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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
Pós-Graduação Latu Sensu
Curso de Direito do Consumidor
Título: A EVOLUÇÃO DA TEORIA CONTRATUAL E A
INFLUÊNCIA DAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS
Aluna: Simone Ferreira Coelho
Orientador: Prof. Sérgio Ribeiro
Data da entrega: 14/04/2005
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
Pós-Graduação Latu Sensu
Curso de Direito do Consumidor
Monografia de conclusão do curso de pós-graduação em Direito
do Consumidor, da Universidade Candido Mendes, Projeto A Vez
do Mestre.
A EVOLUÇÃO DA TEORIA CONTRATUAL E A INFLUÊNCIA DAS
RELAÇÕES CONSUMERISTAS
Este trabalho tem por objetivo traçar um breve panorama da evolução da
teoria contratual até chegarmos aos dias atuais, apontando as modificações na
forma de abordagem do contrato, ocorridas a partir das mudanças sociais, em
suas relações de produção, bem como, em decorrência da evolução da teoria
jurídica. Procuraremos mostrar as características próprias dos contratos
consumeristas, traçando algumas comparações em relação aos contratos civis,
considerando os princípios que os regem.
Minha curiosidade por esse tema decorre de uma experiência pessoal, em
que percebi que muitos magistrados, na atualidade, particularmente no cenário
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, baseiam suas decisões nas letras
frias dos instrumentos contratuais, parecendo estar ainda apegados ao
princípio do pacta sunt servanda. Procurei estudar, por meio de pesquisas
bibliográficas, as novas formas de interpretação contratuais, de forma que
acredito ter tido um conhecimento frutífero no sentido de que, hoje, outras
formas de interpretação são possíveis, baseadas na visão social do contrato,
onde deverão ser levados em consideração os interesses sociais e as
expectativas das partes envolvidas. Cabe ao poder judiciário um controle mais
efetivo da justiça contratual, onde a lei irá delimitar a atuação da autonomia da
vontade dos contratantes, visando ao interesse social, devendo considerar
tanto as normas legais quanto as expectativas das partes, privilegiando-se a
função social do contrato.
Neste contexto, faremos uma abordagem desde a concepção tradicional
de contrato, com as influências exercidas pela massificação das relações
econômicas, as quais se refletem nas relações contratuais, através dos
contratos de adesão e das condições gerais dos contratos, até os dias atuais,
em que o contrato passa a ter uma função social, exigindo-se uma nova forma
de interpretação dos pactos firmados.
Aluna: Simone Ferreira Coelho
INTRODUÇÃO
O contrato latu sensu se caracteriza, em sua estrutura, como algo não
estático, ao contrário, vem sendo moldado no decorrer dos tempos,
considerando-se a sociedade e suas práticas, bem como, os modelos
econômicos vigentes. Sendo assim, o contrato é reflexo da realidade social,
incluindo-se aí a realidade econômica, possuindo uma grande importância por
ser o instrumento que viabiliza a circulação de riquezas na sociedade. A noção
de contrato traz, em si, a idéia de troca e reciprocidade de direitos e
obrigações, que possibilita um equilíbrio mínimo de prestações e
contraprestações. Para a teoria jurídica, contrato é negócio jurídico, em que se
busca um consenso de vontades direcionado para um determinado fim.
A partir das intensas modificações observadas na sociedade nos últimos
tempos, de sociedade industrializada, de consumo e globalizada, bem como
considerando-se a evolução do pensamento teórico-jurídico, a concepção de
contrato e relação contratual também sofreram significativas mudanças.
Procuraremos fazer uma referência à evolução da teoria contratual, que advém
da realidade social e da teoria jurídica, que, no Brasil, culminará com a criação
do Código de Defesa do Consumidor.
Pretendemos abordar, considerando essas modificações sociais e
econômicas, as questões inerentes aos contratos que regem as relações entre
consumidores e fornecedores, procurando mostrar suas características
próprias e apontar as semelhanças e diferenças em relação aos contratos civis,
no capítulo III.
Neste contexto, faremos uma abordagem desde a concepção tradicional
de contrato, com as influências exercidas pela massificação das relações
econômicas, as quais se refletem nas relações contratuais, através dos
contratos de adesão e das condições gerais dos contratos, até os dias atuais,
em que o contrato passa a ter uma função social, exigindo-se uma nova forma
de interpretação dos pactos firmados.
CAPÍTULO I – A EVOLUÇÃO DA TEORIA CONTRATUAL
1.1 - A concepção clássica de contrato
No século XIX, à época do Liberalismo, a “autonomia da vontade”
assumia papel primordial na ciência jurídica, estando centrada na idéia de valor
da vontade como fonte de legitimação para a formação de direitos e obrigações
na esfera contratual. De acordo com a concepção clássica, as regras
contratuais deveriam constituir-se como normas supletivas, meramente
interpretativas, para assegurar a plena autonomia da vontade dos contratantes.
Esta concepção viria a influenciar a teoria jurídica brasileira, sendo positivada
pelo Código Civil de 1917.
A concepção clássica de contrato está diretamente ligada à doutrina da
autonomia da vontade e à questão da liberdade contratual. A doutrina da
autonomia da vontade defende que a vontade das partes é a única fonte da
obrigação contratual, cabendo à lei simplesmente disponibilizar instrumentos
para assegurar o cumprimento das negociações firmadas entre as partes,
assumindo, portanto, uma posição supletiva. Dessa forma, é a vontade humana
e não a lei, a fonte e legitimação da relação jurídica contratual. A doutrina da
autonomia da vontade determina que a vontade, ensejadora do contrato, seja
livre de vícios ou defeitos, advindo daí, a teoria dos vícios do consentimento.
Sendo assim, a idéia da autonomia da vontade está ligada à idéia de liberdade
contratual, uma vontade livre, sem influências externas, que permite a
liberdade de contratar ou de se abster de contratar, liberdade de escolher com
quem contratar, de fixar o conteúdo das obrigações que quer assumir.
A idéia de liberdade contratual preencheu importantes funções à época do
Liberalismo. Permitia que os indivíduos agissem de maneira autônoma e livre,
otimizando as potencialidades da economia, a qual era baseada em um
mercado livre e possibilitando a livre concorrência. Considerando ser este
modelo econômico livre e descentralizado, deveria ser assegurada aos
contraentes a maior independência possível para se auto-obrigarem, ficando
adstritos somente à observância do princípio do pacta sunt servanda.
No direito contratual tradicional, as regras imperativas formuladas pela lei,
que poderiam ser considerados os únicos obstáculos à liberdade contratual,
são raras e têm como função justamente proteger a vontade dos contratantes,
tal como encontramos nas regras sobre capacidade. Fora isso, as normas
legais restringem-se a fornecer regras para a interpretação das vontades das
partes e a oferecer regras supletivas relativas a certas obrigações não
abordadas no contrato, tais como, regras sobre o lugar e tempo do
adimplemento da obrigação.
De acordo com essa concepção, impõe-se a força obrigatória dos
contratos, pela qual, uma vez manifestada a vontade das partes, livre e
consciente, sem influências externas coatoras, estarão vinculadas por um
contrato, com direitos e obrigações, não podendo deles se desvincular, a não
ser através de um outro acordo, ou em decorrência de caso fortuito ou força
maior. Considerando a força obrigatória dos contratos, não cabe ao juiz intervir
na vontade dos contraentes ajustando-a à eqüidade, mas tão somente
respeitá-la, assegurando que as partes atinjam as finalidades estipuladas no
negócio jurídico. A força obrigatória dos contratos atinge apenas as partes que
dele participam, possuem efeito inter partes, manifestando sua vontade.
A relação contratual, na concepção tradicional de contrato, considerava as
partes em posição de igualdade, o que permitia a discussão do contrato,
cláusula a cláusula, corroborando o acordo de vontades, com base na
autonomia da vontade e liberdade contratual.
1.2 – A massificação das relações econômicas e
contratuais
A partir da primeira guerra mundial houve um grande avanço na produção,
tendo crescido consideravelmente após a segunda guerra – o crescimento
populacional nas metrópoles gerava uma maior demanda e,
consequentemente, uma possibilidade de aumento da oferta de produtos por
parte dos fornecedores, de maneira que a indústria passou a produzir cada vez
mais, criando-se a produção em série, a homogeneização da produção. Nascia
a sociedade de massa, em que era necessário um modelo que se adequasse
às novas demandas econômicas. A produção em série permitiu uma grande
diminuição dos custos e, consequentemente, uma maior oferta dos produtos,
possibilitando atingir uma camada mais larga de consumidores.
Dentre as características desse novo modelo econômico é importante
destacar que a produção é planejada unilateralmente pelo fornecedor, sendo
de seu interesse colocar no mercado uma larga oferta de produtos e serviços e
atingir uma maior camada possível de pessoas que os adquiram. Esse modelo
de produção capitalista, que pressupõe o planejamento unilateral da produção,
vem acompanhado de um modelo contratual – um fornecedor que gere dez mil
produtos por mês não pode elaborar um contrato diferenciado para cada
relação de consumo que se estabelecer. Daí haver também a reprodução do
contrato, elaborado unilateralmente pelo fornecedor.
Este modelo contratual, de predisposição de cláusulas elaboradas
unilateralmente pelos fornecedores, disponibilizado pelos contratos de adesão
e por meio das condições gerais dos contratos, tornaram-se inerentes à
sociedade industrializada moderna, dominando quase que todos os setores,
seja nos contratos de empresas com seus clientes, ou com seus fornecedores,
nos contratos de transportes, e até mesmo nas relações assalariadas. Estas
técnicas de contratar em massa também são utilizadas por empresas públicas
ou concessionárias de serviços públicos, como no fornecimento de água,
telefone, luz e transportes.
Nesse contexto, para produtos e serviços de massa são elaborados
contratos de massa. Neste tipo de contrato, que abordaremos mais
detalhadamente adiante, o consumidor apenas adere às cláusulas, impostas
pelos fornecedores, não sendo possível haver negociação das mesmas, de
forma que, para adquirir produtos e serviços o consumidor apenas examina as
cláusulas e paga o preço exigido, dentro das condições previamente
estabelecidas pelo fornecedor. Deve-se lembrar que nem sempre os contratos
são feitos por escrito, pois muitas vezes as relações consumeristas ocorrem
por meio de contratos verbais, em que a aceitação se dá por meio das
“condutas sociais típicas”, como por exemplo, através de simples recibos ou
tickets de caixas automáticos. A empresa ou o Estado, enquanto fornecedores,
considerando sua posição econômica, bem como a demanda, irão estabelecer
uma série de contratos, homogêneos em seu conteúdo, para um número
indefinido de consumidores. Assim, considerando aspectos como economia e
racionalização, o fornecedor dispõe, antecipadamente ao momento da
formação contratual, de um modelo contratual, que é oferecido à simples
adesão do contratante. Dentre os tipos de contratos de massa, destacam-se os
”contratos de adesão” e as “condições gerais dos contratos”, que veremos
adiante.
As expressões “contratos de adesão” e “condições gerais dos contratos”
não são sinônimas. Na visão de Cláudia Lima Marques, em sua obra
“Contratos no CDC”, p. 54, os contratos de adesão são aqueles formulados por
escrito, preparados e impressos com anterioridade pelo fornecedor, cabendo
ao aderente apenas preencher os espaços relativos à sua identificação, bem
como, à do bem ou serviço, que corresponde ao objeto do contrato. Os
contratos submetidos a condições gerais, por sua vez, são aqueles escritos ou
não escritos, em que o comprador aceita tácita ou expressamente, que as
cláusulas, pré-elaboradas unilateralmente para um número indeterminado de
relações contratuais, venham a disciplinar o seu contrato. Daí serem institutos
distintos, devendo-se considerar que as “condições gerais” podem englobar os
contratos de adesão com formulários impressos, contratos modelo e contratos
ditados pelos órgãos públicos, desde que estejam inseridas no próprio texto do
contrato e não em anexos.
Vejamos, adiante, as peculiaridades destes tipos de contratos de massa.
1.2.1 - Os Contratos de adesão
Os contratos de adesão são aqueles cujas cláusulas são pré-elaboradas
pelo fornecedor, parte economicamente mais forte, normalmente sem a
possibilidade de discussão de seu conteúdo. Dessa forma, o contrato
geralmente é oferecido em modelos uniformes, por escrito, cabendo ao
contratante preencher apenas os dados relativos à identificação das partes, do
objeto contratual e do preço, de maneira que a relação contratual já se
encontra regulamentada, não sendo passíveis de discussão os seus termos e
condições.
O consumidor, portanto, limita-se a aceitar as cláusulas, em bloco,
assumindo papel de simples aderente às condições previamente estudadas e
impostas pelo fornecedor do produto ou serviço. Caracteriza-se, assim, a
ausência da fase pré-negocial, que é um elemento central desses contratos,
restando ao contratante somente aceitá-lo ou rejeitá-lo, uma vez que não cabe
discussão de seu conteúdo, de forma que o consentimento se manifesta por
simples adesão ao texto previamente formulado pela parte. A partir desse
consentimento é que ocorre o nascimento do contrato, a concretização do
vínculo contratual entre as partes. Considerando que o consumidor apenas
aceita as cláusulas pré-estabelecidas pelo fornecedor e que, por vezes, sequer
lê completamente o contrato ao qual irá aderir, cabe o “dever de transparência”
nas relações de consumo, de forma que o consumidor deva ser informado de
seu conteúdo. O contrato de adesão deve ser redigido de maneira a possibilitar
a sua compreensão pelo homem comum.
Costuma-se atribuir a expressão “contrats d’adhesion” ao autor francês
Raymond Saleilles, em sua obra do início do século XX, segundo o qual o
contrato de adesão se aproximaria mais de uma declaração unilateral de
vontade, pois levando em consideração que somente uma das vontades
predomina, bem como, que o contrato tem como destinatário um número
indeterminado de pessoas, este tipo de contrato não se enquadraria na
natureza jurídica dos contratos clássicos¹. Os doutrinadores anglo-americanos,
por sua vez, os denominam como take-it-or-leave-it basis, uma vez que não há
liberdade contratual. Assim, a doutrina discutiu, por muito tempo, o caráter
contratual desse tipo de contrato, alguns defendendo que não haveria um
acordo real de vontades, constituindo-se como um ato unilateral. Atualmente a
doutrina é unânime em aceitar o caráter contratual dos contratos de adesão,
considerando-se que o acordo de vontades é representado pela adesão, não
sendo essencial que seu conteúdo seja discutido cláusula por cláusula, em
uma fase preliminar. Considera-se que a igualdade de forças não é essencial,
entendendo-se que se deve criar normas próprias, que se adaptem às suas
características e que permitam um maior controle da eqüidade nesses
contratos.
A regra geral para a interpretação dos contratos de adesão é denominada
interpretação contra proferentem, pela qual as cláusulas, principalmente as
dúbias, devem ser interpretadas contra aquele que redigiu o contrato. Outra
regra a ser observada é a de que há prevalência das cláusulas acertadas
individualmente sobre as impressas no instrumento contratual, de maneira que,
se houver algum escrito à máquina ou à mão, presume-se que derive de um
acordo de vontades, fruto de uma discussão individual sobre algum tópico do
contrato, e, portanto, deverá prevalecer sobre as demais cláusulas.
1.2.2 – As Condições Gerais dos Contratos
Os contratos submetidos a condições gerais são aqueles que possuem
como características cláusulas pré-elaboradas, unilateralmente, pelo
proponente, e oferecidas à aceitação do contraente. São cláusulas ou
condições de um contrato, podendo ser escritas ou não, que se destinam a ser
incluídas num futuro contrato, independentemente do seu tipo. Assim, quando
o departamento jurídico de uma empresa elabora um contrato modelo ou uma
lista de cláusulas que deverão integrar os futuros contratos firmados pela
empresa, que podem ser de compra e venda, de locação, etc., estamos diante
de contratos submetidos a condições gerais.
Sendo assim, as cláusulas são elaboradas, pelo fornecedor, para um
número indeterminado de relações contratuais e não para um único contrato,
podendo estar ou não inseridas no instrumento contratual. Dessa forma, as
condições gerais dos contratos podem estar relacionadas numa parte externa
destes, como num cartaz afixado no estabelecimento ou sob a forma de um
anexo, devendo estar visíveis para o consumidor.
O fenômeno da pré-elaboração unilateral das condições gerais dos
contratos é inerente à sociedade industrializada, havendo, na atualidade, quase
que uma exclusividade de contratos em que o seu conteúdo já está
determinado em cláusulas gerais ou em contratos formulário. Verificamos
diversas condutas sociais em que são aceitas condições gerais, tacitamente,
como por exemplo, nos contratos de transporte ao embarcar num ônibus, ou ao
utilizar prestações oferecidas por máquinas automáticas.
As condições gerais dos contratos diferem, portanto, dos contratos de
adesão, podendo-se afirmar que estes últimos podem ser englobados por
aqueles, sendo os contratos de adesão necessariamente escritos. Alguns
doutrinadores classificam os contratos submetidos a condições gerais como
possuindo uma maior rigidez, considerando que nestes não há possibilidade de
alterações de suas cláusulas a pedido do consumidor, enquanto que nos
contratos de adesão é possível haver negociações para a inclusão de cláusulas
individuais.
Para que as condições gerais dos contratos tenham força obrigatória em
relação às partes contraentes é necessário que sejam inseridas no instrumento
contratual e que sejam aceitas. Dessa forma, as condições gerais dos
contratos não possuem força de normas legais ou regulamentos, ou seja, não
basta que o departamento jurídico de uma empresa elabore uma lista com
cláusulas regulamentadoras ensejadoras de direitos e deveres para os
contraentes, ao contrário, estas condições devem ser informadas aos
consumidores, os quais poderão vir a aceitá-las ou não.
Nesse contexto, cabe ressaltar a importância do princípio da
transparência, pelo qual, as condições gerais dos contratos, unilateralmente
estipuladas pelo fornecedor, somente integrarão o contrato se o consumidor
tiver conhecimento delas ou se, pelo menos, tiver tido a oportunidade de
conhecê-las e aceita-las, antes ou durante a celebração contratual. Assim, se
não tiver havido transparência, ou seja, caso o consumidor não tenha sido
informado do conteúdo contratual, o seu silêncio não poderá ser interpretado
como tendo aceito as condições gerais dos contratos. De acordo com a
doutrina alemã, não basta que o fornecedor dê um recibo com as cláusulas
pactuadas para o consumidor contraente após o fechamento do contrato,
devendo estes ser informados antes de sua aceitação. Nos contratos verbais,
em que seria difícil relacionar expressamente suas cláusulas, como por
exemplo, nos contratos de transporte em ônibus, e nos estacionamentos
privados, os doutrinadores alemães entendem que deve haver a afixação das
condições gerais dos contratos em lugares visíveis para que o consumidor
possa tomar conhecimento destas.
A idéia central é que as condições gerais dos contratos podem influenciar
a decisão do contraente, e portanto, cabe ao fornecedor o dever de informação.
No Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, as condições gerais dos
contratos fazem parte da oferta feita pelo fornecedor, havendo um dever de
informar, expresso nos artigos 30 a 46 deste código.
Por outro lado, não basta que seja observado o dever de informação,
sendo necessário que o consumidor tenha conhecimento do conteúdo real das
condições gerais dos contratos. Assim, é necessário que o homem comum
possa ler e entender o significado das cláusulas contratuais, quais são as
obrigações que está contraindo e os direitos a elas inerentes. Tal como
sabemos, não raro o fornecedor inclui as condições gerais nos contratos de um
modo furtivo, por meio de textos impressos em letras pequenas, em textos
longos, impressos no verso, de difícil compreensão. Neste sentido, o Código de
Defesa do Consumidor impõe o princípio da transparência, em seus artigos 4º,
caput e artigo 46.
Uma vez aceitas as cláusulas contratuais pelos consumidores,
manifestando sua concordância, estas serão submetidas a um controle,
devendo haver uma interpretação das condições gerais dos contratos. Nessa
interpretação, o jurista deverá considerar, além dos métodos tradicionais de
interpretação dos negócios jurídicos, muito influenciados pelos princípios da
autonomia da vontade e da liberdade contratual, deverá considerar também a
natureza das condições gerais dos contratos.
Para tanto, desenvolveram-se princípios específicos para a interpretação
dos contratos submetidos a condições gerais dos contratos. O principal
princípio é o da primazia das cláusulas pactuadas individualmente, pelo qual,
estas cláusulas pactuadas individualmente, escritas ou não, adquirem maior
importância sobre as demais uma vez que decorre da vontade de ambos os
contratantes e não somente das formulações unilaterais. A maioria da doutrina
entende, atualmente, que há primazia das cláusulas pactuadas individualmente
também nos acordos orais, por haver uma não aceitação da validade das
cláusulas das condições gerais dos contratos. Assim, as condições especiais
de prazo para entrega da mercadoria, de preço e de qualidade, pactuadas
oralmente pelos contratantes, prevalecem em relação às estipuladas no
instrumento contratual.
Outro princípio que deve ser considerado no momento da interpretação
das condições gerais dos contratos é o denominado interpretatio contra
preferentem, pelo qual, em caso de dúvida quanto ao sentido das cláusulas
inseridas no contrato, estas devem ser interpretadas a favor do contratante que
não as redigiu. O Código de Defesa do Consumidor brasileiro apresenta norma
semelhante em seu art. 47, defendendo a interpretação a favor do consumidor,
só que referente a todos os tipos de contratos de consumo.
Além dos princípios mencionados, deve-se considerar o princípio da
interpretação dos negócios jurídicos de acordo com a boa-fé, respeitando-se a
nova função do direito dos contratos, que busca equilíbrio e justiça social. O
Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 1º, inc. IV, apresenta a cláusula
geral de boa-fé no controle das cláusulas abusivas, permitindo que o jurista
brasileiro interprete as cláusulas das condições gerais dos contratos visando
aos legítimos interesses dos consumidores.
1.2.3 - Os Contratos Cativos de Longa Duração
Constituem-se como contratos que utilizam os métodos de contratação em
massa, através de contratos de adesão ou condições gerais dos contratos,
para fornecer a prestação de serviços no mercado, criando relações jurídicas
complexas de longa duração, que envolve uma cadeia de fornecedores. Há
uma posição de “catividade” dos consumidores nestes tipos de contratos, que
se revela como uma “dependência”, a qual deve ser analisada no contexto da
realidade atual, em que os serviços prestados prometem ao contraente
segurança, status, moradia assegurada, formação educacional ou saúde, no
futuro, devendo-se considerar a maciça indução ao consumo exercida pelo
marketing, bem como devendo-se considerar os riscos e inseguranças
inerentes à sociedade atual.
Como exemplos de contratos cativos de longa duração podemos citar as
relações entre clientes e bancos, clientes e planos de saúde, clientes e cartões
de crédito, clientes e seguradoras, clientes e serviços de transmissão de
informações por televisão, cabo, computadores, bem como os serviços
públicos de fornecimento de luz, água e telefonia.
Estes contratos envolvem serviços prestados de forma contínua e
massificada, pelo Estado ou por Empresas privadas, ou ainda, por “terceiros”,
formando-se uma cadeia de fornecedores diretos e indiretos. Assim, nos
contratos de pacotes turísticos relacionam-se os hotéis, as agências de turismo
e as transportadoras; bem como nos contratos e planos de saúde, relacionam-
se médicos e hospitais; nos contratos de cartão de crédito envolvem-se os
bancos.
Como se observa, trata-se de serviços cuja prestação se protrai no tempo,
de trato sucessivo, que visa manter o vínculo contratual, com uma longa fase
de execução. As obrigações são adimplidas permanentemente, sem que se
modifique o conteúdo do dever de prestação. Assim, mesmo após a utilização
dos serviços prestados pelo plano de saúde pelo segurado, o dever de prestar
assistência médica é renovado, continua o mesmo, respeitando-se o contrato.
Não ocorre divisão da prestação contratual, não se trata de obrigação divisível,
mas sim, de obrigações em que o adimplemento sempre se renova, até o
término do vínculo contratual.
São serviços contínuos e complexos, envolvendo também prestadores
indiretos na realização do objetivo do contrato. Dessa forma, a obtenção da
finalidade contratual depende da contínua relação jurídica firmada entre as
partes, de maneira que o contrato deve se basear na confiança, no convívio
reiterado e na manutenção da qualidade dos serviços e de seu potencial
econômico. A importância da confiança sobressai ao considerarmos que,
muitas vezes, o objeto principal desses contratos é um evento futuro, certo ou
incerto, como uma assistência hospitalar, crédito para consumo, prestação do
seguro contratado, de forma que, os consumidores manterão relações com
seus fornecedores até por anos, pagando suas contribuições, podendo a vir a
usufruir ou não dos serviços, dependendo-se da ocorrência do evento, objeto
do contrato. Envolvem, portanto, não apenas contratos comutativos, mas
geralmente, contratos aleatórios.
As partes contratantes vinculam-se a outras obrigações que não apenas
às relativas ao adimplemento da obrigação principal, ou seja, estão vinculadas
a uma série de atos, de condutas gerais, instrumentais ou acessórias, também
necessárias à realização dos seus interesses. Estão as partes vinculadas a
deveres impostos pelo princípio geral da boa-fé objetiva na execução das
obrigações, o qual inclui os deveres de informação, cooperação, de cuidado, de
sigilo, de conselho e lealdade, entre outros.
O princípio geral da boa-fé objetiva deverá guiar as condutas dos
contraentes nos contratos cativos. Isto significa que o livre exercício do direito
subjetivo, estabelecendo livremente o conteúdo dos contratos, será contrário à
boa-fé quando distinto da finalidade para o qual foi firmado. Dessa forma, o
princípio geral da boa-fé objetiva deverá impor limites à abusividade das
cláusulas contratuais, bem como às práticas comerciais abusivas. Impõe-se, a
partir desse novo contexto, de relações contratuais complexas, cativas e de
longa duração, a necessidade de uma visão mais dinâmica dos contratos
massificados, bem como uma nova interpretação dos negócios jurídicos,
levando-se em consideração as obrigações principais e secundárias, com base
no princípio geral da boa-fé objetiva.
1.3 - As Cláusulas Abusivas nos Contratos de Massa
A elaboração prévia e unilateral dos instrumentos contratuais, pelo
fornecedor, possibilita um desequilíbrio nas relações contratuais, considerando
que a parte mais forte desta relação poderá direcionar o conteúdo do contrato
de forma a conferir direitos e obrigações desproporcionais aos contraentes. As
cláusulas contratuais, não raro, tendem a reforçar a posição econômica e
jurídica do fornecedor que as elabora, enfraquecendo a posição contratual do
consumidor. Verifica-se, com freqüência, contratos de massa que contêm
cláusulas assegurando vantagens unilaterais para o fornecedor do produto /
serviço, minorando seus deveres em relação ao consumidor, e exonerando-se
de responsabilidades. Dessa forma, com relação às cláusulas relativas à
questão do inadimplemento, por exemplo, percebe-se que procuram limitar as
obrigações dos fornecedores, ao mesmo tempo em que se estabelecem
sanções pesadas para o caso de rescisão por parte dos consumidores.
Essa garantia de vantagens desproporcionais, que ocasiona a quebra do
equilíbrio contratual, se revela nas denominadas cláusulas abusivas, as quais
são incluídas nos contratos de massa, que são oferecidos à aceitação dos
consumidores. Embora estas cláusulas contenham condições desfavoráveis
aos consumidores, estes freqüentemente as aceitam, celebrando o contrato, o
que poderíamos questionar, haja vista a gritante desproporcionalidade entre os
direitos e obrigações assumidos. Neste sentido, cabe ressaltar que a maioria
dos consumidores, ao celebrarem contratos de adesão ou contratos
submetidos a condições gerais, o fazem sem ter conhecimento preciso dos
termos do contrato, sem ter oportunidade de estudar suas cláusulas, por
diversos motivos – seja porque somente o recebe após a conclusão; seja
porque o contrato somente será enviado por correio, posteriormente; seja
porque é longo e cansativo, pois impresso com letras pequenas e linguagem
técnica, muitas vezes incompreensível. Sendo assim, tudo concorre para o
desestímulo à leitura e compreensão do conteúdo contratual, contentando-se o
contraente com as informações prestadas pelo fornecedor, e frise-se, confiando
nelas. Nesse contexto, o consumidor aceita as condições contratuais impostas
unilateralmente pelo fornecedor sem uma plena consciência de seu alcance.
Por outro lado, ainda que o consumidor tenha oportunidade de conhecer,
plenamente, o conteúdo do contrato, ainda pode vir a aceitá-lo, baseando-se
em sua necessidade, por precisar daquele bem, que somente é oferecido por
aquele fornecedor, ou ainda, porque as cláusulas não eram compreensíveis
para o homem médio, que não possui conhecimentos jurídicos. O primeiro
caso, assistimos com freqüência, pois muitos serviços imprescindíveis na
atualidade são monopolizados por empresas públicas ou privadas, como os
serviços de fornecimento de água, luz e telefonia, que são os campeões de
reclamações na justiça. Outra situação semelhante ocorre quando, embora não
em condições de monopólio, os fornecedores oferecem condições contratuais
muito semelhantes ou até iguais, como ocorre com o transporte aéreo. Outra
situação ocorre quando, naquele momento, aquele produto ou serviço,
somente é prestado por aquele fornecedor específico.
Deve-se ressaltar que, ainda que o consumidor tenha oportunidade de
conhecer e entender o conteúdo do contrato, e que dele discorde, muitas vezes
o aceita por não interessar ao fornecedor o ajuste das cláusulas, que,
considerando a demanda, preferirá celebrar o contrato com outra pessoa.
Muitas vezes, por ter interesse no bem / serviço, ou para evitar maiores
desgastes, muitas vezes ineficazes, o contraente aceita o contrato, tal como
pré-redigido pelo fornecedor, submetendo-se e aderindo à imposição de sua
vontade.
De acordo com Cláudia Lima Marques,
“a abusividade da cláusula contratual é, portanto, o
desequilíbrio ou descompasso de direitos e obrigações
entre as partes, desequilíbrio de direitos e obrigações
típicos àquele contrato específico; é a unilateralidade
excessiva, é a previsão que impede a realização total do
objetivo contratual, que frustra os interesses básicos das
partes presentes naquele tipo de relação, é, igualmente, a
autorização de atuação futura contrária à boa-fé, arbitrária
ou lesionaria aos interesses do outra contratante, é a
autorização de abuso no exercício da posição contratual
preponderante (Machtposition)”.
A estipulação das cláusulas abusivas ocorre no momento da celebração
dos contratos, mas a abusividade de tais cláusulas somente é identificada num
momento posterior. Assim, o caráter de abusividade só é percebido quando da
execução do contrato, de maneira que, é a interpretação do instrumento
contratual que irá identificá-lo. A atividade do intérprete é crucial para a
identificação da abusividade das cláusulas, devendo-se fazer uma análise total
do contrato, de forma a não se concentrar na leitura isolada da cláusula, mas
sim, na leitura de todo o contrato, pois uma cláusula pode ser considerada
abusiva se vista isoladamente, mas não se analisada dentro do conjunto,
devendo-se considerar, inclusive, o tipo de contrato.
1.4 - Crise na teoria contratual clássica
A partir das mudanças ocorridas na sociedade, com a massificação das
relações contratuais, tal como abordado no tópico 1.2, o conceito tradicional de
contrato não mais se adaptava às necessidades exigidas pela sociedade no
século XX, pois se percebeu que a “autonomia da vontade” foi mitigada pela
preponderância da superioridade dos fornecedores, como visto nos contratos
de massa, da mesma forma que a “liberdade contratual” não mais existia,
estando muito restrita. O declínio da teoria do Voluntarismo e, portanto, da
concepção tradicional de contrato acarretou a necessidade de transformação
da teoria dos contratos, já no início do século XX, em que escritores como
Jhering vislumbravam a insuficiência da ciência do direito à época. As idéias de
Jhering influenciaram a “jurisprudência dos interesses”, no entanto, suas idéias
de função social do direito privado não foram adiante. Havia um clamor por
uma “socialização do direito”, com a relativização do dogma da autonomia da
vontade.
No Brasil, após a segunda guerra mundial, exerceu grande influência
sobre os juristas brasileiros a doutrina de Hans Kelsen, com sua “Teoria Pura”,
pela qual a questão da injustiça da norma não tem importância, bastando que a
mesma tenha sido estabelecida de forma legítima. Assim, as normas brasileiras
sobre contratos continuaram as mesmas desde o início do século, mantendo-
se as influências da teoria do voluntarismo, embora não mais se adaptassem à
realidade do século XX. Os conceitos tradicionais relativos à teoria contratual
somente sofrerão mudanças, no Brasil, na década de oitenta, com o Código de
Defesa do Consumidor, que vem a regular as normas consumeristas, com base
em princípios de equidade, justiça e boa-fé, antes restritas aos arbítrios das
teorias da autonomia da vontade e liberdade contratual. É a denominada
socialização da teoria contratual, que vislumbra a “função social do contrato”,
com um maior intervencionismo do Estado nas relações contratuais, aplicando-
se o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução dos contratos.
Nesse contexto, é necessária uma visão crítica do direito tradicional,
impondo-se uma nova valorização dos princípios e dos conceitos de Justiça e
equidade social, concentrando-se na proteção da vontade do consumidor.
Assim, a proteção jurídica não deve estar adstrita a somente uma das partes,
ao contrário, as normas jurídicas devem buscar equilibrar a relação de forças,
de forma que a vontade e liberdade do consumidor também devam ser
tuteladas. O Direito deve servir como instrumento de inclusão social e, para
tanto, deve considerar a nova realidade, onde as relações contratuais são
múltiplas, despersonalizadas, tendem a se estender no tempo e por toda uma
cadeia de fornecedores. As relações contratuais, em sua maioria, não se
constituem mais como “simples prestações contratuais” que envolvem
parceiros para a execução de contratos momentâneos. Dessa forma, cabe ao
Direito, o combate ao abuso do poder econômico, ao desequilíbrio firmado na
sociedade com a atuação de profissionais contrários à boa-fé, devendo
perquirir a proteção dos grupos econômica e juridicamente menos favorecidos.
Este cenário começará a se desenvolver no Brasil após o advento do Código
de Defesa do Consumidor.
1.5 - A nova concepção de contrato
De acordo com Cláudia Lima Marques, a nova concepção de contrato é:
“uma concepção social deste instrumento jurídico, para a
qual não só o momento da manifestação da vontade
(consenso) importa, mas onde também e principalmente os
efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e
onde a condição social e econômica das pessoas nele
envolvidas ganha em importância”. (Marques, Cláudia
Lima, 1998, p. 101)
O intervencionismo estatal tem um papel fundamental na regulação das
relações contratuais, em que se destaca o papel da lei, como limitadora e
legitimadora da autonomia da vontade, buscando-se o equilíbrio contratual.
Assim, os conceitos tradicionais de autonomia da vontade, liberdade contratual
e negócio jurídico permanecem, mas a autonomia do particular para auto-
regular seus contratos será reduzida pelas normas reguladoras editadas pelo
Estado, como no caso do Código de Defesa do Consumidor. Na nova
concepção de contrato, a questão da “vontade” já não pode mais ser o núcleo
central de sua legitimação, assumindo as normas jurídicas um papel
fundamental, visando ao interesse social.
A autonomia da vontade permanece, portanto, como um conceito legítimo,
mas, agora, limitada pelas condições traçadas pelo direito, de forma que o
contrato é um ato de auto-regulamentação de interesses das partes, porém
formado segundo as condições permitidas pela lei. É a lei que irá dotar de
eficácia jurídica o contrato. A vontade continua sendo pressuposto e fonte
geradora dos contratos, cabendo à ordem jurídica, numa outra etapa, impor
limites à autonomia dos particulares. Novos conceitos, como boa-fé objetiva,
equidade, confiança e segurança terão importância conjuntamente com a
questão da autonomia da vontade.
1.5.1 - Boa fé objetiva
O princípio da boa fé passa a ter especial importância no contexto das
novas relações contratuais de consumo. Para destacar sua nova interpretação
e função será denominado de Princípio da boa fé objetiva, o qual possui uma
dupla função na nova teoria contratual: 1) será fonte de deveres especiais de
conduta, os denominados deveres anexos, durante o vínculo contratual; 2)
funcionará como causa limitadora do exercício dos direitos subjetivos.
A atuação com boa fé objetiva pressupõe o respeito aos legítimos
interesses e expectativas, agir com lealdade, sem abusos, nem lesões ou
desvantagens excessivas, visando atingir o cumprimento do objetivo contratual
com a realização dos interesses das partes.
A relação contratual passa a envolver, além das obrigações de prestar,
obrigações de conduta, que são os deveres de atuação conforme a boa-fé e
conforme o direito. Estes deveres de conduta são denominados de deveres
anexos, cujo descumprimento acarretará uma sanção. Assim, esses deveres
anexos constituem-se como obrigações, determinando que a relação contratual
obrigue não somente ao cumprimento da obrigação principal, mas também ao
cumprimento das diversas obrigações acessórias ou dos deveres anexos.
O Código de Defesa do Consumidor trouxe, como grande contribuição à
teoria contratual, a positivação do princípio da boa fé objetiva, em seu art. 4º,
inc. III, como linha teleológica de interpretação e, em seu art. 51, inc. IV, como
cláusula geral, bem como estipulou uma série de deveres anexos às relações
contratuais.
O primeiro dever anexo é o dever de informar, o qual deve ser obedecido
já na fase pré-contratual, momento em que são prestadas as informações
decisivas para o fechamento do acordo entre os contraentes. É nesse
momento em que, por exemplo, o consumidor escolhe a marca e o modelo do
eletrodoméstico que irá comprar, recebendo a influência das informações
prestadas pelo vendedor, assim como, irá escolher o plano de saúde que sua
família irá utilizar, de acordo com suas necessidades. As informações
prestadas pelo fornecedor do produto ou serviço, tais como, qualidade do
produto, garantias, prazos de carência, riscos e condições de assistência
técnica, serão fundamentais para influenciar a decisão do consumidor, não
devendo, portanto, haver falha ou indução a erro. Tais informações são
juridicamente relevantes uma vez que integrarão a relação contratual futura,
devendo ser cumpridas em sua fase de execução, tal como determina o art. 30
do CDC. Deverá ser dada oportunidade para que o consumidor tome
conhecimento prévio do conteúdo do contrato, tal como preceitua o art. 46 da
Lei 8078/90, sob pena de não os obrigarem, assim como também ocorrerá se
os termos da redação dificultarem a compreensão de seu sentido. Deve haver
transparência nas relações consumeristas, de maneira que a publicidade
ganha uma nova relevância jurídica, devendo ter compromisso com a confiança
despertada por meio de suas técnicas de marketing.
A imposição imposta pelo CDC, de que o dever de informação sobre o
produto ou serviço cabe ao seu fornecedor, como por exemplo, sobre suas
características, qualidades e riscos, inverteu a regra do caveat emptor para a
regra do caveat vendictor. De acordo com a primeira regra, o consumidor é que
devia ter uma atitude ativa na busca das informações que lhe interessavam, ao
passo que, pelas novas regras, cabe ao fornecedor a prestação das
informações corretas, de maneira adequada.
Podem ser observados, fazendo-se uma subdivisão dos deveres de
informação, o dever de aconselhamento e o dever de esclarecimento. Este
último obriga o fornecedor do serviço a informar sobre a forma de utilização e
sobre a qualidade dos serviços. Enquanto que o dever de aconselhamento
seria considerado mais forte na medida em que forneceria as informações
necessárias para que o consumidor fizesse uma opção.
O dever de informar também cabe ao consumidor nas situações em que
suas informações são relevantes para a aquisição de um produto ou serviço, tal
como ocorre com relação aos planos de saúde, devendo-se ressaltar que milita
uma presunção de boa-fé a favor dos consumidores.
Constitui-se como um dever anexo o Dever de Cooperação, o qual deve
ser observado como obrigação de colaborar durante a execução do contrato,
agindo-se com lealdade e sem obstruções ao exercício dos direitos e
obrigações. De acordo com esse dever, deve-se evitar dificultar ou inviabilizar a
atuação do outro contratante quando este tenta cumprir com suas obrigações.
Quando, por exemplo, o consumidor está tentando quitar uma obrigação junto
ao fornecedor e este cria obstáculos, estipulando condições difíceis de serem
cumpridas, estará descumprindo seu dever de conduta. As dificuldades
excessivas, impostas por uma das partes, impedem o cumprimento da
prestação principal e constituem-se como o descumprimento do dever de
conduta de cooperação, o que é uma forma de inadimplir o contrato, ainda que
parcialmente.
O dever de cooperação também deve ser respeitado no momento da
redação dos contratos – a forma de contratação utilizando-se os contratos de
massa, de forma unilateral e pré-fixada, é permitida e muito utilizada, mas
deverá respeitar as exigências legais, sendo redigidos de forma clara e precisa,
destacando as cláusulas que limitem ou excluam direitos do consumidor.
Outro dever anexo é o dever de cuidado. Esta obrigação acessória
determina que deve-se preservar o co-contratante de danos à sua integridade
pessoal, moral ou física e à integridade de seu patrimônio. A obrigação de
segurança, inerente ao contrato, manifesta-se quando, para alcançar a
finalidade do contrato, deve-se utilizar de meios técnicos. Como exemplo
podemos citar o contrato de transporte, com bagagens, que será feito por um
meio técnico, seja por ônibus, avião ou táxi, cabendo ao transportador o dever
de cuidar para que não ocorra nenhum dano aos passageiros, nem às
bagagens. Com relação ao prestador de serviços também cabe o dever de
cuidado quando, no momento de sua atuação ou no momento da cobrança de
seus honorários não cause qualquer tipo de constrangimento que ocasione
danos morais ou patrimoniais, devendo também ter o dever de cuidado com
relação às informações que detém em função do exercício de seu trabalho. O
dever de cuidado também deve ser observado para que o consumidor não
tenha gastos superiores aos necessários, que causem dano a seu patrimônio.
Observa-se, portanto, que o contrato deve ser interpretado de forma mais
abrangente, uma vez que cabe ao fornecedor a obrigação de cumprir o objeto
principal do contrato, assim como, a obrigação com os deveres anexos, acima
relacionados. Dessa forma, o princípio da boa-fé objetiva, que é a fonte dos
deveres especiais de conduta, denominados deveres anexos, vem a limitar o
princípio da autonomia da vontade, visando atingir a equidade contratual, por
meio do intervencionismo estatal, exercida pelo poder legislativo, pelos órgãos
administrativos, bem como pelo poder judiciário, o qual exercerá o controle do
contrato, analisando o seu conteúdo e, também, os deveres anexos.
CAPÍTULO II
2.1 - O CDC como conseqüência da nova teoria contratual
A teoria contratual, conforme analisamos, passou por grandes
transformações, por um lado devido às relações contratuais mais intensas
desenvolvidas na sociedade de consumo e, por outro lado, devido ao
intervencionismo estatal, com a edição de normas cogentes, buscando um
equilíbrio de forças na sociedade. O contrato não é mais um instrumento livre,
a ser redigido simplesmente de acordo com a autonomia da vontade das partes
contratantes. Ao contrário, hoje o contrato possui uma função social, e para o
atingimento de suas finalidades, as partes devem respeitar os limites impostos
pelas normas estatais, havendo uma limitação à liberdade contratual.
2.1.1 - Limitação da liberdade contratual
A concentração de empresas, monopolizando mercados, reduziu muito a
liberdade de escolha do consumidor, principalmente nos casos de serviços
essenciais, de fornecimento de luz, água, gás e transporte, que muitos
entendem como verdadeira obrigação de contratar. O declínio da liberdade
contratual é um fato na sociedade moderna, e o direito, percebendo essas
limitações, passa a verificar se são legítimos e legais esses limites, se
respeitaram os direitos constitucionais, quando provenientes do poder estatal.
Por outro lado, se os limites forem provenientes dos particulares, observará se
as normas são abusivas, e se respeitam os princípios de boa-fé, de segurança
e eqüidade social.
A teoria contratual, percebendo a limitação da liberdade de contratar, irá
editar normas que objetivam minimizá-la, visando proteger o consumidor.
Assim, o CDC, em seu art. 30 e seguintes, reforça o caráter vinculante da
oferta, pelo qual a informação ou publicidade veiculada obrigará o seu
fornecedor. Passam a fazer parte da oferta todas as informações que
despertem expectativas legítimas quanto à qualidade ou quantidade do
produto, bem como quanto às obrigações assumidas pelo fornecedor.
A recusa de contratar será limitada pelo direito e, muitas vezes, será
punida, como se verifica no art. 35 da Lei 8078/90. Esta limitação se baseia no
respeito aos direitos constitucionais e por considerar ilícito o abuso do poder
econômico. Dessa forma, as normas editadas em função da limitação da
liberdade de contratar irão possibilitar que obrigações não oriundas da vontade
declarada ou interna dos contratantes sejam inseridas no contrato, seja pela lei
ou pela interpretação dos juízes.
A teoria contratual também valoriza o tempo como elemento relevante nas
relações contratuais. Neste contexto, o CDC considera a importância das
novas técnicas de vendas, algumas bem agressivas, do marketing e do
contrato como forma de informação, protegendo o direito de escolha do
consumidor através do reconhecimento da importância do direito de
informação, como se observa em seus artigos 30, 31, 34, 46, 48 e 54, e do
direito de reflexão, no art. 49. O tempo também é considerado nas relações
contratuais em que se verifica a questão da catividade, pois quanto mais
duradoura a relação, maior será o prejuízo no caso de rompimento. Assim, o
art. 54, em seu §2º, admite as cláusulas resolutórias nos contratos de adesão,
desde que sejam alternativas e que caibam ao consumidor, sob pena de serem
consideradas abusivas.
Verifica-se o renascimento do formalismo, valorizando-se a forma na
elaboração dos contratos para uma maior proteção do consumidor, pois
permite mais segurança ao negócio jurídico.
2.1.2 - Relativização da força obrigatória dos contratos
A teoria tradicional dos contratos valorizava o princípio da autonomia da
vontade das partes como fonte de direitos e obrigações, constituindo-se como
força obrigatória para seu cumprimento, ao passo que, de acordo com a nova
visão, destaca-se a importância da lei, das normas jurídicas para a legitimação
do vínculo contratual. A lei reserva um espaço para a autonomia da vontade, a
qual não é descartada, mas deverá ficar restrita a um espaço de atuação.
Ocorre, a partir daí, a relativização da força obrigatória dos contratos.
O CDC determina normas que permitem a revisão do contrato, impondo
limitações ao princípio clássico de que o contrato não pode ser modificado
senão através de uma nova manifestação dos contratantes. Neste sentido,
verificamos o inc. V do art. 6º da Lei consumerista, que impõe a modificação
das cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão
em razão de fatos supervenientes eu as tornem excessivamente onerosas,
assim como seu art. 51 que determina a anulação das cláusulas abusivas.
Sendo assim, agora é permitido aos juízes o controle do conteúdo do contrato,
de forma que as cláusulas abusivas devem ser substituídas pela norma legal
supletiva. Os juízes podem se utilizar da interpretação teleológica para a
interpretação do contrato, e não mais apenas se baseará na vontade das
partes como única fonte de interpretação. Deverá levar em consideração os
interesses sociais e as expectativas das partes envolvidas, principalmente
quando se tratar de pura adesão. O poder judiciário fará um controle mais
efetivo da justiça contratual, onde a lei irá delimitar a atuação da autonomia da
vontade dos contratantes, visando ao interesse social, devendo considerar
tanto as normas legais quanto as expectativas das partes.
As relações contratuais da atualidade apresentam uma pluralidade de
agentes econômicos, uma vez que envolve uma grande cadeia de
fornecedores, o que provoca uma relativização do conceito de que os contratos
só têm efeito entre as partes. As novas tendências apontam para que, em
alguns casos, os efeitos vão além das partes. Neste sentido, o CDC relaciona
os artigos 14, 18 e 20. Como exemplo, podemos citar as relações de crédito
em que a relação se estabelece entre o consumidor e a empresa de crédito,
com vistas a adquirir um bem que será fornecido pela empresa vendedora.
Forma-se aí um triângulo contratual, onde a relação de crédito é acessória em
relação ao fornecimento do bem, havendo entre elas uma interdependência
que possibilite as reclamações do consumidor. Há uma relevância das fases
anteriores e posteriores ao momento da celebração do contrato. Impõem-se, na
fase pré-contratual, requisitos como o dever de informação. Na fase pós-
contratual os deveres se estendem para além do cumprimento da prestação
principal. Nesse sentido, a legislação consumerista disciplina os deveres
anexos à obrigação, impondo-se os deveres de: prestação da assistência pós-
venda, no art. 18, §1º do CDC, pelo qual o consumidor, não sendo sanado o
vício do produto ou do serviço no prazo máximo de trinta dias, poderá exigir,
alternativamente, a substituição do produto, a restituição da quantia paga, sem
prejuízo de perdas e danos, ou o abatimento proporcional do preço; dever de
informar sobre o modo e a técnica de utilização do produto, disciplinado no
caput do art. 18 do CDC; dever de garantia legal e garantia contratual,
disciplinados nos artigos 24 e 50 da legislação consumerista.
Observa-se que as novas relações contratuais tendem a ser
despersonalizadas. Isto decorre das relações de massa, com a proliferação dos
contratos de adesão. Não se deve desconsiderar que importa ao consumidor
quem seja seu fornecedor, não a pessoa em si, mas enquanto grupo
consolidado, enquanto marca, produto e garantia, o que ocorre, especialmente
nos contratos cativos de longa duração. A manutenção do vínculo com o
fornecedor de uma marca consolidada, de forte poder econômico, confere
maior garantia à relação contratual, sendo relevante para o consumidor como
forma de maior confiabilidade.
Como se percebe, a partir das novas tendências sociais da noção de
contrato, a máxima da força obrigatória dos contratos foi mitigada, perdeu suas
forças, assumindo a lei um papel dominante. O intervencionismo estatal
confere um espaço cada vez mais delimitado à autonomia da vontade. A
jurisprudência e a doutrina brasileiras buscam, atualmente, compatibilizar e
harmonizar estes dois princípios – o da autonomia da vontade e o da boa-fé.
Busca-se proteger não somente a confiança de quem é o “vendedor” do
crédito, mas também a confiança despertada no consumidor.
2.2 - Contextualização da Lei 8.078/90
A Legislação Brasileira reguladora das relações de consumo foi editada
em 11 de setembro de 1990, tendo sido instituída, portanto, no final do século
XX, compilada na Lei 8078/90. Desta forma, durante um grande período, os
fenômenos ocorridos na sociedade de consumo foram analisados e operados
de acordo com a legislação civil, com base na tradição do direito privado, o
qual remonta ao século XIX, sistema jurídico anterior à própria Constituição
Federal.
Ocorre que a sociedade passou por um processo de profunda
transformação em suas relações de produção, bem como, em suas relações
sociais, de maneira que era necessário haver uma regulamentação própria
para abordar as questões trazidas pela sociedade capitalista, tal como foi
citado anteriormente. Nesse contexto, de mudanças estruturais na sociedade e
de uma abordagem privatista, e, portanto, inadequada das questões
consumeristas é que alguns autores explicam por que o CDC traz um
regramento de alta proteção ao consumidor na sociedade atual.
Durante praticamente todo o século XX foi aplicado, às relações de
consumo, o Código Civil, o qual exigia uma série de condições para contratar,
que diferiam das condições exigidas para as relações consumeristas. Dessa
forma, nossa cultura jurídica ainda está muito influenciada pelas interpretações
inerentes às relações privatistas, de maneira que, até hoje existem muitas
dificuldades com relação à aplicação da legislação própria às relações que
envolvem consumidores e fornecedores.
A fim de contextualizarmos a lei consumerista torna-se necessário nos
remetermos ao período pós-revolução industrial. A partir da primeira guerra
mundial houve um grande avanço na produção, tendo crescido
consideravelmente após a segunda guerra – o crescimento populacional nas
metrópoles gerava uma maior demanda e, consequentemente, uma
possibilidade de aumento da oferta de produtos por parte dos fornecedores, de
maneira que a indústria passou a produzir cada vez mais, criando-se a
produção em série, a homogeneização da produção. Nascia a sociedade de
massa, em que era necessário um modelo que se adequasse às novas
demandas econômicas. A produção em série permitiu uma grande diminuição
dos custos e, consequentemente, uma maior oferta dos produtos,
possibilitando atingir uma camada mais larga de consumidores.
Dentre as características desse novo modelo econômico é importante
destacar que a produção é planejada unilateralmente pelo fornecedor, sendo
de seu interesse colocar no mercado uma larga oferta de produtos e serviços e
atingir uma maior camada possível de pessoas que os adquiram. Esse modelo
de produção capitalista, que pressupõe o planejamento unilateral da produção
vem acompanhado de um modelo contratual, elaborado unilateralmente pelo
fornecedor. Nesse contexto, para produtos e serviços de massa são
elaborados contratos de massa. Neste tipo de contrato, o consumidor apenas
adere às cláusulas, impostas pelos fornecedores, não sendo possível haver
negociação das mesmas, de forma que, para adquirir produtos e serviços o
consumidor apenas examina as cláusulas e paga o preço exigido, dentro das
condições previamente estabelecidas pelo fornecedor. Devemos citar que o
CDC foi a primeira lei brasileira que regulou o contrato de adesão, em seu art.
54.
Considerando que, durante quase todo o século XX, as relações jurídicas
de consumo foram interpretadas com base na legislação civil, nossa sociedade
ainda possui uma cultura privatista, a qual provoca dificuldades no que se
refere, por exemplo, à aceitação das características contratuais próprias aos
contratos consumeristas. Pela interpretação da teoria clássica contratual, há o
pressuposto de que as partes contratantes negociam as condições e cláusulas
contratuais, em igualdade de condições. No entanto, a referida negociação
contratual não se verifica nas relações de consumo, não havendo igualdade de
condições entre as partes contratantes, as quais não discutem os termos
contratuais, apenas o aceitam. Dessa forma, para interpretarmos os contratos
que regem as relações entre consumidores e fornecedores devemos nos ater
às características inerentes aos mesmos, onde não vige o pacta sunt servanda.
Utilizar o esquema legal privatista para operar as relações consumeristas é
completamente equivocado, uma vez que os contratos não são negociáveis no
momento de sua formação.
No próximo capítulo, procuraremos abordar as questões inerentes aos
contratos consumeristas e os princípios que norteiam as relações contratuais,
procurando mostrar suas características próprias e tecer algumas comparações
em relação aos contratos civis.
CAPÍTULO III
3.1 – O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O NOVO
CÓDIGO CIVIL
Ao estabelecer uma comparação entre o campo de aplicação do novo
Código Civil em relação ao Código de Defesa do Consumidor, percebe-se que,
em nenhuma matéria, o novo Código altera ou extingue as normas próprias de
direito do consumidor, uma vez que estas são especiais em relação àquelas,
entendido como norma geral. Logo, a partir do critério clássico da
especialidade, segundo o qual a norma especial não é revogada pela norma
geral, ficando esta como supletiva, assegura-se àquela a precedência. A
relação contratual de consumo não se confunde com a relação contratual
comum a que se destina o Código Civil. Portanto, o Código de Defesa do
Consumidor não foi modificado, nem revogado, pelo novo Código Civil,
permanecendo aquele a regular os contratos de consumo e o novo Código Civil
os contratos comuns civis e mercantis.
Os princípios do novo Código Civil se harmonizam com a lei consumerista.
O novo código civil busca um novo direito social e como tal, uma função social
do contrato, em oposição aos princípios patrimonialista e individualista do
Código Civil de 1916. Ressalte-se, por exemplo, dentre os princípios gerais dos
contratos, os artigos 421 e 422 do novo código. Pelo primeiro desses
dispositivos, estatui-se que "a liberdade de contratar será exercida em razão e
nos limites da função social do contrato". Essa mesma função social do
contrato é buscada pela lei do consumidor ao atender ao princípio de sua
vulnerabilidade. O elenco de práticas abusivas dos artigos 39 a 41 e o rol de
cláusulas abusivas do artigo 51 do CDC são exemplos da busca pela função
social do contrato. O artigo 422 do novo código civil dá destaque ao que a
doutrina denomina cláusula aberta no contrato, qual seja, cláusula de boa-fé
objetiva, também já presente na lei do consumidor.
Com relação aos contratos de adesão, o artigo 423 do NCC descreve que
"quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias,
dever-se-ão adotar a interpretação mais favorável ao aderente". Esse artigo
igualmente se harmoniza com as disposições a respeito do contrato de adesão
presentes no CDC, em seu artigo 54.
O instituto da lesão nos negócios jurídicos, que volta à nossa legislação
civil, no artigo 157 do novo código, já fora delineada e definida no CDC. Assim,
pelo artigo 39, IV do CDC é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços
"prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua
idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe produtos ou
serviços". Da mesma forma, segundo o inciso V do mesmo artigo, não pode o
fornecedor de produtos ou serviços "exigir do consumidor vantagem
manifestamente excessiva". Essas normas nada mais são do que aplicação do
princípio geral da lesão, descrita no artigo 157 do novo código civil.
Assim sendo, não há qualquer alteração sensível em matéria de proposta
no Código Civil, de modo que, os princípios amplos que dizem respeito à
vinculação da oferta, dentro do CDC (artigos 30 a 35) se mantêm com pleno
vigor.
3.2 - Princípios que norteiam as relações contratuais e as
características dos contratos consumeristas.
As regras relativas à interpretação das cláusulas dos contratos
consumeristas, firmados entre consumidores e fornecedores, estão reguladas
na Lei 8078/90, especialmente nos arts. 46 ao 54, sendo regidas também por
outras regras presentes no sistema do Código de Defesa do Consumidor.
Considerando o modelo da sociedade de massa capitalista, a qual exigiu
um novo sistema jurídico, diverso do modelo privatista, é que nasce a
legislação consumerista, tal como abordado anteriormente. É considerando tal
cenário que devemos analisar os princípios que norteiam as relações
contratuais próprias das relações de consumo.
3.2.1 - Rompimento com o pacta sunt servanda – ausência
de manifestação de vontade.
Os contratos que regem as relações consumeristas não estão sob a égide
do princípio pacta sunt servanda, uma vez que os contratos são elaborados
unilateralmente, tratando-se de contratos de adesão ou nem sequer são
apresentados (contratos verbais, comportamento socialmente típico e cláusulas
gerais), tal como abordado no tópico acima (nº 1).
O princípio da pacta sunt servanda, com fundamento na autonomia da
vontade, continua vigendo para as relações reguladas pelo direito civil, que
corresponde à força obrigatória dos contratos, confere segurança na relação
contratual, servindo como regra de equilíbrio social e não apenas econômico,
segundo Kelsen.
3.2.2 - Princípio da Conservação
O princípio da Conservação encontra-se implícito na norma do inciso V do
art. 6º e explícito no §2º do art. 51 do CDC. A lei garante o direito à modificação
das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, bem
como o direito à revisão de cláusulas, em razão de fatos supervenientes que as
tornem excessivamente onerosas. Pelo princípio da conservação pretende-se
manter o contrato em vigência, a despeito das modificações e revisões
ocorridas no contrato.
A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais e o direito à revisão das cláusulas, em razão de fatos
supervenientes que as tornem excessivamente onerosas são assegurados pela
Lei 8078/90, com supedâneo nos princípios da boa-fé e do equilíbrio, previstos
no art. 4º, inc. III, no princípio da vulnerabilidade do consumidor, previsto no art.
4º, inc. I, o qual decorre da necessidade de aplicação concreta do princípio
constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da CF/88).
O princípio previsto no inc. V do art. 6º do CDC é abordado, no art. 51, inc.
IV e §1º como norma de declaração de nulidade de cláusula desproporcional.
Por estes dispositivos, as obrigações que forem consideradas abusivas ou
iníquas, colocando o consumidor em desvantagem exagerada ou incompatível
com a boa-fé ou a eqüidade, ensejam a declaração de nulidade das mesmas.
O §1º relaciona o que se presume por “vantagem exagerada”. A nulidade das
cláusulas no entanto não ensejam a nulidade do contrato. Pelo contrário, com
base no princípio da conservação do contrato, este deverá continuar a ter
vigência, tal como se verifica pelo § 2º do art. 51, segundo o qual “a nulidade
de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de
sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a
qualquer das partes”. Na prática, é importante que o magistrado, ao declarar a
nulidade de cláusulas do contrato, deva fazer a integração das demais
cláusulas, objetivando manter sua vigência.
3.2.2.1 - Direito de Revisão
Com relação ao direito de revisão das cláusulas contratuais é importante
destacar que não se confunde com a cláusula rebus sic stantibus, uma vez que
a revisão é possível em decorrência de fatos ocorridos posteriormente ao
contrato, independentemente de previsão dos mesmos. A regra do rebus sic
stantibus se apoia na teoria da imprevisão, que tem como pressuposto a
ausência de possibilidade de previsão dos fatos posteriores ao pacto. Ou seja,
no momento da formação do contrato as partes contratantes não tinham
condições de prever os acontecimentos que acabaram surgindo. Em se
tratando do direito de revisão assegurado pelo CDC não há que se questionar
se à época da formação contratual era possível prever os acontecimentos
futuros. Para a revisão contratual basta que tenham surgido fatos
supervenientes que o tenham tornado excessivamente oneroso.
O princípio da revisão contratual baseia-se nas características das
relações de consumo, pela qual o fornecedor assume o risco do negócio. Além
disso, leva em consideração que se trata de contrato típico de adesão, de
maneira que não envolve negociação contratual, o consumidor não participa da
elaboração do contrato, de forma que apenas aceita os termos contratuais, não
se podendo exigir se era possível prever os acontecimentos futuros.
Como exemplo da importância do instituto da revisão contratual podemos
citar o caso dos contratos de leasing firmados em moeda estrangeira que, com
a liberação do câmbio ocorrida em 1999, e a conseqüente desvalorização da
moeda nacional em relação ao dólar, sofreram acréscimos exorbitantes, tendo
se tornado as prestações excessivamente onerosas, de forma que houve a
substituição do índice de reajuste dos contratos.
O Novo Código Civil, em seu art. 478, também prevê a possibilidade de
resolução contratual por onerosidade excessiva. Esta ocorre no curso do
contrato, quando se constatar extrema vantagem para uma das partes, em
virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis e restringe-se aos
contratos de "execução continuada ou diferida".
O art. 478 adotou a teoria da imprevisão, o que anteriormente só havia
sido contemplado em leis extravagantes. O Novo Código Civil adota que a
imprevisão somente deva ser reconhecida, a partir da "extrema vantagem" que
se produza para uma das partes, no contrato, em razão de "acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis". Afasta, portanto, para a adoção deste instituto,
o risco da álea comum como motivador da resolução do contrato, devendo
haver exorbitância do ônus causado. De acordo com o CDC, diferentemente,
para ensejar a revisão contratual basta haver a evidência do ônus excessivo,
não se exigindo que a circunstância causadora seja "imprevisível ou
irresistível", utilizando-se a expressão de Cláudia Lima Marques.
O Novo Código Civil, em seu Capítulo IV, ao tratar dos “Defeitos do
negócio jurídico”, relaciona o instituto da “Lesão”, na Seção V. Traçando-se
uma breve comparação entre os conceitos de lesão contratual e Resolução por
onerosidade excessiva, podemos mencionar que os dois institutos se
distinguem pelos momentos diversos da constatação de danos a uma das
partes no vínculo contratual. Assim, observa-se que a lesão, nos termos
dispostos no art. 157 do Novo Código Civil, é denotada ab initio do acordo
firmado, decorrente de considerável desvantagem de uma das partes que
aceita a obrigação "sob premente necessidade, ou por inexperiência".
Diversamente, a onerosidade excessiva dá-se no curso do contrato,
restringindo-se àqueles de "execução continuada ou diferida". Verifica-se que o
contrato, em sua formação, não está eivado de vício, uma vez que não se
verifica aqui a imposição de cláusula contratual que seja onerosa a um dos
contratantes. Ao contrário, a superveniência de “acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis" é que origina, eventualmente o agravamento
das condições contratadas.
Dessa forma, a lesão contratual não pode ser demandada em virtude de
fato posterior à celebração do contrato, hipótese em que poderá ser alegada a
onerosidade excessiva, considerando-se os seus pressupostos.
De acordo com Cássio M. C. Penteado Jr:
“Logo, excluída, formalmente, a situação de onerosidade
excessiva, traçada na Lei Civil, ora vigente, sob contornos
específicos, a hipótese de lesão contratual, a nosso ver,
ficará restrita quase que tão somente a situações
teratológicas, em que - de pronto - se desvele a nítida
desproporção entre as prestações contratuais”.
(Penteado Júnior, Cássio M.C.,
www.temas.com.br/artigo14.html, acessado em
02/03/2005).
Ambos os institutos - da lesão contratual e da onerosidade excessiva -,
tratam da questão do desequilíbrio exagerado entre partes contratantes, o qual
afeta o seu requisito de comutatividade. A lesão contratual tem como requisito
ajuste que contenha flagrante desproporcionalidade entre a prestação, a que
se obriga a parte, e a sua contraprestação, devendo ser contemporânea à
própria contratação. A onerosidade excessiva, por sua vez, só pode advir no
curso da execução do contrato, por isso, só aplicável aos ajustes continuados
ou diferidos, e em decorrência de "acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis" que importem em "exagerada vantagem" para uma das partes.
Na órbita das relações de consumo a questão da onerosidade excessiva
deve ser compreendida de modo mais abrangente, não se aplicando as
exigências da Lei Civil, de maneira que basta haver a evidência do ônus
excessivo para ensejar a revisão contratual, bem como a modificação das
cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, com base
nos princípios da conservação, boa-fé e eqüidade.
Em se tratando de lesão contratual a hipótese versada é de anulabilidade
do contrato (art. 171, inc. II), enquanto que o CDC, em seu art. 51, prevê a
nulidade das cláusulas abusivas que coloquem o consumidor em situação de
desequilíbrio exagerado. O § 2º do art. 157 do novo CC assegura que não será
decretada a anulação do contrato civil pelo reconhecimento da existência de
lesão, desde que, alternativamente, se ofertar "suplemento suficiente" à
contraprestação que venha a equilibrar o negócio acordado entre as partes; ou,
se “a parte favorecida concordar com a redução do proveito". Percebe-se que o
ordenamento jurídico busca esforços para a manutenção dos contratos - por
parte do novo Código Civil (art. 184 - correspondente ao art. 153 do Código de
1916), bem como pela Lei de Defesa do Consumidor (§ 2º do art. 51), com
base no princípio da conservação, buscando a integração das demais
cláusulas contratuais a fim de que o pacto possa continuar vigendo.
3.2.3 - Princípio da Boa-fé
A legislação consumerista adotou explicitamente o princípio da boa-fé –
no Capítulo II, que trata da “Política Nacional das Relações de Consumo”, em
seu art. 4º, inc. III; e no Capítulo VI, Seção II, art. 51, inc. IV, na Seção das
cláusulas abusivas.
A boa-fé contemplada na Lei 8078/90 é a chamada boa-fé objetiva,
diversa da subjetiva. Esta última refere-se à falsa noção da realidade, em que a
pessoa acredita na legitimidade de um direito por desconhecer a verdadeira
situação, tal como ocorre nos casamentos putativos (art. 1561 CC). A boa-fé
objetiva, presente no CDC, relaciona-se como uma regra de conduta, baseada
em valores como honestidade e lealdade, a fim de que se estabeleça o
equilíbrio nas relações contratuais consumeristas, considerando-se que há no
mercado um desequilíbrio de forças. Este princípio tem por finalidade a
cooperação entre as partes contratantes para que se alcance o objeto do
contrato, sem que lhes seja causada lesão. Devemos citar que funciona como
um modelo a ser seguido, que não depende de verificação da má-fé subjetiva.
A boa-fé relacionada no art. 4º do CDC constitui-se como um princípio,
que segundo Rizzatto Nunes “tem como função viabilizar os ditames
constitucionais da ordem econômica, compatibilizando interesses
aparentemente contraditórios, como proteção do consumidor e
desenvolvimento econômico e tecnológico” (Curso de Direito do Consumidor,
Ed. Saraiva, 2004). Dessa forma, tal princípio serve também para orientar os
princípios constitucionais da ordem econômica, relacionados no art. 170 da
CF/88, os quais devem ser interpretados de modo a permitir uma
harmonização de seus ditames. Dessa forma, a CF/88 em seu art. 170, ao
garantir princípios como o da livre concorrência e o da defesa do consumidor
está determinando que a exploração econômica não atinja os direitos dos
consumidores. Pretende-se que o modelo econômico baseado no regime
capitalista seja fundado num mercado em que a exploração econômica seja
acompanhada de responsabilidade social.
O Novo Código Civil, em seu art. 422, também adotou a boa-fé objetiva
para embasar as relações contratuais civis.
O art. 51 da Lei 8078/90 incluiu no rol exemplificativo de nulidades a
cláusula incompatível com a boa-fé e eqüidade, em seu inc. IV. De acordo com
o entendimento de Rizzatto Nunes tais princípios – da boa-fé e eqüidade –
constituem-se como cláusula geral, norteadora das demais cláusulas
contratuais. Pelo princípio da eqüidade, as partes devem se manter em
equilíbrio nas relações obrigacionais, objetivando alcançar justiça nos contratos
firmados.
3.2.4 - Princípio da Equivalência
O princípio da equivalência está previsto no art. 4º, inc. III da Lei
consumerista, implicando nulidade a cláusula contratual que o violar (art. 51, IV
e §1º, inc. III). Este princípio deve ser aferido no caso concreto, verificando-se
o equilíbrio entre prestações e contraprestações em relação ao objeto
contratual, bem como em relação às partes, considerando-se que o consumidor
é considerado hipossuficiente na relação.
3.2.5 - Princípio da Igualdade
Este princípio está consignado no art. 6º, inc. II da Lei 8078/90, pelo qual
os fornecedores não podem fazer diferenciação entre os consumidores, tendo
que ofertar as mesmas condições a todos. A carta magna, reconhecendo a
vulnerabilidade de certos grupos de pessoas, admite que sejam tratadas de
maneira diferenciada, visando buscar uma igualdade material. Assim sendo,
admitem-se certos privilégios a consumidores idosos, gestantes e crianças, em
atendimento ao princípio da isonomia.
3.2.6 - Dever de Informar e o Princípio da Transparência
O dever de informar é princípio fundamental, expresso nos arts. 6º, inc. III,
art. 30 e 31 da Lei consumerista e o princípio da transparência está previsto no
caput do art. 4º da referida lei, os quais trazem uma formatação para os
produtos e serviços que são oferecidos no mercado. A partir desses dois
deveres – da informação e da transparência – impostos ao fornecedor, este fica
obrigado a prestar informações adequadas sobre as mercadorias e serviços
ofertados, assim como, sobre as cláusulas contratuais firmadas no contrato.
A partir da imposição desses deveres, o CDC inverteu a regra segundo a
qual era o consumidor quem devia buscar informações sobre os produtos /
serviços, denominada regra do caveat emptor, cabendo, atualmente, ao
fornecedor prestar as devidas informações, segundo a regra o caveat
vendictor.
3.2.6.1 - O Dever de Informar
O dever de informar é exigido antes mesmo da formação do vínculo
contratual, de maneira que a informação adequada e clara, assim como os
riscos que o produto possa apresentar, devem ser prestados na fase pré-
contratual, isto é, no momento da oferta, da apresentação e da publicidade. A
informação veiculada deve integrar o contrato que vier a ser celebrado, tal
como reza o art. 30 do CDC, sendo portanto, um componente necessário do
produto e do serviço.
O art. 31 apresenta um rol exemplificativo, relacionando as características
que devem conter a oferta e a apresentação de produtos e serviços colocados
no mercado. O rol é exemplificativo uma vez que apresenta os elementos que
são obrigatórios e menciona “entre outros dados”, designando outros
componentes importantes que integrem os produtos e serviços.
A norma do art. 31 menciona que a oferta e a apresentação de produtos e
serviços devem assegurar:
1) Informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em lingua
portuguesa.
2) sobre os produtos e serviços em relação às suas características,
qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e
origem, entre outros dados.
3) sobre os riscos à saúde e segurança dos consumidores.
Deve-se afirmar que a verificação do cumprimento da norma deve ocorrer
no caso concreto e depende das características inerentes a cada produto ou
serviço, não se podendo exigir que estejam presentes todos os elementos
dispostos no art. 31. Isto se dá porque existem produtos que não necessitam
da indicação de sua composição, por exemplo, tal como se verifica em
cadernos, não se exigindo que contenha informações sobre se suas folhas são
de 80g ou 90g. Assim como também existem serviços que não comportam a
característica da composição, como nas administradoras de cartões de crédito.
Percebemos que são casos em que a ausência de tais informações não
prejudicam o consumidor em suas aquisições e este não se utiliza de tais
critérios para determinar suas escolhas.
O que define quais informações devem ser prestadas é o próprio produto
ou serviço, considerando-se sua finalidade, com o que for necessário para seu
efetivo uso e consumo, afastando-se qualquer risco à saúde ou à segurança do
consumidor. Tais informações são de responsabilidade do fornecedor, o qual
detém o monopólio da informação, possuindo o dever de informar.
3.2.6.2 - O Princípio da Transparência
Por esse princípio, juntamente com o dever de informação, o fornecedor
deve oferecer ao consumidor a oportunidade de conhecer o conteúdo do
contrato antes de se obrigar ao mesmo. A norma do art. 46 impõe que, em
caso de não ser dada a oportunidade de os consumidores tomarem
conhecimento prévio do conteúdo do contrato, ou se os instrumentos forem
redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance, estes
contratos não obrigarão os consumidores.
3.2.7 - Vulnerabilidade e Hipossuficiência do Consumidor
A legislação consumerista reconhece expressamente a vulnerabilidade do
consumidor no mercado de consumo, tal como consigna o art. 4º, em seu inc. I.
O consumidor é reconhecido como a parte fraca da relação consumerista,
sendo este reconhecimento a realização do princípio da isonomia.
A vulnerabilidade decorre de dois aspectos: um de ordem técnica e outro
de ordem econômica. O primeiro aspecto relaciona-se com os meios de
produção, que engloba aspectos técnicos, administrativos para a fabricação de
produtos e prestação de serviços e também com o fato de que é o fornecedor
que detém o poder de decisão, sendo ele quem escolhe o produto, como e
quanto produzir. Sendo assim, o poder de escolha do consumidor fica restrito
aos produtos que são oferecidos no mercado, ou seja, a possibilidade de opção
já nasce reduzida. A oferta é decidida unilateralmente pelo fornecedor, visando
atingir seus interesses empresariais com a consequente obtenção de lucro. O
aspecto econômico se refere à maior capacidade econômica que, via de regra,
o fornecedor possui em relação ao consumidor. A vulnerabilidade se reflete em
hipossuficiência no sentido de incapacidade econômica por parte do
consumidor, bem como com relação à ausência de informações a respeito dos
produtos / serviços que adquire.
A questão da hipossuficiência também se revela nos contratos – deve-se
reconhecer que o consumidor é hipossuficiente para contratar, não possuindo,
muitas vezes, conhecimentos que lhe permitam entender o conteúdo de certas
cláusulas contratuais. Acrescente-se a isso que, sendo os contrato típicos de
adesão, as cláusulas são impostas unilateralmente pelo fornecedor. Desta
forma, no momento da interpretação do pacto contratual deve ser levado em
conta a vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor.
3.2.8 - Protecionismo
Todas as normas instituídas no Código de Defesa do Consumidor têm
como princípio e meta a proteção e defesa do consumidor. O princípio do
protecionismo, instituído no art. 1º da legislação consumerista, estabelece a
defesa do consumidor como um dos princípios gerais da atividade econômica
(inc. V do art. 170 da CF/88) e impõe ao Estado o dever de promover a defesa
do consumidor (inc. XXXII, do art. 5º da CF/88).
Sendo assim, no referente às questões contratuais, tal princípio deve ser
considerado. De acordo com o novo Código Civil, em seu art. 423, quando
houver, no contrato de adesão, cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-
á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Vige o princípio da
interpretatio contra stipulatorem – segundo o qual havendo cláusulas
ambíguas, vagas ou contraditórias nos contratos de adesão, a interpretação
deve ser feita contra o estipulante.
Na legislação consumerista é dada uma abrangência maior a este
princípio, uma vez que o art. 47 estabelece que “as cláusulas contratuais serão
interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Sendo assim, o CDC
considera que toda cláusula, seja ela ambígua ou não, tem de ser interpretada
de modo mais favorável ao consumidor.
CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como objetivo traçar um breve panorama da
evolução da teoria contratual até chegarmos à atualidade, mostrando as
significativas modificações na forma de abordagem do contrato, em razão das
mudanças ocorridas na sociedade, em suas relações de produção, bem como,
em decorrência da evolução da teoria jurídica. Procuramos mostrar as
características próprias dos contratos consumeristas, traçando algumas
comparações em relação aos contratos civis.
Ao abordarmos o desenvolvimento da teoria contratual, concluímos que a
teoria tradicional de contrato, em que assumiam grande importância os
princípios de “autonomia da vontade” e “liberdade contratual”, já não mais dava
conta das questões exigidas pela sociedade no século XX. O conceito
tradicional de contrato não mais se adaptava às necessidades exigidas pela
sociedade, pois se percebeu que a “autonomia da vontade” foi mitigada pela
preponderância da superioridade dos fornecedores, como visto nos contratos
de massa, da mesma forma que a “liberdade contratual” não mais existia,
estando muito restrita. O declínio da teoria do Voluntarismo e, portanto, da
concepção tradicional de contrato acarretou a necessidade de transformação
da teoria dos contratos, já no início do século XX.
As normas brasileiras sofreram uma grande influência da doutrina de
Hans Kelsen, após a 2ª guerra mundial, com sua “teoria pura”, pela qual, a
questão da injustiça da norma não tem importância, bastando que a mesma
tenha sido estabelecida de forma legítima. Assim, as normas brasileiras sobre
contratos continuaram as mesmas desde o início do século, mantendo-se as
influências da teoria do voluntarismo, embora não mais se adaptassem à
realidade do século XX. Os conceitos tradicionais relativos à teoria contratual
somente sofrerão mudanças, no Brasil, na década de oitenta, com o Código de
Defesa do Consumidor, que vem a regular as normas consumeristas, com base
em princípios de equidade, justiça e boa-fé, antes restritas aos arbítrios das
teorias da autonomia da vontade e liberdade contratual.
Nesse contexto, é necessária uma visão crítica do direito tradicional,
impondo-se uma nova valorização dos princípios e dos conceitos de Justiça e
equidade social, concentrando-se na proteção da vontade do consumidor. As
normas jurídicas devem buscar equilibrar a relação de forças, de forma que a
vontade e liberdade do consumidor também devam ser tuteladas. O Direito
deve servir como instrumento de inclusão social e, para tanto, deve considerar
a nova realidade, onde as relações contratuais são múltiplas,
despersonalizadas, tendem a se estender no tempo e por toda uma cadeia de
fornecedores.
O intervencionismo estatal passa a ter um papel fundamental na
regulação das relações contratuais, em que se destaca o papel da lei, como
limitadora e legitimadora da autonomia da vontade, buscando-se o equilíbrio
contratual. Assim, os conceitos tradicionais de autonomia da vontade, liberdade
contratual e negócio jurídico permanecem, mas a autonomia do particular para
auto-regular seus contratos será reduzida pelas normas reguladoras editadas
pelo Estado. O contrato é um ato de auto-regulamentação de interesses das
partes, porém formado segundo as condições permitidas pela lei. É a lei que irá
dotar de eficácia jurídica o contrato. A vontade continua sendo pressuposto e
fonte geradora dos contratos, cabendo à ordem jurídica, numa outra etapa,
impor limites à autonomia dos particulares. Novos conceitos, como boa-fé
objetiva, equidade, confiança e segurança terão importância conjuntamente
com a questão da autonomia da vontade.
A relação contratual passa a envolver, além das obrigações de prestar,
obrigações de conduta, que são os deveres de atuação conforme a boa-fé e
conforme o direito. Estes deveres de conduta são denominados de deveres
anexos, cujo descumprimento acarretará uma sanção. Assim, esses deveres
anexos constituem-se como obrigações, determinando que a relação contratual
obrigue não somente ao cumprimento da obrigação principal, mas também ao
cumprimento das diversas obrigações acessórias ou dos deveres anexos.
Ao estabelecer uma comparação entre o campo de aplicação do Código
de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil, percebe-se que a legislação
consumerista não foi modificada, nem revogada, por este último, uma vez que
aquelas são especiais em relação a estas, entendido como norma geral. Logo,
a partir do critério clássico da especialidade, segundo o qual a norma especial
não é revogada pela norma geral, ficando esta como supletiva, assegura-se
àquela a precedência. A relação contratual de consumo não se confunde com a
relação contratual comum a que se destina o Código Civil, permanecendo
aquele a regular os contratos de consumo e o novo Código Civil os contratos
comuns civis e mercantis.
Os princípios do novo Código Civil se harmonizam com a lei consumerista.
O novo código civil busca um novo direito social e como tal, uma função social
do contrato, em oposição aos princípios patrimonialista e individualista do
Código Civil de 1916.
Durante praticamente todo o século XX foi aplicado, às relações de
consumo, o Código Civil, o qual exigia uma série de condições para contratar,
que diferiam das condições exigidas para as relações consumeristas. Dessa
forma, nossa cultura jurídica ainda está muito influenciada pelas interpretações
inerentes às relações privatistas, de maneira que, até hoje existem muitas
dificuldades com relação à aplicação da legislação própria às relações que
envolvem consumidores e fornecedores.
Ocorre que, neste novo cenário jurídico, é permitido aos juízes o controle
do conteúdo do contrato, podendo se utilizar da interpretação teleológica e não
mais ficar adstrito à “vontade” das partes como única fonte de interpretação,
pois o Código de Defesa do Consumidor determina normas que permitem a
revisão do contrato, impondo limitações ao princípio clássico de que o contrato
não pode ser modificado senão através de uma nova manifestação dos
contratantes. Neste sentido, verificamos o inc. V do art. 6º da Lei consumerista,
que impõe a modificação das cláusulas que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes eu as
tornem excessivamente onerosas, assim como seu art. 51 que determina a
anulação das cláusulas abusivas. O magistrado deverá levar em consideração
os interesses sociais e as expectativas das partes envolvidas, principalmente
quando se tratar de pura adesão. O poder judiciário fará um controle mais
efetivo da justiça contratual, onde a lei irá delimitar a atuação da autonomia da
vontade dos contratantes, visando ao interesse social, devendo considerar
tanto as normas legais quanto as expectativas das partes, privilegiando-se a
função social do contrato.
BIBLIOGRAFIA:
- MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o
novo regime das relações contratuais. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1998.
- NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo:
Saraiva, 2004.
- GOMES, Orlando. Contratos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
- LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas
abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991.
- PENTEADO JÚNIOR, Cássio M.C., www.temas.com.br/artigo14.html,
acessado em 02/03/2005.
ÍNDICE:
Página
INTRODUÇÃO ..................................................................................................01
CAPÍTULO I – A EVOLUÇÃO DA TEORIA CONTRATUAL
1.1 – A CONCEPÇÃO CLÁSSICA DE CONTRATO .........................................03
1.2 – A MASSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS
E CONTRATUAIS .............................................................................................04
1.2.1 – OS CONTRATOS DE ADESÃO ...................................................06
1.2.2 – AS CONDIÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS ...........................08
1.2.3 – OS CONTRATOS CATIVOS DE LONGA DURAÇÃO ..................11
1.3 – AS CLÁSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE MASSA .................13
1.4 – CRISE NA TEORIA CONTRATUAL CLÁSSICA .....................................16
1.5 – A NOVA CONCEPÇÃO DE CONTRATO ................................................17
1.5.1 – BOA-FÉ OBJETIVA ......................................................................18
CAPÍTULO II
2.1 – O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR COMO CONSEQUÊNCIA
DA NOVA TEORIA CONTRATUAL ..................................................................22
2.1.1 - LIMITAÇÃO DA LIBERDADE CONTRATUAL .............................22
2.1.2 – RELATIVIZAÇÃO DA FORÇA OBRIGATÓRIA
DOS CONTRATOS ...................................................................................23
2.2 – CONTEXTUALIZAÇÃO DA LEI 8.078/90 ................................................25
CAPÍTULO III
3.1 – O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E
O NOVO CÓDIGO CIVIL ..................................................................................29
3.2 – PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM AS RELAÇÕES CONTRATUAIS E AS
CARACTERÍSTICAS DOS CONTRATOS CONSUMERISTAS .......................30
3.2.1 – ROMPIMENTO COM O PACTA SUNT SERVANDA – AUSÊNCIA
DE MANIFESTAÇÃO DA VONTADE .....................................................31
3.2.2 – PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO .................................................31
3.2.2.1 – DIREITO DE REVISÃO .....................................................32
3.2.3 – PRINCÍPIO DA BOA-FÉ ...............................................................35
3.2.4 – PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA ..................................................36
3.2.5 – PRINCÍPIO DA IGUALDADE ........................................................37
3.2.6 – DEVER DE INFORMAR E
O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA ......................................................37
3.2.6.1 – O DEVER DE INFORMAR ................................................38
3.2.6.2 - O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA ................................39
3.2.7 – VULNERABILIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA
DO CONSUMIDOR ...................................................................................39
3.2.8 – PROTECIONISMO .......................................................................40
CONCLUSÃO ...................................................................................................42
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................46
ÍNDICE...............................................................................................................47
FOLHA DE AVALIAÇÃO ...................................................................................49
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
Pós-Graduação Latu Sensu
Curso de Direito do Consumidor
Título: A EVOLUÇÃO DA TEORIA CONTRATUAL E A
INFLUÊNCIA DAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS
Aluna: Simone Ferreira Coelho
Orientador: Prof. Sérgio Ribeiro
Data da entrega: 14/04/2005
Avaliado por: __________________________
Grau: _____________
Recommended