Abordagem do uso abusivo de álcool e outras drogas

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Ronaldo ZontaMédico de Família e Comunidade

US do Saco Grande

Tutor da Residência em MFC / UFSC – SMS

sacograndefloripa.blogspot.com

ronaldozonta@gmail.com

ABORDAGEM DO USO ABUSIVO DE ÁLCOOL E

OUTRAS DROGASEPIDEMIOLOGIA, RASTREAMENTO,

ENTREVISTA MOTIVACIONAL E INTERVENÇÃO BREVE

ASPECTOS-CHAVES

O conceito de droga legal e ilegal é em grande parte de fundo moral e cultural;

O uso de uma droga remete à uma infinidade de experiências que envolvem pelo menos três fatores em interação: pessoa, contexto e propriedades farmacológicas;

O álcool é principal droga consumida no Brasil, sendo responsável com considerável morbi-mortalidade;

A queixa sobre o uso abusivo do álcool costuma vir, na sua maioria, através de um familiar, sendo que o preconceito e a estigmatização do usuário afastam-no de procurar ajuda;

ASPECTOS-CHAVES O rastreamento do uso abusivo de álcool deve ser

realizado na APS utilizando-se de instrumentos adequados – CAGE, AUDIT;

Deve-se diferenciar uso leve x uso de risco/uso nocivo x dependência ao álcool;

As melhores técnicas para abordagem do usuário de álcool e outras drogas são as que usam os conceitos da entrevista motivacional e da intervenção breve;

Organização Mundial de Saúde: é considerada “droga” toda substância que, introduzida no corpo, altera

algumas das funções do organismo (medicamentos...)

Drogas Psicoativas: conjunto de drogas que alteram funções do sistema nervoso central;

O QUE SÃO DROGAS?

A droga como objeto claro e definido, nunca exisitu, constituindo-se como um “conceito moral” (Henrique Carneiro);

Em diferentes momentos históricos, em diferentes culturas e diferentes territórios, algumas substâncias são proibidas e em outros permitidas;

Legalidade x Ilegalidade: Não está relacionada diretamente aos seus efeitos mais

ou menos deletérios sobre à saúde; Relaciona-se com questões de ordem política e

econômica históricas.

O QUE SÃO DROGAS?

Drogas como intrinsecamente ruins e perigosas;

Paradigma biomédico - privilegia aspectos químicos das experiências com drogas e suas interações com o SNC (“objetividade química”).

Por trás da idéia de “droga”, existe uma imensa diversidade de experiências de usos, de distintas drogas, de diferentes maneiras, com motivações múltiplas e sentidos variados.

OS DISCURSOS SOBRE DROGAS

A grande mídia demoniza o crack e a pessoa que o usa, sem questionar-se sobre quais são os fatores sociais, econômicos e culturais que levam ao seu abuso;

Pouco se fala sobre a regulamentação da propaganda das drogas mais consumidas como álcool e tabaco, responsáveis pela maioria dos agravos em saúde.

O PAPEL DA MÍDIA

Um homem ainda sem identificação foi morto, na

madrugada desta segunda feira, após ser atingido por

quatro tiros na rua Bartolomeu Bueno, bairro dos

Bandeirantes, em Contagem, na Grande Belo

Horizonte. De acordo com militares do 39º Batalhão da

Polícia Militar, a vítima foi encaminhada ao Hospital JK,

mas não resistiu aos ferimentos e morreu. Moradores

da região disseram aos policiais que o rapaz era

usuário de drogas.

OS DISCURSOS SOBRE DROGAS

Por que as pessoas procuram as drogas?

Por que as pessoas bebem?

Por que será que sob o efeito da mesma quantidade de álcool algumas pessoas ficam alegres e outras

mais ou menos violentas?

Por que algumas drogas são proibidas e outras não?Por que mesmo proibidas as drogas são fáceis de

encontrar para quem as procura?

Por que uma droga alucinógena usada num ritual religioso tem menos efeito perturbador do que

quando usada com outros propósitos?

Os efeitos de uma drogas dependem de pelo menos três elementos:

1. Suas propriedades farmacológicas (excitantes, depressoras ou perturbadoras;

2. A personalidade da pessoa que usa, suas condições físicas e psíquicas, suas expectativas;

3. O contexto (companhias, lugar de uso, representação social da droga).

EPIDEMIOLOGIA DO USO NO BRASIL II Levantamento Domiciliar (2005) (12-65

anos)

EPIDEMIOLOGIA DO USO NO BRASIL

II Levantamento Domiciliar (2005) (12-65 anos)

EPIDEMIOLOGIA DO USO NO BRASIL

II Levantamento Domiciliar (2005) (12-65 anos)

24/02/2010 – Folha de SP Abuso de remédios cresce no mundo e

supera uso de drogas, diz ONUO uso abusivo de remédios prescritos cresce rapidamente no mundo todo, e o número de viciados em medicamentos já supera o de

usuários de cocaína, heroína e ecstasy combinados.

Uso milenar – do religioso ao profano;

Até Séc. VIII – problema era visto como restrito às comunidades urbanas pobres e de periferia que devariam por si mesmas resolver o problema;

Séc IX (Revolução industrial) – operar máquinas – vira problema maior de saúde pública;

ÁLCOOL

EPIDEMIOLOGIA E CONSEQUÊNCIAS DO ABUSO

Brasil 8,32L/adulto/ano;

Causa mais anos potenciais de vida perdidos do que o tabaco ou drogas ilícitas (custos).

ESTUDOS LANCET SOBRE O BRASIL

PARÂMETROS DE CONSUMO DE ÁLCOOL

Consumo aceitável: Homens: até 21 doses/semana, 4 doses no dia, sem

danos à saúde; Mulheres: até 14 doses/semana, 3 doses no dia, sem

danos à saúde;

UMA DOSE = uma lata (350ml) cerveja (1,7 U), um cálice (90ml) de vinho OU meia dose (20ml) de

destilado

Bebedor-problema: entre 21 – 50 doses/semana; Binge drinking: 10U para H / 7U para M Alcoolista: acima de 50 doses/semana.

ABORDAGEM DO USO DE DROGAS NA APS

Alcoólatra x Alcoolista

Um “bêbado” e uma “bêbada” deixam de ser pai ou mãe, trabalhador ou trabalhadora, para ser tão

somente um “bêbado” e uma “bêbada”.

“Problema oculto” – medo de exposição, surge como queixa de familiares.

DETECÇÃO DO USO ABUSIVO Perguntar a cada 3-4 anos sobre consumo de álcool (todos,

novo usuário, problemas de SM, doenças crônicas, acidentes/traumas, vida sexual de risco);

CAGE: Alguma vez sentiu que deveria diminuir a bebida ou

parar? As pessoas o aborrecem por que criticam o seu modo de

beber? Você se sente culpado pelo modo como costuma beber? Você costuma beber pela manhã para diminuir o

nervosismo ou ressaca?

Detecta abuso e dependência ao álcool, pode ser aplicado por todos os profissionais, um minuto;

Duas respostas positivas ou mais sugerem abuso/dependência (Sensibilidade: 70-85% /

Especificidade: 85-91%)

DETECÇÃO DO USO ABUSIVO

Outros instrumentos: AUDIT, ASSIST;

Envolver a escola e a família;

Não deixar de fora os idosos;

Não usar exames laboratoriais para detecção.

INTERPRETAÇÃO AUDIT

0-7 pontos: Uso de baixo risco;

8-19 pontos: Uso de risco / Uso nocivo;

20-40 pontos: grande chance de um diagnóstico de dependência.

CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICO DEPENDÊNCIA

CID-10 (3 ou + critérios no último ano): Forte desejo ou senso compulsão para consumo;

Dificuldades de controlar o comportamento de consumo – início, término e níveis;

Estado de abstinência fisiológica – tremores, insônia, ansiedade, palpitação, convulsões, desorientação, alucinações;

Evidência de tolerância crescente;

Abandono progressivo de prazeres e interesses alternativos;

Persistência no uso da substância a despeito das evidências de suas conseqüências.

ROLE-PLAY

Como abordar essa situação?

Quais são as técnicas com maior probabilidade de sucesso?

Pergunte sobre o uso (“o que você pensa do seu uso de álcool?” “como é sua relação com o álcool?”);

Impacto do uso: Dias de afastamento laboral; Dinâmica familiar, financeira; Uso de outras drogas; Problemas com justiça

Negociar “convício saudável” com a bebida (meta);

Estratégias para evitar intoxicações (riscos acidentes);

Fornece material impresso.

ABORDAGEM DO USUÁRIO DE RISCO / USO NOCIVO DE ÁLCOOL

ENTREVISTA MOTIVACIONAL

Ferramenta para ajudar as pessoas a reconhecer e fazer algo a respeito dos seus problemas;

Identificando os estágios de mudança

ENTREVISTA MOTIVACIONAL

Identificando os estágios de mudança

Pré-contemplação

Informações claras sobre os riscos do uso; Levantar dúvidas – aumentar percepção sobre riscos e

problemas.

Contemplação: Pensando na possibilidade de diminuir ou parar

(ambivalência);

Informações sobre os riscos do uso; Estratégias para ajudá-lo; Vantagens e desvantagens do uso;

ENTREVISTA MOTIVACIONAL Identificando os estágios de mudança

Preparação para a ação

Ajude a desenvolver um plano; Identificar situações de risco e estratégias de como lidar

com elas; Estratégias para parar ou diminuir, ajudar a escolher melhor

forma.

Ação

Encoraje; Tire dúvidas.

ENTREVISTA MOTIVACIONAL

Identificando os estágios de mudança

Manutenção

Elogie pelo sucesso; Reforce estratégias para prevenir recaídas.

Recaída

Identifique, junto com a pessoa, as situações de risco relacionada à recaída;

Estabeleça estratégias de enfrentamento; Encoraja a recomeçar; Não puna, tranquilize.

ENTREVISTA MOTIVACIONAL Princípios gerais

Expressar empatia Aceitar as pessoas como elas são libertá-as para as

mudanças; A não-aceitação insistente pode ter o efeito de mantê-las do

jeito que estão (“Você não está bem. Você tem que mudar.”);

Escuta reflexiva; A ambivalência é normal.

Desenvolver discrepância Mostrar a discrepância entre o comportamento atual e suas

metas pessoais e o que pensa que deveria fazer; Conscientizar das consequências; Deixar que a pessoa apresente os argumentos da mudança; “Como você se imagina no futuro? O que está fazendo para

atingir essa meta?”.

ENTREVISTA MOTIVACIONAL

Princípios gerais:

Evitar a confrontação / argumentação Defender gera atitudes de defesa; A resistência é um sinal para mudar a estratégia; Rotulação é desnecessária – “negação”, “dependente”,

“resistência”.

Acompanhar a resistência Entender que a ambivalência e a resistência são normais; Use da própria argumentação da pessoa para contra-

argumentar; Oferecer alternativas.

Promover a auto-eficácia Encoraje a ele próprio fazer a mudança; Mensagem de estímulo.

ENTREVISTA MOTIVACIONAL Outras medidas:

Remover BARREIRAS Facilitar o acesso; Competência cultural.

Proporcionar ESCOLHAS

Diminuir os aspectos DESEJÁVEIS do comportamento Prós e contras

Ajudar ATIVAMENTE Tomar iniciativas que demonstrem preocupação com a

pessoa – telefonar, enviar bilhetes.

INTERVENÇÃO BREVE

PRIMEIRO PASSOFeedback (devolvida ou retorno)

Avalia-se o consumo (instrumentos) e dá-se o retorno:

Provoque motivação e interesse pela informação.

“Pelo que conversamos parece que você está bebendo uma quantidade que pode lhe causar problemas de saúde –

vamos conversar mais sobre isso?”

“O que você sabe sobre os efeitos do álcool no seu humor?”

Se houver mais de uma droga envolvida;

Escolher junto com a pessoa uma substância para ser enfocada por vez.

INTERVENÇÃO BREVE

PRIMEIRO PASSO Informar riscos e esclarecer para que ele decida

como usará a informação;

“A anfetamina afeta seu humor, o uso contínuo pode fazer com que você se sinta deprimido, ansioso. Isso já aconteceu

com você? Você gostaria de falar sobre isso?”

Nunca “confronte”;

Provoque auto reflexão: “Como você se sente sobre isso?” “O que você gostaria de fazer sobre isso?” “O quanto você está preocupado com isso?” “Quais são suas preocupações principais?”

INTERVENÇÃO BREVE

SEGUNDO PASSOResponsability (responsabilidade e metas)

“Negociar” meta (redução ou abstinência) e responsabilizá-la pela meta;

“O seu uso de substância é uma escolha sua e ninguém pode fazer você mudar seu comportamento ou decidir por você. Se você percebe que isso está

prejudicando a sua vida e sua saúde, e quiser mudar, podemos ajudá-lo, mas a decisão, a escolha é sua.”

INTERVENÇÃO BREVE

TERCEIRO PASSOAdvice (aconselhamento)

Orientações claras sobre a diminuição ou interrupção do uso;

Relacionar com seus problemas atuais (úlceras gástricas e álcool / enfisema e tabaco...);

Oferecer material informativo.

INTERVENÇÃO BREVE

QUARTO PASSOMenu of Options (menu de opções)

Identificar situações de risco que favorecem o consumo: onde ocorre, em companhia de quem, em que situações;

Desenvolver habilidades e estratégias para evitar ou lidar com essas situações;

INTERVENÇÃO BREVE

QUARTO PASSOMenu of Options (menu de opções)

Fornecer possibilidades de escolhas:

Fazer um diário sobre o uso;

Identificar outras atividades que possam substituir o uso (atividade física, tocar um instrumento...);

Reflita sobre as coisas que gosta de fazer, a se descobrir melhor;

Tenha opções gratuitas de lazer – apresentações musicais, oficinas de artesanato... Grupos... CAPSad... AA... NA...

Descubra algo que a pessoa gostaria de ter e calcule o quanto irá economizar sem a substância.

WWW.ALCOOLICOSANONIMOS.ORG.BR

WWW.AL-ANON.ORG.BR

INTERVENÇÃO BREVE

QUINTO PASSOEmpathy (empatia)

Evite comportamento agressivo ou confrontador;

Disposto a ouvir e entende seus problemas, inclusive a dificuldade de parar.

SEXTO PASSOSelf-efficacy (auto-eficiência)

“Prós” e “contras” do uso;

Promover otimismo e confiança / Reforçar aspectos positivos;

Conhecer rede de apoio.

REDUÇÃO DE DANOS

Conjunto de princípios e tecnologias de cuidado dirigidas às pessoas que usam drogas;

Discute as políticas proibicionístas;

Galeno / Hipócrates (130-200 D.C.): vinho e ópio;

Grécia – dietética dos prazeres

O prazer, para os gregos, não era algo visto como imoral. O cidadão considerado como exemplo a ser seguido não era casto, frugal ou abstinente, mas aquele que possuía

domínio sobre seus prazeres. Nunca um domínio que viesse a impedir o uso dos prazeres.

REDUÇÃO DE DANOS

Idade média – demônio (Agostinho e Tomás de Aquino;

Séx VII – medicalização;

Amsterdam 1984 – Hepatite B;

Surgimento HIV/AIDS;

Primeira experiência em Santos – David Capistrano;

Atualmente

Voltada para outras substâncias (coca/crack, maconha, ecsatasy...)

Redutor de danos no SUS / CAPS / UBS.

ÁLCOOL

oProcure retardar o início do uso. Quanto mais tarde começar, menos irá beber;

oBusque sentir o sabor de sua bebida. Já existem grupos que se dedicam ao deleite como forma de Redução de Danos. Beba devagar. Entre um gole e outro, deixe o copo sobre a mesa. Aproveite;

oLembre dos ensinamentos dos avós. Antes de ir para a festa, faça uma boa refeição. Em caso de abuso, sopas e caldos quentes são ótimas pedidas;

oPara a sede, prefira água. Deixa o álcool para os momentos de deleite;

oBusque consumir bebida de boa qualidade;

oTente planejar o consumo, e esforce-se para seguir o planejamento;

oNão misture bebidas, nem concilie com o uso de outras drogas;

oSe beber, não dirija.

DICAS

Assitir ao filme: “Bicho de Sete Cabeças”;

Fazer o curso do SUPERA:

www.supera.org.br

Conhecer o CEBRID:

www.cebrid.epm.br

Conhecer e articular parcerias com o CAPS, os serviços hospitalares de referência e as Comunidades Terapêuticas (propor e fiscalizar);

DICAS

Ler o livro: “Entrevista Motivacional: Preparando as pessoas para a mudança de

comportamentos aditivos”

Aprofundar-se sobre o tema de Redução de Danos:

http://redehumanizasus.net/blog/2304

http://www.abordabrasil.org/

DIPLOMATIQUE.UOL.COM.BR (SETEMBRO 2009)

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