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Universidade de Braslia UnB
Instituto de Letras- IL
Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas
LIP
Programa de Ps-Graduao em Lingustica PPGL
Janana de Aquino Ferraz
Braslia-DF
2011
A Multimodalidade no Ensino de Portugus
como Segunda Lngua: novas perspectivas
discursivas crticas
Universidade de Braslia UnB
Instituto de Letras- IL
Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas
LIP
Programa de Ps-Graduao em Lingustica PPGL
Janana de Aquino Ferraz
A Multimodalidade no Ensino de Portugus como
Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas
crticas
Braslia, DF
2011
Universidade de Braslia UnB
Instituto de Letras- IL
Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas LIP
Programa de Ps-Graduao em Lingustica PPGL
Janana de Aquino Ferraz
A Multimodalidade no Ensino de Portugus como Segunda
Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
Orientadora: Professora Doutora Josenia Antunes Vieira
Braslia-DF
2011
Tese apresentada como requisito
parcial para obteno do ttulo de
Doutor em Lingustica Banca
Examinadora do Programa de Ps-
Graduao em Lingustica da
Universidade de Braslia
A Multimodalidade no Ensino de Portugus como Segunda Lngua:
novas perspectivas discursivas crticas
Janana de Aquino Ferraz
BANCA EXAMINADORA
..................................................................................
Professora Doutora Josenia Antunes Vieira (Orientadora)
..................................................................................
Professora Doutora Aparecida Regina Borges Sellan (Membro Externo)
..................................................................................
Professora Doutora Elizete de Azevedo Kreutz (Membro Externo)
..................................................................................
Professora Doutora Maria Luisa Ortz Alvarez (Membro Externo)
..................................................................................
Professora Doutora Edna Cristina Muniz da Silva (Membro Interno)
.................................................................................
Professora Doutora Francisca Cordlia Oliveira da Silva (Suplente)
..................................................................................
Aos meus queridos pais, Humberto e Josenilda.
Ao meu amado marido, Rafael.
s minhas lindas filhas, Juliana e
Carolina.
AGRADECIMENTOS
Vou iniciar a tarefa de agradecer por aqueles que me guiaram at esse ponto, os
primeiros orientadores da minha vida: meus pais, Humberto e Josenilda, ou como hoje
so mais conhecidos v Aquino e v J, j que nos ltimos 13 anos esses vocativos
tm sido os mais constantes. Cada um deles foi meu mestre em aspectos que hoje
marcam grande parte de quem sou. Meu pai, na alegria e no gosto pelas letras, minha
me, na dedicao e na persistncia pela busca de meus objetivos, nesse ponto ressalto o
quanto devo a ela no s meu ingresso na vida acadmica, mas a progresso nesta
tambm. Foram esses primeiros orientadores que me mostraram a importncia dos
estudos e a eles que dedico toda reverncia mais que merecida.
Agradeo tambm com especial reverncia orientadora com que o ingresso na
Universidade de Braslia no primeiro vestibular de 1998 me agraciou, Professora
Doutora Josenia Antunes Vieira, que no vem somente me acompanhando nessa
trajetria de 13 anos na vida acadmica, mas que vem VIVENCIANDO comigo cada
um dos momentos mais importantes de minha carreira desde o convite para o primeiro
PIBIC (foram trs ao todo), a formatura na GRADUAO, o MESTRADO, o
DOUTORADO e mais recentemente o ingresso como DOCENTE na UnB. A ela devo
outra parte de quem sou, a docente pesquisadora. ela a quem, com muito orgulho,
chamo de me acadmica.
Agradeo aos professores e s professoras da Universidade de Braslia, muitos
hoje a quem tenho a honra de chamar de colegas e que em muito contriburam para
minha formao crtica.
Agradeo aos membros da banca, o olhar crtico e colaborativo que garante a
excelncia desta tese.
Agradeo equipe das secretarias do LIP, do PPGL e de Letras UAB/UnB:
Humberto, Luis Henrique, Renata, ngela, Ana Marta, Naiane e Carolina, que por
vrias vezes presenciaram os momentos prvios defesa e ofereceram seu apoio.
Agradeo s amigas e aos amigos com quem venho compartilhando os
momentos de estudo, de alegria, de tristeza, de dvida, de crises... sem essas pessoas,
essa caminhada seria muito mais penosa: Harrison da Rocha (irmo de alma), Cordlia
Oliveira, Marcia Niederauer, Flvia Castro, Edna Cristina, Ormezinda M. Ribeiro
Aya, Mrcio Andrbio, Eni A. Batista, Joana Ormundo, Carolina Andrade, Flvia M.
Pires.
Agradeo s minhas irms e irmo de corao: Patrcia Maria Jacob Pereira,
Marcela da Silva Amaral Cavalvanti e Leandro Dias Carneiro Rodrigues que desde a
graduao revelaram-se verdadeiros companheiros.
Agradeo aos meus familiares: meus sogros, Garivaldino e Leda, minha cunhada
Ana Paula Ferraz, minha prima querida, Alessandra Saraiva Monteiro a mana, meu
irmo, rico Aquino, pelo apoio moral e logstico durante esse perodo.
Agradeo ESPECIALMENTE ao meu amado marido, Rafael Cardoso Ferraz,
que vem trilhando ao meu lado nos ltimos 15 anos uma linda trajetria de vida, sempre
me apoiando, sempre me mostrando toda sua capacidade de compreenso nos
momentos de ausncia, de noites em claro, de mau humor, e que NUNCA me deixou
esmorecer diante dos desafios que se apresentavam. A voc todo meu amor!
Agradeo tambm de forma ESPECIAL s minhas duas princesinhas: Juliana,
com sua ternura e tranquilidade, que em muito me inspiram, e Carolina, com sua
tagarelice contagiante em forma de um sorriso banguela que me faz ganhar o dia. Elas,
que mesmo privadas de minha presena, em muitos momentos, jamais deixaram de me
dedicar carinho, de me proporcionar alegrias e de me dar a fora necessria para vencer
etapa a etapa dessa fase de doutoramento.
Agradeo, finalmente, a Deus, pelo dom da vida, pela fora e pelo presente
concedido a mim e que base de uma existncia feliz: minha famlia.
Nenhum trabalho de qualidade pode ser feito sem concentrao e auto-
-sacrifcio, esforo e dvida.
Max Beerbohm
http://pensador.uol.com.br/autor/max_beerbohm/
RESUMO
Frente ao constante surgimento de novas tecnologias digitais e ressemiotizao de
diferentes modalidades da linguagem, esta tese tem como objetivo investigar como a
lgica organizacional de diferentes mdias pode ser fator determinante para o ensino de
portugus do Brasil como segunda lngua seja para estrangeiros, seja para indgenas,
seja para surdos. Neste estudo, defendo a tese de que a sistematizao de trabalho
multimodal na composio de materiais didticos pode favorecer a abordagem
crtica de diferentes modalidades lingusticas normalmente empregadas no ensino
de portugus como segunda lngua. O corpus de pesquisa formado por mdias
digitais: um CD-ROM, uma unidade didtica e dois sites. A pesquisa de orientao
qualitativa (BAUER & GASKELL, 2003), privilegiou a interpretao e a
reinterpretao dos dados. A anlise desse corpus guiou-se por trs questes de
pesquisa: Como so apresentados os sentidos em mdias constitudas por mais de uma
modalidade discursiva? Como o ensino de portugus como segunda lngua pode ser
favorecido por diferentes mdias? Como a teoria da multimodalidade pode guiar a
seleo e a composio de tarefas para o ensino de segunda lngua. A base terica da
pesquisa centrou-se na Anlise de Discurso Crtica (FAIRCLOUGH, 2001, 2003, 2006)
que, desde suas origens, j mostrava abertura para investigao cientfica de outros
modos semiticos alm da oralidade e da escrita, levou escolha da Teoria Semitica
Social/Multimodalidade (KRESS &van LEEUWEN, 1996, 2001; van LEEUWEN,
2005). As anlises das mdias selecionadas permitiram-me traar uma sntese da
proposta de sistematizao de trabalho multimodal como caminho plausvel para a
elaborao de mdias digitais para o ensino de portugus como segunda lngua em uma
perspectiva discursiva crtica de forma a atender as demandas especficas do pblico
alvo do PBSL, usando assim a tecnologia hoje disponvel em favor de educao de
qualidade que promova o letramento multimodal como insero de indivduos nas
prticas sociais permeadas de diferentes semioses.
Palavras-chave: multimodalidade, segunda lngua, mdias, discurso.
ABSTRACT
Faced on the constant emergence of new digital technologies and the
recontextualization of different modalities of language, this thesis aims to investigate
how the organizational logic of different media can be a determining factor for the
quality in teaching Brazilian Portuguese as a second language (BPSL) for foreigners,
indigenous, and deaf people. In this study, I argue that a systematic work at the
composition of multimodal instructional materials can facilitate a critical approach of
different modalities commonly used for teaching BPSL.The research corpus is made up
of digital media: a CD- ROM, a multimodal teaching unit and two websites. The
research has qualitative orientation (Bauer & Gaskell, 2003) and the analysis of this
corpus is guided by three research questions: How is presented the didactic content on
material composed by different modes of language? How can the organizational logic of
different media benefit the teaching of Portuguese as a second language? How can
systematization of multimodal work guide the selection and composition of tasks in
order to develop competence in of different semiotic resources in target language? The
theoretical basis of Critical Discourse Analysis (FAIRCLOUGH 2001, 2003, 2006) has
been investigating other semiotic modes in addition to speaking and writing, which led
to the choice of Social Semiotics Theory (KRESS & van LEEUWEN, [1996] 2006,
2001; van LEEUWEN, 2005) and the Depth Hermeneutics (Thompson, 1995) for
analysis. Analysis of selected media allowed me to draw a summary of a referential for
systematic multimodal work as a plausible way for the preparation of materials in
Portuguese as a second language at a critical discursive perspective that aims specific
demands of BPSL audience. It means to use available technology nowadays in favor of
educational quality that promotes real inclusion of students in social practices
permeated of different modalities.
Keywords: multimodality, second language, media, discourse.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Escolas Semiticas com influncias lingusticas
p.48
Quadro 2: Os cinco modus operandi e as respectivas estratgias da ideologia
segundo John Thompson
p.51
Quadro 3: Tipos de websites de acordo com a atividade social
p.88
Quadro 4: Dispositivos de armazenamento
p.128
Quadro 5: Mdias em CD segundo Tanenbaum (1996, p.142) p.129
Quadro 6: Referencial Multimodal de Desenvolvimento de Mdias para o
Ensino de PBSL
p.166
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: O poder da mdia p.18
Figura 2: Olhar brasileiro p.23
Figura 3: Etapas Metodolgicas p.27
Figura 4: Triangulao do corpus p.32
Figura 5: Interao miditica p.42
Figura 6: Capa 1 de Veja p.53
Figura 7: Capa 2 de Veja p.54
Figura 8: Pgina do blog de Michel Zylberg p.56
Figura 9: O enfoque da sintaxe visual na proposta da Semitica Social p.60
Figura 10: Representao do Signo na concepo saussureana (Escola de Paris) p.61
Figura 11: Signo na concepo da Semitica Social - Representao de carro de
acordo com a ideologia do produtor de signos
p.61
Figura 12: Proibido estacionar, prescrio estrita p.63
Figura 13: Representao de Governo segundo Quino p.63
Figura 14: Uma famlia brasileira p.66
Figura 15: Charge do Cristo de Carlos Myrria p.73
Figura 16: Cristo Redentor original p.74
Figura 17: O Cristo na charge p.74
Figura 18: Sintagma visual da charge p.75
Figura 19: Linguagem, moldura e recursos visuais p.77
Figura 20: Texto publicitrio da China in Box sobre as olimpadas de Pequim. p.80
Figura 21: O mundo digital p.82
Figura 22: Homepage do website Livemocha p.95
Figura 23: Webpage de cursos do website Livemocha p.97
Figura 24: Cluster do website Livemocha p.98
Figura 25: Webpage pratique falando do website Livemocha p.100
Figura 26: Exemplo de cluster no website Livemocha p.101
Figura 27: Anlise de phase no website Livemocha p.102
Figura 28: Composio espacial do Significado no website Livemocha p.103
Figura 29: Anlise do layout segundo o real/ideal no Livemocha p.106
Figura 30: Primeira trajetria de acesso ao texto de apresentao p.110
Figura 31: Segunda trajetria de acesso ao texto de apresentao p.111
Figura 32: Portugus no Planalto Central homepage mapa de anlise de
clusters
p.113
Figura 33: Anlise do cluster 2 p.115
Figura 34: Anlise dos clusters 3 e 11 p.116
Figura 35: Ligao coesiva do cluster imagtico 7 p.118
Figura 36: Ligao coesiva do cluster 2 com a webpage subsequente p.119
Figura 37: Anlise do cluster 10 ferramenta de busca como fonte de tarefa para o
ensino de PBSL
p.120
Figura 38: Bookaholic p.126
Figura 39: Tela de crditos do CD-ROM p. 132
Figura 40: Tela inicial do CD-ROM Ensino de Portugus Escrito para Surdos p.133
Figura 41: Apresentao de CD-ROM para o ensino de PBSL p.134
Figura 42: Tela de ndice de contedos no CD-ROM Ensino de Portugus Escrito
para Surdos
p.135
Figura 43: Trajetria Como elaborar uma aula bilngue p.137
Figura 44: Trajetria de passo a passo p.138
Figura 45: Trajetria de primeiro passo p.139
Figura 46: Texto em pgina impressa Primeiro Passo p.139
Figura 47: Anlise da Pgina 1 do texto Primeiro Passo p.141
Figura 48: Trajetria de Aulas p.143
Figura 49: Trajetria na tela 1 da aula Interpretao de Texto p.144
Figura 50: Anlise da trajetria em Aulas do CD-ROM Ensino de Portugus
Escrito para Surdos
p.145
Figura 51: Trajetria para a aula Crase, coeso e coerncia p.148
Figura 52: Tela 1 Aula Crase, coeso e coerncia p.149
Figura 53: Tela 2 Aula 1 p.150
Figura 54: Sequncia de composio de modalidades verbal e visual - introduo
do conceito de genes
p.152
Figura 55: Sequncia de composio de modalidades verbal e visual introduo
do conceito de clonagem
p.153
Figura 56: Tela 1 Aula 2 p.155
Figura 57: Sequncia de composio de modalidades verbal e visual - introduo
do conceito de genoma
p.156
Figura 58: Comunicao mediada pelo computador (CMC) p.161
Figura 59: Potencialidade de significao de recurso semitico p.171
Figura 60: Emoticon como subcdigo p.175
Figura 61: Princpio de integrao multimodal em tela de website p.178
SUMRIO
APRESENTAO p.18
CAPTULO 1 - AMPLIANDO HORIZONTES PARA A PRODUO DE
MDIAS DE ENSINO DE PORTUGUS COMO SEGUNDA LNGUA
p.23
1.1 Das prticas monomodais do ensino de segunda lngua: anttese p.24
1.2 Multimodalidade: da intuio sistematizao na produo de mdias (tese) p.27
1.3 Etapas Metodolgicas p.29
1.4 A Busca pelos dados: o parmetro qualitativo do corpus de pesquisa p.31
1.5 Questes de pesquisa p.34
1.6 Categorias Analticas p.35
1.6.1 Categorias da gramtica visual (A Teoria da Multimodalidade) p.35
1.6.1.1 Participantes p.35
1.6.1.2 Processos narrativos p.36
1.6.1.3 A Composio Espacial do Significado p.37
1.6.1.4 O Dado e o Novo p.38
1.6.1.5 O Real e o Ideal p.39
1.6.1.6 O Centro e a Margem p.39
1.6.1.7 A Projeo/Salincia p.39
1.6.2 Categorias de anlise propostas por Fairclough p.40
1.6.2.1 Condies da prtica discursiva p.40
1.6.2.2 Tema p.41
1.6.2.3 Criao das palavras p.41
1.6.2.4 Significado das palavras p.41
1.7 Estrutura da Tese p.41
1.8 Primeiras Concluses p.42
CAPTULO 2 O LUGAR DA MULTIMODALIDADE NOS ESTUDOS
DISCURSIVOS
p.44
2.1 A Incluso da multimodalidade nos estudos discursivos: revisitando
conceitos e reformulando propostas
p.45
2.2 A gramtica do design visual: a sintaxe visual em foco p. 56
2.3 Gramtica do design visual: algumas aplicaes p.63
2.4 Primeiras concluses das teorias trabalhadas p.79
CAPTULO 3 UM OLHAR MULTIMODAL SOBRE WEBSITE DE ENSINO
DE PORTUGUS COMO SEGUNDA LNGUA
p.81
3.1 Recursos semiticos potenciais a servio de tecnologias para o ensino de
segunda lngua
p.82
3.2 A lgica organizacional da webpage p.86
3.3 Pgina ou tela p.90
3.4 Anlise do website Livemocha p.92
3.5 Primeiras Concluses da anlise do Livemocha p.105
3.6 Anlise do website Portugus no Planalto Central p.107
3.7 Primeiras Concluses da anlise do website Portugus no Planalto Central p.121
CAPTULO 4 ASPECTOS MULTIMODAIS PARA O ENSINO DO PBSL:
CD-ROM E UNIDADE DIDTICA MULTIMODAL EM CD
p.125
4.1 O CD-ROM: definio e aplicao ao ensino de segunda lngua p.126
4.2 Anlise de mdia: CD-ROM Ensino de portugus escrito para surdos p.130
4.3 Anlise da unidade didtica em CD de ensino de PBSL pra surdos p.145
4.4 Primeiras Concluses da anlise do CD-ROM e da unidade didtica em CD p.158
CAPTULO 5 SNTESE DO REFERENCIAL DE TRABALHO
MULTIMODAL PARA O ENSINO DE PBSL
p.161
5.1 O impacto de diferentes tecnologias nas prticas sociais ps-modernas p.162
5.2 Referencial multimodal de elaborao de mdias para o ensino de PBSL p.165
5.2.1 Etapa 1: Reconhecimento de caractersticas especficas do pblico alvo p.167
5.2.2 Etapa 2: Escolha da mdia p.169
5.2.3 Etapa 3: Entendimento da lgica organizacional p.170
5.2.4 Etapa 4: Escolha de temtica norteadora p.172
5.2.5 Etapa 5: Seleo de recursos semiticos p.174
5.2.6 Etapa 6: Aplicao do princpio de integrao multimodal p.176
5.3 Primeiras Concluses do Referencial de Multimodalidade p.179
(In)Concluses p.180
Referncias Bibliogrficas p.187
Referncias Eletrnicas p.198
Anexos p.200
APRESENTAO
Figura 1: o poder da mdia
Fonte: http://lusitanos.wordpress.com/
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
19
Neste trabalho, a perspectiva lingustica ser o fio condutor para a realizao de uma
pesquisa no mbito do ensino de segunda lngua. Inicialmente, fao dois esclarecimentos com base
no trabalho de Grannier (2011, p.1) para contextualizar a proposta desta tese:
a) diferena entre segunda lngua, lngua estrangeira e lngua materna
b) diferena de abordagem de ensino para diferentes pblicos do portugus do Brasil
como segunda lngua
Sobre a primeira questo, Grannier (2011, p.1) parte da perspectiva de formao do
docente e do aprendiz e sobre isso a autora assim discorre:
no que diz respeito abordagem do ensino da lngua, naquilo que existe de mais
essencial, no h diferena. Em todas as situaes em que cabe uma das
caracterizaes acima, a lngua portuguesa, para o aprendiz, uma lngua nova.
Em todas essas situaes, o aprendiz j conhece, pelo menos, uma outra lngua - a
sua lngua materna (L1). Ou seja, a existncia de um conhecimento lingstico
anterior, configurado na primeira lngua do aprendiz, o que define o
denominador comum dessas situaes de ensino/aprendizagem (E/A), como o
E/A de uma nova lngua (LN).
Nas palavras da autora, o denominador comum da abordagem de ensino de um pblico em
situao de aprendizagem de uma lngua estrangeira (LE) ou de segunda lngua (L2) exatamente
a lngua alvo como uma lngua NOVA, em outras palavras, uma lngua no materna.
Grannier ainda complementa sua explanao com o seguinte:
o ensino de portugus vai se caracterizar de acordo com as circunstncias em que
estiver sendo desenvolvido. No ensino/aprendizagem de uma lngua estrangeira,
na maioria dos casos, o contato com a lngua a ser aprendida s acontece em sala
de aula, com limitaes de tempo, de oportunidades de estar em situaes
naturais de uso da lngua, de oportunidades de conhecer outros usurios da lngua
(alm de seu professor) e de ter contato com a cultura do pas onde se usa a
lngua. Essas limitaes vo requerer, para um ensino/aprendizagem bem
sucedido, que o professor lance mo de recursos variados que minimizem seus
efeitos.
Por outro lado, o ensino de portugus a estrangeiros (Lp/E) acontece quando os
estrangeiros se encontram num pas cuja lngua nacional/oficial o portugus.
Em Angola, no Brasil, em Moambique ou em Portugal, por exemplo, ensina-se
portugus a estrangeiros vindos de outros pases que queiram aprender nossa
lngua. Essa situao de ensino/aprendizagem, em imerso no ambiente da lngua,
costuma ser mais favorvel para a aprendizagem/aquisio, e permite,
naturalmente, um desenvolvimento mais rpido e mais vinculado realidade do
que o ensino/aprendizagem como LE, descrito acima. Nesse caso, a sala de aula
passa a ser um espao a mais para o contato com os usos da lngua e pode ser
aproveitado de forma diferenciada para um exame mais intensivo da lngua e da
cultura circundantes.
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
20
J sobre a segunda questo, no Brasil, em se tratando do contexto de ensino de portugus
como segunda lngua, h trs pblicos em potencial, assim definidos: surdos brasileiros, ndios
brasileiros e estrangeiros. A existncia desse pblico com demandas especficas vai de encontro a
uma falsa ideia de que no Brasil todos so falantes de portugus como lngua materna (L1).
certo que uma grande maioria se encontra nessa situao, mas certo tambm que as minorias
lingusticas que no possuem o portugus como L1 e vivem no territrio brasileiro contam com
poucos projetos ou programas de ensino de portugus como segunda lngua.
Nesse contexto, de acordo com Grannier (2011, p. 5), surge uma iniciativa de formao
docente diferenciada:
foi apenas em 1998, na Universidade de Braslia, que se implantou a licenciatura
em Portugus do Brasil como Segunda Lngua (PBSL), por iniciativa de Enilde
Faulstich, que havia percebido, no contexto de encontros acadmicos sobre
poltica do idioma, realizados em outros pases do MERCOSUL, a tarefa que
cabia s universidades brasileiras. (FAULSTICH, 2000.)
Essa passou a ser a primeira licenciatura voltada formao de docentes de portugus do
Brasil como segunda lngua, ou PBSL. Nesse contexto de formao de formadores, tomo como
ponto de ao outra demanda para o professor de PBSL: qual material ou materiais devem ser
utilizados para o ensino de portugus como segunda lngua?
Com uma multiplicidade de tecnologias, saber como discernir entre o que pode ser ou no
til delega ao professor a tarefa de procurar compreender e estudar diferentes meios para a
utilizao e o domnio de uma segunda lngua. Inicialmente, isso significa se questionar sobre o
aporte terico da metodologia de anlise, mas tambm significa, sobremaneira, colocar-se a
questo dos objetos escolhidos como observveis, aqueles que sero o foco do processo de
ensino/aprendizagem.
Assim, muito do que ser apresentado ao longo deste trabalho, deve-se a uma tradio
consolidada de estudos de segunda lngua/lngua estrangeira, que durante dcadas, esteve atrelada
a questes sobre a melhoria desse ensino, o que resultou, comparativamente, em pouca ateno e
observao dedicadas prpria lngua e a suas vrias formas de realizao.
nesse sentido que esta tese intitulada A Multimodalidade no Ensino de Portugus
como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas, tem como objetivo investigar
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
21
como a lgica organizacional de diferentes mdias pode ser fator determinante para o
desenvolvimento da competncia comunicativa na lngua alvo. Neste estudo, defendo a tese de
que:
Para atingir esse objetivo, tomo como corpus de pesquisa, o meio eletrnico para a
utilizao do portugus como segunda lngua mdias digitais sendo elas: um CD-ROM, uma
unidade didtica em CD e dois websites. O pblico alvo das mdias selecionadas so estrangeiros e
surdos brasileiros, pessoas no tm o portugus como primeira lngua.
Como a escolha do tema surgiu de uma dificuldade de ordem prtica encontrada na
observao de demandas do ensino de segunda lngua, posso afirmar que a tese a ser defendida foi
calcada de acordo com as minhas aptides, as minhas qualificaes e as minhas tendncias como
pesquisadora desta rea, como discorrerei mais detalhadamente ao longo do primeiro captulo.
Tambm tenho em mente que um trabalho de doutorado deve conter as contribuies
tericas que a pesquisa pode trazer, a importncia do tema de um ponto de vista geral e de casos
particulares que sero analisados, a possibilidade de, por meio da pesquisa, sugerir mudanas na
realidade abarcada pelo tema ou possveis solues para casos gerais e particulares a ele
relacionados. Por essas razes que oriento a pesquisa sob o escopo terico da Anlise de
Discurso Crtica Fairclough (2001, 2003, 2006) entre outros e da Teoria da Multimodalidade
Kress e van Leeuwen ([1996]2006, 2001) van Leeuwen (2005), Baldry e Thibault (2006) entre
outros.
O trabalho est organizado em cinco captulos: no primeiro, apresento a tese, a anttese, a
sntese, a metodologia e o corpus. No segundo, trato do lugar da multimodalidade nos estudos
discursivos, por meio de uma reviso da literatura que revela como a Anlise de Discurso Crtica
desde suas origens j mostrava abertura para investigao cientfica de outros modos semiticos
alm da oralidade e da escrita. No terceiro captulo, analiso sob o enfoque da Anlise de Discurso
Crtica (ADC), suporte terico-metodolgico da pesquisa, e da Teoria da Multimodalidade os
a abordagem discursiva crtica multimodal de diferentes semioses lingusticas pode
favorecer a sistematizao de trabalho na composio de diversas mdias para o
ensino de portugus como segunda lngua.
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
22
contedos de dois websites de ensino de lnguas: live mocha e Portugus no Planalto Central
desenvolvido por alunos da Licenciatura em Portugus do Brasil como Segunda Lngua, ambos
voltados para alunos estrangeiros. No quarto, analiso a lgica organizacional do contedo de um
CD-ROM e de uma unidade didtica em CD, ambos para utilizao em cursos de aperfeioamento
para professores de portugus para surdos. No quinto, com base nas concluses das anlises
anteriores, trao a sntese de minha proposta de sistematizao de trabalho multimodal como
caminho plausvel para a elaborao de mdias para o ensino de portugus como segunda lngua
em uma perspectiva discursiva crtica.
AMPLIANDO HORIZONTES PARA A
PRODUO DE MATERIAIS DE
ENSINO DE PORTUGUS COMO
SEGUNDA LNGUA
Figura 2: Olhar brasileiro
Fonte:http://www.leoni.com.br/post.php
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
24
Este captulo ter papel de bssola da pesquisa, pois nele apresento uma espcie de plano
escrito do que desejo investigar e de como ser feita essa investigao. Acredito que, dessa forma,
no corro o risco de me perder no caminho, desviando-me do problema que pretendo investigar e
dos objetivos a que pretendo chegar.
1.1 Prticas monomodais do ensino de segunda lngua: anttese
Como falar sobre monomodalidade no mundo atual? Bem, paradoxalmente ao que vivemos
hoje: rodeados de imagens e de outros recursos semiticos permeando-nos e formando diferentes
redes de significaes e que, naturalmente, acabam por ultrapassar os limites da mais clebre das
modalidades em sociedades complexas: a escrita, esbarramos na seguinte anttese da atualidade:
No nego com essa afirmativa a circulao constante de diversas modalidades de linguagem
nesta rea, especialmente no que tange aos materiais didticos, mas discuto a forma como essa
circulao ocorre. Trago isso berlinda apoiada no que dizem Kress e van Leeuwen (2001, p.01):
tem se visto, na cultura ocidental, uma distinta preferncia pela monomodalidade.
Os mais valorizados gneros da escrita (novelas literrias, resenhas acadmicas,
documentos oficiais e relatrios, etc) vinham inteiramente sem ilustraes, e eram
graficamente uniformes, densas pginas impressas. As disciplinas crticas e tericas
especializadas que se desenvolveram para falar dessas artes tornaram-se igualmente
monomodais: uma linguagem para falar sobre linguagem (lingustica), outra para
falar sobre arte (histria da arte), outra ainda para falar sobre msica (musicologia),
e assim por diante, cada uma com seus mtodos prprios, suas principais
suposies, seu prprio vocabulrio tcnico, suas principais foras e prprios
pontos cegos.
Os mesmos autores afirmam que mais recentemente a dominao da monomodalidade tem
comeado a se reverter. No somente a mdia de massa, mas tambm documentos produzidos
por corporaes, universidades, departamentos governamentais etc, tm adquirido ilustraes
coloridas e layouts sofisticados. Esse desejo de cruzar fronteiras inspirou a semitica do sculo
h dificuldade em lidar com tantas opes de modalidades da linguagem em uma
das reas que mais necessita desses recursos: a do ensino de lnguas.
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
25
XXI. Essa quebra de paradigma , sem dvida, algo que no ocorre de maneira brusca, Kress e
van Leeuwen (2001, p.2) tambm tiveram de se encontrar em suas prprias investigaes na
semitica visual, o que os levou, de certo modo, a manter segundo suas prprias palavras um p
no mundo das disciplinas monomodais. Isso revela que no basta termos contato com cores,
formas, sons, devemos, antes de tudo, ser conhecedores das potencialidades de significao dessas
outras modalidades alm da escrita.
Para reconhecer o papel que diferentes modalidades atuando em conjunto podem
desempenhar, defino inicialmente meu interesse em investigar essa composio de modalidades
no mbito do ensino por meio da utilizao de materiais didticos. A respeito disso, Belmiro
(2000, p.12) afirma:
(...) a presena de novas tecnologias no mundo escolar faz com que se repensem
formas de atuao do professor. As representaes que se fazem hoje do espao de
aprendizagem mostram a necessidade de um professor mais gil, atualizado e
pronto para novos desafios. uma carga muito pesada para quem tem deficincias
na sua formao inicial e no tem facilidade, pela prpria gesto do tempo escolar,
entre outras causas, para investir em uma formao continuada. O livro didtico
hoje, por isso e por vrios outros motivos, uma importante referncia para o
professor, para o aluno e para a famlia do aluno. (grifo nosso)
Professores de lnguas, especialmente, tm sede de materiais multimodais prontos para uso,
isso advm do que Belmiro define como deficincia do tempo de gesto escolar. Nessa lacuna, no
s o livro didtico, mas tambm materiais didticos que possam, de alguma forma, suprir essa
necessidade, determinam, em muitos momentos, como os sentidos sero trabalhados em segunda
lngua e na falta de materiais que possibilitem a realizao de atividades em que diversos recursos
semiticos sejam, de fato, empregados, os educadores tendem a adotar postura monomodal. Isso
ocorre de vrias maneiras, para exemplificar, recorro a alguns dados da pesquisa sobre
multimodalidade no ensino de portugus como segunda lngua de Villas Bas, Vieira e Ferraz
(2008, p.4). Nessa pesquisa, as autoras buscaram investigar a perspectiva de trabalho multimodal
em sala de aula de portugus para estrangeiros, doravante PLE, de acordo com o que o docente
considera relevante para esse fim e por meio da anlise de entrevistas com docentes de PLE e de
materiais didticos, puderam verificar a dificuldade desses profissionais em trabalhar com textos
no verbais, como imagens. Vejamos alguns extratos a seguir:
Pergunta 1: E sobre as leituras dos textos no verbais, com imagens, o que voc considera
importante para trabalhar em sala de aula?
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
26
Resposta 1: ... particularmente eu acho um pouco complicado. Que depende muito do nvel do
meu aluno. Normalmente a charge ou aqueles cartoons de Mafalda eles vm com um texto
subentendido, e esse subentendido, esse subliminar, o meu aluno, os estrangeiros, normalmente
no conseguem captar.
Pergunta 2: Como feita a seleo de textos do cotidiano (propaganda, texto jornalstico...) para
trabalhar em sala de aula?
Resposta 2: ...tudo que eu trabalhar com meus os alunos eu tenho que passar pra coordenao e
a responsvel pela reviso dos trabalhos em portugus muitas vezes barra muitos trabalhos que
se distanciem das estruturas da lngua...
As autoras afirmam que as repostas revelam, entre outras coisas, que a dificuldade no trabalho
com textos multimodais tem origem no no reconhecimento da diferena de construo de
sentidos nesses textos. Na perspectiva monomodal, esse estranhamento, essa insegurana em
relao a textos com mais de uma modalidade abre espao para que materiais didticos tomem ou
no novas formas na conduo das relaes de ensino-aprendizagem (BELMIRO, 2000, p.24).
Devo assinalar, ainda, que esses manuais vm se transformando e incorporando outros
contedos de aprendizagem, alm da lngua escrita. Atividades de oralidade, de leitura de
imagens, entre outras estratgias de produo de sentido, mesmo com tropeos e confuses
conceituais, convivem nesse suporte. E a habilidade em lidar com essas diversas modalidades
levam-me a destacar o que dizem Kress e van Leeuwen (2001) sobre a chamada era da
digitalizao, em que diferentes modos passam tambm a ser operados por uma pessoa de
mltiplas habilidades, usando uma interface, um modo de manipulao fsica, como, a Internet,
possibilitando ao indivduo a escolha em expressar um significado por meio de udio, vdeo etc.
Ao transferir essa noo para a rea do ensino de lnguas, vemos a necessidade de munir o
professor de materiais que atendam s especificidades de sua sala de aula, de seu pblico alvo, ao
mesmo tempo em que verificamos a necessidade de um usurio crtico desses materiais, ou seja,
algum que conhea a potencialidade de significao de cada modalidade da linguagem. Passo a
discutir na prxima seo, a tese aqui defendida como forma de contribuio social para o ensino
de portugus como segunda lngua.
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
27
1.2 Multimodalidade: da intuio sistematizao na produo de mdias (tese)
Para viabilizar o desenvolvimento de atividades que envolvam semioses diferentes da escrita,
faz-se necessrio trabalho multimodal sistematizado em lugar de prtica intuitiva sobre o que se
deve fazer. A Teoria da Semitica Social/Teoria da Multimodalidade, proposta por Kress e van
Leeuwen ([1996] 2006, 2001), est, segundo os autores, inserida na investigao e na pesquisa
social crtica propostas pela ADC. Na perspectiva dos autores, a leitura de textos multimodais
socialmente determinada. A proposta dessa teoria toma a linguagem escrita, de modo especial,
como apenas um dos modos de representao no domnio pblico. Indaga se o modo de
organizao do discurso perpassa todas as formas de comunicao social e pergunta se a
concentrao somente na escrita seria suficiente para a compreenso do papel do poder nas
manifestaes discursivas, pois de acordo com Kress e van Leeuwen ([1996] 2006, p. 374):
impossvel interpretar textos prestando ateno somente na lngua escrita, pois um texto
multimodal deve ser lido em conjuno com todos os outros modos semiticos desse texto.
Assumo, ainda, o que dizem Kress e van Leeuwen (2001, p.4) sobre os discursos serem
constructos sociais e poderem, portanto, ser realizados de diferentes formas. Nessa perspectiva,
discuto a constituio lingustica tradicional que segundo os autores: o significado feito de uma
s vez, para ser falado. Em contraste a essa viso monomodal, os autores vem os recursos
multimodais disponveis em uma cultura para fazer significados em todo e qualquer signo, em
todos os nveis, e em qualquer modalidade.
Na proposta multimodal de significar, encontro o caminho para defender a tese de que:
sistematizar o trabalho multimodal na composio de mdias condiz
com a realidade atual de mltiplas significaes e mostra-se como um
modo de abordar criticamente diferentes modalidades lingusticas
empregadas no ambiente online e que podem figurar no ensino de
portugus como segunda lngua.
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
28
No percurso em busca de formas adequadas de se trabalhar contedos em segunda lngua,
sempre encontramos novas tecnologias que nos fazem repensar as formas de se usar linguagem.
Arajo (2007, p.15-16) exemplifica como o surgimento do chat possibilitou a utilizao da escrita
para conversar em tempo real, por meio de um computador e complementa dizendo que: um dos
desafios trazidos pelas novas tecnologias e que deve ser conhecido e compreendido pelos
professores a emergncia de novos gneros.
Adentrar reas desconhecidas ou mesmo propor-se a sair de uma zona de conforto, em
que se tem uma falsa ideia de segurana, so desafios que de fato existem e esto inquietando
profissionais que trabalham com o ensino de lnguas. Isso pode ser facilmente verificado no
discurso de nossos alunos na universidade, que so constantemente confrontados com diferentes
situaes comunicativas em mdias das mais diversas. Na licenciatura em Letras Portugus do
Brasil como Segunda Lngua, uma das metas justamente tornar esses alunos capazes de
desenvolver materiais multimeios no de forma aleatria, como simples usurios, mas como
indivduos que reconheam o potencial lingustico de websites, blogs, fruns, CD-ROMs, redes
sociais, entre outros, para o ensino de PBSL. Pensar a multimodalidade no mbito do ensino de
lnguas pensar em como variadas maneiras de se utilizar a lngua podem oportunizar a alunos e a
professores experincias de interao em ambiente que conjugue prticas discursivas j
conhecidas com novas prticas.
Por meio de diferentes modalidades da linguagem, os significados so construdos e
passam a ser partilhados e negociados em sociedade. Assim, assumir postura monomodal pode
representar uma viso parcial sobre como a combinao de recursos semiticos como cores,
formas e palavras resultam em maneiras diversas de comunicar uma mesma ideia. Nesse sentido,
Vieira (2010, p.87) sinaliza:
(...) em contextos multimodais, as imagens transformam-se em referncias diretas
ou indiretas da realidade fsica e social, sendo necessria uma escolha seletiva,
dado que as sociedades usam imagens como um modo de legitimar argumentos e
fatos relatados e descritos, entretanto no podemos ignorar que as imagens usadas
pelas diversas mdias contribuem com a identificao de formas ideolgicas
construdas nesses diferentes espaos miditicos e tambm podem revelar a
manipulao de ideologias que pode ocorrer na seleo de imagens mostradas e
tambm naquelas que foram expurgadas ou ocultadas.
Finalizada a tarefa de apresentar a tese, passo agora a tratar com mais detalhes das etapas
metodolgicas.
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
29
1.3 Etapas metodolgicas
De acordo com Neves (1996, p.1), o desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa supe
um corte temporal-espacial de determinado fenmeno por parte do pesquisador. Esse recorte
define o campo e a dimenso em que o trabalho desenvolver-se-, isto , o territrio a ser
mapeado. Nesse sentido, cabe o estabelecimento de uma agenda de trabalho que garanta o recorte
de pesquisa, que nesse momento, defino em forma de etapas metodolgicas que, segundo Taylor e
Bogdan (1998, p.141), referem-se s fases que uma pesquisa qualitativa deve seguir e que esto
representadas na figura a seguir:
Figura 3: Etapas Metodolgicas
Fonte: elaborado pela autora
A definio do tema/objeto a ser estudado marca o incio do trabalho. A delimitao do
meu tema teve incio com a percepo do potencial significativo de mdias no ensino de segunda
lngua e tambm no entendimento da lgica organizacional dessas mdias sem o foco unicamente
na modalidade escrita. Isso me levou busca de maneiras apropriadas de abordar o tema, devido
sua abrangncia. Ento, direcionei a pesquisa ao carter multimodal de mdias que podem assumir
5.Possveis respostas: proposta multimodal de desenvolvimento de mdias para o ensino de L2
4.Anlise de dados: aplicao das categorias da ADC e da Semitica Social na lgica organizacional das mdias
3.Coleta de dados: seleo de mdias para o ensino de L2
2.Estudos tericos: ADC; Teoria da Semitica Social/Teoria da Multimodalidade
1.Identificao do problema: prticas monomodais de produo de material didtico em L2
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
30
o papel de material didtico de portugus como segunda lngua para posteriormente traar formato
de concepo multimodal dessas mdias em cursos de formao de docentes de portugus como
segunda lngua, levando em considerao a importncia desse conhecimento para o professor de
PBSL.
Quanto segunda etapa, os estudos tericos, balizada pela proposta da ADC, da Teoria
da Semitica Social/Multimodalidade e da Hermenutica de Profundidade, teorias que convergem
para a linha de investigao cientfica em que se privilegiam as potencialidades de significao de
diferentes modalidades de linguagem atuando de forma simultnea e que acredito atenderem bem
aos propsitos de pesquisa a que me dedico. Sobre essa etapa, Flick (2004, p. 60) faz a seguinte
afirmao: o processo de pesquisa no inicia como uma tabula rasa. O ponto de partida , antes,
uma compreenso prvia do sujeito ou do campo de estudo. Para reforar sua posio Flick cita a
primeira regra que Kleining formula para a pesquisa qualitativa: a compreenso prvia dos fatos
em estudo deve ser considerada preliminar, devendo ser excedida com informaes novas, no-
congruentes (1982, p. 231 apud FLICK, 2004, p.60).
Nesse contexto, as suposies tericas ganham relevncia no papel da compreenso do
objeto que est sendo estudado e da perspectiva sobre este, no como ponto de partida da
pesquisa, mas sim como resultado de suposies preliminares acerca dos dados selecionados, o
que coloca a percepo do pesquisador como elemento-chave nessa abordagem.
A terceira etapa, referente coleta de dados, representa o momento no qual entro em
contato com o corpus ou material a ser analisado. A quarta etapa, anlise dos dados, a aplicao
da teoria, nesse ponto vale relembrar que so os dados que determinam a teoria e no o contrrio.
A quinta etapa o momento de apresentar a proposta de sistematizao multimodal para o
desenvolvimento de mdias no ensino de segunda lngua como contribuio social que a tese deve
ter.
Uma vez apresentadas as etapas metodolgicas, reservo espao na prxima seo
descrio da coleta de dados e s categorias analticas adotadas, direcionando a anlise pretendida
luz dos estudos tericos que orientam minha pesquisa.
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
31
1.4 A busca pelos dados: o parmetro qualitativo do corpus de pesquisa
Bauer e Gaskell (2003, p.30) dizem que o pesquisador social, quando registra ou coleta
dados em que as aes comunicativas exigem um conhecimento especializado, colhe dados
formais. Dados formais, segundo Bauer e Gaskell (2003, p.30), no trazem os problemas que os
dados informais podem acarretar, como impulsos momentneos ou influncia do pesquisador.
Entretanto, pode haver um problema diferente, como por exemplo, situaes em que ...
comunicadores dizem representar um grupo social que, na realidade, no representam. O cientista
social deve reconhecer essas falsas pretenses de representao.
Dessa forma, assumo nesse momento que a natureza dos dados de minha pesquisa, as
mdias, foi determinante para a adoo dos procedimentos de anlise dentro da prtica da pesquisa
qualitativa, no baseada em nmeros. Digo isso por acreditar que a pesquisa social se apia,
primordialmente, em dados sociais, resultantes de processos de comunicao que constituem o
mundo em si mesmo.
A prpria natureza da Anlise de Discurso Crtica (ADC) pede um recorte qualitativo. A
ADC definida por Fairclough (2001) como sendo um empreendimento interdisciplinar, que
decorre da concepo de discurso que o autor vem defendendo, e que envolve um interesse nas
propriedades, na produo, na distribuio e no consumo dos textos, nos processos
sociocognitivos de produo e de interpretao dos textos, na prtica social em vrias instituies,
no relacionamento da prtica social com as relaes de poder e nos projetos hegemnicos no nvel
social. Essas facetas do discurso coincidem com os interesses de vrias cincias sociais e
humanistas, incluindo a lingustica, a psicologia e a psicologia social, a sociologia, a histria e a
cincia poltica. Dessa forma, a ADC , ao mesmo tempo, teoria e mtodo, e o que pretendo aqui
destacar seu uso como mtodo.
Nesse nterim, pesquisar o discurso buscar por seu(s) sentido(s) em meio ao significado
expresso nas estruturas sintticas, na disposio do texto, na eleio da ordem direta ou indireta,
da voz passiva ou ativa, entre outras escolhas que podem ser feitas nos textos escritos. Ao
trabalhar com multimodalidade no diferente, pois tambm h sentido em gestos, sons e
imagens. Textos imagticos, por exemplo, apresentam sentidos velados na forma da construo ou
da apresentao/disposio das imagens, fotos, desenhos, tabelas entre outras modalidades.
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
32
Por essas razes, encontro na abordagem qualitativa o espao para colocar em prtica o
que Fairclough (2001) considera importante na seleo dos dados, na construo de um corpus de
amostras de discurso e na deciso dos dados suplementares a serem coletados e usados: a
perspectiva do(a) especialista e dos pesquisados. Trata-se de um problema prtico saber o que
til, e como chegar at l, mas tambm de ter um modelo mental da ordem de discurso da
instituio, ou do domnio do que se est pesquisando, e os processos de mudana que esto em
andamento, como uma preliminar para decidir onde coletar amostras para um corpus.
Naturalmente, trabalhar sobre o corpus pode alterar o mapa preliminar. nessa lgica que os
analistas de discurso dialogam com pessoas nas disciplinas relevantes e tambm com as que
trabalham na rea da pesquisa para decises sobre quais amostras so tpicas ou representativas de
certa prtica; se o corpus reflete adequadamente a diversidade da prtica e as mudanas na prtica
mediante diferentes tipos de situao.
nessa compreenso de levar em conta a perspectiva do especialista que tomo como guia
as propostas de Fairclough (2001, 2003, 2006) para a busca pelos dados, tarefa que teve incio em
minha prpria experincia como linguista e como professora de portugus como segunda lngua.
No curso de Letras PBSL, buscamos privilegiar os conhecimentos lingusticos necessrios em
futuros docentes de segunda lngua, no somente como instrumentais, mas como fator de mudana
social. O docente de segunda lngua deve, antes de tudo, nas palavras de Grannier (2001) ser:
um especialista em lngua portuguesa: alm de ser um usurio da lngua
portuguesa, nativo ou no, ele deve conhecer essa lngua, podendo tomar decises
responsveis (com repercusso de longa durao), tais como qual a variedade, o
registro ou a modalidade de portugus ensinar.Ter conscincia das diferenas
existentes entre a gramtica da lngua oral e a gramtica normativa, sabendo
gerenciar essas diferenas. Saber traduzir suas opes na seleo de textos orais
ou escritos que apresentem caractersticas fonolgicas, gramaticais, semnticas e
pragmticas coerentes com seus objetivos.
O que pode figurar, portanto, como conhecimento lingustico necessrio para saber
gerenciar diferenas e caractersticas especficas de uma lngua? Foi na busca pela resposta a
essa pergunta que tive acesso a diferentes mdias compostas por mais de uma modalidade da
linguagem e que, para serem desenvolvidas e usadas para o ensino de segunda lngua, devem
passar pelo olhar crtico do linguista, do especialista em lngua. O reconhecimento do potencial
significativo de material multimodal expande as fronteiras para o desenvolvimento de
competncia comunicativa por parte de alunos estrangeiros, indgenas e surdos. A organizao dos
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
33
vrios modos semiticos presentes nessas mdias pode determinar a leitura que ser empreendida e
como os sentidos podem ser trabalhados.
Inicialmente, o mtodo de coleta de dados consistiu na busca e na seleo de documentos
formais: mdias compostas de linguagem verbal e no verbal que tivessem temtica direcionada ao
ensino de segunda lngua. Nesse processo, busquei uma amostra que garantisse grande
representatividade multimodal. Assim, o corpus desta pesquisa assim formado:
1) dois websites de ensino de lnguas, um deles desenvolvido por alunos da
Licenciatura em Portugus do Brasil como Segunda Lngua e ambos voltados
para alunos estrangeiros: www.livemocha.com;
www.portuguesnoplanaltocentral.com.br (offline);
2) um CD-ROM para utilizao em cursos de aperfeioamento para professores de
portugus para surdos Ensino de portugus escrito para surdos: orientando
educadores;
3) uma unidade didtica em CD de ensino de portugus para surdos: Ensino de
portugus escrito para surdos: orientando educadores.
A seleo desse corpus tomou como base o princpio da triangulao de dados que,
segundo Cohen e Manion (1983, p. 233), definida: como o uso de dois ou mais mtodos de
coleta/gerao de dados no estudo de qualquer aspecto do comportamento humano. As vantagens
da pesquisa com este multimtodo so numerosas, visto que um campo de anlise pode ser
observado de vrias maneiras, assim como quebrar limites entre os diferentes mtodos. Uso
principalmente a triangulao do corpus em um recorte sincrnico. A triangulao, dessa forma,
foi pensada no sentido de mostrar na pesquisa como a multimodalidade pode ocorrer em mdias
diferentes, com composies diferentes, apesar de utilizar as mesmas semioses.
A evocao do corpus selecionado websites, CD-ROM e unidade didtica em CD
permite o enfoque investigativo sobre como os mesmos contedos podem ser apresentados em
diferentes mdias, em outras palavras, como os discursos se realizam de formas diferentes. A
seleo desse corpus foi assim concebida para responder s questes que balizam esta pesquisa e
que apresento na prxima seo.
http://www.livemocha.com/http://www.portuguesnoplanaltocentral.com.br/
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
34
Figura 4: Triangulao do corpus
Fonte: elaborado pela autora
1.5 Questes de pesquisa
Para atingir os objetivos traados para esta tese com o ttulo A Multimodalidade no
Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas
crticas foram elaboradas trs questes de pesquisa que balizam a busca por resultados, j
apresentadas no incio desta tese, mas que retomo nesse momento para guiar o emprego das
categorias analticas selecionadas para o tratamento do corpus.
1) Como so apresentados os sentidos em mdias constitudas por mais de uma
modalidade discursiva?
2) Como o ensino de portugus como segunda lngua pode ser favorecido por
diferentes mdias?
3) Como a teoria da multimodalidade pode guiar a seleo e a composio de
tarefas para o ensino de segunda lngua?
websites
CD-ROM
corpus
unidade didtica
em CD
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
35
Essas questes sinalizam as formulaes problematizadoras que impulsionam a pesquisa a
ser empreendida. Uma vez estabelecidas a metodologia e as questes norteadoras, passo agora
apresentao das categorias de anlise.
1.6 Categorias analticas
Como bem sinalizado anteriormente, o carter qualitativo desta pesquisa faz-me adotar
simultaneamente a metodologia da Anlise de Discurso Crtica (FAIRCLOUGH 2001, 2003,
2006) e da Teoria da Semitica Social/ Multimodalidade (KRESS e van LEEUWEN, [1996] 2006,
2001); (THIBAULT E BALDRY, 2006, entre outros). Aliar essas teorias significa aprofundar nos
estudos da ADC o olhar da perspectiva sociossemitica visual e ampliar o tratamento de aspectos
ideolgicos de diferentes modalidades. A busca por suplantar a dificuldade de se analisar
sistematicamente modos semiticos no verbais empregados em websites, CD-ROM e unidade
didtica em CD pode gerar subsdios para uma anlise mais completa dos aspectos multimodais da
linguagem, ampliando as perspectivas de compreenso sobre a linguagem e os seus mecanismos.
Dessa forma, acredito traar o caminho para oferecer proposta inovadora de letramento visual no
contexto de segunda lngua.
1.6.1 Categorias da gramtica visual (Teoria da Multimodalidade)
Kress e van Leeuwen ([1996] 2006) dizem: um texto multimodal deve ser lido em
conjuno com todos os outros modos semiticos desse texto. Essa premissa um dos principais
argumentos da Semitica Discursiva ou Social/ Teoria da Multimodalidade. Dessa forma, Kress e
van Leeuwen lanam mo de categorias de anlise para imagens, das quais destaco as seguintes
para a anlise de dados:
1.6.1.1 Participantes
Participantes o termo tcnico usado para designar objetos e pessoas presentes em uma
composio grfico-visual. H dois tipos de participantes na modalidade grfico-visual:
a) Participantes representados: so os participantes que so o objeto da
comunicao (pessoas, lugares, coisas, incluindo coisas abstratas). So os
participantes sobre os quais se est falando, escrevendo ou produzindo imagens.
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
36
b) Participantes interativos: so os receptores, para os quais se dirige a
mensagem. Kress e van Leeuwen ([1996] 2006) utilizam o termo ingls viewer,
para os leitores dos textos imagticos.
1.6.1.2 Processos narrativos
O processo narrativo ocorre quando participantes so conectados por um vetor, sendo
dessa forma, representados como fazendo algo para o outro. o que Kress e van Leeuwen
(1996, p. 56) chamam de regra narrativa vetorial. As leis narrativas servem para apresentar,
revelar aes e eventos, processos de mudana, adaptaes espaciais transitrias.
De acordo com o tipo de vetor, do nmero e dos tipos de participantes envolvidos,
distinguem-se os processos narrativos:
a) Processo de ao
No processo de ao, o ator o participante do qual o vetor se origina, ou o qual no todo
ou em parte forma o vetor. Nas representaes (pictures) eles so os participantes mais salientes,
mais evidentes, por meio do tamanho, lugar de composio, contraste com o segundo plano,
saturao de proeminncia da cor, perspiccia do foco por meio da salincia para os
viewers/leitores.
Quando as pictures/imagens tm apenas um participante, este ser sempre o ator,
resultando em uma estrutura chamada por Kress e van Leeuwen (1996, p. 61) de no transitiva. A
ao em uma estrutura no-transitiva no tem um objeto, no feita para ou dirigida para
algum ou alguma coisa. O processo de ao no-transitiva , ento, anlogo ao verbo intransitivo
na linguagem (o verbo que no tem objeto).
Quando uma composio de narrativa visual tem dois participantes, um o ator, o outro
o objeto. O objeto o participante para quem a ao direcionada. O ator, em um processo
transitivo, no somente o participante que atua (como no processo no-transitivo), mas o
participante que instiga o movimento. Assim, a estrutura transitiva imagtica similar sua
estrutura transitiva verbal, na qual o verbo transitivo necessita de um complemento como o objeto
direto ou indireto.
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
37
Algumas estruturas transitivas podem ser bidirecionadas, cada participante tem o papel de
ator e de objeto como no circuito da fala de Saussure (1987), em que ora o componente
falante, ora receptor, sendo, neste caso, interactuantes.
b) Processo Reacional
O processo reacional d-se quando formado o vetor pela linha dos olhos, pela direo do
olhar de um ou mais participantes representados. No processo reacional, no se fala em atores,
mas de agentes. Tambm no se fala de objetos, mas de Phenomena (fenmenos). O reagente
(reacter), o participante que lana o olhar tem de ser necessariamente humano, ou um animal
uma criatura com olhos visveis e capaz de expresses faciais. O phenomena pode ser formado
tambm por outro participante, seja representado ou interativo, para o qual o reacter (reagente)
est olhando.
c) Processo Classificatrio
Esse processo classifica participantes pelo tipo de reao que se estabelece entre eles. Em
um cenrio de participantes, um ter o papel de subordinado em relao a outro participante
principal. Estruturas classificatrias representam participantes em termos de seu lugar na ordem
esttica, nos rtulos e nas explanaes verbais que os acompanham.
d) Processo Analtico
O processo analtico relata participantes em termos da parte em relao a toda estrutura na
qual significativa para a interpretao do todo. Envolve dois tipos de participantes: o todo
(carrier) e algum nmero de atributos possessivos (as partes).
e) Processo Simblico
O processo simblico sobre o que o participante ou significa. Esse processo ocorre
principalmente em fotos. Nos processos narrativos, alm dos tipos de personagens, h alguns
outros itens na composio do texto que so significativos, como a composio espacial do
significado, tema da prxima seo.
1.6.1.3 A composio Espacial do Significado
A composio espacial do significado pode relatar significados representacionais e
interativos entre eles por meio de trs sistemas:
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
38
a) Valor da informao. Refere-se ao lugar dos elementos (participantes,
sintagmas que se relacionam entre si e com o viewer/leitor), como a localizao
da informao se na direita ou na esquerda, no alto ou embaixo, no centro ou na
margem.
b) Salincia. Os elementos (participantes e sintagmas representacionais) so
produzidos para atrair a ateno dos viewers/leitores por diferentes graus, como
realizados por fatores tais como seu lugar em primeiro ou em segundo plano,
tamanho relativo, contrastes em valor tonal (cor), diferenas de formas etc.
c) Framing (enquadramento). A presena ou a ausncia de diviso de molduras
(frames) realizada por elementos que criam linhas divisrias, desconectam ou
conectam elementos da imagem, compondo ou significando de forma conjunta
ou no.
Segundo Kress e van Leeuwen (1996, p. 183), esses trs princpios de composio no se
aplicam somente a textos visuais simples, mas tambm a textos que combinam o verbal e a
imagem, e talvez a outros elementos grficos, em qualquer meio (televiso, computador etc).
Na anlise da composio de textos multimodais, a questo nasce como produto de vrios
recursos semiticos que podem ser analisados separadamente ou em caminho integrado, ou os
significados do todo podem ser tratados como a soma do significado das partes, ou as partes
podem ser olhadas como interagindo e afetando umas as outras. Ento, explicitando as categorias
de anlise sobre a composio espacial do significado, temos vrios pares que apresento a seguir.
1.6.1.4 O dado e o novo
Essa categoria se refere ao valor que dado informao, dependendo se ela se encontra
esquerda ou direita do layout da pgina. H a generalizao de que quando pictures ou layouts
fazem uso significante do eixo horizontal, posicionando alguns de seus elementos esquerda e
outros direita (o que no acontece em toda composio), os elementos localizados esquerda so
representados como dado e os elementos localizados direita como novo. A interpretao
dada a essas posies que o dado significa o que apresentado como j conhecido pelo
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39
leitor/viewer. O novo significa algo que no conhecido e que o leitor/viewer deve prestar
ateno especial.
1.6.1.5 O real e o ideal
Na composio visual, alguns dos elementos constitutivos esto localizados na parte
superior, e outros diferentes na parte inferior do espao da picture ou da pgina. Aquele que est
localizado em cima (top) apresentado como ideal, o que est localizado embaixo (bottom) como
real. O que est em cima significa que apresentado como o idealizado ou, generalizado, como
ausncia da informao. O real , em oposio, a informao mais especfica, mais detalhada.
Assim como o dado/novo, ideal/real pode ser usada na composio de imagens simples e na
composio de textos com layouts e tambm em diagramas.
1.6.1.6 O centro e a margem
Esse tipo de composio textual, muito utilizada por artistas barrocos e, hoje, mais pela
cultura oriental, significa que aquilo apresentado no centro o ncleo da informao a que todos
os outros elementos em algum sentido so subservientes. As margens so, portanto, os elementos
dependentes.
1.6.1.7 A Projeo/salincia
A funo principal de integrao dos cdigos como composio a textual. A integrao
dos cdigos serve para produzir textos, para posicionar os elementos, para dar sentido ao todo e
para providenciar coerncia e orden-los.
Uma imagem ou uma pgina tambm envolve diferentes graus de salincia/projeo para
seus elementos. O dado pode ser mais relevante/saliente que o novo ou o novo mais saliente que o
dado, ou ambos igualmente salientes/projetados. O mesmo ocorre com o ideal e o real.
Quanto composio e integrao de cdigos, a projeo julgada com base nas pistas
visuais. Segundo Kress e van Leeuwen (1996, p. 212), os leitores da composio espacial so
intuitivamente capazes de julgar o peso de vrios elementos da composio de acordo com o
destaque dado.
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40
A projeo no medida objetivamente, mas o resultado de uma complexa interao, da
relao entre uma gama de fatores, como: tamanho, forma do foco, contraste de tom (reas de alto
contraste tonal, limites entre branco e preto...), contraste de cor, colocao no campo: se so
assimtricos no campo visual, ou se aparecem em primeiro ou segundo plano.
1.6.2 Categorias de anlise propostas por Fairclough
De acordo com Fairclough (2001), h trs dimenses da anlise que inevitavelmente
estaro superpostas na prtica. Por exemplo, os analistas sempre comeam com uma ideia da
prtica social em que se situa o discurso.
Assim, a sequncia analtica envolve uma progresso cclica que vai da interpretao
descrio e volta interpretao. Esse processo privilegia a interpretao da prtica discursiva
(processos de produo e de consumo de texto), em lugar da simples descrio do texto, ao mesmo
tempo em que possibilita a interpretao de ambos texto e discurso luz da prtica social em
que se situa o discurso.
Fairclough ressalta que desnecessrio proceder nessa ordem, os analistas podem comear
da anlise do texto, ou de fato da anlise da prtica social em que se situa o discurso. A escolha
depender dos propsitos e das nfases da anlise.
Entre as vrias categorias propostas por Fairclough para anlise de discurso, selecionei
para a pesquisa as que apresento a seguir.
1.6.2.1 Condies da prtica discursiva
O objetivo especificar as prticas sociais de produo e de consumo do texto, associadas
com o tipo de discurso que a amostra representa (o qual pode ser relacionado ao gnero de
discurso). Para isso so necessrias duas perguntas:
a) o texto produzido (consumido) individual ou coletivamente?
b) que tipos de efeitos no-discursivos possui essa amostra?
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41
1.6.2.2 Tema
Ao tema corresponde a preocupao em verificar se h um padro discernvel na estrutura
temtica do texto para as escolhas dos temas das oraes. Os questionamentos que surgem so:
a) qual a estrutura temtica do texto e que suposies lhe so subjacentes?
b) os temas marcados so frequentes e, em caso positivo, quais so suas motivaes?
1.6.2.3 Criao das palavras
Nessa categoria, o objetivo contrastar as formas de lexicalizao dos mesmos
significados em outros (tipos de) textos e identificar a perspectiva interpretativa que subjaz a essa
lexicalizao. Para tanto, prope trs perguntas:
a) o texto contm itens lexicais novos e, em caso positivo, que significado terico,
cultural e ideolgico eles tm?
b) que relaes intertextuais esto delineadas para a lexicalizao no texto?
c) o texto contm evidncia de perfrase ou relexicalizao (em oposio a outras
lexicalizaes) de certos domnios de sentido?
1.6.2.4 Significado das palavras
A nfase est nas palavras-chave que tm significado cultural geral ou mais local; nas
palavras cujos significados so variveis e mutveis; e no significado potencial de uma palavra
como um modo de hegemonia e um foco de luta.
Aps a apresentao das categorias de anlise, passo apresentao da estrutura dos
captulos na prxima seo.
1.7 Estrutura da tese
A tese est organizada em cinco captulos, a saber:
Captulo 1 Apresentao da tese, da anttese, da metodologia, do corpus, das questes de
pesquisa e das categorias analticas
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Captulo 2 - Reviso da literatura sobre a multimodalidade e sobre a ADC
Captulo 3 Anlise de websites e webpages de acordo com a teoria selecionada.
Captulo 4 Anlise de CD-ROM e de Unidade Didtica em CD
Captulo 5 - Sntese do Referencial de Trabalho Multimodal para o Ensino de PBSL
1.8 Primeiras concluses
Cumprida a tarefa de apresentar a estrutura do trabalho, bem como a de enfatizar a tese a ser
defendida no mbito dos estudos lingusticos, fao um ltimo esclarecimento antes de adentrar o
segundo captulo: como assumo proposta de pesquisa multimodal, a composio de cada captulo
desta tese segue essa mesma orientao composicional, iniciando e finalizando com textos
imagticos diversos que se inserem, de alguma forma, no tema aqui tratado. Esses textos
compem os sentidos discutidos e funcionam como elementos provocadores de reflexo. O texto
escolhido para finalizar este captulo de Nanquim e ilustra bem como h certa resistncia em se
conferir credibilidade aos sentidos veiculados em mdias diferentes da impressa e mostra ainda
como o poder da palavra escrita perpassa a noo do que real, do que vlido como informao
e, ao contrrio do que se possa imaginar em termos de mdia, no basta que haja diversidade
tecnolgica, necessrio desenvolver competncias lingusticas e miditicas de maneira plena.
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http://blogdogipo.blogspot.com/2010/09/imagens-de-um-fazer-jornalistico.html
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O LUGAR DA MULTIMODALIDADE
NOS ESTUDOS DISCURSIVOS
Figura 5: Interao miditica
Fonte: http://midiasjacobina.blogspot.com/
http://midiasjacobina.blogspot.com/
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Neste captulo, dedico-me a uma reviso da literatura sobre a Anlise de Discurso Crtica e a
Teoria da Semitica Social/Teoria da Multimodalidade, procurando no somente apresentar
conceitos, mas mostr-los de forma contextualizada em anlises prvias que, mesmo no sendo o
foco deste trabalho, auxiliam na compreenso de como estudos discursivos e semiticos em
conjunto podem oferecer alternativas para avanos necessrios no desenvolvimento e h anlise de
corpora lingustico que integre modalidades semiticas diversificadas.
Dessa forma, nas sees a seguir, abordo o processo de incluso da multimodalidade nos
estudos discursivos para posteriormente tratar da gramtica da sintaxe visual, cerne da proposta de
Kress e van Leeuwen que, por sua vez, resulta de uma srie de estudos anteriores includos a
Halliday, Woodward, Hodge e Kress entre outros.
2.1 A incluso da multimodalidade nos estudos discursivos: revisitando conceitos e reformulando propostas
Os significados materializados por meio da linguagem, seja ela verbal ou no-verbal,
considerando todo o arranjo visual de uma mdia, ou seja, a diagramao, as cores, as figuras, o
tipo de papel (no caso de texto escrito) ou at como as pessoas se comportam nos textos orais
(gestos, entonao de voz, expresses faciais) pode ser chamado de multimodalidade. Assim, para
compreender a relao entre as prticas discursivas e as prticas sociais contemporneas que
envolvem mdias, j que nelas so produzidos significados e estabelecidas relaes por meio dos
textos ou discursos nelas veiculados, devemos antes entender como a proposta multimodal passou
a fazer parte dos estudos discursivos, portanto, julgo necessrio um exame no cenrio de
investigao semitica.
Para revisar as bases da Semitica, pontuo as principais influncias desse campo de
estudos h muito explorado por diversas reas da cincia. Nessa perspectiva, retomo trs escolas
de semitica que deixaram seu legado expansionista para o campo dos estudos lingusticos, que
passou a incluir como objeto de estudo outros modos comunicacionais alm da linguagem verbal,
proposta de Kress e van Leeuwen ([1996] 2006). E sempre de acordo com a proposta multimodal,
elaboro o quadro abaixo com trs escolas marco dos estudos semiticos, explorando alm da
modalidade escrita, a modalidade imagtica:
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46
Quadro 1: Escolas Semiticas com influncias lingusticas
fonte: elaborado pela autora
Essas escolas se propuseram a trazer conceitos lingusticos para o mbito das imagens. Um
estudo considerado base no campo da Semitica Social o realizado por Hodge e Kress (1988),
que, ao levar em conta modos semiticos alm da linguagem verbal, abre caminho a trabalhos
como os de Kress e van Leeuwen (1996); Baldry e Thibault (2006); Royce e Bowcher (2007),
entre outros. Hodge e Kress (1988) propem uma reconstruo da semitica tradicional, com base
em crticas sobre o fato de esta negligenciar as funes e os usos sociais dos sistemas semiticos
pelos produtores dos signos. Assim, uma das premissas da abordagem semitica proposta o
reconhecimento de que, para se compreender os processos e as estruturas da linguagem,
indispensvel considerar a dimenso social, tomando-a como ponto de partida para a anlise dos
A Escola de Praga, nos anos 1930 e incio dos anos 1940, desenvolveu trabalhos no campo das artes e ensejou a aplicao do mtodo estruturalista, base lingustica estudada pelos formalistas Russos.
A Escola de Paris, nos anos 1960 e 1970, tem base em ideias de tericos como Saussure, Barthes e Metz, entre outros. A esta escola se deve o desenvolvimento de conceitos at hoje ensinados dentro do que se chama semiologia, como os de significante e significado, signos arbitrrios e motivados.
A Semitica Social tem suas origens marcadas pelos trabalhos de Halliday (1978) na sistmico funcional,de Fairclough e Fowler na ADC, e de Hodge e Kress (1988), tericos que concebem a linguagem como social, um recurso com que se constroem significados orientados para desempenhar funes em contextos sociais.
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
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sistemas de significado. Nesse sentido, verifico a influncia da obra de Halliday, no que tange a
seus ensinamentos sobre as funes sociais da linguagem, obra sobre a qual discorro a seguir.
A ligao da Teoria da Multimodalidade com a Lingustica Sistmico-Funcional est na
origem da Lingustica Crtica (um modelo de anlise textual que combina a gramtica de Halliday,
1994, com o conceito de ideologia) e da semitica social (FOWLER et al., 1979; HODGE e
KRESS, 1988; KRESS e van LEEUWEN, 1996, 2001). A definio de linguagem em que ambas
se baseiam a de lingustica instrumental: o estudo da linguagem para compreender outros
fenmenos, apresentando caractersticas que dependem do propsito do estudo. Para Halliday
(1989), ao estudar a lingustica instrumental, compreende-se ao a natureza da linguagem como um
fenmeno integral.
A Lingustica Sistmico-Funcional defende a ideia de que os sistemas lingusticos so
abertos vida social, pois se constroem na interseo das macrofunes da linguagem, a saber:
a) ideacional a construo e a representao da experincia;
b) interpessoal a construo e a representao das relaes sociais e das identidades
sociais;
c) textual o estabelecimento de elos coesivos (textura).
Essa abordagem da linguagem fundamental para o desenvolvimento da teoria crtica do
discurso. Usamos a linguagem constantemente em diferentes contextos sociais de uso: ao interagir
interpessoalmente, na organizao de experincias, na socioconstruo de nossa identidade, e no
desenvolvimento e na reconstruo do conhecimento (FAIRCLOUGH, [1992] 2001; 1999) entre
outras atividades dirias, nas quais a linguagem o sistema mediador. Halliday (1989, p. 3-11)
afirma, nessa direo, que a linguagem um dentre os sistemas por meio dos quais construmos
sentidos, e esse sistema se organiza na forma de rede de escolhas lxico-gramaticais. Para o
autor, combinaes de escolhas codificam e realizam significados. Esses significados so
negociados e produzidos no processo de interao social por pessoas que, como membros de
grupos sociais, se engajam em eventos comunicativos por intermdio da linguagem.
Assim, compreender os eventos comunicativos poder relacion-los aos seus contextos de
produo e de recepo. Entendo que sob a perspectiva hallidayana, um texto pode ser
considerado como linguagem realizando alguma tarefa em algum contexto [...] (idem, p. 10) e o
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contexto em que esse texto se desenvolve pode ser concebido como a situao ou o ambiente que
produz e produto desse texto (idem, p 5). Com isso, para compreender as diversas atividades
dirias, o uso da linguagem como mediao da interao em um grupo social, torna-se
fundamental estudar os textos produzidos nos eventos comunicativos. Destaco a importncia da
anlise multimodal, nessa perspectiva originalmente hallidayana, que Vieira (2010, p.87) define
nos seguintes termos:
para levar a efeito a anlise multimodal, necessrio que tratemos da modalidade
e dos modos semiticos (HALLIDAY, 1994) que descrevem como as semioses
podem representar a verdade do mundo real; como as imagens constroem a
realidade; como elas recortam o mundo e como intencionalmente podem omitir
detalhes, pois s o gnero humano capaz de criar mundos simblicos,
modificando-os por meio do discurso.
Um ponto importante a ser ressaltado nos estudos discursivos diz respeito aos efeitos
ideolgicos do discurso, que remete ao que Halliday apresentou como funo ideacional e que
posteriormente foi tratado por Fairclough em vrias de suas obras nas quais o autor dialoga com
autores de outras reas, dentro da perspectiva transdisciplinar da Anlise de Discurso Crtica. Cito
como exemplo de linha prxima a de Fairclough, Thompson (1995) que afirma que a ideologia
opera em uma variedade de contextos da vida cotidiana. Contudo, Thompson (p.35) acredita que a
interpretao da ideologia deve ser ancorada em uma anlise scio-histrica, na anlise formal
discursiva com nfase crtica, como tambm em uma anlise semitica, para desmascarar o
sentido que est a servio do poder, em um modelo que denomina de Hermenutica de
Profundidade, o qual constitui um arcabouo completo de anlise.Assim, Thompson distingue
cinco modos pelos quais a ideologia pode operar na modalidade lingustica, nesse sentido, estudar
a ideologia , ento, estudar as maneiras como o sentido serve para estabelecer e para sustentar as
relaes de dominao. Basicamente, nessa proposta, a ideologia atua, de acordo com cinco modus
operandi, descritos no quadro a seguir:
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
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Quadro 2: Os cinco modus operandi e as respectivas estratgias da ideologia segundo John
Thompson
Legitimao apresenta as relaes de
dominao como legtimas, justas e
dignas de apoio;
racionalizao (o produtor de uma forma simblica constri uma cadeia de raciocnio que procura justificar um conjunto de relaes
sociais e com isso convencer uma audincia de que digno de apoio)
universalizao (acordos institucionais que servem para o interesse de alguns so apresentados como servindo ao interesse de todos)
narrativizao (histrias que contam o passado e tratam o presente como parte de uma tradio eterna e aceitvel)
Dissimulao nega, obscurece e oculta
relaes de poder, representando-as de
maneira que desvia a ateno e que passa
por cima de relaes e processos
existentes;
deslocamento (determinado objeto ou pessoa usado para se referir a um outro, e com isso as conotaes positivas ou negativas do termo
so transferidas para outro objeto ou pessoa)
eufemizao (aes, instituies ou relaes sociais so descritas ou redescritas de modo a despertar valorao positiva)
tropo metfora, metonmia (uso figurativo que dissimula relaes sociais)
Unificao estabelece por meio da
construo, no nvel simblico, uma
forma de unidade que interliga os
indivduos em uma identidade coletiva,
independente das diferenas e divises
que possam separ-los;
estandardizao ou padronizao (formas simblicas so adaptadas a um referencial padro, que proposto como fundamento partilhado e
aceitvel de troca simblica)
simbolizao da unidade (envolve a construo de smbolos de unidade, de identidade e de identificao coletivas, que so difundidas
em um grupo)
Fragmentao segmenta aqueles
indivduos e grupos que possam ser
capazes de se transformar em um desafio
real aos grupos dominantes, dirigindo
foras de oposio potencial em direo a
um alvo que projetado como mau,
perigoso, ameaador;
diferenciao (nfase que dada s distines, diferenas e divises entre pessoas e grupos, apoiando caractersticas que os desunem e os
impedem de construir um desafio efetivo s relaes existentes)
expurgo do outro (envolve a construo de um inimigo, seja ele interno ou externo que retratado como mau, perigoso ou ameaador
e contra o qual os indivduos so chamados a resistir coletivamente)
Reificao apresenta uma situao
transitria, histrica, como sendo
permanente, natural, atemporal.
naturalizao (um estado de coisas que uma criao social e histrica pode ser tratado como um acontecimento natural ou como
resultado inevitvel de caractersticas naturais)
eternalizao (fenmenos scio-histricos so esvaziados de seu carter histrico ao serem apresentados como permanentes, imutveis
e recorrentes)
nominalizao /passivizao (apagam os atores e a ao; tendem a representar processos como coisas ou acontecimentos que ocorre na
ausncia de um sujeito que produza essas coisas)
Fonte: Thompson, 1995
A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas
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A proposta de Thompson no pretende ser definitiva ou restritiva, em outras palavras,
esses cinco modos no constituem os nicos modos com que a ideologia opera, bem como as
estratgias dependem de seu uso e de sua construo em circunstncias particulares. vlido
ressaltar que tambm existem modos que operam a ideologia na modalidade visual, o que ser
explicitado no quarto captulo, no qual realizo minha anlise. A Hermenutica de Profundidade
HP, tambm proposta por Thompson, foi selecionada como procedimento metodolgico para a
anlise dos efeitos ideolgicos do discurso. um mtodo analtico cujo objeto se refere a uma
construo simblica significativa que exige uma interpretao, permitindo a elucidao das
maneiras como as formas simblicas so lidas e compreendidas pelas pessoas que as produzem e
as recebem no decurso de suas vidas.
O referencial metodolgico da HP amplo e compreende essencialmente trs fases que
no podem ser vistas como estgios separados de um mtodo sequencial, mas antes como
dimenses analiticamente distintas de um processo interpretativo complexo Thompson (1995,
p. 365): anlise scio-histrica, anlise formal ou discursiva, e interpretao/re-interpretao.
Estudos discursivos que investiguem alm do material lingustico, o extralingustico
podem ser reveladores. Tomemos como exemplo o papel exercido pela grande mdia atualmente.
Qualquer fato, ao ser publicado em algum meio jornalstico, adquire credibilidade e veracidade.
Boa parte da populao no faz leitura crtica das notcias, pois acredita estar sendo bem
informada por determinado jornal ou revista, ou mesmo telejornal. No pretendo adotar um tom
alarmista sobre a mdia e sim frisar que eventos comunicativos envolvem pessoas e acreditar em
uma provvel imparcialidade desconsiderar a influncia do meio social.
Para exemplificar como a linguagem, em suas diversas formas de realizao, pode revelar
pistas significativas sobre o contexto social em que foi produzida e como a recepo desse texto
pode contribuir para a veiculao de ideologias e de crenas, cito a revista Veja, de posio
contrria ao presidente Lula, por um breve exame da construo de suas capas como apresento a
seguir:
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Figuras 6: Capa 1 de Veja
Fonte: www.vejaonline.com
http://www.vejaonline.com/
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Figura 7: Capa 2 de Veja
Fonte: www.vejaonline.com
Em ambas as capas, a revista retrata aspectos negativos do ento Presidente Lula, o que
derruba o mito de imparcialidade da mdia. Esse significado negativo construdo na primeira
capa, pelo segundo plano em cor preta atrelada a ideia de tempos de crise, a foto de um Lula
http://www.vejaonline.com/
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cabisbaixo, alm do nome de Lula escrito com dois les a e
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