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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
REGINALDO MAKOWIECKY A (IM) POSSIBILIDADE DO CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA
NO INQUÉRITO POLICIAL
São José
2009
REGINALDO MAKOWIECKY
A (IM) POSSIBILIDADE DO CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA
NO INQUÉRITO POLICIAL
Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito. Orientador: Prof. MSc. Juliano Keller Do Vale
São José 2009
REGINALDO MAKOWIECKY
A (IM) POSSIBILIDADE DO CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração:
Direito Processual Penal
São José, 29 de Outubro de 2009.
Prof. MSc. Juliano Keller Do Vale UNIVALI – Campus de São José
Orientador
Prof. MSc. Luiz Cesar Silva Ferreira UNIVALI – Campus de São José
Membro
Prof. ESp. Ricardo Brandt Nascheweng UNIVALI – Campus de São José
Membro
Dedico este trabalho a Deus pelo dom da vida;
A meus pais Pedro e Jacy, pelos bons exemplos;
A minha esposa Rosângela e minhas filhas Fernanda e Roberta pelo apoio e
paciência nas horas difíceis.
AGRADECIMENTOS
Aos meus professores, pelos conhecimentos que me transmitiram;
A todos os colegas de turma pelo companheirismo e colaboração durante
esta longa jornada;
A todos aqueles que, de uma maneira direta ou indireta, contribuíram para a
realização deste trabalho.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José, 29 de Outubro de 2009.
Reginaldo Makowiecky
RESUMO
Este estudo analisa a necessidade do contraditório e da ampla defesa no Inquérito
Policial. A hipótese defendida por este estudo é a de que sem o contraditório e a
ampla defesa o Inquérito Policial não pode ser efetivo, pois é indispensável a criação
de oportunidades iguais tanto para o autor como para o réu de se manifestarem e
apresentarem a sua defesa; caso contrário, o processo será anulado. Desta forma, o
estudo delimita-se a investigar as particularidades do inquérito policial. O estudo é
relevante por investigar o contraditório e a ampla defesa no inquérito policial e a
garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos, considerada a utilidade do
inquérito policial como mecanismo de pesquisa da infração penal e da sua autoria.
No desenvolvimento deste trabalho, é feito um relato histórico do processo penal
brasileiro e do inquérito policial, abordando os sistemas processuais acusatório,
inquisitório e misto. Em seguida, é abordada a origem, o conceito, a finalidade, as
características e as formas de instauração do inquérito policial. São estudados ainda
a discricionariedade das investigações policiais, o prazo para a conclusão do
inquérito policial, o arquivamento e desarquivamento do inquérito policial. Por fim,
argumenta-se sobre a admissão do contraditório na investigação criminal e a
utilização da ampla defesa. São estudados os direitos do indivíduo relacionados à
sua auto-defesa, tais como: o direito ao silencia, o direito de não declarar a verdade,
o direito de não participar de reconhecimento, acareação e reprodução simulada,
dentre outros.
Palavras-chave: inquérito policial, contraditório, ampla defesa.
ABSTRACT
This study analyzes the need of contradictory and broad defense in the Police
Inquiry. It defends the hypothesis that without the contradictory and broad defense
the Police Inquiry cannot be cash, therefore is indispensable the creation of these
equal opportunities for the author and for the culprit to manifest and present his/her
defense; otherwise, the trial can be annulled. The study investigates the
particularities of the police inquiry, specially the contradictory and the broad defense
in the police inquiry and the guarantee of the individuals fundamental rights. The
Police Inquiry is considered a mechanism to research the penal infraction and its
authorship. This paper analyses the history of Brazilian penal trial and the police
inquiry, approaching the procedural systems of accusation, investigation and mixed
systems. This paper also approaches origin, concept, purpose, characteristics and
forms of establishment of the police inquiry. It studies as well the term for the
conclusion and the filing of the police inquiry. Finally, it questions the admission of
the contradictory and the utilization of the broad defense in the criminal inquiry. The
rights of the individuals related to their auto-defense is also studies, and aspects as:
the right upon silencing, the right of do not declare the truth, the right of do not
participate of recognition, confrontation and reproduction simulated, among others.
Palavras-chave: police inquiry; contradictory; broad defense..
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10
1 HISTORICO DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO E DO INQUERITO
POLICIAL ..........................................................................................................15
1.1 O PROCESSO NO BRASIL (ASPECTO HISTÓRICO) .......................................15
1.2 O INQUÉRITO POLICIAL ....................................................................................20
1.3 SISTEMAS PROCESSUAIS ...............................................................................23
1.3.1 Sistema processual acusatório .....................................................................23
1.3.2 Sistema processual inquisitório ...................................................................26
1.3.3 Sistema processual misto .............................................................................28
2 ELEMENTOS DESTACADOS DO INQUÉRITO POLICIAL EM FACE DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ...........................................................................31
2.1 ORIGEM ............................................................................................................31
2.2 CONCEITO .......................................................................................................32
2.3 FINALIDADE .....................................................................................................35
2.4 CARACTERÍSTICAS .........................................................................................36
2.4.1 Escrito ............................................................................................................38
2.4.2 Inquisitivo ......................................................................................................39
2.4.3 Sigiloso ..........................................................................................................39
2.4.4 Oficialidade ...................................................................................................39
2.4.5 Oficiosidade ..................................................................................................40
2.4.6 Incomunicabilidade ......................................................................................40
2.4.7 Informativo ....................................................................................................41
2.4.8 Dispensabilidade ..........................................................................................42
2.5 FORMAS DE INSTAURAÇÃO ..........................................................................42
3 A (IM) POSSIBILIDADE DO CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA NO
INQUÉRITO POLICIAL .....................................................................................47
3.1 A ADMISSÃO DO CONTRADITÓRIO NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ..........47
3.2 A (IM) POSSIBILIDADE DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL . 49
3.3 A UTILIZAÇÃO DA AMPLA DEFESA................................................................52
3.4 O DIREITO À AUTO-DEFESA ..........................................................................55
3.4.1 O direito ao silêncio .....................................................................................55
3.4.2 O direito de não declarar a verdade ...........................................................57
3.4.3 O direito de não participar de reconhecimento, acareação e reprodução simulada ........................................................................................................58
CONCLUSÃO ...........................................................................................................60
REFERÊNCIAS .........................................................................................................62
10
INTRODUÇÃO
O Estado, através dos seus agentes públicos, tem por finalidade manter a
ordem pública bem como a segurança dos indivíduos na sociedade. Dessa forma,
deve evitar que existam conflitos ou qualquer meio prejudicial à coletividade,
aplicando uma sanção penal, como forma de reprovação da conduta do criminoso.
O Inquérito Policial é “o conjunto de diligências realizadas pela Polícia
Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular
da ação penal possa ingressar em juízo”1.
Para que seja instaurada a atividade de persecução penal do Estado, é
necessário que tenha ocorrido um crime, mas não é exigido que este crime se
apresente na integridade de seus elementos, bastando apenas que a conduta se
enquadre em um tipo penal, para que assim se torne relevante a atividade de
persecução estatal. É suficiente a existência da notícia do crime, ou seja, de
acontecimentos penalmente relevantes, para o início da atividade investigatória
através da Polícia Judiciária.
O Inquérito Policial desempenha um papel muito importante para o conjunto
de provas, nele se fixando as provas materiais do fato, e mesmo que possua certas
provas com valor relativo, é considerado de grande valor para a propositura da ação
penal2.
O inquérito policial, embora sendo apenas um informativo, é muito importante
para embasar a ação penal, pois existem determinadas provas que são realizadas
durante esse período que se tornam de caráter definitivo, como acontece com as
perícias, e provas documentais que podem servir de base para a aplicação da pena.
“O inquérito contribui para a instrução, bem como na execução da pena e sua
aplicação, tornando-se assim um verdadeiro processo informativo”3.
Não obstante informar o processo, o Inquérito contém peças de valor
1 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 198. 2 GARCIA, Gislaine Garófallo. Eficácia do Inquérito Policial. Monografia de conclusão do curso de Direito. Adamantina: FAI (Faculdades Adamantinenses Integradas), 2005. 3 GARCIA, Gislaine Garófallo. Eficácia do Inquérito Policial. Monografia de conclusão do curso de Direito. Adamantina: FAI (Faculdades Adamantinenses Integradas), 2005, s/ p.
11
probatório, quando regularmente realizadas, tais como o auto de prisão em
flagrante, os exames de corpo de delito, etc. Os atos produzidos no Inquérito
concorrem para o conjunto probatório sobre o qual se firmará a livre convicção do
Juiz. Neste sentido, independente da natureza inquisitorial da investigação da
Polícia, deve-se conceber os atos do Inquérito como integrantes do complexo
probatório que informará o Magistrado, desde que, evidentemente, a instrução
judicial não seja adversa aos elementos que ele contém4.
Cabe analisar, nesta breve introdução, o princípio do contraditório e a ampla
defesa, pois o estudo objetiva analisar a sua necessidade para o Inquérito Policial.
Contraditório é algo que envolve contradição, incoerência. Ele cria a possibilidade de
informação de ato realizado e defesa sobre o mesmo.
O princípio do contraditório, previsto no art. 153, parágrafo 16 da Constituição
Federal de 1988, é exigível no inquérito policial, pois a instrução criminal é de
natureza inquisitiva e pelo fato de ser mero procedimento administrativo, destinado
a, eventualmente, proporcional elementos para a ação penal.
O princípio do contraditório é exclusivo da persecução penal em juízo, tendo
em vista ser a liberdade um direito indisponível e há o impedimento legal de que
qualquer pessoa seja condenada sem defesa.
O contraditório possui dois elementos: a informação e a reação. Como, por
exemplo, a necessidade de comunicação de todos os atos processuais às partes,
através da citação (comunicação feita ao réu de que contra ele está sendo
instaurado um processo e que existe um prazo para o mesmo efetuar a sua defesa
ou contestação) e da intimação (instrumento pelo qual se fazem todas as demais
comunicações às partes – autor e réu, advogados, Ministério Público, e outras
pessoas que venham a ser chamadas para praticar qualquer ato no processo – e a
bilateralidade das audiências)5.
Portanto, sem o contraditório e a ampla defesa o Inquérito Policial não pode
ser efetivo, pois é indispensável a criação de oportunidades iguais tanto para o autor
como para o réu de se manifestarem e apresentarem a sua defesa; caso contrário, o
processo será anulado. No entanto, parte da doutrina e da jurisprudência considera
4 BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito policial: doutrina, prática, jurisprudência. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2006. 5 SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. Inquérito policial e ação penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
12
que o Inquérito Policial não tem caráter contraditório, mas apenas investigatório dos
fatos.
Desta forma, o estudo delimita-se a investigar as particularidades do inquérito
policial, questionando: O Inquérito Policial é um processo judicial ou mero
procedimento administrativo? Existe a aplicação do princípio do contraditório no
Inquérito Policial?
Este estudo defende que o inquérito policial constitui a garantia de direitos
fundamentais do indivíduo, não submetendo a pessoa humana, senão quando
necessário, aos entraves causados por uma ação penal. Garante direitos individuais
sem prejudicar direitos coletivos. No mesmo sentido, o contraditório e a ampla
defesa devem ser mantidos no inquérito policial, pois a Constituição Federal declara
no art. 5.°, X, serem invioláveis a intimidade, a honra e a imagem das pessoas. No
inc. LV, como já foi citado, afirma que aos litigantes, em processo administrativo, e
aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa.
Uma variável positiva da pesquisa é a existência de um grande número de
obras e doutrinadores que se atém ao estudo do Inquérito Policial, havendo uma
vasta gama de material a ser consultado para o seu estudo, no âmbito do Processo
Penal. Através de uma revisão bibliográfica, será possível trazer ao público
acadêmico maiores informações sobre a origem, conceito, finalidade, características
e formas de instauração do Inquérito Policial.
Outra variável que pode interferir de forma negativa na pesquisa é a
existência de opiniões contraditórias sobre a necessidade do contraditório e da
ampla defesa. Enquanto alguns autores, fundamentados no que dispõe a
Constituição Federal, consideram esses fatores indispensáveis para a consecução
do Inquérito Policial, mas outros o julgam desnecessário. Este estudo tentará
comprovar, através dos autores pesquisados, a importância da manutenção do
contraditório e da ampla defesa no Inquérito Policial.
O estudo é relevante por investigar o contraditório e a ampla defesa no
inquérito policial e a garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos, considerada
a utilidade do inquérito policial como mecanismo de pesquisa da infração penal e da
sua autoria. Cabe, portanto, investigar quem possui competência para instaura-lo,
sua finalidade e natureza.
O inquérito policial é um instrumento de natureza administrativa que tem por
finalidade expor o crime em sua primeira fase, a fim de que se descubra a autoria, a
13
materialidade, circunstâncias do crime, além de provas, suspeitas, etc. (ALBERTI,
2000).
O art. 5º, LV da Constituição Federal de 1988 estabelece que "aos litigantes,
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados e, geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes".
No entanto, como aponta João Marcelo Brasileiro de Aguiar (2000), as
garantias do contraditório e da ampla defesa não estão seguradas no inquérito
policial, por ser este procedimento administrativo de natureza inquisitória e
informativa, formador da opinio delicti do titular da ação penal.
Higor Vinicius Nogueira Jorge6 conceitua o contraditório como a ciência
bilateral dos atos e termos do processo, com a possibilidade de contrariedade, ou
seja, possibilitando a atuação das partes na formação da convicção do juiz. Não
existe réu sem defensor, posto que no processo encontra-se em jogo um valor
indisponível da parte – a liberdade. A ampla defesa é mais voltada para o réu. Ao
réu é garantido todos os meios de defesa.
O contraditório deve ser admitido na investigação criminal, pois esse
procedimento é um procedimento administrativo, composto por um conflito de
interesses, que expressa a existência de litigantes, que proporciona uma carga
processual, e origina a necessidade de garantias inerentes ao processo. No entanto,
há doutrinadores contrários a adoção do contraditório no inquérito policial por
considerarem o indiciado como mero objeto de investigação.
Um destes doutrinadores, Antonio Scarance Fernandes7, é contra a exigência
de contraditório e ampla defesa no inquérito policial porque este procedimento não é
um processo administrativo é apenas um conjunto de atos praticados por uma
autoridade administrativa. Este autor assevera que não abrange as garantias
constitucionais, o inquérito policial, que se caracteriza por um conjunto de atos
praticados por autoridade administrativa, o que não configura um processo
administrativo.
Verificando esta discordância entre os doutrinadores, o motivo que conduziu à
realização desta pesquisa foi a necessidade de investigar se a não-adoção do
6 JORGE, Higor Vinicius Nogueira. A processualização do inquérito policial. É possível o contraditório no inquérito?. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 471, 21 out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5840>. Acesso em: 15 fev. 2009. 7 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: RT, 1999.
14
contraditório e da ampla defesa no inquérito policial fere a garantia dos direitos
fundamentais dos indivíduos.
Posto isso, o objetivo geral é investigar o contraditório e a ampla defesa no
inquérito policial e a garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos. Os objetivos
específicos são: analisar as características, a instauração, a natureza, a sigilosidade
e a participação do Ministério Público no inquérito.
- Conceituar os princípios inerentes ao direito de contraditório e de ampla
defesa.
- Explicar a posição dos doutrinadores que são favoráveis ao contraditório e à
ampla defesa no inquérito policial e a posições doutrinárias contrárias, analisando a
constitucionalidade da questão.
Para a realização dessa pesquisa foi utilizado o método dedutivo. O material
bibliográfico utilizado na fundamentação teórica foi consultado em livros, artigos,
revistas e internet.
O desenvolvimento da monografia foi dividido em três capítulos. O primeiro
faz um relato histórico do processo penal brasileiro e do inquérito policial, abordando
os sistemas processuais acusatório, inquisitório e misto. O segundo capítulo aborda
a origem, o conceito, a finalidade, as características e as formas de instauração do
inquérito policial. São estudadas ainda as formas de instauração e espécies de
inquérito policial, bem como: a discricionariedade das investigações policiais, o
prazo para a conclusão do inquérito policial, o arquivamento e desarquivamento do
inquérito policial. Tendo todos estes aspectos sido analisados, o estudo analisa a
eficácia o inquérito policial na ação penal.
Por fim, o último capítulo atém-se ao cerne o estudo, que é a discussão sobre
a admissão do contraditório na investigação criminal e a utilização da ampla defesa.
São estudados os direitos do indivíduo relacionados à sua auto-defesa, tais como: o
direito ao silencia, o direito de não declarar a verdade, o direito de não participar de
reconhecimento, acareação e reprodução simulada, dentre outros.
15
1. HISTORICO DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO E DO
INQUERITO POLICIAL
1.1 O PROCESSO NO BRASIL (ASPECTO HISTÓRICO)
Ismar Estulano Garcia8 relata que antes de se chegar ao estágio atual de
organização do estado, diversas modalidades de represarias para determinadas
condutas existiram, destacando-se a vingança privada. Entretanto, surgindo o
Estado politicamente organizado, coube a ele o direito de punir os infratores das
regras de conduta, desaparecendo a vingança privada. Normas de conduta foram,
assim, codificadas no Direito Penal. A partir de então, se alguém violasse tais
normas, praticando uma infração, ao Estado era reservado o direito de punir o
infrator.
“A própria lei estabelece um limite de reserva legal, de forma que não existirá
crime sem lei anterior que o defina”9. O Estado passou a ser o único detentor do
direito de punir, contanto que tal punição obedeça às regras codificadas no Direito
Processual Penal.
A existência do Processo Penal tornou-se necessária para se saber que pena
deveria ser aplicada e principalmente para determinar a quantidade entre o mínimo e
o máximo previstos. O Processo fornece ao Estado, na pessoa do Juiz, condições
para aplicar uma punição justa, ou mesmo absolver, se for o caso.
Garcia10 explica que a simples prática de uma infração não autoriza a
punição. É necessário que haja um Processo, em que as partes exponham os seus
direitos: o de acusação, exercido pelo Ministério Público; o de defesa; pelo réu. A fim
de o Juiz possa julgar o litígio.
8 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB Editora, 2007. 9 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB Editora, 2007, p. 3. 10 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB Editora, 2007.
16
Dessa forma, o jus persenquendi é o direito de ação que permite a aplicação
do jus puniendi. Segundo José Frederico Marques (1965 apud GARCIA11), “o jus
puniendi, portanto, é um direito de coação indireta, podendo a norma penal ser
aplicada apenas jurisdicionalmente e, portanto, através do processo”. Este autor
conceitua o jus persenquendi, ou persecução penal, como “a atividade desenvolvida
pelo Estado, visando punir os infratores das normas descritas como condutas
ilícitas” (ibid ibidem).
Garcia12 relata que a persecução penal divide-se em investigação e ação. Na
primeira fase, a de investigação, exercida pela Polícia Judiciária, são colhidos os
dados sobre o delito. Na segunda fase, a de ação, realizada pelo Ministério Público,
é feita a instauração do Processo e a punição do infrator.
O objeto da persecução é a apuração da conduta delituosa. No primeiro momento, a investigação, realizada pela Polícia Judiciária, procura apurar o fato e descobrir a autoria. Em seguida, na segunda fase, o Ministério Público, de posse do resultado da investigação, forma sua opinião própria (opinio delicti) e apresenta a pretensão punitiva do Estado13.
Para que se inicie a persecução penal, é necessário que o fato seja típico,
isto é, que a conduta seja descrita como infração. Imprescindível, portanto, a
existência das duas fases no procedimento da persecução penal, a primeira delas
chamada persecução ou instrução, preliminar ou prévia, que atende a dois objetivos:
o primeiro, dissuadir acusações infundadas e inúteis; o segundo, preparatório,
acautelando eventuais meios de prova. Joaquim Canuto Mendes de Almeida14
explica a função da persecução penal:
11 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB Editora, 2007, p. 3. 12 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB Editora, 2007. 13 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB Editora, 2007, p. 4. 14 ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: RT, 1973, p. 35.
17
No processo brasileiro, a instrução criminal, que está em atos do inquérito policial e em atos do sumário de culpa, é também preservadora (da inocência e da justiça) contra acusações infundadas e preparatória (dos meios de prova). Preservadora, quando os seus atos servem à fundamentação da pronúncia – que é um juízo de acusação – e preparatória, enquanto seus atos servem, por escrito, à instrução definitiva.
Sempre houve, no direito brasileiro, alguma forma de apuração preliminar ou
prévia, constituindo a primeira fase da persecução penal. Neste tópico, será
analisada a evolução da persecução preliminar ao longo da história legislativa
brasileira, a começar pela imperial.
A Constituição de 1824 foi promulgada logo após a proclamação da
independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822. Essa Constituição determinou
a independência do Poder Judicial, composto de juízes de jurados, no cível e no
crime.
Em 29 de novembro de 1832, foi promulgado o Código de Processo Criminal
de Primeira Instância, para que “se aperfeiçoasse a legislação processual às
garantias da Constituição de 1824” (TORNAGHI, 1967 apud SAAD15). O Código
organizou o Judiciário e dispôs acerca da forma do processo ou procedimento.
Saad16 ressalta que a parte do Código que tratava da forma do processo
“causou verdadeira revolução nas formas procedimentais preexistentes”. As queixas
inquisitoriais foram abolidas e idéias liberais foram incorporadas à lei. João Mendes
de Almeida Júnior (1911 apud SAAD17) explica as mudanças:
A formação de culpa, desde o corpo do delito até o interrogatório, foi feita em sumário, a que podia proceder-se em segredo somente quando a ela não assistisse o delinqüente e seus sócios; a acusação e julgamento, nos crimes de pena maior que a de seis meses de prisão ou degredo, passaram a ser feitos em processo público e oral perante o júri. O júri era constituído em dois conselhos: o primeiro, para declarar se havia motivo para a acusação; o segundo, que era o Júri de Sentença. Foram regulados os recursos ordinários e o recurso, denominado extraordinário, do habeas corpus.
15 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 29. 16 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 31. 17 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 32.
18
Marta Saad18 ressalta o enorme avanço operado em direção ao
reconhecimento do direito de defesa na persecução penal prévia, na transição do
regime das Ordenações para o Código do Processo Criminal de Primeira Instância.
O procedimento de formação da culpa – ou sumário de culpa – é considerado por
esta doutrinadora um embrião do atual inquérito policial, que atendia à necessidade
de se tomarem providências tão logo se tivesse notícia da infração, mas
documentava por escrito apenas os elementos úteis e necessários ao processo da
formação da culpa.
Posteriormente, a Lei 261, promulgada em 1841, provocou uma profunda
reforma do Código de Processo Criminal. Através dessa reforma, os delegados e
subdelegados ficaram encarregados das atribuições policiais, que antes eram
responsabilidade do juiz de paz. Estabeleceu o art. 4º, parágrafo 9º, desta lei que as
autoridades policiais podiam, ainda, “remeter, quando julgarem conveniente, todos
os dados, provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delito, com uma
exposição do caso e suas circunstâncias aos juízes competentes, a fim de formarem
a culpa”.
O Regulamento 120 de 1842 dividiu a polícia em administrativa e judiciária. A
polícia judiciária ficou com a atribuição de proceder ao corpo de delito, expedir
mandado de busca e de apreensão, prender denunciados e julgar crimes, dentro de
sua alçada (art. 3º).
Assim, a instrução preliminar, formação de culpa, bem como o auto de corpo
de delito, passaram para a competência dos chefes de polícia, em toda província do
Império e na corte, e aos delegados nos respectivos distritos.
O direito de defesa era permitido na formação da culpa, uma vez que o
acusado poderia defender-se no ato de formação da culpa através: “a) das
explicações e esclarecimentos de seu interrogatório; b) da contestação feita às
testemunhas na ocasião em que são inquiridas; c) e de justificações legais,
documentos e instrumentos oferecidos em continente”19.
18 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 19 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 48.
19
Marta Saad relata que a reforma de 1871 transformou a feição do sumário de
culpa, com a mudança da circunscrição judiciária do distrito policial para o termo,
atribuindo a atividade das autoridades policiais aos juízes municipais ou aos juízes
de direito, no caso das capitais que fossem sede da Relação e nas comarcas a elas
ligadas.
Assim, também a atribuição de formação da culpa passou aos juízes
municipais e aos juízes de direito, devendo ser exercida na comarca, em vez do
distrito de paz ou policial, e as autoridades policiais deixaram de pronunciar, como
antes faziam.
A Constituição da República de 1891 dispôs no art. 34, parágrafo 3º, que era
atribuição do Congresso Nacional “legislar sobre direito civil, comerciais e criminal da
República e o processual da justiça federal”. A ampla defesa foi estabelecida como
garantia constitucional do processo penal, no art. 172, parágrafo 16, da Constituição:
Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas.
Assim, quando a pluralidade processual foi instaurada no país, reconhecia-se
que havia “contraditório pleno no julgamento e contraditório restrito na formação da
culpa”20.
Em 1924, o Código de Processo Penal do Distrito Federal (Decreto 16.751)
suprimiu o inquérito policial, substituindo-o pela chamada investigação, reduzindo
muito a atuação da polícia. Mas quatro anos depois, o Decreto 5.515 aboliu a
investigação e restabeleceu o inquérito policial no Distrito Federal.
A Constituição de 1934 acabou com o sistema pluralista, instalado pela
Constituição de 1891. O art. 5º, XIX, a, restabeleceu a unidade processual,
devolvendo à União a competência privativa para legislar em matéria de direito
processual.
O Código de Processo Penal de 1941 manteve o inquérito policial na
legislação brasileira. O então Ministro da Justiça, Francisco Campos, justificou a
manutenção do inquérito policial com base nos seguintes argumentos:
20 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 58.
20
(i) o inquérito policial é mais adaptável à realidade brasileira, visto que a dimensão territorial do país impossibilitaria a atuação do juiz de instrução; (ii) o juizado de instrução somente poderia ser adotado com a quebra do sistema, ou seja, haveria juizado de instrução única e apenas nas sedes da comarca, e inquérito policial nos distritos longínquos; (iii) o inquérito ainda se apresenta como melhor opção contra os apressados juízos, dada a possibilidade de reorientar a investigação, livrando-se a Justiça de errôneos juízos causados pelo clamor do crime21.
É importante citar que o Código de Processo Penal suprimiu a pronúncia e,
portanto, o sumário de culpa nos processos de competência do juiz singular. Dessa
forma, o inquérito policial “ganha, sem dúvida, funcionalmente, o caráter de
‘instrução criminal’ (preliminar), porque – segundo a linguagem dos legisladores de
1827 – constitui, já agora, em tais casos de competência do juiz singular, a única
base de acusação”22.
A Lei 9.099 de 1995 dispensou, de forma direta, o inquérito policial para as
chamadas infrações de menor potencial ofensivo, devendo o caso ser encaminhado
diretamente para o Juizado Especial Criminal.
Neste tópico, foi feito um breve panorama histórico e evolutivo da forma de
apuração prévia do delito na legislação brasileira, a partir do Império. O próximo
tópico trará maiores informações sobre o inquérito policial.
1.2 O INQUÉRITO POLICIAL
O inquérito policial parte de uma investigação, que pode ser definida como
“uma atividade estatal destinada a preparar a ação penal. É atividade estatal porque
há um órgão público que se interessa pela ação penal” (SIQUEIRA, 1970 apud
GARCIA, 2007, p. 4).
21 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 75. 22 ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: RT, 1973, p. 207.
21
Este doutrinador informa que a investigação preocupa-se com o
esclarecimento do fato delituoso e a descoberta da autoria, pois é necessário que o
representante do Ministério Público tenha em mãos os dados necessários para
formular a denúncia. É um procedimento preparatório, informativo e inquisitório,
constituindo-se num conjunto de providências desenvolvidas para se esclarecer uma
conduta que, pelo menos aparentemente, seja delituosa.
O inquérito policial, para Ismar Estulano Garcia23:
É o instrumento formal de investigações. É peça informativa, compreendendo o conjunto de diligências realizadas pela autoridade para a apuração do fato e a descoberta da autoria. Relaciona-se com o verbo inquirir, que significa perguntar, indagar, procurar, averiguar os fatos, como ocorreram e qual o seu autor.
A principal finalidade do Inquérito Policial é servir de base para a ação penal a
ser promovida pelo Ministério Público, nos crimes de ação pública, ou pelo
particular, nos crimes de ação privada.
O art. 41 do Código de Processo Penal exige que a denúncia ou a queixa
contenha a exposição do fato criminoso, a qualificação do acusado, a classificação
do crime e o rol de testemunhas, se for o caso. Somente uma investigação prévia (o
Inquérito Policial) terá condições de levantar esses dados.
Outra finalidade do Inquérito Policial, a ser levada em consideração, é
fornecer elementos probatórios ao Juiz, de maneira a permitir a decretação da prisão
cautelar (preventiva). A prova de existência do crime e de indícios suficientes de
autoria, de que fala o art. 312 do Código de Processo Penal, somente será possível,
via de regra, mediante Inquérito.
O Inquérito não visa diretamente a punição, mas apenas esclarecer a
ocorrência delituosa e apontar o autor. Garcia24 enfatiza que:
O Código de Processo Penal dita determinadas normas para se elaborar (proceder, formalizar, realizar) o Inquérito Policial (arts. 4º a 23). Mas a ausência do contraditório regular e o poder discricionário exercido pela Autoridade Policial são suficientes para descaracterizá-lo como Processo.
23 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB Editora, 2007, p. 7. 24 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB Editora, 2007, p. 10.
22
Assim, o Inquérito Policial não é Processo, mas simplesmente um
procedimento administrativo.
Manoel Messias Barbosa25 considera o Inquérito Policial essencial para a
demonstração da existência do fato apontado como criminoso. Trata-se de um
instrumento utilizado pelo Juiz na apreciação da prova, como um dos seus
elementos de convicção. Tudo aquilo que se apura durante a investigação policial
deve ser ponderado e examinado como matéria útil ao conhecimento da verdade. A
investigação policial, cuja finalidade é levar ao órgão acusador as informações sobre
o delito para a propositura da ação penal, constitui parte de um todo concludente no
processo.
O inquérito policial, por sua natureza, é inquisitório, sigilosos e não permite defesa. Sua finalidade é a de apurar a infração penal, colhendo as provas de materialidade e autoria de um fato apontado como penalmente típicos. Em outros termos, o inquérito policial é a fase de simples investigação do fato, na sua materialidade e autoria26.
Este autor argumenta que o inquérito policial não interfere na esfera de
liberdade jurídica do cidadão, nem cria, em se tratando de infrações de menor
calibre criminal, maiores constrangimentos. Com o advento da Lei 9.099, de 26 de
setembro de 1995, que criou o Juizado Especial Criminal, o infrator de delitos
apenados com até um ano de detenção, sequer será interrogado nas Delegacias de
Polícia ou Distritos Policiais.
O mesmo autor ensina que inquérito policial é peça meramente
administrativa, cuja função única é servir de base para o oferecimento de denúncia.
Assim, qualquer vício que surja na fase inquisitorial não atinge o processo regular e
posteriormente instaurado, servindo, no máximo, para anular a prisão em flagrante.
Por fim, cabe ressaltar que o inquérito policial, por ser peça de natureza
administrativa, inquisitiva e preliminar à ação penal, deve ser sigiloso, não se
submetendo à publicidade que rege o processo, pois as investigações já são
acompanhadas e fiscalizadas por outros órgãos estatais. O único que está
25 BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito policial: doutrina, prática, jurisprudência. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2006. 26 BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito policial: doutrina, prática, jurisprudência. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2006, p. 30.
23
autorizado a ter acesso ao inquérito é o advogado, pois o Estatuto da Advocacia, em
seu art. 7º, XIV (Lei 8.906/1994) assegurou-lhe o direito de examinar em qualquer
repartição policial mesmo sem procuração, os autos de prisão em flagrante e do
inquérito policial, estando eles concluídos ou em andamento, podendo copiar peças
e tomar apontamentos.
1.3 SISTEMAS PROCESSUAIS
O sistema processual pode ser classificado sob três aspectos: sistema
acusatório, sistema inquisitivo e sistema misto.
1.3.1 Sistema processual acusatório
Segundo Tornaghi27, o Processo Acusatório, como a própria palavra
determina, inicia-se pela acusação. Este sistema possui suas raízes na Grécia e em
Roma, onde a acusação era feita pela própria vítima, ou parentes próximos, perante
um Magistrado, denominado Arconte em Atenas e Pretor em Roma. O juiz não
possuía nenhuma iniciativa na Ação Penal. O acusador formulava a denúncia e o
Arconte ou Pretor exigia as provas.
A acusação era proibida às mulheres, menores, magistrados, caluniadores
condenados e estrangeiros, embora estas pessoas não estarem proibidas de acusar
enquanto vítimas.
Somente após ser realizada a acusação é que ia se investigar o autor e a
materialidade do delito. As investigações eram realizadas pelo próprio acusador,
onde este recebia uma espécie de autorização, mandato, expedido pelo magistrado,
efetuando buscas e apreensões, oitiva de testemunhas, exame de documentos em
27 TORNAGHI, Hélio. Compêndio de Processo Penal. Rio de Janeiro: José Konfino, 1998.
24
geral, colhendo todos os dados que pudessem servir como prova do crime,
como atualmente se faz no Inquérito Policial.
Mas este sistema apresentava alguns inconvenientes, pois como competia à
partes a coleta de provas e ao Juiz negava-se qualquer poder inquisitivo, corria-se o
risco da deturpação da verdade, uma vez que contava-se com aquilo que as partes
admitiam como tal. Muitos se encontravam sem amparo legal, pois em uma
sociedade dividida em castas ou classes, como acusar aquele de quem se
dependia, sob cuja sujeição tinha-se que viver?
A confissão do réu era suficiente para sua condenação; uma vez confessado
o fato, este seria imediatamente condenado sem mais indagações. Havia também a
facilidade de fuga, pois o réu, independente do grau de seu delito, desde o ladrão de
galinhas ao mais perigoso assassino, aguardava todos os trâmites do processo e
sua sentença em liberdade.
Atualmente, o sistema processual acusatório caracteriza-se pela presença do
contraditório, com a igualdade das partes, onde as funções de acusar, defender e
julgar são desenvolvidas por órgãos distintos. Assim, os julgamentos são realizados
por populares ou órgãos judiciários totalmente imparciais, com liberdade das partes,
não podendo o juiz provocar a sua própria jurisdição28.
A regra desse sistema é a liberdade do acusado, sendo possível em casos
excepcionais a prisão processual, de modo que a sentença faz coisa julgada.
Pelo sistema acusatório, alguém somente poderia ser levado a juízo mediante
um acusação Esse sistema distribuiu as funções de acusar, defender e julgar a
pessoas distintas (constituição de uma relação processual penal). Vale lembrar que
a relação processual penal é a relação jurídica que se estabelece entre os sujeitos
no processo penal.
De acordo com Alexandre Aguiar29, são características do sistema acusatório
em sua primeira fase:
28 GARCIA, Gislaine Garófallo. Eficácia do Inquérito Policial. Monografia de conclusão do curso de Direito. Adamantina: FAI (Faculdades Adamantinenses Integradas), 2005. 29 AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. Dos sistemas processuais penais. Tipos ou formas de processos penais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 727, 2 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6948>. Acesso em: 31 ago. 2009. .
25
a) Com relação ao procedimento adotado: A acusação é facultada à vítima
nos crimes menos graves (ação privada) ou a qualquer um do povo nos crimes mais
graves (ação popular).
b) Com relação à produção de provas: A autoridade judicial não atua como
sujeito ativo da produção de prova (a verdade alcançada no processo é ficta, pois
depende das partes, que têm ampla liberdade probatória). Fatos incontroversos não
precisam ser provados. Assim, a confissão do réu implica em sua condenação e põe
fim ao processo. Nesse sentido é o atual Código de Processo Civil, art. 302:
"Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados". O juiz decide de acordo com
a livre apreciação das provas, mas deve fundamentar suas decisões (princípio da
persuasão racional).
c) Com relação às garantias processuais: Assegura a igualdade entre as
partes. Existe o contraditório. O processo é público, predominando a forma oral para
os atos processuais. O juiz era imparcial e a ampla defesa, assegurada. Devido à
presunção de inocência, o réu respondia ao processo sempre em liberdade.
O Sistema Processual Acusatório, conforme Tourinho Filho30, possui traços
profundamente marcantes:
1. Há a presença do contraditório como garantia político-jurídica do cidadão;
2. As partes acusadora e acusada, em decorrência do contraditório,
encontram-se no mesmo pé de igualdade;
3. O processo é público, fiscalizável pelo povo;
4. As funções de acusar, defender e julgar são de competência de pessoas
distintas, em que não é dada ao Juiz a discricionariedade de iniciar o processo;
5. A iniciativa do processo caberá à parte acusadora, ou seja, ao ofendido ou
seu representante legal, qualquer representante do povo ou um órgão do Estado,
neste último caso, o Ministério Público.
Acrescenta Tornaghi31:
30 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2001, IV, p. 171. 31 TORNAGHI, Hélio. Compêndio de Processo Penal. Rio de Janeiro: José Konfino, 1998, p. 11.
26
A prova dos fatos competia às partes, o juiz não tomava a iniciativa de apurar coisa alguma, até porque os fatos não controvertidos não precisam ser provados, as partes tinham disponibilidade do conteúdo do processo. Se o réu se confessava culpado, era condenado sem mais indagações e aguardava a sentença em liberdade. Dominava a publicidade e a oralidade.
Em resumo, esse sistema apresenta características como: a presença do
contraditório, sendo ele público e imparcial; assegura a ampla defesa, havendo a
distribuição das funções de acusar, defender e julgar a órgãos distintos, ao contrário
do sistema processual inquisitório, que será mostrado a seguir.
1.3.2 Sistema processual inquisitório
Esse sistema tem sua origem no Direito Romano, no período imperial, quando
era permitido ao Juiz iniciar o processo de ofício, passando a dominar toda a Europa
na Idade Média devido a forte influência da Igreja. Os senhores e soberanos viam
este processo como uma arma poderosa, transformando aquilo que surgiu para
acabar com as injustiças do sistema acusatório em um instrumento de tortura e
opressão.
A respeito desse sistema, preleciona Tornaghi32:
O processo inquisitório apareceu como subsidiário do acusatório e os dois coexistiram durante muitos séculos; ao tempo de Deocleciano ele passou a ser iure, a forma normal, ordinária, mas de fato os encarregados de investigar e denunciar os crimes, isto é, os quaesitores e, nas províncias, os irenarche, os curiosi, os stationarri, somente tomavam a iniciativa do inquérito quando não se apresentava um acusador. Aos poucos foi caindo em desuso o processo acusatório e firmando-se o inquisitório.
Assim, é um sistema que iniciou na Idade Média, em Roma, e propagou-se
por toda Europa Continental. Diversamente do que acontece no sistema acusatório,
32 TORNAGHI, Hélio. Compêndio de Processo Penal. Rio de Janeiro: José Konfino, 1998, p. 16.
27
não existe contraditório, já que a função de acusar, defender e julgar está
concentrada nas mãos de um só julgador33.
O sistema inquisitivo surgiu como uma superação do sistema acusatório e
teve como nota essencial a reunião na mesma pessoa as funções de acusar,
defender e julgar: o juiz. Este inicia o processo, colhe provas e profere a sentença.
Não existe o contraditório, não sendo conferida ao acusado nenhuma garantia
constitucional, podendo no transcorrer do processo, submetê-lo a torturas com a
finalidade de obter a confissão, tida como a rainha das provas.
Outra característica do sistema inquisitório, a fim de preservar o bom
andamento das investigações, era seu caráter secreto, muitas vezes era mantido em
sigilo o próprio momento da execução, com exceção nos momentos em que este era
utilizado para servir de exemplo para o povo. Todos os atos eram escritos,
documentados; aquilo que não constasse nos autos, que não fosse reduzido a
escrito era como se não existisse.
Segundo Alexandre Aguiar34, são características desse sistema:
a) Com relação ao procedimento adotado: A acusação torna-se
desnecessária, pois o juiz pode agir de ofício. A investigação era dividida em duas
fases: a primeira pesquisava a materialidade do fato e a segunda a autoria. O
procedimento é escrito e formal, o juiz só pode basear sua sentença naquilo que
consta dos autos.
b) Com relação à produção de provas: A colheita de provas cabe ao juiz, que
tem total liberdade para isso. O objetivo era descobrir-se exatamente o que
aconteceu (princípio da verdade real, material ou absoluta). A tortura era usada
como instrumento para obter a confissão.
c) Com relação às garantias processuais: O réu é simples objeto da
persecução, não possuindo garantias durante o processo. O acusado responde ao
processo em regime de detenção na maioria dos casos, pois se presumia a culpa do
réu. Excepcionalmente se concedia a liberdade provisória mediante caução juratória
ou fiança penal. 33 GARCIA, Gislaine Garófallo. Eficácia do Inquérito Policial. Monografia de conclusão do curso de Direito. Adamantina: FAI (Faculdades Adamantinenses Integradas), 2005. 34 AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. Dos sistemas processuais penais. Tipos ou formas de processos penais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 727, 2 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6948>. Acesso em: 31 ago. 2009.
28
Os traços básicos do processo inquisitório também podem ser assinalados de
acordo com Silva35:
1. Concentração das três funções: acusadora, defensora e julgadora, em uma
mesma pessoa;
2. Sigiloso e escrito;
3. Ausência de contraditório;
4. Juízes permanentes e irrecusáveis;
5. A confissão era elemento suficiente para a condenação.
A partir do século XVIII surgem opositores a este tipo de sistema,
espalhando-se por toda a Europa movimentos de combate contra as técnicas de
tortura e a opressão sofrida pelo povo, se destacando vários pensadores como
Montesquieu, que condenava as torturas, elogiava a instituição do Ministério Público,
fazendo assim desaparecer os delatores; Voltaire, que censurou a Ordennance de
Luiz XIV, onde sua lei parecia obrigar o Juiz a se conduzir em frente ao acusado
mais como inimigo do que mesmo como magistrado; e Beccaria, que proclamava
que o direito de punir nada mais era senão o direito de defesa da sociedade e que
por isso deveria ser exercido dentro dos limites da justiça e da utilidade.
1.3.3 Sistema processual misto
Esse sistema surgiu após a Revolução Francesa, com algumas
peculiaridades do sistema acusatório e inquisitivo. Surgiu mais precisamente em
1808, na França, com a publicação do Code d’Instruction Criminelle. Espalhando-se
por toda a Europa, este sofreu algumas modificações no mesmo século de sua
instauração. Em 1897 assegura-se ao acusado o direito de defesa no curso da
instrução preparatória. É realizado em três etapas: fase preliminar, fase de instrução
preparatória e de julgamento. Nas primeiras fases coincide com o sistema inquisitivo
e, após, no julgamento final, passa a ser semelhante ao acusatório36.
35 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 2. ed. São Paulo: De Direito, 1996, p. 37. 36 GARCIA, Gislaine Garófallo. Eficácia do Inquérito Policial. Monografia de conclusão do curso de Direito. Adamantina: FAI (Faculdades Adamantinenses Integradas), 2005.
29
O sistema misto situa-se entre o sistema acusatório e o inquisitivo e se
caracteriza por contar com o processo dividido em três fases: a) investigação
preliminar; b) instrução preparatória e inicial (inquisitiva, portanto, secreta e escrita),
na qual se procede a uma investigação preliminar e a uma instrução preparatória a
cargo do juiz; e c) final – procede-se ao julgamento com todas as garantias do
sistema acusatório37.
A forma mista de processo possui uma combinação desses dois sistemas
anteriores, o acusatório e o inquisitório, onde a instrução possui características
inquisitoriais e o julgamento é eminentemente acusatório. Ao contrário do sistema
inquisitório, no sistema misto as funções de acusar, defender e julgar são de
competência de pessoas diferentes.
Sobre a eficiência e a permanência do sistema misto, opina Tornaghi (apud
SILVA38):
(...) o procedimento inquisitório é mais eficiente para a apuração dos fatos, enquanto o acusatório oferece maiores garantias ao acusado. No primeiro, o suspeito, o indiciado, o processado, enfim, é objeto de investigação; no outro é sujeito de uma relação jurídica. Mas o sistema que deveria prevalecer seria o misto, que reúne as vantagens e elimina os inconvenientes dos outros dois. Misto, porque nele o processo se desdobra em duas fases: a primeira é tipicamente inquisitória, a outra é acusatória. Naquela faz-se a instrução escrita e secreta, sem acusação, e, por isso mesmo, sem contraditório. Apura-se o fato e sua materialidade e autoria, ou seja, a imputação física do fato ao agente. Nesta, o acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga. É pública e oral.
No direito brasileiro, em matéria processual penal, o sistema adotado é o
acusatório, uma vez que a acusação, nos crimes de ação pública, fica a cargo do
Ministério Público.
37 AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. Dos sistemas processuais penais. Tipos ou formas de processos penais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 727, 2 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6948>. Acesso em: 31 ago. 2009. 38 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 2. ed. São Paulo: De Direito, 1996, p. 40.
30
Optou-se por adotar este sistema, pois o Processo Penal é eminentemente
contraditório, haja vista que a Constituição Federal Brasileira assegura ao acusado
ou ao réu, em seu artigo 5º, LV, o princípio do contraditório e da ampla defesa.
Conforme Capez39, o sistema acusatório pressupõe as seguintes garantias
constitucionais:
Da tutela jurisdicional (artigo 5º, XXXV), do devido processo legal (artigo 5º, LIV), da garantia do acesso à justiça (artigo 5º, LXXIV), do tratamento paritário das partes (artigo 5º, caput e I), da garantia do juiz natural (artigo 5º, XXXVII e LIII), da ampla defesa (artigo 5º, LV, LVI e LXII), da publicidade dos atos processuais e motivação dos atos decisórios (artigo 93, IX) e da presunção da inocência (artigo 5º, LVII).
Nesse sistema, não há a figura do Juiz Instrutor. Existe a fase processual,
sendo esta precedida de uma fase preparatória, onde a Autoridade Policial realiza
uma investigação, sem a característica do contraditório, colhendo informações sobre
o fato delituoso e sua autoria, para que o órgão acusador ou a vítima instaure o
processo, nascendo então a relação processual, tornando o processo contraditório,
público e escrito.
Essa fase preparatória, em que a Autoridade Policial, representada pelo
Delegado de Polícia, procede as investigações ou diligências necessárias, é
realizada através do Inquérito Policial.
O sistema acusatório adotado pelo Brasil admite o contraditório que é
assegurado pela Constituição Federal. Mas no inquérito policial alguns doutrinadores
não admitem a possibilidade do contraditório, haja vista que é um procedimento
administrativo de natureza inquisitiva, não sendo permitido qualquer tipo de defesa.
Esse assunto será mais detalhado no terceiro capítulo deste trabalho. O capítulo a
seguir trata do inquérito policial, procedimento, instauração, arquivamento,
desarquivamento e eficácia.
39 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 39.
31
2 ELEMENTOS DESTACADOS DO INQUÉRITO POLICIAL EM
FACE DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DE 1941
2.1 ORIGEM
O Inquérito Policial surgiu no Brasil através da Lei 2.033 de setembro de
1871, regulamentada pelo Decreto-lei 4.824, de 28 de novembro de 1871. O art. 42
dessa lei conceituava o Inquérito Policial como o instituto que consistia em todas as
diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas
circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento
escrito.
Barbosa40 observa que desde sua origem, “o Inquérito Policial surge como
peça de informações, sem rito preestabelecido, com o único objetivo de apurar o fato
criminoso, estabelecendo a materialidade e a respectiva autoria”.
Garcia41 relata que inicialmente, os dirigentes das organizações de polícias
eram selecionados entre os magistrados. Com o passar do tempo, em razão das
naturais dificuldades administrativas, foi sendo criada a organização policial
desvinculada da magistratura, mas continuou a denominação “Polícia Judiciária”.
Este autor esclarece que, em determinada fase da história do Brasil, existiam os
Juizes Ordinários, também conhecidos como “Juízes de Dentro”, ou “da terra”, e os
“Juizes de Fora”, estes não residentes na localidade, mas designados para nela
exercerem a função jurisdicional.
Atualmente, o Inquérito Policial está previsto no art. 4º e seguintes do Código
de Processo Penal.
40 BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito policial: doutrina, prática, jurisprudência. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2006, p. 25-26. 41 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB editora, 2007, p. 8.
32
2.2 CONCEITO
A doutrina brasileira é unânime em afirmar que o inquérito policial é um
procedimento administrativo destinado à colheita de provas. “É conduzido pela
autoridade policial que coordena as investigações, visando apurar a existência do
crime, apontar seus autores, o que servirá de base para a persecução criminal em
juízo, quando do oferecimento da denúncia”42.
O inquérito policial consubstancia-se em inquisição, entendida esta como o
“ato ou efeito de inquirir, sindicâncias, investigação, indagação, exame, devassa.
Contexto das perguntas que o inquiridor dirige às testemunhas, acompanhado de
respostas destas” (NASCENTES, 1961 apud SAAD, 200443).
Trata-se do ato ou efeito de inquirir, investigar, sindicar. A origem etimológica
do termo é o verbo inquirir.
“Inquirir é verbo que dá origem ao substantivo inquérito, equivale a perguntar,
indagar, procurar, numa palavra, averiguar o fato, ou fatos como ocorreram e qual o
seu autor, ou quais os seus autores”44.
Para realizar esse objetivo, a autoridade, além de inquirir, isto é, interrogar as
testemunhas, o ofendido, o indiciado, a reconstituição dos fatos, a que o Código
chama reprodução simulada.
Segundo Saad45, a maior parte da doutrina entende que o inquérito policial,
visando a apurar o fato, que aparenta ser ilícito e típico, bem como sua autoria, co-
autoria e participação, “é o procedimento preliminar ou prévio, cautelar, realizado
pela polícia judiciária e, portanto, de natureza administrativa e finalidade judiciária”.
As definições do Inquérito Policial variam, conforme se dê maior ênfase a uma
ou outra dessas características. Assim, há quem destaque o fato de se tratar de
42 SIRINO, Sérgio Inácio. Inquérito policial em perguntas e respostas. 1. ed., 2. tir. Curitiba: Juruá, 2003, p. 27. 43 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 138. 44 LEITE, Yara Muller Leite. Dicionário Jurídico Brasileiro, contendo termos, expressões idiomáticas e brocados usuais em direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 79. 45 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 139.
33
apuração do fato ilícito e típico, com vistas aos atos praticados e à elucidação desse
fato. Nesse sentido, há as definições de Orlando Soares, Júlio Fabrini Mirabete, Luís
Paulo Sirvinkas, e outros citados por Saad46, que define:
O Inquérito Policial constitui um conjunto de atos, com o objetivo de investigação criminal, consistente em diligências, exames e interrogatórios que a autoridade policial realiza, reduz a escrito e autua, com o fim de averiguar ou desvendar o crime comum de que tomou conhecimento e descobrir o seu autor, ou apurar a responsabilidade do indiciado (arts. 4º a 23 do CPP).
Alguns autores, contudo, realçam a característica de ser o inquérito
preparatório da ação penal. Para esses autores, o Inquérito Policial é um
procedimento administrativo persecutório de instrução provisória, destinado a
preparar a ação penal. Nesse sentido, há as definições de Sérgio Marcos de Moraes
Pitombo, Hélio Tornaghi, Fernando da Costa Tourinho Filho e outros citados por
Saad47, que também define o Inquérito Policial como:
Procedimento cautelar; de natureza administrativa; que contém investigação e instrução policial, acerca de fato, supostamente violante da norma penal; todas as circunstâncias que o envolvem, e respectiva autoria. O fim, o destino do Inquérito Policial são judiciários. Função, pois, colaborativa, mas específica da polícia por isso judiciária.
Augusto Modin (1967 apud SAAD48) define o inquérito, ressaltando a
característica do registro e coleta de provas do fato:
O inquérito, apreciado em seus vários aspectos, é o registro legal, formal, e cronologicamente escrito, elaborado por autoridade legitimamente constituída, mediante o qual esta autentica as suas investigações e diligências na apuração das infrações penais, das suas circunstâncias e dos seus autores.
46 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 140. 47 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 141. 48 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 141.
34
Nesse entendimento, o Inquérito Policial seria um instrumento escrito, ou
processado, constituído pelas peças referentes às diligências realizadas para a
apuração do fato delituoso – requerimentos, autos de exames periciais, termos de
declarações, depoimentos, mandados de intimação, etc.
Por fim, Moraes49 ressalta a cautelaridade do Inquérito Policial:
Inquérito Policial é o procedimento técnico-jurídico, formal e escrito, elaborado pela polícia judiciária, efeixando a coleta dos elementos materiais probatórios das infrações penais, de suas circunstâncias e a identificação dos seus autores, para auxiliar o Poder Judiciário na realização da justiça penal, bem como para a concretização de providências cautelares no interesse da ordem pública.
Camargo Aranha50 define o Inquérito Policial como um procedimento
administrativo, elaborado pela polícia judiciária, inquisitório, escrito e sigiloso. Sua
finalidade é a investigação do fato criminoso em sua materialidade e na sua autoria;
fornecendo elementos para que o titular da ação penal acuse o autor do ilícito penal.
Tourinho Filho51 define o Inquérito Policial como sendo o conjunto de
diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e
sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em Juízo.
É, segundo Rogério Lauria Tucci52, um procedimento de investigação
administrativa, em sentido escrito que, mediante a atuação da polícia judiciária,
guarda a finalidade de apurar a materialidade da infração penal, cometida ou
tentada, e a respectiva autoria, ou co-autoria para servir ao titular da ação penal
condenatória.
Sirino e Giostri53 afirmam que o Inquérito Policial possui duas finalidades
distintas: a mediata e imediata. A primeira “visa à apuração da infração penal,
colheita das provas e dos elementos que levem ao seu autor”. A segunda “poderá
49 MORAES, Bismael B. Elementos de inquérito policial. Arquivos da Polícia Civil de São Paulo. São Paulo, n. 42, p. 9. 50 ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1987. 51 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2001. 52 TUCCI, Rogério Lima. Prescrição penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980. 53 SIRINO, Sérgio Inácio; GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Inquérito policial em perguntas e respostas. 1. ed., 2. tir. Curitiba: Juruá, 2003, p. 28.
35
servir como base para o oferecimento de denúncia por parte do órgão do Ministério
Público, dando início à persecuttio criminis in juditio”.
2.3 FINALIDADE
Segundo Garcia54, o Inquérito Policial serve de base “para a ação penal a ser
promovida pelo Ministério Público, nos crimes de ação pública, ou pelo particular,
nos crimes de ação privada”.
O art. 41 do Código de Processo Penal exige que a denúncia ou a queixa
contenha a exposição do fato criminoso, a qualificação do acusado, a classificação
do crime e o rol de testemunhas, se for o caso. Somente uma investigação prévia (o
Inquérito Policial) terá condições de levantar esses dados.
Outra finalidade do Inquérito Policial, considerada por Garcia55, é “fornecer
elementos probatórios ao Juiz, de maneira a permitir a decretação da prisão cautelar
(preventiva)”. A prova de existência do crime e de indícios suficientes de autoria, de
que fala o art. 321 do Código de Processo Penal, somente será possível, via de
regra, mediante Inquérito.
Como já estabeleceu a jurisprudência:
O Inquérito Policial é peça meramente informativa da denúncia e que se destina, unicamente, a levar ao órgão do Ministério Público a notitia criminis. Assim, ninguém pode ser condenado com fundamento apenas em provas colhidas no inquérito, onde sequer vige o princípio do contraditório (JUTACRIM 51/422 apud BARBOSA56).
Segundo Tourinho Filho57, a finalidade do Inquérito Policial é apurar a infração
penal, colhendo informações a respeito do fato criminoso. Para tanto, a polícia
54 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB editora, 2007, p. 9. 55 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB editora, 2007, p. 9. 56 BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito policial: doutrina, prática, jurisprudência. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2006, p. 53. 57 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2001.
36
judiciária ouve testemunhas que presenciaram o fato, toma declarações da vítima,
procede a exames de corpo de delito e exames de instrumento de crime, determina
buscas e apreensões, acareações, reconhecimentos, ouve o indiciado, colhe
informações sobre todas as circunstâncias que envolveram o fato delituoso,
buscando o esclarecimento do caso.
O Inquérito Policial se desenvolve em fase de pura atividade administrativa. Nele há investigação fática e não instrução jurisdicionalmente garantida. Assim, os elementos no mesmo coligidos não passam de dados informativos para eventual denúncia e seus elementos jamais poderão dispensar a produção de provas perante o órgão julgador, em ônus que, em nosso sistema processual, recai sobre o Ministério Público58.
Resumidamente, a polícia investiga para o Ministério Público instaurar o
processo penal; o juiz instrui a causa para construir sua decisão.
2.4 CARACTERÍSTICAS
O Inquérito não visa diretamente a punição, mas tão-somente esclarecer a
ocorrência delituosa e apontar o autor. Assim, “o Inquérito Policial não é Processo,
mas simplesmente um procedimento administrativo”59.
O Inquérito Policial, por sua natureza, é inquisitório, sigiloso e não permite
defesa. Sua finalidade é a de apurar a infração penal, colhendo as provas de
materialidade e autoria de um fato apontado como penalmente típico. Segundo
Barbosa60, “o Inquérito Policial é a fase de simples investigação do fato, na sua
materialidade e autoria”.
58 BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito policial: doutrina, prática, jurisprudência. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2006, p. 29. 59 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB editora, 2007, p. 10. 60 BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito policial: doutrina, prática, jurisprudência. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2006, p. 30.
37
Sirino e Giostri61 explicam que “os mecanismos de investigação e persecução
da verdade utilizados no Inquérito Policial e nos procedimentos administrativos são
basicamente os mesmos”. Em ambos há o interesse na verificação da ocorrência do
ilícito e da identificação da autoria. Entretanto, existe uma diferença no que diz
respeito ao objeto e à finalidade dos procedimentos. Os autores explicam que “no
Inquérito Policial, o ilícito perseguido é criminoso, visando a uma responsabilização
criminal”, enquanto que no processo administrativo, a intenção da administração é
“punir transgressões de cunho funcional”62.
Barbosa63 ressalta que, sendo a polícia quem mais cedo recebe a notícia do
crime, ela é a mais apta para apurá-lo antes que os vestígios se percam. “Esse
primeiro momento é vital para a propositura e a prosperidade da ação, que se
enfraquece na medida em que tardam as primeiras providências”.
No entendimento de Garcia64, “somente um Inquérito bem elaborado permitirá
um Processo perfeito. Se falho o Inquérito, sem dúvida alguma, o Processo também
terá lacunas”.
Este doutrinador explica que, embora não esteja na categoria de provas
judiciais, algumas peças do Inquérito têm valor probatório, notadamente os exames
periciais (corpo de delito). Tanto é verdade, que a lei exige que as perícias sejam
efetuadas por peritos oficiais (art. 159), funcionários do Estado, os quais estão
sujeitos aos mesmos impedimentos do Juiz (art. 112). Certos exames periciais são
mais do que simples provas, pois, além de descreverem fatos, contêm ainda um
parecer técnico que amplia o campo de visão do magistrado, de quem não se pode
exigir conhecimentos enciclopédicos. Por isso é que os peritos são classificados
como auxiliares do juiz.
O mesmo autor complementa que “o auto de prisão em flagrante, quando
revestido das formalidades legais, tem valor probatório suficiente para anular o
61 SIRINO, Sérgio Inácio; GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Inquérito policial em perguntas e respostas. 1. ed., 2. tir. Curitiba: Juruá, 2003, p. 50. 62 SIRINO, Sérgio Inácio; GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Inquérito policial em perguntas e respostas. 1. ed., 2. tir. Curitiba: Juruá, 2003, p. 50. 63 BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito policial: doutrina, prática, jurisprudência. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2006, p. 31. 64 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB editora, 2007, p. 10.
38
direito de liberdade do cidadão ”65. Se irregular, perde seu valor probatório,
mantendo tão-somente sua finalidade de peça informativa para a propositura da
ação penal.
O Inquérito Policial possui características distintas do processo, pelo fato
daquele tratar-se de uma instrução provisória e preparatória. Instrução provisória
pelo fato de que atingida a sua finalidade o Inquérito Policial será encerrado. E
preparatória pelo ponto de vista ser um instrumento preparatório para a eventual
ação penal e informativo, pois apenas informa não ter caráter indispensável para a
ação penal.
É possível, portanto, notar que o inquérito policial constitui fase investigatória,
operando-se em âmbito administrativo. Uma vez que o inquérito precede o início da
ação penal (fase judicial), a ele não se aplicam (ou pelo menos não são de
observância estritamente obrigatória) diversos dos princípios basilares informadores
do processo penal, como o princípio do contraditório, o princípio do juízo natural, etc.
Resumidamente, o Inquérito Policial tem como principais características:
escrito, inquisitivo, sigiloso, oficialidade, incomunicabilidade, informativo e
dispensabilidade.
2.4.1 Escrito
Escrito significa caligrafado; cursivo. O próprio Código Penal em seu art. 09
determina que “todas as peças do Inquérito Policial serão, num só processo,
reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”.
Todas as peças devem ser rubricadas pelo Delegado de Polícia, pois este é
a autoridade competente sobre o mesmo. Evidentemente, não seria compatível com
a segurança jurídica, tampouco atenderia à finalidade do inquérito policial, qual seja,
fornecer ao titular da ação penal os subsídios necessários à sua propositura, a
realização de investigações puramente verbais sobre a prática de infração penal e
sua autoria sem que, ao final, resultasse qualquer documento formal escrito.
65 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB editora, 2007, p. 11.
39
2.4.2 Inquisitivo
O inquérito policial é inquisitivo por excelência, pelo fato da autoridade policial
comandar as investigações com certa discricionariedade, ou seja, liberdade na
maneira de investigar como melhor aprouver, pois o Inquérito Policial é um conjunto
de informações sobre o fato criminoso e sobre a identidade do seu autor, isso em
decorrência dos princípios da obrigatoriedade e da oficialidade da ação penal.66
2.4.3 Sigiloso
O art. 20 do Código de Processo Penal determina que “a autoridade
assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do tão ou exigido pelo
interesse da sociedade”.
Segundo o art. 5º, X, da Constituição Federal de 1988, “o Inquérito Policial
deve assegurar o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e
da imagem do investigado”. Segundo o mesmo artigo, inciso LVII, há presunção de
inocência de qualquer pessoa enquanto não sobrevindo o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória.
2.4.4 Oficialidade
O Inquérito Policial só pode ser realizado por órgãos de direito público, que
são as Delegacias de Polícia, Promotorias e o Poder Judiciário competente. O
66 Noções preliminares (sem indicação de autor). Disponível em: http://www.grupos.com.br/group/direitomafmn/Messages.html?action=download&year=08&month=8&id=1219238852904282&attach=. Acesso em 12/10/2009.
40
delegado de polícia deve manter uma posição imparcial, presidindo o Inquérito, sem
defender ou acusar o indiciado ou réu.67
2.4.5 Oficiosidade
Essa característica está presente no art. 5º, I, do CPP. Esse artigo estabelece
que nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado de ofício. O inciso II
deste artigo prevê que nos crimes de ação pública, o Inquérito Policial será iniciado
“mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a
requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo”.
O parágrafo 4º deste artigo prevê que “o Inquérito, nos crimes em que a ação
pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado”. O parágrafo
5º estabelece que “nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá
proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la”.
O art. 17 estipula que “a autoridade policial não poderá mandar arquivar autos
de inquérito”. E o art. 19 determina que nos crimes em que não couber ação pública,
“os autos do Inquérito serão remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a
iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, ou serão entregues ao
requerente, se o pedir, mediante traslado”.
2.4.6 Incomunicabilidade
Segundo o art. 136, parágrafo 3º, IV da Constituição Federal de 1988, o
inquérito policial tem a qualidade incomunicável, que significa não ter comunicação,
não deve comunicar-se com quem quer que seja, salvo, logicamente, com as
autoridades incumbidas das investigações.
De acordo com a jurisprudência:
67 VARJÃO DE AZEVEDO, Bernardo Montalvão. Algumas considerações acerca do inquérito policial . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3828>. Acesso em: 14 out. 2009.
41
A incomunicabilidade dos indiciados, segundo a lei geral, que é o Código de Processo Penal, somente se admite nos inquéritos pelo prazo máximo de três dias, consoante o seu art. 21. E não há razão por que se suponha que no processo por infração praticada por menor se deva proceder de modo diverso, isto é, subtraindo-se pela incomunicabilidade, o infrator às pessoas que por ele de qualquer modo se interessam (TJSP-HC-REL. Adriano, RT 472/279).
A incomunicabilidade não pode ser absoluta, e há garantia de comunicação
entre o preso e seu advogado, conforme o art. 7º, III, da Lei 8.906/94 (Estatuto da
OAB), verbis:
Art. 7º São direitos do advogado: III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.
Portanto, essa característica possui um limite. Em primeiro lugar, deverá
haver legalidade da prisão e o despacho que declara a incomunicabilidade deve ser
fundamentado, esclarecendo sua necessidade. O prazo da incomunicabilidade é de
três dias, não sendo permitido mais do que isso.
2.4.7 Informativo
O inquérito policial tem valor informativo, ou seja, ele apenas visa elucidar um
crime para a instauração da competente ação penal, como instrução provisória de
caráter inquisitivo.68
Apesar de o Inquérito Policial ter esse caráter apenas informativo, já foi dito
neste trabalho que as provas nele colhidas podem influir na formação do livre
convencimento do juiz para a decisão da causa, quando complementarem com
outros indícios e provas colhidas em juízo, pois ele também constitui um meio
auxiliar.
68 Noções preliminares (sem indicação de autor). Disponível em: http://www.grupos.com.br/group/direitomafmn/Messages.html?action=download&year=08&month=8&id=1219238852904282&attach=. Acesso em 12/10/2009.
42
2.4.8 Dispensabilidade
O Inquérito Policial é uma peça instrumental para ação penal, sendo
dispensável para o oferecimento da denúncia ou queixa-crime. A dispensabilidade
do Inquérito Policial para a apresentação de denúncia ou queixa está prevista no art.
27 do CPP: “Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério
Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito,
informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de
convicção”.
Mais explicitamente, o art. 39 do CPP estabelece, em seu quinto parágrafo,
que “o órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação
forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal e, neste caso,
oferecerá a denúncia no prazo de 19 (quinze) dias”.
2.5 FORMAS DE INSTAURAÇÃO
As Polícias Civis, dirigidas por Delegados de Polícia de carreira, são as
responsáveis pelas funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. O
art. 4º do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 9.043/1995,
estabelece que “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais, no
território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações
penais e da sua autoria”.
Segundo Guilherme de Souza Nucci69, a ação penal não se baseia
exclusivamente no Inquérito Policial. Podem ser admitidos outros alicerces, desde
que a função investigatória da autoridade esteja prevista em lei. Assim, são
autoridades com atribuição para produzir provas pré-constituídas para fundamental a
ação penal:
a) os oficiais militares (inquérito militar);
69 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: RT, 2004.
43
b) os chefes de repartições públicas ou corregedores permanentes
(sindicâncias e processos administrativos);
c) os Juízes, em função anômala (inquérito judicial, destinado a apurar crimes
falimentares);
d) os Promotores de Justiça (inquérito civil, voltado a apurar lesões a
interesses difusos e coletivos);
e) os funcionários de repartição florestal e de autarquias com funções
correlatas designados para atividade de fiscalização (inquérito da polícia florestal);
f) os parlamentares, durante os trabalhos das Comissões Parlamentares de
Inquérito.
Há outras possibilidades legais, mas as citadas são as mais importantes.
Tourinho Filho70 ensina que tais autoridades administrativas, dentro de suas
respectivas áreas de atividades, podem proceder a investigações que têm o mesmo
valor e finalidades do Inquérito Policial.
Segundo o inciso VIII do art. 129 da Constituição Federal, o Ministério Público
tem a competência de requisitar diligências investigatórias e a instauração de
Inquérito Policial, indicando os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais.
O Ministério Público é o guardião da ordem jurídica, entretanto não tem
legitimidade para proceder a investigação preparatória da ação penal, já que a ele
também se confere o poder de requerer o arquivamento da documentação dos fatos,
situação que o tornaria ao mesmo tempo o autor e o juiz da demanda, em
verdadeiro sistema inquisitório vetado pela Constituição Federal.
O Código de Processo Penal exige do Promotor Público a mesma
imparcialidade exigida dos Magistrados, tanto que no art. 258 estatui:
Os órgãos do Ministério Público não questionarão nos processos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge, ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, e a eles, se estendem, no que lhe for aplicável, as prescrições relativas à suspensão e aos impedimentos dos juízes.
70 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2000.
44
Segundo Rogério Lauria Tucci71, o Ministério Público não deve ter a
prerrogativa de conduzir investigações criminais. Constitucionalmente cabe à polícia
civil conduzir as investigações e, para isso, deve estar munida de instrumentos
necessários e suficientemente adequados para que cumpra bem a sua função e seja
cobrada por isso, dentro dos parâmetros legalmente estabelecidos. Ao Ministério
Público, por sua vez, cabe requisitar à polícia a apuração de mais detalhes e
esclarecimentos quando não estiver satisfeito com os resultados das investigações
iniciais.
O Inquérito Policial é atribuição da polícia judiciária, conforme determina o art.
4º do CPP e o art. 144 da Constituição da República. Cabe à polícia judiciária a
tarefa de investigação e preservação dos meios de prova. Assim, a polícia judiciária
age depois de cometidas as infrações, para investigar e informar os órgãos da
justiça criminal, acerca dos meios de prova-las.
Saad72 observa que a expressão polícia judiciária pode ser usada com dois
significados diferentes: ora como atividade, ora como organismo que exerce tal
atividade. O organismo corresponde às autoridades policiais. A atividade, por outro
lado, resume-se nas práticas desenvolvidas no curso do Inquérito Policial, sendo
que o Código de Processo Penal usa a expressão polícia judiciária “no significado de
atividade, cujo conteúdo discrimina em todo o título segundo, sob a rubrica ‘do
Inquérito Policial’”73.
Em outras palavras, a polícia consiste no órgão da administração direta,
voltado à segurança pública. Quando atua como integrante da Justiça Penal, se diz
que a polícia é judiciária. Assim, quando realiza inquéritos policiais, a polícia exerce
função judiciária porque, “se organicamente a polícia judiciária entronca na máquina
administrativa do Estado, funcionalmente se liga ao aparelho judiciário”74.
Cabe, portanto, à autoridade policial a condução do inquérito. Mas como já foi
citado, o art. 4º, parágrafo único, do CPP prevê, ao lado do Inquérito Policial, a
71 TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e investigação criminal. São Paulo: RT, 2005. 72 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 73 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 183. 74 TORNAGHI, Hélio B. Instituições de processo penal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 2, p. 202.
45
possibilidade de outras formas de apuração da infração penal e sua autoria, por
diferentes autoridades, a quem por lei seja conferida tal função.
O Inquérito Policial possui um prazo pré-determinado para a sua conclusão.
Conforme a legislação:
O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de trinta dias, quando estiver solto mediante fiança ou sem ela (art. 10). O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum (CP, art. 10).
Analisando a lei, conclui-se que no caso de indiciado preso em flagrante ou
preventivamente, o Inquérito deverá ser concluído em 10 dias. Em se tratando de
indiciado solto, o prazo será de 30 dias. Garcia75 salienta que “com a possibilidade
de prisão temporária, não há que se falar em prisão preventiva na fase do Inquérito”.
Pelo Código de Processo Penal, entende-se que o Inquérito deverá dar
entrada em Juízo no 11º dia após a prisão, sob pena de tornar ilegal a custódia,
considerando-se que pela regra processual de contagem de prazo não se computa o
dia inicial e sim o final (CPP, art. 798, parágrafo 1º). Em se tratando de indiciado
solto, excluído o caso de punição administrativa ao responsável pela demora,
nenhuma conseqüência de ordem jurídica acarretará o excesso de prazo.
O aspecto menos discutido em relação a prazo diz respeito à impossibilidade
de a Autoridade Policial concluir o Inquérito no prazo de trinta dias, notadamente
quando a autoria do crime permanece ignorada. Para Garcia76, “exigir que a Polícia
conclua, obrigatoriamente, as investigações em trinta dias seria exigir o impossível”.
Esse autor entende que, em se tratando de autoria ignorada, não tem aplicação o
art. 10 do Código de Processo Penal, mesmo que a referência é a indiciado “preso”
ou “solto” e, ignorada a autoria, não há que se falar em “indiciado”. A Autoridade
Policial tem prova da existência do fato delituoso, mas ainda não colheu elementos
para indiciar quem quer que seja. A partir do momento em que “indiciar” alguém,
então deverá terminar o Inquérito em trinta dias.
75 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB editora, 2007, p. 14. 76 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB editora, 2007, p. 30.
46
Garcia77 acrescenta ainda que, se ignorada a autoria do crime, a Autoridade
Policial não poderá determinar arquivamento do Inquérito tem muito menos remete-
lo ao Judiciário, alegando a impossibilidade de esclarecimento. O problema ficará
afeto à Polícia, enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, após o que deverão
os autos ser remetidos a Juízo para arquivamento.
Sobre o arquivamento do inquérito policial, Sirino e Giostri78 citam que:
Se, ao invés de apresentar a denúncia, o Promotor de justiça requerer o arquivamento do Inquérito Policial, o juiz – considerando improcedentes as razões –, remeterá o feito para apreciação do Procurador-Geral de Justiça. Este, por sua vez, poderá: (a) oferecer denúncia; (b) designar outro órgão para oferecê-la ou (c) insistir no pedido de arquivamento, momento em que o juiz será obrigado a atendê-lo.
O Inquérito Policial poderá ser desarquivado quando houver novas provas.
Mesmo o inquérito estando arquivado, nada impede que a autoridade policial
continue a deligenciar no sentido de elucidar o caso, mas, com um detalhe: só se
tiver notícias de que existem outras provas. Caso contrário, não poderá fazê-lo.
77 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB editora, 2007. 78 SIRINO, Sérgio Inácio; GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Inquérito policial em perguntas e respostas. 1. ed., 2. tir. Curitiba: Juruá, 2003, p. 75.
47
3 A (IM) POSSIBILIDADE DO CONTRADITÓRIO E A AMPLA
DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL
3.1 A ADMISSÃO DO CONTRADITÓRIO NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Para Joaquim Canuto Mendes de Almeida (1958 apud SAAD, 200479), o
contraditório é a “ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de
contrariá-los”. O contraditório exige ação e reação da parte contrária, representando
o complemento e o corretivo da ação da parte. Saad80 complementa:
O contraditório é o instrumento de solução do conflito que já está pré-resolvido na lei ou no sistema. Cuida-se de tese e antítese e de relação de oposição entre dois sujeitos parciais. A bilateralidade é, pois, exigência que leva ao método dialético de superação do conflito, por meio da função e da atividade de um sujeito imparcial.
Contraditório é algo que envolve contradição. Trata-se de uma possibilidade
de informação de ato realizado e defesa sobre o mesmo. O contraditório possui dois
elementos: a informação e a reação. Como, por exemplo, a necessidade de
comunicar todos os atos processuais às partes, através da citação (comunicação
feita ao réu de que contra ele está sendo instaurado um processo e que existe um
prazo para o mesmo efetuar a sua defesa ou contestação) e da intimação
(instrumento pelo qual se fazem todas as demais comunicações às partes (autor e
réu), advogados, Ministério Público, e outras pessoas que venham a ser chamadas
para praticar qualquer ato no processo) e a bilateralidade das audiências.
Para André Queiroz81, o princípio do contraditório, previsto no art. 153,
parágrafo 16 da Constituição Federal de 1988, é inexigível no Inquérito Policial, pois
a instrução nominal é de natureza inquisitiva e pelo fato de ser mero procedimento
79 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 215. 80 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 215. 81 QUEIROZ, André. Processo penal. Disponível em: http://andrerqueiroz.blogspot.com/2009/03/processo-penal.html. Acesso em: 14 out. 2009.
48
administrativo, destinado a, eventualmente, proporcionar elementos para a ação
penal, dessa forma não incide ainda no princípio do contraditório.
Para Queiroz82, pelo fato do inquérito ser um procedimento inquisitivo, a ele
não se aplicam os princípios do contraditório e da ampla defesa. Conforme
estabelece o art. 5º, LV, da CF/88, “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Uma vez que a simples
investigação de fato criminoso e de sua autoria não configura acusação, não ocorre
o enquadramento do procedimento de inquérito policial no dispositivo citado.
Dentre os autores que defendem a admissão do contraditório na investigação
criminal, pode-se citar Tucci e Tucci83. Estes doutrinadores afirmam que a
Constituição Federal, em seu art. 5º, LV:
(...) reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, estendendo sua incidência, expressamente, aos procedimentos administrativos (...) ora, assim sendo, se o próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento, nele se encarta, à evidência, a noção de qualquer procedimento administrativo e, conseqüentemente, a de procedimento administrativo-persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal, que é o inquérito policial.
A jurisprudência também se posiciona a respeito:
A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado meio objeto de investigações. O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias legais e constitucionais, cuja inobservância pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial84.
82 QUEIROZ, André. Processo penal. Disponível em: http://andrerqueiroz.blogspot.com/2009/03/processo-penal.html. Acesso em: 14 out. 2009. 83 TUCCI, Rogério Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz e. Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional. São Paulo, RT, 1993, p. 25 e ss. 84 STF, HC 73.271-SP, rel. Celso de Mello.
49
Aury Lopes Jr.85 destaca que “quando falamos em “contraditório” na fase
pré-processual estamos fazendo alusão ao seu primeiro momento, da informação”
(grifo do autor).
Isto porque, em sentido estrito, não pode existir contraditório pleno no
inquérito porque não existe uma relação jurídico-processual, não está presente a
estrutura dialética que caracteriza o processo. Não há o exercício de uma pretensão
acusatória. Sem embargo, esse direito à informação – importante faceta do
contraditório – adquire relevância na medida em que será através dele que será
exercida a defesa.
Pellegrini Grinover et all86 esclarecem que:
Defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é esta – como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório.
Logo, o contraditório se manifesta – não na sua plenitude – no Inquérito
Policial através da garantia de “acesso” aos autos do inquérito.
3.2 A (IM) POSSIBILIDADE DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL
Parte da doutrina é contrária à utilização do contraditório como recurso no
Inquérito Policial. Aguiar87 afirma que “a ausência do contraditório e da ampla defesa
no inquérito policial é doutrinária e jurisprudencialmente aceita”.
Este autor considera que a ausência do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial, não implica em desobediência aos direitos e garantias
85 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Volume 1. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 315. 86 GRINOVER, Ada Pellegrini et all. As Nulidades do Processo Penal. 7.ed. rev. e atual.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 63. 87 AGUIAR, João Marcelo Brasileiro de. Contraditório e ampla defesa no inquérito policial . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 43, jul. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1049>. Acesso em: 29 out. 2009.
50
fundamentais do indiciado, sob pena de responder criminalmente aquelas
autoridades que as desrespeitam.
Queiroz Filho88 ressalta que no inquérito não há acusado, não havendo como
aplicar o contraditório. Para Barbosa89, o inquérito policial não é acusatório e sim
inquisitório. Chouke90 e Grinover91 dizem que não existe acusado no inquérito, nem
litigante. Para Marques92 e Pedroso93, a existência do contraditório pode tumultuar
as investigações. Acquaviva94 diz que o contraditório não está em consonância com
a natureza inquisitiva do inquérito. Para Celso Bastos não há acusação formada no
inquérito policial.
Para Alexandre de Moraes95:
O contraditório nos procedimentos penais não se aplica aos inquéritos policiais, pois a fase investigatória é preparatória da acusação, inexistindo, ainda, acusado, constituindo, pois, mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado a subsidiar a atuação do titular da ação penal, o Ministério Público.
Tourinho Filho96 também acredita na inexistência do contraditório nos
inquéritos policias. Segundo este autor, a expressão “processo administrativo”
presente no texto da Constituição, não engloba o inquérito policial, mas apenas
processos instaurados pela Administração Pública para apurar infrações
administrativas, porque nestes casos é possível a aplicação de uma sanção, o que
não acontece no inquérito policial.
88 QUEIROZ FILHO, Dilermando. Inquérito Policial. Editora ADCOAS - Esplanada, 2000. 89 BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito Policial. 5. ed. São Paulo: Método, 2006. 90 CHOUKE, Fauzi Hassan. Garantias constitucionais na investigação criminal. São Paulo: RT, 1995. 91 GRINOVER, Ada Pelegrini. O interrogatório como meio de defesa (Lei 10.792/2003). RBCCRIM 53, 2005. 92 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Millenium, 2000. 93 PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo penal. O direito de defesa: repercussão, amplitude e limites. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 94 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Inquérito policial. São Paulo: Ícone, 1992. 95 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 6 ed. São Paulo: Atlas, 1999. 96 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2001.
51
Manoel Messias Barbosa97 entende que o inquérito policial, por sua natureza,
é inquisitório, sigiloso e não permite defesa. Para José Frederico Marques98, a
investigação tem natureza inquisitiva e a presença do contraditório poderia conduzir
as investigações policiais ao fracasso.
Demercian e Maluly99 informam que sob a aparência de proteger direitos do
cidadão, o contraditório prejudica o interesse público de repressão da criminalidade
e ainda sujeita o suspeito, antecipadamente, a uma forma de processo, sem que
haja, para tanto, um mínimo de viabilidade ou razoabilidade.
E, segundo Grinover100, quando a Constituição se refere a processo
administrativo, não está se referindo a uma peça investigatória. Embora o inquérito
policial possua a natureza de procedimento administrativo, nele ainda não há
acusado e, freqüentemente, ainda não há sequer indiciado.
Outros argumentos utilizados na tese de que no inquérito policial não é
possível falar-se em princípio do contraditório, são encontrados no próprio Código de
Processo Penal, nos seguintes artigos:
Artigo 107. Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos de inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal Artigo 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.
Por esta razão, Bastos e Martins101 concluem que a adoção do princípio do
contraditório no inquérito policial inviabilizaria a investigação, além do que no
inquérito não existe acusação formada.
97 BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito Policial. 5. ed. São Paulo: Método, 2006. 98 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Millenium, 2000. 99 DEMERCIAN, Pedro Henrique e MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 1. ed., São. Paulo: Atlas, 1999. 100 GRINOVER, Ada Pelegrini. O interrogatório como meio de defesa (Lei 10.792/2003). RBCCRIM 53, 2005. 101 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários a constituição do Brasil: 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 3, t. 1.
52
3.2 A UTILIZAÇÃO DA AMPLA DEFESA
Defender significa “resistir, opor forças, ou razões, à força ou argumentos,
que se nos fazem proteger, sustentar algum partido, opinião”102. É, pois, defesa o
“ato ou efeito de defender. Resistência a um ataque, aquilo que serve para defender.
Impugnação feita a uma acusação. Exposição de fatos e produção de provas em
favor de um réu, mostrando a falta de culpabilidade”103.
Essencialmente, e em sentido comum, portanto, defesa significa resistência,
contra-ataque, oposição de forças, consistindo o exercício do direito de defesa na
ação de repelir, de repulsar, resistir.
Sob o enfoque técnico-jurídico, a defesa visa à preservação e restauração
dos direitos do acusado, para tutela de sua liberdade jurídica, sendo o exercício da
pretensão à tutela jurídica por parte do acusado.
A defesa, no processo penal, tem como escopo preservar os direitos do acusado – ou do condenado –, de tratamento injusto e inadequado. Consiste em momento infalível no processo, representando instrumento indispensável à realização da justiça104.
Dessa forma, a defesa pode ser considerada um “direito do acusado, ou
sancionado, à tutela jurídica de sua liberdade, ou, também, como direito de querer a
observância das normas, que lhe enviam a lesão do direito à liberdade”105. Em
outras palavras, a defesa do acusado consiste na possibilidade de este se contrapor
à imputação que lhe é feita.
Como está previsto na legislação:
102 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BASTOS, Cleunice A. Valentim. Defesa penal: direito ou garantia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 1, n. 4, out./dez. 1993, p. 116. 103 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 212-213. 104 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BASTOS, Cleunice A. Valentim. Defesa penal: direito ou garantia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 1, n. 4, out./dez. 1993, p. 113. 105 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BASTOS, Cleunice A. Valentim. Defesa penal: direito ou garantia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 1, n. 4, out./dez. 1993, p. 113.
53
O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade (art. 14). São direitos do advogado: (...) VI – ingressar livremente: (...) b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de Justiça, serviços notoriais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares; (...) XIV – examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos (Lei n. 8.906/94, Estatuto da OAB, art. 7º).
Garcia106 enfatiza que “defesa propriamente dita não será possível na fase
inicial”. E complementa: “Inexistindo acusação do Inquérito, também não haverá
defesa. Embora sujeito ao arbítrio da Autoridade Policial, pode o indiciado requerer
diligências”.
O Defensor, se já constituído, poderá estar presente no momento do
interrogatório do indiciado, mas não poderá intervir nem influir, de qualquer modo,
nas perguntas e nas respostas. Da mesma forma, poderá assistir à inquirição de
testemunhas e acompanhar a realização de perícias.
Ocorrendo prisão em flagrante ou prisão preventiva, o indiciado terá direito de
postular judicialmente, tentando anular e cerceamento de liberdade. Mas aí não se
trata de defesa no Inquérito, e, sim, de defesa do direito de liberdade. No que se
refere à atuação do Advogado, embora não sendo contraditório o Inquérito, o
profissional deverá ter acesso às repartições policiais e às peças de investigação107.
Autores como Fernando Capez108 e Mirabete109 negam a existência de defesa
e contraditório (sequer como direito à informação) no Inquérito Policial. Para esses
doutrinadores, “o réu é simples objeto de um procedimento administrativo”.
Para Aury Lopes Jr.110, “a afirmação genérica e infundada de que não existe
direito de defesa e contraditório no Inquérito Policial” está errada. Comprovando que
106 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB Editora, 2007, p. 510. 107 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 11. ed. Goiânia: AB Editora, 2007, p. 511. 108 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 79. 109 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, 16. ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 92.
54
este direito existe desde 1941, o autor cita a possibilidade de o indiciado
exercer no interrogatório policial sua autodefesa positiva (dando sua versão aos
fatos); ou negativa (usando seu direito de silêncio). Também poderá fazer-se
acompanhado de advogado (defesa técnica) que poderá agora, intervir no final do
interrogatório. Poderá, ainda, postular diligências e juntar documentos (art. 14 do
CPP). Por fim, poderá exercer a defesa exógena, através do habeas corpus e do
mandado de segurança.
A ampla defesa está consagrada no art. 5º, LV, da Constituição, no art. 8.2 da
CADH 111 e também no Código de Processo Penal que dedica o Capítulo III do Título
VIII do Livro I, além de diversos dispositivos ao longo de todo o código. Aury Lopes
Jr.112 destaca que “a Constituição utiliza o adjetivo ampla defesa, enfatizando o
alcance da proteção, de modo que deve ser exercida com todos os meios e recursos
a ela inerentes”.
O direito de defesa é um direito-réplica, que nasce com a agressão que representa para o sujeito passivo a existência de uma imputação ou ser objeto de diligências e vigilância policial. Nesta valoração reside um dos maiores erros de alguma doutrina brasileira que advoga pela inaplicabilidade do art. 5º, LV, da CB ao inquérito policial, argumentando, simploriamente, que não existem “acusados nessa fase”, eis que não foi oferecida denúncia ou queixa113.
O citado doutrinador recorda que o texto constitucional é extremamente
abrangente, protegendo os litigantes tanto em processo judicial como em
procedimento administrativo. Não satisfeito, o legislador constituinte ainda incluiu,
para evitar dúvidas, a expressão “e aos acusados em geral”, assegurando-lhes o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
110 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Volume 1. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 313. 111 Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (1969). 112 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Volume 1. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 315. 113 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Volume 1. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 315.
55
Para Lopes Jr.114:
Não há como afastar o sujeito passivo da investigação preliminar da abrangência da proteção, pois é inegável que ele encaixa na situação de “acusados em geral”, pois a imputação e o indiciamento são formas de acusação em sentido amplo.
Deve-se, pois, assegurar o exercício do direito de defesa do Inquérito Policial.
3.4 O DIREITO À AUTO-DEFESA
3.4.1 O direito ao silêncio
O direito de permanecer calado é assegurado ao preso, e se estende também
ao indiciado solto, pelo art. 5º, LXIII, da Constituição da República. Vem ainda
previsto no art. 8.2g do Decreto 678, de 06/11/1002 (Pacto de San José da Costa
Rica) e no art. 186 e parágrafo único do CPP.
“No plano do direito material, o direito ao silêncio insere-se no direito à
intimidade e, por conseqüência, nos direitos da personalidade”115. “No plano
processual, revela-se como proteção contra auto-incriminação”116, inserindo-se na
regra do devido processo penal, previsto no art. 5º, LIV, da Constituição da
República.
No plano processual, o direito ao silencia mostra-se como a proteção,
constitucionalmente assegurada, contra a auto-incriminação, De acordo com o
disposto no parágrafo único do art. 186 do CPP, o direito ao silencia também é
aplicável ao Inquérito Policial.
114 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Volume 1. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 316. 115 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; MORAES, Maurício Zanoide de. Direito ao silêncio no interrogatório. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, ano 1, n. 4, out. / dez. 1993, p. 290. 116 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 392.
56
Segundo determina o art. 6º, do mesmo diploma, da opção pelo silêncio, do
exercício regular de um direito constitucionalmente assegurado, não pode advir
qualquer prejuízo ao acusado.
“Não pode importar desfavorecimento do imputado, até porque consistiria
inominado absurdo entender-se que o exercício de um direito, expresso na Lei das
Leis como fundamental ao indivíduo, possa acarretar-lhe qualquer desvantagem”117.
Saad118 esclarece o momento a partir do qual o acusado pode exercer o
direito ao silêncio, em sentido amplo.
Em caso de prisão em flagrante delito, o direito ao silêncio deve ser
assegurado desde o momento da prisão ou captura e nada do que vier a dizer, se
quem seja alertado de seu direito constitucional, poderá ser utilizado contra si. No
interrogatório do preso em flagrante delito, o acusado deve ser informado de que
pode silenciar diante das questões que lhe forem feitas.
O acusado preso, interrogado no auto de prisão em flagrante, tem o direito de
calar, sem que seu silêncio importe qualquer prejuízo. No auto de prisão, deve
constar expressa informação de que foi conferido ao acusado o direito ao silêncio,
“sendo certo que, desrespeitada a garantia constitucional, há nulidade do
flagrante”119.
Caso o Inquérito Policial tenha se iniciado por outra forma que não a prisão
em flagrante e o acusado esteja em liberdade, tão logo ele seja chamado a depor,
na qualidade de suspeito ou indiciado, deve ser informado de seu direito ao silêncio.
Isso é o que afirma Saad120: “Não se deve usar do expediente de se postergar o
indiciamento para que o sujeito, desconhecendo em que qualidade está depondo,
deixe de utilizar seus direitos constitucionalmente assegurados”.
Assim, o momento de permanecer calado deve ser informado ao preso, e
também ao indiciado, no momento da prisão em flagrante e no momento do
117 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 396. 118 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 292-295. 119 CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. O processo penal em face da Constituição: princípios constitucionais do processo penal. 2. ed. reesc. e ampl. Rio de janeiro: Forense, 1998, pó. 24-25. 120 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 292-295.
57
interrogatório – em se tratando de acusado que não foi preso em flagrante delito –,
pela autoridade encarregada da persecução penal.
Essa explicação, ademais, deve ser efetiva, vale dizer, concreta; e completa, ou seja, abrange três das concessões constitucionais, a saber: a) direito de permanecer calado; b) direito à assistência de família; e c) direito à assistência de advogado121.
Além de se calar, tem o acusado também o direito de se recusar a assinar o
termo de interrogatório, segundo o art. 195 do CPP, sendo que, se ele não souber
escrever, não puder ou não quiser assinar, tal fato deve ser consignado no termo.
3.4.2 O direito de não declarar a verdade
O acusado, ainda que informalmente acusado, não tem qualquer dever de
fornecer elementos de prova que possam incriminá-lo. Assim, ele “pode calar-se ou
até mentir”, sendo a mentira um direito seu122.
De fato, garante-se ao acusado “não só o direito ao silêncio puro, mas
também o direito a prestar declarações falsas e inverídicas, sem por elas ser
responsabilizado, uma vez que não se conhece em nosso ordenamento jurídico o
crime de perjúrio”123.
Mas o direito de não declarar a verdade sofre algumas limitações. O acusado
tem o direito de silenciar informações quanto aos fatos, mas não quanto à pessoa.
Assim, ele é obrigado a prestar informações verdadeiras sobre sua identidade,
respondendo corretamente às perguntas quanto à sua qualificação (art. 187,
parágrafo único, do CPP).
121 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 297. 122 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em sua unidade. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 100. 123 DIAS NETO, Theodomiro. O direito ao silêncio: tratamento nos direitos alemão e norte-americano. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, ano 5, n. 19, jul. set. 1997, p. 187.
58
Essa limitação baseia-se em três argumentos:
Primeiro, porque tais respostas não trazem em si qualquer atividade defensiva; segundo, porque a exata qualificação do interrogado evita confusões acerca de sua identidade; e, terceiro, porque a mentira que se permite é aquela de que se vale o interrogado para defender-se quanto aos fatos que lhe são imputados124.
Assim, tem-se que, sendo o interrogatório constituído de duas partes – sobre
a pessoa do acusado e sobre os fatos –, o acusado pode silenciar quanto ao fato
perquirido, mas não quanto à sua identidade, sob pena de prática de infração penal.
3.4.3 O direito de não participar de reconhecimento, acareação e reprodução
simulada
O direito ao silêncio é apenas uma das manifestações de uma garantia maior,
segundo a qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo por omitir-se em
colaborar em uma atividade probatória de acusação. Constitui “uma garantia
constitucional de que ninguém é obrigado a depor contra si mesmo, a produzir
provas ou praticar atos lesivos à sua defesa”125.
Portanto, além de calar-se, negando-se a declarar, ou até mentir, pode
também o acusado não contribuir para a atividade probatória levada a cabo pelos
órgãos de investigação. O acusado não pode ser compelido a declarar nem a
participar de qualquer atividade que possa porventura incrimina-lo ou prejudicar sua
defesa.
124 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; MORAES, Maurício Zanoide de. Direito ao silêncio no interrogatório. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, ano 1, n. 4, out. / dez. 1993, p. 138-139. 125 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; MORAES, Maurício Zanoide de. Direito ao silêncio no interrogatório. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, ano 1, n. 4, out. / dez. 1993, p. 138-139.
59
A recusa do acusado de participar na obtenção de meios de prova constitui
“mais uma manifestação da autodefesa negativa, logo, o regular exercício do direito
constitucional de não fazer prova contra si mesmo”126.
Assim, se é certo que o acusado é compelido a se submeter passivamente a
certas medidas coercitivas, como exames clínicos, não pode “jamais ser forçado a
participar ativamente em sua aplicação e possui a possibilidade de optar pelo
silêncio quando este caminho lhe parecer mais conveniente para a sua defesa”127.
Desse modo, o acusado não pode ser compelido a participar de
reconhecimento (art. 6º, VI, c/c os arts 226 a 228 do CPP), acareação (art. 6º, VI, c/c
os arts. 229 e 230 do CPP), reprodução simulada dos fatos ou reconstituição (art. 7º,
do CPP), a fornecer material para a realização de exames periciais que exigem
intervenções corporais (exame de sangue, teste de alcoolemia, de DNA), a fornecer
material escrito para realização de exame grafotécnico, e “sendo a recusa um
direito, obviamente não pode ao mesmo tempo ser considerada delito”128.
Por isso, visando à solução que harmonize o direito individual e a busca da
verdade, a acusação deve buscar provas que não dependam da colaboração do
acusado para demonstrar os fatos. Somente por exceção se pode pretender que
coopere na produção de provas que possam incriminá-lo.
126 LOPES JR., Aury Celso Lima. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001, p. 329. 127 DIAS NETO, Theodomiro. O direito ao silêncio: tratamento nos direitos alemão e norte-americano. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, ano 5, n. 19, jul. set. 1997, p. 185. 128 LOPES JR., Aury Celso Lima. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001, p. 314.
60
CONCLUSÃO
O inquérito policial é atividade de atribuição da polícia judiciária, muito
embora movimentos cíclicos na história brasileira preguem a substituição deste pelo
juizado de instrução ou por condução direta pelo Ministério Público.
O Inquérito Policial é procedimento administrativo, cautelar, que tem por
função elucidar o fato, o qual aparenta ser ilícito e típico, em sua autoria, co-autoria
e participação. Tem natureza inquisitiva e não inquisitória. O delegado de polícia tem
discricionariedade e o poder-dever de busca da verdade material e isso de forma
alguma impede a participação e a colaboração da defesa do acusado nessa fase
preliminar da persecução penal, bem assim do ofendido.
Além do caráter informativo, o Inquérito Policial possui valor instrutório. Serve
de base ao juízo de acusação e também à decretação das medidas e provimentos
cautelares restritivos de direitos individuais.
Contém atos de investigação e atos de instrução. Enquanto a autoridade
perquire, rastreia, pratica tão só atos de investigação, em que nenhum papel ativo
ou interferência cabem ao acusado. Quando a autoridade documenta a diligência,
reduzindo-a a escrito e visando a instruir a autoridade judicial, pratica atos de
instrução. Nessa fase, o acusado tem direito de defesa e participação ativa no
procedimento.
O acusado deve ter garantido o seu direito de defesa, no sentido de
resistência, oposição de formas, possibilitando a ele o direito de se contrapor a todas
as acusações, com a assistência de advogado, com a possibilidade de manter-se
em silêncio, e a admissibilidade de produção das provas por ele requeridas,
indispensáveis à demonstração de sua inocência ou de sua culpa diminuída.
A defesa pode ser exercida independentemente da efetiva instalação do
contraditório. De fato, no inquérito policial não se pode estabelecer contraditório, em
sentido técnico, porque ainda não há parte acusado, em sentido formal, nem
tampouco há sujeito imparcial destinatário do resultado. Dessa forma, o exercício do
direito de defesa deve se iniciar no Inquérito Policial, permitindo-se então uma
defesa integral, contínua e unitária.
61
O direito de defesa é um direito natural, imprescindível para a administração
da justiça. No entanto, exige especial atenção o grave dilema que pode gerar o
direito de defesa sem qualquer limite, pois poderia criar um sério risco para a própria
finalidade da investigação preliminar. Por outro lado, a absoluta inexistência de
defesa viola os mais elementares postulados do moderno processo penal. É um
dilema sério e, sendo assim, deve ser encontrado um meio termo, pois é indubitável
que a defesa no período inquisitório apresenta alguns obstáculos, mas as suas
vantagens são muito maiores e não podem ser anuladas por qualquer objeção a
esse direito.
Em suma: existe o direito de defesa (técnica e pessoal – positiva e negativa)
e contraditório (no sentido e acesso aos autos). O desafio é dar-lhes a eficácia
assegurada pela Constituição.
62
REFERÊNCIAS
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Inquérito policial. São Paulo: Ícone, 1992.
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