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Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 2. Estado, ideologias e meios de comunicação 54
GT 2. Estado, ideologias e meios de comunicação
A função política e ideológica do programa do voluntariado empresarial do Instituto Ethos no contexto da reestruturação produtiva
Luana M. de Andrade1
Resumo: Pretende-se discutir no contexto da reestruturação produtiva a Responsabilidade Social Empresarial por intermédio do Programa de Voluntariado Empresarial-PVE do Instituto Ethos. Este foi concebido como uma resposta do empresariado aos efeitos da reestruturação produtiva, sob o modelo toyotista, em que exige enquanto pré-requisito o envolvimento do trabalhador na empresa. O PVE, por uma via diferente, mas com a mesma finalidade, busca a participação ativa e engajada dos trabalhadores na política da empresa, configurando-se em novas estratégias de obtenção do consenso. A idéia principal consiste em abordar o voluntariado empresarial no contexto da reestruturação produtiva, uma vez que é neste marco histórico em que é engendrada uma nova atuação do empresariado ante as seqüelas das questões sociais difundindo, para isso, noções de parcerias, voluntariado, colaboração entre as classes e conclamando todos à atuação nos problemas sociais. Palavras-chave: Responsabilidade Social; Toyotismo; Voluntariado.
Introdução
Com o intuito de explicitar a função política e ideológica do Programa do
Voluntariado Empresarial no contexto da reestruturação produtiva, sob a lógica do
toyotismo, a análise inicialmente procurará apreender do fordismo-taylorismo
sucintamente, seu tipo próprio de subjetividade para, depois, apreender no assim chamado
toyotismo a produção de uma nova subjetividade da classe trabalhadora e de que maneira o
Programa do Voluntariado Empresarial – elaborado por um dos organismos mais
1 UNESP, Ciências Sociais. Contato: luanafiloarte@yahoo.com.br
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importantes da burguesia - Instituto Ethos – tem contribuído para a adesão da classe
trabalhadora à lógica do capital, reforçando, assim, os princípios do toyotismo.
Do taylorismo/fordista ao toyotismo e o Programa do Voluntariado Empresarial do
Instituto Ethos.
Como é sabido, o taylorismo pode ser considerado um processo de
racionalização na organização industrial com o propósito de controlar e determinar os
métodos de trabalho. Os referidos métodos se apóiam na ciência, por esta razão é
designado também de organização científica do trabalho. Segundo Simone Weil (1979), a
ciência em seus primórdios se ocupava com o estudo das leis da natureza. Em seguida
passou a ser usada na produção e por fim na força de trabalho. Em outras palavras, ainda
segundo Weil (1979), a primeira Revolução Industrial significou a apropriação científica
da matéria inerte, a segunda Revolução Industrial foi a apropriação cientifica da matéria
viva, isto é, dos homens. Portanto, o taylorismo/fordista é a utilização científica do
trabalho vivo.
O sistema taylorista, com o intuito de controlar o tempo de trabalho, estabeleceu
uma especialização de todas as atividades e funções, ou seja, subdividindo “ao extremo
diferentes atividades em tarefas tão simples quanto esboços de gestos, passando então
medir a duração de cada movimento com um cronômetro, resultando na determinação do
tempo "real" gasto para se realizar cada operação” (PINTO, 2007, p. 22)
A organização do trabalho industrial ficou marcada, assim, pela especialização de
uma única atividade simples e pela separação entre concepção e execução em virtude da
apropriação do saber-fazer do operário.
Concomitantemente ao sistema taylorista, desenvolveu-se o fordismo, que se
destaca pela criação da produção e consumo em massa de produto padronizado. A
produção em massa, com a introdução da linha de montagem em série, foi possível em
virtude da divisão técnica e minuciosa das funções e atividades entre vários agentes,
conforme fora desenvolvido pelo taylorismo (PINTO, 2007). O fordismo buscou atender a
um potencial consumo de massa. Para tanto, tornou-se necessário regular o trabalho de
cada um, como também, entre os diferentes trabalhos através da linha de esteira rolante.
Com a linha, fixa uma cadência regular de trabalho, desenvolvendo no trabalhador posturas
maquinais mínimas e automáticas, eliminando o antigo senso psicofísico do trabalho
profissional qualificado, que demandava uma participação ativa da inteligência, da
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fantasia, da iniciativa do trabalhador, e reduzir as operações produtivas ao aspecto físico
maquinal” (GRAMSCI, p.2008).
Assim, a emergente organização2 do espaço fabril exigiu uma nova sociabilidade,
isto é, um novo tipo de homem com o modo de agir, sentir e estar adequado às novas
necessidades da indústria fordizada. Segundo Gramsci, "a vida na indústria demanda um
tirocínio generalizado, um processo de adaptação psicofísico a determinadas condições de
trabalho, de nutrição, de habitação, de hábitos, que não é inato, mas que deve ser
adquirido” (2008, p. 47).
Por esta razão, de acordo com o referido autor, Henri Ford se interessou pela vida
de seus trabalhadores fora da fábrica controlando-a em diversos âmbitos, desde a
sexualidade, de maneira a torná-la também racionalizada, até a proibição do uso de bebidas
alcoólicas, que ficou conhecido proibicionismo.3
Para obter este novo trabalhador e homem, em conformidade com as exigências do
mundo do trabalho, tal como ocorreu, posteriormente, na década de 70 do século XX, só
que sem os altos salários e benefícios sociais, foi segundo Gramsci (2008) necessário
derrotar as lutas dos trabalhadores e de suas organizações, combinando habilmente a força
- destruição dos sindicatos mais combativos e com a persuação- altos salários, benefícios
sociais e propaganda ideológica.
O sistema taylorista/fordista desenvolveu-se durante o século XX a partir do
período pós-guerra. Todavia, este sistema se manteve intacto até 1973. Na década de 1970
o referido sistema econômico entrou em crise devido à crise de superprodução do
capitalismo, fato que desencadeou uma longa e profunda recessão, agravada pelo advento
da crise energética, provocando a retração do mercado em nível global e forçando as
economias a se adaptarem a um novo padrão de concorrência (PIRES, 2006). Em virtude
da crise estrutural caracterizada pelo débil crescimento da demanda, as empresas adotaram
estratégias para um mercado cada vez mais restrito e sujeito a grandes flutuações,
terminando assim, o longo crescimento econômico entre 1945 e 1973 denominado por Eric
Hobsbawm (1995) de era de ouro do capitalismo.
A reestruturação produtiva surge enquanto resposta à crise do capitalismo por meio
do modelo toyotista, visto que este novo método de produção atende à dinâmica do
2 Este modelo de organização foi uma forma de preservar o mecanismo de acumulação do capital,
ou seja, uma estratégia para obstacularizar a queda da taxa de lucro. (GRAMSCI, 2008). 3 Referência à proibição do consumo de bebidas alcoólicas nos EUA (1919-1933).
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capitalismo, das novas condições de concorrência e de valorização do capital surgidas a
partir da crise dos anos 1970 (ALVES, 2000).
De acordo com um dos principais ideólogos do toyotismo, Benjamin Coriat (1993),
o Japão passou por um processo de inovação nas áreas relacionadas à organização do
trabalho e à gestão da produção adaptadas às condições contemporâneas de competição
entre empresas em que a diferenciação e a qualidade assumem importância vital.
A via japonesa configurou-se pela desespecialização dos trabalhadores qualificados
por meio da polivalência e da plurifuncionalidade dos homens e máquinas. O processo de
racionalização, sob o toyotismo, seguiu uma lógica diferente da fordista/taylorista ao
buscar o envolvimento integral dos trabalhadores enquanto exigência deste modelo, que se
estabeleceu nas décadas de 1980 e 1990 (CORIAT, 1993).
A finalidade da nova organização do trabalho é, para obter ganhos de
produtividade, o que fazer para aumentar a produtividade quando as quantidades não
aumentam. Ou, nos termos de Alves (2000), sob uma perspectiva crítica, quando o capital
está em crise de superprodução. Deste modo, instaurou-se a substituição da produção em
série e escala por um modelo mais enxuto em que a racionalidade do trabalho se apóia
sobre a flexibilidade e variedade (CORIAT, 1993).
Nesse sentido, o toyotismo está baseado numa forma de organização da produção
com vistas a atender imediatamente às variações da demanda, provocando a flexibilidade
da organização da produção. Esta é alavancada pela demanda e, enquanto o crescimento,
pelo fluxo, em outras palavras, a empresa produz aquilo que pode ser vendido, por um
lado, e, por outro, o consumo condiciona a organização da produção. Este regime de
produção foi chamado de just-in-time ou no tempo certo, que significa produzir apenas o
necessário, na quantidade necessária e no momento necessário evitando a formação de
estoques (GOUNET, 1999).
Esta forma de produção tornou-se possível por outro mecanismo designado kanban,
que consiste em passar informações de um posto posterior ao anterior de maneira que este
último produza a quantidade de peças necessárias para os postos subseqüentes, como
também, caixas passam a circular em um fluxo produtivo de sentido normal- posto anterior
ao posterior- contento as peças solicitadas por cada um dos postos envolvidos na produção
de uma dada mercadoria (GOUNET, 1999).
A linha de produção neste modelo é substituída pelo trabalho em equipe. Há uma
mudança no espaço da fábrica pela celularização. Os postos de trabalho passam a ser
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organizados em grandes conjuntos abertos para que possa ficar concentrado numa etapa
definida de todo o processo produtivo. A relação um homem/uma máquina é rompida
estabelecendo um trabalhador para mais de uma máquina, caso esteja ocupado com outras
máquinas, de tal modo que não possa operar em outra, o operário pode chamar seu colega
de trabalho para ajudá-lo, por isso trabalho em equipe e não mais individualizado como
fora o sistema taylorista. Em virtude disso, o trabalhador torna-se polivalente porque deve
operar várias máquinas diferentes ao mesmo tempo e também é encarregado de outras
funções que antes, no taylorismo, estava restrito ao departamento no espaço da fábrica tais
como programação de máquinas, planejamento e a coordenação da produção, manutenção
do aparato produtivo e controle de qualidade dos produtos. (PINTO, 2007).
As conseqüências para os trabalhadores foram a intensificação dos ritmos de
trabalho e de seu controle. Além disso, em cada célula, em que são organizadas por
equipes de trabalhadores, é estabelecido pela gerência metas. Como se trata de um trabalho
em equipe, os trabalhadores são responsáveis pelo cumprimento de tais metas e o controle
da produtividade, deste modo, passam a se auto-controlar, descartando, a figura do
cronometrista. Outro fato que agrava ainda a auto-exploração é a avaliação patronal que
não é pautada em critérios individuais, mas sim coletivos. Caso algum membro da equipe
manifeste desinteresse, fadiga, ou simplesmente se revolte, pode gerar desconforto ou
ameaça aos demais membros do grupo devido ao medo da perda do emprego, o que os leva
a coagir o trabalhador que não corresponda aos interesses da equipe, ou melhor, da
empresa. Gerando uma supervisão intensa, mas feita pelos próprios operários (PINTO,
2007).
A reorganização da produção engendrada a partir dos protocolos organizacionais e
institucionais do toyotismo, segundo Alves (1999), estão voltados para a produção de uma
nova subjetividade da classe operária. Os novos métodos de trabalho como just-in-time,
kanban, CCQ’s dentre outros surgem como uma via original de racionalização do trabalho.
O taylorismo/fordista articula-se com o toyotismo segundo a lógica da continuidade
e descontinuidade, pois tanto um quanto o outro visam obter o controle subjetivo da classe
operária. Embora as duas vias de racionalização possuam a mesma lógica, com o
toyotismo inaugura-se uma nova forma de controle subjetivo, ou, uma nova subsunção real
do trabalho ao capital revelando a descontinuidade, visto que exige um novo envolvimento
do trabalho na produção capitalista, isto é, proporciona um envolvimento mais incisivo nas
empresas por meio da ideologia da participação, que se traduze nos protocolos
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organizacionais do toyotismo (ALVES, 1999). Dito de outro modo, as estratégias do
capital consistem na busca pela participação ativa da inteligência, da iniciativa e da
fantasia dos trabalhadores, diferentemente do observado no taylorismo.
O toyotismo tende a incentivar a participação crescente dos trabalhadores
nos projetos dos produtos e processos de produção, pelo incentivo às suas
sugestões para o aperfeiçoamento dos mesmos. O que não deixa de ser
um novo patamar de apropriação gratuita das forças naturais do trabalho
social, sem nenhum custo para o capital (ALVES, 1999, P.)
Assim, segundo o mesmo autor, o elemento principal do toyotismo é a manipulação
do consentimento operário, que significa a captura integral da sua subjetividade.
Tendo em vista as continuidades e descontinuidades anteriormente mencionadas, a
via taylorismo/fordista, segundo Alves (1999), se constituiu em uma racionalização
inconclusa por não ter conseguido incorporar a dimensão psicológica do operário possível
pelos mecanismos de envolvimento do toyotismo.
O envolvimento se dá pela responsabilidade da manutenção dos equipamentos, pela
limpeza no local de trabalho, o controle da qualidade do trabalho e por meio de reuniões
constantes para propor à administração da empresa mudanças que possam elevar a sua
própria produtividade (PINTO, 2007). Desse modo, no toyotismo produz uma nova
subjetividade da classe trabalhadora, integrando suas iniciativas afetivo-intelectuais nos
objetivos da produção de mercadorias.
É neste contexto de reestruturação produtiva que a política do voluntariado se torna
funcional. Primeiro, porque reforça os princípios do toyotismo, ou seja, do envolvimento
engajado dos trabalhadores e, segundo, porque está em consonância ao projeto neoliberal
no que se refere aos ataques dos direitos sociais e trabalhistas na medida em que busca
tornar a força de trabalho flexível. Nestes termos, modelo toyotista viabiliza a
implementação do Programa do Voluntário Empresarial devido à sua própria lógica de
incentivo à participação ativa dos trabalhadores ou colaboradores (designação usada pelo
Instituto Ethos) na política da empresa. O programa de Voluntario Empresarial é parte
integrante da Responsabilidade Social Empresarial sendo difundido pelo Instituto Ethos.
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social dissemina entre as
empresas a assim chamada Responsabilidade Social Empresarial para ser incorporada em
suas práticas de gestão. A atuação das empresas sob a égide da responsabilidade social se
realiza a partir da própria empresa até atingir as assim chamadas comunidades. Com isso,
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amplia seu escopo de atuação, passando pelos fornecedores, acionistas, consumidores,
governo, funcionários até a comunidade
Este organismo empresarial surge no final da década de 1990 inaugurando uma
nova atuação política da burguesia. A novidade refere-se ao modo pelo qual irá articular a
unicidade entre os empresários, particularmente, no enfrentamento da “questão social”.
Subjacente a essa nova postura está a idéia de que todos, independente do lugar ocupado
nas relações de produção capitalista, podem unir esforços para a construção, nos termos do
Ethos, de um mundo mais justo e solidário.
Desse modo, a Responsabilidade Empresarial Social tem um papel fundamental
para a obtenção do consenso ativo e/ou passivo dos trabalhadores, na medida em que, ao
difundir noções de parceria, ajuda, ajuda - mútua, solidariedade, colaboração, harmonia
social, bem comum e voluntariado pretende estabelecer a ideologia do fim dos
antagonismos e dos interesses de classe.
Com a finalidade de desenvolver suas ações sociais dentro e fora das empresas, o
referido Instituto tem como uma das frentes de atuação o trabalho voluntário, que se
materializou com a criação do manual designado de Como as empresas podem
implementar Programas de Voluntariado. Nele encontram-se formas de implantação do
programa, experiências bem-sucedidas, projetos, maneiras de incentivar os funcionários a
participar e permanecer no programa.
O manual surge através de uma parceria entre o então Programa Voluntários do
Conselho da Comunidade Solidária e o Ethos, no momento em que foi estabelecido o ano
Internacional do Voluntariado capitaneado pela ONU, em 2001, cuja finalidade é a
implementação do Programa Voluntário Empresarial para fortalecer e mobilizar a
sociedade civil e fomentar a cultura voluntariado no Brasil.
O Programa Voluntariado Empresarial (PVE) é um conjunto de ações realizadas
pelas empresas para incentivar e apoiar o envolvimento dos seus funcionários em
atividades voluntárias na comunidade. Os agentes, além dos trabalhadores da própria
empresa, podem ser também os familiares dos funcionários, ou ex-funcionário e
aposentados. O programa de voluntariado se constitui pelo tripé empresa, funcionários e
comunidade.
O Instituto discorrendo sobre as vantagens ou benefícios da prática do voluntariado
considera a empresa onde os funcionários passam a maior parte do tempo juntos o lugar
propicio a aprendizagem, dessa maneira, o programa do voluntariado se constitui enquanto
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instrumento adequado para envolver e educar os funcionários na política da empresa.
Constituindo-se também como importante mecanismo político para demonstrar o
compromisso das empresas frente à comunidade onde desenvolvem algum tipo de projeto
ou programa social.
A missão no sentido mais amplo do Instituto é propagar a nova postura das
empresas, a chamada consciência empresarial cidadã, frente aos problemas sociais, que
inclui os próprios trabalhadores, já que segundo o discurso empresarial, um programa de
voluntariado que busque êxito deve começar dentro da empresa observando se há alguma
injustiça, autoritarismo e distanciamento dos superiores ou, numa linguagem menos
asséptica, dos patrões em relação aos trabalhadores.
De acordo com a ideologia da responsabilidade social empresarial, a atuação
empresarial deve ser para além da caridade, do amor ao próximo e da solidariedade, deve
atuar na perspectiva da cidadania e da participação social transformadora, portanto, não
mais pela via assistencialista, pautadas em ações episódicas e fragmentadas, que até então
se constituía como prática entre os empresários. Enfim, segundo o Instituto, as empresas
estão "vivenciando o despertar para seu papel social". (ETHOS, 2001).
O propósito da empresa com isso é formar indivíduos a partir da Educação
Corporativa que significa a aprendizagem do trabalho em grupo para que o trabalhador-
voluntário atue em alguma ação social de maneira que possa trazer para o cotidiano da
empresa aquilo que foi aprendido, adequando os trabalhadores às necessidades da empresa.
No manual há exemplos de empresas bem-sucedidas no que se refere à execução do
programa do voluntariado. Uma delas que ganhou destaque é a C&A Modas. Num estudo
realizado pela empresa para averiguar qual foi o impacto que o Programa do Voluntário
teve para o conjunto dos trabalhadores, constatou-se que aqueles que participaram da
iniciativa tiveram suas competências ampliadas, obtiveram mais integração e passaram a
ter mais satisfação pessoal no trabalho. Segundo o estudo, os trabalhadores envolvidos na
ação voluntária adquiriram um comportamento positivo como alegria, tolerância,
compreensão, como também, criaram uma identidade com a empresa.
Percebe-se, então, que a partir dos princípios que norteiam o PV e das empresas que
passam a adotar tal iniciativa, a busca pelo envolvimento ativo dos trabalhadores. Os
trabalhadores envolvidos no PVE passam a incorporar os valores e as missões da empresa
criando um ambiente em que todos- eles e os empresários- estão engajados na luta pela
transformação social, mascarando assim, os interesses antagônicos de classe.
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Além deste fato, leva as assim chamadas comunidades onde atuam a visão de
mundo do empresariado, visto que estão em nome da empresa nas comunidades. Nessa
direção, segundo o manual “a proximidade entre empresa e a comunidade onde seu
programa de voluntariado empresarial ganha a prática permite o estreitamento de laços, a
construção de uma aliança benéfica entre as partes”. (ETHOS, 2001, p.63)
De acordo com Martins e Tomaz (S/A, p.9) "além de se tornarem reféns dos
projetos sociais privados, as comunidades recebem também uma carga de informações e
referências que tendem a instruir os novos parâmetros de sociabilidade”. Em decorrência
disso, segundo os mesmos autores, o PVE tende a contribuir para amenizar as tensões
sociais em diversos níveis com o intuito de colocar “empresários e empresas como
lideranças envolvidas com o ‘bem comum”.
Assim, as empresas ao atuarem nas seqüelas da “questão social”, intensificam a
condição de subalternidade dos trabalhadores ou daqueles que são o público-alvo. Isto é,
fragmenta ainda mais as classes subalternas, já que são pela sua própria condição social
necessariamente, como afirma Gramsci, “desagregadas e episódicas”.
Em termos mais claros, significa que as políticas sociais ou a ação social realizadas
pelas empresas tem como efeito a desarticulação das classes subalternas, à medida que as
impedem, por diversos mecanismos envolvidos de cunho político e ideológico na execução
dessas políticas sociais, a elevação de sua consciência de classe, ou nos termos
gramscianos, ao momento Ético-Político, limitando-as, quando muito, ao nível de
consciência econômico-corporativa.
Como assinalou Simionatto (2003), a fragmentação destrói as possibilidades do
estabelecimento de uma vontade coletiva, assim, a nova hegemonia reduz, fragmenta tanto
no nível econômico quanto no nível político-cultural ao obstaculizar severamente o
questionamento das relações sociais vigentes. Portanto, as novas estratégias de dominação,
materializadas na ideologia da responsabilidade social, buscam difundir a concepção de
mundo burguês como universal, na medida em que as empresas passam a ser vistas como a
principal referência na resolução dos problemas sociais. Não é à toa que são agora
adjetivadas como cidadãs, já que estão, segundo o lema do Ethos, preocupadas em atuar
sob a perspectiva da cidadania e da participação social transformadora.
Uma interessante análise que os citados autores acima fazem a respeito do
fenômeno do voluntariado empresarial é que a empresa "se converte em um aparelho de
formação de intelectuais de novo tipo, sem perder sua característica básica - geração de
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lucros, ampliando sua função, projetando para fora a hegemonia que nasce em seu
interior". (S/A, p. 9). Assim, ainda segundo os mesmos autores, os trabalhadores tornam-se
intelectuais da burguesia ao difundir a concepção de mundo dela para além dos “muros”
das empresas.
A principal finalidade, tal como no toyotismo, é o envolvimento ideológico
dos trabalhadores de tal modo que interiorizem os objetivos da empresa como se fossem
seus. Assim, por uma via diferente, exige o engajamento dos trabalhadores na política da
empresa por meio do programa do voluntariado intensificando a sua adesão à lógica do
capital.
Os trabalhadores são engajados também a defender a participação solidária nos
problemas sociais. O PVE, que é parte integrante do RSE, difunde o ideário neoliberal de
que o Estado é ineficiente e ineficaz quanto à atuação nos problemas sociais, reforçando
assim a atuação da iniciativa privada nas seqüelas da questão social. Participação solidária
aqui se referindo ao estudo de Almeida (2006), que concluiu, tal como Montaño (2006),
que existe um novo enquadramento da questão social. Em outros termos, segundo
Montaño, trata-se de novas formas, sob a égide do neoliberalismo, de lidar com a questão
social, ou seja, um novo padrão de respostas aos problemas sociais, antes de
responsabilidade exclusiva do Estado, agora sob a responsabilidade de organizações
sociais a partir de valores de solidariedade local, auto-ajuda, ajuda – mútua e
responsabilidade social.
Outro aspecto não menos importante reforçado pelo Programa do Voluntariado
refere-se ao trabalho em equipe. Assim, tal como no modelo toyotista, no sentido do
controle dos trabalhadores através do seu envolvimento político e ideológico na empresa,
os objetivos esperados do comportamento do trabalhador por meio do programa é
justamente o envolvimento com os demais colegas de trabalho de maneira participativa de
tal modo que melhore seu desempenho na função ocupada na empresa. O espírito de
trabalho deve ser destituído de qualquer contradição e antagonismo de classe, o espírito é a
colaboração, ou na máxima toyotista de “a empresa é a nossa família". Deste modo, o que
se espera do trabalhador é "o prazer gerado com a participação e o sentimento de pertencer
a um grupo possibilita que os voluntários criem laços fortes de identidade organizacional e
tendam a ser cooperativos nas situações cotidianas ou em situação de crise". (ETHOS,
2001).
Nesta perspectiva a idéia é selecionar os candidatos ao emprego que relevem
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iniciativa, pró-atividade e resistência à frustração. Dessa maneira, os Recursos Humanos,
atualmente denominados de Gestão de Pessoas, buscam obter o conhecimento e
inteligência humana acoplada ao trabalho e a qualidade nas relações humanas, posto que
ocorrem mudanças no mundo de trabalho, movidos pelas humanização das relações.
(ETHOS, 2001). Cria-se, assim, sob o toyotismo, uma subjetividade voltada para a
colaboração e o trabalhador não é reconhecido apenas segundo suas capacidades físicas,
como também, pela sua inteligência, habilidade organizacional e criatividade, procurando,
deste modo, “envolver mais e intensamente a subjetividade operária” (Antunes e Alves,
2004). Em virtude da reestruturação produtiva, segundo Graciolli, surge o trabalhador
voluntário.
O programa do voluntariado empresarial difundido pelo Instituto Ethos visa
adaptar os trabalhadores às novas mudanças na organização do trabalho, marcadas pela
insegurança e instabilidade provocadas pelo desemprego estrutural, por isso seria
insuficiente entender as transformações apenas na órbita da reorganização do trabalho,
visto que não deve ser ignorada a produção de uma nova subjetividade. Considerando isso,
Gramsci (2008) afirmou que os novos métodos de trabalho são indissolúveis de um
determinado modo de viver, de pensar e de sentir a vida.
Exatamente por esta razão que Gramsci (2008) aponta para o surgimento dos
aparelhos privados de hegemonia tais como Rotary Club, Lyons Club, Associação Cristã
de Moços, Maçonaria, dentre outros, com o fito de adaptar a força de trabalho em
consonância com a moderna indústria que emergia.
Ou seja, a dominação burguesa não ocorre apenas nas relações de produção, mas
em diversos níveis “desde a produção do mais-valor até o Estado, passando pela cultura,
pelas formas de estar no e de sentir o mundo e pelas modalidades de participação política”.
(FONTES, 2010, p.218).
Nesse sentido, Gramsci conclui (2008), não é possível obter sucesso num campo
sem obter resultados tangíveis no outro. Dito de outro modo, deve-se levar em
consideração as mudanças no mundo do trabalho sob diversos prismas, não apenas no
plano objetivo, mas também no plano subjetivo, ou se quiser ainda, na unidade dialética
entre estrutura e superestrutura. Assim, novas práticas e políticas sociais surgem como o
voluntariado enquanto expressão das relações sociais capitalistas sob o paradigma toyotista
que se originam nas fábricas e se espraiam em toda a sociedade por meio dos organismos
privados de hegemonia da burguesia bem como da atuação do Estado (stricto sensu).
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Conclusão
Buscamos neste breve artigo estabelecer os nexos entre o Programa do
Voluntariado Empresarial e o toyotismo para apreender as novas formas de obtenção do
consenso ou de dominação da classe trabalhadora. Desta maneira, tentou expor a função
política e ideológica do Programa do Voluntariado Empresarial para a conformação de um
novo tipo de homem e trabalhador em função das determinações econômicas e sociais
engendradas no final do século XX e início do XXI. Com isso, tentamos demonstrar que a
formação do trabalhador – toyotista não está relacionada estritamente à esfera produtiva,
relacionando-se as outras dimensões como a ideológica.
O programa, além disso, tornou-se possível também em função da Reforma do Estado,
que teve como desdobramento uma nova relação entre governo e as organizações sociais,
isto é, por meio da Reforma foram engendradas um conjunto de medidas catalisadas pelo
Programa Comunidade Solidária, entre elas a lei do voluntariado, que produziu
significativas mudanças não apenas no modo pelo qual a “questão social” foi tratada ao
estabelecer parcerias ou transferir parte da execução das políticas sociais às organizações
tidas como públicas não-estatais ou da iniciativa privada, mas com fins públicos, como
também produziu a ideologia da solidariedade em que todos deveriam lutar, sob figura do
voluntariado, para um mundo mais justa e solidário. Com isso, no caso do voluntariado
empresarial os trabalhadores são inseridos nesses programas como executores e
divulgadores da empresa e são atribuído a eles funções antes exclusivas do Estado.
Para finalizar, este artigo possui um limite importante a ser ressaltado. Como não se
trata de uma pesquisa de campo não foi possível fazer uma análise a respeito do
envolvimento dos trabalhadores nos programas. Desse modo, torna-se importante a
observância no sentido de verificar se há resistências ou não. Se elas existem, como se
dão? Além de outros aspectos para se apreender o fenômeno do voluntariado empresarial e
as conseqüências para os trabalhadores.
Referências bibliográficas
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