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A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE
Waldomiro de Souza Borges- UFPE
e-mail-Waldomiroborges92@gmail.com
David W. Mocock- UFPE
e-mail- davidmocock@gmail.com
Mariana L. da silva-UFPE
e-mail- mariana-lrs@hotmail.com
.
INTRODUÇÃO
O Recife sendo um dos centros urbanos mais antigos do país, guarda
consigo importantes histórias. A cidade dos mascates, que em 1710
protagonizou uma revolta que ocasionou a sua emancipação de Olinda e
tornando-se logo após capital da província de Pernambuco. A terra da cana do
açúcar, detentora do solo massapé fértil e propício ao seu plantio. O Recife
cortado pelos rios Capibaribe e Beberibe, das suas ilhas fluviais que se
encontram com o mar numa sintonia quase perfeita. Essa formidável cidade
que abrigou durante o século XVII os holandeses, e que foi palco de uma das
mais admiráveis gestões administrativas conduzidas pelo conde João Maurício
de Nassau. O Recife atual, com seus mais de noventa bairros inicia o processo
de busca da história esquecida dessas localidades. O bairro da Torre, será
nosso campos de pesquisa, que ora foi desenvolvido junto aos estudantes do
ensino médio da Escola publica de Referência em Ensino Médio Martins Junior
que se localiza na zona oeste desta referida cidade. Nosso processo de busca
pelas informações sobre esse importante bairro na conjuntura da cidade se deu
com um levantamento bibliográfico em que fomos conhecendo a história do
bairro contada nas obras de historiadores, jornalistas e escritores. A Torre tem
uma história que se inicia com um engenho no século XVI de propriedade do
senhor, Marcos André Uchôa. Um engenho em seu formato tradicional, na sua
estruturação a casa grande, dependências dos negros, e a área para o plantio
do motor econômico da região no período, a cana-de-açúcar, que por estar
próximo ao rio Capibaribe tinha um processo de irrigação propício para seu
desenvolvimento, além da pecuária de pequena escala, unicamente para a
subsistência do engenho.
Essas mesmas terras foram invadidas pelos holandeses que nela
construíram uma fortaleza contra os resistentes à sua invasão, a capela do
engenho em que sua torre forneceu o nome que hoje denomina o bairro. Parte
estrutural desse engenho ainda está de pé, as construções abrigam hoje a
escola publica estadual Maciel Pinheiro, gerenciada pela secretaria estadual de
educação de Pernambuco, e a matriz do bairro em homenagem a nossa
senhora do Rosário que no ano de 1912, em doação pública, uma das
herdeiras da família Campelo, dona das terras, faz à oferta a arquidiocese de
Recife sob ordenação do arcebispo, Dom Luis Raimundo da Silva Brito, o
edifício da capela e das terras próximas, na condição de ser a igreja matriz do
subúrbio, sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário.
Durante o século XIX e XX, o bairro possuiu uma importante fábrica têxtil
em que se tornou pólo atrativo para o desenvolvimento de Pernambuco, que
através do algodão, sua principal matéria-prima, protagonizou uma era de
progresso e abrindo frente ao mercado internacional, essa mesma fábrica se
tornaria o maior incentivo para a ocupação do bairro, que em sua maioria seria
residências de famílias de operários da indústria têxtil. Daí iniciamos a busca
sobre a história dessa fábrica, que colocou o bairro da Torre entre os mais
importantes do Recife. Como estão os ex-funcionários e seus parentes dessa
indústria que fechou suas portas no final do século XX, mas que ainda residem
no bairro e que ajudaram a construir sua história atrelada fortemente a esse
centro industrial.
A história oral vai ser inserida como nossa metodologia de pesquisa, em
que através de entrevistas realizadas com cidadãos que vivenciaram a
dinâmica dessa importante fábrica e dela foram peças de seu enredo histórico.
Através dessa busca de informações, realizamos o reconstrução da memória
ora defendida pelo Ulpiano Bezerra de Menezes, em que aponta a mesma
como o mecanismo de registro e retenções. O que os livros e documentos
pouco registraram, buscamos em cada uma das vagas lembranças e contos da
população mais antiga da Torre.
O ENSINO DA HISTÓRIA COM A PERSPECTIVA DA HISTÓRIA ORAL E
LOCAL.
Uma parte da aplicação prática das investigações da equipe sobre a
História do Bairro da Torre envolvia os estudantes, uma vez que a implantação
da pesquisa no trabalho da docência tem sido uma de nossas tarefas. O
espírito inquisitivo da pesquisa separada da prática educacional tem pouco ou
nenhum valor, e quando esse braço fundamental falha a Escola passa a sofrer
danos, um desse é a mera reprodução do conhecimento livresco, sem o
cuidado da assimilação e da adaptação de tal saber à realidade dos
estudantes.
Apesar de recentemente a área do ensino da História ser grande alvo de
pesquisas e de buscar-se compreender as suas características e complexidade
e mesmo diante de todo o esforço posto para que a prática docente na História
seja inovadora ainda percebe-se uma grande presença do “conservadorismo”
nas salas de aula. A quebra do modelo tradicionalista de ensino por sua vez
passa pelo professor, uma vez visto como alguém que não tem total
propriedade dos processos de ensino e, por sua vez, não passa de um mero
reprodutor dos conhecimentos já produzidos na universidade. Essa visão
também foi bastante questionada, principalmente na década de 90, os seus
críticos destacavam que a escola é um lugar de disputa de classes, conflitos
esses que desembocam nas relações e nas práticas cotidianas dos
professores. O foque desse ponto de vista era a dimensão política e ideológica,
sem se importar com as práticas pedagógicas propriamente ditas.1
1 LIMA, Maria. “As diferentes concepções de ensino e aprendizagem no ensino da História”. In
Fronteiras, MS, 2009.
É notada a necessidade de uma análise que se preocupe com os
demais aspectos da educação, a partir de outras ciências como a Sociologia da
Educação é possível se introduzir o debate quanto a História como uma
disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da História Oral em
seu arcabouço metodológico. O sistema tradicional de ensino vê a “disciplina
escolar” como um espaço onde os saberes acadêmicos que foram instituídos,
forjados e corroborados pela Universidade, são levemente moldados, ou
simplesmente deformados, para assim, garantir uma maior facilidade na
aprendizagem dos mesmos.2 A inquirição do grupo quanto às inquietações,
causadas pela demasiada presença desse pensamento, que caracteriza os
saberes escolares como erudição vulgarizada, diz respeito a implantação da
Oralidade na História como forma de quebra de paradigmas educacionais
estabelecidos.
Para quebrar um muro tradicionalista que vê o ensinar História como um
ato de passagem de fatos em uma ordem cronológica, ou mesmo em um eixo
temático, com o objetivo de incutir a memorização nos estudantes, é preciso
instaurar algumas diferenças primordiais entre o “ensinar História” e o “narrar
História”. A oralidade e a História oral são muito freqüentes na humanidade,
desde o início da civilização nós sentimos uma necessidade irremediável de
passar para o futuro as vivências, percursos e experiências de cada um em seu
tempo de vida, na Grécia antiga tal papel era desempenhado pelos “Aedos”,
durante o medievo foi a narrativa da vida dos grandes homens e dos santos
que manteve essa prática de pé. Somente na modernidade a História busca
por todos os fins desvencilhar-se de suas características narrativas,
mergulhando no método e nos documentos escritos, calando assim vozes que
não tinham acesso ao poder.3
A busca da memória no ensino da História está diretamente voltada à
narrativa histórica, que por sua vez, está fortemente imbricada no “Tempo”.
2 LIMA, Maria. “As diferentes concepções de ensino e aprendizagem no ensino da História”. In
Fronteiras, MS, 2009. 3 LIMA, Maria. “As diferentes concepções de ensino e aprendizagem no ensino da História”. In
Fronteiras, MS, 2009.
Contando histórias os seres humanos articulam suas experiências no tempo,
orientando-se no caos das modalidades potencias de desenvolvimento,
marcam com os enredos e desenlaces o curso muito complicado das ações
reais dos homens. Deste modo o homem narrador torna inteligível para si
mesmo a inconstância das coisas humanas, que tantos sábios, pertencentes a
diversas culturas, opuseram à ordem imutável dos astros.4 Um ensino da
História, que agrega a construção dos estudantes, que por sua vez contribuem
para a formação dos saberes em sala de aula, torna-se em um instrumento de
formação de cidadãos participantes, atuantes em sua comunidade, conscientes
dos processos históricos que forma a sua localidade. Uma vez estilhaçada a
barreira do conservadorismo na sala de aula há um deslocamento no eixo
pedagógico, a pedagogia da História passa de uma pedagogia centrada no
ensino para uma centrada na aprendizagem dos alunos em sala de aula. Esse
deslocamento cria uma maior preocupação na formação do estudante em
cidadão, gerando no governo a necessidade do controle do ensino da História.5
Esse questionamento pode ser dirigido hoje à forma como determinados
conteúdos são retirados da grade curricular de História, enquanto outros são
abordados de forma plenamente superficial, sem nenhum interesse na
fomentação de um debate historiográfico que garanta a contemplação de mais
de uma visão sobre o tema. Mais uma vez cabe ao professor, como baluarte
dos processos pedagógicos, efetivarem essas inquietações quanto ao currículo
proposto.
A narrativa oral tem surgido com uma forma de quebra, também desse
paradigma, uma vez que as vozes históricas trazem um desenterrar dos
conteúdos, mas desta vez mais compromissados com a realidade e as
vivências dos estudantes em sala de aula. Aproximar o conteúdo dos alunos é
uma forma de garantir uma maior identificação do sujeito com o seu tempo
histórico, uma das maneiras de se obter tal aproximação é a abordagem da
4 NUNES,B. “Narrativa histórica e narrativa ficcional”. RJ, Imago. 1998. 5 LAVILLE, Christian. “ A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do ensino da História”.
Revista Brasileira de História. SP. 1999
História Local, que juntamente com a oralidade formam uma conexão que se
mostrou produtiva durante a pesquisa em sala de aula.6
A TORRE COMO PÓLO INDUSTRIAl.
O bairro da torre foi o bairro que se caracterizou por nele ter sido
plantado um dos elementos que evocam uma fase importante da
história do nordeste e na do Brasil, que é o processo de
industrialização e um acelerado processo de
urbanização.(Gustavo Krause)7
A breve citação retirada da entrevista que se realizou com o morador do
bairro e figura importante na política pernambucana, Gustavo Krause, retrata
muito bem a discussão em que iremos nortear nosso trabalho. Em que o bairro
passa de um status agrário para um industrial. A torre representa exatamente
esta síntese.
A indústria têxtil pernambucana, em muitos aspectos fazia frente às
demais concorrentes no Brasil e fora dele, o mesmo solo que fora conhecido
por ser responsável pelo sucesso econômico do plantio da cana de açúcar
mostrou-se igualmente produtivo, quando lhe foi introduzido um novo cultivo, o
algodão. A crescente produção da matéria prima para a confecção de tecidos e
a presença de uma infra-estrutura favorável, inspirou o surgimento do espírito
empreendedor, e o aparecimento da fábrica têxtil que marcaria a economia do
bairro da Torre.
Apesar das reformas e crescimento da produção têxtil a primeira
tentativa da implantação desse setor, em 1826, não foi bem sucedida. Somente
duas décadas depois, a produção de tecidos em Pernambuco ganharia
6 SCHMIDT, M. A. O ensino de história local e os desafios da formação da consciência histórica. In:
MONTEIRO, A. M.; GASPARELLO, A. M.; MAGALHÃES, M. de S. (Org.). Ensino de história:
sujeitos, saberes e práticas. Rio Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2007. p. 187-198. 7 Gustavo Krause Gonçalves Sobrinho- Prefeito do Recife entre 1979 a 1982, Governador do estado de Pernambuco em 1986 e Ministro do Meio Ambiente entre 1995 a 1999.
novamente força suficiente para se consolidar, mesmo assim o motor dessa
produção só seria grandemente estimulado na década de 60 do século XIX, em
grande parte devido a Guerra Civil Americana. Os conflitos nos Estados Unidos
representaram um momento altamente favorável à cultura de algodão
pernambucana, e por sua vez representando um crescimento na produção de
tecidos no estado. A guerra nos Estados Unidos proporcionou uma
oportunidade para a indústria de tecidos em Pernambuco, principalmente
porque o sul desse país era responsável por grande parte da produção de
algodão que alimentava uma das mais importantes indústrias têxtil no mundo,
as fábricas inglesas de tecido eram responsáveis por grande parte das
exportações Estadunidenses de algodão. A facção Norte dos Estados Unidos
era contrária a essa prática, por isso adotou políticas que impedissem a
exportação do produto, juntamente com isso, as fazendas do Sul foram
destruídas na guerra, resultando na abertura dessa oportunidade econômicas.
As exportações pernambucanas de algodão nesse
período (1860) se igualaram as de açúcar. A enorme capacidade
de iniciativa comercial protagonizada pelos filhos da terra
pernambucana, estimulado e impulsionando outras atividades,
modelando um conceito da vida de mobilidade espantosa,
fazendo germinar uma variedade de cultura, sem afasta-se das
condições comerciais que consolidaram no decorrer dos anos,
sua posição de desbravadoras, impondo por tal forma critério
diretor com que pudessem proteger ampliar e desenvolver sua
política econômica protegendo-se e fazendo em face a
concorrência estrangeira.8
Em 1874, um grupo de moços do Recife, embalados pelo entusiasmo
produtivo, estimulados com as notáveis possibilidades da terra, onde sementes
germinavam espantosamente, oferecendo riquezas e prosperidade resolveram
fundar uma pequena industria de tecidos, cujo atividades seriam iniciadas em
1875, com a razão social de Pernambuco Barroca LTDA. Pernambuco a terra
8 Cotonifício da Torre S.A, in documentário ilustrado do tri-cenário da Restauração Pernambucana, 1654-
1954, pg.163
do ouro branco, como dizia o músico e compositor Luis Gonzaga 9. Foi,
portanto o algodão o veículo por excelência que muito concorreu para nossa
transformação econômica, impondo o crescimento da indústria de tecidos,
produzindo os melhores tipos de fibra, oferecendo concorrência aberta às fibras
estrangeiras o que acarretou uma procura incessante do nosso produto que era
na realidade a representação viva da qualidade das nossas terras.
Em entrevista com o historiador e morador do bairro o senhor Leonardo
Dantas, ele nos relata que a fábrica da torre surgiu na madalena, pertencente
ao comendador Barrocas, diz o entrevistado.
Essa antiga fábrica estava situada aonde hoje é a rua
Demostenes Souza Filho, situada na madalena. A fábrica
chega à Torre em 1892 e recebe uma remodelagem, surgindo
logo após o cotonifício da Torre, a fiação e tecelagem da Torre,
se tornando de propriedade da família Amorin. (Leonardo
Dantas)10
. Devido sua dimensão operariado e consumo da matéria-prima ora
oferecido pelos estados do nordeste do país, e pela sua expansão dos
mercados nacionais ao norte e ao sul do Brasil, a companhia de fiação e
tecidos de Pernambuco, popularmente conhecida como a fábrica da torre,
nome que lhe deu o bairro onde se erguem as suas construções, denominadas
por altas chaminés. Chegada na Torre em 1892 Conhecida por sempre pautar
seu desenvolvimento na eficiência administrativa, cujo a qualidade de sua
produção sempre foi bem vista e procurada por todo país. Uma indústria com
cerca de 1.400 operários, iniciava às 5horas da manhã suas atividades, que
operavam desde o tratamento do algodão até o enfardamento dos tecidos. Os
operários tinham amparo assistencial por parte da indústria, como apoio às
funcionárias com a criação de creches para os seus filhos, assistência médica
e incentivos para que os mesmos residissem nas proximidades da fábrica.
9 Luis Gonzaga- importante compositor cantor da cultura pernambucana e nacional, autor de musica de forró baião, xaxado. Um do seus maiores sucessos é asa branca. 10 Leonardo Dantas- bacharel em direito, foi diretor da fundação de cultura do Recife 1979 a 1983, diretor da editora massangana da fundação Joaquim Nabuco entre 1987 a 2003.
SANTA LUZIA, PROTETORA DOS OLHOS DO OPERARIADO.
Durante nossas pesquisas nos arquivos do estado encontramos noticiais
sobre as festas cultuadas à santa Luzia, em que os operários a adotaram como
sua padroeira. Segundo o historiador que foi nosso entrevistado, o senhor
Leonardo Dantas, acidentes ocorriam com os operários, em que muitos
perdiam a visão, segundo, as lançadeiras que passavam na frente dos teares
eram amaradas por couro e vez por outra as correias se soltavam ou rompiam
causando danos sérios aos tecelões, lembrando também que as fábricas eram
movidas a vapor e não por energia elétrica, ocasionando dificuldades de
trabalho. A frase extraída do entrevistado sintetiza bem a situação em que os
operários viviam nas industrias de tecidos não só da Torre, mas também em
outras espalhadas pelo estado. (Muitos tecelões perderam suas visões em frente a
um tear). Leonardo Dantas.
O mesmo relata que uma das medidas se deram por decisão do seu
bisavô que era gerente administrativo da fabrica.
Meu bisavô, Antonio Machado Gomes da Silva, que
trabalhou na fabrica da Torre até 1905, quando veio a falecer,
mandou buscar na Europa a imagem de santa Luzia,
conhecida por ser a santa protetora dos olhos. Medidas de
segurança também foram adotadas, mas a vinda da imagem se
misturou com a crença enorme que o povo desse estado
possuía e ainda possuí e atribuiu à diminuição dos acidentes a
intervenção de santa Luzia.
A festa de santa Luzia festejada sempre no dia 13 de Dezembro era
realizada dentro das instalações da fábrica, a imagem vinda da Europa
percorria todas as dependências da fábrica e uma missa campal era realizada
como diz o padre do bairro.
A festa de santa Luzia era e ainda é a mais famosa do bairro.
Ainda me lembro como os operários eram gratos pelas
intervenções que diminuíram e muito os acidentes. Após o
fechamento da fábrica, a nossa paróquia assumiu a festa e até
hoje fazemos o culto festivo á santa Luzia, com a procissão
que percorre o bairro da Torre em especial a Vila de Santa
Luzia, comunidade esta que foi batizada pelo povo com o nome
da santa. (Pe. Romeu Gusmão).
A VIDA NO BAIRRO
Bem lembrado pelo senhor Gustavo Krause, outro elemento da
economia do bairro eram as olarias, o mesmo morava em frente a uma e
possuía muitos amigos oleiros. (eu possuía muitos amigos que trabalhavam nessas
pequenas fabricas, eram amigos de pelada) As relações existentes no bairro eram de
característica horizontal, em que eram mais próximas entre os vizinhos. O
privilégio de morar próximo ao rio Capibaribe torna a vida de quem morava no
bairro mais próxima com a natureza.
Existia uma relação fraterna com o rio, que naquela época não
era poluído. Nós pescávamos no rio, e fazíamos uma coisa
muito interessante que era a ratoeira, mas não a de pegar
ratos, e sim de pegar o gaiamum, que era engordado pela
turma e depois fazíamos aquela gaiamunzada do domingo
após a pelada. (Gustavo krause)
Esse estilo de vida que existia no bairro o tornava as convivências
harmoniosas, os moradores celebravam festas culturais um na casa do outro,
era comum o estabelecimento das relações de partilha entre os moradores , os
famosos assustados, em que os jovens se reuniam para comemorar um
aniversário na cada do aniversariante, esses práticas compunham essa cultura
da boa vizinhança. A presença da fábrica estava presente na vida dos
moradores desse bairro, o sinal da sirene em que a troca de turnos era
avisada, dava a noção de tempo, e o movimento dos operários chegando e
saindo da fábrica, era o momento de rever o amigo o namorado ou a namorada
que trabalhava na indústria. Retirada na entrevista do padre da paróquia da
bairro há mais de cinqüenta anos o monsenhor Romeu Gusmão da fonte, ele
diz:
Uma coisa que ainda zoa em meus ouvidos é o apito da
fábrica. Eu me lembro de três apitos da fábrica da Torre. Um às
5 da manhã, o segundo às 14horas e o terceiro as 22 horas.
(Pe. Romeu Gusmão)
.
A fábrica da Torre, o seu entorno gravitava uma sociedade caracterizada
exatamente pela transição do país rural, para o urbano. Em nossas análises
baseadas nas entrevistas já citadas, não se viu um choque de classes, pois é
evidente uma miscigenação, onde a maioria eram amigos e companheiros de
trabalho. O bairro era isolado da cidade, a partir da segunda metade do século
XX , os prefeitos que passaram começam a realizar as interligações do bairro,
com o bairro do zumbi primeiramente, depois com o bairro da iputinga e com o
bairro do Parnamirim, com a ponte-viaduto torre-parnamirim. Ponte esta
inaugurada na gestão do prefeito Gustavo Krause, que serviria como segunda
perimetral ligando à zona sul do Recife a zona norte dando conexão a zona
oeste.
A torre possuía seus cinemas, como meios de entretenimento. Existiam
três, o cinema da Torre, o cine modelo e o cine real. A juventude do bairro,
moradores mais velhos, servidores públicos e operários se juntavam em mais
uma manifestação de boas relações sociais existentes.
Mas a partir de 1970 a situação da indústria têxtil de Pernambuco
começaria a mudar. A crise iniciaria no setor agrário, com o aparecimento da
“praga do bicudo”, também conhecido como “bicudo-do-algodoeiro”
(Anthonomusgrandis). Esse besouro da família dos curculionídeos, perfura o
botão floral e a maçã dos algodoeiros, e tem grande capacidade de se
reproduzir, podendo existir gerações múltiplas durante uma única safra, o que
pode causar prejuízos fatais à produção. Esses prejuízos no campo logo foram
sentidos na produção de tecidos da capital.
A crise no setor agrícola e têxtil não foi assunto apenas para agricultores
e operários o meio político se manifestou sobre as perdas que afetavam a
economia do Estado (segundo dados obtidos em jornais da época, a indústria
têxtil era responsável por 75% do mercado de trabalho da Região
Metropolitana do Recife. No recife, o vereador Rubem Gamboa (PMDB) fez um
longo requerimento11, advertindo o governo sobre problemas sociais,
financeiros e de infraestrutura, que afetavam direta ou indiretamente os
operários e a indústria: Gamboa apontou a desorganização industrial como
causadora de “distorções” na capital e nas cidades vizinhas, entre eles o
desemprego, os problemas nos setores de habitação, higiene, alimentação,
educação e transportes. O vereador destacou a criação de novos focos
industriais e comerciais no interior do Estado, já que a Região Metropolitana do
Recife já não tinha a mesma capacidade de absorção do incremento
populacional oriundo do interior. Ainda nos argumentos de Rubem, o Governo
Estadual assistia mudo às investidas dos grandes conglomerados estrangeiros,
em detrimento da indústria genuinamente nacional (como as fábricas de
tecidos, que estavam fechando e deixando desempregados mais de 65 mil
pessoas), o que estimularia uma concorrência desleal, já que aquelas
indústrias ocupavam os espaços do mercado nordestino com produtos mais
baratos e, portanto, dificultavam a comercialização local. Essa política, ainda
segundo o vereador, seria a responsável também pelos baixos salários pagos
ao trabalhador nordestino.
Na entrevista concedida, Ana Maria, ex-operária da Fábrica da Torre
durante os anos 80, relatou os cortes nos cargos que os funcionários sofreram,
quando a mesma afirmou que, durante o período de crise, uma parte dos
funcionários continuou trabalhando e, outra parte ainda maior, foi demitida.
Aqueles que continuaram trabalhando, teriam acumulado as funções dos que
11 Diário de Pernambuco, 19 de junho de 1982
foram exonerados, com um funcionário realizando as funções que antes seriam
feitas por 2 ou 3 operários, como Ana expôs:
[...] eles botaram umas pessoas para casa e umas
ficaram com a gente lá porque se pedissem alguma coisa, eu
sabia trabalhar com camisa, entendeu? A gente ficava fazendo
as duas coisas. Quando não tinha nada o que fazer, a gente ia
pro estoque procurar tecido que batesse pra poder fazer
igualzinho o aviamento. Aí depois eles viram que estava ruim a
crise, aí mandou a gente ficar em casa, para se, por acaso
reabrisse de novo, voltasse o movimento de produto [...] (
Entrevista Ana Maria Alves dos Santos, 2015. )
O debate político sobre a decadência das fábricas em Pernambuco
também atingiu o Senado Nacional; o senador Marcos Freire (PMDB – PE)
responsabilizou diretamente o custo do dinheiro e a fragilidade do mercado
interno como os principais fatores que causaram, até aquele momento, a
desativação de oito fábricas em Pernambuco. 12Em seu discurso, Marcos foi
além do de Rubem, e trouxe problemas enfrentados no campo como
essenciais para a crise vivida. Para o senador, era necessária uma mudança
na filosofia do Governo, para que houvesse uma transformação na orientação e
nas diretrizes política. Freire também ressaltou a necessidade de se prestar
assistência técnica mais eficiente ao agricultor, como forma de promover
melhorias na comercialização de seus produtos.
O Sindicato dos Tecelões também foi matéria dos jornais. Foi possível
perceber discordâncias entre os operários e o sindicato: o operário José
Ferreira dos Santos denunciou o atraso dos pagamentos e demissões sem o
pagamento das indenizações pela fábrica da Macaxeira. Ainda segundo José,
a fábrica estaria demitindo em massa e operando apenas com um terço de sua
capacidade de produção. O operário também expôs discrepâncias entre
aqueles que ocupavam diferentes funções na indústria pernambucana – ele
lamentava que enquanto a maioria dos tecelões passavam fome porque
estavam desempregado, os diretores do sindicato viveriam de mordomias, e 12 Jornal Diário de Pernambuco, 18 de junho de 1982.
que estes últimos não cumpriam a sua carga horária e, consequentemente, não
resolviam quaisquer problemas da categoria. 13
No que diz respeito à Fábrica da Torre, Ana Maria, em seus relatos,
afirmou que todos os funcionários que moravam na Vila Operária foram
indenizados (apesar da ex-operária não saber responder se a indenização foi
paga por meio de dinheiro ou por meio do imóvel). Apesar das condições nada
fáceis que os jornais expunham, Ana assegura que o período que trabalhou na
Fábrica foi ótimo (apesar da mesma ter iniciado seu trabalho no
estabelecimento durante o período de crise. Sobre as condições de trabalho,
Ana disse que trabalhava das seis da manhã às seis da noite, com uma hora
para almoço, o que caracterizaria sua jornada de trabalho em onze horas
diárias.
No bairro da Torre, houve a ascensão e a queda de uma base
dinâmica da economia que foi o algodão e a industria
beneficiadora, que foi a fábrica da Torre e o cotonifício
Capibaribe. E o inicio de um novo processo do bairro, a sua
verticalização. (Gustavo Krause)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho de pesquisa desenvolvido junto à equipe do programa de
iniciação da docência trouxe ao seu contexto a discussão sobre a história de
um bairro que mesmo estando afastado o centro da capital pernambucana,
palco de vários enredos históricos, possui uma grande riqueza histórica.
Fizemos um panorama sobre à antiga e a nova Torre, em que esse novo bairro
repleto de prédios comerciais e residenciais teve suas bases consolidadas em
uma história de luta e prosperidade. Esse bairro que de um engenho se tornou
um polo industrial e atualmente abriga importantes polos comerciais. Sua
localização bem situada traz os olhares do empreendorismo que agora lança
âncoras sobre os históricos terrenos do bairro, em que o processo de
13 Jornal Diário de Pernambuco, 09 de junho de 1982
verticalização da cidade ameaça cada vez espaços antes cenários dessa
dinâmica sofrida pelo bairro.
BIBLIOGRAFIA
CAVALCANTI, Carlos Bezerra .O Recife e seus bairros, CCS gráfica e editora,
Recife 1949. 5º Ed. Pg,167.
COTONIFÍCIO DA TORRE S.A, in documentário ilustrado do tri-cenário da
Restauração Pernambucana, 1654-1954, pg.163.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 19 de junho de 1982.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 18 de junho de 1982.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 09 de junho de 1982.
LAVILLE, Christian. “ A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do
ensino da História”. Revista Brasileira de História. SP. 1999.
LIMA, Maria. “As diferentes concepções de ensino e aprendizagem no ensino
da História”. In Fronteiras, MS, 2009.
NUNES,B. “Narrativa histórica e narrativa ficcional”. RJ, Imago. 1998.
SCHMIDT, M. A. O ensino de história local e os desafios da formação da
consciência histórica. In: MONTEIRO, A. M.; GASPARELLO, A. M.;
MAGALHÃES, M. de S. (Org.). Ensino de história: sujeitos, saberes e práticas.
Rio Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2007. p. 187-198.
SILVA, Leonardo Dantas. Arruando pelo Recife, por suas ruas, pontes, praias
e sítios históricos- Recife, SEBRAE/PE, 2000.
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