A Fragilidade Da Conducao Politica Da Defesa no Brasil

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  • 7/23/2019 A Fragilidade Da Conducao Politica Da Defesa no Brasil

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    Red de Revistas Cientficas de Amrica Latina, el Caribe, Espaa y Portugal

    Sistema de Informacin Cientfica

    rica WINAND, Hctor Luis SAINT-PIERREA fragilidade da conduo poltica da defesa no Brasil

    Histria (So Paulo), vol. 29, nm. 2, 2010, pp. 3-29,

    Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

    Brasil

    Como citar este artigo Fascculo completo Mais informaes do artigo Site da revista

    Histria (So Paulo),

    ISSN (Verso impressa): 0101-9074

    revistahistoria@unesp.br

    Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita

    Filho

    Brasil

    www.redalyc.orgProjeto acadmico no lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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    Histria(So Paulo), vol.29, n.2, pp. 3-29, 2010. ISSN 1980-4369 3

    A fragilidade da conduo poltica da defesa no Brasil

    The fragility in the Brazils defense policy

    rica WINANDHctor Luis SAINT-PIERRE

    Resumo:O presente artigo trata de avaliar em perspectiva histrica, algumas falhas na conduo dapoltica de Defesa no Brasil, fulcrais para se compreender a continuidade de um quadro de indevidaparticipao militar e de ausncia de controle civil na elaborao e implementao da mencionadapasta, incompatveis com um contexto de governabilidade democrtica. A despeito de algumasiniciativas no sentido de regulamentar os limites de atuao das Foras Armadas para que asmesmas no extrapolem suas funes e misses essenciais, e para que a poltica de Defesa sejarevestida de um verniz pblico e civil a exemplo da criao do Ministrio da Defesa e da

    publicao da Estratgia Nacional de Defesa , prevalece uma situao de fragilidade institucional ede vazio de poder pblico propcios para que a vontade militar permanea conferindo o tom daDefesa nacional.Palavras-chave: Brasil; Defesa; Controle Civil; Democracia.

    Abstract:This article evaluates, under historical perspective, some lacks in Brazils defense policy,that are central to understand the continuity of a framework characterized by the military

    participation and the civil absence in the elaboration and implementation process of Defense policy,incompatible with a democratic governance context. Despite some initiatives towards to regulatethe armed forces limits, according their essential functions and missions, like the creation of theDefense Ministry and the publication of the National Defense Strategy, it prevails a situation ofinstitutional fragility and public power vacuum that are conducive for the military actuation.

    Keywords:Brazil; Defense; Civil Control; Democracy.

    Duas so as particularidades que caracterizam a fragilidade da conduo poltica da Defesa no

    Brasil. Uma delas consiste na edificao tardia de um Ministrio civil para administrao da pasta, a

    outra na manuteno de prerrogativas constitucionais para os militares e a persistncia de ilhas de

    autonomia militar no cenrio poltico nacional. Parece-nos que a morosidade, a estrutura

    militarizada, a ausncia de civis entre seus quadros funcionais, os episdios de insubordinao e

    quebra da hierarquia, a opacidade nos assuntos estratgicos e da Defesa so consequncia das

    prerrogativas e autonomia dos militares e, simultaneamente, as alimenta.

    Professora Doutora Departamento de Histria - Centro de Educao e Cincias Humanas UFS Univ. Federal deSergipe Av. Marechal Rondon, s/n, CEP: 49100-000, So Cristovo, SE, Brasil. Pesquisadora do Ncleo de RelaesInternacionais da UFS e do GEDES - Grupo de Estudos de Defesa e Segurana Internacional da UNESP, campus deFranca. E-mail: ericawinand@yahoo.com.brProfessor Livre Docente Departamento de Educao, Cincias Sociais e Poltica Internacional e do Programa dePs-graduao em Histria Faculdade de Cincias Humanas e Sociais UNESP Campus de Franca Av. EufrsiaMonteiro Petrglia, 900, CEP: 14409-160, Franca, SP, Brasil. Coordenador do GEDES Grupo de Estudos de Defesa eSegurana Internacional e diretor do CELA Centro de Estudos Latino Americanos da UNESP, campus de Franca.Coordenador da rea Paz, Defesa e Segurana Internacional do programa interinstitucional UNESP/UNICAMP/PUC-SP de ps-graduao em Relaes Internacionais San Tiago Dantas. E-mail: hector.sp@uol.com.br

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    As discusses para a criao de um rgo que integrasse as trs foras (Exrcito, Marinha e

    Aeronutica) datam da Constituio de 1946 que evocou a necessidade de implantar um Ministrio

    nico, mas que resultou na instituio do Estado-Maior das Foras Armadas (EMFA), na poca,

    Estado-Maior Geral.1 Posteriormente, o presidente Castelo Branco defendeu a criao de um

    Ministrio das Foras Armadas, assinando o Decreto-Lei 200 (25/02/1967) que previa estudos para

    elaborar um projeto de lei que promovesse a criao de tal ministrio2. Alguns estudiosos3

    acreditam que a inteno de Castelo Branco foi sincera, mas, a rivalidade existente entre as trs

    foras falou mais alto e o projeto foi abandonado. A idia foi retomada durante a Assemblia

    Nacional Constituinte de 1988 e obstaculizada pelo lobby das FA, voltando a ser cogitada em 1995

    no plano de governo de Fernando H. Cardoso.Em maio de 1996 foi criada a Cmara de Relaes Exteriores e de Defesa Nacional

    (CREDN)no Conselho de Governo. A CREDN reunia os Ministrios das Relaes Exteriores, de

    Justia, da Marinha, da Aeronutica, o Emfa, a Casa Civil, a Casa Militar e a Secretaria de Assuntos

    Estratgicos (SAE). Em setembro do mesmo ano, a recm criada cmara divulgou um Documento

    de Poltica de Defesa Nacional (DPDN)que buscou instituir um consenso sobre o planejamento da

    Defesa, bem como centralizar a administrao da Defesa do Brasil sob o controle civil. A

    reformulao da Defesa brasileira pautou-se na ideia de otimizar o sistema de defesa nacional,

    formalizar uma poltica de defesa sustentvel e integrar as trs Foras, racionalizando as suas

    atividades.4Tambm compuseram os objetivos desta reformulao o alcance da transparncia e da

    democracia no debate referente a este tema, uma maior articulao entre civis e militares e, tambm,

    entre as FA e o Itamaraty.

    At que o MD fosse criado, coexistiram no comando da Defesa o ministro extraordinrio da

    Defesa o senador lcio lvares, nomeado seis meses antes da institucionalizao do rgo pelo

    qual seria responsvel , os Ministrios do Exrcito, da Marinha e da Aeronutica, da Casa Militar e

    o Estado-Maior das Foras Armadas (EMFA). Aps sua efetivao, o EMFA foi extinto, os trs

    Ministrios foram transformados em Comandos e a Casa Militar transformada em subchefia do

    Gabinete de Segurana Institucional.

    Resultados efetivos da implantao do MD

    A criao do MD se traduziu em alguns avanos: 1-) ao nvel discursivo, transluziu como o

    marco formal da existncia de uma poltica civil de Defesa uma vez que antes disto, o que havia

    era o completo descaso civil com este setor que aos olhos de muitos, deveria ser de competncia

    exclusiva dos militares5; 2-) melhorou a imagem do pas na comunidade internacional uma vez

    que o fato de a Defesa ser conduzida por militares no era bem visto nem pelas entidades

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    controladoras dos regimes internacionais de no-proliferao, nem pelo Conselho de Segurana, no

    qual, o Brasil lanara a candidatura a um assento; alm de no ser compatvel com os padres de

    democracia referentes nova ordem global; 3-) permitiu um nivelamento no dilogo internacional

    sobre Defesa, uma vez que as novas vises cooperativas e comunitrias lanadas na ordem da

    interdependncia requerem a uniformizao dos canais de interlocuo, como uma garantia de

    que o tema seja tratado com base em valores e interesses comuns.

    A despeito destes relativos avanos, o Brasil ainda convive com algumas incertezas na rea da

    Defesa. A primeira em relao ao fato de o Ministrio da Defesa haver atingido uma consolidao

    institucional de forma totalmente autnoma em relao s Foras Armadas. A segunda, se esta

    construo institucional favoreceu a consolidao ou, pelo menos, um aumento do exerccio docontrole civil sobre os militares ou uma maior transparncia dos assuntos da defesa que fomente a

    formao de uma cultura democrtica da Defesa. A terceira, que no deixa de se relacionar

    primeira, diz respeito garantia de que o Ministrio da Defesa cumpra as metas colocadas pelo

    governo Fernando Henrique Cardoso, quando props a reformulao das bases da Defesa da

    Nacional. Fato que o primeiro documento de poltica de Defesa do Brasil (o DPDN de 1996) ficou

    muito aqum das expectativas dos especialistas e estudiosos do tema, que esperavam algumas

    definies e limitaes mais claras particularmente em relao aos conceitos de Defesa e

    Segurana e ao emprego das Foras Armadas nem cumpriu os objetivos norteadores da reviso

    da Defesa do Brasil, gerando discusses que perduraram at o governo Lula. Por isto,em30 de

    Junho de 2005, pelo Decreto n 5.484, foi aprovado o novo Documento da Poltica de Defesa

    Nacional, que expressou ser o condicionante de mais alto nvel do planejamento de defesa, tendo

    por finalidade estabelecer objetivos e diretrizes para o preparo e o emprego da capacitao nacional,

    com envolvimento dos setores militar e civil, em todas as esferas do Poder Nacional, e que recebeu

    massiva contribuio dos militares para sua formulao.

    No obstante tenha-se expressado enfaticamente que esta reformulao anuncia uma nova era

    das relaes civil-militares, caracterizada pela sintonia, pelo respeito ao jogo democrtico e pelo

    intercmbio de vises, ainda notamos que esforo no conseguiu remover a sociedade do seu

    desinteresse com estes temas; que o chamado debate nacional apenas limitou-se a convidar alguns

    expertos, escolhidos pelos prprios militares ou com a sua anuncia, para proferir conferncias

    intramuros; que ainda prevalece a supremacia dos valores militares na formulao da Defesa do

    Brasil. Talvez por estes fatores, quando se analisa o quadro funcional que ocupa o ministrio o que

    se constata uma ativa participao poltica dos militares, conforme denuncia a prpria estrutura do

    Ministrio da Defesa: apenas o cargo de Ministro da Defesa e o chefe do seu gabinete, entre os

    cargos principais da estrutura do ministrio so civis.6 At mesmo a nomeao do ministro, por

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    parte do Presidente da Repblica, depende (conquanto que informalmente) da aceitao prvia dos

    militares. H, em algumas secretarias, cargos ocupados por civis, o que no caracteriza o Ministrio

    como civil, isto , o exerccio de um civil no posto de ministro no garante o mando das Foras

    Armadas nem o efetivo controle civil da estrutura da Defesa Nacional. A autonomia das Foras

    Armadas se estende a sua relevante participao em todos os rgos e gabinetes da estrutura da

    Defesa Nacional, tanto em funes de assessoria do Presidente e em sua participao no Conselho

    da Repblica e o Conselho de Defesa Nacional, quanto nas funes de assessoria parlamentar e das

    comisses de Defesa Nacional do Congresso.

    Acreditamos que o projeto de reestruturao das bases da Defesa do Brasil, comeada sob o

    mandato de Fernando Henrique Cardoso, tenha sido elaborado dentro daquilo que o Estado Maiordas Foras Armadas (EMFA) entendeu como adequado garantia de manuteno da autonomia das

    Foras Armadas no cenrio poltico nacional e no cerne das decises nacionais relevantes. Criou-se,

    na verdade, mais um Ministrio Militar, porque os comandantes das foras no perderam o status de

    ministros e mantiveram praticamente inalteradas suas funes de poder (continuaram a ser membros

    natos do Conselho de Defesa Nacional, por exemplo). Assim, os Comandantes de cada Fora foram

    equiparados ao ministro da Defesa, pois se elegeu para estes, como foro de processo e julgamento, o

    Senado, o que somente concedido ao Presidente da Repblica e aos ministros de Estado.7

    Outra manifestao da preeminncia militar sobre os civis na correlao de foras nas

    deliberaes das questes estratgicas e militares dentro do Ministrio da Defesa ficou

    manifestamente clara na recente renncia do Ministro Jos Viegas, determinada pelo presidente

    Lula como forma de resolver um conflito estabelecido entre o ministro e o Comandante do

    Exrcito.8 Portanto, ainda que formalmente as Foras Armadas mantenham a subordinao ao

    Presidente, no se provoca o exerccio de teste da mesma, isto , o exerccio efetivo de mando civil.

    Na verdade, tanto o controle civil sobre todos os aspectos da Defesa, incluindo o oramentrio,

    assim como o exerccio de mando , na prtica, inexistente, o que invalida a afirmao da existncia

    de uma obedincia material das Foras Armadas autoridade civil constitucionalmente constituda.

    Em outro campo, muito caro ao controle dos militares, como o da formao e educao

    militar, fica clara a manuteno total da autonomia dos militares com relao a todas as instncias

    da estrutura educativa e de cincia e tecnologia nacionais, legitimando mais uma de suas

    prerrogativas. Os estados-maiores e as respectivas diretorias e departamentos de ensino das foras

    planejam e fiscalizam o cumprimento dos seus objetivos educacionais sem qualquer consulta ao

    Ministrio da Educao e sem admitir o controle e superviso ao que se submete o resto da estrutura

    educativa nacional, desde o ensino fundamental at a ps-graduao. O poder civil no participa

    nem direta nem indiretamente, nem da formulao nem do controle, dos aspectos fundamentais da

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    educao militar e lhe vedada qualquer informao que solicite ao respeito, constituindo este, um

    dos aspectos que mais dificulta o seu estudo e analise por parte da academia. O Executivo Nacional,

    atravs do Ministrio de Educao e Cultura (MEC), reconhece os cursos de formao de praas e

    oficiais como de nvel elementar, mdio ou superior, atribuindo sua equivalncia com o sistema de

    ensino, mas no os avalia efetivamente. Tampouco reconhece a validade dos cursos de mestrado e

    doutorado criados pelos militares, com exceo do Instituto Militar de Engenharia (IME) e do

    Instituto Tecnolgico da Aeronutica (ITA), por suas condies de ingresso, estrutura curricular e

    capacitao docente e por permitirem a superviso e controle por parte do ministrio. O MD no

    tem ingerncia direta nos cursos das FA, a no ser quando os militares se matriculam nos cursos de

    altos estudos da Escola Superior de Guerra (ESG), que de responsabilidade do ministrio. OLegislativo somente acompanha o andamento da organizao, preparo e emprego das FA, alm de

    votar o seu oramento, mas sem interferir na educao militar profissional. Uma das razes da

    omisso poltica mais este assunto relativo Defesa Nacional a falta de interesse e capacidade de

    muitos parlamentares para tratar adequadamente das questes de defesa nacional.9 Portanto, o

    sistema educativo das Foras Armadas (assim como Justia Militar) constitui um dos segredos

    melhor guardados pela instituio, at por ser neste nicho que se estabelecem os princpios, os

    valores e as doutrinas que formam a viso do mundo militar e que sero seguidos pelos jovens

    postulantes a oficiais. O fato que propor um estudo acadmico externo sobre esse sistema, ainda

    que seja meramente histrico, produz um inocultvel mal-estar nas casernas. As idas e vindas na

    procura de autorizao para levar as pesquisas nesta rea, na maioria das vezes, insuficiente para

    abrir o zelado cofre. A cultura do segredo, cara para os fardados, mais um entrave que oculta o

    que deveria ser pblico. Esta atitude impede que se realizem srias pesquisas que poderiam

    redundar na melhoria da formao militar.

    Nesta medida, vale se perguntar se a dificuldade em submeter democraticamente os militares

    ao poder civil pode ser atribuda apenas resistncia dos prprios militares ou a uma conivncia

    histrica da elite poltica civil brasileira. Insistimos: a criao do Ministrio da Defesa teria feito

    parte de uma tentativa, ainda que em vo, de submeter os militares ao controle democrtico por

    parte dos civis, ou teria sido, mais uma vez, um pacto entre lderes militares e civis para garantir a

    manuteno das prerrogativas e as ilhas de autonomia? Ou ainda, poderia ter sido a criao do

    Ministrio da Defesa uma concesso militar antes que ter que ceder a uma imposio civil ou

    mesmo que tenha sido concedido como um instrumento de barganha para negociar outros objetivos,

    talvez como meio de melhorar a reputao do Brasil atravs de uma vestimenta moderna e

    democrtica?10

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    Histrico da relao entre as FA e a sociedade no Brasil ps-regime militar

    Uma anlise da distenso do regime autoritrio de base militar no Brasil e que deu lugar

    transio, passando pela elaborao da Constituio de 1988 at desembocar no processo da

    transformao dos Ministrios Militares em Comandos e a criao do Ministrio da Defesa, mostra

    que as Foras Armadas vem, historicamente, resistindo a mudanas ou condicionando as mesmas

    garantia de suas prerrogativas e espaos de autonomia para interferir no tabuleiro do jogo poltico

    nacional.

    O General Ernesto Geisel foi o artfice do projeto de Distenso militar. Ele deixou claro em

    seus discursos, com uma sinceridade prxima do cinismo, que a abertura do regime no objetivava

    precipuamente o retorno democracia, mas apenas consistia num afrouxamento das tensesexistentes, visando ao estabelecimento de um consenso que viabilizasse a consecuo dos objetivos

    da denominada Revoluo de 64 como os militares se referem ao Golpe Militar que fechou o

    regime democrtico nesse ano. Com isto, como mostra-nos Mathias (1995, p.79), a continuidade

    dos princpios do regime militar parte constitutiva da mudana que, por sua vez, est relacionada

    no-ruptura das bases sob as quais se erigiu o processo revolucionrio. A restaurao do governo

    civil seria permitida desde que fosse mantida intacta a capacidade de interveno militar na poltica

    (MATHIAS, 1995, p.88). O governo militar s concordava com a instalao da democracia, caso

    ela afastasse qualquer possibilidade de contestao da ordem scio-econmica proposta pelo

    processo revolucionrio. Ernesto Geisel, que foi o presidente militar que gozou de maior prestgio,11

    por razes idiossincrticas, soube conduzir com cautela o processo de distenso lenta, segura e

    gradual, de modo a garantir a eliminao dos entraves para a vigncia da Constituio que os

    militares tinham ditado em 1967, asseverando a consecuo do chamado desenvolvimento

    poltico (que para eles significava a somatria do desenvolvimento econmico com o social) e

    afianando um sucessor (que resultaria sendo o Presidente Figueiredo) que tambm estivesse apto a

    devolver o governo aos civis, desde que a abertura democrtica se desse com responsabilidade.

    O governo de Jos Sarney que sucederia pelo voto indireto e pela morte inesperada do titular

    ao cargo , j caracterizado por um processo de transio democracia tambm foi fruto de

    rduas negociaes entre civis da aliana democrtica e os lderes militares. Como aponta Eliezer

    Rizzo de Oliveira (1994, p.106), o deslocamento das Foras Armadas do centro do poder poltico

    cedeu lugar a um quadro de tutela sobre o governo civil. O aparelho militar teve, durante o

    governo de Jos Sarney, seu espao mantido, sendo-lhe ainda reservada a prerrogativa de influir nas

    decises governamentais dos civis (OLIVEIRA, 1994, p.111). A presena do Ministro do Exrcito,

    General Lenidas Pires Gonalves, ao lado do presidente Jos Sarney, emitindo opinies no s de

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    sua pasta, mas de todos os assuntos que considerava de importncia [...], elucida a conduo do

    jogo poltico pelos militares (MYAMOTO, 2000, p.450).

    Alm disso, a tarefa atribuda a Sarney, de chamar a uma Assembleia Constituinte que

    elaborasse uma Constituio compatvel com as exigncias democrticas, foi compartilhada e

    tutelada pelos militares12. Como resultado disto, a Constituio de 1988 acabou mantendo legal o

    pleno exerccio da funo interventora das principais lideranas militares, por meio de artigos

    imprecisos e ambguos, como o de nmero 142 que define quem e em que condies pode solicitar

    e quem se responsabilizar pelo emprego das FA. As questes relativas Defesa e Segurana e aos

    temas a elas vinculados so tratadas de modo bastante dispersos na Carta Constitucional. A

    estrutura de poder concede Unio a primazia no tratamento e encaminhamento das questes daDefesa. Cabe-lhe a responsabilidade por assegurar a Defesa Nacional (art. 21, III), como tambm a

    disposio de autorizar que foras estrangeiras transitem pelo territrio nacional ou nela

    permaneam temporariamente (art. 21, IV); a adotar as medidas nacionais previstas na constituio

    para tratar de ameaas ou situaes internas que comprometam ou envolvam questes de Segurana

    e Defesa Nacional, a saber, o Estado de Stio, o Estado de Defesa e a Interveno Federal (art. 21,

    V); assim como a fiscalizao e autorizao para produo e comrcio de material blico (art. 21,

    VI), alm de um estrito controle sobre a atividade nuclear, na explorao de servios e instalaes,

    exercendo o monoplio sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a

    industrializao e o comrcio de minrios nucleares e seus derivados (art. 21, XXIII), sendo que as

    atividades nucleares realizadas em territrio nacional somente podero ser permitidas se voltadas

    para fins pacficos e mediante aprovao do Congresso Nacional.13O emprego das Foras Armadas

    como instrumento de garantia da lei e da ordem da responsabilidade do Presidente, por iniciativa

    prpria ou em atendimento a pedido de qualquer dos poderes constitucionais, atravs do Presidente

    do Supremo Tribunal Federal, do Presidente do Senado Federal ou do Presidente da Cmara dos

    Deputados, no mbito de suas respectivas reas. A atuao das Foras Armadas ocorrer de acordo

    com as diretrizes do Presidente e aps esgotados os instrumentos destinados preservao da ordem

    pblica, da incolumidade das pessoas e do patrimnio, relacionados no art. 144 da Constituio

    Federal que cuida da Segurana Pblica. Nestas passagens se encontra a principal brecha deixada

    pela Constituio para interpretaes jurdicas que permitam o desvio de misso das FA. Por meio

    dela, fica dependente um determinado tipo de destinao militar iniciativa de qualquer dos

    Poderes da Repblica, ou seja, na prtica, alm do presidente, outras autoridades podem decidir

    sobre o recurso s Foras Armadas. Alm disto, as possibilidades para convocao das Foras

    Armadas so amplas, podendo descaracterizar sua misso essencial. Deparado com a inocultvel

    incapacidade de solucionar os graves problemas de segurana pblica que se abatem sobre a

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    sociedade, o governo brasileiro, que no se atenta aos limites constitucionais, tem batido com maior

    frequncia s portas dos quartis, buscando solues para a represso do trfico de drogas e do

    crime organizado que os instrumentos constitucionalmente consagrados no oferecem.14

    Uma particularidade do Brasil e que dificulta a reflexo sobre misso e emprego das FA, alm

    da falta de cultura da Defesa na sociedade e da ausncia de especialistas civis no tema, o fato de

    que este pas carece de foras de conteno intermediria. Diferentemente de outros pases de

    Amrica do Sul, o Brasil no conta com gendarmeras, ou carabineros, prefecturas costeiras e

    outras formas armadas que podem ser empregadas em caso de insuficincia das foras policiais ou

    em caso de estas serem superadas ou mesmo em operaes especiais como, por exemplo, o combate

    ao narcotrfico e ao crime organizado. Ante esta deficincia, em casos emergenciais em que asforas do crime ou a desordem superem as foras repressivas, o Estado se sente necessitado de

    empregar suas foras de combate, isto , as suas FA. Este fato, somado histria recente de

    governos autoritrios de base militar, mantm viva a sensibilidade para os desvios de misses e

    alerta para os detalhes constitucionais, assim como exige um permanente cuidado poltico para

    manter separados os conceitos de Defesa e Segurana Pblica, esta ltima objeto das diversos

    corpos de Polcias, reservando aquela s FA. Ainda assim, zonas cinzentas e nebulosas permanecem

    inalteradas no texto constitucional, o que torna poltica a deciso de quando, em que condies, com

    que objetivo e com que intensidade empregar as FA no mbito interno.

    Em abril de 1991 foi aprovada pela Cmara de Deputados, a partir de Emenda e de diversas

    negociaes, a Lei Complementar sobre Foras Armadas que corrige as distores constitucionais

    que aninhavam no Cap. 142 acima mencionadas. Mas, em suma, o presidente Jos Sarney finaliza

    seu governo tendo atendidas praticamente a totalidade das demandas militares: o no julgamento

    dos excessos da represso durante o regime e a preservao da autonomia militar com baixo grau de

    autoridade presidencial sobre o aparelho militar; confirmao do quadro de tutela, assegurado

    tambm pelo controle militar sobre os programas nucleares, como o Programa Nuclear Paralelo

    (PNP) e manuteno das trs foras singulares como Ministrios (OLIVEIRA, 1994, p.189).

    Durante o governo Collor podem se notar algumas modificaes no quadro das relaes entre

    civis e militares. Uma delas foi a promulgao da Lei Complementar citada acima. Mas houve

    outras talvez mais significativas: Collor encolheu relevantes funes militares ao promover

    mudanas no Gabinete Militar, no EMFA e na rea do Servio de Informaes. Ao extinguir o

    Servio Nacional de Informaes (SNI), criar a Secretaria de Assuntos Estratgicos (SAE), e

    desprover de status ministerial o EMFA e o Gabinete Militar, o presidente contribuiu para a

    desmilitarizao do nvel superior de deliberao do poder do Estado e da administrao do

    Planalto. Alm disto, Collor buscou desarticular o Programa Nuclear Paralelo (PNP),

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    desestruturando a militarizao do setor cientfico e tecnolgico. Porm, o governo Collor

    significou uma nova fase de sobrevivncia da dialtica ruptura e continuidade, pois, ao mesmo

    tempo em que promoveu mudanas considerveis, no conseguiu extinguir os Ministrios das

    foras singulares. Estas ltimas convenceram o presidente de que a criao do Ministrio da Defesa

    s era compatvel com o sistema parlamentar de governo, entre outros argumentos. Collor, porm,

    foi prudente na escolha dos ministros militares. Com algum tino procurou localizar entre os altos

    mandos militares lideranas aptas a estabelecer uma negociao conciliatria com o governo: a

    presses do Almirante Mrio Csar Flores (ministro da Marinha), do General Carlos Tinoco

    (ministro de Exrcito) e do Brigadeiro Scrates Monteiro (ministro da Aeronutica) abandonaram o

    aspecto institucional e incorporaram um carter de associao. Os perfis destes ministros no serelacionavam ao regime militar, nem ao quadro tutelar do governo anterior.

    Apesar de os Ministrios apresentarem um bom comportamento, Collor deixa lacunas abertas

    no tocante crise de identidade militar condizente adaptao das funes militares s demandas

    do ps Guerra Fria, gerando novos conflitos que poderiam, de uma outra forma, comprometer a

    democracia. Os novos papis atribudos s Foras Armadas causam uma mudana nas condies

    institucionais, materiais e polticas das mesmas, criando um sentimento de rejeio no interior da

    caserna. Ademais, as duas hipteses de guerra que condicionavam o preparo e o emprego militar

    com a Argentina, como inimigo externo tradicional, e contra o subversivo como inimigo interno

    foram descartadas no desenvolver da nova ordem mundial (ordem globalista, regionalista e

    cooperativa, explicada pela crescente interdependncia recproca). Collor saiu do governo sem que

    fossem claramente definidas as novas atribuies das Foras Armadas, o que permitiu um

    agravamento gradual das tenses no seio das mesmas e uma pesada herana para o prximo

    governo.

    A crise poltico-institucional do governo Collor, que terminou no episdio do impeachment do

    presidente, foi uma experincia comprovadora de que os ministrios militares no almejavam

    naquele momento nenhum tipo de interveno, uma vez que a fragilidade da situao permitiria tal

    ocorrncia e ela no aconteceu. Mas, por outro lado, poder-se-ia pensar que o impedimento do

    presidente Collor facilitaria seus projetos e deixariam ao sucessor, seu vice-presidente, Itamar

    Franco, numa situao de muita fragilidade poltico-institucional e, por tanto, sensvel s demandas

    do setor fardado. Pode ser meramente especulativo, mas fato que foi sobre o governo de Itamar

    Franco que os reflexos da crise interna s Foras Armadas incidiram mais notavelmente. A

    autoridade presidencial sobre as Foras Armadas, recuperada por Collor, foi visivelmente

    enfraquecida no governo de Franco, o que permitiu a abertura de uma forte luta poltica em torno da

    definio dos ministros militares. Por fim, como resultado desta luta, os ministros Flores, Tinoco e

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    Monteiro foram substitudos pelo Almirante Ivan Serpa, pelo General Zenildo Lucena e pelo

    Brigadeiro Llio Viana Lobo, refletindo o jogo de trocas entre o esquema poltico e o militar, tal

    como ocorreu com Sarney e seu ministro do Exrcito, Lenidas Pires Gonalves. Por este quadro de

    fragilidade poltica, o governo de Franco representou o retorno a um quadro de tutela, como definira

    Eliezer Oliveira (1994, p.314).

    Enfim, com este breve histrico, pretendemos mostrar que a autonomia ou a subordinao dos

    militares em relao ao poder civil um processo de idas e vindas e que neste se inclui a longa

    relutncia em torno da criao do Ministrio da Defesa. A criao do mesmo foi ferrenhamente

    combatida pela Marinha, pelo Exrcito e pela Aeronutica na Constituinte e isto esteve relacionado

    ao fato de as foras polticas pr-criao atribuir ao Ministrio um carter de instrumento decontrole civil e de restrio da autonomia poltica dos militares e de equilbrio entre as foras. No

    governo Collor, a criao do Ministrio da Defesa sofreu resistncia no pela questo da diminuio

    da autonomia das Foras Armadas, nem pela questo de equilbrio entre as foras (pois isto parecia

    no ser problema, dado o razovel comportamento nos ministros militares de Collor), mas naquele

    momento relacionou-se mais crise de identidade vivida pela instituio. Afinal, embora o fim da

    Guerra Fria tenha anunciado novos tempos e novas prioridades, no seria plausvel que os

    militares, revisassem do dia para a noite, seus valores, seus conceitos polticos e estratgicos, suas

    hipteses de conflito e doutrinas historicamente construdos. Ou seja, enquanto que se obscurecia o

    entendimento sobre misso, papel e funo das Foras Armadas na nova era, no houve atualizao

    da doutrina militar e nem modificao substancial do seu comportamento. Por isto, nem sempre

    mostravam acordo em relao s novas misses que lhe eram atribudas. Por outro lado, o fato de o

    Exrcito ter se preparado durante mais de vinte anos para combater o inimigo interno, fazia com

    que sua estrutura fosse essencialmente voltada ao plano nacional, o que temiam que fosse

    desmantelado no caso de que se criasse um Ministrio da Defesa que propusesse novas projees

    estratgicas para o pas. Nesse posicionamento conservador das FA possvel se destacar a exceo

    constituda pelo pensamento do Almirante Mrio Csar Flores, ministro da Marinha. Dono de um

    pensamento liberal, ganho projeo nos mdios de informao quando decidiu abrir ao pblico as

    instalaes nucleares navais que at esse momento eram mantidas no maior segredo. Ele tambm

    foi um ferrenho defensor da criao do Ministrio da Defesa, ainda que sustentando, no sem razo,

    que o controle civil das Foras Armadas dependesse muito mais da eficincia do Estado

    democrtico e da mentalidade da sociedade do que da instituio do referido rgo.

    J durante o governo de Itamar Franco, como sugere Oliveira (1994, p.317), teriam sido

    criadas as condies para que a eventual adoo do Ministrio da Defesa seja destituda do carter

    fundador de um novo equilbrio entre as armas, constituindo um novo ponto de instabilidade. De

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    forma geral, acredita-se que o Ministrio da Defesa seria uma consequncia natural, partindo das

    necessidades militares e de uma poltica de defesa que as satisfizesse. Assim, as foras defenderam

    que no se poderia criar um Ministrio da Defesa antes de uma deliberao parcimoniosa sobre

    algumas das definies centrais para toda sua organizao e estrutura, bem com formulada e

    aprovada uma consistente e eficiente Poltica Nacional de Defesa.

    Esta resistncia militar s mudanas, somada falta de uma clara proposio dos civis sobre o

    tema e da confuso do conceito de Defesa com questes estritamente militares colaborou para que

    enquanto em diversas partes do mundo, estruturas semelhantes ao Ministrio da Defesa fossem

    edificadas j ps-II Guerra, no Brasil, s se contaria com uma conduo unificada sob o comando

    civil, ao menos do ponto de vista formal, apenas no fim do Sculo XX, ainda assim, encontrando,at os ltimos dias, diversas e resistentes barreiras para sua consolidao. Alm disto, como o

    histrico que acabamos de apresentar pareceria prognosticar, o resultado mais plausvel para esse

    processo de construo institucional do Ministrio da Defesa no poderia ser outro que uma

    estrutura frgil e militarmente controlada, incapaz de cumprir eficazmente com suas funes em sua

    plenitude, seu prprio processo de criao a condenava. Em primeiro lugar, porque assim que o

    presidente Fernando Henrique Cardoso cogitou a ideia, em lugar de induzir estudos acadmicos e

    um debate poltico nacional sobre o tema, se precipitou a solicitar assessoria ao ministro do EMFA,

    General Benedito Onofre Leonel, para concepo do Ministrio. Em segundo lugar, porque, pela

    ignorncia e desinteresse geral da sociedade civil sobre as questes concernentes a rea da Defesa e

    Segurana, todas as discusses formais sobre a instituio do rgo contaram com a

    supervalorizao da opinio militar, cuja presena era massiva. O prprio deputado Benito Gama,

    relator do projeto de emenda constitucional (PEC) declarou que o Ministrio da Defesa seria uma

    espcie de rainha da Inglaterra: reina, mas no governa (ZAVERUCHA, 2005, p.215). Alm disso,

    Fernando Henrique Cardoso no conseguiu nomear Ronaldo Sardemberg para ministro e, cedendo

    contestao dos militares, partiu em busca de outras alternativas que tranquilizassem os nimos

    dentro da caserna.

    Enfim, o nico aspecto que parece, dentro do Ministrio da Defesa, ter deciso totalmente

    civil, a questo oramentria, que por sua vez, no conduzida sem equvocos.

    guisa de concluso sob a administrao de FHC: Apesar de alcanar significativos avanos,

    quais sejam: a instituio formal da poltica de Defesa, por meio do estabelecimento da DPDN e,

    em seguida, do MD e a nivelao do dilogo internacional sobre Defesa, o resultado final das

    reformas no esteve perto de dar ao Brasil a condio de pas plenamente democrtico, com um

    controle civil sobre os militares garantido. Cardoso, alm de deixar lacunas para a atuao militar

    no MD, aprofundou as feridas das FA ao designar-lhes novamente uma misso (Amaznia) e no

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    atribuir-lhes, no entanto, meios materiais que lhes permitissem cumprir esta misso. Assim, se o

    governo obtivera algum sucesso na estabilizao das relaes civil-militares, por meio da atenuao

    da crise de identidade nascida no governo de Collor, logo a mgoa do militar veio tona quando,

    sem definir claramente os objetivos da Defesa do pas e, continuando sem delimitar as fronteiras

    entre Defesa e Segurana, a atuao dos militares como foras policias cresceu, assim como

    continuou sem modernizao todo o aparato da Defesa e continuaram desatualizados os salrios dos

    militares. Tambm no se pensou uma nova base cultural para estruturao de uma Defesa

    compatvel com os novos tempos. Se dentro das academias militares o sistema educacional no se

    preocupou com o novo profissionalismo a ser implantado, fora dela tampouco foram incentivados

    debates que levasse populao um maior conhecimento sobre o tema. Os reflexos dessas falhasso assistidos atualmente, como mostrar a prxima parte deste texto.

    A Defesa no governo Lula: Implicaes atuais

    Durante a campanha eleitoral que colocaria Lula no poder, o candidato apresentou aos

    militares as seguintes propostas para o setor da Defesa:15Oramento para as trs foras, exigindo a

    participao do Congresso em debates de projetos de Defesa de quatro em quatro anos;

    investimentos destinados recuperao do setor de inteligncia; reforo das reas de fronteiras,

    principalmente na regio amaznica; revogao do Tratado Inter-Americano de Assistncia

    Recproca (TIAR) e a substituio deste por um de cooperao regional; fomento de movimento de

    cooperao militar liderada pelo Brasil; acabar gradualmente com a obrigatoriedade do servio

    militar e substitu-lo pelo civil; dar continuidade compra dos caas, dando prioridade ao consrcio

    que propiciar transferncia de tecnologia do software e gerao de empregos. Durante a

    apresentao do seu programa aos militares,16abarcou temas como: equipamento das foras; plano

    de Defesa Nacional; aumento em quatro anos de 1% para 2% do Produto Interno Bruto do Pas

    (PIB) os recursos do Oramento destinados Pesquisa e Tecnologia de Defesa; aumento dos

    salrios e retomada da paridade da aposentaria entre militares da ativa e inativos, caada por meio

    de uma Medida Provisria editada pelo presidente FHC. Quanto ao servio militar, Lula disse que

    poderia ser instrumentalizado como forma de insero social dos jovens brasileiros que esto fora

    do mercado de trabalho.

    Jos Viegas Filhos, primeiro Ministro da Defesa nomeado pelo Presidente Lula, esteve no

    Clube Militar do Rio de Janeiro, onde apresentou as principais preocupaes do Ministrio. 17De

    acordo com o seu discurso,18 o reaparelhamento das FA seria postergado em funo de outras

    prioridades, como o desenvolvimento social. Na ocasio, afirmou que a funo essencial das FA

    seria defender a soberania e a integridade do territrio nacional, entendendo que para isso seria

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    necessrio preparar, adestrar e aparelhar os efetivos, deixando claro que a dissuaso permanecia

    sendo o elemento bsico da estratgia brasileira da Defesa19. De acordo com o Ministro, a

    orientao das FA j estaria adequada aos novos tempos e os valores democrticos cultivados aps

    essas transformaes alteraram o velho conceito de Segurana do Estado para o de Segurana

    Cidad, substituindo a preocupao excessiva com a segurana do aparelho do Estado por uma

    ateno vinculada propriamente segurana da nao, que prestigia os cidados e a sua escolha dos

    destinos polticos do pas, conforme suas palavras. Porm, parece que o Ministro no soubera

    definir com preciso os limites dessa nova Segurana Cidad, ampliando ainda mais o leque das

    ditas tarefas subsidirias. Alm disso, ao invs de recorrer ao legislativo para receber auxlio na

    formulao dessas questes, o Ministro solicitou um debate fechado apenas com os militares sobrea extenso que deveria ter o envolvimento das FA em tarefas alheias ao papel constitucionalmente

    consagrado, colocando-lhes trs alternativas: a absoluta absteno das FA de intervir nessas tarefas;

    uma posio intermediria, segundo a qual, as FA, sob determinao legal, desempenhariam apoio

    s foras policiais no combate s novas ameaas e, por ltimo, uma posio radical de

    envolvimento direto no combate a essas atividades. Ademais, o Ministro defendeu a participao

    das foras em programas sociais, com o denominado Fome Zero afirmando: A valorizao das

    FA e o comprometimento com uma sociedade mais justa so metas que se casam.

    Para Viegas, seriam prioridades, na nova era Ps-11/09, atualizar a base conceitual do

    pensamento estratgico nacional diante da realidade mundial e das necessidades de defesa do Pas.

    Para isso, seria conveniente revisar as grandes linhas de pensamento estratgico para definir uma

    estrutura militar adequada s demandas da Defesa. Assegurar a proteo da Amaznia foi outra

    prioridade colocada por Viegas, respondendo a uma velha reivindicao das FA que atribuem

    Amaznia grande importncia estratgica pelo tamanho da fronteira que o Brasil tem nessa regio

    com vrios pases, absolutamente desguarnecida. A terceira prioridade diz respeito consolidao

    do papel do Brasil como promotor da integrao regional e hemisfrica em matria de defesa, bem

    como a sedimentao de sua presena nos foros internacionais de defesa, realando a posio

    brasileira na manuteno da paz mundial. Este objetivo coerente com o novo perfil da poltica

    externa brasileira, a chamada diplomacia ativa e refere-se projeo estratgica do Brasil na

    regio (particularmente na Amrica do Sul), bem como no mbito hemisfrico, visando consolidar e

    aumentar sua participao internacional na manuteno da paz no mundo. Embora reconhecendo

    que a regio vive uma etapa de consolidao das democracias e de paz garantida, impulsionada

    especialmente pelo Mercosul e pela Comunidade Andina, o Ministro alertava para a vulnerabilidade

    a aes clandestinas de carter transnacional, o que exigiria maior empenho na proteo das

    fronteiras, vigilncia do espao areo e patrulhamento martimo e fluvial. Em consonncia com

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    aquela diplomacia ativa, declarava o reconhecimento do Brasil como potncia regional e,

    consequentemente, a intensificao da participao na intermediao de conflitos internacionais na

    manuteno de uma fora preparada para integrar misses internacionais de manuteno da paz.

    Prometia manter e aumentar a participao externa do Brasil atravs participao das suas FA em

    vrios operativos e atividades em todas as partes do mundo.20 Os demais objetivos da Defesa,

    anunciados por Viegas seriam: Promover a obteno, a modernizao e a adequao dos meios

    necessrios ao emprego das FA, elaborando-se o documento de Estratgia Militar Brasileira, no

    qual seriam definidas as bases para o planejamento do reaparelhamento e a interoperabilidade e

    interconectividade das foras; minimizar a dependncia externa quanto aos recursos de natureza

    estratgica para a defesa do Pas, incentivando a pesquisa para o desenvolvimento de tecnologiasatuais e o desenvolvimento da indstria blica nacional; aperfeioar a capacidade das FA para

    operar de forma combinada ou conjunta; modernizar as estruturas organizacionais e os processos

    administrativos, com nfase nos sistemas de controle, gesto da informao e na qualidade da ao

    gerencial; desenvolver e modernizar a capacidade de atuao da aviao civil, e, por fim,

    intensificar a divulgao das aes desenvolvidas pelas FA em prol da sociedade brasileira e

    valorizar o soldado.

    O ex-ministro Viegas contribuiu fundamentalmente para as discusses que geraram o novo

    Documento de Poltica de Defesa Nacional, divulgado no ano de 2005, quando o Ministrio j se

    encontrava sob chefia de Jos Alencar. Prova disso que o documento apresenta ideias semelhantes

    ou idnticas quelas prenunciadas pelo ex-Ministro antes de sua renncia, como a noo de Defesa.

    Em pronunciamento ao Instituto Rio Branco21, Viegas defendeu a elaborao do Livro Branco da

    Defesa e adotou como conceito de Defesa Nacional: o conjunto de medidas e aes do Estado,

    com nfase na expresso militar, para proteo do territrio, da soberania e dos interesses nacionais

    contra ameaas preponderantemente externas potenciais ou manifestas. A reproduo dessas ideias

    aparece no DPDN de 2005, quando se busca uma distino entre Defesa e Segurana:

    I.- Segurana a condio que permite ao Pas a preservao da soberania e da integridadeterritorial, a realizao de seus interesses nacionais, livre de presses e ameaas dequalquer natureza e a garantia dos cidados ao exerccio dos direitos e deveresconstitucionais;II.- Defesa Nacional o conjunto de medidas e aes do Estado, com nfase na expressomilitar, para a Defesa do territrio, da soberania e dos interesses nacionais, contra ameaaspreponderantementeexternas, potenciais ou manifestas22(grifo nosso).

    A noo de Segurana do novo DPDN tambm reproduz a proposta de Viegas de Segurana

    Cidad, assim como o documento enfatiza as iniciativas de cooperao entre as FA vizinhas para

    garantia da paz e da estabilidade regionais. Esta, alis, uma virtude do Ministro que no deve

    passar em branco: ao incentivar a cooperao regional, contribuiu de forma relevante nas discusses

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    que geraram o novo documento da Defesa, alm de se fazer notvel por inaugurar dilogos entre

    civis e militares, manifestos em numerosos discursos e conferncias; tambm por participar

    ativamente das reunies de ministros da Defesa, as quais se deram muito mais frequentemente do

    que na gesto de seus sucessores, o que aponta que aps sua renncia, houve um novo retrocesso na

    trajetria civil rumo soluo das questes da Defesa no Brasil. Viegas contribuiu para que o

    DPDN intensificasse o processo de harmonizao da Defesa com a Poltica Externa, ao fomentar o

    dilogo com outros pases da Amrica do Sul. Porm, a distino entre Defesa e Segurana que

    prenunciou e que apareceu no novo DPDN, seja por incompetncia ou por falta de vontade poltica,

    no alcanou uma clara distino conceitual entre a Defesa e a Segurana, o que no um mero

    problema de semntica, mas de ordem operativa, porque em decorrncia disto que se estabelecemas misses das FA. Sem nimo para discutir as ameaas potenciais, que, por sua amplitude

    semntica, configura qualquer situao em qualquer momento, enfatizamos acima o advrbio

    preponderantemente porque ele quem abre decididamente as portas para o emprego das FA na

    conteno de ameaas originadas externa ou internamente, podendo ser elas de qualquer natureza.

    Este instrumento de interveno sinaliza a ampliao das misses das FA.

    A Estratgia Nacional de Defesa(END)

    Embora a promulgao de um documento sobre a defesa brasileira no tenha sido uma

    novidade, porque o presidente Lula a havia anunciado vrias vezes em seus discursos, sim,

    possvel especular sobre as razes que precipitaram a promulgao da END. O Brasil precisava de

    algum documento que pudesse apresentar para suprir a ausncia de um Livro Branco, que

    apresentasse os princpios, fundamentos e objetivos da Defesa e da projeo estratgica do Brasil.

    Por um lado, pelo visvel contraste com seus vizinhos sul-americanos em direo aos quais se

    orienta a poltica externa brasileira do governo Lula quase todos eles contando com seus Livros

    Brancos, alguns dos quais com amplo debate nacional que, ao declarar publicamente suas

    sensibilidades e projees estratgicas, destacaram o dficit brasileiro nesse aspecto. Por outro lado,

    as viagens empreendidas por Jobim, buscando mercados onde reequipar o parque blico das FA

    brasileiras, mostraram a necessidade de abrir a caixa preta da Defesa e explicitar suas intenes

    em sua rea de projeo. Com efeito, alguns governos europeus, ainda que vidos por vendas que

    alavancassem seus pases em meio a crise econmica, condicionaram as negociaes a uma

    perspectiva mais clara da poltica de defesa brasileira. Tambm incidiu na promulgao a busca por

    coerncia na poltica regional: o Brasil props a criao do Conselho Sul-Americano de Defesa e,

    inclusive, sugeriu a elaborao de um Livro Branco Regional de Defesa que o prprio Brasil

    ainda no possui nacionalmente (um dos poucos pases na regio que arrasta essa dvida).

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    Finalmente, era notria a necessidade de completar ou avanar no fortalecimento da conduo

    poltica nos assuntos da Defesa, ainda dependente do monoplio militar nesses temas. Este

    fortalecimento, lento e gradual, precisava institucionalizar a insero dos nervos do governo na

    fibra muscular dos meios da Defesa para possibilitar a governabilidade. Um passo fundamental

    nessa direo foi a criao do MD, no obstante, no garantiu a plena conduo poltica das FA.

    Qui pela falta de funcionrios civis capacitados para a funo, o ministrio acabou sendo

    mobiliado para usar a metfora do ex-ministro da Defesa, Jos Viegas basicamente com

    funcionrios militares que mantiveram as prerrogativas constitucionais e a autonomia das foras. O

    refluxo das FA dos espaos polticos do ministrio poderia agora ser alcanado por um aspecto que

    nunca antes havia sido atendido: a reorganizao das FA institucionalizando sua conduo polticamediante uma clara cadeia de comando. Este aspecto, segundo o ministro Nelson Jobim, foi

    atendido pela END que fixou as bases para a consolidao do poder civil na direo da defesa

    nacional, com a determinao dos papis que cabem nesse processo aos civis e ao brao militar

    Marinha, Exrcito e Aeronutica.23

    Em 7 de setembro de 2007, por ocasio do dia do Exrcito, o Governo Lula solicitou e o

    ministro da Defesa prometeu entregar ao pas, um ano depois, uma reformulao da poltica de

    defesa ou um Livro Branco da mesma. Tanto nesse como em outros discursos se prometeu que seria

    gerado um amplo debate nacional que cristalizaria os acordos da comunidade nacional da defesa em

    um documento. No se cumpriram os prazos nem houve debate sobre a END que foi apresentada

    tardiamente e surpreendendo incipiente comunidade de defesa brasileira que esperava participar

    no anunciado debate que nunca existiu, apesar de Jobim ter declarado que o tema comeou a estar

    presente na mdia, no Congresso, nos quartis, nas reunies empresariais, nas Universidades como

    metodologia democrtica de deliberao.24Se houve algum debate ou se o tema rondou o ambiente

    acadmico, foi produto da iniciativa dos prprios acadmicos na esperana de que em algum

    momento a comunidade fosse convocada para discutir o tema nacionalmente.25

    O Presidente Lula colocou a frente da elaborao da END, ademais do MD, o recm nomeado

    Ministro de Assuntos Estratgicos, Mangabeira Hunger, mas longe de melhorar o projeto, na

    realidade a END parece ter tentado contemplar as expectativas, a vezes opostas, de diferentes

    atores, entre eles cada uma das trs FA. Talvez querendo contentar a gregos e troianos parece no

    ter satisfeito a nenhum, porque as crticas, especialmente dos fardados, no tardaram em aparecer.

    A END avana em relao aos dois documentos de Poltica Nacional de Defesa que a

    precederam. Contempla aspectos que naqueles haviam sido insuficientemente tratados e se atreve a

    desenhar a definio do que poderamos chamar Grande Estratgia no sentido que d expresso

    Liddel Hart.26Em realidade, e ainda que se centre na defesa, a END se estende a aspectos como a

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    Histria(So Paulo), vol.29, n.2, pp. 3-29, 2010. ISSN 1980-4369 19

    educao, cincia e tecnologia, economia, infra-estrutura e mobilizao nacional, entre outros.

    Avana sobre a organizao das FA, sua composio organizacional e suas prticas operacionais,

    assim como sobre as capacidades e os meios necessrios para assegurar sua eficcia. Pensou-se na

    independncia tecnolgica para suprir esses meios, e na articulao com a indstria nacional

    reforada com proteo e auxlio econmico para a produo de materiais de defesa de maneira

    autnoma. Menciona o desenvolvimento cientfico-tecnolgico nas reas ciberntica, aeroespacial

    e, especialmente, nuclear.

    O documento estrutura a Defesa Nacional em trs eixos principais: a organizao das FA,

    orientando-as para um melhor desempenho no cumprimento de seu papel constitucional; a

    reorganizao da indstria nacional de material de defesa para equipar as foras com autonomia etecnologia nacional e a composio dos efetivos das FA e a mobilizao nacional pelo alongamento

    e aprofundamento do Servio Militar Obrigatrio (SMO) e a implementao de um Servio Civil

    Obrigatrio subscrito ao Ministrio de Defesa.

    Uma primeira considerao de peso do documento associa indissoluvelmente a estratgia de

    desenvolvimento do pas quela da defesa. Talvez inspirados pelo binmio conceitual Segurana e

    Desenvolvimento que com certa frequncia apareceu nos ltimos documentos da Organizao dos

    Estados Americanos, ou apoiados na falcia do spin of da Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em

    cincia e tecnologia da defesa para a indstria civil,27neste documento foi substitudo o conceito de

    Segurana pelo de Defesa para afirmar a inseparabilidade da Estratgia de Defesa Nacional da

    Estratgia de Desenvolvimento Nacional e que Cada uma refora as razes da outra. Em ambas, se

    desperta para a nacionalidade e se constri a nao (END, p.2)28. A costura entre ambas se

    configuraria, segundo o documento, pelo fortalecimento de trs setores considerados estratgicos: o

    espacial, o ciberntico e o nuclear. Sem especificar qual ministrio conduziria o desenvolvimento

    cientfico nestas reas, garante que por sua prpria natureza, esses setores transcendem a diviso

    entre desenvolvimento e defesa, entre o civil e o militar (END, p.5). Finalmente, e apesar do Brasil

    se autoproclamar como um pas pacfico e ter ratificado o Tratado de No Proliferao Nuclear

    (TNP), o documento reafirma a necessidade estratgica de desenvolver e dominar a tecnologia

    nuclear e mais adiante, quando trata especificamente da Marinha, confessa a deciso nacional de

    adquirir meios navais de propulso nuclear, especialmente o velho sonho da Marina: a fabricao

    do submarino nuclear (END, p.16).

    Em 26 de agosto de 2008, o Almirante Jlio Soares de Moura Neto, Comandante da Marinha,

    declarou que o prazo mximo para entregar o submarino nuclear brasileiro seria 2021. A primeira

    fase do processo, que envolve o enriquecimento de urnio, j est concluda e tudo indica que o

    casco ser construdo com a cooperao da Frana. A construo do submarino nuclear, previsto na

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    END, poder custar 600 milhes de dlares, mais do dobro do necessrio para construir um

    submarino convencional. Ainda assim, e segundo a avaliao do almirante na reserva Othon Luiz

    Pinheiro da Silva, precursor do projeto do submarino nuclear brasileiro em 1979, a Marinha

    brasileira precisaria de seis submarinos nucleares para proteger a plataforma continental do Brasil

    pelo seu tamanho29.

    O objetivo principal declarado pela END sobre mobilidade e presena contar com uma fora

    militar suficiente para dissuadir a concentrao de foras hostis nas fronteiras nacionais (END,

    p.4). Para satisfazer este objetivo, prope o desenvolvimento de trs capacidades: seguimento e

    controle, mobilidade e presena. Devido dimenso territorial do Brasil, a nfase colocada na

    mobilidade estratgicapara chegar ao teatro de operaes rapidamente e na mobilidade tticaparadominar esse teatro pelo deslocamento em seu interior. Essa mobilidade ttica e estratgica

    permitiria cobrir toda a extenso territorial nacional e responder rpida e contundentemente frente a

    qualquer agresso ou ameaa em todo o territrio nacional. Contudo, esta prioridade v-se

    comprometida com o tratamento dado na END presena que insiste em distinguir da

    onipresena uma vez que o esforo de presena, sobretudo ao longo das fronteiras terrestres e

    nas partes mais estratgicas do litoral, tem limitaes intrnsecas (END, p.4), talvez influenciada

    pelo lugar da Amaznia na mstica militar prope adensar a presena de unidades do Exrcito, da

    Marinha da Fora Area nas fronteiras (END, p.6).

    Ainda que notria, a falta do Estado em vastas regies das fronteiras nacionais, especialmente

    nas amaznicas, no vemos a pertinncia estratgica de acantonar foras nessas regies. Ainda

    reconhecendo a importncia de uma maior presena do Estado por meio dos ministrios da Sade,

    da Educao, da Justia e outros, a construo de bases, aeroportos e arsenais ofereceria a logstica

    para uma eventual invaso de uma potncia maior (que seria a hiptese para estas preocupaes).

    Sem essa presena militar fsica, a prpria Amaznia o principal obstculo para tal invaso e a

    fora poderia estar preservada, preparada, em alerta e com condies de rpido deslocamento para

    fixar, hostilizar e posteriormente repelir as foras invasoras.

    Um terceiro ponto politicamente destacvel e coerente com o principio da mobilidade a

    proposta de unificar as operaes das trs foras atravs da criao do Estado Maior Conjunto

    (EMC) das FA. Esta tardia inovao representa um importante passo na organizao militar, que

    fortalece o MD e, consequentemente, a conduo poltica da defesa. Do ponto de vista da

    reorganizao militar, cabe ao ministro da Defesa indicar e ao Presidente nomear os

    comandantes de cada fora que integraro o EMC. Estes dirigiro cada uma das Foras, formularo

    sua poltica e doutrina e prepararo seus rgos operativos. Os Estados Maiores de cada fora

    formularo a estratgia respectiva de sua fora.

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    A END projeta a estrutura conjunta30das FA brasileiras tambm para todas as reas e regies

    de atuao: Em cada rea dever ser estruturado um EMC, que ser ativado para realizar e

    atualizar, desde o tempo de paz, as planificaes operacionais da rea (END, p.6). Para tornar

    possveis as reunies regionais regulares dos comandantes generais de cada Servio, a END prope

    a reagrupao das mesmas para que os distritos Navais ou os Comandos de rea tenham suas reas

    de jurisdio coincidentes.

    Embora no se tenha discutido a criao de uma Escola de Comando unificada para as trs

    foras o que tornaria realmente eficaz a conjuno das foras , este aspecto da END recebeu

    fortes crticas de setores militares, fundamentalmente do Exrcito. Estes setores, resistentes

    mudana, argumentam que a criao do EMC provocaria a perda de identidade de cada fora edebilitaria a autonomia dos Estados Maiores atualmente existentes no Exrcito, na Aeronutica e na

    Marinha em relao ao MD.31 Esta resistncia ficou registrada em discursos de despedida de

    militares no ato de sua passagem reserva, impensveis em democracias consolidadas. Parte destes

    discursos criticava justamente o que deveria ser um objetivo claro e explicito da poltica de defesa

    na democracia: a bvia consolidao do MD como instrumento de execuo da poltica do governo

    eleito, nico e legtimo detentor do monoplio da fora do Estado.32 Para alguns militares, o

    fortalecimento do ministrio em relao aos comandos individuais das foras, somado sua

    prerrogativa para designar os comandantes de cada fora, inaceitvel porque essas medidas

    trouxeram novamente antigos costumes de politizao dos negcios internos das FA.33

    Um conceito tpico da poca da ditadura militar, particularmente enfatizado por Geisel, que h

    muito tempo no se via na literatura brasileira e que reapareceu na END o de projeo de poder.

    O conceito de potncia polissmico e no ambiente das Relaes Internacionais pode se referir a

    diferentes capacidades do Estado, como a militar, a econmica, a cultural, a poltica, a diplomtica e

    outras34. O comportamento internacional do Brasil tem sido ultimamente reconhecido por sua

    eficincia diplomtica e seus bons ofcios no ambiente internacional, particularmente o regional,

    mais enfaticamente neste cenrio desde o final de 2007, com o decidido apoio da diplomacia

    presidencial levada a cabo por Lula. Portanto, projeo de poder pode ser lido como soft

    power atravs do qual o Brasil se destaca nos vrios cenrios internacionais pelos que transita. No

    obstante, na END, a referncia a projeo de poder aparece fundamentalmente no pargrafo

    relativo Marinha, onde trata do aumento do poderio naval e da aquisio de meios de superfcie e

    submarinos nucleares brasileiros. Aqui este conceito fica inequivocamente associado fora: a

    projeo de poder se subordina, hierarquicamente, negao do uso do mar (END, p.12), a

    negao do uso na passagem citada se refere ao mar continental brasileiro, no qual se encontram

    alguns dos interesses estratgicos, como as plataformas petrolferas de guas profundas, ilhas e

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    arquiplagos, portos e vias de comunicao martima. No obstante, mais adiante, ao tratar das

    hipteses de emprego da fora, quando especifica as capacidades desejadas para as FA, aponta

    expressamente a capacidade de projeo de poder nas reas de interesse estratgico (END, p.42).

    Outro conceito interessante, menos pela novidade que por seu reconhecimento explcito, a

    reivindicao para o Exrcito convencional de alguns atributos das foras no convencionais.

    No de se estranhar: frente a facilidade com que as foras norte-americanas penetraram no Iraque,

    resultou claro, como advertiu o General Erick de La Maisonneuve, que nenhum exrcito

    convencional poderia opor-se vontade de um exrcito daquele porte. Na circunstncia de ofender

    os interesses de uma superpotncia, para este autor, s restam duas alternativas, o salto

    democratizante at o nvel nuclear de beligerncia (para quem possua a tecnologia ou possa adquiri-la) ou descer ao inferno da guerra sub-clssica: guerra de guerrilha e terrorismo.35

    Notamos que, em pases de porte mdio e em alguns exrcitos sul-americanos, se manifesta a

    tendncia de se preparar para a doutrina que chamamos em outro lugar estratgia da resistncia

    dissuasria 36, isto , paralelamente dissuaso convencional, estes exrcitos se preparam de forma

    explcita para enfrentar uma prolongada resistncia no convencional:

    Um exrcito que conquistou os atributos de flexibilidade e de elasticidade um exrcitoque sabe conjugar as aes convencionais com as no convencionais. A guerra assimtrica,no quadro de uma guerra de resistncia nacional, representa uma efetiva possibilidade dadoutrina aqui especificada (END, p.18).

    Na explicitao deste preparo reside sua eficcia dissuasria: a estratgia consiste em no empregar

    o esforo maior para evitar a invaso, mas sim em mostrar-se preparado e politicamente decidido

    para resistir permanncia do exrcito invasor, desestabilizar o governo ocupado e evitar a

    administrao estrangeira.

    O reparo que possvel fazer a este propsito sobre a especializao desse combatente

    apenas para o ambiente de selva. Se bem que concordamos que os imperativos de flexibilidade e

    de elasticidade culminam no preparo para uma guerra assimtrica (END, p.18) nos parece que

    apenas preparar um combatente detentor de qualificao e de rusticidade necessrias proficincia

    de um combatente de selva (END, p.18) restringir o ambiente da resistncia. Essa doutrina deixa

    de lado o ambiente urbano, no qual teoricamente se alocaria a administrao invasora e onde os

    golpes da resistncia teriam maior impacto miditico e permitiria a articulao com foras polticas

    em resistncia para organizar a insurgncia. Fora da hiptese de um recorte do territrio amaznico

    por foras estrangeiras superiores em potncia, a ideia de que uma potncia superior invada o Brasil

    pelo territrio da selva amaznica, suportando as penrias que representa esse cenrio, podendo

    atacar diretamente os centros de gravidade nacional com uma fora area praticamente invisvel e

    inalcanvel para a artilharia antiarea convencional, parece pouco plausvel.

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    Para adequar seu desempenho s misses constitucionais, tanto em tempos de paz quanto de

    guerra, o Exrcito dever seguir os preceitos estratgicos da flexibilidade e da elasticidade. Por

    flexibilidade, a Estratgia entende a falta de rigidez no emprego da fora e, recuperando a Lidell

    Hart, afirma que consiste na capacidade de deixar o inimigo em desequilbrio permanente,

    surpreendendo-o por meio da dialtica da desconcentrao e da concentrao de foras (END,

    p.15).

    A insistncia no SMO e seus alargamentos parece encaixar-se na ideia da estratgia da

    resistncia dissuasria e da elasticidade que se espera conferir fora. Com este conceito a END

    se refere capacidade de aumentar a dimenso das foras em casos de necessidade de uma

    mobilizao em grande escala de recursos humanos e materiais para defender o pas. Adisponibilidade desta capacidade exige a existncia de reservas provenientes do SMO, o qual

    tambm teria a funo de integrar as FA Nao o que permitiria dispor da logstica popular

    necessria para uma resistncia prolongada.37

    No obstante, a renovao da ideia do SMO, na contramo da formao dos exrcitos mais

    atualizados, parece contrastar com a proposta de Foras de Ao Rpida Estratgica que exige em

    sua composio recursos humanos altamente capacitados, treinados e armados para operar nos mais

    diversos terrenos e condies, alm de operar meios de comunicao e de armamentos de altssima

    tecnologia desde os menos sofisticados, tais como radar porttil e instrumental de viso noturna,

    at as formas mais avanadas de comunicao entre as operaes terrestres e o monitoramento

    espacial (END, p.16). A instruo e o treinamento especfico para este tipo de soldados distam

    muito do que se pode oferecer a um conscrito, em tempo, profundidade e especificidade. No

    entanto, o soldado recruta requer a ateno dos oficiais e sargentos durante pelo menos seis meses

    de treinamento para realizar funes meramente subsidirias em qualquer cenrio futuro de guerra.

    Ademais, o peso oramentrio do SMO consumiria recursos que poderiam promover a

    profissionalizao, a pesquisa em cincia e tecnologia para a defesa ou o investimento em meios.

    Sua implementao reduziria o tempo, recursos e ateno das FA necessrios para sua preparao

    operativa ao se dedicar formao de conscritos. Finalmente, a integrao entre a nao e suas FA

    pode ser alcanada por outros meios mais eficientes, do que pelo alistamento obrigatrio, como os

    polticos e culturais, que democratizem os temas da defesa e permitam aos cidados tomar

    conscincia de seus deveres para com ela,38uma mentalizao que no se confunde necessariamente

    com o prosaico pegar em armas. Depois de tudo, o engajamento de toda a Nao em sua prpria

    defesa (END, p.15) no pode significar simplesmente a nao em armas ainda que em

    determinados momentos possa exigi-lo.

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    Histria(So Paulo), vol.29, n.2, pp. 3-29, 2010. ISSN 1980-4369 24

    Lei complementar N 136 e Decreto 7274/10, de 25 de agosto de 2010

    A ltima realizao no caminho da consolidao do poder civil sobre o militar, como

    preparatrio para conceder queles a conduo poltica da Defesa, foram a promulgao da Lei 136

    e o decreto 7274. Embora tenha passado inadvertido para muitos, estes documentos so de grande

    importncia na estruturao da cadeia de comando das FA e o fortalecimento da democracia. Por

    um lado, a Lei 136 altera a Lei Complementar n 97, de 9 de junho de 1999, que dispe sobre as

    normas gerais para a organizao, o preparo e o emprego das Foras Armadas, cria o Estado-Maior

    Conjunto das Foras Armadas e regula as atribuies do Ministrio da Defesa. No seu Artigo 3-A

    afirma que,

    O Estado-Maior Conjunto das Foras Armadas, rgo de assessoramento permanente doMinistro de Estado da Defesa, tem como chefe um oficial-general do ltimo posto, daativa ou da reserva, indicado pelo Ministro de Estado da Defesa e nomeado peloPresidente da Repblica, e dispor de um comit, integrado pelos chefes de Estados-Maiores das 3 (trs) Foras, sob a coordenao do Chefe do Estado-Maior Conjunto dasForas Armadas.

    O Estado-Maior Conjunto, com essas caractersticas, cria mais um degrau na cadeia de

    comandos, o que diminui a fora dos comandantes de cada uma das foras e, concomitantemente,

    aumenta o poder do Ministrio da Defesa. Sobre a autoridade dos comandantes de cada uma das

    foras, se estipula a coordenao de um chefe do Estado-Maior Conjunto, indicado diretamente pelo

    ministro, o que refora esse degrau. Esse chefe, se estiver na ativa, passado para a reserva (1)mas com o mesmo grau de precedncia hierrquica que os comandantes das outras trs foras (2) e

    conservando todas as prerrogativas, direitos e obrigaes dos oficiais-gerais da ativa (3). Outra

    atribuio deste chefe do Estado-Maior Conjunto participar como membro nato do Conselho

    Militar de Defesa (Art. 2 .... 1).

    Finalmente, ao ministro reserva, alm da elaborao do oramento do Ministrio da Defesa e

    junto s Foras Armadas, do oramento correspondente s foras,

    formular a poltica e as diretrizes referentes aos produtos de defesa empregados nasatividades operacionais, inclusive armamentos, munies, meios de transporte e decomunicaes, fardamentos e materiais de uso individual e coletivo, admitido delegaes sForas (Art. 11-A).

    Se por um lado com esta lei o governo Lula disponibiliza um instrumento institucional para

    um melhor controle e comando poltico da Defesa, por outro, o Decreto 7274, do mesmo dia que a

    Lei, aponta ao preparo dos funcionrios pblicos, civis e militares, que tornaram eficiente aquela

    estrutura institucional, desde que, como disse no seu Artigo 1, Este Decreto dispe sobre a

    Poltica de Ensino de Defesa PensD. A proposta embutida neste decreto objetiva incrementar o

    estudo de temas relativos Defesa Nacional estimulando sociedade para se aprofundar nesta nova

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    rea epistmica, em particular no meio acadmico, capacitando recursos humanos, conforme as

    necessidades dessa rea (Art. 3). Pela sua importncia para os Estudos Estratgicos, de Historia

    Militar e da Guerra e os Estudos que abordam o tema de Relaes Civil-Militares, anotamos por

    extenso os objetivos especficos deste decreto:

    I - cooperao na rea do ensino de defesa com outros pases, em consonncia com apoltica externa brasileira, em especial na Amrica do Sul;II - difuso dos assuntos de interesse da defesa nacional no meio acadmico civil;III - promoo de estudos e estmulo ao desenvolvimento da capacidade de liderana, emcursos da rea de defesa nacional;IV - capacitao de recursos humanos da rea de inteligncia, com nfase na elaborao dedocumentos prospectivos e na anlise nos campos cientfico, nuclear, ciberntico eespacial;

    V - equivalncia de cursos nos sistemas de ensino civil e militar, no que for aplicvel,respeitadas as respectivas legislaes de ensino;VI - promoo, de forma sistemtica e permanente, da capacitao do pessoal civil emilitar da rea de defesa;VII - intercmbio entre instituies de ensino civis e militares;VIII - participao de representantes dos rgos da administrao pblica federal noscursos da Escola Superior de Guerra;IX - desenvolvimento da mentalidade e da doutrina de operaes conjuntas, por intermdiodo ensino;X - difuso de conhecimentos relativos s operaes de paz, em instituies de ensino;XI - difuso de conhecimentos relativos mobilizao nacional, em instituies de ensino;XII - interao entre cursos congneres das Foras Armadas e da Escola Superior deGuerra, com nfase nos cursos de altos estudos; eXIII - aprimoramento do perfil dos militares das Foras Armadas, por meio da valorizaodos princpios da iniciativa e da flexibilidade, nos cursos militares de carreira.39

    Com este decreto fecha-se o crculo que, dependendo da vontade e do clculo poltico, poder

    redundar numa consolidao do controle civil dos militares e na efetiva conduo poltica da

    Defesa, como se espera de um regime democrtico sem adjetivaes. O governo Lula est chegando

    ao seu fim e o xito do mesmo refletiu-se na escolha da sua sucessora, a ex-ministra Dilma

    Rousseff. A esta altura seria um exerccio de futurologia imaginar o destino das instituies

    brasileiras. De algumas entrevistas com oficiais-gerais ficamos com a impresso de que, embora

    no se possa falar de uma posio monoltica dentro dos quadros das Foras Armadas, h a

    sensao de certa predisposio por parte dos militares de aceitar a subordinao no apenas formal,

    mas tambm material, isto , obedecer na relao de mando e obedincia ao poder legitimamenteconstitudo o que, no caso da democracia, aquele que emerge da vontade popular expressada nas

    urnas.

    Consideraes finais

    Em quase todas as crises de subordinao militar nas relaes entre civis e militares, em que

    abriram-se oportunidades para que o poder poltico tivesse a possibilidade de se impor s FA para

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    diminuir sua autonomia ou restringir suas prerrogativas, foram estas ltimas que saram fortalecidas do

    embate. No obstante, neste perodo foi promulgado o segundo documento de PND, finalmente

    apresentada a END que vem de fato a fortalecer o MD. Todavia, esse fortalecimento depender da

    atitude civil na conduo poltica da Defesa, por tanto, da formao de acadmicos que pensem a Defesa

    em todas as suas dimenses e de funcionrios pblicos eficientes para a transmisso da vontade poltica

    sobre as questes da Defesa. A Lei 136 tem o claro propsito de fornecer as condies institucionais

    para solidificar esse fortalecimento. O contedo de este dispositivo institucional est dado pelo decreto

    7274/10, que se prope formar os quadros civis capacitados para se inserir naquela estrutura desenhada

    pela 136 e funcionar como cadeia de transmisso da vontade democrtica encarnada pelo Executivo

    nacional. A dificuldade de que todo esse andaime institucional e o projeto formativo funcionem que a

    sociedade brasileira pouco se importa com as questes da Defesa e na academia ainda reina o

    preconceito e a discriminao contra as reflexes a respeito. Ante esta alternativa, as FA permanecem

    ocupando os espaos vazios deixados pelos civis nos mbitos de deliberao e continuam recuperando

    fontes de deciso que os polticos sequer reclamam. Esta situao fragiliza a democracia atrofiando o

    exerccio normal de controle civil sobre os militares e de conduo poltica da Defesa. Fragilidade que

    nestes mbitos indica claramente a fragilidade democrtica.

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    NOTAS

    1www.defesa.gov.br2 No entanto, lendo o referido decreto, no constatamos a clareza de tais objetivos. O documento parece frisar aimportncia dos Ministrios de Estado de cada fora e no o contrrio. Confrontar:http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/Decreto-Lei/Del0200.htm3

    Como, por exemplo, Zaverucha, 2005, p.215.4www.defesa.gov.br5 Apesar de denotar o revigoramento do interesse civil pelo tema, a verdade que a Defesa no est totalmendesmilitarizada, do ponto de vista de quem a articula.6Ver: Organograma do Ministrio da Defesa: www.defesa.gov.br7De acordo com Fucille (2002, p.4), Dadas as peculiaridades e singularidades da profisso militar, ao lado do fortesprit de corpsque a instituio possui, muitas vezes o controle/supremacia civil tem sido dificultado em nome de umconhecimento tecnocrtico exclusivo que leva os militares a reclamarem autonomia frente a todo controle externo. Aquientra um problema fundamental. Mais do que apenas verificar se um dado pas possui ou no um Ministrio da Defesa,h que se estar atendo aos moldes deste, ou seja, que reas so por ele efetivamente controladas e com civis frente.8 De acordo com a Folha de S. Paulo, a divulgao de fotos que supostamente mostrariam o jornalista VladimirHerzog momentos antes de sua morte, nos estabelecimentos do DOI-Codi, provocou a crise entre o Palcio do Planaltoe o Ministrio da Defesa que levou ao pedido de demisso do ministro Jos Viegas. Antes de dadas como falsas asfotos, o Exrcito divulgou uma nota elogiando prticas adotadas durante o regime militar contra militantes de esquerda.Segundo o jornal, Lula ficou descontente com o teor da nota e criou-se a impresso de que Viegas no tinha autoridade

  • 7/23/2019 A Fragilidade Da Conducao Politica Da Defesa no Brasil

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    WINAND, rica e SAINT-PIERRE, Hctor Luis.A fragilidade da conduo poltica da defesa no Brasil.

    Histria(So Paulo), vol.29, n.2, pp. 3-29, 2010. ISSN 1980-4369 28

    sobre o Exrcito. Porm, ao invs do Comandante ser repreendido, foi o Ministro da Defesa quem renunciou aocargo, alegando sua responsabilidade pelo mau comportamento do Exrcito, por ser ele, o dirigente superior das ForasArmadas.Folha de S. Paulo Brasil 04/11/2004. Ver: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u65505.shtmlCaso semelhante ocorreu em outubro de 2000: o presidente Fernando Henrique Cardoso tentou demitir o Comandantedo Exrcito, General Gleuber Vieira, mas foi pressionado pelas Foras Armadas a recuar de sua deciso, conformerelatou a revistaIsto : Insatisfeito com as presses da caserna por mais verbas e um imediato aumento salarial, [...]Fernando Henrique resolveu demitir o comandante do Exrcito, general Gleuber Vieira. FHC no gostou de umaentrevista dada pelo general criticando a falta de verbas. Ele anunciou sua deciso em uma conversa com o ministro-chefe do Gabinete de Segurana Institucional, general Alberto Cardoso, e com o ministro da Defesa, Geraldo Quinto.A determinao repercutiu muito mal nos quartis e foi considerada inaceitvel por generais e coronis. Antecedida devisitas do comandante do Exrcito a quartis Pas afora, uma reunio em Braslia com todos os 155 generais, e semconvite a Quinto, foi o palco escolhido pelos militares para um desagravo a Gleuber Vieira e uma explcitamanifestao de descontentamento com o governo e seu tratamento dispensado Fora. A presso funcionou. Alertadopelo servio de informao do Palcio do Planalto, Fernando Henrique desistiu da demisso e escalou o generalCardoso para atuar como bombeiro junto ao generalato. Ele informou aos colegas de farda que Gleuber no mais seria

    demitido e acertou que os militares no fariam nenhuma manifestao pblica. Ver: Isto On line:http://www.terra.com.br/istoe/1620/brasil/1620mobilizacao.htm9Os parlamentares que tratam do assunto relativo Defesa Nacional participam da Comisso de Relaes Exteriores eDefesa Nacional (CREDN), mas seus cargos so rotativos, sendo que a cada 2 anos so trocados. Esta rotatividadeimpede a formao de uma cultura da defesa, de uma especializao dos parlamentares com os assuntos ai tratados que,por sua vez, so divididos com o interesse (esca