

cromossômica não é simplesmente menos desenvolvidaque as crianças consideradas normais de sua idade. Acriança que apresenta características físicas identificadascomo causas de deficiência não se desenvolve em menorescala, mas desenvolve-se de outra forma. Não se tratade subtrair uma função, mas de desenvolver-se de modoqualitativamente diferenciado. Neste sentido, destaca-sea noção de desenvolvimento peculiar ou da peculiaridadequalitativa dos fenômenos e processos que são objeto deestudo da defectologia (educação especial), pois “aespecificidade da estrutura orgânica e psicológica, o tipode desenvolvimento e de personalidade, são o que dife-renciam a criança deficiente da normal, e não as propor-ções quantitativas” (VYGOTSKI, 1995, p. 3).

O autor elabora uma crítica ao que denomina “con-cepção puramente aritmética da soma dos defeitos”. Estemodo de entender a deficiência tem como base umaconcepção de desenvolvimento reduzido ao crescimen-to quantitativo do ponto de vista orgânico e psicológico.O enfoque quantitativo da deficiência, segundo Vygotski,preocupa-se com aquilo que a criança não é e com aqui-lo que ela não faz, reunindo sujeitos que têm como ca-racterística comum o fato de não serem enquadrados nopadrão de normalidade. Desta forma, tanto para fins deavaliação, como no tocante à educação dos sujeitos con-siderados portadores de deficiência, o autor refere queé necessário caracterizar o seu desenvolvimento, nãointeressando ao educador medí-lo.

Neste sentido, pode-se destacar o uso de escalasde desenvolvimento no processo de avaliação como umadas referências utilizadas, descaracterizando seu papelexclusivo de diagnosticar os desempenhos atuais e prog-nosticar os desempenhos futuros. As escalas podemser utilizadas, principalmente, como um instrumento deorientação ao desenvolvimento do sujeito, sem ser con-siderada a única referência.

Não há, na visão vygotskiana, diferenças quantoaos princípios de desenvolvimento para os consideradosnormais e considerados deficientes. Há uma unidade nasleis de desenvolvimento. O autor reconhece, no entanto,que existem particularidades na forma de aprender e sedesenvolver, nos recursos necessários para a aprendi-zagem, entre outros fatores. As leis de desenvolvimentorevelam-se uma só, tanto para os considerados normaiscomo para os considerados portadores de deficiência,mas a expressão deste desenvolvimento se dá de forma

RosalbaMariaCardosoGarcia1

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peculiar. E é sobre este aspecto que os educadores de-vem se debruçar, ou seja, compreender como cada su-jeito que apresenta um diagnóstico relacionado à defici-ência se desenvolve. O diagnóstico, nesta visão, é umdos fatores que o educador deve observar, pois é umdos elementos que constituem o desenvolvimento dosujeito, mas não é o ponto central e definidor de toda asua ação. Junto ao diagnóstico, outros tantos elementosconstituem o sujeito, como as condições sociais e eco-nômicas de sua vida, as pessoas com quem interage, aqualidade destas interações, as situações de aprendiza-gem que já conheceu. “Não é importante saber só qualdoença tem a pessoa, mas também que pessoa tem adoença. O mesmo é possível com relação à deficiência.É importante conhecer não só o defeito5 que tem afeta-do uma criança, mas que criança tem tal defeito”(VYGOTSKI, 1995, p. 104).

A partir desta concepção de deficiência, pode-serefletir a respeito de onde está localizado o fenômenoda deficiência. Está no corpo do sujeito, em seu tecidocerebral, em seus cromossomos? Ou está localizadonas atitudes dos demais, na forma como encaram osujeito identificado como deficiente? A lesão cerebralestá localizada no tecido cerebral, assim como asíndrome de Down está localizada nos cromossomosdo sujeito. Porém, a deficiência atribuída a sujeitos queapresentam lesão cerebral ou síndrome de Down nãofaz parte de seus organismos, mas sim de sua vida so-cial. E é a partir das interações sociais travadas com, epor estes sujeitos, que se constituem as deficiências aeles atribuídas.

O fenômeno da deficiência localiza-se nasinterações sociais, no modo da sociedade relacionar-se.Costuma-se dizer que aquele sujeito que apresenta difi-culdades ou limitações em relação ao padrão considera-do normal, tem dificuldades e limitações, de um pontode vista individual. Pela compreensão que está sendotrabalhada neste texto, é preciso esclarecer que as difi-culdades e limitações são atribuídas socialmente a umindivíduo. O que não significa negar as característicasfísicas relacionadas socialmente como deficiências, massim afirmar que o que caracteriza a deficiência, nestaconcepção, não são as questões físicas, mas sim o tipode interações que envolvem um sujeito que apresentatais características. Assim, é possível pensar que estesujeito pode relacionar-se e constituir-se de outras for-mas, a partir de outras relações.

ACompensaçãoSocial

O segundo ponto fundamental a ser apresentadoneste texto refere-se ao conceito de compensação social.Segundo Vygotski, o fator fundamental no desenvolvi-

mento complicado pelo “defeito” é o duplo papel da in-suficiência orgânica no processo deste desenvolvimen-to. Por um lado, o “defeito” é a limitação, a debilidade, adiminuição do desenvolvimento. Por outro lado, ao origi-nar dificuldades, estimula o movimento para o desenvol-vimento. Neste sentido, qualquer “defeito” origina estí-mulos para formar a compensação.

“A educação das crianças com diferentes de-feitos deve basear-se no fato de que simulta-neamente com o defeito estão dadas tambémas tendências psicológicas de uma direçãooposta; estão dadas as possibilidades de com-pensação para vencer o defeito e de que pre-cisamente essas possibilidades se apresen-tam em primeiro plano no desenvolvimento decrianças e devem ser incluídas no processoeducativo como sua força motriz” (VYGOTSKI,1995, p. 32).

O autor buscou em elementos orgânicos a formu-lação do princípio de compensação como, por exemplo,a relação entre vírus e vacina onde o organismo, a partirdo contato com a vacina, elaborada com o próprio víruscausador da doença, torna-se mais resistente a ele. Tam-bém a compensação biológica de alguns órgãos do cor-po humano, como os rins, por exemplo, que na falta deum, o outro compensa sua função. Ainda uma outra re-ferência é encontrada em relação aos órgãos dos senti-dos, com os quais pode haver uma substituição atravésda qual o cego pode ler não com a visão, mas com otato, e o surdo pode compreender a fala do outro nãocom os ouvidos, mas com os olhos. No entanto, a com-pensação da qual fala Vygotski não se trata de uma com-pensação biológica, nem tampouco da compensação devísceras ou da substituição dos órgãos dos sentidos. Tra-ta-se de uma compensação social.

Neste ponto, é importante explicitar que a cultura,na história da humanidade, tem se constituído sob con-dições de certa estabilidade e constância do tipo bioló-gico humano. Instrumentos, materiais, adaptações, in-telecto, interações têm sido organizadas com base emum tipo humano que se conhece como o padrão denormalidade. Na forma como a sociedade está organi-zada, os sujeitos considerados portadores de deficiên-cia encontram muitas dificuldades para desenvolver-se, pois esta é uma organização excludente, que difi-culta o acesso à cultura para aqueles que fogem aopadrão de normalidade.

O “defeito” originado pelo desvio deste padrão pro-voca o desaparecimento de algumas funções, reorgani-zando todo o desenvolvimento em novas condições ealterando o processo de relacionamento com a cultura.Por isso, observa-se uma divergência entre os planos de

5 O autor utiliza-se, no tomo cinco, de terminologias como defeito, anormalidade, retardo, entre outros, que na atualidade têmsido evitados por serem compreendidos como estigmatizadores.

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desenvolvimento biológico e cultural. Mesmo com a pos-sibilidade de originar estímulos para formar a compen-sação, a via que leva ao desenvolvimento da deficiênciatorna-se a mais comum frente as interações com as quaisos sujeitos considerados portadores de deficiência estãoenvolvidos mais freqüentemente. É importante salientar,no entanto, que os modos utilizados para relacionar-secom a cultura são diversificados no desenvolvimento desujeitos que apresentam características físicas relacio-nadas à deficiência. Os cegos utilizam bengalas paralocomoção, o tato para leitura; os surdos utilizam a leitu-ra labial para compreender a fala dos interlocutores;sujeitos que apresentam seqüelas motoras utilizam ca-deiras de rodas para locomoção e formas alternativasde comunicação, entre outros exemplos.

Os processos de compensação estão dirigidos nãoao complemento direto do “defeito”, o qual não é possí-vel em grande parte, senão à eliminação das dificulda-des criadas pelo “defeito” (VYGOTSKI, 1995, p. 10).A compensação social pode ser produzida por uma viaindireta, de caráter social e psicológico. Esta condiçãosocial do desenvolvimento dos sujeitos se forma a partirde alguns fatores fundamentais. A própria ação do “de-feito” sempre resulta ser secundária, indireta, reflexa,podendo constituir-se em um descenso da posição soci-al da criança, uma “luxação social”. Neste sentido, acompensação social consiste em criar condições e esta-belecer interações que possibilitem aos sujeitos conside-rados portadores de deficiência apropriarem-se da cul-tura, seja qual for o seu diagnóstico relacionado à defici-ência. O autor chama a atenção, porém, para que o pro-cesso de compensação não seja compreendido comouniversal e que não ocorre livremente.

Desta forma, compreende que “ o desenvolvimen-to cultural é a esfera principal de onde é possível a com-pensação da deficiência. Onde é impossível o desenvol-vimento orgânico, ali está aberta de forma ilimitada a viado desenvolvimento cultural” (VYGOTSKI, 1995, 153).

É importante salientar que esta compreensão nãotem por objetivo negar as questões orgânicas conheci-das como causas de deficiência. Pelo contrário, esta éuma compreensão que se propõe a discutir o papel dasquestões orgânicas no desenvolvimento humano, desen-volvimento este que se dá socialmente.

AEducaçãodeSujeitosConsiderados

PortadoresdeDeficiência6

A educação especial conhecida por Vygotski, emseu país, tinha influências européias. A crítica elaboradapor ele dizia respeito a que, aquele modelo de escolaespecial, separava e isolava os sujeitos em um mundorestrito e adaptado ao “defeito”. Considerava que um

ser absolutamente adaptado não teria impulsos para de-senvolver-se e que na inadaptação encontra-se uma fontede possibilidades de desenvolvimento (VYGOTSKI,1995, p.83). Também criticava o programa reduzido deconteúdos e métodos simplificados de ensino. Mais queuma escola para deficientes, a escola especial deveriaser um local para educação. E, neste sentido, oprivilegiamento do abstrato frente ao concreto, o desen-volvimento das funções psicológicas superiores, deveri-am ser as metas. Elaborava, desta forma, uma forte crí-tica à ênfase no exercício das funções sensoriais emotoras, em detrimento das cognitivas. Para o autor, asquestões sociais deviam ser consideradas principais naeducação, pois “ao trabalhar exclusivamente com re-presentações concretas e visuais, freiamos e dificulta-mos o desenvolvimento do pensamento abstrato, cujasfunções não podem ser substituídas por nenhum proce-dimento visual” (VYGOTSKI, 1995, 119).

Frente à concepção de deficiência e ao conceitode compensação social, desenvolvidos por Vygotski, esteafirmava que, embora os vários tipos de deficiênciassejam também circunstâncias biológicas, a educaçãodeve estar voltada para suas conseqüências sociais. Casocontrário, a educação orienta-se, desde o início, para adeficiência, a invalidez, como um princípio. Neste senti-do, o autor afirma:

“É um equívoco ver na anormalidade só umaenfermidade. Na criança anormal nós só ve-mos o defeito e por isso nossa teoria sobre acriança, o tratamento dado a ela, se limitam aconstatação de uma porcentagem de ceguei-ra, surdez ou alterações do paladar. Detemo-nos nos gramas de enfermidade e não nota-mos os quilos de saúde. Notamos os defeitose não percebemos as esferas colossaisenriquecidas pela vida que possuem as crian-ças que apresentam anormalidades”(VYGOTSKI, 1995, p. 45).

Segundo o autor, o caráter “especial” deveria serretirado da educação especial. A educação especialcompreendida como parte da educação geral, deveriater as mesmas bases e a mesma finalidade, utilizando-sede métodos e procedimentos diferenciados, sempre quenecessário. Desta forma, todas as crianças estariam ten-do acesso aos mesmos conhecimentos, mesmo que porvias peculiares. Assim, o autor indica que a concepçãode educação especial que defendia, referia-se a proce-dimentos específicos de educação, porém, fazendo par-te do processo geral de educação, tendo os mesmosobjetivos e programas.

Frente a estas questões postas pelo autor, a respei-to da educação especial, pode-se elaborar a questão:como pensar a educação de sujeitos considerados por-

6 Esta terminologia é utilizada pela autora, a partir das elaborações de CARNEIRO (1996), não sendo utilizada por Vygotski.

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tadores de deficiências nestes termos, a partir da reali-dade atual? São destacados, aqui, alguns elementos queconstituem esta realidade, a título de exemplificação: aintegração de sujeitos considerados portadores de defi-ciência na escola regular, em Santa Catarina, por deci-são política; salas de aula com 40 alunos na rede públi-ca; baixos salários dos professores; acentuado númerode professores contratados temporariamente, ocasionan-do uma alta rotatividade dos mesmos; professores con-siderados despreparados para ensinar alunos com algumdiagnóstico relativo à deficiência; pouca articulação en-tre educação especial e regular; entre outros fatores.

É preciso, primeiramente, que se atente para ofato de que Vygotski elaborou este pensamento a res-peito da educação especial em um momento em que seconstituía uma sociedade com outras bases, diferentedesta em que nos encontramos. O clima cultural daRevolução Russa propunha que se ousasse, inspiravapara que se buscassem soluções diferenciadas em re-lação ao Ocidente capitalista. Este é um dado funda-mental para se pensar que o que o autor propôs noinício do século parece avançado para a nossa realida-de ao final do mesmo. É importante procurar compre-ender como se constituiu o trabalho voltado à educa-ção especial no ocidente, relacionado ao modo de vi-ver e pensar vigentes.

Situando esta discussão em Santa Catarina, aintegração pela via legal, através da portaria n. 011/87,que instituiu a matrícula compulsória, garantindo vagano ensino fundamental para crianças entre 7 e 14 anos,embora tenha sido um ato antidemocrático, uma decisãocentralizada, tem oportunizado nos últimos anos uma dis-cussão a respeito da presença de sujeitos consideradosportadores de deficiência na rede regular de ensino, suasformas de interagir, suas possibilidades de aprender, asbuscas dos professores no sentido de ensinar. A presen-ça destes alunos têm possibilitado que se discuta a rela-ção ensino/aprendizagem/desenvolvimento de modo ge-ral e não apenas dos alunos que apresentam algum diag-nóstico relacionado à deficiência. Ainda que o processode integração de sujeitos considerados portadores dedeficiência na rede regular de ensino não tenha alcan-çado resultados substancialmente satisfatórios até o pre-sente momento, é importante destacar as possibilidadesque engendra. A integração, enquanto princípio, traz apossibilidade da publicização dos sujeitos consideradosportadores de deficiência; enquanto prática, revolucionaa sociabilidade no cotidiano escolar e explicita aheterogeneidade que já se fazia presente entre alunos eentre professores.

As dificuldades estruturais estão postas, são con-cretas e acompanham professores, alunos, especialistas(orientadores e supervisores), pais e diretores cotidiana-mente. Frente a elas, pode-se optar pelas elaboraçõesteóricas que estão disponíveis. Qual o trabalho que sequer e que se pode realizar na escola? O que estamos

buscando: a manutenção das dificuldades ou a busca devias de acesso a novas possibilidades? Deve-se buscarsoluções individualizadas para os sujeitos consideradosportadores de deficiências ou soluções coletivas para aeducação de todos os alunos?

Conclusão

Considero que as questões apresentadas podemauxiliar no desenvolvimento de uma reflexão a respeitode dificuldades e possibilidades encontradas na realida-de escolar, a partir da compreensão de que toda e qual-quer prática pode ser explicada teoricamente, e todopensamento pode ser implementado na prática, ainda queparcialmente. Portanto, que teoria e prática são dois la-dos de uma mesma moeda, não podendo serdesvinculados.

As discussões apresentadas neste texto pretendemcontribuir com a discussão que já está na rua, ou naescola, a respeito de como compreender as diversasmanifestações do desenvolvimento humano. A discus-são a respeito dos sujeitos considerados portadores dedeficiência representa apenas uma categoria destasmanifestações. Considero que o encontro com o explici-tamente heterogêneo pode auxiliar no sentido de desve-lar as armadilhas postas pela idéia de homogeneidade,no sentido de aprender a lidar com a heterogeneidadecom novas bases e formas.

ReferênciasBibliográficas

CARNEIRO, Maria Sylvia C. Alunos consideradosportadores de necessidades educativas especi-ais nas redes públicas de ensino regular:integração ou exclusão? Dissertação de Mestradoem Educação. Universidade Federal de SantaCatarina. Florianópolis, 1996.

FREITAS, Maria Teresa. O pensamento de Vygotskie Bakthin no Brasil. Campinas: Papirus, 1994.

GARCIA, Rosalba Maria C. ContribuiçõesVygotskianas para a educação de indivíduosconsiderados portadores de deficiências.Florianópolis, 1996, mimeo.

VYGOTSKI, Lev S. A Formação Social da Mente.São Paulo: Martins Fontes, 1989.

VIGOTSKI, Lev S. Fundamentos de Defectología.Obras Completas, tomo cinco. Havana: EditorialPueblo y Educación, 1995, 2a. edição.

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