A incerteza, a ciência e a evidênciateza ou da verdade. Dessa forma a medicina basea-da em...

Preview:

Citation preview

A incerteza, a ciênciae a evidência

egundo Stephen Hawking, a física não éuma ciência exata. Diz ele que o físico nunca sabeonde o pêndulo está, e sim onde o pêndulo temmaior probabilidade de estar. O mesmo aconteceem relação às decisões na medicina, em que estãoenvolvidos múltiplos fatores que nos afastam da cer-teza ou da verdade. Dessa forma a medicina basea-da em evidências é uma ciência e um movimentoque visa reduzir a incerteza nas tomadas de decisão.Reduzir as probabilidades de errarmos e causarmosmais mal do que bem ao paciente.

Aliás, segundo o Dicionário Houaiss da Lín-gua Portuguesa, o antônimo da palavra "evidência" é"incerteza".' Assim, poderíamos definir medicina ba-seada em evidências como medicina baseada na re-dução da incerteza. A redução da incerteza pode serfeita (por meio da melhoria e do rigor da metodologia)para prevenção dos viéses e do aumento do tamanhoamostral em cada estudo ou da realização demetanálises, para diminuição dos efeitos do acaso.Finalmente, essa redução pode ser obtida pela reali-zação de sínteses críticas, ou seja, revisões sistemáti-cas e, com elas, diretrizes baseadas em evidências, parautilização na prática dos profissionais da saúde.

De maneira simplificada, poderíamos dizer quea pesquisa médica pode ser dividida em algumas gran-des áreas: pesquisa básica, que inclui, por exemplo,anatomia, embriologia, genética e biologia molecular;fisiopatologia, que tenta integrar os conhecimentosbásicos, tais como anatomia, fisiologia, biologiamolecular, à patologia cria hipóteses e teses para apli-cações diagnósticas e terapêuticas; a epidemiologia;área clínica; e a epidemiologia clínica, que aplica ametodologia da epidemiologia à área clínica e, comisso, testa a real utilidade e o impacto dos conheci-mentos das áreas básicas e mecanismos propostos na

Diagn Tratamento 2004;9(1):27·8.

fisiopatologia para uso na prática da medicina clínicae da medicina preventiva. A epidemiologia clínica é,portanto, o componente fundamental para testarmosa utilidade dos procedimentos diagnósticos na suacapacidade de identificar indivíduos com doenças ounão, e para testar a efetividade, a eficiência e a segu-rança das intervenções propostas. Ela é o filtro finalda aplicação dos novos conhecimentos para permitirque a medicina baseie-se em evidências.

Considerar _que apenas as pesquisas básicas efisiopatológicas merecem reconhecimento acadêmi-co adequado equivale a ignorar a importância da ne-cessidade da pesquisa da efetividade e da segurançaantes de levar novas hipóteses, conceitos e conheci-mentos para o exercício profissional. O cidadão pro-cura o profissional da saúde porque considera que elese embase mais na ciência do que outros indivíduosda sociedade. Faz parte da ética atender a essa expec-tativa lógica dos pacientes. Ética essa que justifica aexistência da própria ciência e do reconhecimentodo profissional na área da saúde.

Entende o leigo que o profissional da saúdeestá cientificamente esclarecido sobre as avaliações dastecnologias propostas para saúde. O paciente assumeque o profissional está apto a escolher a opção demelhor efetividade, eficiência e segurança para si, parasua família e para a sociedade. Melhorar a eficiênciana busca desses objetivos é, em síntese, um papel fun-damental da medicina baseada em evidências ou"medicina baseada na redução das incertezas".

Dessa forma, o ensino, a pesquisa e o conheci-mento acadêmico da pesquisa da avaliação tecnológicana saúde, da efetividade, da eficiência e da segurançade cada nova intervenção a ser proposta ao indivíduoe à população passam a ser estrategicamente impor-tantes aos países e a todo o mundo. Em outras pala-

27

28

-------------------- --

vras, além da pesquisa básica e da pesquisa defisiopatologia, existem áreas importantes que não sótêm utilidade prática, como também testam e reno-vam hipóteses para pesquisas básicas, criando um ci-clo virtuoso em benefício de rodos. Não valorizaradequadamente isso pode levar ao uso inadequadoda ciência médico-biológica.

Por um todo, a não realização de ensaios clíni-cos, procedendo-se à aplicação de hipóteses teóricasdiretamente à prática, já causou inúmeras tragédiasna história da medicina. Por outro lado, a realizaçãode ensaios clínicos tem salvado milhões de vidas aodemonstrar quais intervenções beneficiam e quaiscausam mais mal do que bem às pessoas. Desde osestudos do Medical Research Council sobre aefetividade do uso da estreptomicina no tratamentoda tuberculose, em 1948, os ensaios clínicos são con-siderados o padrão ouro para comparação de duas oumais intervenções em saúde. Mais recentemente ve-rificou-se que as incertezas poderiam reduzir-se ain-da mais com os chamados "megatriaLs" e com as revi-sões sistemáticas com metanálises.

Reduzindo-se as incertezas sobre a efetividade esegurança em cada intervenção em saúde, podem-secalcular os custos e os benefícios de cada opção, verifi-car sua eficiência e transformar esses conhecimentospara que diretrizes clínicas possam ser implementadas.Todo o processo, desde a realização de estudos

anatômicos, passando pela epidemiologia, até aimplementação dos resultados, requer pesquisas cien-tíficas rigorosas multidisciplinares, que incluem, alémdas disciplinas já citadas, a psicologia, a economia, aantropologia, a estatística, a sociologia etc, pois estáem jogo a qualidade de vida e o bem comum. Paraisso, é preciso não subestimar a importância do quenão se conhece, conhecer e ampliar os horizontes, so-bre o que é relevante e não perder a noção do todonem dos objetivos da ciência médica. Não há bonsventos para nau sem porto de destino.

Álvaro Nagib Atallah. Professor livre docente da Universidade Federal deSão Paulo - Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM). Chefe da Disci-plina de Medicina de Urgência. Diretor do Centro Cochrane do Brasil.

Referências

1. Houaiss A, Villar MS. Dicionário Houoiss da língua Portuguesa. Rio de Janeiro.Objetivo; 200 1.

nformaçõesCentro CochraneRua Pedro de Toledo, 598 - Vila ClementinoSão Paulo/SP - CEP 04039-001Tel/Fax (lI) 5575-2970/5579-0469E-mail: cochrane.dmed@epm.brSire: www.centrocochranedobrasil.org

Diagn Tratamento 2004 ;9( 1):27-8.

'.

Recommended