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DCI ESPECIAL PANORAMA DO BRASIL | Quinta-feira a segunda-feira, 3 a 7 de junho de 2010 B10 SELEÇÃO Tucano apoia projeto Ficha Limpa, mas diz que partidos devem ter critérios de seleção Aloysio defende Ficha Limpa e reforma política Ex-titular da Casa Civil do Governo Serra promete defender São Paulo e prega que população seja esclarecida sobre as funções do Senado Aloysio Nunes são paulo Ex-titular da Casa Civil do gover- nodoEstadode SãoPaulo,otuca- no Aloysio Nunes Ferreira prepa- ra-se para mais um desafio políti- co: o de buscar uma das vagas ao Senado pelo Estado de São Paulo. Aloysio Nunes afirma que é preciso apresentar ao eleitor qual a função exercida pelo Senado Federal. Ele cita, por exemplo, a competência não exercida pelo Senado, introduzida por uma Emenda Constitucional de 2003, que é a avaliação da funcionalida- de do sistema tributário. Ocandidato aoSenado elogiaa iniciativa do projeto Ficha Limpa e é favorável que ele passe a valer já no próximo pleito, mas faz o alerta de que cabeaos partidos te- rem critérios rigorosos para aco- lher quadros eleitorais. Confira a entrevista concedida Aloysio Nunes Ferreiraao progra- ma “Panorama do Brasil”, co- mandado por Roberto Müller e com participação da diretora de Redação do DCI, Márcia Raposo, e de Milton Paes, da rádio Nova Brasil FM. Roberto Müller: Por que agora o Senado, depois de uma carreira tão fértil, onde acho que o senhor só não foi vereador, não é isso? Aloysio Nunes Ferreira: Eu não fui candidato a vereador. Eu ia ser candidato a vereador em 1968 quando se formou o MDB. Até o MDB na época era janista. O janismo foi para o MDB. Mas eu não pude ser candidato porque veio repres- são, eu tive de sair do Brasil, foi complicado. Por que agora [o Senado]? Eu acho que a políti- ca é realmente uma carreira, no bom sentido. Você tem polí- tico carreirista. Mas é uma car- reira que exige que você dê pas- sos sucessivos, um depois do outro, ao longo dos quais você vai acumulando experiência de vida, conhecimento da polí- tica, conhecimento do seu es- tado, conhecimento dos pro- blemas das pessoas. Então eu acumulei, ao longo desse tem- po todo, muita experiência de vida política. Eu sou procura- dor do estado de profissão, mas exerço mandatos eletivos desde 1988, no Executivo e no Legislativo. No plano federal fui ministro, no plano estadual fui secretário de Transportes Metropolitanos, fui secretário municipal de São Paulo com o Serra, chefe da Casa Civil do go- verno estadual. Fui acumulan- do experiência e conhecimen- to dos problemas e eu sei da importância do Senado. Sei o quanto o Senado é importante não apenas para a vida do esta- do, do País, mastambém para a vida das pessoas. Por toda essa trajetória, acho que tenho con- dições de representar o meu estado e ocupar uma das vagas nessa eleição. Milton Paes: Com a vasta experiên- cia que o senhor tem, qual sua ava- liação sobre o que deve mudar no Brasil? Aloysio Nunes Ferreira: Olha, eu não reformaria o Brasil de alto abaixo e não se reforma o Brasil de um golpe só. Hoje eu acredito nas mudanças incre- mentais ou num processo de mudanças cuja chave foi a re- democratização conquistada em 1988. Uma democracia até diferente da democracia pré-64, porque hoje nós temos uma presença muito maior do corpo eleitoral brasileiro, que é imenso, considerando a popu- lação. Antes de 64, o corpo elei- toral representava 25% da po- pulação. Hoje nós estamos a mais de 70%, uma grande de- mocracia de massas com mui- tos instrumentos de participa- ção, inclusive a iniciativa po- pular. O povo é hoje um prota- gonista da história brasileira e isso leva a mudanças na gestão pública, mudanças na econo- mia. O fato de você ter uma de- mocracia sólida é um ativo im- portante, inclusive na econo- mia, porque significa seguran- ça jurídica. Eu faria a reforma política. A reforma política tem um nome: que é o voto distrital proporcional, o voto misto. Porque eu acho que isso toca num ponto importante do sis- tema político brasileiro, que é a governabilidade sem prejuízo da representatividade que terá partidos mais sólidos e políti- cos mais responsáveis perante seus eleitores. Márcia Raposo: Olhando para os anos vindouros, qual é o papel fun- damental de um postulante ao Se- nado Federal para representar São Paulo? Aloysio Nunes Ferreira: Eu acho que a primeira tarefa de um candidato ao Senado é ex- plicar para o eleitor o que faz um senador. Porque não é uma coisa trivial... Márcia Raposo: Mesmo em São Paulo o senhor acha isso? Aloysio Nunes Ferreira:Em São Paulo, na Paraíba, no Rio Gran- de do Sul, na França. O Senado tem uma função complexa. No caso do Brasil, o senador legis- la, a elaboração das leis passa pela Câmara e pelo Senado, e tem matérias que são de com- petênciasó doSenado. OSena- do tem funções próprias seme- lhantes ao Judiciário. Ele julga opresidente daRepública, ovi- ce-presidente, o ministro de Estado, os ministros do Supre- mo [Tribunal Federal - STF] por crime de responsabilida- de. O Senado tem uma função legislativa muito interessante que não é exercitada: quando duas pessoas litigam na justiça, a base dessa açãopode ser uma questão constitucional. Você pleiteia algo contra mim com base numa lei que eu conside- ro inconstitucional. Essa ques- tão pode chegar até o STF e ele pode decidir que a lei que sus- tenta a sua pretensão é incons- titucional. Só que essa decisão do Supremo só vale entre nós dois, não vale para os demais. Então, essa dúvida para os de- mais continua eternamente. Em questões previdenciárias esse problema é muito co- mum. Uma lei pode ser consi- derada inconstitucional e as ações se multiplicarem com base nessa lei. O Senado tem uma competência que é retirar do mundo jurídico essa lei que é considerada inconstitucio- nal numa decisão individual. Pouca gente sabe disso. Imagi- ne a limpeza de tanto entulho que se poderia fazer se o Sena- do exercesse essa competên- cia. Outra competência não exercida pelo Senado e que foi introduzida por uma Emenda Constitucional de 2003 é a ava- liação da funcionalidade do sistema tributário nacional. Roberto Müller: Isso é uma atribui- ção do Senado? Aloysio Nunes Ferreira: Com- petência do Senado. Foi intro- duzida por uma Emenda Constitucional em 2003 e está em branco. O Senado também participa da nomeação de mi- nistros do Supremo, presiden- te do Banco Central, diretores de Agências Reguladoras, che- fes de missões diplomáticas. Agora, o senador também é um representante do estado no seu conjunto.Não deum parti- do ou de uma região, mas do estado. E aí, embora São Paulo seja um estado rico, nós temos muita coisa a reivindicar no go- verno federal. Participação maior em investimento, in- fraestrutura, ensino técnico e mais: São Paulo é um mero es- pectador do sistema aeropor- tuário do País, embora nós te- nhamos 60% do tráfego aéreo. As nossas ferrovias são opera- das em regime de concessão federal e o estado não tem nada a dizer sobre isso. Então a fun- ção de um senador é ir lá e dizer que São Paulo precisa ter o ra- mal da concessionária Cajati ativado para escoar a produ- ção de minério do Vale do Ri- beira, por exemplo. Roberto Müller: Nesse caso, apa- rentemente, o senador é das fun- ções políticas a mais apartidária já que ele atua em nome do estado... Aloysio Nunes Ferreira: Com toda a certeza, porque ele fala emnome doestado.Ele éeleito como o governador do estado. O governador não pode ser eleito e governar em nome do partido dele. Não tem cabi- mento isso... Roberto Müller: E nem consegue. Aloysio Nunes Ferreira: Não consegue porque ele não tem sustentação política. O sena- dor é a mesma coisa. Ele é eleito pelo voto majoritário, tem de representar os interesses do es- tado. E, desse ponto de vista, ele tem de ter um bom relacio- namento com o governador, qualquer que seja o partido, e com os prefeitos do Estado de São Paulo. Os prefeitos recor- rem ao Senado porque eles têm capacidade de endivida- mento e precisam de autoriza- ção do Senado para contrair empréstimos, seja financia- mento externo ou interno do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], por exemplo. Tem de ter alguém lá pra cuidar isso. Então, isso é uma questão importante. Milton Paes: Em relação à infraestrutura aeropor- tuária, São Paulo teve a oportunidade de passar alguns deles para a ini- ciativa privada conti- nuar administrando. As estradas, embora priva- tizadas e pedagiadas, também são um bom exemplo de eficiência. Recentemente, emCam- pinas, o governador Al- berto Goldman disse que o estado teria condições de expandir o aeroporto de Guarulhos, de resol- ver questões pontuais no aeropor- to de Congonhas, em Viracopos, de Campinas, entre outros. O senhor compartilha da mesma opinião do governador Alberto Goldman? Aloysio Nunes Ferreira: Eu te- nho a mesma opinião que ele. Eu acho o seguinte: ou faz ou saide cima,esseéque éonegó- cio. Nós temos aqui em São Paulo os aeroportos que são administrados pelo Daesp, que também são administra- dos em regime de concessão federal, pelo Departamento Aeroviário do estado. Nós, aqui em São Paulo, apresentamos ao governo federal uma pro- posta de prorrogar a nossa concessão para que nós sub- concedêssemos paraa iniciati- va privada alguns aeroportos. A nossa ideia era pegar alguns aeroportos que são rentáveis como Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Presidente Pru- dente, quetem àvolta aeropor- tos menos rentáveis, e conce- der pacotes para a iniciativa privada. Está lá o pedido no go- verno federal e ele não resolve nada. A mesma coisa em rela- ção aos investimentos para ampliar o terminal de Guaru- lhos, que é sórdido. O aeropor- to de Guarulhos tem instala- ções sórdidas. Viracopos está clamando por um aumento, pela construção de uma nova pista para se ter mais voos pra lá. A Baixada Santista pede um aeroporto, o Vale do Paraíba pede um aeroporto. Mesmo Ribeirão Preto tem lá um pedi- do de internacionalização do aeroporto, que está parado. Is- so o estado não pode simples- mente ficar olhando e deixar nas mãos do governo federal. Ainda que pela força de uma pressão política bem exercida, nós temos que destravar esses gargalos. Roberto Müller: Falávamos da sua trajetória política e eu não mencio- nei a sua atuação na clandestinida- de, na luta contra a ditadura e do seu exílio na França. E é nisso que eu queria chegar. Eu tenho a im- pressão de que nós estamos viven- do na história contemporânea do Brasil um período em que a sua ge- ração foi para o poder, uma geração em quegrande partedos postulan- tes aos maisimportantes cargos da República, o governador José Ser- ra é um exemplo, foram persegui- dos de alguma forma. Outros fo- ram presos, como a ministra Dil- ma, o presidente Lula, o próprio presidente Fernando Henrique. Ainda que dividida em partidos di- ferentes, essa geração é fruto da- quele período. Aloysio Nunes Ferreira: É ver- dade, ela surgiu do impulso que veio da redemocratização. Aqui em São Paulo, to- dos os governos que se sucederam a partir da eleição de 1982 são desse movimento, que foi o centro do movimento político brasileiro. Roberto Müller: É curioso porque essa geração car- rega umaexperiência ini- gualável. Ela foi perse- guida, se exilou, foi tortu- rada e, com a redemocra- tização, ela voltou e hoje governa o País. No Exe- cutivo, no Legislativo, no Judiciá- rio. Nós temos ministros que foram presos... Aloysio Nunes Ferreira: Eros Grau foi preso... Roberto Müller: Ele esteve preso na Oban (Operação Bandeirante), que depois virou DOI-Codi. A pró- xima geração não terá acumulado tantaexperiência,o queaumentaa importância do que vocês fizerem nos cargos públicos, não? Aloysio Nunes Ferreira: [A nos- sa função é] abrir espaço para as novas gerações, sobretudo para tornar a política mais atra- tiva para os moços de hoje. Vo- cê e eu entramos na luta políti- ca mais por um imperativo moral do que propriamente por uma ação marxista ou um nível de sofisticação de adesão ideológica. Em primeiro lugar, nós entramos nisso porque achávamos que o Brasil era muito injusto, era arcaico e ti- nha lá um movimento por re- formas, por participação po- pular e nós entramos nisso. Depois, continuamos porque não suportávamos o regime de opressão ditatorial. Era um im- pulso mais de natureza moral. Quando veio a ditadura, foi co- mo uma bomba que estourou e criou um vácuo que nos pu- xou para dentro da cena políti- ca. Cada um do seu lado, você como jornalista, eu na política. Cada um fez o que tinha de fa- zer. Hoje você não tem mais es- se imperativo moral. Tem de participar da vida pública por- que ela completa a sua vida. É uma dimensão sem a qual a vi- da privada fica desprovida de alguma coisa boa e exultante. A política não oferece mais isso. A política também tem outro componente porque não pre- enche mais todo o espaço pú- blico. Tem outras formas de participação pública sem ser política. Isso é um desafio, real- mente, mas política tem de ser algo mais atrativo, mostrar efi- ciência, mostrar resultado, se comportar corretamente para poder atrair as pessoas. Milton Paes: O senhor falava da questãodaéticae issonosremeteà votação do Ficha Limpa. Nós co- nhecemos o passado que o senhor tem e isso é importante, assim co- mo o passado de outros políticos. Esses políticos foram os que mais defenderam a aprovação do proje- to. Como vê a aprovação de um pro- jeto de iniciativa popular? Acha queessa sejaumaforma demorali- zar o quadro político do País? Aloysio Nunes Ferreira: Nós ti- vemos duas leis de iniciativa popular que provocaram mu- danças recentemente. Uma lei que modificou o código eleito- ral que acabou com showmí- cio, outdoor, distribuição de brindes, badulaques, cader- nos, batom, boné, aquela coisa toda. Essa lei surge de uma ini- ciativapopular queé umanova forma de participação na polí- tica criada pela Constituição de 1988. Foi muito positiva a aprovação do Ficha Limpa; eu vi nos jornais a foto no plenário da Câmara dos caras vibrando ali cuja ficha eu conheço, mas enfim... O que acho mais im- portante no projeto é que vai haver muito ‘pano pra manga’ do ponto de vista jurídico. É aplicável nessa eleição ou não, muda as regras eleitorais. Milton Paes: Isso se o STF conside- rar constitucional... Aloysio Nunes Ferreira: Tem a questão constitucional. Eu acho atéque elanão regeo pro- cesso eleitoral e sim rege as condições de elegibilidade que, no meu entender, poderia ser aplicado neste ano. Mas é uma questão que vai ser muito controversa. Mas o importante é o fato desse processo ter sido fruto de uma iniciativa do po- vo. Não é fácil você colher um 1,6 milhão de assinaturas. E is- so mostra que existe um envol- vimento profundo na opinião pública exigindo formas ou meios mais corretos de atua- ção, moralidade no cumpri- mento de mandatos. Agora, uma coisa que ficou que a gen- te notou é que, independente- mente de lei, de Ficha Limpa ou não, os partidos é que dão a legenda. Um partido não é obrigado a dar legenda para um batedor de carteira, estu- prador, cachaceiro. Não é obri- gado. A concessão de uma le- genda é livre decisão do parti- do. Não existe nem mais a can- didatura nata, como havia an- tigamente. Antigamente, can- didato a deputado ou a sena- dor era candidato nato. Ele ti- nha legenda obrigatória. Hoje não é. Então, independente- mente de lei, eu acho que os partidos deveriam ser mais se- letivos. Essa controvérsia jurí- dica não pode servir de biom- bo para os partidos se eximi- rem da sua responsabilidade, que é a de selecionar melhor os seus candidatos. anderson passos Já publicamos 5.000 reportagens sobre ELEIÇÕES 2010 Para mais informações sobre esse tema, use nosso buscador nos sites: www.dci.com.br www.panoramabrasil.com.br «ACREDITO NAS MUDANÇAS INCREMENTAIS OU NUM PROCESSO DE MUDANÇAS CUJA CHAVE FOI A REDEMOCRATI ZAÇÃO DE 1988» k BÊ-Á-BÁ DO SENADO «Acho que a primeira tarefa de um candidato ao Senado Federal é explicar para o eleitor o que faz um senador. Não é uma coisa trivial.» k REPRESENTAÇÃO «O senador da República também é um representante do estado em todo seu conjunto. Não de um partido ou de uma região, mas de um estado»

Aloysio defende Ficha Limpa e reforma política

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Page 1: Aloysio defende Ficha Limpa e reforma política

DCIE S P E C I A L PA N O RA M A D O B RA S I L | Quinta-feira a segunda-feira, 3 a 7 de junho de 2010B10

SELEÇÃO Tucano apoia projeto Ficha Limpa, mas diz que partidos devem ter critérios de seleção

Aloysio defende Ficha Limpa e reforma políticaEx-titular da Casa Civil do Governo Serra prometedefender São Paulo e prega que população sejaesclarecida sobre as funções do Senado

Aloysio Nunes

são paulo

Ex-titular da Casa Civil do gover-nodoEstadode SãoPaulo,otuca-no Aloysio Nunes Ferreira prepa-ra-separamais umdesafiopolíti-co: o de buscar uma das vagas aoSenado pelo Estado de São Paulo.

Aloysio Nunes afirma que épreciso apresentar aoeleitor quala função exercida pelo SenadoFederal. Ele cita, por exemplo, acompetência não exercida peloSenado, introduzida por umaEmenda Constitucional de 2003,que é a avaliação da funcionalida-de do sistema tributário.

Ocandidato aoSenado elogiaainiciativa do projeto Ficha Limpae é favorável que ele passe a valerjá no próximo pleito, mas faz oalerta de que cabeaos partidos te-rem critérios rigorosos para aco-lher quadros eleitorais.

Confira a entrevista concedidaAloysio Nunes Ferreiraao progra-ma “Panorama do Brasil”, co-mandado por Roberto Müller ecom participação da diretora deRedação do DCI, Márcia Raposo,e de Milton Paes, da rádio NovaBrasil FM.Roberto Müller: Por que agora oSenado, depois de uma carreira tãofértil, onde acho que o senhor sónão foi vereador, não é isso?

Aloysio Nunes Ferreira: Eu nãofui candidato a vereador. Eu iaser candidato a vereador em1968 quando se formou oMDB. Até o MDB na época erajanista. O janismo foi para oMDB. Mas eu não pude sercandidato porque veio repres-são, eu tive de sair do Brasil, foicomplicado. Por que agora [oSenado]? Eu acho que a políti-ca é realmente uma carreira,no bom sentido. Você tem polí-tico carreirista. Masé uma car-reira que exige que você dê pas-sos sucessivos, um depois dooutro, ao longo dos quais vocêvai acumulando experiênciade vida, conhecimento da polí-tica, conhecimento do seu es-tado, conhecimento dos pro-blemas das pessoas. Então euacumulei, ao longo desse tem-po todo, muita experiência devida política. Eu sou procura-dor do estado de profissão,mas exerço mandatos eletivosdesde 1988, no Executivo e noLegislativo. No plano federalfui ministro, no plano estadualfui secretário de TransportesMetropolitanos, fui secretáriomunicipal de São Paulo com oSerra, chefe da Casa Civil do go-verno estadual.Fui acumulan-do experiência e conhecimen-to dos problemas e eu sei daimportância do Senado. Sei oquanto o Senado é importantenãoapenas paraavida doesta-do, do País, mastambém para avida das pessoas. Por toda essatrajetória, acho que tenho con-dições de representar o meuestadoe ocuparuma dasvagasnessa eleição.

Milton Paes: Com a vasta experiên-ciaque osenhor tem,qual suaava-liação sobre o que deve mudar noBrasil?

Aloysio Nunes Ferreira: Olha,eu não reformaria o Brasil dealto abaixo e não se reforma o

Brasil de um golpe só. Hoje euacredito nas mudanças incre-mentais ou num processo demudanças cuja chave foi a re-democratização conquistadaem 1988. Uma democracia atédiferente da democraciapré-64, porque hojenós temosuma presença muito maior docorpo eleitoral brasileiro,que éimenso, considerando a popu-lação.Antes de64,o corpoelei-toral representava 25% da po-pulação. Hoje nós estamos amais de 70%, uma grande de-mocracia de massas com mui-tos instrumentos de participa-ção, inclusive a iniciativa po-pular. O povo é hoje um prota-gonista da história brasileira eisso leva a mudanças na gestãopública, mudanças na econo-mia. O fato devocê ter uma de-mocracia sólida é um ativo im-portante, inclusive na econo-mia, porque significa seguran-ça jurídica. Eu faria a reformapolítica. A reforma política temum nome:que éo votodistritalproporcional, o voto misto.Porque eu acho que isso tocanum ponto importante do sis-tema político brasileiro,que é agovernabilidade sem prejuízoda representatividade que terá

partidos mais sólidos e políti-cos mais responsáveis peranteseus eleitores.

Márcia Raposo: Olhando para osanos vindouros, qual éo papel fun-damental de um postulante ao Se-nado Federalpara representarSãoPaulo?

Aloysio Nunes Ferreira: Euacho que a primeira tarefa deum candidato ao Senado é ex-plicar para o eleitor o que fazum senador. Porque não é umacoisa trivial...

Márcia Raposo: Mesmo em SãoPaulo o senhor acha isso?

Aloysio Nunes Ferreira:Em SãoPaulo, na Paraíba, no Rio Gran-de do Sul, na França. O Senadotem umafunção complexa.Nocaso do Brasil, o senador legis-la, a elaboração das leis passapela Câmara e pelo Senado, etem matérias que são de com-petênciasó doSenado. OSena-do tem funções próprias seme-lhantes ao Judiciário. Ele julgaopresidente daRepública, ovi-ce-presidente, o ministro deEstado, os ministros do Supre-mo [Tribunal Federal - STF]por crime de responsabilida-de. O Senado tem uma funçãolegislativa muito interessanteque não é exercitada: quandoduas pessoas litigam na justiça,a base dessa açãopode ser umaquestão constitucional. Vocêpleiteia algo contra mim com

base numa lei que eu conside-roinconstitucional. Essaques-tão pode chegar até o STF e elepode decidir que a lei que sus-tentaasua pretensãoéincons-titucional. Só que essa decisãodo Supremo só vale entre nósdois, não vale para os demais.Então, essa dúvida para os de-mais continua eternamente.Em questões previdenciáriasesse problema é muito co-mum. Uma lei pode ser consi-derada inconstitucional e asações se multiplicarem combase nessa lei. O Senado temuma competênciaque éretirardo mundo jurídico essa lei queé considerada inconstitucio-nal numa decisão individual.Pouca gente sabe disso. Imagi-ne a limpeza de tanto entulhoque se poderia fazer se o Sena-do exercesse essa competên-cia. Outra competência nãoexercida pelo Senado e que foiintroduzida por uma EmendaConstitucional de 2003 é a ava-liação da funcionalidade dosistema tributário nacional.

Roberto Müller: Isso é uma atribui-ção do Senado?

Aloysio Nunes Ferreira: Com-petência do Senado. Foi intro-duzida por uma EmendaConstitucional em 2003 e estáem branco. O Senado tambémparticipa da nomeação de mi-nistros do Supremo, presiden-te do Banco Central, diretoresde Agências Reguladoras, che-fes de missões diplomáticas.Agora, o senador também é umrepresentante do estado noseu conjunto.Não deum parti-do ou de uma região, mas doestado. E aí, embora São Pauloseja um estado rico, nós temosmuita coisa a reivindicar no go-verno federal. Participaçãomaior em investimento, in-fraestrutura, ensino técnico emais: São Paulo é um mero es-pectador do sistema aeropor-tuário do País, embora nós te-nhamos 60% do tráfego aéreo.As nossas ferrovias são opera-das em regime de concessãofederal e o estado não tem nadaa dizer sobre isso. Então a fun-çãodeumsenador éirláedizerque São Paulo precisa ter o ra-mal da concessionária Cajatiativado para escoar a produ-ção de minério do Vale do Ri-beira, por exemplo.

Roberto Müller: Nesse caso, apa-rentemente, o senador é das fun-ções políticas a mais apartidária jáque ele atua em nome do estado...

Aloysio Nunes Ferreira: Comtoda a certeza, porque ele falaemnome doestado.Ele éeleitocomo o governador do estado.O governador não pode sereleito e governar em nome dopartido dele. Não tem cabi-mento isso...

Roberto Müller: E nem consegue.Aloysio Nunes Ferreira: Nãoconsegue porque ele não temsustentação política. O sena-dor é a mesma coisa. Ele é eleitopelo voto majoritário, tem derepresentar os interesses do es-tado. E, desse ponto de vista,ele tem de ter um bom relacio-namento com o governador,qualquer que seja o partido, ecom os prefeitos do Estado deSão Paulo. Os prefeitos recor-rem ao Senado porque elestêm capacidade de endivida-mento e precisam de autoriza-

ção do Senado para contrairempréstimos, seja financia-mento externo ou interno doBNDES [Banco Nacional deDesenvolvimento Econômicoe Social], por exemplo. Tem deter alguém lá pra cuidar isso.Então, isso é umaquestão importante.

Milton Paes: Em relaçãoà infraestrutura aeropor-tuária, São Paulo teve aoportunidade de passaralguns deles para a ini-ciativa privada conti-nuar administrando. Asestradas, embora priva-tizadas e pedagiadas,também são um bomexemplo de eficiência.Recentemente, emCam-pinas, o governador Al-berto Goldman disse queo estado teria condiçõesde expandir o aeroportode Guarulhos, de resol-ver questões pontuaisno aeropor-to de Congonhas, em Viracopos, deCampinas, entre outros. O senhorcompartilha da mesma opinião dogovernador Alberto Goldman?

Aloysio Nunes Ferreira: Eu te-nho a mesma opinião que ele.Eu acho o seguinte: ou faz ousaide cima,esseéque éonegó-cio. Nós temos aqui em SãoPaulo os aeroportos que sãoadministrados pelo Daesp,que também são administra-dos em regime de concessãofederal, pelo DepartamentoAeroviário do estado. Nós, aquiem São Paulo, apresentamosao governo federal uma pro-posta de prorrogar a nossaconcessão para que nós sub-concedêssemos paraa iniciati-va privada alguns aeroportos.A nossa ideia era pegar algunsaeroportos que são rentáveiscomo Ribeirão Preto, São Josédo Rio Preto, Presidente Pru-dente, quetem àvolta aeropor-tos menos rentáveis, e conce-der pacotes para a iniciativaprivada. Está lá o pedido no go-verno federal e ele não resolvenada. A mesma coisa em rela-ção aos investimentos paraampliar o terminal de Guaru-lhos, que é sórdido. O aeropor-to de Guarulhos tem instala-ções sórdidas. Viracopos estáclamando por um aumento,pela construção de uma novapista para se ter mais voos pralá. A Baixada Santista pede umaeroporto, o Vale do Paraíbapede um aeroporto. MesmoRibeirão Pretotem láum pedi-do de internacionalização doaeroporto, que está parado. Is-so o estado não pode simples-mente ficar olhando e deixarnas mãos do governo federal.Ainda que pela força de umapressão política bem exercida,nós temos que destravar essesgargalos.

Roberto Müller: Falávamos da suatrajetória políticae eunão mencio-nei a suaatuação na clandestinida-de, na luta contra a ditadura e doseu exílio na França. E é nisso queeu queria chegar. Eu tenho a im-pressão de que nós estamos viven-do na história contemporânea doBrasil umperíodo emque asua ge-ração foi para o poder, uma geraçãoem quegrande partedos postulan-tes aos maisimportantes cargos daRepública, o governador José Ser-ra é um exemplo, foram persegui-dos de alguma forma. Outros fo-

ram presos, como a ministra Dil-ma, o presidente Lula, o própriopresidente Fernando Henrique.Aindaquedividida empartidosdi-ferentes, essa geração é fruto da-quele período.

Aloysio Nunes Ferreira: É ver-dade, ela surgiu doimpulso que veio daredemocratização.Aqui em São Paulo, to-dos os governos quese sucederam a partirda eleição de 1982 sãodesse movimento,que foi o centro domovimento políticobrasileiro.

Roberto Müller: É curiosoporque essa geração car-rega umaexperiência ini-gualável. Ela foi perse-guida, seexilou, foitortu-rada e, coma redemocra-tização, ela voltou e hojegoverna o País. No Exe-

cutivo, no Legislativo, no Judiciá-rio. Nós temos ministros que forampresos...

Aloysio Nunes Ferreira: ErosGrau foi preso...

Roberto Müller: Ele esteve presona Oban (Operação Bandeirante),que depois virou DOI-Codi. A pró-xima geração não terá acumuladotantaexperiência,o queaumentaaimportância do que vocês fizeremnos cargos públicos, não?

Aloysio Nunes Ferreira: [A nos-sa função é] abrir espaço paraas novas gerações, sobretudopara tornar a política mais atra-tiva para os moços de hoje. Vo-cêe euentramosna lutapolíti-ca mais por um imperativomoral do que propriamentepor uma ação marxista ou umnível de sofisticação de adesãoideológica. Em primeiro lugar,nós entramos nisso porqueachávamos que o Brasil eramuito injusto, era arcaico e ti-nha lá um movimento por re-formas, por participação po-pular e nós entramos nisso.Depois, continuamos porquenão suportávamoso regimedeopressão ditatorial.Era umim-pulso mais de natureza moral.Quando veioa ditadura,foi co-mo uma bomba que estouroue criou um vácuo que nos pu-xou para dentro da cena políti-ca. Cada um do seu lado, vocêcomojornalista, eunapolítica.Cada um fez o que tinha de fa-zer. Hoje você não tem mais es-se imperativo moral. Tem departicipar da vida pública por-que ela completa a sua vida. Éuma dimensãosem a quala vi-da privada fica desprovida dealgumacoisaboa eexultante.Apolítica não oferece mais isso.A política também tem outrocomponente porque não pre-enche mais todo o espaço pú-blico. Tem outras formas departicipação pública sem serpolítica. Isso é um desafio, real-mente, mas política tem de seralgo mais atrativo, mostrar efi-ciência, mostrar resultado, secomportar corretamente parapoder atrair as pessoas.

Milton Paes: O senhor falava daquestãodaéticae issonosremeteàvotação do Ficha Limpa. Nós co-nhecemoso passadoque osenhortem e isso é importante, assim co-mo o passado de outros políticos.Esses políticos foram os que maisdefenderama aprovaçãodoproje-to. Como vê a aprovação de um pro-

jeto de iniciativa popular? Achaqueessa sejaumaforma demorali-zar o quadro político do País?

Aloysio Nunes Ferreira: Nós ti-vemos duas leis de iniciativapopular que provocaram mu-danças recentemente. Uma leique modificouo códigoeleito-ral que acabou com showmí -cio, outdoor, distribuição debrindes, badulaques, cader-nos, batom, boné,aquela coisatoda. Essa lei surge de uma ini-ciativapopular queé umanovaforma de participação na polí-tica criada pela Constituiçãode 1988. Foi muito positiva aaprovação do Ficha Limpa; euvi nos jornais afoto no plenárioda Câmara dos caras vibrandoali cuja ficha eu conheço, masenfim... O que acho mais im-portante no projeto é que vaihaver muito ‘pano pra manga’do ponto de vista jurídico. Éaplicável nessa eleição ou não,muda as regras eleitorais.

MiltonPaes: Issoseo STFconside-rar constitucional...

Aloysio Nunes Ferreira: Tem aquestão constitucional. Euacho atéque elanão regeo pro-cesso eleitoral e sim rege ascondições de elegibilidadeque, nomeu entender,poderiaser aplicado neste ano. Mas éuma questão quevai ser muitocontroversa. Maso importanteé o fato desse processo ter sidofruto de uma iniciativa do po-vo. Não é fácil você colher um

1,6 milhão de assinaturas. E is-so mostra que existe um envol-vimento profundo na opiniãopública exigindo formas oumeios mais corretos de atua-ção, moralidade no cumpri-mento de mandatos. Agora,uma coisaque ficou quea gen-te notou é que, independente-mente de lei, de Ficha Limpaou não, os partidos é que dão alegenda. Um partido não éobrigado a dar legenda paraum batedor de carteira, estu-prador, cachaceiro. Não é obri-gado. A concessão de uma le-genda é livre decisão do parti-do.Não existenemmais acan-didatura nata, como havia an-tigamente. Antigamente, can-didato a deputado ou a sena-dor era candidato nato. Ele ti-nha legenda obrigatória. Hojenão é. Então, independente-mente de lei, eu acho que ospartidos deveriam ser mais se-letivos. Essa controvérsia jurí-dica não pode servir de biom-bo para os partidos se eximi-rem da sua responsabilidade,queéa deselecionarmelhorosseus candidatos.

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«ACREDITO NAS

MUDANÇAS

INCREMENTAIS OU

NUM PROCESSO

DE MUDANÇAS

CUJA CHAVE FOI A

REDEMOCRATI

ZAÇÃO DE 1988»

k BÊ-Á-BÁ DO SENADO

«Acho que aprimeira tarefa de umcandidato ao SenadoFederal é explicarpara o eleitor o que fazum senador.Não é uma coisatrivial.»

k REPRESENTAÇÃO

«O senador daRepública também éum representante doestado em todo seuconjunto. Não de umpartido ou de umaregião, mas de umestado»