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IV Encontro Internacional de Literaturas, Histórias e Culturas Afro-brasileiras e Africanas
Universidade Estadual do Piauí – UESPI
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A NÉGRITUDE NO TEXTO
Maria de Lourdes Teodoro
O movimento literário da Négritude antilhana e africana surgiu como afirmação
histórica, sociocultural e estética de um grupo de jovens estudantes que descobriram
suas identidades enquanto negros, cuja condição de vida tinha dimensão internacional.
A Négritude foi ainda, para a maioria de seus membros, uma forma de combater o
colonialismo: a dependência cultural, política e econômica através das ciências
humanas, da arte e da literatura, em particular. As obras e ações políticas de seus
principais autores vieram para transformar: mudar a visão que os europeus tinham dos
africanos e da Diáspora africana e mudar a visão de si mesmos por parte dos africanos e
dos descendentes de africanos, na Diáspora. Por isso as três principais lideranças do
Movimento assumiram, rapidamente, responsabilidades também como homens
políticos.
Antecedentes do Movimento da Négritude
Presença da Mulher Negra
Um grupo de estudantes negros, em Paris, publicou desde Novembro 1931 a
Revista do Mundo Negro “Révue du Monde Noir/The Review of the Black World”
(1931-32). À frente desse grupo estiveram a estudante martinicana Paulette Nardal, suas
irmãs Andrée e Jane (com o pseudônimo de Yadhé). Elas foram, de fato, precursoras
da Négritude, batizada no final da década 30 por Aimé Césaire. Dentre as mulheres,
além das irmãs Nardal, escreviam Roberte Horth, da Gruiana francesa, Magd Raney (ou
Marie-Magdeleine Carbet) da Martinica, Margaret Rose Martin (de Cuba) e Clara
Shepard, dos Estados Unidos.
Alguns colaboradores da revistas já eram um pouco conhecidos, a exemplo do
“indigentista” haitiano Jean Price-Mars, o antropólogo francês Maurice Delafosse, o
alemão Léo Frobenius, o holandês Bernelot-Moens; colaboraram também os antilhanos
Louis Achille, Félix Eboué, Gilbert Gratiant, René Maran e os norte-americanos George
ISBN: 978-85-8320-162-5
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Gregory, Langston Hugues, Claude MacKay e John Matheus. A Revista do Mundo
Negro foi de viés mais político que literário e também divulgou os escritores cubanos
Regino Pedroso e Nocolas Guillén. Ela contestou de modo pioneiro, os preconceitos de
raça e de cultura, historicamente alimentados pelo poder colonial. Após seis números, a
revista foi interrompida, por falta de suporte financeiro e, apesar de seu tom
conciliatório, foi o primeiro passo em direção ao Movimento da Négritude.
Se por antecedentes quiséssemos nomear, reconhecer o mérito de todos os que –
antes dos anos 30 do século XX – deixaram trilhas que nos conduziriam a essa
conjuntura de rebeldia, criatividade, criticismo, argúcia intelectual, revolta liberadora
que foi o Movimento da Negritude, teríamos que recuar até o Abé Grégoire, com a
“Sociedade dos amigos dos negros”; se ouvíssimos Cheikh Anta Diop iríamos ainda
mais longe, se ouvíssemos Léopold Sedhar Senghor, rememoraríamos o instrumentista
de kora, de balafon, trompa, flauta, e os griots..., e os etnólogos que falaram de uma
“civilização negro-africana” em primeiro lugar. Mas nosso propósito aqui é mais
modesto.
A revista “Légitime Défense” (Legítima Defesa), publicada em Paris em 1932, é
sem dúvida mais um antecedente histórico do Movimento da Negritude. Ela reunia
estudantes martinicanos, inclusive René Ménil e tem um colaborador norte-americano, o
romancista e poeta Claude Mac Kay. De caráter, sobretudo político, identifica-se com o
surrealismo francês. Mesmo se a ligação não é direta, Légitime Défense, se posiciona a
favor de uma luta anti-imperialista e contras as burguesias ocidentais e as próprias
burguesias coloniais, na expressão de René Ménil, em 1978.
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Em 1934, Aimé Césaire torna-se presidenter da Associação dos Estudantes
Martinicanos na França e muda o nome da revista L’Étudiante Martiniquais (O
Estudante martinicano), também de 1932, para L’Étudiant Noir (O estudante negro)
cujo primeiro número é de março de 1935. Junto com Légigime Défense, L´Etudiant
Noir registra o despertar das consciencias no meio estudantil negro na França, no início
dos anos 1930. O Número 1 do Jornal é conservado nos Archives d’Outre-Mer
(ANOM). Esse jornal reúne, pela primeira vez,os estudantes antilhanos e africanos,
entre os quais se encontram, ao lado de Aimé Césaire, o guianense Léon Gontram-
Damas e o senegalês Léopold Sédar Snghor. Segundo Damas , “L’ Étudiant Noir, foi
um jornal corporativo e de combate e tinha por objetivo o fim da tribalização, do
sistema de clã em vigor no Quartier Latin. Deixava-se de ser um estudante
essencialmente martinicano, guadalupense, guianense, africano, malgache, para não ser
senão um só e mesmo estudante negro. Terminava a vida em grupos isolados.”
(www.patrimoines-martinique.org./id=91), (consultado em 2014).
Em 1937, Leon-Gontram Damas publica seu livro de poemas Pigments
(Pigmentos), prefaciado por Robert Desnos. A obra é apreendida e proibida em 1939
por “atentado contra a segurança do Estado” e, segundo o autor, seus poemas tiveram
influência determinante sobre a poética de Césaire.
Dois anos mais tarde vem a lume o texto conceitualmente fundador: o Caderno
de volta ao país natal (Cahier d’ un retour au pays natal) de Aimé Césaire que cria o
substantivo Négritude.
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Pouco depois, na Martinica, Aimé e sua esposa Inna Césaire, René Menil,
Aristide Maugée, dentre outros, publicam – na Martinica - Tropiques (1941- 45), órgão
de divulgação das criações e reflexões do Movimento da Negritude. Na apresentação,
Aimé Césaire testemunha a esterilidade e o silêncio em que vivem as Antilhas sob o
domínio colonial e a repressão política. já sob o poder nazista na França e seu eco nas
Antilhas:
“Não há cidade. Não há arte. Não há verdadeira civilização, quero
dizer: esta projeção do homem sobre o mundo; essa modelagem do
mundo pelo homem; essa imagem do universo à semelhança do
homem.” [...] Mas chega de parasitar o mundo. Antes, é de salvá-lo
que se trata. É tempo de ir à luta como um homem de coragem.” [...]
Os homens de boa vontade trarão ao mundo uma nova luz.”
O objetivo da revista é afirmar a originalidade da cultura das Antilhas, e suas
raízes africanas. Portanto, opõe-se politicamente ao governo Vichy, que representa o
nazismo. Tropiques traz colaborações dos cubanos Alejo Carpentier (1904 –1980), em
seu número doze, de janeiro, 1945, da antropóloga cubana Lydia Cabrera (1899-1991) e
do pintor Wifredo Lam (1902-1982).
Em Paris, em 1947, o senegalês Alioune Diop (1910 - 1980), Christiane Diop,
Aimé Céaire, Paul Niger e Guy Tirolien (da Guadalupe) iniciam a publicação da revista
Présence Africaine (1947 ...), também editora:
“Esta revista – nos diz Alioune Diop, no número Um – não se coloca
sob a obediência de nenhuma ideologia filosófica ou política. Ela quer
abrir-se à colaboração de todos os homens de boa vontade (brancos,
amarelos ou negros), susceptíveis de nos ajudar a definir a
originalidade africana e de apressar sua inserção no mundo moderno”.
Nesse espírito, o Comitê de Apoio da revista já inclui, além de africanos,
antilhanos, norte-americanos, também brancos europeus, a exemplo de Michel Leiris,
Albert Camus, Jean-Paul Sartre, André Gide, entre outros.
No ano de 1948 vem a lume a Antologia da Nova Poesia Negra e Malgache
(Anthologie de la Nouvelle Poesie Nègre et Malgache) organizada por Léopold-Sédar
Senghor, a convite do Professor Charles-André Julien, e com prefácio de Jean-Paul
Sartre. A Antologia traz uma dimensão bastante ampla dos autores considerados como
ligados ao Movimento da Negritude.
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Definição de Negritude
Definida por Aimé Césaire em ocasiões diversas, a Negritude é para ele algo
simples: a afirmação de uma identidade negra, a afirmação de uma solidariedade e de
fidelidade a um conjunto de valores culturais e artísticos de origem Africana. Através
dela, e a partir dela, o ser negro tornou-se incompatível com a submissão colonial,
incompatível com a dominação cultural, daí a importância das reivindicações de ordem
cultural que iriam alimentar, em seu aprofundamento, as reivindicações de
independência política, de direitos civis, etc.
Citado por Mário Pinto de Andrade, de Angola, Césaire definiu certa vez a
Negritude como “postulação irritada e impaciente de fraternidade”. Já para o filósofo
René Ménil, companheiro de Aimé Césaire na Revista Tropiques (Trópicos), a
Negritude não foi senão o Romantismo antilhano.
Nas décadas de 80, e 90 do século XX toma forma uma visão crítica da
Negritude. Visão crítica nem sempre embasada nos textos fundadores. A Negritude teria
falhado ao não ser mais política do que o foi. Diante de tais reflexões, Aimé Césaire
afirmava: “A Negritude é o que é, tem suas qualidades e seus defeitos, mas no momento
em que é vilipendiada, em que é descaracterizada, eu gostaria assim mesmo que se
fizesse uma reflexão sobre o que era a situação dos negros, a situação do mundo negro
no momento em que esta noção nasceu como que espontaneamente, de tal forma ela
respondia a uma necessidade. Evidentemente, nesta hora atual, os jovens podem fazer
outra coisa, mas creiam-me, eles não poderiam fazer outra coisa nesta hora atual se,
num dado momento, entre 1930 e 1940, não tivesse havido um grupo de homens que se
arriscaram a pôr de pé este movimento chamado Negritude”.
Contexto de florescimento do Movimento da Negritude
Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi um dos grandes conflitos sangrentos
da história da Humanidade. O Partido Nazista, liderado por Adolph Hitler exacerba a
prática do racismo na Alemanha, na França, na Itália e se expande inclusive até o
continente latino-americano, particularmente no Brasil, onde ganha muitos partidários.
Ocorre o extermínio de ciganos, negros, judeus, portadores de necessidades especiais
(físicas e mentais), homossexuais, nos campos de concentração na Alemanha, na
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França, etc. (Cf.: http://www.infoescola.com/segunda-guerra/aliados/; La shoah (o filme
e o livro)).
Na Martinica, a situação social e econômica se torna extremamente precária com
um bloqueio que suspende o abastecimento da ilha pela França. O enviado de Vichy – o
Almirante Robert – instaura um regime repressivo e pratica uma censura das atividades
públicas e de difusão que atinge a revista Tropiques.
Ao lado do peso da II Guerra Mundial, há que lembrar o entulho « humanista »
que se encontra nos vários e consagrados pensadores europeus, muitos deles, analisados
por Aimé Césaire no Discurso sobre o Colonialismo. Após contra argumentar as ideias
preconceituosas e racistas que, em sua época, faziam a opinião pública quanto à África,
povos negros, mestiços, amarelos (os asiáticos), judeus, Aimé Césaire ressalta a
importância e a urgência das contribuições do senegalês Cheikh Anta Diop (1923-1986)
e afirma:
[...] o mecanismo de mistificação daqueles autores foi definitivamente
desmontado por Cheikh Anta Diop em seu livro Nações negras e
cultura - Presença Africana,1955- o mais audacioso que um negro
tenha escrito até aqui e que contará, sem dúvida, no despertar da
África.
Esses são alguns dos aspectos fundamentais do contexto histórico e cultural de
surgimento do Movimento da Negritude africana e antilhana nos anos 30-40.
Contexto particularmente hostil, obscurantista e violento, próprio de um período
de guerra ou de um período histórico escravagista. Enquanto a Europa se debate com a
guerra, nos Estados Unidos o problema racial é acirrado com respaldo legal: as leis
“Jim Crow”. São frequentes os linchamentos de pessoas negras e os conflitos urbanos,
com o ativismo da Associação Nacional pelo Progresso do Povo “de Cor”. A realidade
norte-americana sensibiliza profundamente Senghor, Césaire e particularmente Damas.
Nesse mesmo período se consolida, nos Estados Unidos, o movimento chamado Harlem
Renaissance (1919-1940), o Movimento New Negro, em nome do qual Langston
Hughes (1902-1967), amigo do cubano Nicolas Guillen, proclamou, em manifesto, os
princípios.
Não apenas a literatura, mas também a pintura, a música, o conto popular vem
contribuir para ampliar o campo da investigação estética da Négritude. A pintura do
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cubano Wifredo Lam é comparada à poesia de Aimé Césaire por Benjamin Peret em
introdução à edição cubana de Caderno de volta ao país natal, com tradução de Lydia
Cabrera. A arte arcaica africana, traços culturais da Oceania e da América pré-
Colombiana alimentaram a revolução da arte moderna no início do século XX e se
tornam fatores de afirmação identitária.
Para ler e compreender os textos do Movimento da Négritude é interessante estar
a par desses importantes fatores históricos no processo criativo, na associação livre de
ideias. Sem tais lembranças do contexto histórico, político e cultural da época da
Negritude, o leitor crítico corre o risco de ler uma obra e compreender uma outra. Ler
algumas obras, como mera exacerbação de conflitos pessoais, uma perdição no cosmos
para encontrar uma identidade negra, como se tal identidade fosse apenas abstração de
ordem emocional é um desvio nem sempre casual.
As três lideranças do Movimento
Aimé Fernand David Césaire nasceu em Basse-Pointe, Martinica, aos 26 de
junho de 1913 e faleceu em Fort-de-France, capital da Martinica, aos 17 de abril de
2008. De origem modesta, seu pai era funcionário e sua mãe costureira, Césaire foi
poeta, dramaturgo, ensaísta e político. Além de ser um dos mais importantes poetas
surrealistas no mundo inteiro, sua obra é marcada pela defesa de suas raízes africanas e
pela contestação da obra colonial. Césaire não escreveu uma obra contra o homem
europeu, mas contra a elaboração teórica das ideias racistas, que cauciona as operações
dos europeus no processo escravagista e no período de colonização do continente
africano e das Antilhas. Trata-se de uma postura semelhante àquela de Nelson Mandela
quando ele afirmava que sua luta não era contra o homem branco, mas contra o
Apartheid.
Césaire entra na vida política como presidente da Câmara Municipal de Fort-de-
France. Em 1946 é eleito deputado pela Martinica na Assembleia Nacional; nessa
condição ele será o relator da lei que define como Departamentos Franceses as colônias
de Martinica, Guadalupe, Guiana Francesa e Reunião. Para os martinicanos a esperança
era de obter acesso à promoção social e econômica. Césaire considera que ao aprovar a
lei expressou a vontade de seu povo. De 1945 a 1956 Césaire esteve filiado ao Partido
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Comunista Francês, do qual se retira formalmente em carta endereçada ao Secretário
Geral do Partido, Maurice Thorez. Em 1958, ele cria o PPM-Partido Progressista
Martiniquenho. Césaire foi Deputado por 46 anos e presidiu a Câmara Municipal por 56
anos. Léopold-Sédar Senghor, nasceu aos 9 de outubro de 1906 em Joal, próxima de
Dakar, capital do Senegal. Senghor era de família aristocrática. O pai, da etnia serere,
era um rico comerciante de nobre ascendência; a mãe era da etnia peul (ou fulani) povo
de pastores nômades. Viveu na escola primária sua primeira experiência com a
discriminação contra os negros. O menino Léopold estudou na missão católica de
Ngazobil e completou seus estudos secundários no Liceu Van Vollenhoven.
Após os primeiros anos de estudo no Senegal, frequenta o Liceu Louis-le-Grand,
em Paris, onde pode ler alguns poetas da Harlem Renaissance. Estudou depois na
Sorbonne onde foi colega de Césaire e de George Pompidou (que viria a ser presidente
da França). Senghor foi o primeiro africano subsaariano a se formar como professor de
Letras em Universidade. Durante a II Grande Guerra luta pela França, foi feito
prisioneiro dos alemães durante 8 meses, oportunidade em que aprendeu alemão. É
eleito deputado pelo Senegal em 1945; em 1960 torna-se o primeiro Presidente do
Senegal, fica no cargo até 1980. Senghor foi o primeiro africano a desenvolver uma
reflexão sobre a produção da Négritude. Aproximou esse conceito do de “Arabidade” e
“Francidade”: Négritude, Arabité, Francité, uma de suas obras. Sua poesia é admirada
pela elegância do estilo, a suavidade do ritmo e da melodia dos versos, frequentemente
escritos para serem lidos ao som de instrumentos tradicionais africanos e instrumentos
ocidentais. Doutor Honoris Causa de inúmeras universidades, membro do Instituto de
França, foi eleito para a Academia Francesa em 1983. Senghor faleceu na Normandia,
França, em 20 de dezembro 2001. Esteve no Brasil em 1964.
Leon-Gontram Damas, nasceu em 28 de março de 1912, em Caiena (Guiana
francesa). Faleceu em 22 de outubro de 1978, em Washington, DC. Ele ficou órfão de
mãe, antes de completar um ano de idade e foi educado por sua tia Gabrielle Damas
(Man Gabi). Frenquenta a escola primaria em Caiena, estuda a seguir em Fort-de-France
(Martinica) no Colégio Schoelcher. De 1925 a 1926 frequenta a mesma sala de aula que
Aimé Césaire. Em 1928, parte para estudar na França. Estuda russo e japonês, frequenta
a Faculdade de Letras e o Instituto de Etnologia de Paris. Além de poemas (Graffiti,
Black-Label) escreveu “Veillées Noires” (“Soirées negras”), reunião de contos e
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histórias populares da Guiana. Damas é autor de uma antologia pouco conhecida :
Latitudes françaises, citada por Senghor em sua própria Antologia e que Senghor
considera um panorama quase completo da “poesia ultramarina de expressão francesa.”
Damas se interessou bastante pela luta dos negros norte-americanos contra o racismo;
tornou-se amigo de poetas e escritores da Harlem Renaissance: Claude MacKay (1889-
1948), Countee Cullen (1903-1946), Langston Hughes (1902-1967), Richard Wright
(1908-1960). Assim como Senghor, e Césaire, ele será um homem político e um homem
de Letras. Ao lado de Marguerite Duras, Robert Desnos, Jean-Louis Baghio’O, Damas
luta contra Vichy e a ocupação nazista, sofrendo frequentes represálias.
Ele esteve no Brasil em 1964 quando conheceu Marieta Campos que se tornou
sua segunda esposa em 1967; Damas casara-se, antes (1949), com a martinicana Isabelle
Victoire Vécilia Achile.
Damas e Césaire foram os primeiros nas Américas e no Caribe a assinalar as
semelhanças entre a produção literária da Négritude e as condições de vida dos negros
do mundo inteiro. Em Paris, nas Edições Fasquelle, ele fundou a coleção “Escritos
franceses de além-mar”; foi professor de literatura, da Universidade Howard, nos
Estados Unidos.
O encontro –Negritude sem fronteiras
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Nos anos 40, em Paris, às margens do rio Sena, no “Quartier Latin”, negros da
Martinica, de Guadalupe, da Guiana Francesa, do Senegal, se encontraram com negros
norte americanos, haitianos, cubanos, malgaches e outros mais. Primeiro, a alegria do
encontro do semelhante. “Nos éramos, em Paris - dizia Alioune Diop, em 1947 - um
certo número de estudantes de além-mar que, no seio dos sofrimentos de uma Europa
interrogando-se sobre a autenticidade de seus valores, nos reagrupamos para estudar a
situação e as características que nos definissem a nós mesmos”. Estes estudantes
entendem que os negros do mundo inteiro têm compromisso político e ideológico uns
com os outros, pois direitos civis fundamentais lhes são frequentemente negados por
causa de sua raça. Ainda que o fator racial fosse apenas um pretexto para a exploração
econômica.
Quando, cerca de cinquenta anos depois, o Prêmio Nobel de Literatura, o poeta
negro nigeriano Wole Soyinka diz: “Um tigre não grita sua tigritude, um tigre ataca”,
expressando sua visão crítica da Négritude africana, Soyinka deixa muita gente
contente. Instala-se uma confusão entre o sentido humanista do Movimento da
Négritude na África e na Diáspora e as opções políticas de suas lideranças. O que expõe
a identidade expõe também a alteridade indispensável na constituição da primeira.
A dinâmica da Négritude
O Movimento da Negritude se fortaleceu com grande parte da literatura colonial
(a dita literatura de viagens), cultivou-se e enfureceu-se com a etnologia, com as teorias
racistas sobre superioridades biológicas, intelectuais e técnicas de uns com relação a
outros grupos “raciais”. A Négritude conseguiu até, com Leopold Sedar Senghor (entre
outros), apoiar-se mesmo no conde de Gobineau, para louvar a criatividade e a
sensibilidade da raça negra. Gobineau foi o principal defensor da tese da desigualdade
de aptidão entre os seres humanos, e autor da obra Das desigualdades das raças
humanas. Essa obra deu significativo suporte ao governo de Hitler, na Alemanha. O
índice de racismo antinegro era tão elevado que essa fonte dos ideólogos nazistas pode
ser vista como positiva, por ter reconhecido nos negros “o dom para a emoção e o
ritmo”.
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No campo da História da cultura ou da história das ideias, contrapondo-se a
respeitados pensadores e filósofos europeus, o egiptólogo e humanista africano Cheikh
Anta Diop, em sua tese publicada em 1954, Nações negras e cultura, funda a história
africana, expressando-a nos mais sofisticados meios da tradição ocidental. A obra de
Anta Diop chega para abalar a visão monolítica e preconceituosa quanto ao passado
negro africano.
Igualmente importante será o viés introduzido por Frantz Fanon (1925-1961),
médico psiquiatra e psicanalista. A obra de Fanon Pele negra, máscaras brancas, de
1952, é um marco fundamental na reflexão sobre o racismo, o colonialismo e seu
impacto na saúde mental do ser humano. Após servir o exército durante a II Grande
Guerra Mundial, Fanon conclui seus estudos de medicina e, por três anos, clinica em um
hospital argelino (Algéria era ainda colônia francesa). Fanon é um ardente defensor das
lutas de liberação nacional e se liga ao movimento argelino de liberação. É então
enviado como embaixador em Ghana. Sua obra é inspiradora para povos oprimidos no
mundo todo: Movimento pelos Direitos Civis, nos Estados Unidos, Movimento de
liberação das mulheres, Movimento negro no Brasil, etc.
O Texto poético da Négritude
Há um contexto a manter presente, nessa leitura: a Europa está em guerra ; há
dependência política, econômica e cultural nos países ou nas regiões de onde veem os
autores do Movimento da Négritude; o povo negro é visto com base em preconceitos de
várias ordens. Nossos autores, embora com origem no continente africano, nas Antilhas,
nas Américas, estudam também em universidades francesas, ou em outras instituições
ocidentais.
Leiamos então esse trecho de poema:
América
[...........................................................................]
E no dia do triunfo
após os soldados vos terem expulso com René Maran
de um café parisiense,
voltastes
aos barcos
onde já vos mediam o lugar
e empurravam à cozinha:
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às vossas ferramentas
vossa vassoura
vosso amargor
em Paris
em Nova Iorque
em Alger
no Texas
por trás dos ferozes arames farpados
de todos os países do mundo.
[...........................................................................................]
desde há mais de cinco séculos
na Guiné
em Marrocos
no Congo
em toda parte onde vossas mãos negras
deixaram nos muros da civilização
marcas de amor, de graça, de luz...”
Jean-François Brière, in: Senghor, Anthologie de la nouvelle poésie
nègre et malgache, Paris, 1948.
O que revela a poesia dos grandes líderes da Negritude antilhana, como Aimé
Césaire, Leon-Gontran Damas, o cubano Nicolás Guillen, é a força com que
condensaram as questões cruciais dos negros da África e da Diáspora. Para Jean-Paul
Sartre, a Négritude é um arquétipo e um valor, por isso, acrescenta ele, ela encontrará
seu símbolo mais transparente nos valores estéticos. Enquanto obra de arte, ela é um
apelo à liberdade e generosidade absoluta.
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“devolvei-as a mim minhas bonecas negras, que eu
brinque com elas
as brincadeiras ingênuas de meu instinto
ficar à sombra de suas leis
recobrar minha audácia
me sentir eu mesmo
novo eu mesmo como ontem eu era
ontem
sem complexidade
ontem
quando veio a hora de deixar as raízes”
Léon-Gontram Damas
Em Cuba, Alemanha, França, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Brasil a
crítica tem sido abundante e enriquecedora da produção artístico-literária da Negritude
antilhana e africana.
Os caminhos abertos pelo Abbé Grégoire, Léon Gontram Damas, Léopold Sédar
Senghor, André Breton, Jean-Paul Sartre, Lilyan Kesteloot, Jack Korzani, etc.,
encontram hoje em universidades do mundo inteiro sua continuidade e incansável
renovação. Dessa produção dizia Sartre em 1948:
“Desejo que aprendamos a ler estas obras e que agradeçamos aos
negros por enriquecerem nossa velha cultura cerimoniosa, embaraçada
em suas tradições e sua etiqueta, ela bem necessita de algo novo; cada
negro que procura pintar-se por meio de nossos mitos é um pouco de
sangue fresco que circula neste velho corpo. É necessário que a
presença africana seja, entre nós, não como a de uma criança em um
círculo de família, mas como a presença de um remorso e de uma
esperança.”
Os autores da Negritude - todavia - serão tão mais revolucionários quanto
melhor utilizarem a língua francesa para expressarem seus próprios mitos, e fizerem
suas as palavras francesas.
Jaques Howlett, colaborador de Presença Africana, durante longos anos, dizia no
primeiro número dessa revista, em 1947:
“O que queríamos, pois, sugerir a esta consciência moderna ocidental
é, simplesmente, o interesse que haveria para ela em se voltar em
direção a estas formas de expressão africana tão plenas do peso das
coisas e dos seres. Talvez ela encontrasse formas de apreensão do real
propícias a apaziguar nostalgias e, quem sabe, ela ganhasse aí também
alguma ciência ...”.
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Da Negritude à “tigritude”, o autor e autora negros explorarão a emocionante
aventura de viver, a contundente experiência de sobreviver e não esquecerá nunca o
que, para o ser humano, constitui o essencial: a liberdade e a felicidade.
“Césaire se serve da pluma como Louis Armstrong de sua trompete.
Ou mais exatamente, talvez, como o crente do Vodu, serve-se de seu
atabaque. Ele necessita perder-se na dança verbal, no ritmo do tam-
tam para reencontrar-se no Cosmos.” .
Léopold Sédar Senghor, Éthiopiques, 1956.
Centenas de teses de mestrado, doutoramento ou PhDs são consagradas - a cada
ano – aos autores do Movimento da Negritude, em universidades do mundo inteiro,
sendo que algumas instituições têm publicações especiais e regulares sobre obras do
Movimento.
O estar no mundo de dominação branca permite aos negros perceberem que algo
sutil os diferencia dos demais. Quando mot macumba (palavra macumba), tracking,
lindy-hop, aguacero aparecem num poema de língua francesa, o poeta está aludindo a
essa dimensão internacional da Négritude. É de semelhante afeto que nos fala Guy
Tirolien no poema América.
América
“eu sou o ferro cravado em tua ferida
[...........................................................]
e nenhum batismo
nenhuma ablução te limpará de mim
América
a neve florindo nos campos de algodão
é meu suor fecundo
é meu sangue
tua riqueza
[..........................................................]
minha voz
a de Césaire e de Mac Kay
de Robeson e de Guillén
será mais forte que teu orgulho
mais alta que teus arranha-céus
pois ela salta das sombrias entranhas do sofrimento
América”.
Guy Tirolien, Amérique, Balles D'or
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O célebre poema de Langston Hughes, I, too, publicado no segundo número da
Revue du Monde noir, achou seu eco um pouco por toda parte, assim como A
l'Amérique de Claude Mackay (1860-1947), publicado no número dois de Tropiques. O
poema que o brasileiro Solano Trindade dedica à América, embora aludindo ao poema
de L. Hughes, está mais próximo do de MacKay, pelo desejo de contribuir para a
construção do país. O haitiano Jean-François Brière relembrará o trabalho do negro, as
independências dos países centro, norte e sul americanos e a marginalização à qual o
negro estava condenado, apesar de sua participação; a despeito deste fato, a marca do
amor e a exigência da liberdade caracterizam o poeta:
Também Sou Amigo da América
“América
..............................
corre em mim
o sangue do negro
que ajudou na tua construção
que te deu uma música
intensa como a liberdade
..............................
Construirei máquinas
para tua vingança
Marcharei para defender-te"
América
“Cinco séculos vos viram de armas em punho
e ensinastes às raças exploradoras
a paixão da liberdade
[..........................................................................]
E vivenciastes nas fontes batismais
apertando em uma mão a tocha de Vertières
e com a outra, rompendo os ferros da escravidão,
o nascimento à liberdade
de toda a América espanhola.
[...........................................................................]
Jean-François Brière, in: Senghor, Anthologie de la nouvelle poésie
nègre et malgache, Paris, 1948.
Esta primeira atitude dos poetas, diante dos elementos da formação histórica
americana, longe de ser imóvel, encontrou, no processo pessoal de cada poeta, seu
amadurecimento. Assim, Guy Tirolien (1917-1981), que viveu trinta anos na África,
chamará Redescoberta a abordagem de seu país (a ilha de Guadalupe), visto não mais
sob o ângulo racial, mas sob o ângulo da realidade social e cultural. Ele se apropria de
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seu espaço geográfico, assim como da cultura de seu povo, com seus problemas mais
quotidianos.
Redescoberta
“Eu reconheço minha ilha plana e que não mudou
Aqui as Três Ilhotas e aqui a Grande Asa,
Aqui, atrás do forte as bombardas enferrujadas.
Sou como a enguia cheirando ventos salgados
E que tateia o pulso das correntes.
[............................................................................]
O salário do homem aqui
Na é o dinheiro que tilinta claro, uma noite de pagamento
É a esperança que soçobra incerta no cimo das canas
Bêbada de açúcar,
Pois nada mudou.
As moscas continuam no caldo de cana
E o ar carregado de suor”.
Guy Tirolien, Balles d'or
Assim como o caminho da Négritude levou à África, para devolver cada um a si
mesmo e à sua humanidade, o encontro da América vai evidenciar as realidades locais
ou nacionais para se redescobrir o ponto desta convergência internacionalista que é o
desejo, e a vontade de construir a liberdade e a igualdade.
“[.............................................................................]
não tapai os ouvidos
não tapai os ouvidos
aos soluços, aos rictos
aos sutis glissandos
à estridência à insistência
à cadência
dos blues
-swingados, oh!
pelo trompete de Satchmo
lamentos abafados na garganta
do negro linchado
[................................................................................]
sorriso dos bebês negros
iluminando a noite
negra
do Alabama
de Oklahoma
das Bahamas”
[..................................................................................]”.
Guy Tirolien, Satchmo , Balles D'or
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No caso de Césaire, uma das razões do grande interesse despertado por sua obra,
particularmente o teatro e a poesia, é que se trata de um texto que “põe em estado de
perda (...) faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência
dos seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, leva à crise sua relação com a
linguagem”, valendo-nos de Roland Barthes, ao nos explicar o potencial do “texto de
gozo”. Sua obra revolve de um extremo a outro a ordem estabelecida, instaura o caos no
mais puro lirismo, dribla com palavras, brinca com a lógica e a razão, desloca a lógica
por via da sintaxe, põe em duelo a natureza e a ciência, a inocência e a astúcia.
Nas peças de teatro, quer parta do Caribe (A Tragédia do Rei Cristovam), quer
parta da África (Uma temporada no Congo) ou discuta as complexas relações
natureza/ciência (Uma Tempestade), não perde de vista o essencial : o alto grau de
comunicabilidade de suas peças e de suas personagens. Aliás, Aimé Césaire chega ao
teatro, depois de muito ouvir sobre a incomunicabilidade de sua linguagem poética, para
o grande público. Dentre sua obra histórica, ensaio ou panfleto, o Discurso sobre o
colonialismo, de 1951, fez dele um mito para os africanos, afirma Maryse Condé.
Seduzido pelo marxismo e pelo Surrealismo, Césaire afasta-se do P.C.F., em 1956, com
a célebre carta ao então Secretário Geral do Partido: Carta a Maurice Thorez. Seus
estudos e reflexões histórico-políticos transparecem bastante em suas peças teatrais.
No estilo de Césaire, é a linguagem que está em vigília perene, rompendo a
sintaxe para provocar perguntas, perplexidade, rica em seus neologismos. Dos vulcões,
dos rios, Césaire faz verbos, a exemplo de zambezear, Krakatoar e segue sulcando
continentes. Trata-se de uma linguagem poética marcada pela abundância e exuberância
de um universo vocabular muito preciso e vasto. Precisão científica e lirismo percorrem
juntos toda sua criação poética, alimentam suas metáforas: isso é extraordinário. "Eu
creio, diz Césaire, que denominando com precisão, se restitui ao objeto seu valor
pessoal (como quando se chama alguém pelo seu nome); ele é suscitado em seu valor
único e singular; ele é saudado em seu valor-força.” O universo imaginário suscitado
pela poesia de Aimé Césaire nos leva a sensações e percepções do real inteiramente
novas, isso que foi o essencial da poética surrealista, e é, decerto, o essencial de toda
verdadeira poesia.
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“É-belo-e-bom-e-legítimo-ser-negro”. Aimé Césaire, Caderno de volta ao país
natal.
Essa simples frase, que hoje pode parecer banal para alguns, no ano de 1939
trazia uma poderosa carga revolucionária, em um meio social no qual ela não podia soar
como verdade. Então esta frase provocou revolta: em brancos e negros. O poema soou
com impacto explosivo e precisou de algumas décadas para ser compreendido,
assimilado, incorporado e erigido em slogan de auto-defesa de povos negros ou
mestiços ameaçados pelo racismo.
Mas há também, em Césaire, certa recusa (“nome seco: ausência de álibi”) de
assumir inteiramente o sonho nutridor. Sua dramaturgia ele a fez arma de combate e
caminho de reflexão, ele o fez expressão não só das Antilhas, mas da África e da
Diáspora africana, ele o fez negro e humano.
POIESIS
Para Aimé Césaire "A poesia é a palavra essencial. A poesia é a palavra rara,
mas é a palavra essencial, porque ela vem das profundezas, dos fundamentos,
exatamente, e é por isso que os povos nascem com a poesia". Em sua poesia, Césaire
estabelece uma relação intimista e fraterna com o cosmos. No belíssimo poema que é
“Os puro sangue”, o poeta vislumbra o passado caos primordial:
"O céu boceja de ausência negra
e eis que passam
vagamundagem sem nome
rumando às seguras necrópoles do poente
os sóis as chuvas as galáxias
fundidos em magma fraternal
e a terra,
esquecida a soberbia das tempestades,
que em seu balanceamento rendeia lacerações,
perdida paciente de pé
endurecendo selvagemente o invisível falun
extinguiu-se
................................................."
A. Césaire, "Os puro-sangue", As Armas Miraculosas, 1946.
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Aimé Césaire se revela com uma tentação panteísta, no desejo de ser tudo.
Fascinado pela árvore que o intriga, seduz e nutre. Cada poema é um ritual iniciático
onde o poeta se entrega, deixa-se escarificar e se faz unidade com os elementos:
"[..........................................]
meus pés seguem o verminoso caminho
planta
meus membros linhosos conduzem estranhas seivas
planta planta
[............................................]"
Césaire. Idem. Ibidem.
Aqui ele nos relembra a concepção de civilização de Leo Frobenius (1873 –
1938) explicitada por Suzanne Césaire em seu artigo “Leo Frobenius et le problème des
civilisations”, em Tropiques Número 1, de abril, 1941.
Césaire é vento, vulcão, flora e fauna marinhas caribenhas e africanas.
Sonoridades de um universo sem fronteiras; todas as suas onomatopéias apontam
"possíveis em suspensão" e interrogam conotações fáceis. Aqui e ali a sedução da
palavra rara, exótica. Ele faz da língua francesa seu idioleto. Com tais procedimentos
estilísticos, Césaire provoca as várias significações possíveis das palavras.
CÉSAIRE SER SOCIAL
Recuperando o etnólogo de O nascimento da cultura, Césaire comenta aquela
ideia de Frobenius de que "uma cultura nasce não quando o homem capta, apreende
mas quando ele é apreendido pelo mundo, e por seu turno, interpreta o mundo, mima o
mundo. O homem é apreendido isto é, ele é possuído, e como em um ritual mágico, ele
dança, dança e bruscamente, a pessoa é possuída; passa a um outro estado”. E’ neste
estado que o poeta reivindica suas danças em sua obra dos fundamentos, que é o
Caderno de volta ao país natal:
“[........................................]
E a mim minhas danças
minhas danças de negro ruim
a mim minhas danças
a dança salta-golilha
a dança salta-prisão
a dança é-belo-e-bom-e-legítimo-ser-negro
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a mim minhas danças e salta o sol na raquete
de minhas mãos
[..........................................]”
A. Césaire: Caderno de volta ao país natal, 1939.
Da profunda individuação, própria à linguagem poética, o grande poeta
martinicano tece sua relação com o mundo exterior, implorando à natureza que o una
ao umbigo do mundo:
“[............................................]”
devora vento
eu te livro minhas palavras abruptas
devora e envolve-me
e envolvendo abraça-me com um tremor mais vasto
abraça-me furioso até o nós indômito
e liga-me sem remorso
liga-me com teus braços à argila luminosa
liga minha negra vibração ao umbigo mesmo do mundo
liga, liga-me fraternidade amarga
[.............................................]”.
A. Césaire. Idem. Ibidem.
Em um dos seus últimos poemas, e ainda inédito, que soa como saudação ao seu
grande amigo Daniel Maximim, Césaire nos faz dom de sua sabedoria:
“Palavra empenhada...
Quantos rios
montanhas
mares
grandes catástrofes
pensar quantos séculos
as florestas
palavra empenhada:
o vicioso passo na areia movediça,
só o duro é arável
[.........................]
de tudo o que de montanha erigiu-se em ti
alimenta cada passo
desconsertando as sonolentas pedras miúdas
não deforme o rosto puro do devir
construtor de um insólito amanhã
que teu fio não se ate
que tua voz não enrouqueça
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que não se confinem teus caminhos
avança”
A. Césaire, poema inédito, 1994 (Esse poema me foi gentilmente encaminhado
pelo Dr. Daniel Maximim (1947-), guadalupense, poeta, romancista, ensaista, foi amigo
próximo e é estudioso da obra da Aimé Césaire).
CADERNO DE VOLTA AO PAYS NATAL
[Trechos escolhidos]
“Sou eu nada senão eu
que me aposso da língua com a última angústia
[.......................................]
“Por uma inesperada e benfazeja revolução
interior, eu reverencio agora minhas feiuras asquerosas.
[........................................]
"Não, nós não fomos jamais amazonas do rei do Daomé, nem
príncipes de Ghana com oitocentos camelos, nem doutores em
Tombuctu, Askia o Grande sendo rei, nem arquitetos de Djené,
nem Madhis nem guerreiros. Nós não sentimos sob o sovaco a
coceira
daqueles que carregaram outrora a lança. E pois que eu jurei
nada calar de nossa história (eu que não admiro nada tanto
quanto o carneiro pastando sua sombra na tarde), eu quero
confessar que nós fomos por todos os tempos, bem pecos
lavadores de prato, engraxates sem envergadura, sejamos mais
claros, fomos bem conscienciosos feiticeiros, e o único e
indiscutível recorde que tenhamos batido foi o de resistência
ao chicote...
[........................................]
Eu ouço subir do porão as maldições
acorrentadas, os soluços dos moribundos, o ruído de um que é
jogado ao mar... as agonias de uma mulher no parto...
arranhões de unhas procurando gargantas... zombarias de
chicote... o revolvimento da canalha entre as lassitudes...
[.....................................]
Há uma descrença na linguagem poética de Césaire ; fica como um marco o
sentimento que a descrença europeia desperta nos intelectuais negros:
“Europa brilho de liga metálica
Europa túnel baixo
donde escorre um orvalho de sangue
....................................................
Nome antigo dou minha adesão a tudo o que cobre de pó
o céu da tua insolência a tudo o que é leal e fraterno,
a tudo o que tem a coragem de ser eternamente novo,
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a tudo o que sabe dar seu coração ao fogo,
a tudo o que tem a força para secretar uma seiva inesgotável,
a tudo o que é calmo e seguro,
a tudo o que não é tu,
a todo soluço considerável.”
Aimé Césaire, Caderno de volta ao país natal, Cahier d’un retour au Pays natal,
Paris/Martinica: Ed. Desormeaux, 1976.
Essa mesma Europa – ainda úmida do sangue da Segunda Grande Guerra – é
lembrada por Senghor em sua “Oração de Paz”:
E eis que no meu seio a serpente do ódio ergue a cabeça,
Essa serpente que eu julgava morta...
III
Mata-a Senhor, pois tenho que prosseguir caminho e muito
Em especial quero rezar pela França.
Senhor, de entre as nações brancas, coloca a França à direita
Do Pai.
Oh ! bem sei que também pertence à Europa, qu ela me
Roubou os meus filhos como um salteador do Norte os
Bois, para fertilizar as suas terras de cana e de algodão,
Pois o suor negro é estrume.
Que também ela trouxe a morte e o canhão às minhas aldeias
Azuis, que pôs os meus uns contra os outros como cães
A disputa de um osso
Que chamou os resistentes bandidos e cuspiu nas cabeças-
-de-ampla-visão.
Sim, perdoa, Senhor, à França que sabe o recto caminho e
caminha por portas travessas
Que me convida para sua mesa e me manda trazer o meu
Pão, que me estende a mão direita e com a mão esquerda
Rouba metade.
Sim perdoa Senhor à França que odeia os ocupantes e tão
Gravemente me impõe a ocupação.
/.............................................................................../
Em seu poema, dividido em cinco longas estrofes, datado de janeiro de 1945, o
poeta senegalês exorta o lado bom da França, convida os povos da Europa, da Ásia,
África e das Américas para constituirem um arco-íris de paz e de fraternidade. Ele aí
confessa que seu « grande fraco pela França » é porque ela lhe trouxe a « Boa Nova » :
a fé. Mostrou-lhe também o arco-íris « do rosto novo de [seus] irmãos » da Índia, da
China, do norte da África, das « florestas encantadas ».
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Esse é o espírito que paira em toda a poesia senghoriana. Que explica um dos
aspectos pelos quais Louis Vincent Thomas se referiu à Négritude serena em Senghor,
por oposição a uma Négritude revoltada, em Césaire e Damas.
Aimé Césaire elaborou com outros ritmos sua relação com a França. Em Moi,
laminaire, seu livro de poemas de 1982, nas edições do Seuil, Césaire – parece - conclui
poeticamente sua travessia iniciada talvez com o Caderno de volta ao país natal:
ça, le creux
« ça ne se meuble pas
c’est creux
ça ne s’arrache pas
ce n’ est pas une fleur
ça s’ effilocherait plutôt
étoupe pour étouffer les cris
(s’avachissant ferme)
ça se traverse
pas forcément à toute vitesse –
tunnel
ça se gravit aussi en montagne
glu
le plus souvent ça se rampe » (a traduzir)
Isso1, o oco
« Isso não se mobilia
é oco
isso não se arranca
não é uma flor
antes, isso se desfia
estopa para abafar os gritos
(afrouxando-se firme)
isso se atravessa
não forçosamente às pressas -
túnel
isso se escala também como montanha
pegajoso,
mais frequentemente, nisso o homem se arrasta »
1 Isso: “Nous reservons la dénominationa du Ça, écrit Freud lui-même, à tous les éléments psychiques
dans lesquels le Moi se prolonge em se comportant d’une manière inconsciente”. “Nós reservamos a
denominação do Isso, escreve o próprio Freud, a todos os elementos psíquicos nos quais o Eu se
prolonga, comportando-se de uma maneira inconsciente”. (KAUFAMANN, 1993). No poema, podemos
entender por Ça, o próprio inconsciente.
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Isso, o oco é um segredo revelado: de como um homem, após o enfrentamento
de seus demônios mais íntimos, mais penosos, insidiosos, sombrios, encontram a paz, a
lucidez serena: a produção literária como caminho de autolibertação.
Se a literatura pode, de algum modo, transformar uma sociedade, a obra de
Césaire veio com esta finalidade. É pelo desejo de transformação, de uma maior difusão
do ideário da Négritude, que Césaire abraça a dramaturgia. Aqui, sua prosa será cada
vez menos poética; ganhará em comunicabilidade e eficácia ativista.
No bojo dos questionamentos do preconceito e do racismo historicamente
enraizado, ele traz à luz grandezas e humanismos das culturas tradicionais africanas.
Mas é também Césaire que expõe as mazelas decorrentes do analfabetismo, do
colonialismo, das rivalidades políticas, étnicas entre os negros, mulatos e “morenos” de
África e da Diáspora.
Une Saison au Congo (Uma temporada no Congo)
Peça em três atos, Une Saison au Congo (Uma temporada no Congo) marca uma
grande distância em relação a Et les Chiens se Taisaient (E os cães se calavam) e La
Tragédie du Roi Christophe (A tragédia do Rei Cristóvão), onde o impulso lírico faz-se
freqüentemente sentir, explicando a forma, às vezes, em versos livres. Em Uma estação
no Congo, a realidade política é mais sensível e os lances da intriga mais claramente
expressos, mesmo se em certos momentos (Ato I, cena III) em que o autor retoma o tom
de encantamento que dominava em Et les Chiens se taisaient.
Lumumba, idealista é rodeado por alguns amigos, como M´polo e sua mulher
Pauline, e notadamente de vários opositores, como Tzumbi e Mokutu, o amigo que o
trairá. Ao lado deles, os banqueiros e outros belgas têm, todos, um discurso que não é
um simples comentário dos acontecimentos, mas um discurso produtor de
acontecimentos. Esse último aspecto favorece uma dramaturgia menos simples que a da
peça precedente.
Para além do problema racial e do conflito de valores culturais expostos em La
tragédie du Roi Christophe, Une Saison au Congo traz uma luz convincente sob a qual
tais problemáticas são enriquecidas com a questão da diversidade étnica. Os grupos
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étnicos acabam, com suas divisões, por servir ao interesse internacional. Os congoleses
estão divididos entre si mesmos e os belgas.
Aqui não se opõem Natureza/Ciência, como em Une Tempête, e tampouco
Cristianismo/Voduísmo. Desde Et les Chiens se Taisaient (cuja primeira versão é de
1946). Libertado da prisão para sentar-se em uma mesa redonda dos países africanos na
Bélgica, Lumumba pede a independência do Congo, que é fixada para 30 de junho de
1960.
A inquietação dos banqueiros belgas é acalmada por sua decisão de tomar posse
da província de Katanga - a mais rica e para onde foram transferidos os bancos.
Lumumba é feito prisioneiro e enviado a Katanga, onde será morto. Um
banqueiro belga nos relembra estas palavras de Basílio - o rei dos belgas - que dizia no
primeiro ato, sexta cena:
“Este povo bárbaro, antigamente aterrorizado pelo punho rude de
Boula Matari, nós o acolhemos. [...] Que eles experimentem portanto
sua liberdade. Ou então eles darão à África o exemplo que nós
próprios damos à Europa: o de um povo unido, decente, trabalhador, e
a emancipação de nossos pupilos nos trará pelo mundo, certa honra.
Ou então, a raiz bárbara, alimentada no poderoso fundo primitivo,
retomará seu vigor malsão, sufocando a boa semente,
incansavelmente semeada, durante cinquenta anos, pela dedicação de
nossos missionários... ”.
Mukutu veste a pele de leopardo para arengar à multidão “que gosta de
espetáculo” e decide fazer “um exercício nacional de exorcismo” de maneira a impedir,
pelas homenagens prestadas a Patrice Lumumba, que este se torne um germe de
revoluções futuras. A peça termina com as rajadas de metralhadoras que Mokutu
manda disparar sobre esta multidão para ensinar a ela que “o espetáculo acabou”.
“Mais ainda, com seu coração duro e feroz! Mokutu, aqui a tens,
nossa África! Ela espera, por que não? (...) Então a prisioneira África
diz: “Amanhã é a minha vez! E amanhã não está longe!” e ela fecha os
punhos e ela respira um pouco melhor, a África! O ar de amanhã já! O
ar do vasto, do sadio e do salgado!”
Avaliar a importância das ideias de Aimé Césaire para a contemporaneidade
inclui a reflexão sobre toda sua obra. Longe de ser maniqueísta, ela é polêmica e
complexa. Ela pressupõe que a crítica ao colonialismo inclua a autocrítica dos
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colonizados; pressupõe que a crítica ao racismo dos brancos, inclua autocrítica dos
diversos grupos étnicos em um dado país africano ou de negros, mulatos e “morenos’,
na Diáspora.
Batizada em coração antilhano, a Negritude cresceu em Paris, expandiu até a
África e as Américas. Com a experiência colonial e a escravidão, vários povos de África
e da Diáspora tinham sido levados a envergonhar-se de si mesmos, necessitavam,
portanto, encontrar-se: afirmarem sua Negritude, identificarem-se enquanto raça e
cultura dignos. Só após esta etapa de auto identificação, viriam as lutas pela
independência política e econômica, pelas identidades nacionais de países
independentes afirmando-se através de suas instituições econômicas, financeiras,
políticas e culturais.
Dos escritores e dos poetas da negritude antilhana e africana, os herdeiros
espirituais retomarão o conceito, palavras, ideias, sugestões de estilo, fragmentos de
emoções compartilhadas, a serem expressos de outra maneira, a serem aprofundados.
Nesse aprofundamento ocorre continuidade, a contestação, a polêmica e a ruptura.
Com uma referência a uma homenagem anunciada aos nossos autores, antecipo
minha palavra final.
Homenagens aos nossos autores
“Três grandes escritores da Negritude, Aimé Césaire, Leon-Gontran Damas e
Léopold Sedar Senghor entrarão na prestigiosa coleção da editora Gallimard, a Plêiade,
anunciou em Libreville (Gabão) o diretor de “Continentes negros”, uma coleção da
Gallimard, dedicada à África. Eles serão os primeiros autores negro-africanos a serem
publicados pela Plêiade. Esta trindade da negritude deve entrar no panteão da literatura
francesa e estrangeira “daqui a 2013”, informou Jean-Nöel Schifano.(AFP)”.
Aimé Césaire
No dia 6 de abril de 2011, Aimé Césaire passou a repousar simbolicamente no
Panthéon, em Paris, local reservado “aos grandes homens” da França. A partir de então,
os visitantes poderão ver seu nome associado às grandes personalidades do combate
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contra a escravidão e o colonialismo: Toussaint Louverture, Louis Delgrès, Victor
Schoelcher, Félix Eboué e Aimé Césaire. Com sua luta esses homens contribuíram para
a universalização dos direitos do homem, pelos ideais de liberdade, de igualdade e
dignidade para todos os povos do planeta.
Dois encontros com Aimé Césaire
Em 1983, no número 25 da Rue des Écoles, em Paris, conheci Aimé Césaire, após uma
convivência literária de mais de dez anos, iniciada em 1969, na coleção Poètes
d’aujourd’hui, das edições Seghers. Levava meus poemas de Água-marinha ou tempo
sem palavra, de 1978 e muitas perguntas a fazer ao homem que, com o brasileiro Mário
de Andrade, o também martinicano, René Menil e o guianense Leon-Gontran Damas,
alimentava minha tese de doutoramento. Seu amável acolhimento dissolveu minha
apreensão. Ele contou-me de sua viagem ao Brasil nos anos 60, depois leu alguns
poemas do meu livro e pediu-me que os traduzisse. Césaire mostrou-se muito contente e
interessado no Brasil. Conversamos fraternalmente durante a tarde. Voltei a vê-lo, em
1983 na livraria Présence Africaine, na mesma Rue des Écoles, quando acreditava
resolvidos todos os “nós” de minha tese e lhe ofereci o poema "À l'ombre du figuier
fétiche" (“À sombra da figueira mítica”), a ele dedicado e publicado em Le Soleil éclaté,
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(“O Sol explodido”), com selo da editora Gunter Narr Tübingen, em 1984. Deixei Aimé
Césaire como se tivéssemos interrompido o contato há tanto tempo mantido através de
seus poemas. Me sentia mais rica. Trazia comigo um exemplar de Moi, laminaire...
(edições Seuil, 1982) com dedicatória muito especial de Aimé Césaire.
No berço da Negritude antilhana - a ilha da Martinica - como no Caribe em
geral, notar-se-á, na linguagem literária atual, cada vez menor o espaço do estigma da
escravidão ou da herança colonial e cada vez mais ampla a expressão da liberdade,
incluindo uma vertente creolofone.
Maria de Lourdes Teodoro
lourdes.teodoro10@gmail.com
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