Aloysio defende Ficha Limpa e reforma política

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DCIE S P E C I A L PA N O RA M A D O B RA S I L | Quinta-feira a segunda-feira, 3 a 7 de junho de 2010B10

SELEÇÃO Tucano apoia projeto Ficha Limpa, mas diz que partidos devem ter critérios de seleção

Aloysio defende Ficha Limpa e reforma políticaEx-titular da Casa Civil do Governo Serra prometedefender São Paulo e prega que população sejaesclarecida sobre as funções do Senado

Aloysio Nunes

são paulo

Ex-titular da Casa Civil do gover-nodoEstadode SãoPaulo,otuca-no Aloysio Nunes Ferreira prepa-ra-separamais umdesafiopolíti-co: o de buscar uma das vagas aoSenado pelo Estado de São Paulo.

Aloysio Nunes afirma que épreciso apresentar aoeleitor quala função exercida pelo SenadoFederal. Ele cita, por exemplo, acompetência não exercida peloSenado, introduzida por umaEmenda Constitucional de 2003,que é a avaliação da funcionalida-de do sistema tributário.

Ocandidato aoSenado elogiaainiciativa do projeto Ficha Limpae é favorável que ele passe a valerjá no próximo pleito, mas faz oalerta de que cabeaos partidos te-rem critérios rigorosos para aco-lher quadros eleitorais.

Confira a entrevista concedidaAloysio Nunes Ferreiraao progra-ma “Panorama do Brasil”, co-mandado por Roberto Müller ecom participação da diretora deRedação do DCI, Márcia Raposo,e de Milton Paes, da rádio NovaBrasil FM.Roberto Müller: Por que agora oSenado, depois de uma carreira tãofértil, onde acho que o senhor sónão foi vereador, não é isso?

Aloysio Nunes Ferreira: Eu nãofui candidato a vereador. Eu iaser candidato a vereador em1968 quando se formou oMDB. Até o MDB na época erajanista. O janismo foi para oMDB. Mas eu não pude sercandidato porque veio repres-são, eu tive de sair do Brasil, foicomplicado. Por que agora [oSenado]? Eu acho que a políti-ca é realmente uma carreira,no bom sentido. Você tem polí-tico carreirista. Masé uma car-reira que exige que você dê pas-sos sucessivos, um depois dooutro, ao longo dos quais vocêvai acumulando experiênciade vida, conhecimento da polí-tica, conhecimento do seu es-tado, conhecimento dos pro-blemas das pessoas. Então euacumulei, ao longo desse tem-po todo, muita experiência devida política. Eu sou procura-dor do estado de profissão,mas exerço mandatos eletivosdesde 1988, no Executivo e noLegislativo. No plano federalfui ministro, no plano estadualfui secretário de TransportesMetropolitanos, fui secretáriomunicipal de São Paulo com oSerra, chefe da Casa Civil do go-verno estadual.Fui acumulan-do experiência e conhecimen-to dos problemas e eu sei daimportância do Senado. Sei oquanto o Senado é importantenãoapenas paraavida doesta-do, do País, mastambém para avida das pessoas. Por toda essatrajetória, acho que tenho con-dições de representar o meuestadoe ocuparuma dasvagasnessa eleição.

Milton Paes: Com a vasta experiên-ciaque osenhor tem,qual suaava-liação sobre o que deve mudar noBrasil?

Aloysio Nunes Ferreira: Olha,eu não reformaria o Brasil dealto abaixo e não se reforma o

Brasil de um golpe só. Hoje euacredito nas mudanças incre-mentais ou num processo demudanças cuja chave foi a re-democratização conquistadaem 1988. Uma democracia atédiferente da democraciapré-64, porque hojenós temosuma presença muito maior docorpo eleitoral brasileiro,que éimenso, considerando a popu-lação.Antes de64,o corpoelei-toral representava 25% da po-pulação. Hoje nós estamos amais de 70%, uma grande de-mocracia de massas com mui-tos instrumentos de participa-ção, inclusive a iniciativa po-pular. O povo é hoje um prota-gonista da história brasileira eisso leva a mudanças na gestãopública, mudanças na econo-mia. O fato devocê ter uma de-mocracia sólida é um ativo im-portante, inclusive na econo-mia, porque significa seguran-ça jurídica. Eu faria a reformapolítica. A reforma política temum nome:que éo votodistritalproporcional, o voto misto.Porque eu acho que isso tocanum ponto importante do sis-tema político brasileiro,que é agovernabilidade sem prejuízoda representatividade que terá

partidos mais sólidos e políti-cos mais responsáveis peranteseus eleitores.

Márcia Raposo: Olhando para osanos vindouros, qual éo papel fun-damental de um postulante ao Se-nado Federalpara representarSãoPaulo?

Aloysio Nunes Ferreira: Euacho que a primeira tarefa deum candidato ao Senado é ex-plicar para o eleitor o que fazum senador. Porque não é umacoisa trivial...

Márcia Raposo: Mesmo em SãoPaulo o senhor acha isso?

Aloysio Nunes Ferreira:Em SãoPaulo, na Paraíba, no Rio Gran-de do Sul, na França. O Senadotem umafunção complexa.Nocaso do Brasil, o senador legis-la, a elaboração das leis passapela Câmara e pelo Senado, etem matérias que são de com-petênciasó doSenado. OSena-do tem funções próprias seme-lhantes ao Judiciário. Ele julgaopresidente daRepública, ovi-ce-presidente, o ministro deEstado, os ministros do Supre-mo [Tribunal Federal - STF]por crime de responsabilida-de. O Senado tem uma funçãolegislativa muito interessanteque não é exercitada: quandoduas pessoas litigam na justiça,a base dessa açãopode ser umaquestão constitucional. Vocêpleiteia algo contra mim com

base numa lei que eu conside-roinconstitucional. Essaques-tão pode chegar até o STF e elepode decidir que a lei que sus-tentaasua pretensãoéincons-titucional. Só que essa decisãodo Supremo só vale entre nósdois, não vale para os demais.Então, essa dúvida para os de-mais continua eternamente.Em questões previdenciáriasesse problema é muito co-mum. Uma lei pode ser consi-derada inconstitucional e asações se multiplicarem combase nessa lei. O Senado temuma competênciaque éretirardo mundo jurídico essa lei queé considerada inconstitucio-nal numa decisão individual.Pouca gente sabe disso. Imagi-ne a limpeza de tanto entulhoque se poderia fazer se o Sena-do exercesse essa competên-cia. Outra competência nãoexercida pelo Senado e que foiintroduzida por uma EmendaConstitucional de 2003 é a ava-liação da funcionalidade dosistema tributário nacional.

Roberto Müller: Isso é uma atribui-ção do Senado?

Aloysio Nunes Ferreira: Com-petência do Senado. Foi intro-duzida por uma EmendaConstitucional em 2003 e estáem branco. O Senado tambémparticipa da nomeação de mi-nistros do Supremo, presiden-te do Banco Central, diretoresde Agências Reguladoras, che-fes de missões diplomáticas.Agora, o senador também é umrepresentante do estado noseu conjunto.Não deum parti-do ou de uma região, mas doestado. E aí, embora São Pauloseja um estado rico, nós temosmuita coisa a reivindicar no go-verno federal. Participaçãomaior em investimento, in-fraestrutura, ensino técnico emais: São Paulo é um mero es-pectador do sistema aeropor-tuário do País, embora nós te-nhamos 60% do tráfego aéreo.As nossas ferrovias são opera-das em regime de concessãofederal e o estado não tem nadaa dizer sobre isso. Então a fun-çãodeumsenador éirláedizerque São Paulo precisa ter o ra-mal da concessionária Cajatiativado para escoar a produ-ção de minério do Vale do Ri-beira, por exemplo.

Roberto Müller: Nesse caso, apa-rentemente, o senador é das fun-ções políticas a mais apartidária jáque ele atua em nome do estado...

Aloysio Nunes Ferreira: Comtoda a certeza, porque ele falaemnome doestado.Ele éeleitocomo o governador do estado.O governador não pode sereleito e governar em nome dopartido dele. Não tem cabi-mento isso...

Roberto Müller: E nem consegue.Aloysio Nunes Ferreira: Nãoconsegue porque ele não temsustentação política. O sena-dor é a mesma coisa. Ele é eleitopelo voto majoritário, tem derepresentar os interesses do es-tado. E, desse ponto de vista,ele tem de ter um bom relacio-namento com o governador,qualquer que seja o partido, ecom os prefeitos do Estado deSão Paulo. Os prefeitos recor-rem ao Senado porque elestêm capacidade de endivida-mento e precisam de autoriza-

ção do Senado para contrairempréstimos, seja financia-mento externo ou interno doBNDES [Banco Nacional deDesenvolvimento Econômicoe Social], por exemplo. Tem deter alguém lá pra cuidar isso.Então, isso é umaquestão importante.

Milton Paes: Em relaçãoà infraestrutura aeropor-tuária, São Paulo teve aoportunidade de passaralguns deles para a ini-ciativa privada conti-nuar administrando. Asestradas, embora priva-tizadas e pedagiadas,também são um bomexemplo de eficiência.Recentemente, emCam-pinas, o governador Al-berto Goldman disse queo estado teria condiçõesde expandir o aeroportode Guarulhos, de resol-ver questões pontuaisno aeropor-to de Congonhas, em Viracopos, deCampinas, entre outros. O senhorcompartilha da mesma opinião dogovernador Alberto Goldman?

Aloysio Nunes Ferreira: Eu te-nho a mesma opinião que ele.Eu acho o seguinte: ou faz ousaide cima,esseéque éonegó-cio. Nós temos aqui em SãoPaulo os aeroportos que sãoadministrados pelo Daesp,que também são administra-dos em regime de concessãofederal, pelo DepartamentoAeroviário do estado. Nós, aquiem São Paulo, apresentamosao governo federal uma pro-posta de prorrogar a nossaconcessão para que nós sub-concedêssemos paraa iniciati-va privada alguns aeroportos.A nossa ideia era pegar algunsaeroportos que são rentáveiscomo Ribeirão Preto, São Josédo Rio Preto, Presidente Pru-dente, quetem àvolta aeropor-tos menos rentáveis, e conce-der pacotes para a iniciativaprivada. Está lá o pedido no go-verno federal e ele não resolvenada. A mesma coisa em rela-ção aos investimentos paraampliar o terminal de Guaru-lhos, que é sórdido. O aeropor-to de Guarulhos tem instala-ções sórdidas. Viracopos estáclamando por um aumento,pela construção de uma novapista para se ter mais voos pralá. A Baixada Santista pede umaeroporto, o Vale do Paraíbapede um aeroporto. MesmoRibeirão Pretotem láum pedi-do de internacionalização doaeroporto, que está parado. Is-so o estado não pode simples-mente ficar olhando e deixarnas mãos do governo federal.Ainda que pela força de umapressão política bem exercida,nós temos que destravar essesgargalos.

Roberto Müller: Falávamos da suatrajetória políticae eunão mencio-nei a suaatuação na clandestinida-de, na luta contra a ditadura e doseu exílio na França. E é nisso queeu queria chegar. Eu tenho a im-pressão de que nós estamos viven-do na história contemporânea doBrasil umperíodo emque asua ge-ração foi para o poder, uma geraçãoem quegrande partedos postulan-tes aos maisimportantes cargos daRepública, o governador José Ser-ra é um exemplo, foram persegui-dos de alguma forma. Outros fo-

ram presos, como a ministra Dil-ma, o presidente Lula, o própriopresidente Fernando Henrique.Aindaquedividida empartidosdi-ferentes, essa geração é fruto da-quele período.

Aloysio Nunes Ferreira: É ver-dade, ela surgiu doimpulso que veio daredemocratização.Aqui em São Paulo, to-dos os governos quese sucederam a partirda eleição de 1982 sãodesse movimento,que foi o centro domovimento políticobrasileiro.

Roberto Müller: É curiosoporque essa geração car-rega umaexperiência ini-gualável. Ela foi perse-guida, seexilou, foitortu-rada e, coma redemocra-tização, ela voltou e hojegoverna o País. No Exe-

cutivo, no Legislativo, no Judiciá-rio. Nós temos ministros que forampresos...

Aloysio Nunes Ferreira: ErosGrau foi preso...

Roberto Müller: Ele esteve presona Oban (Operação Bandeirante),que depois virou DOI-Codi. A pró-xima geração não terá acumuladotantaexperiência,o queaumentaaimportância do que vocês fizeremnos cargos públicos, não?

Aloysio Nunes Ferreira: [A nos-sa função é] abrir espaço paraas novas gerações, sobretudopara tornar a política mais atra-tiva para os moços de hoje. Vo-cêe euentramosna lutapolíti-ca mais por um imperativomoral do que propriamentepor uma ação marxista ou umnível de sofisticação de adesãoideológica. Em primeiro lugar,nós entramos nisso porqueachávamos que o Brasil eramuito injusto, era arcaico e ti-nha lá um movimento por re-formas, por participação po-pular e nós entramos nisso.Depois, continuamos porquenão suportávamoso regimedeopressão ditatorial.Era umim-pulso mais de natureza moral.Quando veioa ditadura,foi co-mo uma bomba que estouroue criou um vácuo que nos pu-xou para dentro da cena políti-ca. Cada um do seu lado, vocêcomojornalista, eunapolítica.Cada um fez o que tinha de fa-zer. Hoje você não tem mais es-se imperativo moral. Tem departicipar da vida pública por-que ela completa a sua vida. Éuma dimensãosem a quala vi-da privada fica desprovida dealgumacoisaboa eexultante.Apolítica não oferece mais isso.A política também tem outrocomponente porque não pre-enche mais todo o espaço pú-blico. Tem outras formas departicipação pública sem serpolítica. Isso é um desafio, real-mente, mas política tem de seralgo mais atrativo, mostrar efi-ciência, mostrar resultado, secomportar corretamente parapoder atrair as pessoas.

Milton Paes: O senhor falava daquestãodaéticae issonosremeteàvotação do Ficha Limpa. Nós co-nhecemoso passadoque osenhortem e isso é importante, assim co-mo o passado de outros políticos.Esses políticos foram os que maisdefenderama aprovaçãodoproje-to. Como vê a aprovação de um pro-

jeto de iniciativa popular? Achaqueessa sejaumaforma demorali-zar o quadro político do País?

Aloysio Nunes Ferreira: Nós ti-vemos duas leis de iniciativapopular que provocaram mu-danças recentemente. Uma leique modificouo códigoeleito-ral que acabou com showmí -cio, outdoor, distribuição debrindes, badulaques, cader-nos, batom, boné,aquela coisatoda. Essa lei surge de uma ini-ciativapopular queé umanovaforma de participação na polí-tica criada pela Constituiçãode 1988. Foi muito positiva aaprovação do Ficha Limpa; euvi nos jornais afoto no plenárioda Câmara dos caras vibrandoali cuja ficha eu conheço, masenfim... O que acho mais im-portante no projeto é que vaihaver muito ‘pano pra manga’do ponto de vista jurídico. Éaplicável nessa eleição ou não,muda as regras eleitorais.

MiltonPaes: Issoseo STFconside-rar constitucional...

Aloysio Nunes Ferreira: Tem aquestão constitucional. Euacho atéque elanão regeo pro-cesso eleitoral e sim rege ascondições de elegibilidadeque, nomeu entender,poderiaser aplicado neste ano. Mas éuma questão quevai ser muitocontroversa. Maso importanteé o fato desse processo ter sidofruto de uma iniciativa do po-vo. Não é fácil você colher um

1,6 milhão de assinaturas. E is-so mostra que existe um envol-vimento profundo na opiniãopública exigindo formas oumeios mais corretos de atua-ção, moralidade no cumpri-mento de mandatos. Agora,uma coisaque ficou quea gen-te notou é que, independente-mente de lei, de Ficha Limpaou não, os partidos é que dão alegenda. Um partido não éobrigado a dar legenda paraum batedor de carteira, estu-prador, cachaceiro. Não é obri-gado. A concessão de uma le-genda é livre decisão do parti-do.Não existenemmais acan-didatura nata, como havia an-tigamente. Antigamente, can-didato a deputado ou a sena-dor era candidato nato. Ele ti-nha legenda obrigatória. Hojenão é. Então, independente-mente de lei, eu acho que ospartidos deveriam ser mais se-letivos. Essa controvérsia jurí-dica não pode servir de biom-bo para os partidos se eximi-rem da sua responsabilidade,queéa deselecionarmelhorosseus candidatos.

anderson passos

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«ACREDITO NAS

MUDANÇAS

INCREMENTAIS OU

NUM PROCESSO

DE MUDANÇAS

CUJA CHAVE FOI A

REDEMOCRATI

ZAÇÃO DE 1988»

k BÊ-Á-BÁ DO SENADO

«Acho que aprimeira tarefa de umcandidato ao SenadoFederal é explicarpara o eleitor o que fazum senador.Não é uma coisatrivial.»

k REPRESENTAÇÃO

«O senador daRepública também éum representante doestado em todo seuconjunto. Não de umpartido ou de umaregião, mas de umestado»