View
28
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
Felcia Isabel Matos Dias
UM
inho|2013
Julho de 2013
A R
efo
rm
a H
um
an
it
ria
da
s N
a
es U
nid
as:
Um
Me
ca
nis
mo
Ru
mo
E
fic
cia
da
Aju
da
Hu
ma
nit
ria
? C
aso
do
Ha
iti.
Universidade do Minho
Escola de Economia e Gesto
A Reforma Humanitria das Naes
Unidas: Um Mecanismo Rumo Eficcia
da Ajuda Humanitria? Caso do Haiti.
Felcia
Isabel M
ato
s D
ias
Dissertao de Mestrado
Mestrado em Relaes Internacionais
Trabalho realizado sob a orientao da
Professora Doutora Alena Vysotskaya Guedes Vieira
e co-orientao da
Professora Doutora Laura Cristina Ferreira-Pereira
Felcia Isabel Matos Dias
Julho de 2013
Universidade do Minho
Escola de Economia e Gesto
A Reforma Humanitria das Naes
Unidas: Um Mecanismo Rumo Eficcia
da Ajuda Humanitria? Caso do Haiti.
AUTORIZADA A REPRODUO INTEGRAL DESTA DISSERTAO APENAS PARA EFEITOS
DE INVESTIGAO, MEDIANTE DECLARAO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE
COMPROMETE;
Universidade do Minho, ___/___/______
Assinatura: ________________________________________________
I
Agradecimentos
A gratido reconhecida quando a demonstramos no apenas quando expressamos.
Desejo poder continuar a demonstrar gratido e agradecimento s pessoas aqui
mencionadas.
De Braga a Genebra, Madrid, Lisboa e luanda infindvel o nmero de pessoas que,
das mais variadas formas, contriburam para que este longo percurso de aprendizagem
culmina-se na publicao desta dissertao.
Sou grata a Professora Alena por marcar o meu percurso por ser uma das melhores
decises acadmicas que tomei. Depois de expresso pessoalmente quero que fique
publicamente registado o profissionalismo, incansvel dedicao, caracter humano e
compreenso. Agradeo por me incitar ao pensamento crtico, me conceder liberdade de
expresso e por acreditar investindo em mim muito do seu j ocupado tempo.
Gratido apenas um entre os milhares de sentimentos que tenho em relao minha
famlia, que a nica pertena eterna na vida. Especialmente ao pap e a mam por me
moldarem de forma a acreditar que os sonhos so as conquistas fruto da persistncia e
trabalho.
Agradeo a Professora Laura pelo profissionalismo, exigncia e disponibilidade ao
acreditar neste projeto, assim como os seus conselhos e sugestes.
Obrigada ao Telmo, Tiaguinho e a Mnica pelo contributo e amizade. Tambm devo
agradecer ao meu fiel grupo de amigos de sempre para sempre, porque a amizade a
fonte de bom nimo. A Andreia que me salvou na batalha tecnolgica de ltima hora.
Aos entrevistados que demonstraram disponibilidade e foram um grande contributo.
Muito obrigada.
Estou em dvida com as pessoas que marcaram o meu percurso na ONU, pois atravs do
seu grande exemplo me ensinaram a verdadeira definio de lder e me mostraram como
um Homem pode mudar o mundo.
E num corao grato reside, tambm, a expectativa de futuros frutos advindos deste
projeto.
II
III .
Resumo
Hoje vivemos em tempos em que muitos se questionam sobre a assistncia
humanitria prestada. A atual conjuntura internacional caracterizada por um nmero
crescente e insatisfeito de necessidades humanitrias que consequentemente conduzem
a comunidade internacional a estimuladora pergunta: a ajuda humanitria eficaz?
Em 2005 a Reforma Humanitria (RH) da Organizao da Naes Unidas (ONU)
materializou uma das maiores ambies da ajuda humanitria (AH) ou seja a busca pela
eficcia. O aprimoramento dos mecanismos existentes consistia em trs pilares:
'abordagem de cluster', 'financiamento humanitrio "e" liderana". Sendo que estes trs
pilares esto alicerados num elemento transversal, denominado por "estabelecimento
de parcerias.
A HR no trouxe um salto qualitativo em termos de eficcia da AH. Vrios
autores e decisores polticos apontam insuficincias da AH, no entanto no fornecem
solues finais. Esta dissertao pretende contribuir para o atual debate acadmico sobre
o tema, apresentando o que consideramos ser um elemento crucial para atingir a eficcia
da AH, isto , a coordenao humanitria entre ONU e as organizaes no-
governamentais (ONG). Como forma a alcanar este objetivo, o presente estudo explora
os conceitos de AH, de eficcia e analisa o RH partindo de uma perspetiva analtica
particular, que significa, explorar at que ponto a RH tem sido fundamental no na
perspetiva da eficcia fundamentada na coordenao humanitria.
A abordagem terica desenvolvida aplicada ao estudo do Haiti concentrada na
ao humanitria, durante e depois da grande catstrofe do sculo XX, o terramoto de
2010 considerando as dificuldades e conquistas da RH. A assistncia humanitria
prestada e as circunstncias vividas neste Estado frgil, confrontou a comunidade
internacional com o dilema, por um lado da ineficcia e por outro, da constante
necessidade de ajuda internacional.
Com base na anlise das evidncias empricas, verificamos que a eficcia
emerge do discurso poltico como um conceito vazio, o qual colmatamos defendendo a
nossa perspetiva da eficcia como sendo o fim da AH, a qual est intimamente ligada
coordenao humanitria.
Palavras-chave: assistncia humanitria, ajuda humanitria, eficcia, Organizao das
Naes Unidas (ONU), Organizaes no-governamentais (ONG)
IV
V .
Abstract
We currently live in the times when everyone is wondering about the
humanitarian aid. Our international environment is featured by the increasing and
unsatisfied humanitarian needs that consequently lead the international community to
one of the most heartening questions: is the humanitarian aid effective?
The 2005 United Nations (UN) Humanitarian Reform (HR) embodied the
greatest ambition of humanitarian aid, namely the pursuit of its effectiveness. The
enhancement of the existing mechanisms consisted of three pillars: cluster approach,
humanitarian funding and humanitarian coordinators. These three pillars are well
grounded in yet another cross-cutting pillar, called establishment of partnerships.
The HR has not brought a qualitative leap forward in terms of aid effectiveness.
Several authors and policy-makers still point out shortcomings of humanitarian aid, but
they also dont provide any final solutions. This study aims to contribute to the ongoing
academic debate on the subject by presenting what we consider to be a crucial element
to achieve aid effectiveness, namely the humanitarian coordination between UN and
Non-Governmental Organizations (NGO). To achieve this objective, the present study
explores the concepts of humanitarian aid and effectiveness and analyses the HR from
the particular analytical perspective, namely by exploring to what extent the HR has
been instrumental to the effort of continuously pursuing a vision of effectiveness
founded on humanitarian coordination.
The developed theoretical approach is applied to a case of humanitarian aid
given in Haiti during and after the major disaster of this century, the 2010 earthquake,
taking into account the hardships and achievements of the HR. The condition of a
fragile state and the provided humanitarian assistance resulted in a dilemma faced by
the international community in Haiti, namely the one of ineffectiveness on the one hand
and constant need international aid on the other hand.
Based on the analysis of the empirical evidence, we found an emptiness in the
concept of effectiveness widely present on the political discourse of humanitarian aid,
which we filled arguing our perspective of effectiveness as the end of AH that is
closely connected with the humanitarian coordination.
Key words: humanitarian aid, effectiveness, United Nations (UN), humanitarian reform,
Non-govermental organizations (NGO).
VI
VII A Reforma Humanitria das Naes Unidas: Um Mecanismo Rumo Eficcia da Ajuda
Humanitria? Caso do Haiti.
Glossrio
AH Ajuda humanitria
AMI Assistncia Mdica Internacional
CE Comisso Europeia
CS Conselho de Segurana
ECHO (European Community Humanitarian Office) - Servio Humanitrio da
Comunidade Europeia
ECHOs GNA (Global Needs Assessment) - Avaliao das Necessidades
Humanitrias Globais
ERF (Emergency Response Fund) - Fundo de Resposta s Emergncias
ERC (Emergency Relief Coordinator) Coordenador de Ajuda de Emergncia
FTS (Finantial Tracking Service ) Sistema de Controlo de Financiamento
FAO (Food and Agriculture Organization) Organizao das Naes Unidas para a
Agricultura e Alimentao
IASC (Interagency Standing Comittee) - Comit Permanente inter-agncias.
ICRC (International Committee of Red Cross) Comit Internacional da Cruz
Vermelha
ICVA - (International Council of Voluntary Agencies) - Conselho Internacional de
Agncias Voluntrias
IDA (International Development Association) Associao de Desenvolvimento
Internacional
IFRC (International Federation of Red Cross and Red Crescent Societies) - Federao
Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho)
IOM (Internatioal Organization for Migration) Organizao Internacional para as
migraes.
OCHA (Office for the Coordination of Humanitarian Affairs) Escritrio das Naes
Unidas para a Coordenao de Assuntos Humanitrios
ODA (Official Development Assistance) Ajuda Oficial para o Desenvolvimento
OECD DAC (Organisation for Economic Co-operation and Development,
Development Co-operation Directorate) Organizao para a Cooperao Econmica e
Desenvolvimento, Diretrio de Cooperao para Desenvolvimento
OHCHR (Office of High Comissioner of Human Rights) Alto-Comissariado das
Naes Unidas para os Direitos do Homem)
VIII Glossrio
OI Organizaes Internacionais
ONG Organizaes No Governamentais
ONU Organizao das Naes Unidas
ODM (Millennium Development Goals) Objetivos de Desenvolvimento do Milnio
UNDP (United Nations Development Programme) - Programa das Naes unidas para
o Desenvolvimento)
UNFPA (United Nations Population Found) Fundo da Populao das Naes Unidas
RAF (Rapid Action Fund) Fundo de ao rpida
SMART (Standardized Monitoring and Assessment of Relief and Transitions)
Monotorizao e Avaliao Normalizada de Socorro e Transies
PIB Produto Interno Bruto
RH Reforma Humanitria
SRHR IDPs (Special Rapporteur on Human Rights of Internaly Displaced People)
Relator Especial dos diretos humanos de deslocados internos
UE Unio Europeia
UNICEF (United Nations Childrens Found) Fundo Das Naes Unidas para a
Infncia
GHA (Global Humanitarian Assistance) Assistncia Humanitria Global
GHP (Global Humanitarian Plataform) Plataforma Humanitria Global
HCF (Humanitarian Common Fund) - Fundo Humanitrio Comum
HLF (High Level Forum) Frum de Alto Nvel
ILO (International Labor Organization) Organizao Mundial do Trabalho
IOM (International Organization for Migration) Organizao Internacional para as
Migraes
WHO (World Health Organization) Organizao Mundial da Sade
WFP (World Food Program) Programa Alimentar Mundial
xi A Reforma Humanitria das Naes Unidas: Um Mecanismo Rumo Eficcia da Ajuda
Humanitria? Caso do Haiti.
ndice
AGRADECIMENTOS .............................................................................................................I
RESUMO .............................................................................................................................. III
ABSTRACT ........................................................................................................................... V
GLOSSRIO ....................................................................................................................... VII
NDICE ................................................................................................................................. XI
NDICE DE FIGURAS:...................................................................................................... XIII
INTRODUO....................................................................................................................... 1
CAPITULO I DESMISTIFICANDO A AJUDA HUMANITRIA NOES
INTRODUTRIAS ................................................................................................................ 9
1.1. A EFICCIA E A AJUDA HUMANITRIA: UMA PRIMEIRA APROXIMAO AOS CONCEITOS
OPERACIONAIS ........................................................................................................................ 10
1.2. AJUDA HUMANITRIA NO CONTEXTO DA POLTICA INTERNACIONAL ATUAL .................. 12
1.3. AJUDA HUMANITRIA MAIS EFICAZ: A RESPOSTADA DA COMUNIDADE INTERNACIONAL
EM ANLISE (2003 A 2012)
.16
A) A CONCEO INSTITUCIONAL DE EFICCIA ....................................................................... 17
B) A INSTITUCIONALIZAO DO COMPROMISSO INTERNACIONAL E A ACUMULAO DA
EXPERINCIA........................................................................................................................... 18
1.4. PERSPETIVAS SOBRE A EFICCIA NA AJUDA HUMANITRIA ........................................... 21
1.5. ABORDAGEM DA EFICCIA COMO RESULTADO DA COORDENAO INTRA-HUMANITRIA 24
CAPTULO II REFORMA HUMANITRIA ................................................................... 27
2.1. OS ANTECEDENTES INSTITUCIONAIS REFORMA HUMANITRIA ....................................... 28
2. 2. REFORMA HUMANITRIA: CONSTRUO DE UM SISTEMA MAIS FORTE E MAIS PREVISVEL
DA RESPOSTA HUMANITRIA EM ANLISE ............................................................................... 30
A) ABORDAGEM CLUSTER ...................................................................................................... 31
B) FINANCIAMENTO HUMANITRIO....................................................................................... 36
C) LIDERANA HUMANITRIA .............................................................................................. 40
D) ESTABELECIMENTO DE PARCERIAS ................................................................................... 43
2.4. ABORDAGEM DA COORDENAO INTRA-HUMANITRIA, NO MBITO DA REFORMA
HUMANITRIA ......................................................................................................................... 46
2.4.1. ATORES PARTICIPANTES NA COORDENAO INTRA-HUMANITRIA ................................ 48
2.4.2. CLASSIFICAO DA COORDENAO INTRA-HUMANITRIA ............................................. 50
xii ndice
2.4.3. NVEIS DE COORDENAO INTRA-HUMANITRIA ........................................................... 51
2.4.4. AS LACUNAS DA COORDENAO INTRA-HUMANITRIA: DESAFIOS PERSISTENTES .......... 52
CAPITULO III A AO HUMANITRIA NO HAITI: A BUSCA DE UMA
REEDIFICAO ................................................................................................................. 57
3.1. HAITI: UM CONTEXTO HISTRICO CARACTERIZADO POR POBREZA EXTREMA ..................... 59
3.2. O TERRAMOTO DE 12 DE JANEIRO DE 2010 E AS SUAS IMPLICAES .................................. 62
3.3. A AO HUMANITRIA NO HAITI ...................................................................................... 64
3.2.1. AFLUNCIA DESMEDIDA DE VOLUNTRIOS .................................................................... 65
3.2.2. A INTERVENO DAS ORGANIZAES INTERNACIONAIS NO HAITI.................................. 66
3.4. CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................... 82
CONCLUSO: ..................................................................................................................... 87
BIBLIOGRAFIA ............................................................... ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
xiii A Reforma Humanitria das Naes Unidas: Um Mecanismo Rumo Eficcia da Ajuda
Humanitria? Caso do Haiti.
ndice de figuras:
Tabelas:
Tabela 1: Escala de nveis de compromisso na coordenao intra-humanitria adaptada
s organizaes humanitrias ...................................................................................... 51
Tabela 2: Histrico de desastres naturais no Haiti ........................................................ 60
Tabela 3: Sistema cluster no Haiti ............................................................................... 67
Tabela 4: Identificao de lacunas na coordenao intra-humanitria no Haiti (janeiro-
maro, 2010) ............................................................................................................... 76
Tabela 5: Identificao de lacunas na coordenao intra-humanitria no Haiti (abril
2010 - dezembro 2011) ............................................................................................... 82
Grficos:
Grfico 1 Fluxos da ajuda humanitria ........................................................................ 13
Grfico 2 A Reforma da ajuda humanitria ................................................................. 31
Grfico 3: Esquematizao da abordagem cluster ........................................................ 32
Grfico 4: Circuito de Fundo Humanitrios Comuns em milhes de dlares................ 39
Imagens:
Imagem 1: Bandeira do Haiti ...................................................................................... 59
xii
1 A Reforma Humanitria das Naes Unidas: Um Mecanismo Rumo Eficcia da Ajuda
Humanitria? Caso do Haiti.
Introduo
O presente estudo explora a temtica da ajuda humanitria (AH), 1
no contexto
de emergncia, tendo por base a atuao da Organizao das Naes Unidas (ONU),
que tem passado por mudanas estruturais na ltima dcada. Historicamente, a AH,
prossegue o objetivo de salvar vidas, aliviar o sofrimento e manter a dignidade humana,
mas agora em circunstncias distintas. No contexto atual, as sociedades confrontam-se
com, inter alia, emergncias complexas, alterao da natureza dos conflitos, o
incremento exponencial de atores humanitrios e o aumento de desastres naturais
relacionado, em parte, com as alteraes climticas.
A AH clssica, de tipo paliativo, v-se obrigada a reformar-se face a inmeros
desafios suscitados pela nova conjuntura internacional. Pese embora, se verifique um
aumento de recursos e uma proliferao de atores da AH internacional - i.e., governos,
Organizaes Internacionais (OI), agncias da ONU, Organizaes No
Governamentais (ONG), tanto locais como internacionais, o discurso humanitrio
denuncia dificuldades e convoca mecanismos mais eficazes.
Em resposta ao novo clima internacional, que envolve uma pluralidade de atores,
a ONU assume particular protagonismo pela experincia prtica que acumulou na rea
da AH.2 A referncia a este ator-chave no presente estudo, remete para as agncias
humanitrias da ONU (e.g. UNICEF) e os organismos de coordenao entre agncias,
designadamente, o Office for the Coordination of Humanitarian Affairs3 (OCHA
Escritrio das Naes Unidas para a Coordenao de Assuntos Humanitrios) e o Inter-
agency Standing Comittee (IASC Comit Permanente de Interagncias). Esta seleo
resulta de um interesse intelectual aliado a uma experincia prtica que a autora desta
investigao obteve no quadro da ONU, na rea da AH.
Os desafios e as dificuldades hodiernos da AH convocam a necessidade de
compreender as razes subjacentes aos seus mltiplos insucessos. No quadro do
discurso humanitrio, esses insucessos so correntemente atribudos eficcia ou a falta
dela. Trata-se de um conceito, explorado em detalhe nesta dissertao, cuja relevncia
1 O conceito de AH nesta tese equivale igualmente a assistncia humanitria e ao humanitria.
2 Toda problemtica resultante da primazia das decises da ONU no campo da AH sobre a vontade do Estado recetor esta fora do
mbito da presente investigao. 3 Neste contexto, destaca-se o lema oficial da OCHA, nomeadamente Coordenao salva vidas, o que contribui para a relevncia
do tema e conceito de coordenao intra-humanitria escolhido como enfoque deste trabalho.
2 Introduo
se tornou ainda mais pronunciada face a nova conjuntura internacional de crise
econmica e assimetria entre o aumento de recursos e necessidades humanitrias.
Esta priorizao da eficcia fica patente nas reunies, estudos e conferncias que
culminaram na aclamada reforma humanitria (RH), instituda em 2005. Liderada pelo,
ento Coordenador para Emergncias Humanitrias da ONU, Jan Egeland4, a RH um
processo que visa tornar a AH mais coesa, forte e previsvel, assentando em trs pilares,
a saber: a abordagem cluster, financiamento humanitrio e os coordenadores
humanitrios. A estes trs novos pilares associou-se o estabelecimento de parcerias
enquanto elemento transversal. A RH nascida no seio da ONU foi concebida para ter
um impacto global, isto para pautar a ao de todos os atores humanitrios. De entre
estes atores humanitrios, as ONG, tais como AMI (Assistncia Mdica Internacional),
Save the Children e a Cruz Vermelha tm assumido um papel preponderante na AH, tal
como evidencia o reconhecimento e a responsabilidade que lhes tem sido atribuda no
mbito de projetos liderados pela ONU. Nesses projetos as ONG, independentemente da
sua dimenso, grau de independncia e nvel de compromisso, tm participado no
processo de coordenao dentro e fora do universo da ONU.
Tal como a evidncia emprica demonstra, a RH no trouxe consigo um salto
qualitativo na eficcia da AH. Este estudo tem por objetivo aferir a eficcia da RH
assente na estrutura trptica acima enunciada, tendo por base o nvel de coordenao
intra-humanitria alcanado entre as ONU e as ONG no terreno, avaliando-se,
igualmente, o seu impacto com base no estudo de caso especfico.
Nesta perspetiva a hiptese de trabalho deve ser formulada nos seguintes moldes:
no contexto da RH da ONU, a coordenao intra-humanitria entre essa organizao e
as ONG um fator determinante para a eficcia da AH prestada no terreno.
Neste estudo adota-se o conceito de coordenao intra-humanitria como forma
a ultrapassar a falta de objetividade inerente noo de eficcia, que recorrentemente
invocada como objetivo maior da RH, mas que permanece uma incgnita em termos de
conceptualizao no quadro da ONU. A definio geral de coordenao intra-
humanitria adotada neste estudo inclui um conjunto de atividades e estratgias entre
ONU e ONG5 que pretendem evitar a duplicao de esforos criando um mecanismo
nico de resposta. Identificam-se como elementos-caracterizadores da coordenao
4 Na data desempenhava as funes de subsecretrio-geral para assuntos humanitrios e coordenao da ajuda de emergncia.
5 Relativamente ao enfoque temtico da investigao, esta dissertao exclui a coordenao intra-humanitria entre a ONU e as
demais organizaes com perfil de segurana, bem como organizaes e agncias estatais (como por, exemplo, Cames-Instituto de
Cooperao e da Lngua, no caso de Portugal).
3 A Reforma Humanitria das Naes Unidas: Um Mecanismo Rumo Eficcia da Ajuda
Humanitria? Caso do Haiti.
intra-humanitria a organizao, a coeso, a informao estratgica, a harmonizao de
aes controle, a gesto de responsabilidade e a interdependncia. Em termos do
alcance da coordenao intra-humanitria entre a ONU e ONG, o presente estudo incide
sobre a coordenao intra-humanitria operacional (diria), em detrimento da
coordenao intra-humanitria estratgica (a longo prazo) e ttica (a mdio prazo). Para
efeitos de aferio dessa coordenao intra-humanitria, o presente estudo estriba-se
numa ferramenta de anlise, a saber, na escala de nveis de compromisso na
coordenao adaptada s organizaes humanitrias, proposta por Guy Peters (1998).
Esta ferramenta de anlise complementada pelos parmetros de avaliao
desenvolvidos por Tomassini e Wassenove, designadamente, escassez de recursos,
custo, branding, desafios operacionais, doadores e imprevisibilidade (2009).
Em resultado da combinao destas ferramentas analticas aplicadas AH prestada no
contexto do terramoto do Haiti em 2010, confirmaremos a hiptese de trabalho acima
anunciada.
A 12 de janeiro de 2010, no Haiti ocorreu a maior catstrofe do sc. XXI: um
terramoto de magnitude 7.0, na escala de Richter. Com este desastre, a comunidade
internacional assistiu maior ao de AH de sempre, com imenso impacto num cenrio
urbano. O caso do Haiti permite no s estudar as questes de resposta s emergncias,
como tambm a atuao da AH em circunstncias especialmente difceis. O Haiti, para
alm de propenso a catstrofes naturais, correntemente caracterizado como, Estado
frgil, corrupto, e politicamente instvel (com 32 golpes de Estado, em 200 anos).
Ainda hoje, o Haiti no desfruta de um governo fortemente estruturado.
O Haiti dispe de um historial de receo da AH tanto anterior como posterior
RH. No entanto, especialmente importante examinar circunstncias da AH que
ocorrem aps o terramoto de 2010, por esta ao da AH ser considerada a maior de
sempre (Stumpenhorst, et al., 2011), trazendo consigo a destruio de infra-estruturas
governamentais e uma desgovernada e excessiva presena das ONG. Por isso, este
estudo de caso tem o potencial de produzir uma inovadora contribuio acadmica.
Dito isto, importante referir que o estudo de caso de Haiti apresenta desafios,
como seja o nmero reduzido de estudos acadmicos e cientficos sobre a AH neste pas,
tambm ele uma consequncia de se tratar de um evento recente. Por outro lado, a
predominncia bibliogrfica de relatrios oficiais produzidos pelos atores humanitrios
patenteia a ausncia de transparncia de dados. Este facto tem a ver com a constante
procura de visibilidade e projeo por parte dos atores humanitrios que financiam e/ou
4 Introduo
so responsveis por esses relatrios e que, por sua vez so dependentes da ajuda dos
doadores. Neste sentido, as entrevistas e o estgio realizado na ONU pela autora
constituem uma mais-valia para este estudo.
O intervalo temporal deste estudo tem incio em 2005, ano em que foi instituda
a RH, e termina em 2011, pouco mais de um ano aps o terramoto do Haiti.
A metodologia utilizada ao longo da presente investigao coaduna-se com os
objetivos traados para a mesma. Esta pesquisa fortemente marcada por uma
abordagem qualitativa que engloba a observao documental que, por sua vez, se
ramifica em fontes primrias e fontes secundrias. Como fontes primrias, utilizamos
um nmero expressivo de documentos oficiais da ONU e ONG que nos permite, por
induo, interpretar a realidade. Ademais, refira-se os dados reunidos pela autora, no
quadro da assistncia a conferncias e de entrevistas que revelaram experincias
contadas, na primeira pessoa, relativamente AH, em geral, e no Haiti, em particular.
Com uma contribuio dual, as entrevistas exploratrias permitiram numa fase inicial
determinar fontes, metodologia e foco de estudo, e numa fase mais avanada permitiram
o acesso a informaes que no estavam disponveis em fontes documentais. No
processo de cruzamento das fontes de informao procurou-se validar os dados e
expurgar contradies ou erros factuais. Quanto s fontes secundrias, utilizamos
artigos cientficos, dissertaes, livros e captulos de livros. A abordagem qualitativa foi
complementada com uma abordagem quantitativa, assente em dados estatsticos
relativos ao financiamento e oramento humanitrios, com incidncia, na ltima dcada.
Complementarmente, o estudo de caso, o terramoto no Haiti em 2010 apresenta-
se como instrumento de aplicao dos preceitos tericos abordados ao longo da
investigao. De entre os esquemas de estudo de caso apresentados por Quivy e
Campenhoudt (1998), adotmos o esquema causal que encara um fenmeno (neste caso
eficcia da RH/AH) como sendo, em parte, resultado do impacto de outros fenmenos
logicamente anteriores. Assim, o estudo de caso resultado de uma combinao entre
uma narrativa detalhada e uma explanao analtica (George & Bennett, 2005).
Os temas e conceitos chave deste estudo foram discutidos por outros autores,
mas de forma distinta da abordagem desta dissertao. Ademais, relativamente AH
so questionados os dilemas humanitrios (Vaux, 2007), tanto em tempo de guerra
como de paz (Kent, 2003). Autores exploram os interesses polticos adjacentes AH
(MacFarlane & Weiss, 2000) e o ponto de equilbrio entre as respostas humanitrias
neutras e as politizadas, nas emergncias complexas (Macrae & Nicholas, 2000). Apesar
5 A Reforma Humanitria das Naes Unidas: Um Mecanismo Rumo Eficcia da Ajuda
Humanitria? Caso do Haiti.
da escassez das contribuies relativas AH possvel encontrar alguns estudos
anteriores relativos AH, orientados para estudos de caso especficos, que denunciam
deficincias da atuao global desta. Ainda antes da RH, foram realizados trabalhos
sobre a AH no contexto do tsunami no Oceano ndico (JIU/REP/2006/5, 2006). Depois
da RH, foram aprendidas importantes lies da AH no contexto do tsunami na sia que
atingiu a ndia (Kilby, 2007) e a Indonsia (Rgnier, 2008), ambos Estados propensos a
catstrofes naturais. Entretanto, estes estudos representam uma parcela muito pequena
da literatura existente, que ainda no foi sistematizada. A reviso da literatura primria
permite-nos constatar que a abordagem dada AH , maioritariamente, condicionada
pelos interesses do autor e no uma investigao objetiva que responda a perguntas
analticas. Como resultado, na sua maioria, a bibliografia sobre o impacto da AH
compe-se por relatrios meramente descritivos, que no apresentam solues
conclusivas, nem tm por base uma abordagem cientfica.
Contributos relativos eficcia na RH, so apresentados em relatrios das
agncias da ONU e em trabalhos de alguns investigadores (Eberwein, 2009), onde a sua
referncia se limita questo da eficcia da RH, no contexto da concretizao dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM) (Collier & Dollar, 2000). De modo
similar, os contributos relativos a eficcia na AH so referentes atuao da AH em
setores especficos, como por exemplo, a sade (Fielding, et al., 2006), relativos a
outras questes particulares como a responsabilizao dos doadores (Kenny, 2006).
Adicionalmente, o conceito da eficcia na AH est implicitamente includo nas
contribuies relativas questo da policentralidade da AH internacional
(StephensonJr. & Schnitzer, 2009). A questo da eficcia isoladamente referida em
relatrios oficiais de principais atores humanitrios, como seja Overseas Development
Institute (ODI Instituto de Desenvolvimento Externo) e Global Humanitarian
Assistance (GHA Assistncia Humanitria Global).
Relativamente coordenao, as contribuies acadmicas circunscrevem-se aos
pilares da RH, no de forma explcita (Wong, 2012) (Charles & Lauras, 2011).
Analisando o estado da arte, denota-se que os conceitos centrais desta tese,
nomeadamente, a RH, eficcia e coordenao so apresentados isoladamente. Por
exemplo, os contributos de Stephenson Jr. & Schnitzer (2009), ou Fielding et al. (2006),
no discutem a questo da eficcia, nem se debruam sobre a RH. Por sua vez, os
escassos contributos sobre a RH so, na sua maior parte, descritivos limitando-se a
enumerar os seus principais elementos, sem que se apresente uma investigao apoiada
6 Introduo
numa abordagem analtica sobre a importncia dos atores que a compem, mas tambm
no estabelecem o objetivo de desenvolver uma investigao apoiada numa abordagem
analtica (Sommers, 2000).
Perante o estado de arte acima retratado, o presente estudo reveste-se de
singularidade por abordar a temtica da RH e da eficcia da AH, raramente estudada at
agora, conjugando-a com uma abordagem analtica que se desenvolve a partir do
conceito da coordenao intra-humanitria. Um outro contributo produzido por esta
dissertao resulta da experincia da autora no quadro da ONU, mais concretamente da
realizao de um estgio de tempo integral entre 1 setembro de 2011 a 29 de fevereiro
de 2012 (6 meses), na Joint Inspection Unit of United Nation (JIU), localizada no UN
Office of Geneva.6
A JIU, criada em 1966 (A/2150 (XXI)), o nico rgo
independente de superviso externa com mandato de executar avaliaes, inspees e
investigaes a todo o sistema da ONU.
Como assistente de investigao, a autora, teve uma participao direta e ativa
na elaborao de dois relatrios. O primeiro, intitulado Financiamento nas Operaes
Humanitrias no Sistema das Naes Unidas, concedeu-lhe uma vasta introduo ao
tema da AH, mais focalizada no seu financiamento. Sob a direo do Inspetor da JIU,
Tadanori Inomata, integrou uma equipa j com dois anos de trabalho nesta temtica,
onde desenvolveu tarefas de recolha e anlise de dados e pesquisa intensiva sobre fluxos
humanitrios. O segundo relatrio, realizado j numa fase final do estgio a convite do
Chairman, o Inspetor Mohamed Mounir Zahran, intitula-se Avaliao da UN-
Oceans 7 , Esta segunda experincia permitiu aprofundar competncias ao nvel da
recolha e seleo e anlise documental.
Este perodo de estgio permitiu ainda contactar com vrios membros da ONU e
agentes humanitrios com experincia direta no Haiti, como sejam agentes da
International Labor Organization (ILO Organizao Internacional do Trabalho); e
abriu portas para participar em reunies, conferncias, discusses que permitiram o
acesso privilegiado a informao que foi incorporada nesta dissertao - ainda que se
mantendo o compromisso de confidencialidade assumida nos termos de referncia do
estgio.
Tendo em vista a prossecuo dos objetivos a que se props esta dissertao est
dividida em quatro captulos, para alm da introduo e concluso.
6 Sendo este estgio integrado no programa Erasmus Placement.
7 Uma organizao da ONU responsvel por todos os assuntos que dizem respeito aos oceanos, ou seja abrange um grande leque de
problemticas, como a segurana, problemas ambientais, disputas territoriais.
7 A Reforma Humanitria das Naes Unidas: Um Mecanismo Rumo Eficcia da Ajuda
Humanitria? Caso do Haiti.
O primeiro captulo discute o conceito de AH e oferece um conjunto de noes
introdutrias sobre esta matria. Alm disso, este captulo explora o conceito de eficcia,
partindo da constatao da sua relevncia na literatura especializada e no discurso
humanitrio para progressivamente apresentar uma definio defendida de eficcia,
assente na noo de coordenao intra-humanitria, que central para a confirmao da
hiptese de trabalho.
O segundo captulo explora os antecedentes impulsionadores da RH, tendo por
base a anlise de documentos determinantes na construo desta reforma. Aqui
caracterizada a RH na sua composio e objetivos, lanando-se assim os alicerces para a
avaliao da eficcia da AH. neste mesmo captulo que introduzido e discutido o
conceito de coordenao intra-humanitria luz dos contributos tericos de Guy Peters
(1998) e Tomassini e Wassenhove (2009).
O terceiro e ltimo captulo tem por objetivo transposio dos elementos
conceptuais e tericos para o plano prtico, atravs do recurso ao estudo de caso, i.e.,
prestao da AH no contexto do terramoto do Haiti em 2010. Este captulo culmina com
a subdiviso de um caso singular em duas partes, atravs de uma avaliao sequencial
de acontecimentos (George e Bennett 2005, 166) que permite a aplicao dos
parmetros avaliativos da coordenao intra-humanitria e a subsequente concluso
sobre a eficcia da AH prestada no contexto do terramoto haitiano.
Na concluso, tendo por base os contributos tericos e o caso haitiano,
ultrapassamos a falta de objetividade do conceito de eficcia no discurso humanitrio,
identificando a coordenao intra-humanitria como fator determinante de uma AH
eficaz. Nestes termos, a coordenao intra-humanitria apresentada como a resposta
ao debate sobre a prestao de uma AH eficaz.
8
9 Capitulo I Desmistificando a ajuda humanitria noes introdutrias
Capitulo I
Desmistificando a ajuda humanitria noes introdutrias
Com o crescimento das necessidades da AH, em resultado do aumento de
conflitos armados e insuficiente resposta por parte dos pases em desenvolvimento aos
desastres naturais, os recursos disponveis para a AH so insuficientes. Nesta lgica, a
eficcia da AH, torna-se um conceito central, atual e frequentemente presente nos
discursos humanitrios tanto no mbito acadmico como de policy-making.
Em 2005, mais de 100 doadores internacionais conjuntamente com os pases
desenvolvidos, assumiram o compromisso de tornarem a AH mais eficaz. Na
Declarao de Paris,8 determinado que () as reformas organizacionais, parecem
cada vez mais ligadas agenda da eficaz na ajuda internacional (OECD, 2008, p. 5).
Na prtica, a RH da ONU, que alvo de estudo, tem como elemento central do seu
discurso a eficcia. Com isto, torna-se essencial perceber: O que significa eficcia?
Como esta definida? Quem a define? este um princpio absoluto?
Na ausncia de consenso e perante a ambiguidade do conceito da eficcia,
neste captulo, ser abordada uma definio, que se apoia nos contributos da
comunidade acadmica alicerada nas cincias quantitativas.
A preponderncia deste conceito, eficcia, para a investigao em causa
adicionalmente justificada com as novas realidades vividas pela comunidade
internacional, que se v obrigada a estabelecer uma AH eficaz como prioridade,
coordenando e consertando esforos produzindo, eventualmente, aes e declaraes
como as acima citadas. Neste sentido, assistimos nos ltimos anos a uma maturao da
noo de eficcia, devido sua importncia nas iniciativas da ONU, entre as quais
destacamos a Cimeira do Milnio e a referida Declarao de Paris. Apesar da utilizao
frequente e relevncia do conceito nem na comunidade acadmica, nem na de policy-
makers da ONU, existe um consenso. Como resultado, as definies divergem
consoante a perspetiva sobre a eficcia. Por essa razo debatemo-nos, ainda, com um
vasto conjunto de definies.
No presente trabalho a ausncia de consenso na definio de eficcia apresenta-se
como um desafio. Para ultrapass-lo, o trabalho presta especial ateno aos parmetros
especficos deste conceito central.
8 Frum de Alto Nvel, Declarao de Paris sobre a eficcia da Ajuda ao Desenvolvimento, OECD, 2 Maro 2005.
10 1.2 Ajuda humanitria no contexto da poltica internacional atual
1.1. A eficcia e a ajuda humanitria: uma primeira aproximao aos conceitos
operacionais
A AH definida por um conjunto de aes desenhadas com o intuito de salvar
vidas, aliviar sofrimento, manter e proteger a dignidade humana em situaes de
catstrofe, sejam estas naturais ou provocadas pelo homem (i.e., conflitos armados). A
AH resulta de um compromisso assumido pela comunidade internacional de atuar em
situaes de emergncia, perspetivando uma atuao a curto prazo, governada pelos
princpios de humanidade, neutralidade, imparcialidade e independncia.
Os desafios e dificuldades hodiernos da AH no se restringem ao da ONU.
Mesmo que a ONU possua um particular protagonismo nesta rea, o seu papel
fundamental como ator humanitrio tem-se alastrado a vrias organizaes, como sejam
as OI e as ONG. Estas ltimas detm capacidade de atuar mundialmente, priorizando a
AH eficaz nos seus discursos e medidas de ao concretas, como protocolos,
conferncias, resolues e misses.
Os atores humanitrios confrontam-se com desafios significativos e complexos,
numa era de mudana global em um mundo cada vez mais interdependente, que nos
confronta com uma crescente desigualdade social e econmica (High-Level-Panel, 2006,
p. 1). Os desafios da nova conjuntura internacional so caracterizados por um variado
conjunto de fatores e dinmicas. Entre estes destaca-se, o incremento de ocorrncias de
desastres naturais com um impacto crescentemente e devastador aos quais, muitos dos
Estados hospedeiros, no tm capacidade de responder; bem como os conflitos armados
denominados como novas guerras 9 que deixam de ser financiados e/ou
impulsionadas apenas pelos Estados (como no caso das guerras clssicas) e passam a
abranger, tambm, organizaes e grupos cuja atividade representa crime organizado
e/ou terrorista. Estes grupos representam novos atores com interesses distintos, que
desafiam as regras da poltica internacional, provocando no s um drstico aumento
dos conflitos como tambm um aumento das necessidades da AH (Caldo 2006). Mais
recentemente, surgiu um novo fator importante, a crise econmica e financeira, que tem
embargado a disponibilidade de recursos para uma resposta eficaz s crescentes
necessidades humanitrias (Taylor, et al., 2012, pp. 23-25). Estes desafios tm impacto
9Este um conceito introduzido no debate acadmico por Mary Kaldor. Esta acadmica afirmou, em 2009, numa entrevista que o
referido conceito tem como objetivo chamar a ateno da comunidade internacional para um novo paradigma dos conflitos
contemporneos (2009).
11 Capitulo I Desmistificando a ajuda humanitria noes introdutrias
direto na AH, confrontando a comunidade internacional com o dilema de uma resposta
adequada.
O maior e mais atual desafio da AH, assenta na falta de capacidade de atingir os
resultados mximos, com uma quantidade de recursos cada vez mais limitados. Ao
contrrio de simplesmente atirar dinheiro para pases em desenvolvimento, h uma
crescente preocupao de criar um sistema de AH que permita um desenvolvimento
sustentvel e crescimento econmico num ambiente de confiana entre os intervenientes
(doadores e recetores). Com o objetivo de potencializar os recursos disponveis da AH,
a eficcia assume um lugar mais preeminente no discurso humanitrio. Alm disto, na
ltima dcada foi tomado um conjunto de iniciativas, de vrias dimenses e escopo que
refletem a ambio dos atores humanitrios potencializarem os resultados com escassos
recursos, dos quais exemplificamos:10
Objetivos de Desenvolvimento do Milnio (2000)
(ODM Millennium Development Goals), Declarao de Paris (Paris Declaration)
(Paris Declaration 2005), mais recentemente, a Global Partnership for Effective
Developement Co-operation em Buzan (2011) (Parceria para o Desenvolvimento de
uma Cooperao Eficaz), e ainda vrias iniciativas da UE (Unio Europeia)
(Vysotskaya Guedes Vieira e Lange 2012).11
A eficcia da AH apresenta-se neste estudo como conceito central, que exige ser
definido. Em primeiro lugar, importante referir, que o termo eficcia nesta
dissertao corresponde ao termo aid effectiveness utilizado nos discursos oficiais,
produzidos em ingls. A traduo deste ltimo termo para portugus corresponde
eficcia. Nos dicionrios de lngua portuguesa, eficcia definida como qualidade
daquilo que eficaz (Guedes, 1996), e a capacidade de cumprir os objetivos
pretendidos; eficincia; fora de produzir determinados efeitos (Dicionrio da Lngua
Portuguesa, 581, 2009). Eficaz definido como algo que tem fora para produzir
alguma coisa (Guedes, 1996), enquanto que a eficincia definida como fora ou
virtude de produzir o efeito pretendido; poder de efetuar; eficcia. (Dicionrio da
Lngua Portuguesa, 581, 2009). Tendo por base este enquadramento, observamos que os
conceitos de eficcia e eficincia esto, por vezes, inter-relacionados ou mesmo
equiparados no seu uso, conduzindo a uma tendencial fuso semntica dos conceitos.
Uma vez que este estudo da AH se debrua sobre os seus recursos financeiros e
econmicos, consideremos ainda o contributo das abordagens econmicas, que
10
O contributo destas iniciativas e respetivos documentos explorado mais frente neste Captulo. 11
O novo sistema institucional da EU ps-Lisboa tambm visto como promissor para o aumento da eficcia da AH da EU.
12 1.2 Ajuda humanitria no contexto da poltica internacional atual
apresentam o conceito de eficcia e eficincia de uma outra forma. A definio de
eficincia diz respeito s condies de utilizao de fatores numa determinada ao,
enquanto a eficcia evidncia os fins e o grau de satisfao que medido pela
consecuo dos objetivos pretendidos (Dicionrio de Cincias Econmicas, 1997).
Apresentada a distino de eficcia e eficincia, como definido por um lado nos
dicionrios e enciclopdias e por outro lado nas abordagens econmicas, justificaremos
a definio construda e adotada neste estudo. Em primeiro lugar, aceite o conceito de
eficcia resultante de uma traduo literal da palavra ingls effectiveness. Em segundo
lugar, aceitamos uma distino entre o conceito de eficcia e de eficincia (contudo de
forma divergente apresentada nas abordagens econmicas). Uma vez que o estudo
desenvolvido se focaliza na avaliao dos recursos utilizados, sendo estes humanos,
tecnolgicos ou monetrios, empenhados na aspirao de alcanar melhores resultados
exequveis, a eficcia da AH incide sobre os meios e no sobre os fins per se. A eficcia
na AH consiste numa utilizao de meios e recursos humanitrios, cada vez mais
reduzidos, de forma a potencializar o mximo resultado da AH.
1.2. Ajuda humanitria no contexto da poltica internacional atual
A diminuio dos recursos disponveis para a AH, causados pelo aumento dos
complexos desastres naturais e as referidas novas guerras, fomentam o paradigma da
eficcia. Este paradigma conduz os atores humanitrios a equacionarem a criao de
novos quadros estratgicos da AH, na procura do ponto de equilbrio econmico, i.e.,
coadunando as doaes com as necessidades humanitrias. Desta forma, a diminuio
de recursos necessrios para fazer face s crescentes necessidades demonstra a
relevncia da eficcia no discurso humanitrio.
Os dados proporcionados pela base de dados Financial Tracking Service (FTS
Servio de Acompanhamento Financeiro),12
apresentados no grfico I, referem-se a
2003 a 2012, e facultam um conjunto de dados quantitativos. Estes dados demonstram a
atual escassez de recursos na AH, e fundamentam a centralidade do conceito da eficcia
na AH atual. No grfico I, esto representadas, em azul, as necessidades humanitrias
que resultam dos flash appeals13 (apelos flash) e dos consolidated appeals14 (apelos
12
Servio coordenado pelo OCHA (2011). 13
Uma ferramenta da estruturao de uma resposta coordenada em situaes de emergncia humanitria sbitas. acionada pelo
coordenador humanitrio da ONU, em consulta com a equipe pas IASC e subscrita pelo Emergency Reflief Coordinator (ERC Coordenador de Socorro de Emergncia) e do IASC. O governo do pas afetado tambm consultado. (em
(http://www.globalhumanitarianassistance.org/data-guides/concepts-definitions, consultado a 3 de maro de 2012)
13 Capitulo I Desmistificando a ajuda humanitria noes introdutrias
consolidados) bem como, em vermelho, as doaes/fundos humanitrios definidos pelo
Humanitarian Common Found (HCF - Fundo Humanitrio Comum). Este ltimo, por
sua vez, composto pelo Emergency Response Found15
(ERF - Fundo de Resposta
Emergente) e Central Emergency Response Found16
(CERF - Fundo Central de
Resposta Emergente). Destaca-se a diferena entre os recursos doados e o
financiamento prestado, que est representado no grfico I, em percentagem das
necessidades humanitrias satisfeitas.
Grfico 1 Fluxos da ajuda humanitria (em milhes de dlares)
Fonte: FTS, Finaniamento atravs dos apelos flash e os apelos consolidados (2003-2012). www.http://fts.unocha.org17
O grfico 1 permite-nos inferir trs concluses relevantes para a situao da AH
atual. Em primeiro lugar, verificamos que h um aumento do financiamento, ainda que
com oscilaes, de $2.1m em 2010, $1.7m em 2011, e finalmente, $0.3m em 2012. Em
segundo lugar, verificamos que tambm houve um aumento das necessidades
humanitrias at 2010, vindo a aproximar-se em 2011 e 2012 aos valores de 2003. Em
terceiro lugar, depreendemos que apesar de existir um incremento da AH, que desde
2008 excede os $5.1m, contraposta anterior mdia de $3.5m (entre 2003 e 2007), este
aumento da AH relativo. Isto significa que o crescimento de ambos os indicadores
14
Uma ferramenta para a estruturao de uma resposta humanitria coordenada para emergncias complexas e/ou principal do
processo da apelos consolidado da ONU/OCHA (PAC). (em http://www.globalhumanitarianassistance.org/data-guides/concepts-
definitions consultado a 3 de maro de 2012) 15
Como posteriormente apresentado no Captulo II, estes fundos de emergncia operam em pases especficos. Dirigido pela ONU,
eles so projetados para desembolsar os fundos rapidamente para uma srie de atores em resposta necessidade urgente e repentina
(em http://www.globalhumanitarianassistance.org/data-guides/concepts-definitions consultado a 3 de maro 2012). 16
Como ser desenvolvido no Captulo II, este um instrumento humanitrio criado pela ONU que recebe contribuies voluntrias
e utilizado para respostas humanitrias de forma mais oportuna e confivel (What is CERF? 2007). 17
Os dados de 2012 representam apenas informao recolhida at dia 3 de Setembro.
0 2 4 6 8 10 12
2003200420052006200720082009201020112012
Financiamento Necessidades
35 %
64 %
65 %
72 % 71 %
64 % 67 %
67 %
72%
76 %
14 1.2 Ajuda humanitria no contexto da poltica internacional atual
(financiamento e necessidades) no paralelo. Como resultado, a satisfao das
necessidades varia entre 76% e 72% entre 2003 a 2008.18
As trs concluses apresentadas, que resultam da anlise quantitativa dos fluxos
humanitrios, resultam em parte das circunstncias vividas pela comunidade
internacional. O aumento do financiamento na AH deve-se, em grande parte, a um
substancial aumento de doadores, que na ltima dcada quase duplicou. Este aumento
do nmero de doadores, impulsionado pela ascenso das economias emergentes que,
em parte, transpem a sua posio de recetores da AH dos pases ocidentais para se
tornarem tambm doadores. Destacamos neste grupo a China, Coreia do Sul, ndia,
Brasil, Arbia Saudita e Venezuela.
Uma outra razo para o aumento do nmero de doadores so as contribuies
privadas que tm atingido valores sem precedentes (sendo que em 2010 corresponderam
a 57%, tal como comprovado pelo relatrio apresentado pelo GHA (2011)). Entre os
fatores impulsionadores do aumento das contribuies privadas, destaca-se o fcil
acesso informao, trabalho voluntrio e qualquer outra forma da participao na AH
internacional (Tomassini e Wassenhove 2009, 4). Os fundos privados assumem tal
relevncia que as vezes, -lhes conferida, em concorrncia com s grandes
organizaes humanitrias, a capacidade de substituir a AH, incluindo a AH prestada
pela prpria ONU (Stoianova 2012).
Tambm se verifica uma proliferao dos atores humanitrios, nomeadamente
das ONG, sejam elas nacionais ou internacionais, religiosas, civis ou governamentais.
Muitas destas organizaes caracterizam-se pela boa vontade, mas tambm por escassos
recursos e experincia humanitria. Com uma voz negativa critica-se, na comunidade e
policy-makers, a inexperincia dos novos atores, que resulta em projetos inacabados ou
mal geridos em suma, ineficazes. Muitas das ONG trabalham de forma independente
e no apresentam qualquer disposio de cumprir as mesmas regras das OI. Esta posio
das ONG leva, eventualmente, a uma ausncia de coordenao intra-humanitria e, no
mnimo, duplificao dos esforos. Neste contexto, nem o aumento sem precedentes das
contribuies privadas, dos doadores e das prprias ONG parece satisfazer as
necessidades da AH.
O aumento das necessidades humanitrias vai de encontro aos argumentos j
apresentados nesta dissertao, que nos alertam para um novo panorama vivido pela
comunidade internacional, que caracterizado por um incremento de catstrofes
18
Constatamos que existe uma tendncia inversa de 2009 a 2012, em que diminui dos 71% para 35%.
15 Capitulo I Desmistificando a ajuda humanitria noes introdutrias
naturais bem como novos desafios assinalados pelas, j referidas novas guerras
(Kaldor 2006). Em confirmao deste facto, no grfico 1 sobressaem os valores das
necessidades de 2003 e 2010, perodo que caracterizado primeiramente pela
interveno no Iraque e o Tsunami na Indonsia e, mais tarde, em 2010, pelo terramoto
no Haiti e as cheias no Paquisto. Alm disto, a anlise dos dados no grfico 1 permite
confirmar a tese sobre a irregularidade no financiamento disponvel para a AH: os
doadores, atores humanitrios e comunidade civil contribuem para o financiamento da
AH movidos essencialmente pelas reprodues chocantes da realidade. Essas imagens
dramticas e emotivas (Olsen, Carstensen e Hyen 2003, 112) invadem as casas dos
potenciais doadores privados atravs dos meios de comunicao, produzindo uma
resposta reativa da comunidade internacional face s necessidades emergentes
noticiadas, que denominada como CNN Effect19
. Este fenmeno confere aos media, e
com mais pujana a televiso, a capacidade de influenciar a tomada de decises, que se
traduz, na AH, em um aumento do financiamento humanitrio (Olsen, Carstensen e
Hyen 2003).
Finalmente, como ltima observao relativa anlise do grfico 1, verifica-se
que o incremento do financiamento humanitrio no acompanha o aumento das
necessidades humanitrias e ultimamente, no as consegue satisfazer. nesta perspetiva
que se constri a afirmao, frequentemente referida, sobre a diminuio de
contribuies humanitrias, quando na prtica existe o aumento das contribuies, que
entretanto no corresponde s necessidades da AH. Prev-se que esta discrepncia
tender a aumentar dada a crise econmica que tem tido um impacto global. As
organizaes humanitrias, com preocupao, alertam para a necessidade de os
doadores fortalecerem o seu apoio, suplicando que estes mantenham ou aumentem a sua
participao (UNICEF 2010).
Neste contexto o conceito de eficcia na AH no s assume cada vez mais
relevncia como conquista um estatuto de prioridade no discurso humanitrio (Carbone
2008).
19
Ressaltamos que o nvel de projeo da emergncia no assenta to s na cobertura feita pelos media. Poderiam ser apontados
outros fatores como o interesse poltico, no caso dos Estados, assim como a fora e presena de ONGs e outras organizaes
internacionais presentes no terreno.
16 1.3. Ajuda humanitria mas eficaz a resposta da comunidade internacional em anlise (2003 a 2012)
1.3. Ajuda humanitria mais eficaz: a respostada da comunidade internacional em
anlise (2003 a 2012)
A AH est concebida com o intuito de salvar vidas, aliviar sofrimento e manter a
dignidade humana durante e no rescaldo das emergncias (Global Humanitarian
Action), sendo esta distribuda de forma igualitria e com intuito de erradicar a pobreza.
A analisada divergncia entre o financiamento e as necessidades da AH faz com que a
eficcia seja introduzida como tema central, no sistema humanitrio da ONU enquanto
ator predominante na AH. Nesta sequncia, o objetivo principal da RH tambm a
eficcia da AH.
Como referido, o conceito de eficcia no se restringe a uma organizao, ou a
uma corrente terica dos estudos da AH, tendo uma presena crescente nos discursos e
polticas humanitrias, como o caso da Declarao de Paris 2005, todos os Fruns de
Alto Nvel, nomeadamente o de Roma (2002), o de Accra (2008) e o de Busan (2011).
O discurso direcionado para a AH eficaz comeou a ser formalizado em 2000,20
na Cimeira do Milnio das Naes Unidas (A/RES/55/2). Esta ambiciosa declarao
reuniu, desde os principais atores econmicos mundiais aos pases mais pobres,
formando um conjunto de 189 naes e 23 OI, tendo como objetivo reduzir a pobreza
extrema (A/56/326). O documento final vincula os participantes a alcanar, at 2015, os
objetivos traados, nomeadamente, o combate pobreza e fome, reivindicao da
educao universal, promoo da sade infantil e a sade materna, promoo do
combate ao HIV, sustentabilidade universal e a igualdade de gnero; estimulando, ao
mesmo tempo, a parceria global para o desenvolvimento. Esta iniciativa abriu um
caminho de evoluo na AH internacional sem precedentes. A ONU tem direcionado
com sucesso, mesmo que no sempre reconhecido (Kluger 2004), todos os esforos
nesta batalha rumo conquista de um mundo mais pacfico, prspero, justo e igualitrio
como determinado a 26 de junho de 1945, na Carta das Naes Unidas.
A Cimeira do Milnio da ONU de 2000, onde foram determinadas as chaves
mestras dos objetivos caracterizadores de uma AH mais eficaz, assinalou o comeo de
uma longa saga de medidas tomadas pela comunidade internacional no sentido de
20
Faz-se referncia a uma formalizao, pois a maioria das metas traadas no so novas. J nos anos 90 haviam sido referidas entre
vrias conferncias globais, assim como poderiam ser apreendidas a partir do corpo de normas e leis internacionais. No entanto,
mesmo que j anteriormente desenvolvidas e adotadas, apontada na Resoluo da Assembleia Geral, A/56/326, no ponto 7, que o
rumo ao sucesso depende da vontade poltica dos Estados de concretizarem e implementarem os seus objetivos. este elemento que
distingue esta iniciativa de qualquer outra.
17 Capitulo I Desmistificando a ajuda humanitria noes introdutrias
atingir este objetivo. Numa melhor esquematizao das iniciativas caracterizadoras da
AH mais eficaz conduzida pela RH da ONU, como a conhecemos hoje, subdividimos
este longo processo de mudana em duas etapas. A primeira etapa inicia-se em 2000,
com a referida Cimeira do Milnio da ONU, e termina em 2005, sendo esta assinalada
como uma etapa experimental e avaliativa, que neste trabalho ser denominada como
conceo institucional da eficcia. A segunda etapa inicia-se em 2005 e prolonga-se
at a data atual, sendo considerada uma etapa de ao, que denominada como
institucionalizao do compromisso internacional e a acumulao de experincia.
A) A conceo institucional de eficcia
Esta primeira fase caracterizada como sendo o perodo de tempo em que
tomado um conjunto de iniciativas internacionais que contribuem para um
amadurecimento dos ODM procurando determinar as aes necessrias para que estes
objetivos sejam alcanados. Oficialmente, a 6 de setembro de 2001, surge um
documento oficial resultante de uma reunio da Assembleia Geral (A/56/326). Este
documento vem dar seguimento aos ODM e explorar de que forma os compromissos a
assumidos sero cumpridos. A priori, neste documento, a predisposio dos Estados
para corajosamente tomarem decises difceis que conduziro a profundas reformas nas
suas polticas, incluindo uma utilizao eficaz dos recursos, identificada como
elemento chave. Esta medida tambm definida em sequncia do pensamento que
nenhuma das metas traadas ser alcanada sem os recursos adicionais que advm dos
Estados industrializados e da sua generosidade:
O que necessrio, portanto, no mais estudos tcnicos de viabilidade.
Em vez disso, os Estados precisam demonstrar a vontade poltica de
cumprir os compromissos j assumidos e de executar estratgias que j
funcionaram.21
(A/56/326 p.7)
Depreendemos que a eficcia da AH tem como precondio a vontade poltica
dos Estados, que devem aprovisionar os seus recursos de forma a satisfazer as
necessidades humanitrias. Neste sentido significativo que os atores humanitrios
invistam ativamente na delimitao dos seus esforos.
Em 2002, entre 18 a 22 de maro, em Monterrey no Mxico, para alm das
consideraes abordadas anteriormente, tomada em conta a dimenso crtica da
pobreza e o impacto desta para a paz. Destaca-se o facto que a AH, com bases histricas
desde a Guerra Fria quando os EUA prestam assistncia destruda Europa, carece de
21
Traduo livre da autora.
18 1.3. Ajuda humanitria mas eficaz a resposta da comunidade internacional em anlise (2003 a 2012)
mudana. Afirmado pelo prprio George W. Bush na sua declarao em sequncia desta
mesma conferncia:
() o sucesso da ajuda ao desenvolvimento foi medido apenas pelos recursos gastos, e no pelos resultados alcanados. No entanto, despejar dinheiro em um status quo que pouco faz para ajudar os pobres, e pode realmente retardar o progresso da reforma. Temos de aceitar uma maior,
mais difcil e mais promissora responsabilidade. Os pases desenvolvidos tm o dever no apenas de compartilhar a sua riqueza, mas tambm de
estimular as fontes que produzem a riqueza: a liberdade econmica,
liberdade poltica, o Estado de direito e os direitos humanos. 22
(Bush 2002)
Assimilamos que este apelo transcende o pedido de maior nmero de doaes,
enquanto indica que qualquer quantidade de recursos insuficiente se no aliada s
medidas efetivas de financiamento ao desenvolvimento do pas recetor. Tal como
invocado na declarao de Lus Amado, Ministro dos Negcios Estrangeiros portugus,
estas medidas efetivas esto vinculadas aos ODM, j assumidas pelos pases
participantes (Amado 2002), que desta forma circunscrevem os mecanismos de ao e o
seu compromisso.
B) A institucionalizao do compromisso internacional e a acumulao da
experincia
Na segunda fase cresce a convico da comunidade internacional, que no
importante a quantidade de ajuda e recursos despendidos, mas a forma como estes so
distribudos e utilizados. Identificados os elementos chave para o desenvolvimento
atravs das ODM, invocada a necessidade de assumir a eficcia na AH como
prioridade. nesta segunda etapa, que os Estados superam a maior causa de insucesso
no caminho rumo igualdade e eliminao da pobreza, que a ausncia da
manifestao da vontade poltica dos Estados e do compromisso destes. Assim
fundamentamos esta fase, como sendo a fase que ultrapassa a institucionalizao dos
objetivos de aes humanitrias e de desenvolvimento, e que estabelece parmetros de
ao prticos que comprometem os participantes.
Em 2005, destacamos dois documentos, a Declarao de Paris em fevereiro e,
meses mais tarde, de 14 a 16 de setembro, a Cimeira Mundial. Estes vinculam a vontade
dos Estados a um compromisso real e objetivo, renovando as vontades de agir em
conformidade com as metas traadas na Declarao do Milnio.
22
Traduo livre da autora.
19 Capitulo I Desmistificando a ajuda humanitria noes introdutrias
Na Declarao de Paris, destacamos com maior relevncia o facto de esta
iniciativa originar inmeros acordos que representam milhes de dlares em
investimento para que sejam alcanadas as ODM. As metas contidas nesta declarao
so vistas como um impulso de um conjunto de aes determinantes rumo ao sucesso.
Entre estas aes encontram-se vrias declaraes e conferncias analisadas abaixo.
Com mais relevncia e apreo salientamos, primeiramente, a Declarao de
Paris sobre a eficcia da ajuda ao desenvolvimento. O compromisso assumido por parte
dos Estados vai alm de um mera conceo institucional da eficcia por, em primeiro
lugar ter sido assumido um forte compromisso pelos pases signatrios.
() empreender aes de longo alcance, monitorizveis, com vista a reformar as nossas modalidades de entrega e de gesto da ajuda, na
perspetiva da reviso quinquenal da Declarao do Milnio e das Metas de
Desenvolvimento do Milnio (Paris Declaration on Aid Effectiveness 2005.)
Como a vontade sem ao no produz resultados, o insucesso da AH anterior
Declarao de Paris assenta na falta de compromisso por parte dos Estados. Com o
compromisso mais forte assumido neste documento, cresce a expectativa de ser
alcanada uma AH mais eficaz. De forma objetiva e prtica, os objetivos traados neste
documento resumem-se a cinco palavras-chave, que so: apropriao, alinhamento,
harmonizao, gesto orientada para os resultados e responsabilidade mtua. Estes no
so conceitos isolados da realidade da AH, mas devem tornar-se em prticos,
especficos, e verdadeiros roteiros de atuao.
O estudo da OECD sobre o progresso na implementao da Declarao de Paris,
entre 2005 e 2010, declara: o progresso substancial, nas estratgias nacionais de
desenvolvimento, mais que triplicou () resultado da elevada qualidade de
monotorizao dos resultados de acordo com as Metas do Milnio (OECD 2011, 16).
O mesmo documento comprova que de forma moderada os doadores tm cumprido as
Metas, enquanto se denota ainda uma melhoria na qualidade do sistema de
financiamento pblico, e melhoria da transparncia no financiamento (OECD 2011,
16). Neste relatrio aplaudida a especificidade das metas e das avaliaes realizadas.
Alis, adiantado que ao contrrio das reformas anteriores, que se mostram ambguas, a
Declarao de Paris e o associado processo de monotorizao realizado nos Fruns de
Alto Nvel teve um grande contributo no desenvolvimento de parcerias (OECD 2011, 3).
Este referido processo de monotorizao e de avaliao nico, no sentido que pela
primeira vez, resulta de uma harmonizao de vontades entre os doadores e recetores. O
novo sistema incorpora as responsabilidades assumidas por cada participante um com o
20 1.3. Ajuda humanitria mas eficaz a resposta da comunidade internacional em anlise (2003 a 2012)
intuito de atingir os objetivos rumo ao desenvolvimento, assumidos na Declarao de
Paris:
1. Afirmar o princpio de soberania dos Estados; desta forma, os pases
recipientes detm toda a responsabilidade de traar as suas prprias estratgias
de desenvolvimento nacionais, assentando na ideia de que estes reconhecem
quais as melhores, mais adequadas e viveis estratgias de AH, traando as
respetivas prioridades e mecanismos de ao.23
2. As estratgias de AH devem ser aceites e apoiadas pelos doadores, sejam
estas organizaes ou pases, assentando na transparncia, dilogo poltico,
programas de coordenao intra-humanitria, quadro de avaliao, reforo de
sistemas nacionais de aprovisionamento e de capacidade de gesto das finanas
pblicas.
3. A determinao de objetivos e a sua aceitao deve ser resultado de uma
harmonizao de vontades e uma agilizao de esforos, no apenas a nvel
vertical, (i.e., doador/recetor), mas tambm a nvel horizontal (i.e., duas
organizaes) que requer uma coordenao intra-humanitria entre os doadores.
Esta coordenao deve possuir uma abrangncia tanto a nvel de avaliao de
necessidades como de atuao humanitria.
4. As polticas adotadas devem concentrar-se em resultados previamente
determinados, para que todos os atuantes sigam a mesma estratgia de ao
determinada por quadros de monotorizao e avaliao do desempenho.
5. Compromisso de transparncia relativamente a todos os recursos afetos
ao desenvolvimento.
Com estes objetivos prticos e especficos, a AH segue mais determinada a
alcanar a to afamada eficcia. A afirmao, consolidao prtica e avaliativa dos
objetivos da Declarao de Paris reafirma-se nos Fruns de Alto Nvel, realizados
posteriormente. Cada frum tem como objetivo avaliar o progresso da implementao
dos objetivos da Declarao de Paris, constando as conquistas alcanadas e
23
A questo que imediatamente se coloca neste contexto se este princpio aplicvel no caso de o Estado recipiente carecer de um
governo estvel e capaz de estabelecer uma estratgia nacional de AH. Nesta situao especfica, est contemplado, como parte do
compromisso dos Estados doadores, estes tomarem todas as providncias necessrias para auxiliar o estabelecimento de estabilidade
poltica.
21 Capitulo I Desmistificando a ajuda humanitria noes introdutrias
consolidando e reforando a execuo das medidas acordadas nas reas carentes e
prioritrias.
Entre os vrios Fruns de Alto Nvel, destacamos especialmente o 3 e o 4. Do
3 Frum de Alto Nvel eclodiram posteriores iniciativas que contriburam para a
consolidaro dos compromissos, desenvolvendo-os pormenorizadamente. Entre estas
iniciativas citamos Bogot Statement (2010) que evidncia princpios de eficcia para
cooperao Sul-Sul; Istanbul Principles (2010) que em sequncia do princpio da
eficcia no desenvolvimento compreendem a participao da sociedade civil; e por fim,
Dili declaration (2010), que reconhece que os maiores obstculos realizao das
ODM so as fragilidades polticas, sociais e econmicas de um determinado pas, bem
como a presena dos conflitos armados.
Mais hodierno, o 4 Frum de Alto Nvel, de onde resulta a Parceria para a
Cooperao Efetiva de Desenvolvimento de Busan, reconhece as metas alcanadas, mas
com maior relevncia alerta para a necessidade de redobrar os esforos de AH. O
compromisso assumido neste Frum considerado o ponto de viragem na coordenao
intra-humanitria, que determinante para uma AH eficaz. Com a presena de ministros
de pases desenvolvidos e em desenvolvimento, bem como das economias emergentes,
sociedade civil, provedores da cooperao sul-Sul e a cooperao triangular,
desenhada a estrutura de cooperao para o desenvolvimento de todos os atores
humanitrios.
A proliferao de iniciativas e o envolvimento dos pases e organizaes
participantes da AH demonstra que a fase analisada na presente seo mais ativa: o
compromisso poltico conduz a uma atuao prtica, o que por sua vez, nos aproxima
mais do alcance dos objetivos. Na articulao de esforos rumo eficcia, iminente
que este um percurso tortuoso e emaranhado, contudo, os atores procuram nas
bifurcaes seguir a mesma direo conjeturando qual ser a mais curta e possvel
direo para atingir as metas traadas em 2000.
1.4. Perspetivas sobre a eficcia na ajuda humanitria
A definio de eficcia na AH tem vindo a ser construda por um conjunto de
documentos oficiais, conferncias e contributos acadmicos, dos quais se releva a
coordenao intra-humanitria como meio determinante para alcanar a eficcia da AH.
Dentre as definies da eficcia construdas, quer pelos atores humanitrios quer
por acadmicos, diferenciamos duas abordagens: uma centrada diretamente nos desafios
22 1.4. Perspectivas sobre a eficcia da ajuda humanitria
da AH e outra focada numa anlise minuciosa de todas as condicionantes envolventes
da AH. Cada uma destas abordagens subdivide-se consoante a perspetiva dos
acadmicos e dos atores humanitrios. Sendo que a ltima, comporta a uma a perspetiva
dos doadores e dos recipientes que so os benificirios diretos da AH, nomeadamente a
populao e o governo. Ambas tm o mesmo objetivo, que determinar o alcance de
uma AH eficaz.
Os doadores so a principal fonte de financiamento de toda a AH, enquanto os
recetores funcionam como o motor da AH. Desta forma, a eficcia na AH resultado
da complementaridade destes dois grupos de atores. Contudo, estes definem a eficcia
de formas distintas. Os doadores, i.e., os governos, as organizaes privadas, os civis, as
OI e as ONG, tm o poder de controlar os recursos doados impondo os mecanismos e
fins da utilizao dos mesmos. Idealmente a utilizao dos recursos deve ser
determinada de acordo com as necessidades. Uma atuao que responda s necessidades
eficazmente implica que doadores tenham uma forte e planeada presena na AH,
investindo em projetos objetivamente delimitados. Contrariamente quando os doadores
no tm uma presena ativa e se limitam arremessar dinheiro e recursos aos pases
recetores, a eficcia na AH depende apenas dos pases benificirios, das suas polticas e
investimentos. Independente do nvel de participao dos doadores, para estes a eficcia
da AH medida consoante os resultados finais (cuja interpretao nem sempre coincide
com a interpretao dos doadores), ou seja, a AH eficaz quando alcanados os
objetivos propostos e ineficaz quando os objetivos no sejam alcanados.
A perspetiva dos doadores da eficcia na AH levanta questes relativas
responsabilidade do Estado recetor, sendo que de acordo com o documento oficial da
ONU, E/1998/1, formalmente determinado que o Estado soberano detm a
responsabilidade de prover todas as condies de paz e assistncia no seu pas.
Entretanto, na incapacidade do pas responder s suas obrigaes, h possibilidade de
AH ser prestada pela comunidade internacional, sobre a direo do pas hospedeiro.
Dificuldades colocam-se comunidade internacional quando o Estado hospedeiro
caracterizado por um sistema poltico precrio e no responde sua responsabilidade de
coordenar a AH.24
A perspetiva dos governos doadores, relativamente eficcia, est associado ao
crescimento econmico, que por sua vez muitas vezes medido pelo PIB (Produto
24
A interpretao deste conceito detem alguma subjetividade, nesta dissertao definido por Estados caracterizados por um elevado nmero de populao a viver abaixo do limiar da pobreza, Estados falhados e Estados frgeis.
23 Capitulo I Desmistificando a ajuda humanitria noes introdutrias
Interno Bruto) do pas hospedeiro. O interesse dos governos doadores pelo crescimento
econmico do pas recetor assenta na possibilidade futura de o Estado recetor representa
um novo mercado importante de trocas comerciais bilaterais, que sero sustentadas na
confiana gerada pela AH (Nowak-Lehmann, et al. 2009). Os economistas amestram
que no h almoos grtis25, querendo com isto alertar que no pensamento econmico
procura-se sempre um retorno. De um certo modo, este pensamento aplica-se AH: a
emancipao do pas recetor influenciada pela existncia de uma continuidade das
trocas comerciais (previamente estabelecidas), que permitem aos pases doadores
beneficiar das novas oportunidades comerciais.26
Criticamente denotamos a existncia de uma abordagem que advoga o PIB, ou
outros indicadores do crescimento econmico do pas recetor, como sendo uma medida
da eficcia da AH. Esta viso partilhada por muitos governos doadores e por alguns
acadmicos, por exemplo Clemens, et al (2004). Concordamos com Kenny (2006), que
afirma que no existe uma relao de causa efeito entre a AH e o crescimento
econmico; caso contrrio, toda a AH recebida teria de ser convertida num investimento
em reas que contribussem para o crescimento. Para alm do crescimento econmico,
devem ser tomadas em considerao melhorias nas condies de vida, no sistema de
sade, ensino, acesso a gua canalizada, novas tecnologias, energia eltrica e educao.
Ao mesmo tempo, Kenny (2006) acrescenta que a AH pode conduzir os Estados
recetores a se tornarem Estados-parasitas, que no apresentam indcios de crescimento
econmico e padecem de uma incapacidade de satisfao das necessidades bsicas dos
seus habitantes, configurando a necessidade permanente da AH. Para melhor
compreender esta afirmao apresentamos a analogia de um estudante com carncias
econmicas, considerando a sua postura perante os estudos e o financiamento destes.
Como primeira opo, consideramos o caso de os estudos serem financiados por
terceiros; como segunda opo, os estudos serem financiados pelo prprio aluno.
Quando os estudos implicam um investimento, h um maior reconhecimento do valor
25
Este retorno no representa apenas uma expectativa de estabelecimento de relaes econmicas ma pode tambm resultar na
imposio de valores generalizados, especialmente polticos. Apresentamos o exemplo da ONU, diferentemente do que acontece nas
outras organizaes, como por exemplo, a UE em que se fala de intervenes humanitrias, em que enquanto uma mo satisfaz a s necessidades bsicas a outra promove uma srie valores gerais (i.e., respeito pela dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, Estado de Direito e direitos humanos) (Carbone, 2009). 26
Paralelamente importa fazer referncia aos vnculos coloniais, que frequentemente determinam a ateno das antigas potncias
colonizadoras para o investimento da ajuda nas suas ex-colnias, o que leva a que pases em desenvolvimento com laos coloniais
sejam suscetveis de receber mais ajuda. No outro lado da moeda Fielding, McGillivray e Torres (2006 2) apontam que os laos
coloniais tambm promovem trocas econmicas entre um pas desenvolvido e o seu ex-colonizador, evidncia que mostra que a
assistncia humanitria no o nico instrumento relacionado a relaes coloniais com impacto no desenvolvimento econmico.
24 1.4. Perspectivas sobre a eficcia da ajuda humanitria
que este tem e por conseguinte, melhores resultados. Transpondo esta analogia para a
situao em anlise, podemos perceber como no imprpria a afirmao de Kenny
(2006), quando este acusa a AH de potencialmente provocar um declnio nos valores e
qualidades democrticas das organizaes, promovendo a corrupo, polticas
insustentveis, fraca performance econmica, uma reduo na participao civil
(recebendo AH, reduzem-se contribuies de impostos, o que leva a um menor senso de
responsabilidade), caminhando assim para as indesejveis situaes de dependncia do
pas recetor da AH. Por sua vez, a ausncia de instituies que sejam fortes atoras
humanitrias condiciona a eficcia da AH.
Deveria ser referida ainda mais uma perspetiva sobre a eficcia, de acordo com
qual, o parmetro central so os interesses prprios das organizaes participantes. A
AH representa para as organizaes uma fonte de rendimento, um mercado de trabalho
e um meio de subsistncia da prpria organizao o que pode constituir a razo
principal para algumas organizaes a prolongarem a AH no terreno (Entrevista Nr 1).
Por sua vez, o conceito de eficcia defendido nesta investigao, e apresentado
na hiptese de investigao, assenta na coordenao intra-humanitria como
fundamentado no seguinte subcaptulo.
1.5. Abordagem da eficcia como resultado da coordenao intra-humanitria
Depois da anlise da definio dada pela comunidade internacional
problemtica da eficcia na AH, avanamos com a definio por ns defendida e
fundamentada na hiptese de investigao que afirma: no contexto da RH da ONU, a
coordenao intra-humanitria entre essa organizao e as ONG um fator
determinante para a eficcia da AH prestada no terreno.
A AH eficaz vista nesta dissertao como sendo uma AH onde exista um
elevado grau de coordenao intra-humanitria, entre os participantes. O referido
elevado grau de coordenao intra-humanitria por ns definido como sendo uma
relao entre as organizaes que ultrapassa a partilha de informao e que implique
uma poltica concertada (Vysotskaya Guedes Vieira/Lange 2012) (Peters 1998). Apesar
de existirem contributos que incidem sobre a definio da eficcia na AH, verificamos
lacunas quando se considera a eficcia atravs do prisma da coordenao intra-
humanitria entre vrios atores humanitrios.
A ausncia de concertao relativamente ao qual ser o caminho rumo a eficcia,
conduz-nos a problemtica da duplicao de trabalho das organizaes e outros atores
25 Capitulo I Desmistificando a ajuda humanitria noes introdutrias
humanitrios, que est to manifestamente presente na AH contempornea. Entretanto,
este argumento, no infundado ou ilgico, representa apenas uma pea de um
complexo puzzle: O problema da coordenao intra-humanitria no se esgota na
questo da eliminao da duplicao dos esforos. De qualquer modo, necessria uma
autoridade que compile todos os elementos participantes como um todo, ou seja, que
coordene todos os atores participantes da AH. Continuaremos a afirmar no decorrer
deste trabalho que a ONU tm capacidade e poder para assumir esta posio e que esta
representa um elemento fundamental na arquitetura da AH, apesar de (e tambm por
causa de) todos os desafios com que a ONU se depara na AH. Primeiramente, no caso
dos atores humanitrios, a busca pela eficcia passa por um conjunto de conferncias e
acordos que procuram uma convergncia de ideias e aes. Transpondo estes esforos
para a nossa perspetiva, poderemos dizer que este empenho caminha rumo
coordenao intra-humanitria.27
Quanto aos acadmicos, estes ao referirem os doadores e recetores, tal como
supracitado, defendem que os objetivos so interdependentes e portanto requerem uma
coordenao intra-humanitria entre ambos. A oferta de assistncia dos doadores
demonstra um voto de confiana aquando os recetores assumem o compromisso de
investir numa AH rumo ao crescimento econmico. Como resultado, este esforo exige
um objetivo comum e requer tambm que ambas as partes se disponibilizem para
recorrer aos meios necessrios para coordenar e atingir os objetivos, ou seja, que
estejam preparados para uma coordenao intra-humanitria.
Finalmente, quando se d primazia eficcia no desenvolvimento humano,
demonstra-se a necessidade de exigir um esforo multidireccionado e uma constante
repartio de recursos. Na organizao da AH rumo a eficcia, as reas de atuao so
divididas por clusters, que so compostas por organizaes especializadas e capacitadas
para potencializar o uso dos recursos disponibilizados. A existncia desta estrutura exige
que seja superado o desafio de estabelecer uma coordenao intra-humanitria dentro e
entre clusters.
Verificamos na anlise das perspetivas da eficcia anteriormente apresentadas
uma correlao com a posio assumida nesta dissertao onde a coordenao intra-
humanitria o meio para uma AH eficaz.
27
Este um dos resultados que verificamos na reforma da ONU, em que se procura uma maior coordenao entre as organizaes,
sendo estabelecidas prioridades e traados os meios pelos quais estas sero cumpridas.
2.1. Os antecendentes institucionas reforma humanitria
26
27 Capitulo II Reforma humanitria
Captulo II
Reforma humanitria
A nova conjuntura internacional requer uma mudana na arquitetura da AH, o
que por sua vez exige uma adaptao por parte da comunidade internacional. Neste
captulo estudar-se- a forma como a ONU leva a cabo a RH, que representa uma
mudana na AH e que implica uma adaptao dos atores ao novo sistema da AH.
Os recentes discursos humanitrios alertam para a nova realidade internacional
que caracterizada por um conjunto dos fatores que incluem, a alterao da natureza
dos conflitos, crescente nmero de emergncias e catstrofes naturais, incremento das
necessidades, crescente nmero de atores internacionais, escassez de recursos e ainda
uma crescente disparidade entre pases pobres e ricos (comummente caracterizada por
Norte Sul). A alterao das dinmicas da poltica internacional e em especial a crise
econmica e financeira mundial, tem repercusses devastadores em todos os pases mas
em especial nos pases com indicadores de desenvolvimento abaixo da mdia.
Tal como toda a comunidade internacional, a ONU afetada por esta nova
realidade na qual se impe a necessidade de reforma como advoga Adinolfi, et al.:
O mundo precisa de uma estrutura coerente, forte e multilateral com a ONU no centro, para enfrentar os desafios de assistncia ao desenvolvimento, a
AH e meio ambiente em mundo globalizado. A ONU precisa de superar a
sua fragmentao atual e se apresentar como uma. (2005)
Com a anterior criao de um novo organismo de coordenao, IASC, o passo
seguinte liderado por Jan Eg
Recommended