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Universidade Presbiteriana Mackenzie
Lucélia Fagundes Fernandes Noronha
A REPRESENTAÇÃO DA DEFICIÊNCIA NA LITERATURA
INFANTO-JUVENIL NOS TEMPOS DE INCLUSÃO
São Paulo 2006
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LUCÉLIA FAGUNDES FERNANDES NORONHA
A REPRESENTAÇÃO DA DEFICIÊNCIA NA LITERATURA
INFANTO-JUVENIL NOS TEMPOS DE INCLUSÃO
Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Eloisa Famá D´Antino
São Paulo 2006
LUCÉLIA FAGUNDES FERNANDES NORONHA
A REPRESENTAÇÃO DA DEFICIÊNCIA NA LITERATURA
INFANTO-JUVENIL NOS TEMPOS DE INCLUSÃO
Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento.
Aprovada em _______/_________/___________
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________ Profª. Dr ª. Maria Eloísa Famá D´Antino
Universidade Presbiteriana Mackenzie
____________________________________________
Profª. Dr ª. Maria Ignes Carlos Magno Universidade Anhembi Morumbi
__________________________________________________ Profª. Dr ª. Claudia Stella
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Ao Pedro, luz de minha vida, com o desejo que ele seja um leitor crítico.
Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem tratar sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpi, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência ou tecnologia, sem assombro em fase do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível... (Paulo Freire)
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu impulsor maior.
À AMAE, particularmente à presidenta Nice Leana Ranzoni, pela bolsa
de estudos integral que me permitiu realizar essa pesquisa.
À minha orientadora professora Eloi, pelo respeito às minhas idéias, pela
disponibilidade, generosidade e competência que me acompanhou.
Aos professores do programa, por me terem propiciado tantos
momentos de descoberta e aprendizagem.
Aos professores Mazzotta e Silvana, pelo convívio precioso e
enriquecedor no grupo de pesquisa.
À professora Elcie, pela competência e humildade que compartilha seus
saberes.
Às professoras: Maria Ignes e Claudia Stella, pelas valiosas
contribuições no exame de qualificação.
Ao Mackpesquisa, pelo apoio financeiro.
Às amigas que fiz, Madalena pelo intenso convívio durante as aulas,
Thais pelo apoio e companheirismo de sempre, à Célia, preciosa descoberta, pela
amizade sincera, disponibilidade e acolhida e, como não poderia deixar de ser, meu
abraço a todas as colegas com quem tive o prazer de conviver no decorrer de curso.
Um agradecimento especial ao Roberto Noronha, pela história de amor
que estamos escrevendo juntos, pelo apoio e colaboração em mais essa jornada, e
principalmente, pela paciência e bom humor que conviveu com minhas tantas
variações de humor nesses dois anos de curso.
Aos amigos da Amae, Marcos, Jacinta e Ciana pelo apoio e confiança no
meu trabalho.
Ao meu filho Pedro, personagem mais importante de minha história, por
deixar meus dias mais alegres, minha vida mais intensa e, principalmente, por
existir na minha vida.
Aos meus pais, por uma vida amorosamente vivida, pelo declarado
orgulho e amor incondicional e pelo incentivo e torcida em mais essa jornada.
À minha irmã Duta, grande amiga, pelas longas conversas nas
madrugadas que tanto me conforta e ameniza a saudade dos muitos quilômetros de
distância que nos separa.
À minha irmã Sola, pela discreta torcida e declarado amor.
À amiga Simone, pela disponibilidade e apoio de sempre.
À Kazue, chefe do departamento de pesquisa da biblioteca Monteiro
Lobato pela colaboração na busca do corpus do estudo.
Ao senhor Zeco proprietário da livraria Ubaldo pela colaboração na busca
do corpus do estudo.
À Geraldina por ter acreditado e estendido à mão a uma jovem com muita
garra e vontade de trabalhar.
Ao senhor Hans e D. Beatriz, pais da Adriana, pela confiança no meu
trabalho e genuíno interesse a minha vida acadêmica.
E finalmente quero agradecer a todos os personagens que atuaram
comigo nessa história como coadjuvantes ou protagonistas: profissionais, amigos,
familiares, pessoas... Na impossibilidade de citar todos os nomes, um sincero,
obrigada a todos.
RESUMO
Este estudo teve por objetivo analisar como a deficiência está representada na
literatura infanto-juvenil nos livros escritos por autores brasileiros editados pela
primeira vez nos anos entre 1996 e 2006. Partindo da hipótese inicial que nesse
momento histórico, em que se pensa em inclusão escolar e social da pessoa com
deficiência como ideal de cidadania, a literatura infanto-juvenil, sendo um produto
cultural presente na vida das crianças, pode contribuir tanto para diminuir como para
disseminar o preconceito em relação à deficiência. Antes de se chegar ao resultado
foi percorrido um caminho visando evidenciar as definições acerca de deficiência, de
preconceito, de estereótipo e estigma, bem como acerca da inclusão. Buscou, ainda,
nesse caminho teórico alguns fundamentos referentes à cultura, sociedade,
educação e da teoria da representação social. A metodologia adotada envolveu um
tratamento quantitativo e qualitativo dos dados coletados e, para a realização da
análise dos mesmos, foram utilizados parâmetros complexos e interativos em
relação a categorias propostas, envolvendo: o narrador, a trama, a narrativa, o tipo
de discurso, o tipo de deficiência ou diferença, os personagens no contexto
dramático, as características e ações, a nomeação, os campos de atribuições dos
fenômenos na etiologia da deficiência e no desfecho da história. Os dados foram
apresentados por meio de sinopses da história, da respectiva ficha de exploração do
material, do resultado quantitativo e de análise qualitativa. A realização da análise de
conteúdo das histórias, revelaram-se pelo menos três tendências: Histórias livres de
preconceito, histórias denunciadoras e imunes a preconceitos e histórias
denunciadoras, mas, simultaneamente, perpetuadoras de preconceitos, estereótipos
e/ou estigmas em relação à deficiência. Com esta pesquisa foi possível extrair um
pouco desse veio inesgotável, desse rico material e dessa fonte de encantamento
dos livros infanto-juvenis, que podem ser simultaneamente, fonte de prazer, de
reflexão e de crítica.
Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil. Deficiência. Preconceito. Inclusão.
ABSTRACT
The purpose of this study is to analyze how impairment was showed in the infant
juvenile literature in the books published to Brazilian authors for the first time in the
years from 1996 to 2006. Coming from the initial hypothesis that in this historical
moment, in which social and school inclusion of the impaired person as an ideal of
citizenship are thought, infant juvenile literature, being a cultural product present in
kids‟ lives may contribute to diminish as well as to disseminate prejudice in relation to
handicap. Before getting to the result a way aiming at highlighting the definitions
about impairment, about prejudice, about stereotypes and stigma was taken, as well
as about inclusion. In this theoretical way, still, some fundaments about culture,
society and education in the social representing theory were searched. The
methodology adopted involved a quantitative and qualitative treatment of the data
collected and for the performing of an analysis of the same, complex and interactive
parameters were used in relation to the categories proposed, involving: the narrator,
the plot, the type of discourse, the type of impairment or difference, the characters in
dramatic context, the characteristics and actions, the nomination, the attribution fields
of the phenomena in the etiology of impairment and in the closure of the story. The
data were presented by a summary of the story, respective card of material
exploration, of the quantitative result and qualitative analysis. After performing the
content analysis of the stories, three tendencies were revealed: stories free from
prejudice, denouncing stories, but simultaneously, perpetuators of prejudice,
stereotypes and/or stigmas in relation to impairment. With this research it was
possible to extract a little from this unending vein, of this rich material and this
enchantment source of juvenile books, which might be simultaneously, source of
pleasure, reflection and of critics.
Keywords: Infant Juvenile Literature. Handicap. Prejudice. Inclusion.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Páginas ilustradas in: “Benedito” ............................................................... 58
Figura 2: Páginas ilustradas in: “O Muro” ................................................................. 62
Figura 3: Páginas ilustradas in: “Criança Genial” ..................................................... 65
Figura 4: Páginas ilustradas in: “Anjinho” ................................................................. 68
Figura 5: Páginas Ilustradas in: “Draguinho - diferente de todos parecido com
ninguém” .................................................................................................................. 71
Figura 6: Páginas Ilustradas “O dragão que era galinha d´angola” .......................... 75
Figura 7: Páginas Ilustradas in: “Dorina viu”............................................................. 78
Figura 8: Páginas ilustradas in: “O menino que via com as mãos” ........................... 81
Figura 9: Páginas Ilustradas in: “O louco do meu bairro” ......................................... 84
Figura 10: Páginas ilustradas in: “Aventura no escuro” ............................................ 88
Figura 11: Páginas ilustradas in: “O distraído sabido” .............................................. 92
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Corpus do estudo .................................................................................... 52
Quadro 2: Roteiro para exploração do material ........................................................ 53
Quadro 3: Indicadores “Benedito” ............................................................................ 61
Quadro 4: Indicadores “O Muro” ............................................................................... 64
Quadro 5: Indicadores “Criança Genial” ................................................................... 67
Quadro 6: Indicadores “Anjinho” ............................................................................... 70
Quadro 7: Indicadores “Draguinho - diferente de todos parecido com ninguém” ..... 74
Quadro 8: Indicadores “O Dragão que era galinha – d´angola”................................ 77
Quadro 9: Indicadores “Dorina viu” .......................................................................... 80
Quadro 10: Indicadores “O menino que via com as mãos” ...................................... 83
Quadro 11: Indicadores “O louco do meu bairro” ..................................................... 87
Quadro 12: Indicadores “Aventura no escuro”.......................................................... 91
Quadro 13: Indicadores “O distraído sabido”............................................................ 94
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Caracterização da História ...................................................................... 96
Tabela 2 - Categorização de Personagens ............................................................. 97
Tabela 3 - Campos de Atribuições dos Fenômenos Correlacionados ..................... 98
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................ 18
2.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DE DEFINIÇÕES DE DEFICIÊNCIA .................. 18
2.2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DE PRECONCEITOS, ESTEREÓTIPOS E
ESTIGMAS ............................................................................................................... 25
2.3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA INCLUSÃO ................................................... 30
2.4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DE CULTURA E EDUCAÇÃO .......................... 35
2.5 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL ....................... 44
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.............................................................. 48
3.1 DELINEANDO UM PROCESSO ........................................................................ 48
3.1.1 Seleção das Editoras .................................................................................... 48
3.1.2 Levantamento das Publicações de Literatura Infanto-Juvenil nas
Três Editoras ......................................................................................................... 50
3.1.3 Eleição do Corpus ........................................................................................ 50
3.1.4 Apresentação dos Indicadores para Análise .............................................. 53
3.2 EXPLORAÇÃO DO MATERIAL ......................................................................... 56
3.3 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS, PRÉ-ANÁLISE .................................. 95
3.4 ANÁLISE QUALITATIVA .................................................................................... 99
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 117
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 122
13
1 INTRODUÇÃO
Escrever existe por si mesmo? Não é apenas um reflexo de uma coisa que pergunta... Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou sabe. Perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidade do mar. (Clarice Lispector)
Era uma vez uma pedagoga que queria saber mais. Refazer caminhos, trilhar
uma nova estrada, uma jornada com encruzilhadas, subidas, curvas e percalços. Como
também, grandes retas, descidas, plenitudes e novos horizontes. Com a intenção de
trazer à tona como a deficiência está sendo representada ou apresentada às crianças na
voz dos personagens de literatura infanto-juvenil nos tempos de inclusão.
Este estudo tem como objetivo, analisar como a deficiência está representada
na literatura infanto-juvenil nos livros escritos por autores brasileiros editados pela
primeira vez nos anos entre 1996 e 2006.
O período delimitado de 1996 a 2006 refere-se a uma década que,
justamente, passa a vigorar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº
9394 de 1996. Tal legislação traz, pela primeira vez na história de políticas públicas
brasileira, um capítulo inteiro exclusivamente voltado à Educação Especial. É sabido que
os movimentos em favor da inclusão escolar e social da pessoa com deficiência não
surgiram nesse momento, trata-se de uma longa trajetória. Entretanto, para fins desta
pesquisa este foi um marco importante para o entrelaçamento da oficialização do
processo de inclusão com a produção cultural, mais especificamente da produção da
literatura infanto-juvenil e a possível presença de personagens que apresentam
diferenças ou deficiências.
No transcorrer de uma trajetória de doze anos de trabalho com Educação
Especial, tem se observado, que, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
14
Nacional (LDB Nº 9.394/ 96), os movimentos que acenam para inclusão da pessoa com
deficiência como ideal de cidadania, vem se intensificando, dentro e fora dos espaços
escolares. Segundo Carvalho (1997) entre algumas considerações sobre essa nova lei,
ressalta que na sua totalidade avança, basicamente, por sua flexibilidade e abertura a
algumas inovações. O Capítulo V da referida lei é todo destinado à Educação Especial
e à garantia de participação das pessoas com deficiência no âmbito educacional.
Segundo Ferreira (1998) o fato de a nova LDB reservar um capítulo exclusivo
para a Educação Especial parece relevante para uma área tão pouco contemplada,
historicamente, no conjunto das políticas públicas brasileiras, com o vigor da LDB
intensificaram-se os movimentos da sociedade civil e do poder público em direção ao
processo de inclusão escolar e social da pessoa com deficiência. Entretanto, sabe-se
que este assunto não é novo e deve-se atentar para não tomá-lo como um modismo,
mas sim como um ideal de cidadania a ser alcançado. Dizendo isso se recorre a
Mazzotta (2002, p. 10) quando afirma que há muito tempo vem discutindo “a
necessidade e defendendo a importância de cada cidadão estar junto com os demais em
todos os contextos da vida social”. Este autor defende a idéia de inclusão escolar muito
antes da LDB de 1996, conforme se pode encontrar em seus trabalhos anteriores (1982,
1985, 1987).
Acredita-se que um dos caminhos possíveis e necessários para favorecer a
inclusão escolar e social da pessoa com deficiência é cuidar das informações que
chegam às crianças, a respeito da deficiência, pelos produtos culturais. Pucci (1998, p.
90) afirma que, “cultura ao mesmo tempo em que compreende o conjunto de criações
espirituais (intelectuais, artísticas e religiosas) traz em si a exigência de formar seres
humanos que por sua vez são consumidores/ criadores da cultura”. A atual sociedade
está atrelada à repetição, ao modismo, disseminados pelos meios de comunicação,
sociedade do espetáculo onde o ter vale mais que o ser, e a necessidade de dominação
15
é inerente ao sistema social, uma sociedade onde o poder do capital é o imperador das
relações humanas.
Segundo Adorno (1996) a universalização do mercado, a contradição entre a
formação cultural e a sociedade de consumo não apresenta como resultado a não
cultura, o não saber e sim a semicultura.
É nesse contexto, culturalmente propício à alienação, que está o grande
desafio da educação de formar cidadãos críticos e emancipados.
A literatura infanto-juvenil é um produto da cultura presente na vida das
crianças, dentro e fora da escola. Discutir as relações entre o papel da literatura infanto-
juvenil, e a escola, decorre da possibilidade de ambas compartilharem um aspecto em
comum: a natureza formativa.
De todas as questões observadas no decorrer destes anos de trabalho junto à
pessoa com deficiência, uma pergunta foi se configurando como muito instigante,
especialmente após entrar em contato com a Tese de Doutorado de Amaral (1992), com
o título: “Espelho convexo: o corpo desviante no imaginário coletivo, pela voz da
literatura infanto-juvenil”.
E a pergunta que se colocou e que deu origem a essa pesquisa foi: de que
forma ou formas a deficiência foi representada na literatura infanto-juvenil nos livros
editados no Brasil nos anos entre 1996 e 2006?
Pensando na leitura como fonte de conhecimento, e no livro como a interface
entre o leitor e as idéias ali contidas, a literatura infanto-juvenil pode ser um canal de
formação e informação das crianças e jovens, entretanto, se essas histórias,
representarem a deficiência com elementos explícitos e implícitos geradoras,
propiciadoras e solidificadores de estereótipos e preconceito com relação à deficiência,
não estarão condizentes com o momento em que se vislumbra a inclusão escolar e
social da pessoa com deficiência. Conforme alerta Amaral. “O único alicerce possível
16
para a real integração da pessoa com deficiência repousa nos bancos escolares, nesse
convívio precoce com as pessoas diferentes - estejam elas ali em carne e osso ou
materializadas nessa maravilhosa aventura de: LER”. (AMARAL, 1994, p. 62)
O referido estudo de AMARAL (1992) analisou 47 histórias destinadas ao
público infanto-juvenil, escritas por autores brasileiros e editadas pela primeira vez entre
1971 e 1991. Nele, a autora confirmou sua hipótese de que na literatura infanto-juvenil
há elementos (implícitos e explícitos) que configuram representações do corpo
desviante, geradoras ou propiciadoras de cristalizações de estereótipos, denunciadoras
de atitudes e preconceitos frente à diferença corporal e perpetuadora de estigma e de
leituras maniqueístas.
Um levantamento bibliográfico preliminar foi realizado, não tendo sido
encontrado nenhuma outra produção acadêmica posterior a de Amaral, tratando
especificamente da representação da deficiência na literatura infanto-juvenil, ficando
evidente a necessidade de um estudo como esse que se propõe investigar a
representação da deficiência nas histórias voltadas ao público infanto-juvenil, nos tempos
de Inclusão.
Este estudo parte da hipótese que, nesse momento histórico em que se pensa
na inclusão escolar e social da pessoa com deficiência como ideal de cidadania, a
literatura infanto-juvenil, sendo um produto cultural presente na vida das crianças, pode
contribuir tanto para diminuir como para disseminar o preconceito em relação à
deficiência.
Autores que defendem a hipótese de contato partem do pressuposto que o
convívio de pessoas, com características distintas, pode diminuir o preconceito. Contudo,
é importante ressaltar que esses autores apontam que o mero contato não basta, é
necessário que as condições para ele sejam frutíferas. Sem determinadas condições
corre-se o risco de reforçar aquilo que se está tentando combater. Ou seja, por meio do
17
contato, tanto pode diminuir como aumentar o preconceito em relação à pessoa com
deficiência. Se o preconceito não é inato o contato mesmo que por intermédio dos
personagens de histórias infanto-juvenil pode de fato auxiliar a criança a perceber que o
outro é diferente dela, sem que isso impeça o relacionamento e a inclusão do
personagem diferente deficiente em seu cotidiano. Contudo, essa relação pode ser
prejudicada pela maneira que o preconceito é disseminado.
Segundo Amaral (1994) as ações e comportamentos discriminatórios dirigidos
à pessoa com deficiência acontecem nas relações interpessoais mediadas pelos
estereótipos que, por sua vez, são frutos de preconceitos que, como o próprio nome diz,
referem-se a conceito pré-existente, desvinculado de uma ação concreta. Nesse sentido
percebe-se a necessidade de se atentar para as informações que estão chegando às
crianças nesse momento atual, ou seja, de que maneira a deficiência está sendo
representada ou apresentada, na voz de personagens da literatura infantil e juvenil.
Todavia, o desfecho desta investigação, não tem a intenção, de banir a
literatura infanto-juvenil, coibir seu uso, tampouco apontar ou culpabilizar seus autores,
ao contrário, a eles todo respeito e agradecimento por disponibilizar sua sensibilidade e
imaginação para que todos possam usufruir.
A relevância social deste estudo está em subsidiar o trabalho de educadores,
pais, bibliotecários, no sentido de propor uma leitura crítica das obras, por parte dos seus
jovens leitores.
Enfatiza-se a postura de um leitor crítico, leitor interprete capaz de ler, fazer
uma segunda leitura do que foi lido, trazer à baila, por meio do encontro, leitor/autor e
personagem diferente/deficiente reflexões que possam contribuir na organização de uma
sociedade mais consciente, capaz de aceitar e conviver bem com as diferenças. Para
que todos possam pelo menos o quanto possível, viverem felizes para sempre...
18
2 FUNDAMENTAÇÂO TEÓRICA
É próprio ao trabalho vincular-me a uma tarefa precisa finita; é lá que mostro aquilo que posso; e mostro aquilo que posso fazendo algo de limitado; é o “finito” de meu trabalho que me revela aos outros e a min mesmo. (Paul Ricoeur)
2.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DE DEFINIÇÕES DE DEFICIÊNCIA
A princípio se faz necessário trazer para esse estudo as definições conceituais
e terminológicas sobre a condição de deficiência. Para tanto, pautamos na literatura
pertinente e que serão, também, norteadoras desse trabalho, começando por conceituar
a deficiência a partir da classificação internacional das deficiências, incapacidades e
desvantagens (Handicap) – CIDID, de 1989, seguindo em âmbito nacional, o decreto de
nº. 3.298, de 1999, que regulamenta a Lei nº. 7.853, de 24 de outubro de 1989,
retomando a OMS (2003) em que se propõe em âmbito internacional, a Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e para o fechamento
acerca do conceito de deficiência busca-se Amaral (1992), quando trabalha os conceitos
da OMS em dois conceitos, deficiência primária e deficiência secundária.
A classificação internacional das deficiências, incapacidades e desvantagens
(Handicap) – CIDID, de 1989 traz as seguintes definições:
DEFICIÊNCIA: No domínio da saúde, deficiência representa qualquer perda
ou anormalidade da estrutura ou função Psicológica, física ou anatômica.
INCAPACIDADE: No domínio da saúde, incapacidade corresponde a qualquer
redução ou falta (resultante de uma deficiência) de capacidade para exercer uma
atividade de forma ou dentro dos limites considerados normais para o ser humano.
19
DESVANTAGEM (HANDICAP): no domínio da saúde, desvantagem
(handicap) representa um impedimento sofrido por um dado individuo resultante de uma
deficiência ou de uma incapacidade, que lhe limita ou lhe impede o desempenho de uma
atividade considerada normal para esse indivíduo, tendo em atenção à idade, sexo e os
fatores socioculturais.
No âmbito nacional, o decreto de nº 3.298, de 1999, que regulamenta a Lei nº
7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre Política Nacional para integração da
pessoa portadora de deficiência, e traz em seu artigo 3º a seguinte definição:
Deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica que gera incapacidade para o desempenho de
atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano;
I - Deficiência permanente – aquela que ocorre ou se estabilizou durante um
período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que
se altere, apesar de novos tratamentos:
II - Incapacidade - uma redução efetiva e acentuada da capacidade de
integração social, com necessidade de equipamentos adaptações, meios ou recursos
especiais para que a pessoa com deficiência possa receber ou transmitir informações
necessárias ao seu bem estar pessoal e ao desempenho de função e atividade exercida.
O mesmo decreto (BRASIL, 1999) considera como pessoa portadora de
deficiência aquela que se enquadra nas seguintes categorias:
- Deficiência física: entendida como alteração completa ou parcial de um ou
mais segmento do corpo humano, acarretando o comprometimento da
função física, apresentando-se sob várias formas, exceto as deformidades
estéticas e as dificuldades para o desempenho das funções.
20
- Deficiência auditiva: definida como perda parcial ou total das
possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis.
- Deficiência visual: representada por acuidade visual igual ou menor que
20/200 no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a
20% (segundo a tabela de Snellen) ou ocorrências simultâneas de ambas
as situações.
- Deficiência mental: Funcionamento intelectual significativamente inferior à
média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a
duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, habilidades adaptativas,
tais como comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização da
comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer e trabalho.
- Deficiência Múltipla: como resultado da associação de duas ou mais
deficiências.
Atualmente a OMS (2003) propõe, em âmbito internacional, a Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), como atualização,
ampliação e flexibilização das definições contidas no âmbito da classificação
internacional das deficiências, incapacidades e desvantagens (Handicap) – CIDID, de
1989.
Assim, a CIF apresenta as seguintes definições:
DEFICIÊNCIA: São problemas nas funções ou nas estruturas do corpo como
um desvio significativo ou uma perda.
As funções do corpo são as funções fisiológicas dos sistemas orgânicos
(incluindo as funções psicológicas),
Estruturas do corpo são as partes anatômicas do corpo como órgãos,
membros e seus componentes.
21
As funções e estruturas do corpo são classificadas em duas seções diferentes.
Essas classificações são elaboradas para serem utilizadas em paralelo. Por exemplo, as
funções da visão e suas estruturas correlatas a aparecem na forma de olho e estruturas
relacionadas.
Corpo refere-se ao organismo humano como um todo. Assim, ele inclui o
cérebro e suas funções, isto é, a mente.
As funções mentais (ou psicológicas) são, portanto, incluídas nas funções do
corpo.
As funções e estruturas do corpo são classificadas de acordo com os
sistemas orgânicos, conseqüentemente, as estruturas corporais não são consideradas
como órgãos.
As deficiências de estruturas podem constituir uma anomalia, defeito, perda
ou desvio importante nas estruturas corporais. As deficiências foram definidas de acordo
com os conhecimentos biológicos em nível de tecidos ou células e em nível sub-celular ou
molecular. Por motivos práticos, no entanto, esses níveis não estão classificados. As
bases biológicas das deficiências orientaram essa classificação, e é possível expandir a
classificação para incluir os níveis celular ou molecular. Do ponto de vista médico, deve-se
ter em mente que as deficiências não são equivalentes à doença de base, mas sim a
manifestação dessas patologias.
As deficiências correspondem a um desvio dos padrões populacionais
geralmente aceitos no estádio biomédico do corpo e das suas funções. A definição dos
seus componentes é feita principalmente por aqueles qualificados para julgar a função
física e mental, de acordo com esses padrões.
As deficiências podem ser temporárias ou permanentes, progressivas,
regressivas, ou estáveis, intermitentes ou contínuas. O desvio em relação ao modelo
baseado na população pode ser leve ou grave e pode flutuar ao longo do tempo.
22
As deficiências não têm uma relação causal com a etiologia ou com a forma
como se desenvolverem. Por exemplo, a perda de uma visão ou de um membro pode
resultar de uma anomalia genética ou uma lesão. A presença de uma deficiência implica
necessariamente uma causa. No entanto a causa pode não ser suficiente para explicar a
deficiência resultante. Da mesma forma, quando há uma deficiência, há uma disfunção
das funções ou estruturas do corpo, mas isso pode estar relacionado a qualquer doença
distúrbio ou estado fisiológico.
As deficiências podem ser partes ou expressão de uma condição de saúde,
mas não indicam necessariamente a presença de uma doença ou que o indivíduo deve ser
considerado doente.
As deficiências são mais amplas e abrangentes no seu escopo que distúrbios
ou doenças. Por exemplo, a perda de uma perna é uma deficiência de uma estrutura do
corpo, mas não um distúrbio ou doença.
Como uma classificação a CIF ( OMS, 2003) não estabelece um modelo de
“processo” de funcionalidade e incapacidade. No entanto ela pode ser utilizada para
descrever o processo fornecendo os meios para a descrição dos diferentes construtos e
domínios. Ela se constitui em uma abordagem com múltiplas perspectivas de
classificação da funcionalidade e da incapacidade, entendendo-a como um processo
interativo e evolutivo.
Como é possível observar, as definições de deficiências são baseadas em
modelos médicos e vem sofrendo alterações ao longo do tempo, mas, até mesmo a CIF,
versão bem recente e última classificação apresentada pela OMS, ainda não dá conta de
pensar a pessoa em sua totalidade. Isto posto, recorre-se a Amaral (1992) quando
afirma que “embora sempre cautelosa em relação à categorização, algumas vezes não
há como nem por que não lançar mão delas para melhor (e às vezes provisória)
compreensão de qualquer questão ou problema que se coloque”(AMARAL,1992, p. 51).
23
Dadas às definições baseadas no modelo médico da deficiência, que são
indiscutivelmente importantes, discutí-las e analisá-las é algo que este trabalho não se
propõe a fazer. Porém, como esta pesquisa se insere no segmento de barreiras
atitudinais, busca-se Amaral (1992), quando trabalha os conceitos da OMS em dois
outros conceitos, deficiência primária e deficiência secundária.
Deficiência Primária: engloba a deficiência (dano ou anormalidade de estrutura ou função) e a incapacidade (restrição/ perda de atividade). Trata- se, portanto de um elemento ou fenômeno que engloba os fatores intrínsecos, as limitações em si... Deficiência secundária: esta referida ao conceito de desvantagem, bem como ao de invalidez (o primeiro ligando-se à idéia de desvantagem propriamente dita e o segundo à de impossibilidade drástica) incidem sobre ela, basicamente fatores extrínsecos . Ou seja, a deficiência secundária é aquela não inerente necessariamente a diferença em si, mas ligada à leitura social que é feita dessa diferença. Incluem-se aqui as significações afetivas, emocionais, intelectuais e sociais que o grupo atribui a dada diferença. (AMARAL, 1992, p. 56-57)
Assim, é importante assinalar que a deficiência secundária ligando-se à
situação de desvantagem, está impregnada dos valores sociais existentes, os quais
remetem à própria organização institucional da sociedade.
Como se vê, a conceituação universal só é possível para deficiência primária,
sendo a deficiência secundária possível de leituras específicas, em função do binômio
espaço-tempo.
E mais que isso: mesmo que irreversíveis e não compensáveis, as limitações
ligadas à deficiência primária segundo vários autores – por si só não impedem realmente
o desenvolvimento e a vida plena, considerando-se apenas formas e ritmos específicos.
Inversamente reconhece-se que a deficiência secundária pode impedir esse
desenvolvimento e essa vida plena, ao aprisionar a pessoa numa rede que poucas vezes
tem a ver com a deficiência: a rede constituída e constituidora das barreiras atitudinais:
preconceito, estereótipos e estigmas.
Em se tratando, ainda, de definições e terminologias, um esclarecimento se
faz necessário. Está sendo adotada nesse trabalho a expressão: pessoa com
24
deficiência. Esclarecendo que nas leis e documentos oficiais a expressão mais utilizada
atualmente para se referir a esse tipo de população é: portador de deficiência. Entende-
se que portar não parece o termo mais adequado para deficiência, já que, quando
alguém porta alguma coisa pode se desfazer dela quando quiser ou for lhe conveniente
o que não pode ser feito em relação à deficiência que a pessoa apresenta. Conforme
esclarece D´Antino:
Pelo verbo portar, do latim portare, significando carregar, levar, conduzir. Assim penso que a expressão (esta sim) “porta” impropriedades posto que, por maiores (e mais pesadas) que sejam as necessidades das pessoas, não se constituem em objetos que devem ser carregados, levados, ou conduzidos. Melhor expressado: necessidade não me parece algo possível de ser carregado, mas. No caso em questão, um direito a ser conquistado por corresponder a especificidades. (D´ANTINO, 2001, p. 182)
Portar traz implícita a idéia de carregar algo que por ser especial não cabe em
lugar comum. Pode reforçar a idéia de exclusão do diferente, ao pressupor uma falta
que talvez exceda em muito a dimensão dela própria. O mesmo se estende a expressão,
pessoas com necessidades especiais, o que pode não corresponder com a realidade, à
expressão denuncia um intolerância inadmissível do ponto de vista social.
Após esse recorte para esclarecer determinada apropriação terminológica,
retoma-se às definições das questões atitudinais, acreditando com Amaral que:
Embora seja importante a reflexão sobre os nomes dados às coisas, no intuito de buscar um aprimoramento na forma de denominá-las e de substituir aquelas que no uso cotidiano, se impregnaram de conotações tão somente pejorativas, esse denominar é apenas a ponta do iceberg, pois a grande massa gélida que esconde nas profundezas do oceano da convivência humana é constituída muito mais por atitudes que denominações. (AMARAL, 1999, p. 5)
De forma que, no próximo item, serão discutidas as relações sociais mediadas
pelo preconceito, estereótipos e estigmas, à luz de autores como: Amaral, D`Antino,
Crochik e Goffmanl.
25
2.2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DE PRECONCEITOS, ESTEREÓTIPOS E ESTIGMAS
Não vemos primeiro para depois definir, mas primeiro definimos para depois ver. (Walter Lippmann)
Nesse momento histórico há uma luta quase consensual em busca da
inclusão escolar e social da pessoa com deficiência, como um ideal de cidadania, ainda
assim há características na atual sociedade que apontam em direção contrária, e parece
que nem mesmo os prolíferos movimentos em favor da inclusão estão sendo capazes de
combater. Sobre esse contraste D´ANTINO, esclarece:
Afinal somos, sem exceção, fruto de uma sociedade formada pela somatória de indivíduos com toda sorte de diferenças, mas paradoxalmente, cultuada pela suposta igualdade impositivamente (e idealmente) determinada como padrão estético, reduzindo assim, ainda mais o espaço de convivência social de pessoas que apresentam diferenças significativas. (D`ANTINO, 2001, p. 59).
Se há tanta intolerância diante das diferenças menos significativas, o que
dizer diante da pessoa com deficiência, o sentimento ambivalente presente em todos nós
aflora quase que simultaneamente ao olhar, expressando o preconceito, a intolerância,
medo, piedade ou horror.
Segundo Amaral (1992) do ponto de vista psicológico, seja da ótica de quem
vê ou de quem a vive, a deficiência nunca passa em brancas nuvens. Ou seja, a
condição de deficiência ameaça, desorganiza, provoca uma hegemonia do emocional
sobre o racional. Com isso afloram-se nos indivíduos mecanismos psicológicos de
defesa frente à deficiência, que podem ser de fuga ou ataque. Baseado nos estudos de
Freud quanto às formas como a psique humana reage a uma experiência emocional
específica, Amaral, (1992, p. 64) lança mão de um esquema que ajuda a compreender a
cadeia de relações emocionais diante da deficiência, acionando os mecanismos
psicológicos de defesa, o qual é reproduzido a seguir:
26
Fluxograma: mecanismos psicológicos de Defesa Fonte: ( AMARAL, 1992, p. 64)
Diante de uma ameaça real ou simbólica, acionam-se os mecanismos de
defesa: o ataque seria o enfrentamento do inimigo, atacando-o e idealmente destruindo-
o. São comportamentos que se podem encontrar concretamente nas sociedades ou
comunidades sujeitas a éticas diferentes: em culturas chamadas primitivas, como em
algumas tribos onde, ainda hoje, crianças com deficiência são sacrificadas; ou mesmo
em tempos longínquos, em civilizações chamadas adiantadas, como Esparta, quando
essas crianças eram mortas por contrariarem os ideais de perfeição da época.
Comportamentos que podemos encontrar também no mundo animal, onde filhotes
imperfeitos são, na maioria das vezes, mortos. Também, atitudes factíveis em nosso
próprio universo cultural, quando, forças mais poderosas que a moral vigente, vencem:
extermínio de bruxas, judeus, negros... Por razões religiosas, econômicas, históricas...
Ataca - se o diferente, o inconveniente, e, com isso, liquida-se a ameaça representada
por eles.
Como nossa moral judaico-cristã, e, conseqüentemente, a escala de valores é
pautada por parâmetros diferentes, toma-se o segundo caminho, ou seja, o caminho da
fuga. Foge-se da questão da deficiência.
Amaral (1992,1995) continua nos mostrando que, do ponto de vista
psicológico, várias são as formas de se fugir ao problema-deficiência. Dentre elas a
27
rejeição pode ser pensada como tendo lugar de destaque, com o seu cortejo, o
abandono, a superproteção, a negação. Em se tratando de negação, esse mecanismo
de defesa poderá se constituir na forma de atenuação, compensação ou simulação.
A forma explícita da rejeição é o abandono, mas, ele não se caracteriza
necessariamente em sua forma literal, podendo ocorrer de um modo implícito ou indireto,
ou seja, pode se apresentar na forma de descaso, de não investimento, seja de amor, de
dedicação, de tempo...
Em relação à superproteção, apenas um assinalamento: a formação reativa
transforma o afeto em seu contrário. Tem como uma de suas principais características
(ou decorrência) o deslocamento do centro da relação para o protetor - ele é protagonista
da situação – desvitalizando o desprotegido-protegido, deslocando o eixo vital do outro
para si.
As três formas de apresentação do mecanismo de negação, ou seja,
atenuação, compensação e simulação podem ser acionados por qualquer um que, uma
vez em contato com a deficiência, entra em sofrimento psicológico. Assim, a própria
pessoa com deficiência, os familiares e os profissionais, em situação de sofrimento
psíquico lançam mão do poderoso mecanismo de negação, em suas diferentes formas.
A atenuação se expressa por comportamentos específicos, que poderiam ser ilustrados
por frases do tipo: poderia ser pior ou não é tão grave assim. A compensação pode ser
expressa, também, na forma verbal, tendo o, mas como a palavra-chave: fulano é
deficiente físico, mas tão inteligente ou ciclano tem deficiência visual, mas é tão bonito...
A última forma de negação apontada é a simulação, e esta é expressa pela
idéia contida em afirmações do gênero: é cega, mas é como se não fosse. Mas é,
continua sendo e a serviço de que, se não da negação está o como se.
As três formas de negação, anteriormente, citadas têm sido alguns
dos inomináveis que circundam a questão da deficiência. Inomináveis que interferem
28
inconscientemente (ou de forma inconfessa) nas relações estabelecidas, ou a se
estabelecer, entre os sujeitos sociais, quando um deles apresenta algum tipo de
deficiência, tornando difíceis e complexas a convivência e, conseqüentemente, a
inclusão destes no seio da sociedade.
Esses inomináveis, segundo Amaral (1992,1995) são potentes disfarces do
grande e principal inominável: a rejeição – conseqüência drástica (mas profundamente
humana) do medo e do mal-estar que a imperfeição tende a provocar.
As ações e comportamentos discriminatórios dirigidos à pessoa com
deficiência, concretizam-se, geralmente, nas relações interpessoais mediadas pelos
estereótipos, que funcionam como uma divisória entre as pessoas envolvidas na
situação.
Sobre preconceito e estereótipo Amaral (1995) esclarece:
O que é o preconceito senão uma atitude favorável ou desfavorável, positiva ou negativa anterior a qualquer conhecimento? O que é o estereótipo senão o julgamento qualitativo baseado no preconceito e, portanto, anterior a uma experiência pessoal? (AMARAL, 1995, p. 120)
No caso da deficiência, o preconceito pode estar aliado à aversão ao diferente
e os estereótipos, daí advindos, são atributos imputados à pessoa com deficiência e
generalizados, como estigmas.
Estigma, segundo Goffman (1988), diz respeito a uma marca que torna o
sujeito inabilitado para aceitação social plena. Segundo este autor, existe três tipos de
estigmas: as abominações do corpo, as várias deformidades físicas. As culpas de
caráter individual, percebidas como vontade fraca, paixões tirânicas ou não naturais,
crenças falsas e rígidas, desonestidade, sendo essas inferidas a partir de relatos
conhecidos de, por exemplo, distúrbio mental, prisão, vício, alcoolismo,
homossexualismo, desemprego, tentativas de suicídio e comportamento político radical.
29
E os estigmas tribais de raça, nação e religião, que podem ser transmitidos por meio de
linhagem e contaminar por igual todos os membros da família.
Entretanto, nos três tipos de estigmas os estigmatizados são concebidos
socialmente, conforme define Goffman:
Um indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço que pode se impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus. Ele possui um estigma, uma característica diferente da que havia previsto. (GOFFMAN, 1988, p. 14)
A partir das atitudes voltadas às pessoas com deficiência segue-se todo um
procedimento de exclusão ou segregação. Goffman diz que “tendemos a inferir uma
série de imperfeições a partir da imperfeição original e, ao mesmo tempo, a imputar o
interessado alguns atributos desejáveis, mas não desejados” (GOFFMAN, 1998, p. 15).
Entre os fenômenos psicossociais em pauta é importante explicitar o
desconhecimento. Pois este pode ser a matéria-prima para a perpetuação das atitudes
preconceituosas e das leituras estereotipadas da deficiência, seja o desconhecimento
relativo à deficiência, à pessoa com deficiência, ou às emoções e reações subseqüentes.
Sobre a formação de preconceito, Crochik esclarece que:
O que leva indivíduos desenvolver, preconceitos ou não, é possibilidade de ter experiências e refletir sobre se mesmo e sobre os outros nas relações sociais, facilitadas ou dificultadas pelas diversas instancias sociais, presentes no processo de socialização. A qualidade de ação dessas instâncias - famílias, escola, meios de comunicação de massa – se refere a como elas tratam com os táteis infantis e as fantasias a elas associadas no conhecimento de mundo. (CROCHIK, 2006, p. 19)
Autores que defendem a hipótese de contato partem do pressuposto que o
convívio de pessoas com características distintas pode diminuir o preconceito. Contudo é
importante ressaltar que esses autores como: Monteiro et al. (1996) apontam que o mero
contato não basta, são necessárias as condições para que seja frutífero:
Freqüência, diversidade, duração o estatuto do grupo dos membros em relação, Se essa e competitiva ou cooperativa, é de dominação ou de igualdade, se é voluntária se é real ou artificial, o tipo de personalidade do individuo e as áreas
30
do contato. Quando essas condições não existem esse contato pode ser ineficaz para a redução do preconceito ou ainda apresentar efeitos negativos. (MONTEIRO
1, 1996 Apud. LEON, 2001, p. 83)
Sem essas condições corre-se o risco de reforçar aquilo que se está tentando
combater.
Se o preconceito não é inato, pode ser que pela via do contato, mesmo que
seja por intermédio dos personagens de histórias infanto-juvenis a criança pode, de fato,
perceber que o outro é diferente dela, sem que isso impeça o bom relacionamento, ou
seja, por meio da leitura crítica das obras a criança pode inserir o personagem diferente
deficiente em seu cotidiano de maneira natural e espontânea, essa relação, contudo
pode ser dificultada pela forma que o preconceito vê é disseminado.
Diante da necessidade de conhecer melhor a forma como a deficiência está
sendo representada ou apresentada às crianças e jovens, na voz da literatura infanto-
juvenil, especialmente nesse momento que se acena para inclusão social como ideal de
cidadania, parece instigante um estudo sistemático das histórias infanto-juvenis.
No próximo item, descreveremos sobre a inclusão escolar e social da pessoa
com deficiência. Apresentaremos o capitulo V da LDB/96. Como referencial teórico,
pautamos nos documentos oficiais e autores como: Carvalho, Ferreira, Mazzotta,
Amaral, e Dens.
2.3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA INCLUSÃO
As pessoas gostam mais de reconhecer do que conhecer. (Jean Cocteau)
Muitas são as definições que circundam a temática da inclusão, há inclusive
diferentes posições entre autores e correntes teóricas sobre convergências e
1 MONTEIRO, M.B. „Conflito e Cooperação nas relações intergrupais‟. Ir. Vala, J., Monteiro, M.B. (coord.).
Psicologia Social, Lisboa, Fundação Caloust Gulbenkian: 309-352.
31
divergências acerca de conceitos de inclusão, de integração e de inserção social. Alguns
tratam os conceitos como sinônimos, outros como evolução de conceitos, atitudes e
metas, outros abordam apenas como mudanças terminológicas. Entretanto, nessa
discussão este trabalho não se propõe adentrar. Está sendo adotada, então, para fins
desta pesquisa, a definição de inclusão proposta pelo Ministério da Educação, Conselho
Nacional de Educação, por acreditar que abarca bem a temática em questão:
Entende-se por inclusão a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade. Sociedade essa que deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana e de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade em todas as dimensões da vida. (Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação. 2001 p. 8).
O presente estudo refere-se ao atual momento histórico de tempos de
inclusão, remetendo-se a um momento onde há prolíferos movimentos que acenam para
inclusão como ideal de cidadania, que está se intensificando a partir da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional – (LDB) de 1996.
É sabido que a inclusão social da pessoa com deficiência vem sendo discutida
e paulatinamente conquistada por movimentos sociais formados por grupos de interesse
que reivindicam direitos iguais em favor da pessoa com deficiência. Esse movimento de
conquistas legais passou por diferentes momentos históricos e vêm surgindo, a partir
destes, inclusive alterações terminológicas. Não faz muito tempo falava-se em
integração, hoje se fala em inclusão, mas o importante é compreender a necessidade de
todos compartilharem o mesmo espaço social. Nesse sentido recorre-se a Mazzotta
(2002) quando diz que:
Há muito tempo venho discutindo a necessidade e defendendo a importância de cada cidadão estar junto com os outros em todos os contextos da vida social. Entendo que inclusão é a base da vida social onde duas ou mais pessoas se propõe a, ou tem que conviver; já que muitas vezes o convívio não depende apenas da vontade individual. E, conviver implica a presença de duas ou mais pessoas. (MAZZOTTA, 2002, p. 10)
32
Como a proposta desse trabalho não visa um estudo histórico sistemático,
acerca da inclusão, está se propondo apresentar a LDB/96 como um marco histórico. No
Brasil, a partir dessa legislação, os movimentos em prol da inclusão se intensificaram,
tendo em vista a relevância da mesma para Educação Especial, Conforme afirma
Ferreira (1998):
O fato de a nova LDB reservar um capítulo exclusivo para a Educação Especial parece relevante para uma área tão pouco contemplada, historicamente, no conjunto das políticas públicas brasileiras. O relativo destaque recebido reafirma o direito à educação, pública e gratuita, das pessoas com deficiência, condutas típicas e altas habilidades. Nas leis 4.024/61 e 5.692/71 não se dava muita importância para essa modalidade educacional: em 1961, destacava-se o descompromisso do ensino público; em 1971, o texto apenas indicava um tratamento especial a ser regulamentado pelos Conselhos de Educação - processo que se estendeu ao longo daquela década. É certo que o registro legal, por si, não assegura direitos, especialmente numa realidade em que a Educação Especial tem reduzida expressão política no contexto da educação geral, reproduzindo talvez a pequena importância que se concede às pessoas com necessidades especiais - ao menos aquelas denominadas deficientes - em nossas políticas sociais. Daí se entende manifestações, comuns na área, de que postulam que a legislação fundamental já está dada e se trata de fazer cumpri-la. (FERREIRA, 1998, p. 2)
Segundo Carvalho (1997), dentre algumas considerações sobre a nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cabe ressaltar que, na sua totalidade, a
flexibilidade, abertura e algumas inovações, são marcas que a caracterizam. Para fins
desse estudo veja-se como a Educação Eespecial está expressa no capítulo V da LDB –
Nº 9.394/96.
Capítulo V - Da Educação Especial:
Artigo 58. Entende-se por educação especial, para o efeito dessa lei, a
modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente da rede regular de ensino,
para educandos portadores de necessidades especiais.
§ 1° Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado na escola
regular para atender a necessidade da clientela de Educação Especial.
33
§ 2° O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou
serviços especializados sempre que em função das condições específicas dos alunos,
não for possível sua integração nas classes comuns de ensino regular.
§ 3° A oferta de educação especial, dever constitucional do estado, tem início,
na faixa etária de a zero a seis anos;
Artigo 59 – Sistemas de ensino assegurarão aos educandos com
necessidades especiais:
I – Currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização
específica para atender às suas necessidades;
II – Terminalidade específica (aluno que não puderem atingir o nível exigido
para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração
para concluir em menor tempo o programa escolar para superdotados);
III – Professores com especialização adequada (nível médio ou superior), para
atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a
integração desses educandos nas classes comuns;
IV - educação especial para o trabalho, visando sua efetiva integração na vida
em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de
inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem
como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artísticas,
intelectual ou psicomotora;
V - Acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares
disponíveis para o respectivo nível ensino regular.
O Artigo 60 cita que:
Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de
caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com
34
atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo
Poder Público.
Parágrafo único. O Poder Público adotará, como alternativa preferencial,
a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria
rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas
neste artigo.
Essa nova LDB trouxe considerações relevantes à questão da Educação
Especial no país. Reafirma o direito à educação pública e gratuita de pessoas com
necessidades educacionais especiais. Segundo Ferreira (1998), essa nova lei destaca a
oferta da Educação Especial já na educação infantil, área em que o atendimento
educacional ao aluno com necessidades educacionais especiais é ao mesmo tempo tão
escasso quanto importante. Certamente a expansão recente do atendimento em
educação infantil no Brasil, já incorporando parte das crianças com necessidades
especiais - pelo menos em alguns municípios -, é um marco muito significativo.
O capítulo sobre educação infantil, contudo, é bastante sucinto e limita-se
praticamente a afirmar que ela se dá de zero a seis anos, em creches e pré-escolas. A
presença da Educação Especial no espaço da educação infantil poderá ser mais bem
avaliada no triênio 1997-1999, prazo concedido pela lei para que as creches e pré-
escolas se integrem aos respectivos sistemas de ensino.
A proposta da inclusão escolar, segundo Dens (1998) abandona a idéia de
que só a pessoa normal pode contribuir; volta-se para o atendimento às necessidades
daquelas com deficiência e para tal requer um currículo apropriado. Contudo, isso é
necessário, mas não suficiente, pois como afirma esse autor, ainda que se providenciem
todos os recursos pedagógicos faz-se necessária também a mudança de ideologia e
esta é uma transformação lenta.
35
O enfoque da inclusão da pessoa com deficiência, que de diversas formas
vem assinalando ser este um problema da sociedade e que seus paradoxos e
resistências têm que ser encontrados no sistema social. Deve-se atentar então, às
barreiras sociais que não estão diretamente ligadas à deficiência, mas, a
preconceitos, estereótipos e estigmas. Sobre isso Amaral (2002, p. 247) afirma:
A inclusão é um grande problema a ser vivenciado ou superado, uma tarefa difícil de ser executada. É um desafio e devemos discutir a possibilidade desse desafio não ser um meio para seduzir (como, ao que tudo indica pretende os discursos oficiais) e sim uma disputa em forma de diálogo improvisado nos quais os atores se alternem na composição de ações que obriguem a uma resposta da parte contrária, numa construção conjunta. Os atores somos todos nós, integrantes de uma rede de valores socialmente construídos, mas sempre imersos na teia do cotidiano, que pode ser aprisionante ou libertadora, dependendo de quão sujeitas a críticas estejam nossas ações e reações. Esta crítica é o desafio fundamental. (grifo nosso)
Grifa-se por acreditar que as ações do cotidiano, (aprisionante ou libertadoras)
agregam o verdadeiro desafio da inclusão da pessoa com deficiência. E a literatura
infanto-juvenil está presente no cotidiano das crianças. Seja na cama antes de dormir,
nos espaços escolares, em bibliotecas, em livrarias, leitos de hospitais e muitos outros
espaços.
Para tanto, no próximo item propõe-se uma discussão que envolve cultura,
sociedade e educação, na perspectiva de autores como: Matos, Coelho, Adorno,
Zelberman, D´Antino, Amaral, Pucci e Thompson.
2.4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DE CULTURA E EDUCAÇÃO
A experiência de poder está profundamente ancorada em nossa vida cotidiana: desde seu nascimento, a criança está entregue a essas personagens onipotentes que são o pai e a mãe. Na escola sabe que o menor está em poder do maior, o fraco em poder do forte, o solidário em poder do líder... O tema do poder está ligado à experiência vivida da desigualdade. (Jacques Goimard)
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A inclusão escolar e social da pessoa com deficiência, tem-se apresentado
constantemente nas discussões educacionais com intuito de promover reflexões e
mudanças na educação, em seu aspecto global, visando à conquista do respeito à
diversidade e à aceitação das diferenças no processo de ensinar e aprender.
Para tanto, tem-se observado que as ações muitas vezes não ultrapassam
seu estado de discurso e dificilmente são postas em prática nas salas de aula pelos mais
variados motivos, sejam pela formação docente deficitária, pela falta de recursos e
materiais didáticos, pela submissão ao sistema, pela falta de esclarecimentos e
informações da sociedade como um todo.
Planejar a construção de uma sociedade que acolha a todas as pessoas
pressupõe a superação das representações sociais acerca da deficiência e da diferença
que desde a antiguidade acompanham a humanidade. Conforme cita o documento do
MEC:
As raízes históricas e culturais do fenômeno deficiência sempre foram marcadas por forte rejeição, descriminação e preconceito. A literatura da Roma antiga relata que as crianças com deficiência, nascida até o princípio da era cristã, eram afogadas por serem consideradas anormais e débeis. Na Grécia antiga, Platão relata no seu livro “A república” que as crianças mal constituídas ou diferentes eram sacrificadas ou escondidas pelo poder público. A idade média conviveu com grandes contradições e ambivalências em relações a atitudes e sentimentos frente à deficiência. Os deficientes mentais, os loucos e criminosos eram considerados muitas vezes, possuídos pelo demônio, por isso eram excluídos da sociedade. Aos cegos e surdos eram atribuídos dons e poderes sobrenaturais. No pensamento dos filósofos cristãos as crenças também oscilavam entre culpa e expiação de pecados (BRASIL - MEC, 2003, p. 9).
Partindo do pressuposto que os preconceitos e estereótipos da deficiência são
plantados precocemente, no universo social, mais especificamente nas relações
sócio/afetivas. D´Antino, afirma que “há de remover a terra e procurar, na raiz do que
nos foi plantado, a origem do medo, que acompanha todos nós mortais, frente da
presença (real ou imaginária) da pessoa com deficiência” (D‟ ANTINO, 2001. p. 189).
Acredita-se que um dos caminhos possíveis e necessários é cuidar das
informações que chegam às crianças a respeito da deficiência pelos produtos culturais.
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Segundo Pucci (1998, p. 90) “cultura ao mesmo tempo em que compreende o conjunto
de criações espirituais (intelectuais, artísticas e religiosas) traz em si a exigência de
formar seres humanos que por sua vez são consumidores/ criadores da cultura”.
Segundo Thompson (1990) a cultura de um grupo ou sociedade é o conjunto de crenças,
costumes, idéias e valores, bem como os artefatos, objetos e instrumentos materiais que
são adquiridos pelos indivíduos enquanto membros de um grupo ou sociedade. Estas
crenças, costumes, etc, formam um todo complexo que é característico de uma
determinada sociedade, diferenciando-a de outros lugares e épocas diferentes.
A atual sociedade está atrelada à repetição, ao modismo, disseminados pelos
meios de comunicação, sociedade do espetáculo onde o ter vale mais que o ser, e a
necessidade de dominação é inerente ao sistema social, uma sociedade onde o poder
do capital é o imperador das relações humanas. Sobre a sociedade do espetáculo Chauí
esclarece:
De início espetáculo e especulação possui raiz comum: de mesma origem, estão ligadas à idéia de conhecimento como operação do olhar e da linguagem. A cultura está impregnada de seu próprio espetáculo, do fazer ver e do deixar se ver. A questão não se coloca diretamente sobre o espetáculo. Mas o que lhe sucede quando capturado, produzido e enviado pelos meios de comunicação de massa. (CHAUÍ
2, 1992 apud, MATOS, 1998).
Segundo Adorno (1996) a universalização do mercado, a contradição entre a
formação cultural e a sociedade de consumo não apresentam como resultado a não
cultura, o não saber, e sim, a semicultura. No semi-saber a pessoa pode se julgar a
sabedora e se fecha para o conhecimento, no não-saber pode haver uma pré-disposição
da pessoa para buscar o saber. Nessa direção, Adorno esclarece que:
A não cultura, como mera ingenuidade simples ignorância, permitia uma relação imediata com os objetos em virtude do potencial de ceticismo, engenho e ironia – qualidades que se desenvolvem naqueles que não são inteiramente domesticados -, podia elevá-los à consciência crítica. Eis aí algo fora de alcance da semiformação cultural. (Adorno, 1996 p. 397)
2 CHAUÍ, Marilena. Aula Inaugural, FFLCH-USP, 1992.
38
A estrutura da sociedade capitalista e o seu necessário giro reprodutivo têm
impedido que as pessoas se apropriem de um modo vivo dos bens culturais.
Segundo Thompson (1990) a produção e circulação das formas simbólicas na
sociedade atual são inseparáveis das atividades das indústrias da mídia. As instituições
da mídia e seus produtos se constituem em traços tão onipresentes da vida cotidiana,
que é difícil hoje se imaginar o que seria o mundo sem livros e jornais, sem rádio e TV, e
sem os inúmeros outros meios nos quais as formas simbólicas são apresentadas, dia-a-
dia os meios de comunicação trazem um bombardeio de idéias e acontecimentos,
imagens e informações. Os personagens, filmes e programas de TV tornam-se pontos de
referências comuns para milhões de indivíduos que podem nunca interagir uns com os
outros, mas que partilham, em virtude de sua participação de uma cultura mediada, de
uma experiência comum e de uma memória coletiva.
É nesse contexto culturalmente propício à alienação que está o grande
desafio da educação, ou seja, de formar cidadãos críticos e emancipados. Adorno
adverte que:
O essencial é pensar a sociedade e a educação em seu devir. Só assim seria possível fixar alternativas históricas tendo como base a emancipação de todos no sentido de se tornarem sujeitos refletidos da historia, aptos a interromper a barbárie e realizar o conteúdo positivo, emancipatório, do movimento de ilustração da razão. Esta, porém seria uma tarefa que diz respeito a características do objeto, da formação social em seu movimento, que são travados pelo seu encantamento, pelo seu feitiço. Por isto a educação necessária para produzir a situação vigente, parece impotente para transformá-la (ADORNO, 1995, p. 12)
A literatura infanto-juvenil é um produto cultural presente na vida das crianças,
dentro e fora da escola. Discutir as relações entre o papel da literatura infanto-juvenil e a
escola, decorre da possibilidade de ambas compartilharem um aspecto em comum: a
natureza formativa, por meio da mediação de uma educação emancipatória.
Segundo Zilberman (2003) tanto a obra de ficção como a instituição de ensino
estão voltadas à formação do indivíduo à qual se dirigem. Embora se trate de formação
oriunda de necessidades sociais, que explicam e legitimam seu funcionamento, sua
39
atuação sobre o recebedor é sempre ativa e dinâmica, de modo que, este não
permanece indiferente aos seus efeitos.
Segundo Coelho (1995), a partir dos anos 70 houve uma eclosão de
criatividade e de produção literária em massa, conseqüentemente da literatura infanto-
juvenil, contribuíram para isso vários fatores inter-relacionados, entre os quais se
destacam: as diretrizes educacionais (LDB n° 2024/1961, reformulada pela lei
5692/1971, que exigiu o ensino da língua vernácula por meio de textos literários), as
novas relações entre a escola e a literatura (também por determinação oficial), a
expansão da indústria e do mercado editorial e o surto de criatividade da literatura
infantil/juvenil nestes últimos anos. A LDB de n°9594/1996, reafirmou a importância dos
textos literários como mediadores de cultura e reiterou a orientação para aproveitamento
desses textos com fins pedagógicos. Essa mesma autora observa ainda, que os textos
literários não teriam condições de adentrar à escola e serem postos ao alcance dos
pequenos leitores se não houvesse uma política nacional que a favorecesse.
Segundo Amaral (1992), a partir de uma retrospectiva histórica com base nas
pesquisas efetuadas pelos especialistas, é possível pensar em quatro concepções
inerentes à literatura em geral e à infanto-juvenil por extensão:
Literatura como gozo/jogo. Concepção que recua a estética idealista do séc. XVIII liga-se ao nome de Kap que considera os fenômenos estéticos como finalidade em se mesmo. Nessa concepção a literatura remete-se, pois ao estético e ao lúdico.
Literatura e compromisso. A visão da literatura que a entende como engajamento conta com nomes como Zola, Lukács, Sartre (que a leva, no entender dos especialistas, às últimas conseqüências)... Aqui se incluem as discussões sobre o discurso utilitário. Aqui também se inclui a discussão sobre os aspectos pedagógicos da literatura infantil.
Literatura como catarse. Concepção que tem do ponto de partida em Aristóteles, quando na visão poética atribui à tragédia função catártica – expurgo das perturbações interiores, purificação das paixões (como terror e piedade) posteriormente essa concepção “modernizou-se”, tendo a psicanálise bebido dessa vertente.
Literatura como evasão. Concepção que remete à idéia básica de refúgio no imaginário, como solução de esquiva a uma realidade plena de sofrimento e angústia, ou uma realidade esvaziada de sentimento de viver, ou uma realidade destroçadora por força de contradições... O romantismo participa desse veio ficcional. (AMARAL, 1992, p. 132/133)
40
Pode-se, portanto, pensar em função de diferentes concepções, quão
inúmeras são as tendências possíveis na literatura infanto-juvenil e quão respondentes
serão (ou não) as necessidades de seus atuais leitores, configurando tendências mais
usuais e marcantes.
O fato é que, as produções da literatura infanto-juvenil, sejam frutos de
imposições ideológicas, sejam respostas a uma demanda (implícita ou explicita) de seus
diferentes níveis de leitores (crianças e seus educadores), sejam articuladores aos
outros meios de comunicação, podem ser pensadas e distribuídas segundo algumas
tendências, são três as mais evidentes, realista, fantasista e híbrida. Busca-se Coelho
(1991, p. 264) para evidenciá-las:
1. Realista - pretende expressar o real tal qual é percebido ou conhecido pelo senso. Visa: Testemunhar o mundo cotidiano, concreto, familiar e real; Informar sobre costumes, hábitos e tradições populares; Apelar para curiosidades e argúcia do leitor. Preparar psicologicamente o leitor para enfrentar sem ilusões, mais tarde ou mais cedo, as dores e sofrimentos da vida. (sic).
2. fantasista – apresenta um mundo maravilhoso, criado pela imaginação, e que existe fora dos limites do real e do senso comum. Prevalece o lúdico, soluções estilísticas como: personagens – animais (fabulas); ficção científica; âmbito do maravilhoso. Ficção sobre o real: o desconhecido, mais que, o conhecido. O que podia ser mais que o que é. O que podia acontecer mais o que acontece, que está oculto, mais que o manifesto, trans – real mais que o lógico...
3. Híbrida – parte do real e nele introduz o imaginário ou a fantasia, anula os limites entre um e outro. Prevalece o realismo mágico: espaço do cotidiano mais insólito. (COELHO, 1991, p. 264)
Sendo assim a obra de arte, mais especificamente a literatura infanto-juvenil,
ao mesmo tempo em que pode ser um depositário de saber de mundo, pode ser
simultaneamente, um suporte de preconceitos, estereótipos e estigmas, em relação à
deficiência, disseminados culturalmente. E a ruptura dessa subversão pode-se dar
também pela segunda leitura ou pela leitura crítica dessa mesma obra. Sobre isso
Amaral, afirma:
Tarefa difícil, pois, muitas vezes, significa desnudarmos aquilo que pensamos ser nosso somente nosso. Ou ainda tentamos desnudar o que pensamos ser do outro somente do outro. E aos nossos olhos atônitos podem revelar–se imbricações nunca antes imaginadas - precisamos então, abrir mão de alguns mecanismos onipotentes. Que muito precocemente, aprendemos utilizar. Penso que esse é um desafio que a arte nos propõe: sermos nós e sermos o outro,
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simultaneamente a sermos um encontro mais dual, profundamente coletivo.(AMARAL, 2001, P.33)
Acredita-se na confirmação de muitos teóricos, que um dos papéis da escola
atualmente é propiciar a formação do sujeito crítico, autônomo e participativo. Portanto, é
fundamental que esse sujeito tenha condição de apropriar se criticamente de uma obra
de arte, ou seja, ser um leitor crítico. Sobre essa postura Cunha esclarece:
Na medida em que tivermos diante de nós uma obra de arte, realizada através de palavras, ela se caracteriza certamente pela abertura, pela possibilidade de vários níveis de leitura pelo grau de atenção e de consciência que nos obriga [...] essa obra marcada pela conotação e plurissignificação, não poderá ser pedagógica no sentido de encaminhar o leitor para um único ponto, uma única interpretação da vida (CUNHA, 1990, p. 62).
No encontro com qualquer forma de Literatura os homens têm a oportunidade
de ampliar, transformar ou enriquecer sua própria experiência de vida. Nesse sentido, a
Literatura apresenta-se não só como veículo de manifestação de cultura, mas também
de ideologias. Considerando ideologia, conforme esclarece Amaral (1999):
Ideologia está aqui, sendo entendida conceitualmente como uma grande matriz de restrições e proscrições éticas (e estéticas) de atitudes, assim como de opiniões e comportamentos. Por dela sabemos o que devemos e não devemos sentir o que devemos e não devemos pensar, o devemos ou não devemos dizer ou fazer. Além disso, ela, em última instância, nada mais é que uma justificação e uma legitimação de valores que emanam daqueles que detêm o poder em suas múltiplas instâncias. (Amaral, 1999, P. 18)
A Literatura Infanto-juvenil, por iniciar o homem no mundo literário, pode ser
utilizada como instrumento para a sensibilização da consciência, para a expansão da
capacidade e interesse de analisar a sociedade e principalmente as relações sócio-
afetivas. Sendo fundamental mostrar que a literatura deve ser encarada, sempre, de
modo global e complexo em sua ambigüidade e pluralidade.
Até bem pouco tempo, a Literatura Infanto-juvenil era considerada como um
gênero secundário, e vista pelo adulto como algo pueril (nivelada ao brinquedo) ou útil
(forma de entretenimento). A valorização da Literatura Infanto-juvenil, como formadora
de consciência dentro da vida cultural das sociedades, é bem recente.
42
Do ponto de vista histórico, embora as primeiras manifestações literárias
ocidentais datem dos séculos IX e X, girando em torno de duas fontes: narrativas
exemplares (ligadas ao cotidiano) e aventurescas (mágicas e maravilhosas), num breve
histórico pode-se dizer que a literatura infanto-juvenil passa a existir como tal apenas no
século XVII. É, portanto, um fenômeno recente considerado a história da humanidade.
Segundo, Coelho (1991), no século XX, estabelecida como existente, ou seja,
sendo reconhecida como gênero literário, a literatura infanto-juvenil traz consigo sua
própria semente: “instruir divertindo”. (COELHO, 1991, p. 145)
A ligação apontada instruir/ divertindo, soma se a indicação de várias outras
ligações, bem como, contraposições e contradições: arte/pedagogia, diversão
aprendizagem, lúdico/lúcido, pedagogia/livro infantil, discurso literário, discurso utilitário
arte exemplaridade.
E, assim, segue desde o seu surgimento, até o momento atual, nos pontos de
vistas de diferentes autores, de diferentes áreas, diálogos ou polêmicas quanto às
formas de percepção da literatura infanto-juvenil.
Partindo do pressuposto que este estudo está inserido no universo das
relações sociais, permeando os universos escolares, sobretudo nesse item onde
vislumbra a relação entre a educação e a cultura, talvez o veio de pedagoga fale mais
alto e favoreça a tender por uma percepção da literatura infanto-juvenil com intenção
educativa e artística. Busca-se coelho, para reafirmar esse posicionamento:
Como “objeto” que provoca emoções, dá prazer ou diverte e acima de tudo , modifica a consciência de mundo de seu leitor, a literatura infantil é arte. Por outro lado, como instrumento manipulado por uma intenção “educativa” ela se inscreve na área da pedagogia. [...] compreende-se, pois, que essas duas atitudes polares (literária e pedagógica) não são gratuitas. Resultam da impossibilidade que existe entre a intenção artística e a intenção educativa incorporadas nas próprias raízes da literatura infantil. (COELHO, 1991, p. 41-42)
43
Por volta de 1915, Vigotsky faz uma afirmação interessante, e remetendo uma
questão mais ampla, pois da arte como um todo. Mas nem por isso não acolhedora para
o que aqui se propõe a discussão:
Não foi em vão que, desde a mais remota antiguidade, a arte foi considerada um meio de educação, isto é, como uma determinada modificação duradoura de nossa conduta e de nosso organismo (...) todos os autores que descobrem uma afinidade entre a pedagogia e a arte obtém uma confirmação inesperada na análise psicológica. (VIGOTSKY
3, apud AMARAL, 1992, p. 129).
Pontos que são até hoje tema de debate, de polêmica, de confronto. Sua
dupla natureza é item obrigatório em qualquer obra que se debruce sobre o gênero.
Contudo, acredita-se que as obras infanto-juvenis podem ser umas boas sugestões para
investir na relação entre a interpretação do texto literário e a realidade, tendo em vista
que, elas podem abordar questões desse tempo e problemas universais inerentes ao ser
humano.
Busca-se aqui, algumas palavras de Arendt:
Dada à suma permanência, as obras de arte (e, portanto as literárias) são as mais intensamente mundanas de todas as coisas tangíveis; sua durabilidade permanece quase isenta ao efeito corrosivo dos processos naturais. (...) assim, a durabilidade das obras de arte é superior àquela de que todas as coisas precisam para existir; e através do tempo, pode atingir a permanência. Nada como a obra de arte (...) revela de forma tão espetacular que este mundo é feito de coisas é o lar não mortal de seres mortais (ARENDT,1992, p. 181)
Por um lado, reverenciando essa busca de permanência, por outro, admitindo
o ar de enigma, por outro ainda, reconhecendo as limitações de que qualquer análise
traz em seu bojo a possibilidade de projeções, de simplificações grosseiras, de
interpretações selvagens, de desrespeito.
Ainda assim, enfatize-se a postura de um leitor crítico, leitor intérprete, capaz
de ler, fazer uma segunda leitura do que foi lido, trazer à baila por meio do encontro,
3 VIGOTSKY, Lievs. Psicologia del Arte. Barcelona, Barral. 1972.
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leitor autor e personagem diferente/deficiente, reflexões que possam contribuir na
organização de uma sociedade mais consciente, capaz de aceitar e conviver bem com
as diferenças.
No próximo item, no âmbito de esclarecimento e clarificação do título deste
estudo, apresentar-se-á, brevemente, alguns conceitos da teoria da representação
social, amparados pelos saberes de Moscovici e Jodelet.
2.5 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL
As representações sociais estão entendidas quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano. A maioria das relações sociais estabelecidas, os objetos produzidos ou consumidos, as comunicações trocadas, delas estão impregnadas. ( Serge Moscovici)
Retomamos nesse item algumas questões alinhadas na monografia do Curso
de especialização em Psicopedagogia, em que foi pesquisada: “A representação dos
pais e da escola sobre o desenvolvimento moral das crianças: uma abordagem
psicopedagógica”.
O estudo sobre representação social se ocupa da análise do conhecimento
produzido no cotidiano, pois, trata-se da análise do processo de construção da realidade
a partir das relações sociais do mundo da vida, o que está muito próximo de uma
sociologia do conhecimento no cotidiano.
A representação social teve sua origem como modelo de explicação da
realidade, a partir do trabalho desenvolvido por Moscovici, publicado em 1961, que tinha
como problemática entender o processo de apropriação da teoria psicanalítica por parte
de diferentes grupos sociais. A questão central da obra circulava em torno de como era
consumida, transferida e utilizada, uma teoria científica pelas pessoas marcadas pelo
senso comum.
45
Moscovici (1978) define a representação social como uma modalidade de
conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a
comunicação entre indivíduos.
Jodelet (2001) apresenta o seguinte conceito:
É uma forma de conhecimento, socialmente elaborado e partilhado, com um objetivo prático, que contribui para a construção da realidade comum a um conjunto social. Igualmente designado como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras do conhecimento cientifico. Entretanto, é tido como um objeto de estudo tão legitimado, devido sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais. (JODELET, 2001, p. 22)
Para Moscovici, que debruça o seu interesse no que se poderia chamar de
uma psicosociologia do conhecimento no cotidiano, as representações sociais, ao
contrário das representações coletivas, reduzem-se a uma modalidade estética e
específica da forma de conhecimento cuja função seria a elaboração de comportamentos
sociais e a comunicação dos indivíduos dentro do framework da vida cotidiana. Sendo
assim, as representações sociais não têm um caráter macroestrutural explicativo, como
seria o caso das representações coletivas.
Sabe-se que essa teoria foi desenvolvida a partir da crítica ao conceito de
representações coletivas desenvolvido por Durkheim. A leitura crítica de Moscovici
mostra que a noção de representações coletivas é por demais abrangente e geral para
dar conta da produção do pensamento, como forma de ação, na sociedade. Na definição
dele, a representação social refere-se ao posicionamento e localização da consciência
subjetiva nos espaços sociais com o sentido de constituir percepções por parte dos
indivíduos.
Como o próprio Moscovici (1978) afirma, as representações sociais
constituem uma forma de conhecimento particular de nossa sociedade e é irredutível a
qualquer outra. Nesse contexto, as representações sociais de um objeto social passam
46
por um processo de formação, entendida como encadeamento de fenômenos interativos
fruto dos processos sociais no cotidiano do mundo moderno.
A substituição do termo coletivo pelo termo social reflete a dinâmica social que
está presente internamente nas representações dos sujeitos, o que faz o termo social ter
uma dupla direcionalidade na compreensão do conceito da representação social.
A primeira direção é a da forma como o conhecimento é socialmente
empreendido, constituído e compartilhado pelos indivíduos, e a segunda direção é a da
realidade do universo subjetivo, ou seja, a realidade psicosociológica, afetiva e axiológica
pertinente à forma de comportamento desses indivíduos. Desse modo, as
representações sociais estão inseridas num contexto psicosociológico o que faz
com que sejam percebidas como um sistema de interpretações aberto acerca da
realidade social.
A idéia de sistema nas representações sociais decorre de uma funcionalidade
na lógica interna da teoria, em que as interpretações sobre uma dada realidade passam
por processos de interação social e de interiorização pelos indivíduos no contexto social.
Na teoria das Representações Sociais, os aspectos teóricos e epistemológicos
estão imbricados numa inter-relação entre sistema de pensamento e prática social, o que
resulta, segundo Jodelet (2001), em fenômenos complexos que devem ser destrinchados
e referidos aos diferentes aspectos do objetivo representado de modo a poder
depreender os múltiplos processos que concorrem para suas elaborações e
consolidação como sistema de pensamento que sustentam as práticas sociais. Essa
complexidade do fenômeno é fruto do processo sócio-subjetivo.
Pode se afirmar que é necessário entender como o pensamento do indivíduo
se enraíza no social e como um e outro sofrem mudanças mútuas. Por esse fato um
enfoque desse tipo implica em três esforços necessários: o primeiro é o de compreender
o impacto que as correntes de pensamento, veiculadas em determinadas sociedades,
47
têm nas representações sociais de grupos diferentes ou de indivíduos definidos em
função de sua presença em grupos; o segundo é entender os processos constitutivos
das representações sociais e a eficácia destas representações para o funcionamento
social, ou seja, entender por um lado o papel das representações sociais na orientação
dos comportamentos e na comunicação e, por outro, entender a representação social
como sistema de recepção de novas informações sociais. E terceiro, entender o papel
das representações sociais nas mudanças sociais no que diz respeito à constituição de
um pensamento social compartilhado.
Tais esforços demonstram o exercício analítico de uma epistemologia do
processo que se define pela referência necessária acerca da construção e
desenvolvimento de relações sociais, para a análise das condições de produção
destas na vida cotidiana.
Nesse sentido, a epistemologia do processo focaliza a representação,
dimensionando a relação entre o subjetivo e o social, enfatizando o sujeito como ser
criativo e ativo nas interações e na forma de compreensão da realidade social a partir
das estruturas elementares do senso comum.
Ciente de que muito ainda há para dizer sobre os conceitos e posições
teóricas desenvolvidas pelos autores que acompanham este estudo e que ajudaram na
compreensão da complexa temática em questão Ciente, também, de que o melhor do
bolo, costuma ser seu recheio. E este se encontra na análise do material, onde serão
colocados todos os ingredientes até agora levantados para finalmente colocar a
cobertura, no alinhavar das considerações finais. Clarificando a metáfora do bolo,
apresentamos no próximo capítulo os procedimentos metodológicos, seguidos da
apresentação e análise do material e das considerações finais.
48
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A finalidade da crítica não será explicar a obra de arte, mas sim adensar seu mistério, levantar ao redor dela e de seu autor essa névoa prodigiosa, dileta aos deuses e aos seus oradores simultaneamente... O único objetivo do crítico é o descrever suas próprias impressões – toda crítica é autobiográfica do crítico, o relato de sua visão (Oscar Wilde)
A análise quantitativa e qualitativa do material pesquisado será por intermédio
de um conjunto de procedimentos sistemáticos e objetivos voltados para descrição do
conteúdo de mensagens. Por meio desses procedimentos serão levantados indicadores
que permitem eventualmente a referência de conhecimentos relativos às condições de
produção /recepção – variáveis inferidas – dessas mesmas mensagens.
Os procedimentos seguem as seguintes etapas:
3.1 DELINEANDO UM PROCESSO:
Do ponto de vista dos procedimentos farão parte desse primeiro momento os
seguintes passos:
3.1.1 Seleção das Editoras:
Devido o exíguo tempo que o mestrado disponibiliza, não há possibilidade de
trabalhar com todas as editoras brasileiras, embora fosse esse o desejo.
A escolha das editoras foi feita por meio de sorteio. Entre as editoras de
grande porte localizadas na Cidade de São Paulo, considerada maior e mais importante
centro comercial do país, foram sorteadas três.
49
A decisão de sortear três editoras concretizou-se após uma trajetória em
busca do corpus deste estudo. Começando com uma visita à bienal do livro de são Paulo
em 2006, peregrinando pelos estandes das editoras, lendo todas as publicações
possíveis de literatura infanto-juvenil, identificando as histórias que traz, em seu enredo,
personagens diferentes ou deficientes, na tentativa de um pré-levantamento do material
de pesquisa.
Depois, por indicação de amigos houve um encontro com um especialista em
literatura infantil, proprietário de livraria e pesquisador do gênero, que apresentou muitas
possibilidades, indicando editoras e publicações sobre o tema, indicou também a
bibliografia Brasileira de literatura infanto-juvenil, que é publicada anualmente pela
Biblioteca Municipal Monteiro Lobato (São Paulo). As bibliografias trazem o título e as
sinopses das histórias publicadas durante o ano em âmbito nacional.
A idéia inicial foi buscar o corpus do estudo nessas bibliografias, no entanto,
foi constatado que a última publicação foi no ano de 2002, as posteriores estão sendo
preparadas ou aguardando licitação para publicação, mas, esse departamento não
mediu esforços para colaborar com este estudo, disponibilizando de seu acervo, livros e
catálogos das diversas editoras brasileiras dos últimos anos, foram muitos dias de
pesquisas e levantamentos por meio de títulos e da leitura das sinopses presentes nos
catálogos, com isso chegou-se a uma grande quantidade de livros que aborda a
questão da diferença/deficiência nas diversas editoras, na última década, devido à
necessidade de limitação do corpus para adequar ao tempo que o mestrado
disponibiliza. Decidiu-se então sortear três editoras de grande porte localizadas na
cidade de São Paulo e buscar nelas o corpus do estudo.
As editoras sorteadas foram: Editora Ática, Editora Paulinas, Editora
Salamandra.
50
3.1.2 Levantamento das Publicações de Literatura Infanto-Juvenil nas Três
Editoras
Após selecionar as editoras, mediante sorteio, a próxima etapa foi retomar o
levantamento das publicações voltadas para o público infantil e juvenil por intermédio dos
últimos catálogos específicos de literatura infanto-juvenil nas editoras: Paulinas,
Salamandra e Ática.
Mediante leitura criteriosa das sinopses de todas as histórias presentes nos
catálogos, foram selecionados os livros que trazem no enredo personagens diferentes
/deficientes. Depois foi feito um contato direto com as três editoras falando da proposta
do estudo e buscando outras publicações. As editoras Ática e Salamandra sugeriram que
fizesse um busca através dos Sites oficiais, pois lá poderia haver publicações lançadas
posteriormente aos catálogos. A editora Paulinas fez um levantamento dos livros que
abordam a temática que foram editados após a publicação do catálogo.
Outro fator averiguado junto às editoras foram os anos de lançamentos das
publicações, já que, para compor o corpus desse estudo, a primeira edição da história
deve ter sido nos anos entre 1996 e 2006. Os catálogos não trazem esses dados e os
sites, quando muito, informam o ano da última edição. O ano da primeira e da última
edição dos livros são apresentados com precisões nas fichas catalográficas nas
primeiras páginas dos livros.
3.1.3 Eleição do Corpus
Baseados no objetivo desse estudo foram eleitos para constituir o corpus de
pesquisa onze livros de literatura infantil e juvenil, escritos por autores brasileiros e que
incluem no enredo das histórias, personagens (seres humanos ou animais)
51
diferentes/deficientes, editados no Brasil pela primeira vez no período entre 1996 e 2006,
pelas editoras: Paulinas, Ática e Salamandra.
Esclarecimentos:
Primeiro esclarecimento. As histórias poderão ser específicas sobre o tema
ou não. Os personagens diferentes/deficientes poderão ocupar o papel de protagonista
ou secundários dentro da história. Porém os seres humanos ou animais deverão conter
alguma característica que o diferencie do grupo de pertinência. Personagens com
deficiência: mental, física, auditiva, visual ou múltipla. Animais com cores ou formas
inusitadas, diferenças nas funções dos órgãos ou partes do corpo.
Segundo esclarecimento. Está sendo excluído desta pesquisa um valioso
material, que, por terem sido escritos por autores estrangeiros, embora traduzidos e
editados no Brasil, não se incluem nesta amostra. A justificativa está na busca de uma
inserção sociocultural específica: a nossa realidade brasileira.
Por esse motivo foram excluídos da pesquisa os seguintes títulos:
Editora Ática: “Minha irmã é diferente”, “Nem sempre posso ouvir vocês”, “O
menino e a foca”.
Editora Salamandra: “Esta é Silvia”
A editora Paulinas não apresentou nenhum livro escrito em outro país
traduzido no Brasil.
Terceiro esclarecimento. O Livro “Dudu Calunga” presente no último
catálogo da editora Salamandra, encontra-se esgotado na editora, mesmo fazendo uma
busca pelos sebos e bibliotecas da cidade não foi encontrado nenhum exemplar
disponível para manuseio, impossibilitando assim sua inclusão no corpus do estudo.
Quarto esclarecimento. Os livros “Beto o carneiro” da Editora Salamandra e
“O gato massamê” e “Aquilo que ele vê” da editora Ática foram excluídos por terem sido
52
publicados nos anos anteriores ao período delimitado para esse estudo, embora tivesse
uma informação anterior das editoras de outro período, checando a ficha catalográfica foi
constatado que foram editados pela primeira vez no ano de 1993 e 1994.
Quinto esclarecimento. O período delimitado 1996 a 2006 refere-se a uma
década que passa a vigorar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº
9394 de 1996. Tal legislação traz, pela primeira vez na história brasileira, um capítulo
inteiro exclusivamente voltado à Educação Especial. É sabido que os movimentos em
favor da inclusão escolar e social da pessoa com deficiência não surgiram nesse
momento, trata-se de uma longa trajetória. Entretanto, para fins desta pesquisa este foi
um marco que julgamos importante para o entrelaçamento da oficialização do processo
de inclusão com a produção cultural desta década, mais especificamente da produção da
literatura infanto-juvenil e a possível presença de personagens que apresentam
diferenças ou deficiências. Assim, acredita-se que a opção pela delimitação desse
período esteja justificada.
Apresenta-se a Seguir os Livros Constituintes do Corpus, O Ano de Lançamento e
a Editora.
Título 1° edição Editora
O distraído sabido 1999 Salamandra
O dragão que era galinha d´angola 2005 Salamandra
Anjinho 2004 Ática
O louco do meu bairro 1999 Ática
Draguinho – diferente de todos,
parecido com ninguém
2004 Ática
O muro 2003 Paulinas
Benedito 2005 Paulinas
Criança Genial 2005 Paulinas
Dorina viu 2006 Paulinas
O menino que via com as mãos 1997 Paulinas
Aventura no escuro 1999 Paulinas
Quadro 1: Corpus do estudo Fonte: Elaborado pelo autor
53
3.1.4 Apresentação dos Indicadores para Análise
Esta etapa e constitui-se na apresentação dos indicadores para análise,
elaborados e utilizados por Amaral (1992), tais indicadores, serão aplicados neste estudo
com algumas adaptações. Os indicadores extraídos das histórias e apresentados
percentualmente se constituíram em âncora para análise qualitativa dos dados.
Para elaboração desses procedimentos a autora, se pautou em alguns
teóricos, Bardim (1997), Propp (1984), Todorov (1979), e muitos outros.
Construindo de maneira criteriosa um roteiro para exploração do material,
formando uma grade complexa e interativa dos parâmetros e categorias para análise:
Como se segue:
OBRA:
Autor:
Inlust:
Local: Editora: Data:
Obs:
A - CARACTERIZAÇÃO DA HISTÓRIA
1- ENUNCIADOR: narrador interno narrador externo
2- TRAMA: aventura policial vida cotidiana
3- NARRATIVA: realista fantástica híbrida
4- DISCURSO: específico sobre o tema inespecífico
5 – DIFERENÇA COMO MÓDULO TEMÀTICO: Tipo de deficiência
6 – SITUAÇÃO INICIAL: equilíbrio tensão intriga
7- DESDOBRAMENTO:
54
B – CATEGORIZAÇÃO DOS PERSONAGENS
1 1- Localização na constelação:
protagonista
personagem secundário
2- Universo constitucional (quem é, como é)
* pessoa: criança adulto
* animal: filhote adulto
- Outros:
3- Universo psicológico
- o que sente
- o que pensa
Conflitos possíveis
Ponderação x impulsividade
Vigor x fragilidade
Passividade x agressividade
Alegria x tristeza
Otimismo x pessimismo
Espírito critico x sugestionabilidade
Tolerância x baixa linear de frustração
Racionalidade x emocionalidade
Utilização de potencial x desperdício de força Índole “boa” x índole “má”
4- Universo comportamental (o que faz, como faz)
- ações de modalidade: física internacional
- ações de cunho: afetivo cognitivo
- ações: planejadas efetivadas
Conflitos possíveis
Aproximação x afastamento
Ataque x fuga
Comunicação x isolamento
Trabalho x inércia
Independência x dependência
Heroísmo x covardia
55
C-CARACTERIZAÇÃO DE CAMPOS DE ATRIBUIÇÃO DOS FENÔMENOS
CORRELACIONADOS
1. DIFERENÇA como:
Benéfica: Maléfica:
. santificação . resignação
. transformação . submissão
. iniciação . resistência
. gratificação social . humilhação
. superação de si mesma . horror
. cura de alma doente . objeção
Neutra
2. ETIOLOGIA
- indefinida
- correlação com caráter e/ou ações próprias
- correlação com caráter e/ou ações de outrem
- por eventos sociais
- por eventos da natureza
- por magia
. Deuses, Anjos, Fadas...
. Demônios, Bruxas
DESFECHO
- cura
. correlação com caráter e/ou ações próprias
. correlação com caráter e/ou ações de outrem
. eventos sociais
. por eventos da natureza
. por magia
- deuses
- demônios
- isolamento individual
- Gueto
- Exotismo
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- compensação
- morte: real ou simbólica
- aceitação ativa
Quadro 2: Roteiro para exploração do material Fonte: Amaral, 1992.
3.2 EXPLORAÇÃO DO MATERIAL
Apresenta-se a seguir uma lista com as histórias numeradas, esclarecendo
que no decorrer da analise, cada citação ou referência à história será indicada com o
número da história. Segue-se apresentando sinopses das histórias, respectivas fichas
de exploração do material, bem como algumas das imagens, concretizando a
visualização dos personagens pelas ilustrações. A esse respeito algumas indagações se
impuseram. Uma em âmbito metodológico – explorar e analisar ou não icnograficamente
cada uma das histórias; outra em relação à visualização do leitor – reproduzir ou não o
personagem como figurativamente constante da obra.
A primeira indagação foi de fácil resposta: não, por receio de não possuir o
instrumentos necessários para o trabalho criterioso de análise e assim correr o risco de
não explorar adequadamente o material. Também porque estaria incluindo um outro
olhar, que em última instância e, neste contexto, seria um leitor do texto – um leitor
interpondo-se entre o autor e a, leitora-pesquisadora.
Assim não só se abriu mão da análise icnográfica como, também, tentou-se
na primeira leitura, abster-se de focalizar as ilustrações, mantendo-se, o mais possível,
ligado ao texto.
Por outro lado, nas sucessivas leituras não só se permitiu entrar no mundo
figurativo das histórias como, também fez aflorar os sentimentos diversos desde a
emoção, a empolgação até mesmo a irritação. E esse fato levou à segunda indagação:
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compartilhar ou não, mesmo com um retrato de identificação à representação plástica
dos personagens?
Embora com muita cautela, sem a pretensão ou proposta de um
aprofundamento de análise icnográfica, pois não teria respaldo metodológico nem teórico
para tanto. Lança-se mão de um hipotético argumento de que a coisa vista é sempre
mais pobre que a coisa imaginada. Serão apresentadas então, ao leitor as cenas mais
importantes das histórias por intermédio dos desenhos, para ilustrar as sinopses e
possibilitar comentários ou indagações a respeito das ilustrações. Ou seja, comentar a
apresentação dos personagens por meio dos desenhos.
Apresenta-se a seguira lista dos títulos, as imagens, as sinopses e as fichas
de exploração do material das obras que compuseram o corpus desta pesquisa:
01- “Benedito”
02- “O muro”
03- “Criança Genial”
04- “Anjinho”
05- “Draguinho - diferente de todos parecido com ninguém”
06- “O dragão que era galinha - d´angola”
07- “Dorina viu”
08- “O menino que via com as mãos”
09- “O louco do meu bairro”
10- “Aventura no escuro”
11- “O destruído sabido”
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Figura 1: Páginas ilustradas in: “Benedito”. Ilustrador: Sebastião Rodrigues Seabra (2005)
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BENEDITO
Hugo monteiro Ferreira
Benedito é o narrador na primeira pessoa, sua história é apresentada mediante os seguintes capítulos: “meu pai e eu”; “meu pai e minha mãe”; “minha mãe e a mãe da minha mãe”; “o meu amigo Tuca”; “agora já tenho é 12”; “minha vó de verdade a que gosta de min do jeito que eu sou”; “no final das contas”; “sem palavras”; “com palavras”; “agora já tenho é 17”; “de madrugada”; “deixe o tempo passar”. .
Nos primeiros capítulos descrevem o harmonioso convívio com o pai, e a partida da mãe: “o meu pai me ajuda, mas tem coisa que eu faço só. É bom morar com o pai, mas sinto falta de minha mãe. Teve uma vez que minha mãe disse que ia embora. Foi um dia em que ela e meu pai não paravam de arengar. No outro dia procurei minha mãe e meu pai falou que ela não pode mais ficar”.
Terceiro capítulo narra uma dolorosa visita a sua avó materna: “Eu pensei que a mãe da minha mãe fosse minha vó, só deixei de pensar, porque teve uma vez que minha vó falou assim: filho daquele homem não é meu neto. E ainda falou com uma voz chata, você foi casar com ele porque quis aí nasceu esse menino assim. Ele é meu filho, mãe. E o que adianta um filho assim? Na família da gente não tem ninguém marcado por Deus. Tá na bíblia minha filha. Deus marca pra não perder de vista. Você que não quer admitir, mas isso é desobediência... você saiu daqui de casa, foi morar com aquele homem. Eu sempre avisei que sangue de preto não é igual a sangue de branco. Pronto foi no que deu nasceu um mulatinho aleijado. O olho de minha mãe quis chorar, não chorou porque ela botou a lágrima para dentro, me pegou pela mão com uma força! E a gente foi embora. A mãe da minha mãe ficou dizendo: vá te´embora, deixa o menino, aquele pretinho cria.”
Quarto capítulo ele fala do amigo Tuca, também descreve sobre sua condição de deficiente físico: “Como você vai entrar no carro? Dói? Esse é o Tuca que fica me perguntando um monte de coisa. Ele é meu amigo da quarta série. O Tuca é diferente de mim. Assim ele anda igual aos outros meninos, eu num ando só ando na cadeira que tem rodas. O Tuca é atrasado. Ele ficou sem estudar. Lá onde ele morava não tinha escola. Gosto demais do Tuca ele é um amigão. E a mãe dele deixa ele ficar aqui em casa. É legal”.
Quinto capítulo narra seus doze anos e a falta da mãe: “agora que escrevo essa história já tenho 12 anos! Meu aniversario foi ontem, senti falta de minha mãe. Se ela estivesse ligado... bastava dizer. Gosto muito de você. Aí desligava rápido para mãe dela não brigar com ela”.
Sexto capítulo narra a relação com a avó paterna: “minha vó sempre que pode manda livros para min ela é professora aposentada. Pena que ela passa pouco tempo aqui em casa, ela faz trabalho voluntário em um grupo de auxílio a portadores de HIV”.
Sétimo capítulo narra o sonho que teve com a mãe ela estava casada com um estrangeiro rico e voltou para pedi perdão e dizer que gosta dele, a mãe dela também estava junto, passou a mão na cabeça dele e deu lhe um cheiro: “no final das contas, minha mãe era um sonho”.
O oitavo e nono capítulos relatam um briga na escola relacionando preconceito e violência: “o menino me insultou, disse que eu era aleijado, que eu não servia pra nada, que eu mais parecia um inútil. Aí peguei uma pedra e meti na cabeça dele: lascou, foi sangue que só, Foi uma confusão danada. Sem palavras foi a expressão que o meu amigo Tuca usou, você não pode ficar chateado com essas coisas Benedito. Eu não sou aleijado só não ando com as pernas. Basta a mãe da minha mãe que disse que Deus me marcou para não perder de vista agora vem aquele menino me chamar de aleijado. Na velhota não fiz nada, era pequeno demais, mas o menino o que importa? Ainda vem o Tuca só porque tem 14 anos, ser consciente se disser coisa comigo eu sou é lasca. Num me arrependo mas não faço de novo. Eu sei que tenho problema, agora se me ofendeu
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tem o troco. Escute meu filho a gente é o que é, você não anda com as pernas e pronto, isso não o faz melhor nem pior só faz ser você.”
Décimo capítulo agora é um rapaz: “fiz 17anos. Senti uma vontade de dançar, mas as pernas não movem, detesto ter pena de mim mesmo. Com essa idade só tenho vontade de namorar”.
Nos últimos capítulos narra a festa de aniversário, paqueras e o reencontro com a mãe: “Era minha mãe, eu não consegui perdoá-la... ela chegou sentou ao meu lado e ficou me olhando, a gente quase não se falou, lembro bem a frase que ela disse: você ficou um homem bonito. Foi a marca de Deus lembra. Sonhei tanto com o dia em que ela voltaria, mas agora já tarde, a noite fria , a rua escura e nada havia mudado. A minha mãe tão estranha tão distante. Me pedindo perdão. Dessa vez era real talvez por isso eu não entendia o que é que eu devia perdoar, talvez por ela ter ido embora, talvez por ter me deixado aos três anos, talvez por ter deixado Deus me marcar, talvez por não ter me amado do jeito que eu sou, talvez por tantos talvez: eu não sei. Enxuguei o olho molhado e saí andando do jeito que sei, do meu jeito, nem pior nem melhor, mas do jeito que sei... do jeito que a vida me ensinou...”
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OBRA: “Benedito”
Autor: FERREIRA, Hugo Monteiro -
Ilustrador: Sebastião Rodrigues Seabra
Local: São Paulo Editora: Paulinas Data: 2005
A – CARACTERIZAÇÃO DA HISTÓRIA
1. Enunciador: narr. Interno / 2. Trama: cotidiana / 3 Narrativa: Realista
4. Discurso: específico / 5. diferença como modulo temático: def. física
6. situação inicial: Equilíbrio
B- Caracterização de personagens
1. localização na constelação: Protagonista
2. Universo constitucional: menino/ para adolescente / para jovem, com paraplegia
3. sentimentos: Tensão, rancor, raiva, aflição, irritação, saudade, intolerância
4. Ações: independência, comunicação, aproximação e fuga.
5. nome: sim (Próprio)
C- campos de atribuições dos fenômenos correlacionados
1- Diferença como: maléfica - resignação - resistência 2. Etiologia: indefinida 3. Desfecho : indefinido Quadro 3: Indicadores “Benedito” Fonte: Elaborado pelo autor.
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Figura 2: Páginas ilustradas in: “O Muro” Ilustrador: Ricardo Giroto, 2003.
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O Muro Júlio Emílio Braz
Havia o muro e durante muito tempo só houve o muro entre mim e o mundo,
impedindo-me de vê-lo de conhecê-lo, enchendo minha cabeça de idéias de possibilidades. E com apenas uma única e sedutora pergunta: como é o mundo?
Há naqueles tempos eu o imaginava grandioso demais, com encanto indescritível e dias sempre cheios de novidades e grandes imensidões de sonhos intermináveis. Puxa, sonhava e ao mesmo tempo, tinha medo de ultrapassar os limites daquela formidável, mas pequena, barreira de tijolos esverdeados, coberto de trepadeiras. De vez em quando eu nem dormia pensando nas possibilidades daquele mundo que eu queria conhecer e que ao mesmo tempo tanto temia.
Olhava para mim mesmo e me deixava abater pela realidade mais cruel que podia me destroçar. Minha cadeira de rodas meu limite. Aos sete anos eu a via, como meu limite. Odiava as janelas que davam para o terreno baldio ao lado da nossa casa, pois elas se abriam para as pernas ágeis e os mais sensacionais jogos de futebol.
Parecia que todas as bicicletas do mundo viam correr bem diante do meu portão, animadas por largos sorrisos e pernas ágeis. Crianças corriam empinando lindas pipas multicoloridas. Pernas igualmente velozes perseguiam cães turbulentos nos limites do meu muro. Em conversas intermináveis comigo mesmo percebi algo interessante. Pior que os limites físicos de minhas pernas mortas ou da cadeira de rodas, só aqueles que haviam construído em que comecei a senti pena de mim e me entregar mais aos sonhos delirantes de uma realidade improvável – correr, andar, todas aquelas coisas que não podia fazer com minhas próprias pernas, em vez de perseguir uma realidade mais palpável, e não menos interessante.
Naquele dia resolvi me dar o direito de ir mais além. Atravessei o portão que levava ao outro lado do muro, rumei para o terreno baldio e me permiti participar do jogo. Tudo bem que no início fiquei de lado, observando de longe, mas aquela bola girando no ar era irresistível. Eu simplesmente precisava tocá-la e toquei. Em poucos minutos me transformei no mais ágil gandula do terreno baldio. No princípio atropelei com os buracos, a cadeira de roda balançava, dando a impressão que ia tombar, e até tentaram me ajudar – aquela pena detestável nos olhos dos outros garotos. Mas depois de algum tempo encontrei um jeito, descobri uma forma mais rápida e menos perigosa de ir e vir atrás da bola, preocupando-me em devolver o mais depressa para que a magia do jogo não se extinguisse. Tornei-me, acima de tudo, respeitado pelos outros meninos, que esperavam a devolução da bola e muitas vezes, diante de minha agilidade em ir e vir com a cadeira até aplaudiam. Está certo que eu jamais entrei em campo para jogar, mas não fazia questão de jogar. O que eu queria mesmo era participar e isso eu já tinha conseguido. Quanto às bicicletas há, foi mais fácil! Não, pedalar eu não pedalava e jamais pedalaria, mas meu pai colocou um motorzinho na cadeira de rodas e aprendi a dirigi-la bem depressa. Foi bom, pois logo descobri um atalho para ir ao morro onde os mesmos que jogavam bola no terreno baldio iam soltar pipa.
Além do muro, claro, havia perigos. Uma bolada me derrubou da cadeira. Roubaram minha pipa, quando eu voltava para casa. Atravessar a rua é um verdadeiro inferno. Subir caçadas também. Mas ninguém me disse que seria fácil, e me recuso a viver a mercê das facilidades e das comodidades de meu quarto ou de minha casa. A liberdade, mesmo que sob certas condições, é doce demais para ser ignorada. A vida é um eterno desafio e não teria graça se fosse de outro jeito.
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A – CARACTERIZAÇÃO DA HISTÓRIA
1. Enunciador: narr. Interno / 2. Trama: cotidiana / 3 Narrativa: Realista
4. Discurso: específico / 5. diferença como modulo temático: def. física
6. situação inicial: tenção, (sofrimento)
B- Caracterização de personagens
1. localização na constelação: Protagonista
2. Universo constitucional: menino, criança com paraplegia
3. sentimentos: medo, insegurança, esperança, coragem, determinação.
4. Ações: busca, realizações, independência, brincadeiras.
5. nome: não
C- campos de atribuições dos fenômenos correlacionados
1- Diferença como: maléfica - resistência Benéfica - superação de si mesmo 2. Etiologia: indefinida 3. Desfecho : aceitação ativa Quadro 4: Indicadores “O Muro” Fonte: Elaborado pelo autor.
OBRA: “O Muro”
Autor: BRAZ, Júlio Emílio
Ilustrador : Ricardo Girotto
Local: São Paulo Editora: Paulinas Data: 2003
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Figura 3: Páginas ilustrada in: “Criança Genial” Ilustrador: Dimas Restivo (2005)
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Criança Genial
COTES, Claudia
As pessoas e os animais poderiam ser iguais, mas não são. Ainda bem! Assim podemos aprender que coisas diferentes deixam o mundo mais inteligente. Um dia Joãozinho estava passeando de barco e de repente viu um peixe que voa! Olha pai, um peixe voador tão diferente... Será um peixe passarinho? Ou um pássaro peixinho? Ficou se perguntando o Joãozinho... As pessoas também são diferentes. A mãe de Denise acredita que a dificuldade pode trazer felicidade! Sua filha não anda nem corre, mas dança na cadeira de rodas e ensina aos outros que o sonho mora na cabeça, e não nos pés ou nas mãos. O pai de Eric acha que ele é bonitinho e danado. seu filho não enxerga e mesmo assim o menino resolveu pintar! Faz esculturas quadros e dobraduras. Ensina o mundo o que é cultura. A Beatriz não pode escutar e mesmo assim não para de estudar. Vence seus limites e mostra que a felicidade não tem idade. Ela usa as mãos como forma de expressão e ensinam o mundo outros sinais de comunicação. A mãe de Paulo sabe que ele tem um bom coração. Com as mãozinhas pequenas a cabeça bem redondinha e os olhinhos puxados, ele é sempre alegre e não cresce jamais! Quer dizer o corpo cresce, mas a cabeça é de criança, sempre. Ele é especial, ou melhor, excepcional! Ensina ao mundo que a alegria mora no coração das crianças e também dos animais. Também tem a Bia, o Juca, o Cássio, a Gabi, a Maria Eugenia, o Rafael... Crianças diferentes ensinam pra gente que a natureza é inteligente! Todas elas juntas, deixam o mundo mais humano e fazem a gente pensar que crianças diferentes também tem o direito de serem contentes! São especiais e, por isso, geniais!
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OBRA: “Criança Genial”
Autor: COTES, Claudia
Ilustrador : Dimas Restivo
Local: São Paulo Editora: Paulinas Data: 2005
A – CARACTERIZAÇÃO DA HISTÓRIA
1. Enunciador: narr. externo / 2. Trama: Texto informativo / 3 Narrativa:
realista
4. Discurso: específico / 5. diferença como modulo temático: outros
5. situação inicial: não mencionados
B- Caracterização de personagens
1. localização na constelação: Protagonistas
2. Universo constitucional: crianças com deficiências
3. sentimentos: não mencionados
4. Ações: diversas
5. nome: sim (próprios)
C- campos de atribuições dos fenômenos correlacionados
1- Diferença como: benéfica
- superação de se mesmo - gratificação social 2. Etiologia: indefinida 3. Desfecho: compensação Quadro 5: Indicadores “Criança Genial” Fonte: Elaborado pelo autor.
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Figura 4: Páginas ilustradas in: “Anjinho” Ilustrador: Eva Furnari (2007)
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Anjinho
FURNARI, Eva
Lili morava no céu com sua mãe e seu pai. Ela adorava brincar nas nuvens claras e macias. Fazia castelos fofos, montanhas de algodão bolotas de vento. Um dia resolveu fazer outra coisa jogar futebol. Mas os anjos não têm muito jeito para isso e então logo no primeiro chute... A bola ficou e vupt... O sapato se foi. Foi lá para baixo, para a terra. Quando Lili viu seu sapatinho cair saiu voando atrás. Nem lembrou que anjo não podia fazer isso sozinha. Anjo pequeno só podia ir para terra se estivesse acompanhada com os pais.
Chegando a terra viu um monstro verde cheio de catapora vermelhas, assustou-se e caiu na grama, olhou em volta. O monstro tinha sumido, o sapato estava perto de uma arvore bem grande com frutas vermelhas. De repente Lili vê muitos monstros de todas as formas e cores. Sua mãe nunca havia lê falada dessas criaturas que viviam na terra. Depois espiou por entre os dedos só viu dois palhaços fazendo bolhas de sabão. Aliviada voltou à procura o sapato.
Ouviu um barulhão, um rugido, olhou a estrada mais adiante. Vinha em sua direção um monstro ainda maior e mais feio que os outros. Era grandão, zolhudo e bocudo! Lili pensou, voou para o lado antes que o malvado passase por cima dela. Era só Um carro
Lili correu até uma praça. Percebeu que estava anoitecendo. Queria voltar para casa. Novamente, assustou - se com as árvores se movendo pensando ser terríveis monstros. Naquela hora tudo que Lili queria era que sua mãe estivesse ali, bem pertinho dela. Sem saber o que fazer se encolheu dentro de uma lata de lixo meio vazia. Chorando baixinho rezou pedido que sua mãe viesse busca – lá.
Alguém tirou a tampa da lata de lixo. Lili achou que era o bicho-papão. Deu um pulo e saiu voando em disparada. Foi aí que ela tombou com alguém que estendia os braços. Ela ia gritar quando sentiu que o monstro era macio, fofinho e perfumado. Era sua querida mãe.
- onde estava você meu amor? Procurei por todos os cantos do céu. Achei seu sapatinho na boca de um cãozinho aqui na terra. O que foi que aconteceu?
Lili abraçou sua mãe chorando. Ela nunca tinha percebido o quanto gostava daquele abraço querido. Depois contou os sustos que havia levado e perguntou:
- Mãe, por que você nunca disse que a terra é cheia de monstros? A mãe olhou para a praça e viu: a arvore balançando ao vento era o monstro
horripilante, o mendigo remexendo o lixo era o bicho papão. Então percebeu o que havia acontecido: Lili tinha esquecido os óculos lá nas nuvens e, como não enxergava bem tinha confundido algumas coisas. A mãe abriu a bolsa e lhe entregou os óculos. Lili passou enxergar tudo direitinho. Ficou aliviada. Depois disso as duas voaram de volta para o céu. Em casa depois de um banho, já na cama Lili ganhou um beijo de boa noite. Fechou os olhos e pensou que tinha muita sorte. Sua mãe era um anjo, sorriu e adormeceu.
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OBRA: “Anjinho”
Autor: FURNARI, Eva
Ilustrador: Eva Furnari
Local: São Paulo Editora: Ática Data: 1997
A – CARACTERIZAÇÃO DA HISTÓRIA
1. Enunciador: narr. externo / 2. Trama: cotidiano / 3 Narrativa: Híbrida
4. Discurso: inespecífico / 5. diferença como modulo temático: def.visual
6. situação inicial: equilíbrio
B-CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS
1. localização na constelação: Protagonista
2. Universo constitucional: criança (Anjo)
3. sentimentos: medo, insegurança, saudade, tristeza
4. Ações: dependência,
5. nome: sim (apelido)
C - CAMPOS DE ATRIBUIÇÕES DOS FENÔMENOS CORRELACIONADOS
1- Diferença como: maléfica - experiência de horror 2. Etiologia: indefinida 3. Desfecho : indefinido
Quadro 6: Indicadores “Anjinho” Fonte: Elaborado pelo autor.
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Figura 5: Paginas Ilustradas in: “Draguinho - diferente de todos parecido com ninguém” Ilustrador: Openthendoor (2005)
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Draguinho - diferente de todos parecido com ninguém
GALPERIN, Cláudio
Aconteceu em Dragz, mas poderia ter sido em Beltez, Valen ou Zalis, ou em qualquer outro lugar onde habita dragões. Escondida no coração da floresta essa pequena aldeia é uma das mais antigas que se conhece. Consta nos livros dos sábios que há mais de cem anos já havia famílias de dragões vivendo por lá. Construindo moinhos, pontes e até mesmo uma torre de pedra, o ponto mais alto da aldeia. sem esquecer também da escola. Lugar onde os pequenos dragões aprendem coisas muito importantes como, escrever, voar e soltar fogo pelo nariz. Na maioria das vezes Draguinho até que gostava de ir à escola.
Naquele primeiro dia de outono, no entanto ele bem desejaria não ter saído de casa... A professora chamou Dragoncio, Drica e todos atiraram fogo. - Draguinho insistiu Dona Dragonildes. Não precisa ter medo, ninguém nasce sabendo. Sobe os olhares curiosos de todos os colegas de classe – Draguinho era o único que não havia produzido nem uma chama sequer-, lá foi ele tomar posição ao lado da professora. Contou dentro da cabeça “um dois, eeee...”. A coisa mais incrível, jamais vista em toda história da civilização dos dragões, aconteceu. Por alguns instantes, Dona Dragonildes e os alunos ficaram no mais completo silêncio, todos com os olhos arregalados, tamanha surpresa. Das ventas de Draguinho não foi fogo o que se viu, mas sim um fortíssimo jato de.... ÁGUA! Os alunos começaram a dar risada e zombar dele. De longe mal conseguindo se aproximar dele, Drica observava com tristeza. Gostava dele talvez porque Draguinho, assim como ela, adorasse contar, ouvir e desenhar histórias. Talvez porque ele, em segredo, mas nem tanto, fosse de conversar com as estrelas, os bichos e as plantas. Ou talvez, porque Draguinho, bom companheiro que era jamais deixaria um amigo na mão. Em casa, o avô Dragalileu, insistiu que a beleza do mundo estava no fato de sermos todos diferentes uns dos outros. – eu não quero ser diferente de ninguém... – discordou Draguinho mais triste que zangado. Os dias foram passando e nada de Draguinho ir à escola. Ou lugar algum. Ficava dentro do quarto, trancado brincando sozinho. Dr. Wolosker, a chamado do avô chegou especialmente de Valen para examinar Draquinho. Foi um demorado e minucioso exame. - Eu não consigo encontrar nada de errado com ele. De resto a saúde dele é perfeita. Ele pode fazer o que bem entender, a não ser soltar fogo pelo nariz. No meio da madrugada, Draguinho pulou da cama, certo do que deveria fazer. Não podia mais ficar em Dragz. Sendo motivo de riso para todos. Deixaria a aldeia para sempre. Procuraria seu lugar. Um lugar onde todos os dragões soltassem água pelo nariz.
Depois de uma longa caminhada adormece na floresta. Ao amanhecer, sonolento demorou um pouco para perceber. – outro par de olhos que o estudava com curiosidade. – meu nome é Drago, mas todos me chamam de Draguinho. - o meu é Jasper. - você é um dragão, não é? – sou sim e você? - ora sou um elefante você nunca viu um elefante antes? – E que... Eu pensei que elefante tivesse tromba... Argumentou Draguinho pouco a vontade, diante de Jasper e seu minúsculo nariz. – há! É isso – disse Jasper, junto de uma sonora risada – você tem toda razão! Os elefantes têm mesmo tromba. Eu é que nasci sem ela. - Há e você fugiu de casa por causa disso, não é? – De onde você tirou uma idéia dessas? Respondeu Jasper, surpreso. – venha! Seguiu dizendo o elefante com entusiasmo. Eu quero te apresentar o pessoal. A cada dia que passava, a turma ficava maior. Draguinho que tanto gostava de desenhar registrou os encontros todos num pequeno caderno. Logo nas primeiras paginas estava Jasper. O pequeno elefante é bem verdade, sentia falta de uma longa e bela tromba como aquela da irmã, dos primos e dos amigos da escola. Por outro lado a falta dela havia lhe proporcionado uma grande agilidade. Quando os elefantes precisavam de algo urgente em algum lugar distante. Era de Jasper que valiam ninguém ali era mais veloz do que ele! Aquele desenho na segunda página do diário era Ivy: uma vaca que para o
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espanto de Draguinho, punha ovos em vez de dar leite. Uma das melhores amigas de Ivy era Ariela uma galinha do mato que ao invés de ter voz de taquara rachada – era a mais afiada cantora de opera de toda floresta. Seguiram as paginas do diário o leão que miava sempre que tentava rugir, Dália, a onça pintada que não tinha uma pinta sequer; Groucho o porquinho estrábico que enxergava tudo dobrado; Marlow o morcego branco que adorava a luz do dia, Rita a águia que podia alcançar o pico mais alto da montanha, mas gostava mesmo de andar a pé. Draguinho foi buscar no meio do caderno o desenho que havia feito de Max – o coelho banguela. Vindo de uma família se sete irmãos e nove irmãs, ele era o único entre todos eles, que fazia suco de cenoura ao invés de roê-las. Lembrou então de uma conversa com Rhena uma coelhinha cor de canela que vivia numa toca vizinha de Max. - Já sei – disse Draguinho, - a falta dos dentes faz dele o mais rápido dos coelhos! - Não! Respondeu Rhena, depois de uma risada. Na verdade ele é meio devagar... - Então porque todo mundo gosta dele? Perguntou Draguinho intrigado. - Porque ele é amigo da gente! Precisa de motivo melhor? “Não nenhuma razão seria melhor do que aquela” – pensou Draguinho ao fechar seu caderno e dar com Max, deitado ao seu lado.
Draguinho não conseguiu dormir encontrou dificuldade para adormecer, ficou deitada de barriga para cima pensando no tempo que ficaria longe de casa. Haveria de existir, em algum lugar deste ou de outros mundos, dragões que soltassem água pelo nariz. Haveria de existir tantos dragões que pelas ventas, soltassem diamantes, pedras de gelo ou suco de melancia. Nada disso parecia ter importância agora. Draguinho estava a caminho de seu lugar. A caminho de casa. A caminho de Dragz. Ele estava finalmente de volta à aldeia. A recepção, porém, não foi sequer perto da que ele imaginava. Todos correndo de um lado para outro, agitados mal enxergavam o que tinha pela frente, densa era a fumaça. Um surto de gripe havia pegado à aldeia inteira de surpresa, um dragão adulto espirrando já é um perigo, imagine uma porção deles gripados, a cada espirro um incêndio! Na confusão Draguinho acabou trombando com outro dragão. Drosh o encrenqueiro da classe. Draguinho imaginou que ia apanhar. Drosh, no entanto parecia ter outra idéia em mente... - Nas minhas costas, rápido! Num esforço colossal, com asas bem abertas, Drosh conseguiu sair com Draguinho do chão. Agora sim sobrevoando a aldeia Draguinho podia dirigir seu potente jato de água na direção das chamas. Os dois trabalharam incansáveis durante todo dia e um pedaço da noite. Estavam exaustos quando puderam contemplar com alegria as construções que havia salvado do fogo. Os cumprimentos chegavam de todos os lados. A festa em homenagem a Drosh e Draguinho foi a mais animada que já se teve notícia em Dragz. Ao ar livre. Bem ao gosto dos Dragões agora já recuperados da gripe.
Enquanto todos se divertiam, junto à cantoria, Draguinho e Drosh conversavam empolgados, como seria difícil imaginar algumas semanas atrás. Os dois não haviam apenas salvo a aldeia de um incêndio terrível, mas encontrado, um no outro, amizade que os uniria para o resto de suas vidas.
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OBRA: DRAGUINHO diferente de todos parecido com ninguém
Autor: GALPERIN, Cláudio
Ilustrador : Openthendoor
Local: São Paulo Editora: Ática Data: 2005
A – CARACTERIZAÇÃO DA HISTÓRIA
1. Enunciador: narr. Externo / 2. Trama: cotidiana / 3 Narrativa: híbrida
4. Discurso: específico / 5. diferença como modulo temático: diferença na função
de um órgão
6. situação inicial: tensão
B-CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS
1. localização na constelação: Protagonista
2. Universo constitucional: dragão filhote (adolescente ) para jovem que solta água
pelo nariz no lugar de fogo
3. sentimentos: medo, tristeza,
4. Ações: fuga, isolamento, aproximação, perseverança, batalha.
5. nome: sim (Próprio)
C-CAMPOS DE ATRIBUIÇÕES DOS FENÔMENOS CORRELACIONADOS
1- Diferença como: 1- maléfica - resignação -humilhação 2- benéfica - gratificação social - superação de si mesmo 2. Etiologia: eventos da natureza 3. Desfecho: compensação Quadro 7: Indicadores “Draguinho - diferente de todos parecido com ninguém” Fonte: Elaborado pelo autor.
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Figura 6: Páginas Ilustradas “O dragão que era galinha d´angola” Ilustrador: Mariana Massarani (2005)
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O Dragão que era galinha – d´angola
FLORA, Ana
Naquela manhã a galinha d´angola encontrou um ovão lá no terreiro... O ovo estava começando a rachar... crac...crac.. E lá de dentro saiu um dragãozinho, que olhou para galinha d´angola e disse: - Piu, Piu!
A galinha ficou comovida e adotou o dragãozinho. Aonde ela ia com os filhotes, o dragãozinho ia atrás. Ele era amigo de todos os pintinhos.
No fim do dia, adorava ouvir histórias antigas sobre a família: a da bisavó tatu que veio lá da áfrica para o Brasil; a da tia Gigi, que era muito moderna e pintou de Rosa choque as bolinhas das penas.
O dragão e os pintinhos faziam muitas travessuras: trocavam os ovos das patas com os das galinhas inglesas, brincavam de guerra de milho.
O tempo foi passando e o dragãozinho foi virando um dragãozão. Um dia disse piu, piu e quase incendiou o galinheiro. Alguns moradores do galinheiro ficaram com medo. Fizeram uma reunião para saber se ele continuaria morar ali ou não. Cada um tinha uma opinião. – ele é um menino muito calmo só solta fogo de vez em quando - defendeu a galinha d´ angola. – é um perigo! Disse o galo Garnisé. – não pode continuar aqui! Vai queimar todo mundo! – o lugar dele é na floresta dos livros de contos de fadas, junto com os outros dragões! – gritou o galo de crista em pé. – ele podia ficar um tempo no galinheiro outro na floresta - propôs a galinha caipira, que achava que tudo poderia ser resolvido com jeitinho. Depois de muita discussão decidiram que o dragão teria que ir embora, viver no bosque dos contos de fadas, dentro do livro. A despedida foi uma choradeira só... piu,piu...buaaaá...
A galinha d` angola deu muitos beijos no filho adotivo, ajudou a arrumar a mala, colocou o sanduíche e o suco de milho na sacolinha. E prometeu ir visitá-lo logo.
Lá na floresta dos contos de fadas, o dragão encontrou seus colegas. Eles não entendiam para que servia um dragão que só comia milho, voava baixinho, piava e não atacava ninguém. Nessas horas o dragão ia para o lago, olhava seu rosto nas águas e perguntava: - quem sou eu? Dragão ou galinha d´angola? De vez em quando a mãe vinha visitá-lo. Ele sentia muitas saudades de todos, mas não tinha coragem de voltar para o galinheiro. O tempo foi passando até que um dia mamãe galinha, em uma de suas visitas, apareceu muito nervosa, gritando: - a raposa está rondando o galinheiro! Todos estão apavorados! Então a dragonice dentro dele veio à tona. Ele lembrou de suas garras. E se lembrou de seu rabão. E lembrou de seu fogo. E sentiu se mais dragão do que nunca! Abriu as asas colocou a mamãe galinha nas costas e voou para o galinheiro. Quando os dois chegaram lá, só faltava um pouquinho para a raposa pegar as três galinhas... Ah ele soltou um fogo tão forte, mas tão forte pela boca que a raposa virou churrasquinho. Aí todos os galos, todas as galinhas, todos os pintinhos abraçaram o dragão, fizeram uma roda em torno dele e cantaram: “o dragão é um bom camarada, o Dragão é um bom camarada, o dragão é um bom camarada... ninguém pode negar! Desde esse dia, o dragão voltou a morar no galinheiro. E passar férias lá na floresta dos contos de fadas, juntos com seus amigos dragões... que por sinal, já estão aprendendo a dizer „piu, piu‟ e a dormir no poleiro...”.
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OBRA: “O dragão que era galinha d´angola”
Autor: FLORA, Anna
Ilustrador : Mariana Massarani
Local: São Paulo Editora: Salamandra Data: 2005
A – CARACTERIZAÇÃO DA HISTÓRIA
1. Enunciador: narr. externo / 2. Trama: cotidiana / 3 Narrativa: híbrida
4. Discurso: específico / 5. diferença como modulo temático: comportamento
diferente do grupo de pertinência
6. situação inicial: equilíbrio
B - CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS
1. localização na constelação: Protagonista
2. Universo constitucional: dragão, filhote, adolescente para jovem, com
características de galinha que o diferencia do grupo dos dragões e características
de dragão que o deferência do grupo das galinhas
3. sentimentos: tristeza, saudade, dúvidas, medo, coragem
4. Ações: isolamento, atitude, vigor, batalha
5. nome: não
C - CAMPOS DE ATRIBUIÇÕES DOS FENÔMENOS CORRELACIONADOS
1- Diferença como: 1- maléfica - resignação - submissão 2- benéfica - gratificação social - superação de si mesmo 2. Etiologia: evento social 3. Desfecho: compensação Quadro 8: Indicadores “O Dragão que era galinha – d´angola” Fonte: Elaborado pelo autor
78
Figura 7: Paginas Ilustradas in: “Dorina viu” Ilustrador: Dimaz Restivo (2006)
79
“Dorina viu”
COTES, Claudia
No interior de São Paulo, lá longe, bem no meio do mato, onde os pássaros cantam todas as manhãs e o ar é puro, vivia uma menina esperta e sonhadora chamada Dorina. Sempre acordava bem cedinho. Porque havia muitas brincadeiras para serem brincadas. Assim o tempo foi passando e a menina Dorina foi brincando de inventar e ser feliz com coisas bem simples. Ela cresceu adorando ver o colorido das coisas. Mas um dia Dorina acordou e não viu mais nada! Seu mundo ficou escuro... No começo ela ficou muito triste. Mas depois resolveu não desisti e reagiu!
Sabe o que ela fez? Descobriu que a gente pode ver com outras partes do corpo também! Com os dedinhos, por exemplo! A menina descobriu que os dedos também vêem e que podemos ler o mundo com eles. E começou a tocar e sentir. Então ela percebeu que os dedinhos enxergam mais do que os olhos, sabem por quê? Porque com eles a gente pode sentir! E a Dorina resolveu dividir isso com todo mundo. Sabe como?
Quando ela cresceu, tornou se uma professora fundou uma biblioteca para ensinar as pessoas porque ler é muito bom. E também para fazer livros para cegos! E hoje tem gente que pergunta: - Você conhece Dorina Nowill? Aquela mulher que viu? Ela viu muito mais do que você, eu, do que todos nós juntos.
Dorina viu as pessoas lendo em Braille, por todo Brasil!
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OBRA: “Dorina viu”
Autor: COTES, Claudia
Ilustrador : Dimaz Restivo
Local: São Paulo Editora: Paulinas Data: 2006
A – CARACTERIZAÇÃO DA HISTÓRIA
1. Enunciador: nar. externo / 2. Trama: cotidiana / 3 Narrativa: realista
4. Discurso: específico / 5. diferença como modulo temático: deficiência visual
6. situação inicial: equilíbrio
B - CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS
1. localização na constelação: Protagonista
2. Universo constitucional: criança, adolescente p/ jovem com def. visual (cega)
3. sentimentos: tristeza, alegria
4. Ações: aproximação, perseverança, independência, realização, trabalho
5. nome: sim (Próprio)
C - CAMPOS DE ATRIBUIÇÕES DOS FENÔMENOS CORRELACIONADOS
1. Diferença como: benéfica - superação de si mesmo 2. Etiologia: indefinida 3. Desfecho : aceitação ativa Quadro 9: Indicadores “Dorina viu” Fonte: Elaborado pelo autor.
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Figura 8: Páginas ilustradas in: “O menino que via com as mãos” Ilustrador: Grego (1997)
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O menino que via com as mãos
Alexandre Azevedo
Juquinha é um menino sadio e inteligente. Porem vê o mundo de forma diferente. E de tão curioso, tudo quer conhecer: Pessoas coisas, bichos que os olhos não podem ver. Então com as mãos ele alisa o Fofinho. Que cachorro mais mansinho! Mas tarde afaga o cabelo e o narizinho arrebitado: - eu conheço essa boneca do Monteiro Lobato! Depois acaricia uma flor de uma praça bem Florida! Se não é rosa nem vileta então é a margarida! O dedo indicador desliza da testa para o nariz, escorrega da boca para o queixo: - É a Ana Beatriz! Com muito cuidado apalpa as frutas que caem no chão. E antes de chupá-las acerta: _ Laranja, Manga, Limão! Mas o que Juquinha mais adora, é quando a chuva cai lá fora! Então Juquinha não perde tempo e corre para o quintal! Abre os braços bem abertos: Isso é que é legal! De tanto tocar em tudo, também quer ser tocado, e isso a chuva faz bem, deixando-o todo ensopado. Mas tomar banho de chuva a mãe acha que é coisa de menino arteiro, e lá vai Juquinha pro quarto abraçar seu travesseiro.
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OBRA: “O menino que via com as mãos”
Autor: AZEVEDO, Alexandre
Ilustrador : Grego
Local: São Paulo Editora: Paulinas Data: 1997
A – CARACTERIZAÇÃO DA HISTÓRIA
1. Enunciador: narr. externo / 2. Trama: cotidiana / 3 Narrativa: realista
4. Discurso: específico / 5. diferença como modulo temático: deficiência visual
6. situação inicial: equilíbrio
B - CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS
1. localização na constelação: Protagonista
2. Universo constitucional: menino, criança cega
3. sentimentos: alegria, curiosidade.
4. Ações: brincadeiras, peraltice, descobertas
5. nome: sim , (Próprio)
C - CAMPOS DE ATRIBUIÇÕES DOS FENÔMENOS CORRELACIONADOS
1- Diferença como: neutra 2. Etiologia: indefinida 3. Desfecho: aceitação ativa
Quadro 10: Indicadores “O menino que via com as mãos” Fonte: Elaborado pelo autor
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Figura 9: Páginas Ilustradas in: “O louco do meu bairro”
Ilustrador: Mia (1996)
85
O Louco do meu bairro FLORA, Ana
Quando eu era pequena, morava num bairro só de casas. O lugar era muito calmo e podíamos brincar na rua. A turma do quarteirão era composta por dez crianças, sete meninos e três meninas: eu e duas gêmeas minhas vizinhas. Mas havia uma coisa que era mais legal que qualquer brincadeira fugir do guardinha louco. Porque o bairro, assim como tinha quitandeiro, o homem do ferro velho, o bananeiro de caminhão, tinha também seu louco. Era um moço de uns quinze anos usava sempre uma camisa roxa, sapatos vulcabraz com um pé sem cordão, óculos de lentes grossas tipo fundo de garrafa e um apito no pescoço com o qual ele comandava o tráfego. Só que a rua não tinha trânsito nenhum! Por isso nós o chamávamos de “guardinha louco”. Quando surgia na esquina, todo mundo corria atrás gritando: guar-di-nha lou-co! guar-di-nha lou-co! Ele ficava uma fúria e vinha atrás de nós apitando. O pessoal corria em disparada e ia se esconder na casa do Vadico. Olhávamos pelo muro e lá ia ele embora, apitando ao léu, gesticulando muito e falando sozinho: - o senhor vai ser multado. Aqui não pode estacionar. Não aceito gorjeta. Vamos circular... Até que era um doido manso... Fora essas corridas, não faziam mal nenhum.
E assim ia o bairro nós brincando e o louco apitando. Foi quando aconteceu uma coisa que acelerou o ritmo dos acontecimentos, as gêmeas se mudaram para o Rio de janeiro, e eu fiquei sendo a única menina da turma da rua. Foi aí que, os meninos começaram a me deixar de fora das brincadeiras. – você não pode entrar no jogo porque enfraquece o time. O passeio de bicicleta é muito puxado para menina. A coisa estourou mesmo, no campeonato de estilingue, no ano passado eu tinha sido campeã e esse ano não me deixaram participar. Fiquei pensando que ninguém mais era meu amigo. Foi aí que o louco apareceu sentou ao meu lado. Estava tão chateada que não fiquei com medo. Para espanto meu ele se virou e disse. Você esta triste porque os meninos estão sempre te pondo para fora não é? Admirada perguntei: - como você sabe? – ora, falou ele, sou louco, mas não sou bobo.. Percebo quando as coisas estão acontecendo. Desde que aquelas duas foram embora, eu passo pela rua e quase não vejo você... Nem correndo de mim na hora do apito, está mais. - Quanto ao campeonato deixa eles competirem. Depois você desafia o campeão pra uma estilingada amistosa. Nessa altura da conversa os meninos apareceram e começaram a gritar. – Há, bá, bá é amiga do louco! Há, bá, bá, bá! Fiquei louca da vida e respondi. Prefiro ser amiga dele à de vocês! Eles começaram a gritar: Guar-di-nha... Dessa vez eu saí junto com o doido correndo atrás deles.
No dia seguinte ia voltando da escola, vi o maluco em cima do muro, comendo umas goiabinhas. – olá! Ontem esqueci de perguntar seu nome. Sô Pedro, mas pode me chamar de guardinha – e apitou em seguida. – onde você conseguiu esse apito? – perguntei. – no hospício – respondeu – Lá encontrei cinco internos eram guardas feito eu. Só que nessa época eu só assoviava, não tinha apito eles me deram esse de presente. Pulou do muro sentou do meu lado ofereceu uma goiabinha para mim (por sinal bichada). – você fica muito tempo internado? – não só quando os homens de branco me acham na rua. Daí eles me levam embora. – Onde você mora? Em vez de responder, ele foi para o meio da rua e ajudou um cego atravessar. – obrigada seu guarda disse o cego sem ver o louco. Sempre quando eu chegava da escola encontrava o Pedro pendurado em algum lugar. Na semana passada ele estava em cima do poste de luz. Outro dia no ipê-roxo, em frente à casa do italiano. No dia seguinte lá estava ele com um pedaço de pano branco amarrado num pãozinho feito uma bandeira. O que é? Perguntei Juiz de futebol? Não, to pedindo trégua pro bairro para ninguém me perseguir mais....
No dia do campeonato cheguei ao campinho junto com o Pedro. Todo mundo se espantou. Mas ninguém saiu gritando guardinha louco. Zé Miguel venceu o concurso assim que recebeu o prêmio Pedro me disse. – vai lá é agora! Atravessei o campinho
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cumprimentei o Zé Miguel e falei você quer competir comigo? Ele deu uma gargalhada. Você é menina... Menina não pode participar, mas o campeonato já acabou. Estou propondo um desafio entre nós dois. Passou um tempinho, fomos nós dois para o meio de campo. A turma fez um semicírculo. Todos na maior expectativa. Nos quinze primeiros minutos ele já estava três pontos na minha frente. Eu dizia pra mim mesma o que eu quero é continuar na turma, e não ganhar do Zé Miguel. Depois de cinco minutos eu já estava empatada, mais um pouco e eu vencia de cinco a três. Só o Pedro batia palmas. Quando faltava pouco para acabar eu já estava com sete na frente. Cheguei para o Zé Miguel e falei chega eu não quero mais. Até o Pedro ficou chocado. Depois desse dia, nenhum menino mais teve coragem de dizer isso não é coisa pra mulher. Eles voltaram até brincar de boneca comigo.
Eu continuava mais amiga do que nunca do Pedro. Mas os meninos não o aceitavam. – ele é louco demais pro meu gosto, falava Vadico, - só é divertido fugir dele – reforçava Vicente. Eu não sei como começar conversar com ele dizia Murilo. Até que um dia estávamos jogando vôlei na rua. O guardinha assistia enquanto conversava com um gato que ele tinha achado. Tudo corria normalmente até a bola cair no quintal da Alemãzona, nós a detestávamos ela não devolvia nada que caia na sua casa. O Pedro se aproximou e disse eu posso ajudar vocês. Eu posso disfarçar de vendedor de enciclopédia... Combinamos que nos encontraria naquela mesma hora no dia seguinte para fantasiar o guardinha. Assim foi feito. Nestor apareceu com um terno do pai, de tergal brilhante verde fosforescente, eu levei uma gravata vermelha com bolinas azuis e o Mané trouxe uma pastinha 007, meio velha. O louco ficou tão gozado que até tive pena. Minha senhora ele falou meio entrando na sala – sou Benevades Beleleu, estou aqui para servi-la, vender saber e alegria. Tudo ia bem até ele pedir uma bola para mostrar algo da enciclopédia. Quando voltou a alemãzona trazia a bola nas mãos. Pedro a tomou rapidamente e disse: eu não sou vendedor de enciclopédia coisa nenhuma, sou amigo desses moleques que jogaram a bola na sua casa! Mas então você é... O guardinha louco. E fico mais doidão ainda na frente de velhas pirracentas, sabia? A alemã estava com medo, mas reagiu tentou tomar a bola dele, mas Pedro jogou a bola pela janela. Ela jogou a enciclopédia na cara do guardinha, espatifando seus óculos de lentes grossas. Pedro ficou tateando na sala sem enxergar nada. Não tivemos dúvida; pulamos o muro, amordaçamos a alemã, a gente só solta se senhora devolver tudo que cair no seu quintal! Ela fez que sim com a cabeça e nós a libertamos. – por favor, tirem esse louco daqui ela pediu tremendo. Vamos todos nos retirarem. Só tem uma coisinha. A senhora não vai contar nada do que aconteceu aqui.
Saímos felizes, com a vitória jogando a bola pro ar. E pro Pedro nada? Tudo! – gritamos em coro. – e como é que é? Pe-dro! Pe-dro! Ele ficou comovido e começou a dançar, dançamos juntos com ele. Até que alguém se lembrou: Pedro ficou sem óculos. A turma toda fez uma vaquinha com a mesada e nós compramos óculos novos para ele. Pedro ficou tão agradecido que até chorou, mas nos olhando divertido comentou. – eu me sinto feliz por pertencer essa turma, mas quero continuar correndo atrás de vocês! Não esperem segunda ordem: - Guar-di- nha Lou-co! Guar-di- nha Lou-co! E saímos em disparada pela rua. Tem um detalhe; o guardinha louco foi meu primeiro namorado. Mas isso fica para uma outra história.
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OBRA: “O louco do meu bairro”
Autor: FLORA, Anna
Ilustrador : Mia
Local: São Paulo Editora: Ática Data: 1996
A – CARACTERIZAÇÃO DA HISTÓRIA
1. Enunciador: narr. interno / 2. Trama: cotidiana / 3 Narrativa: realista
4. Discurso: específico / 5. diferença como modulo temático: deficiência mental
6. situação inicial: equilíbrio
B - CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS
1. localização na constelação: personagem secundário
2. Universo constitucional: jovem com deficiência mental
3. sentimentos: espírito crítico, alegria, utilização do potencial
4. Ações: aproximação, batalha, criatividade.
5. nome: sim (próprio)
C - CAMPOS DE ATRIBUIÇÕES DOS FENÔMENOS CORRELACIONADOS
1- Diferença como: 1- maléfica - humilhação - submissão 2- benéfica - gratificação social 2. Etiologia: indefinida 3. Desfecho : exotismo Quadro 11: Indicadores “O louco do meu bairro” Fonte: Elaborado pelo autor
88
Figura 10: Páginas ilustradas in: “Aventura no escuro” Ilustrador: Rogério Soud (1999)
89
Aventura no escuro OLIVEIRA, Dirceu
Tudo começou quando Rafa viu na TV que cachorros vêem tudo em preto e
branco, muito preocupado com a forma que sua cachorra Frida vê o mundo quis saber mais sobe o assunto. Seu pai lhe disse. Não se preocupe, os cães sempre enxergaram desse jeito não sente falta. Em matéria de enxergar você vai aprender um bocado essa semana. Sabe quem vem passar alguns dias aqui em casa? Seu primo Leandro. – O ceguinho? - Deficiente visual filho. – Mas será que Leandro vai me reconhecer? Ele não me vê, faz tempo. Aliás, ele nunca me viu! E nem nunca vai me ver! Ai meu Deus, como é que a gente brinca com alguém que não enxerga? - Calma Rafa deficiência física limita a pessoa, mas não acaba com a vida dela. Sempre tem um jeito de vencer esse tipo de problema. Eu vou te dar uns toques de como agir com ele, para que vocês possam brincar juntos numa boa. E depois vai dormir porque ele chega logo cedo. Dormir? Com tantas coisas para pensar. Imagina que Frida não liga de não enxergar colorido... E o primo Leandro? Como pode reconhecer alguém pelo tato, pela voz, até o cheiro, como o pai falou? E como vive sem TV, sem ver vídeo games, sem ver livros e gibis... Sem ver??? Na noite do dia seguinte Rafa já estava bem à vontade com o Primo. Fizeram um passeio pela casa, fazendo um reconhecimento do lugar. Leandro foi identificando a posição dos móveis, das portas da direção de cada cômodo... Brincar não foi nada problemático: Deu para jogar dominó, dama, até para montar quebra cabeça. Não há diferença na imaginação dos dois e viver aventuras com miniaturas dos heróis da TV que todos reconheciam com as mãos, mas ninguém tão rápido como Leandro – foi para lá de divertido. Ouviram música e histórias narradas em disco fitas e CD... Ah! E os livros em braile do primo? com os dedos ele ia traduzindo os pontinhos em voz alta. Até prometeu ensinar a linguagem de braile, para que os dois pudessem trocar carta futuramente.
O Rafa até que se saiu um bom guia, o máximo que tinha que fazer era avisar quando, surgiram degraus, buracos, móveis objetos ou coisas do gênero... De vez em quando ele se atrasava em passar informações, mas Leandro acostumado a outros guias ainda fazia piada: - opa não vi o degrau... Quem foi que foi que apagou a luz? Pregava uma peça atrás da outra: dava trombada de propósito com o Rafa e perguntava se ele não enxergava por onde andava, lia gibi de ponta cabeça; penteava se em frente ao espelho e se vangloriava do visual, com pinta de galã...
No dia seguinte saíram pelo bairro guiado por Frida foram parar em um lugar desconhecido e abandonado.
Se você visse o que eu to vendo... Parece cenário de filme de terror. Um terreno abandonado grama alta... Um velho galpão de janelas quebradas. – Hum.. Pela discrição parece armazém ou depósito abandonado. É de dar calafrio. Fuçaram tudo. Andaram por todo o subterrâneo, tateando no quase escuro. O quase era representado pela única luz que restava: A da porta onde terminara a escada por onde desceram. Estava justamente pensando nisso quando,... Bam! ... E o breu total. – que isso? Lê to cego também! To cego também! Socorro! - Cego, mas como? – fez um barulhão eu to com os olhos abertos, mas não enxergo nada! – então foi à porta batendo! Ta cego coisa nenhuma.... Ta é tudo escuro. Ufá é mesmo só pode ser, mas como vamos sair daqui. O... Coloque a mão no meu ombro eu to mais acostumado à escuridão, deixe que eu guie a gente, vem por aqui. Pise devagar, experimente o chão. Estique a outra mão, vai sentido o que tem na frente, dos lados. - Que isso, um robô congelado??? Ponha a mão, Leandro. Tem cabeça, nariz, boca, olhos, tudo... Será um cadáver embalsamado? Ta em cima de alguma coisa fria... Mármore... TÚMULO! É UM TÚMULO... Teve que esperar pela resposta, pois Leandro não conseguia parar de rir. O ombro dele pulava de tanto que ele ria. È uma estatua, meu. E está em cima de um pedestal de mármore... Foi bom, você ter achado o figurão ai, porque me lembro que tinha uma estatua bem a esquerda da porta, que, portanto está aqui. Rafa já estava abraçando o primo pulando e gritando de alegria.
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Naquela noite foi difícil pegar no sono. Rafa pensava sobre todos os acontecimentos. Tudo que se referia ao “olhar”, “ver”, e “sentir”, tinha agora novo significado. Foi na escola depois de mais e mais aventuras com o primo. Rafa pôde mostrar como aqueles dias tinham sido proveitosos, além de divertidos. Ao escrever uma redação de tema livre descreveu assim suas experiências:
Os cinco sentidos
Todos nós temos cinco sentidos, mas algumas pessoas são deficientes em
alguns deles. Mas quem tem um sentido deficiente, tem os outros quatros muito mais eficientes que os nossos. Meu Primo, amigo Leandro, por exemplo, não enxerga com os olhos, mas vê com as mãos, com o nariz com a pele e com os ouvidos. Se for assim com quem não enxerga como a gente, com certeza é assim também com quem não anda, não fala ou não escuta como a gente. É bobagem deixar de brincar com quem possui uma deficiência. Se a própria pessoa que tem esse problema consegue se acostumar e viver normalmente, porque não podemos conseguir também?
São pessoas especiais, que podem mostrar muitas coisas novas pra gente. Rafael
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OBRA: “Aventura no escuro”
Autor: Oliveira, Dirceu
Ilustrador: Rogério Soud
Local: São Paulo Editora: Paulinas Data: 1999
A – CARACTERIZAÇÃO DA HISTÓRIA
1. Enunciador: narr. externo / 2. Trama: cotidiana / 3 Narrativa: realista
4. Discurso: específico / 5. diferença como módulo temático: deficiência visual
6. situação inicial: equilíbrio
B - CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS
1. localização na constelação: Personagem secundário
2. Universo constitucional: menino, criança cega
3. sentimentos: alegria, curiosidade, bom humor, otimismo
4. Ações: brincadeiras, peraltice, descobertas, passeio, realizações
5. nome: sim, (Próprio)
C - CAMPOS DE ATRIBUIÇÕES DOS FENÔMENOS CORRELACIONADOS
1. Diferença como: neutra 2. Etiologia: indefinida 3. Desfecho: aceitação ativa
Quadro 12: Indicadores “Aventura no escuro” Fonte: Elaborado pelo autor
92
Figura 11: Páginas ilustradas in: “O distraído sabido”. Ilustrador: Victor Tavares (1999)
93
O distraído sabido
MACHADO, Ana Maria
Não era sempre assim, mas de vez em quando acontecia. A mãe dizia: Pedrinho enquanto eu troco a fralda do seu irmão vá lá ao banheiro e pega o talco na prateleira. Pedrinho ia, na hora de buscar, esquecia, pegava o que estava na frente. Sempre coisa diferente.
Ou então o pai falava: meu filho me ajude aqui nessa arrumação. – eu levo a mesa você traz a gaveta. O pai ia Pedrinho ficava demorava. Depois o pai ia ver Pedrinho nem tinha saído do lugar lendo o jornal que forrava a gaveta.
Na escola às vezes dona Dulce perguntava: - E você Pedrinho o que acha? Ele não podia achar. Estava perdido. Estava em outra na dele distraído. Alguns amigos achavam graça. Pedrinho nem ligava, tinha amigos, gostava da escola, era feliz. Um dia os meninos resolveram sair, a um piquenique no grande parque da cidade. Andaram pelo meio das árvores. Para lá e para cá do riozinho. Todos eles, até o Pedrinho. Correndo, rindo e brincando. – quem sabe uma fruta com a letra c? Mas o Pedrinho às vezes se atrasava ou se adiantava. Ou parava, ficava olhando para cima ou para o chão. Os meninos jogavam? E com a letra j? - jaca gritou o Pedrinho. – jaboti, jacaré, jaguar – diziam os outros. – agora o jogo é nome de bichos você se distraiu nem viu que mudou.
Brincaram! Beberam! Comeram! Barriga cheia pé na areia, quer dizer: vamos embora depois de comer.
Mas qual era mesmo o caminho de volta? – é para direita. – É para esquerda. Discutiam. Não resolviam. Até Pedrinho Disse: eu tenho certeza é para trás. Uns queriam rir outros queriam ir. – Como é que você sabe? - é que eu gosto muito de olhar minha sombra. De manhã está de um lado. De tarde muda para outro. A gente veio de manhã e vai voltar de tarde. O jeito de a sombra dar certo é andar por esse caminho aí atrás. De vez em quando, Pedrinho dizia: depois daquela árvore florida, é preciso virar um pouco, passar pelo formigueiro. De flor em flor, de ninho em ninho a criança foi achando o caminho. Em cada encruzilhada, Pedrinho resolvia: é pra lá. A gente subiu agora desce. Ou então: o rio era mais largo quando o passeio começou. Quer dizer que temos que ir para onde a água corre. Era mesmo, chegou todo mundo direitinho. E foram agradecer a Pedrinho. – mas logo você o distraído, reparou em tudo tão bem... Pedrinho sorria quieto, guardando seu segredo. Mas para você eu conto: distraído coisa nenhuma, ele sempre vê cada uma... Em vez de prestar atenção a tudo o que está na cara, Pedrinho liga para coisas que ninguém repara.
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OBRA: O distraído sabido
Autor: MACHADO, Ana Maria
Ilustrador: Victor Tavares
Local: São Paulo Editora: salamandra Data: 1999
A – CARACTERIZAÇÃO DA HISTÓRIA
1. Enunciador: narr. externo / 2. Trama: cotidiana / 3 Narrativa: realista
4. Discurso: específico / 5. diferença como modulo temático: suposta def. mental
6. situação inicial: equilíbrio
B - CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS
1. localização na constelação: protagonista
2. Universo constitucional: menino, criança com deficiência mental
3. sentimentos: alegria, curiosidade, felicidade
4. Ações: brincadeiras, descobertas, passeio
5. nome: sim, (Próprio).
C - CAMPOS DE ATRIBUIÇÕES DOS FENÔMENOS CORRELACIONADOS
1- Diferença como: Benéfica
- gratificação social 2. Etiologia: não mencionando 3. Desfecho : compensação Quadro 13: Indicadores “O distraído sabido” Fonte: Elaborado pelo autor
95
3.3 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS – PRÉ-ANÁLISE
Essa etapa refere-se aos resultados chamados quantitativos, sobre isso,
Amaral esclarece:
Refiro-me aos resultados chamados quantitativos, de tão polêmica existência em alguns meios, de tão proscrita existência em outros e de tão prescrita em outros ainda. O fato é que, em meu entender, tanto abrir mão deles, como considerá-los fins em si mesmos, são alternativas simplistas. A pretensão, portanto, é de incluí-los na medida exata (e aqui o reconhecimento da absoluta arbitrariedade de critérios) das necessidades da pesquisa e da pesquisadora. (AMARAL, 1992, p. 310)
Assim, entende-se que os resultados quantitativos se impõem como ponto de
partida para discussões propostas pelo estudo.
Segue-se, portanto o levantamento de alguns valores, em números absolutos
e em porcentagens, com a finalidade de demarcar um mapeamento introdutório do
universo pesquisado.
As tabelas seguintes foram estabelecidas a partir da sistemática anteriormente
definida, de exploração do material.
96
Tabela 1 - Caracterização da História
A. CARACTERIZAÇÃO DA HISTÓRIA 11 Histórias %
A 1 . ENUNCIADOR
Narrador externo 08 72,73
Narrador interno 03 27,27
A 2. TRAMA:
Vida cotidiana 10 90,9
Texto informativo 01 9,09
A 3. NARRATIVA
Realista 08 72,72
Hibrida 03 27,27
A 4. DISCURSO SOBRE O TEMA:
Específico 10 90,9
Inespecífico 01 9,09
A 5. DIFERENÇA POR:
Deficiência 08 72,02
Diferença 02 18,18
Outros 01 9,09
A 6. SITUAÇÃO INICIAL:
Tensão /intrigra 02 27,27
Equilíbrio 08 63,64
Não pertinente 01 9,09
Fonte: Elaborada pela autora
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Tabela 2 - Categorização de Personagens
B - CATEGORIZAÇÃO DE PERSONAGENS 11 Histórias %
B 1 . LOCALIZAÇÃO NA CONSTELAÇÃO
Protagonista 09 81,82
Personagem secundário 02 18,18
B 2. UNIVERSO CONSTITUCIONAL
Criança 05 45,45
Criança p/ jovem 01 9,09
Jovem p/ adulto 01 9,09
Jovem 01 9,09
Animal filhote p/ jovem 02 18,18
Outro universo constitucional 01 9,09
B. 3 NOMEAÇÃO
Sim: nome próprio/apelido 09 81,82
Não 02 18,18
B.4. TIPOS DE DEFICIÊNCIA.
Física 02 18,18
Mental 02 18,18
Visual 04 36,36
Outros 03 27,27
Fonte: Elaborada pela autora.
98
Tabela 3 - Campos de Atribuições dos Fenômenos Correlacionados
C. CAMPOS DE ATRIBUIÇÕES DOS
FENÔMENOS CORRELACIONADOS
11 %
1. DIFERENÇA COMO;
Maléfica 02 18,18
Maléfica para benéfica 05 45,45
Benéfica 02 18,18
Neutra 02 18,18
2 . ETIOLOGIA
Indefinida 09 81,82
Por eventos da natureza 01 9,09
Por eventos sociais 01 9,09
3. DESFECHO
Aceitação ativa 04 36,36
Compensação 05 45,45
Indefinido 02 18,18
Fonte: Elaborada pela autora.
Além desses resultados de cunho quantitativo foram observados também,
alguns dados que parecem relevantes, do ponto de vista numérico:
Seis dos onze livros pesquisados foram publicados pela editora Paulinas. Um
dos fatores que pode ter contribuído para esse número é o fato da editora estar
vinculada à Igreja Católica que, no ano de 2006, teve como tema fraternidade e
deficiência, - “Levanta-te e vem para o meio” - no embalo da campanha da fraternidade a
editora lançou a coleção “fazendo a diferença”, que é composta por livros infanto-juvenis
editados em braile, entre outros a coleção traz “Dorina viu” e “Criança genial”, os outros
livros em braile não envolve a temática da diferença/deficiência. Outro fator que
99
favoreceu esse número foi o fato de que todas as publicações eleitas para constituição
do corpus desse estudo na editora foram escritas por autores brasileiros, portanto, não
houve exclusão de livros traduzidos.
Outro dado interessante é o ano das publicações: apenas uma das histórias,
foi publicada em 1997. A partir de 1999 pode-se observar a progressiva inclusão da
temática na publicação ficcional no gênero infanto-juvenil. Os anos de publicação das
histórias evidenciam um aumento gradativo das publicações referentes ao tema, o que
se pode sugerir é que pode estar relacionado à divulgação e a discussão acerca da
inclusão que está se intensificando a partir da LDB de 1996. Porém, essa pesquisa não
pode afirmar esse dado, uma vez que não teve uma abordagem direta com os autores,
apenas com suas obras.
Assim, esgotadas as pontuações referidas aos resultados em números, o
próximo passo é necessariamente a discussão desses resultados por meio da análise
qualitativa – o que será tentado nas páginas seguintes, antecessoras indispensáveis em
qualquer colocação que se pretenda, pelo menos parcialmente, conclusiva.
3.4 ANÁLISE QUALITATIVA
Segundo Minayo (1998) a abordagem qualitativa de pesquisa é um
movimento totalizador que reúne não só a condição original, como também, o movimento
significativo do presente e a intencionalidade em direção ao projeto futuro. Compreende
o objeto das ciências sociais como histórico, não existindo, senão, em determinado
tempo e espaço, portanto, em sua essência possível de mutualidade.
Assim sendo não se acredita na neutralidade das pesquisas
principalmente em se tratando dessas nascentes no universo das ciências sociais.
100
Conforme afirma Minayo, ”o objeto construído anuncia e denuncia o sujeito que o
constrói“ (MINAYO, 1980, p. 250).
Acredita-se na importância do rigor da categorização para esse estudo, mas, é
indispensável traçar um caminho que possibilite ao mesmo tempo o rigor da objetividade
quanto à subjetividade para a compreensão dos fatos, para tanto se optou pela análise
de conteúdo, entendida na perspectiva de Bardin, como:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Esse instrumento é marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um vasto campo de aplicação, dentro das comunicações, desde mensagens lingüísticas, em forma de ícones, até comunicações em três dimensões, dessa forma não deveria falar em análise de conteúdo, mas análises de conteúdo, uma vez que como um método empírico, irá depender do tipo de “fala” a que se dedica e do tipo de interpretação que se pretende como objetivo, devendo ser reinventada a cada pesquisa. (BARDIN, 1997, p. 30-31)
Considerando que todo ser humano é dialeticamente produtor e produto de
sua história, enquanto pesquisadora imersa em valores inscritos em universo social,
valores postos em um dado tempo e circunstância, por mais objetividade que se
pretende conferir à pesquisa, encontra-se sujeito às mesmas influências que qualquer
mortal.
Assim sendo, convida-se os leitores, a buscar um determinado nível de
compreensão, mediante o levantamento dos indicadores de análise, e outras questões
que não escaparam ao olhar, conteúdos manifestos, mas também nos conteúdos
latentes, nas linhas e nas entrelinhas. Nesse momento da história e das histórias, nas
obras de arte e das letras, voltadas ao público infantil e juvenil. Com a certeza de que
toda interpretação é sempre uma, dentre tantas possibilidades.
* O Narrador
Por que a alta incidência de narrador externo? Foi uma das primeiras
indagações.
101
Uma possibilidade aponta para a dificuldade do autor em se colocar no lugar
do diferente, viver seu papel, sentir seus sentimentos, pensar seus pensamentos.
A esse respeito vale assinalar que das três obras onde o narrador interno se
faz presente, - Uma –“O Louco do meu bairro” - o narrador não é o personagem que
apresenta a condição de deficiência.
A outra. – “O muro” - é certamente ficcional. O autor faz na capa do livro a
seguinte declaração.
Esta é a história de um menino que busca um caminho para sua vida com as limitações de uma cadeira de rodas, e de como ele encontra por meios de sentimentos maravilhosos que todos temos dentro de nós e por vezes não percebemos. Uma história que acredite, pode até ser bem parecida com a sua. Como você deve saber, todos temos as nossas “cadeiras de rodas” para enfrentar e superar. (01)
Diante desse depoimento pode ser inferido que o autor, ao se referir às
“cadeiras de rodas” que todos têm que enfrentar se dispôs a tratar a temática tentando
uma aproximação com a vivência do personagem com a proposta de favorecer a
autoconfiança, a autodeterminação e a busca pela superação de si mesmo enquanto
pessoa com deficiência.
A terceira pode ser ficcional ou autobiográfico, o depoimento do autor é
ambíguo, assim como a história. Veja o depoimento: “Andarilho que sou caminho pelas
estradas da leitura. Trajeto sempre inusitado onde a linguagem é o veículo do tempo.
Escrevi Benedito sob um desejo: que as diferenças e a tolerância sejam um convite ao
amadurecimento da alma”. (01)
Assim como esses depoimentos outras histórias têm os narradores externos e
os autores declaram nas capas dos livros terem tido algum convívio com uma ou mais
pessoas com deficiência e escreve sobre isso manifestando o desejo de que sua obra
traga algum benefício a essa população.
História (03) fala da autora referindo a si mesma e ao ilustrador “Assim que
nos conhecemos, percebemos que havia muitas coisas geniais que nossos irmãos
102
deficientes nos ensinaram e resolvemos juntar nossas idéias para tocar as pessoas”.
História (10) o autor declara “sempre tive contato com crianças especiais , pois escrevi,
dirigi e atuei em muitos espetáculos infantis. Quis contar essa história para mostrar que
as crianças especiais têm muito a dividir com a gente”. História (05) o autor traz na última
capa “Uma história delicada que, por meio da fantasia, valoriza a diferença e desperta o
respeito pelo jeito de ser de cada um”. O autor da história (08) declara ”Sabe, por este
livro tenho um carinho todo especial, pois menino lindo e sensível é o Juquinha! Você
sabia que tem muitos meninos assim como ele? E foi justamente para você conhecê-lo
que eu resolvi contar esta história”.
Fica posto então o desejo dos autores, o que instigou ainda mais o desejo da
pesquisadora, de compreender de que maneira isso foi feito. Se essas histórias
favorecerão a formação de seus jovens leitores como pessoas livres de preconceitos em
relação à pessoa com deficiência ou, pelo contrário, reforçarão aquilo que se pretende
combater. E aqui se lembra de Crochik (2006) ao tratar do desenvolvimento de
preconceito:
O que leva indivíduos desenvolver preconceitos ou não, é possibilidade de ter experiências e refletir sobre si mesmo e sobre os outros nas relações sociais, facilitadas ou dificultadas pelas diversas instâncias sociais, presentes no processo de socialização. A qualidade de ação dessas instâncias - famílias, escola, meios de comunicação de massa – se refere a como elas tratam com os táteis infantis e as fantasias a elas associadas no conhecimento de mundo. (CROCHIK, 2006, p. 19)
Acredita-se na possibilidade de que a experiência que a criança tem com a
pessoa com deficiência, seja ela em carne e osso ou por meio da leitura pode favorecer
na eliminação ou na consolidação do preconceito.
Estudos sobre a hipótese de contato afirmam que mero contato não basta
para diminuir o preconceito; é necessário condições para que ele seja frutífero, caso
essas condições não existam, o contato pode ser ineficaz para a redução do preconceito
ou ainda apresentar efeitos negativos.
103
* Trama narrativa e discurso
É possível que alta incidência de tramas voltadas à vida cotidiana, esteja
relacionada à vocação didática da literatura infanto-juvenil: na concretude das ações e
eventos familiares, a possibilidade maior de compreensão e assimilação de padrões e
valores desejáveis. Ou seja, quanto mais próximo o universo ficcional do universo
cotidiano, maior a probabilidade de identificação do leitor com os personagens, idéias ou
circunstâncias.
Outra possibilidade mais radical, mas possível, diante da complexidade de
lidar com questões relacionadas à deficiência seria a de que esse contexto tenderia a
diluir o impacto, que por definição, a diferença causa, ou seja, amenizaria o medo que a
deficiência provoca em todos os mortais. Seria mesmo que inconsciente uma maneira do
autor proteger seus leitores. Assim também justifica a alta incidência de narrativas
realistas.
Quanto à preponderância do discurso específico sobre o tema, nas obras
pesquisadas, uma possibilidade de explicação é o próprio viés da pesquisa. Porém, não
necessariamente para compor o corpus desse estudo, a história deveria trazer um
discurso específico sobre o tema, o personagem poderia ser deficiente e vivenciar uma
história, não abordando a questão da deficiência ou diferença, apenas uma história como
outra qualquer. Diga-se de passagem, que esse é um ardente desejo da pesquisadora,
pois, quando isso acontecer será possivelmente um momento da história e das histórias
onde o preconceito não esteja tão presente e as pessoas com deficiência serão
apresentadas ou representadas por outras vias que não seja a da deficiência como o
cartão de visita.
104
* Situação Inicial
Em relação à situação inicial, apontamos que o fato de ser preferencialmente
de equilíbrio, remete à ambivalência de alguns autores, pois, tão forte quanto o desejo
de apresentar a deficiência, como uma situação de total domínio, mostrando equilíbrio no
início da história, logo que apresenta as questões referentes à deficiência ou à diferença,
evidencia impacto, sofrimento, desorganização e, portanto, desequilíbrio e tensão. Esse
conjunto de reações pode ocorrer em vários níveis e a partir dos diferentes elementos
envolvidos na questão: família, profissionais, o próprio indivíduo, a comunidade -
acionando ou não mecanismo de defesa. Exemplifica-se algumas possibilidades
presentes nas histórias.
Você que não quer admitir, mas isso é desobediência.... Você saiu daqui de casa, foi morar com aquele homem. E eu sempre avisei que sangue de preto não é igual sangue de branco. Pronto foi no que deu nasceu um mulatinho aleijado. (01) A coisa mais incrível jamais vista em toda história da civilização dos dragões. Aconteceu por alguns instantes, dona Dragonildes e todos da classe, ficaram no mais completo silêncio, todos com os olhos arregalados tamanha surpresa. Das ventas de Draguinho não foi fogo que se viu, mas sim um fortíssimo jato de ÁGUA... aquele silêncio no entanto duraria pouco tempo porque, logo em seguida, os alunos começaram a dar risada e zombar de Draguinho. (05) E o primo Leandro? Como pode reconhecer alguém pelo tato, pela voz, ou pelo cheiro? E como vive sem ver TV, sem ver filmes, sem ver vídeo games, sem ver livros ou gibis.... Sem ver??? (10) O lugar dele é na floresta dos livros de contos de fadas, juntos com os outros dragões – gritou o galo de crista em pé [...] Na Floresta do conto de fadas os dragões não entendiam pra que um dragão que só comia milho, voava baixinho, piava é não atacava ninguém. (06) ... mas tinha uma coisa que me entristecia: Os meninos não o aceitavam . - Ele é louco demais pro meu gosto – falava Valdico. - Só é divertido fugir dele – reforçava o Vicente. - Eu não sei como começar a conversar com ele – dizia o Murilo.
Pode ser que ao retratarem o sofrimento gerado, as obras retratem a
realidade. Porém, pode-se dizer que esse retrato estará ou não impregnado de
preconceito, dependendo apenas do tom que é matizado esse dado de realidade.
* Personagens Universo Constitucional
105
Referente à modesta participação de adultos, a hipótese é que esse não seja
um fenômeno ligado à temática da deficiência, estando mais provavelmente
referido ao gênero literário pesquisado.
Quanto aos personagens diferentes ou deficientes ocupar na maioria das
histórias o papel de protagonista, percebe-se como uma tendência, tanto do gênero
pesquisado como dos outros meios de comunicação de massa em ressaltar a
diferença/deficiência mais que o personagem. Sendo o protagonista, volta-se a ele todos
os holofotes, ficando mais fácil levantar bandeiras sobre a temática, propor formas de
lidar com a pessoa com deficiência, fazer discursos politicamente corretos, enfim,
mostrar a deficiência como figura e a pessoa como fundo.
Vivemos na sociedade do espetáculo onde o ter vale mais que o ser, e a
necessidade de dominação é eminente ao sistema social. Certos de que somos
dialeticamente produtores, consumidores e disseminadores de cultura. Os autores como
quaisquer mortais também o são. Estariam então, trazendo nas histórias, nas linhas e
entrelinhas, um retrato ou reflexo da sociedade. Conforme já disse Chauí (1992) A
cultura está impregnada de seu próprio espetáculo, do fazer ver e do deixar se ver.
A exemplo pode-se citar a novela “Páginas da Vida” de autoria de Manoel
Carlos, exibida atualmente (2006) no horário nobre da rede Globo de televisão. Uma
criança com síndrome de down é uma das personagens principais. Não basta a criança
compor o elenco da novela, e o contato do público com a criança com deficiência ocorrer
de maneira espontânea como acontece com qualquer outro personagem. Assim seria
como se deve ser: a deficiência estaria ali e ponto. Mas o que podemos acompanhar é
uma supere-xposição da criança, sobretudo da deficiência que ela apresenta. O enredo
da personagem gira em torno da deficiência, como se ela fosse mais importante que a
pessoa. E principalmente daquilo que a criança com síndrome de down é capaz de fazer
106
e produzir, seria como mostrar para o público que o deficiente também tem um valor de
mercado.
Retomando o universo constitucional das histórias pesquisadas, tem-se a
dizer que quanto à modesta participação do universo animal é possível que, mais uma
vez se esteja confrontando com a questão básica do processo identificatório, ou a
possibilidade oposta, a contra-identificação. Se por um lado apresenta personagens o
mais próximo possível ao universo da criança será uma forma de chegar até elas. Pode
ser que os autores sintam mais à vontade para abordar a questão da diferença com
animal, sobretudo com aquele que não existe no mundo real. O dragão como a própria
história (06) traz, só existe nos contos de fadas e quando sua diferença começou a
incomodar o galinheiro, é para a floresta dos contos de fadas que o dragão deveria
voltar. Simples coincidência ou manifestação de desejos internos; o fato é que as duas
histórias que abordam o universo animal, o personagem que apresenta a diferença é o
dragão, embora a história (06) aborde a questão da diferença em diversos animais o
personagem diferente principal é um dragão. Pode-se pensar também, de maneira mais
pessimista, na possibilidade de associação do dragão e a pessoa com deficiência como
sinônima, ou seja, ambos representam para o universo infantil, o monstro, o terror, o
medo e a ameaça já que nos contos de fadas, os dragões geralmente têm essa
conotação e a deficiência, desde a antigüidade, traz consigo esse triste estereótipo.
*Nomeação
De maneira otimista percebe-se que em mais de noventa por cento das
histórias os personagens tem nome próprio ou apelido carinhoso, sem relação nenhuma
com a deficiência. Esse dado remete respeito à identidade e individualidade aos
personagens com deficiência.
107
Embora em termos numéricos a quantidade de personagens sem nome não
seja significativa, é importante ressaltar que essas possibilidades podem sugerir a
hipótese de ocorrência de uma generalização indevida.
Esse movimento presente no corpus por meio da não nomeação
dos personagens diferentes. Pode ser a concretização do movimento mais sutil, da
expansão da diferença para a totalidade do ser. Goffman diz que “tendemos a inferir
uma série de imperfeições a partir da imperfeição original e, ao mesmo tempo, a imputar
ao interessado alguns atributos desejáveis, mas não desejados”. (GOFFMAN, 1998, p.
15).
* Tipos de Deficiência
Aqui é bem possível que se esteja diante da deficiência entendida,
fundamentalmente, em conexão com o aspecto de desvantagem (handicap) e, portanto
do aspecto mais significativo do ponto de vista da leitura sócio cultural. Retorna-se a
definição da OMS:
DESVANTAGEM (HANDICAP): no domínio da saúde, desvantagem (handicap) representa um impedimento sofrido por um dado indivíduo resultante de uma deficiência ou de uma incapacidade, que lhe limita ou lhe impede o desempenho de uma atividade considerada normal para esse indivíduo, tendo em atenção à idade, sexo e os fatores sócioculturais. (OMS, 1989, p. 35-37)
Tendo em vista a preponderância dos outros tipos de deficiências que não a
mental, a deficiência física, somada à deficiência visual corresponde a mais da metade
das histórias, como contraponto apenas dois casos de deficiência mental, curiosamente
a deficiência auditiva não apareceu no corpus.
Não estariam esses dados remetendo aos padrões sócioculturais, que
valorizam, ao extremo, competência, capacidade, habilidade e atuação? Um mundo
onde o fazer tem um poder hegemônico? Um mundo onde o ter (tanto bens como
capacidades) sobreponha o ser? As respostas a essas indagações acenam como um
108
sim, se for considerada a deficiência em nível mais severo. A deficiência mental tão
pouco representada nas histórias pesquisadas é a que mais limita a pessoa do ponto de
vista produtivo e social, tendo em vista que, é grande a limitação para aprendizagem,
para o convívio social e, portanto, para produção, enquanto que as deficiências
sensoriais e físicas, mesmo que, em relação aos que apresentam um nível mais severo,
desenvolvem-se técnicas que possibilitam acesso à informação e a comunicação, bem
como formas de aprendizagem e conseqüentemente de rendimento e produção.
* Campos de Atribuições
Os resultados obtidos apontaram, para alta pontuação das categorias maléfica
e maléfica para benéfica, bem como inversamente a baixa pontuação para categoria
neutra.
Como já vem sido exaustivamente explorado, ao que tudo indica a
neutralidade não é algo inerente a qualquer evento que fuja ao esperado, ao usual ao
normal. Muito pelo contrário, a presença da diferença mobiliza forças emocionais de
grande magnitude.
Sejam movidos pelo medo, pela atração, pela repulsa, pela piedade, as
emoções estão presentes e disso já se sabe há muito!
Antes de explorar a categoria mais freqüente no corpus - a deficiência como
maléfica para benéfica – retoma-se o significado do modelo maléfico e benéfico da
deficiência, proposto por Amaral (1992).
Em relação ao modelo maléfico, foi constatado nas seguintes modalidades de
significação da deficiência:
A) Resistência
B) Instrumento de humilhação
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C) Experiência de horror
Percebe-se aqui não uma oscilação entre a vitimização e vilanização da
pessoa com deficiência.
O modelo benéfico foi constatado nas seguintes modalidades de significação
da deficiência.
A) Experiência de gratificação social
B) Oportunidade de superação de si mesma
Percebe-se uma heroificação da pessoa com deficiência.
Retomado o molde dos dois modelos fica mais fácil explicar a alta incidência
do modelo maléfica para benéfica, é como se as histórias mostrassem o sofrimento, a
luta, e a superação da pessoa com deficiência. E isso talvez evidencie o desejo interno
dos autores de passar uma mensagem de otimismo em relação à pessoa com
deficiência, tão forte isso é apresentado que remete à idéia de compensação que será
explorada mais adiante.
* Etiologia
Em primeiro lugar gostaria de relatar humildemente a dificuldade de enquadrar
as possibilidades no molde pré-estabelecido, criado por Amaral em 1992, e replicado
nesse estudo. Em relação ao resultado de mais de oitenta por cento das histórias
pertencerem ao grupo de etiologia não definida, uma possibilidade aponta mais uma vez
que a arte imita a vida, mesmo quando essa intenção não seja manifesta. Na vida real é
grande a porcentagem de casos de deficiência cuja etiologia não é identificável. Outra
110
possibilidade aponta para a opção do autor em não entrar no mérito da questão e assim
a etiologia da deficiência não é que tenha sido indefinida, acredita-se que o termo mais
correto seria não declarada, se é por não saber, ou por opção não declarar, não incluir
no enredo da história, essa pesquisa não tem condição de responder.
* Desfecho
A compensação foi a categoria mais freqüente no desfecho das histórias.
Compensação parece uma palavra por si esclarecedora, ainda assim recorreu-se ao
dicionário a fim de buscar o que ele dispõe a respeito. A resposta não foge ao contexto
aqui representado: recompensa - Saraiva (2000). Exatamente o que foi percebido no
desfecho das histórias como se cada personagem fosse de alguma maneira
recompensado pela diferença ou deficiência que apresenta, geralmente a situação
envolve o uso da diferença ou deficiência para trazer o benefício:
Seguem os desfechos que incorporam a idéia de compensação:
A mãe de Denise acredita que a dificuldade pode trazer felicidade! Sua filha não anda nem corre, mas dança na cadeira de roda. (....) Com as mãozinhas pequenas a cabeça bem redondinha e os olhos puxados, ele é sempre alegre e não cresce jamais! Ela é especial, ou melhor excepcional. (...) Todas elas juntas, deixam o mundo mais humano e fazem a gente pensar que crianças diferentes também tem o direito de ser contente! São especiais por isso geniais! (03) Num esforço colossal, Drosh conseguiu sair com Draguinho do chão. Agora sim sobrevoando a aldeia, Draguino podia dirigir seu potente jato de água na direção das chamas. Cada habitante de Dragz fosse lá o que estivesse fazendo parou para assistir àquela cena inusitada: dois jovens dragões voando um nas costa do outro, apagando, valentes, o terrível fogo que se alastrava e consumia a aldeia. (05) Um dia a mamãe galinha apareceu muito nervosa gritando. - A raposa está rondando o galinheiro! Todos estão apavorados. Então a dragonice dentro dele veio à tona. Abriu as asas colocou a mãe galinha nas costas e voou para o galinheiro. Quando os dois chegaram lá faltava um pouquinho para a raposa pegar três galinhas... Aí ele soltou um fogo tão forte pela boca, mas tão forte que a raposa virou churrasquinho! Aí todas as galinhas todos os galos fizeram uma roda em volta dele e cantaram: O dragão é um bom camarada ninguém pode negar! Depois disso voltou a morar no galinheiro. E passar férias lá na floresta dos contos de fadas junto com seus amigos dragões... Que por sinal já estão aprendendo a falar piu piu e dormir no galinheiro... (06) Eu fico Feliz por pertencer a esta turma, mas faço questão de continuar correndo atrás de vocês: não esperamos segunda ordem: - guar- di – nhá! guar-di-nhá! E saímos em disparada pela rua. Tem um detalhe: o guardinha louco foi meu
111
primeiro namorado. Mas isso fica para uma outra história. (9) Mas qual era mesmo o caminho de volta? È para direita é para esquerda discutiam não resolviam. Até Pedrinho disse: eu tenho certeza é para trás. Uns queriam rir outros queriam ir. De flor em flor de ninho em ninho a criança foi achando o caminho. Em cada encruzilhada, Pedrinho resolvia: é pra lá. A gente subiu agora desce. Ou então o rio era mais largo quando o passeio começou. Quer dizer que temos que ir para onde a água corre. Era mesmo chegou todo mundo direitinho. E foram agradecer o Pedrinho. Mas logo o distraído reparou tudo tão bem. (11)
Como podemos ver compensar um dado aspecto significa quase que
neutralizar, ou sobrepor à estranheza provocada por ele.
Quanto à categoria que assume o segundo posto aceitação ativa. Gostaria de
antemão esclarecer que segundo Amaral (1992) aceitação ativa é: “acolhida da
deficiência e sua transcendência – ambas graduais – como um aspecto especial da
pessoa que oferece basicamente também oportunidade de experiência, crescimento e
auto realização: viver, amar, divertir-se, produzir”... (AMARAL, 1992, p. 346).
O caminho para aceitação ativa passa pela acolhida da diferença, que por sua
vez pressupõe o reconhecimento do fato, seu dimensionamento e conseqüentemente a
aceitação das implicações correspondentes. A partir daí se faz a transcendência, a
superação de limites impostos por dadas condições, seja essa superação ligada a
fatores de dependência do outro ou de dependência de certos aspectos de si mesmo, e,
sobretudo das barreiras impostas pela sociedade.
Evidenciam-se os trechos das histórias que ilustram os desfechos
correspondentes à aceitação ativa:
Além do muro, claro, havia perigos. Uma bolada me derrubou da cadeira. Roubaram minha pipa, quando eu voltava para casa. Atravessar a rua é um verdadeiro inferno. Subir caçadas também. Mas ninguém me disse que seria fácil, e me recuso a viver a mercê das facilidades e das comodidades de meu quarto ou de minha casa. A liberdade, mesmo que sob certas condições, é doce demais para ser ignorada. A vida é um eterno desafio e não teria graça se fosse de outro jeito. (02) Quando ela cresceu, tornou-se uma professora fundou uma biblioteca para ensinar as pessoas porque ler é muito bom. E também para fazer livros para cegos! E hoje tem gente que pergunta: - Você conhece Dorina Nowill? Aquela mulher que viu? Ela viu muito mais do que você, eu, do que todos nós juntos. “Dorina viu” as pessoas lendo em Braille, por todo Brasil! (7).
112
Mas o que Juquinha mais adora, é quando a chuva cai lá fora! Então Juquinha não perde tempo e corre para o quintal! Abre os braços bem abertos: Isso é que é legal!De tanto tocar em tudo, também quer ser tocado, e isso a chuva faz bem, deixando-o todo ensopado. Mas tomar banho de chuva a mãe acha que é coisa de menino arteiro, e lá vai Juquinha pro quarto Abraçar seu travesseiro. (8) Brincar não foi nada problemático: Deu para jogar dominó, dama, até para montar quebra cabeça. não há diferença na imaginação dos dois e viver aventuras com miniaturas dos heróis da TV que todos reconheciam com as mãos, mas ninguém tão rápido como Leandro – foi para lá de divertido. Ouviram música e histórias narradas em disco fitas e CD... Ah. E os livros em braile do primo? com os dedos ele ia traduzindo os pontinhos em voz alta. Até prometeu ensinar a linguagem de braile, para que os dois pudessem trocar carta futuramente. (10)
O fato dessa categoria ocupar o segundo posto parece bastante relevante, por
outro lado menos da metade das histórias é pouco, pensando na aceitação ativa como
um possibilidade inclusão social plena.
De maneira positiva vale apontar a ausência dos desfechos que poderiam
contemplar as categorias: - Cura, morte (real ou simbólica), gueto, exotismo, isolamento
individual. Tais desfechos poderiam remeter a idéia de exclusão, segregação, e leitura
maniqueísta da deficiência. Podemos inferir que esse resultado esteja associado aos
movimentos da inclusão, que vem se fortalecendo a partir da LDB/96. Retomando o que
documento do MEC afirma:
Entende-se por inclusão a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade. Sociedade essa que deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana e de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade em todas as dimensões da vida. (Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação. 2001, p. 8).
É importante ressaltar que as determinações referentes aos direitos da pessoa
com deficiência, garantidas por lei é algo muito distante de ser contemplado
integralmente na prática. Embora, por meio das buscas, movimentos e paulatinas
batalhas, houve algumas conquistas, como também há muito a ser conquistado, tanto do
ponto de vista real e material, como de barreiras arquitetônicas, possibilidades de acesso
e locomoção, e muitas outras dificuldades palpáveis, como principalmente nas relações
pessoais. Sobretudo nos preconceitos, estereótipos e estigmas. Essas são as principais
113
colocações que emergiram da tentativa de compreensão dos dados colhidos, dos
resultados obtidos, das questões suscitadas.
Antes das considerações finais, apresentar-se-ão algumas considerações a
respeito das representações plásticas dos personagens, reafirmando que não se trata de
uma análise iconográfica, pois, além de não ser a proposta do estudo, não teria respaldo
metodológico nem teórico para tanto. São apenas colocações ou indagações referentes
às representações ou apresentações dos personagens por meio dos desenhos. Então
veja a seguir:
História 01- “Benedito”
A história tem o nome do personagem principal, O menino adolescente para
jovem com deficiência física, mais especificamente uma paraplegia, as imagens retratam
bem o quadro, ilustração com desenhos bem definidos e expressões marcantes,
apresentados fisicamente e expressamente tal como cada personagem é retratado na
história. Todas as ilustrações são feitas em lápis preto, sem dúvida, técnica bonita e
muito bem aplicada, porém sem cores, com um ar triste e sombrio, condizente com a
trama.
História 02 – “O muro”
A história conta a vida de um menino de sete anos paraplégico, os desenhos
não são muito coloridos, o personagem principal que não tem nome, aparece em duas
figuras na cadeira de rodas com expressões referentes ao momento da história, outra
imagem dele é referente ao momento da história em que ele vive o conflito de
pensamento sobre como seria o mundo lá fora, a imagem representa o menino
pensando perdido no espaço entre os planetas, apresenta-o com um semblante sereno
contrário ao seu sentimento manifestado no texto. Modestamente a história é muito mais
interessante, muito mais atraente que as ilustrações.
114
História 03 – “Criança Genial”
A história é contada por prosas e versos abordando questões referentes às
diferenças e deficiências, os desenhos são atraentes, pintados com aquarela, cheios de
cores alegres, parecendo ter vida. Transmite até certa leveza ao texto que é carregado
de expressões que supervalorizam a pessoa com deficiência, o que não deixa de ser
uma forma de preconceito: excepcional, especial, genial. E aqui cabe a pergunta: a
serviço de quê, se não da reificação da diferença?
A história 07 – “Dorina viu”
Tem a mesma autora e o mesmo ilustrador da história 03. A técnica que o
ilustrador usa é a mesma nas duas histórias, os desenhos são bonitos, bem definidos,
coloridos, que valorizam muito o texto que é livre de preconceitos e estereótipos em
relação à deficiência. A história conta um pouco da vida da senhora, Dorina Nowil
(Presidente da fundação Dorina Nowil para cegos) e um dos desenhos traz seu retrato,
transmitindo alegria e satisfação em sua expressão.
História 04 – “Anjinho”
Os desenhos são bem definidos, coloridos, atraentes e as imagens, por si só,
contam toda a história. São muitas e ocupam todas as páginas do livro, a escrita do texto
é feita sobre os desenhos que não só conta a história como esclarece a situação de
horror que o anjinho vivencia que só no final do livro fica evidente que é devido à miopia
que o personagem apresenta; ele percebia as imagens distorcidas, os desenhos
apresentam a situação real e a ilustração distorcida em todas as páginas.
História 05 - “Draguinho diferente de todos, parecido com ninguém”
115
Os desenhos são bem definidos, ocupando as páginas inteiras, são
expressivos, representa os personagens bem caricatos, Drica a mocinha da história é cor
de rosa, enquanto os outros dragões são verdes, Drosch é forte e tem cara de mau,
Draginha é pequeno tem fisionomia triste é frágil. Ou seja, a representação plástica dos
personagens é fiel ao texto, é uma história que pode ser compreendida por intermédio
das ilustrações.
História 06 – “O dragão que era galinha d´angola”
O personagem diferente é apresentado bem característico ao enredo da
história, um dragão de cor verde como é geralmente representado nos contos de fadas,
mas com pintinhas pelo corpo como uma galinha de angola, a serviço, apenas de
favorecer a ambivalência presente na história, porque até o ponto que se sabe conviver
ou viver com um grupo de etiologia diferente pode influenciar nos costumes não na
genética, o que pode sugerir que o diferente deva mudar a aparência para ser aceito na
sociedade.
História 08 – “O menino que via com as mãos”
O ilustrador trabalha com alguns desenhos surreais, o menino tomando
alguma coisa com uma girafa no zoológico dois canudos saindo do mesmo copo, um
para o menino outro para girafa, abraçando as nuvens, sendo regado por elas por meio
de um regador. Tudo isso ilustrado um texto simples, com frases curtas e diretas
indicando como o deficiente visual percebe o mundo. Tem a possibilidade do pequeno
leitor, unir as idéias, e associar que o deficiente visual também pode por meio do tato
praticar esses atos impossíveis ou inviáveis a qualquer mortal.
116
História 09 – “O Louco do meu bairro”
As ilustrações são bem coloridas. Retrata a historia com fidelidade. A historia
é extravagante assim como as ilustrações, o personagem com deficiência é apresentado
com vestimentas e aparência inusitada.
História 10- “Aventura no escuro”
Os desenhos têm poucas cores e traços bem definidos, a representação
plástica da personagem não tem caracterização estereotipada da pessoa com deficiência
visual, apenas algumas característica ou posições das personagens no decorrer das
senas mapeia o quadro das duas crianças.
História 11 - “O distraído sabido”
As ilustrações dessa história também apresentam algumas imagens surreais.
Porém as imagens estão relacionadas ao texto, o que não apresenta possibilidade de
distorção da idéia por parte dos pequenos leitores.
117
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora com a nítida certeza de não ter explorado exaustivamente, todo o
potencial contido no corpus desta pesquisa (o que seria tecnicamente e humanamente
impossível), foi possível captar algumas tendências que passo a compartilhar com o
leitor.
Diante da necessidade de alinhavar as principais idéias oriundas desta
pesquisa, fica clara a impossibilidade desta ser conclusiva, ficando a certeza de poder
apenas compartilhar algumas sensações, dúvidas e esperanças. Acreditando que fruto
da mentalidade da época, as histórias infanto-juvenis são, simultaneamente, o retrato de
um tempo e de um espaço sociocultural.
Assim confirma-se a hipótese desse trabalho que nesse momento histórico,
em que se pensa em inclusão escolar e social da pessoa com deficiência, como ideal de
cidadania, a literatura infanto-juvenil, sendo um produto cultural presente na vida das
crianças, pode contribuir tanto para diminuir como para solidificar o preconceito em
relação à deficiência.
Os dados obtidos na exploração do material, na pré-análise e a análise
qualitativa, revelaram pelo menos três tendências: Histórias livres de preconceito,
histórias denunciadoras e imunes a preconceitos e histórias denunciadoras, mas
simultaneamente, perpetuadoras de preconceitos estereótipos ou estigmas, ainda
que sem intenção.
No grupo das histórias livres de preconceito não há espaço para negação nem
supervalorização da deficiência, ela existe, está ali e ponto, as emoções não são
acompanhadas de valoração ética nem escamoteamento dos fatos. O desfecho inclui a
interação, a solidariedade a determinação e o viver e estar juntos. Podemos exemplificar
esse grupo com a história: “Dorina viu”.
118
No grupo das histórias denunciadoras e imunes ao preconceito: “O muro”,
“Aventura no escuro”, são exemplos preciosos: Em ambas, algumas atitudes
preconceituosas são denunciadas: pena, protecionismo, repulsa, rejeição e outras.
Mas não há espaço para a perpetuação do preconceito, apenas a denúncia:
os enredos evidenciam a pessoa com deficiência em plena atividade, sem camuflar ou
negar a deficiência, apenas vivendo, convivendo com algumas limitações impostas seja
pela própria deficiência seja pela sociedade, sem se deixar abater.
Os desfechos podem ser entendidos, em sua forma mais construtiva, como
inclusão social da pessoa com deficiência.
Gostaria de esclarecer que a história “Aventura no Escuro”, traz um conceito
indevido que pode soa como estereótipo da pessoa com deficiência visual, “quem tem
um sentido deficiente tem os outros quatro mais eficientes que os nossos” (10). Essa
afirmação não procede, segundo a literatura pertinente, a pessoa que não tem um dos
sentidos aprende a usar e aperfeiçoar os outros que dispõe. Apesar desse deslize ou
desconhecimento do autor, não influência no enredo e no desfecho da história, que
denuncia o preconceito sem se aliar a ele.
O grupo das histórias que denunciam o preconceito e simultaneamente
perpetua (mesmo sem intenção disso). São ambíguos e ambivalentes podendo se
constituir com elementos (implícitos ou explícitos) geradores e cristalização do
preconceito que desde a antiguidade acompanha essa população. Os exemplos desse
grupo são: “Benedito”, “Draguinho diferente de todos parecido com ninguém”, “O dragão
que era galinha d´angola”.
História, 01, “Benedito”, apresenta o adolescente para jovem com deficiência
física (paraplegia) como um personagem rancoroso, vingativo e violento. Esses
elementos tais como estão apresentados na história, poderão replantar, no universo
social, aquilo que já foi plantado em algum momento da história e das histórias, o
119
estereótipo que a pessoa com deficiência é má, é vilão, ou vítima. Sobretudo,
perpetuando essa imagem ao público infantil e juvenil a quem a história é direcionado.
Historia 05, “Draguinho diferente de todos parecido com ninguém”: o desfecho
aponta para a heroificação da vítima, e há uma proposta exacerbada de recompensar a
diferença, sobretudo nos trechos onde apresenta vários animais diferentes ou
deficientes.
Historia 06, “O dragão que era galinha d‟angola” remete a idéia de formação
de gueto, de segregação e exclusão do diferente ou deficiente.
Essas histórias denunciam o preconceito, mas, simultaneamente, os
sucumbem a outros.
“Anjinho” é uma história que não apresenta o discurso específico sobre a
deficiência ou diferença, a história em si não remete de maneira positiva nem negativa
ao preconceito. As considerações que agora serão apresentadas foram extraídas muito
mais nas entrelinhas que nas linhas. Começando pelo nome da história e o seu
personagem principal (que apresenta a deficiência), não é humano, é um anjo, estaria
essa idéia associada a um conceito ultrapassado da pessoa com deficiência? Na
antiguidade essa população era considerada anjo ou demônio. No final da história ele
ganha um beijo da mãe e pensa como é bom ter uma mãe que é um anjo. Não seria
esse um estereótipo plantado no universo social, que remete ao título de pessoas
santificadas, a quem tem filhos com deficiência e até mesmo a quem com eles se
dispõem a trabalhar. Implicitamente também a história remete a idéia da pessoa com
deficiência como uma pessoa frágil e incapaz de sobreviver sem ajuda dos outros, já que
toda a situação de horror, desespero e fragilidade que o personagem viveu estava
associada à deficiência que ele apresenta.
Essas são algumas leituras possíveis dessas obras, uma entre tantas. Mas foi
extremamente válida a tentativa de conhecimento das atitudes que circundam a questão
120
da diferença/ deficiência, quer seja com maior ênfase constituída individualmente em
função dos mecanismos psicológicos de defesa quer seja com maior ênfase construída
socialmente, mediada pelas representações coletivas quer seja construídas na inserção
desses conjuntos de fenômenos.
As obras literárias, como qualquer produção humana, trazem consigo a marca
de seu criador, que por sua vez traz a marca de seu grupo de referência que, por sua
vez traz a marca de sua cultura...
Cultura de uma sociedade que supervaloriza o espetáculo, o ver e o ser visto,
movida pelo poder do capital, por meio de estatísticas, porcentagens e números como
única maneira de pensar o ser.
Em meio a condições sociais tão adversas, a superação dessas contradições
sociais é algo necessário e imprescindível, para o combate de todas as formas de
preconceito. Mas, enquanto isso não acontece deve-se pelo menos, tentar atenuar o
preconceito existente.
Esse estudo pode vir a subsidiar o trabalho de professores, bibliotecários e
pais, no sentido de propor uma leitura crítica das obras por parte de seus jovens leitores.
E a leitura crítica pode fazer a diferença entre diminuir ou reforçar o
preconceito. Se nesse momento histórico as crianças forem preparadas para serem
leitores críticos. A educação estará contribuindo para emancipação desses jovens
leitores, se a escola é um lugar que se ensina e aprende, lá também deve ser o lugar
onde se propicia espaço para que a criança se constitua como um cidadão crítico e
participativo, capaz de viver uma história, fazer parte dela e modificá-la.
Não se pretende com isso apagar a importância e o brilhantismo dessas
obras, tampouco desmerecer a proposta de seus autores de favorecer a inclusão da
pessoa com deficiência, mas apontar que existem determinadas condições para que ela
ocorra e, sem o reconhecimento desses limites, corre-se o risco de reforçar aquilo que
121
esta tentando combater. E a verdadeira inclusão escolar e social da pessoa com
deficiência tornar-se algo cada vez mais distante.
É importante ressaltar que esse estudo não representa o universo total de
histórias referentes ao tema, editado nessa última década, é uma amostra representativa
de três editoras de grande porte, localizadas na cidade de São Paulo, o que não invalida
seu resultado, mas se sugere uma pesquisa englobando um número maior de editoras.
Com esta pesquisa foi possível extrair um pouco desse veio inesgotável,
desse rico material, dessa fonte de encantamento que pode ser simultaneamente, fonte
de prazer, reflexão e crítica.
122
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