Amin Discurso Senado Cruz e Sousa

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  • 8/4/2019 Amin Discurso Senado Cruz e Sousa

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    Autor Esperidio Amin (PPB - Partido Progressista Brasileiro /SC)Data 19/03/1998 Casa Senado Federal Tipo Discurso

    O SR. ESPERIDIO AMIN (PPB-SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisodo orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadoras e Srs. Senadores, inicio este meupronunciamento evocando os tempos privilegiados da juventude, quando se podiatomar conhecimento de versos que certamente marcaram aquele perodo de nossasvidas.Quem no se recorda de versos como estes, que me permito agora reproduzir pararevivermos a admirao da leitura!

    Ah! plangentes violes dormentes, mornos,Soluos ao luar, choros ao vento...(...)Quando os sons dos violes vo soluando,Quando os sons dos violes na cordas gemem, (...)Cordas e um mundo de dolncia geram,Gemidos, prantos, que no espao morrem...E estes outros versos, como no record-los?Vozes veladas, veludosas vozes,Volpias dos violes, vozes veladasVagam nos velhos vrtices velozesDos ventos, vivas, vs, vulcanizadas.Pois bem, caros Colegas, esses versos so do poeta catarinense Cruz e Sousa.Santa Catarina, celeiro de grandes personagens nacionais em todas as esferas doconhecimento humano nutre particular orgulho por ter sido o bero de Cruz eSousa, nosso maior poeta simbolista.Nele, seus contemporneos no souberam reconhecer a grandiosidade dasmetforas de penetrante brancura, de sinestesias de rara composio, demusicalidade de preciosa sonoridade. Coube posteridade redimir a incompreensoestreita de sua poca e alar seus versos aos pncaros da literatura nacional. Maisdo que isso: projetou seu nome mundialmente, fazendo-o ascender posio deum Mallarm, de um Stefan George, com quem compe a trade suprema dosmelhores e maiores simbolistas das letras universais, na viso do crtico RogerBastide.Para reverenciar a grandeza do poeta catarinense Cruz e Sousa e prestar-lhepstumas homenagens, o Senado, Casa sensvel ao reconhecimento dos vultosnacionais ilustres, dedica esse espao sob a forma de sesso solene, na data emque se assinala o centenrio da morte do insigne poeta catarinense.O reconhecimento desta Casa ao talento e arte do nosso grande poeta simbolistano se restringe, no entanto, s homenagens que ora estamos a lhe prestar nestasesso. Por iniciativa do nobre colega Senador Abdias Nascimento, apresentamosproposio, de que fui co-autor, para a instituio do Prmio Cruz e Sousa,destinado a agraciar autores de trabalhos alusivos ao centenrio de morte dogrande poeta brasileiro. Acolhida com entusiasmo, rapidamente a proposiotransformou-se em resoluo do Congresso Nacional e vai nos brindar, por certo,com substanciais estudos que lanaro novas luzes sobre a obra de Cruz e Sousa.

    imperioso registrar tambm a participao desta Casa no lanamento de um livrode poemas de Cruz e Sousa. Tenho, aqui, em mos, um exemplar recm-sado da

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    grfica do Senado. Esse projeto no lograria chegar sua concretizao se no lhetivessem emprestado decisiva adeso os nobre Senadores que integram a nossaMesa Diretora, Sr. Presidente, V. Ex em particular, o Senador Antonio CarlosMagalhes, o Senador Ronaldo Cunha Lima, bem como o Senador Lcio Alcntara,a todos, pelo interesse pessoal demonstrado, expresso o meu agradecimento.O livro a que me refiro, intitulado Poemas de Cruz e Sousa, ser lanado em

    Florianpolis e distribudo rede escolar catarinense. Foi a coletnea organizadapela poetisa e ensasta Egl Malheiros e contou, em sua elaborao, com decisivasgestes do Professor Iaponan Soares de Arajo, Presidente da Comisso Estadualencarregada das celebraes do centenrio de Cruz e Sousa.Devo registrar mais dois eventos que vm concorrer para a grandiosidade dahomenagem de que se faz tributrio o nosso ilustre Poeta. Est sendo lanado nadata de hoje, pela Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos - ECT, selo evocativodo centenrio de falecimento de Cruz e Sousa, para cuja emisso o Presidente daRepblica Fernando Henrique Cardoso e o Ministro das Comunicaes, Srgio Mottaconcederam autorizao especial, gesto que os torna merecedores de aplausos e domeu particular agradecimento.Em 24 de novembro prximo, estar sendo lanada - pela Casa da Moeda do Brasil

    - medalha alusiva ao centenrio, graas autorizao concedida em carterexcepcional pelo Ministro da Fazenda, Pedro Malan e pelo Presidente do BancoCentral, Gustavo Franco, a quem tambm manifesto reconhecido agradecimento.Todas as homenagens pela celebrao da morte de Cruz e Sousa acabam porparecer poucas, insuficientes, dada a grandiosidade daquele que ficou conhecidocom o epteto de Cisne Negro. Negro, porque assim a origem gentica lhe traou taldestino. Cisne, porque foi um prncipe no manejo das rimas e dos ritmos nos versosmelodiosos.Seu nascimento se deu em 24 de novembro de 1861, na quietude insular dapequenina Desterro, ento um embrio da Florianpolis de hoje, que, de toparcamente povoada, elegia apenas dois deputados gerais Cmara do Imprio,quando Minas elegia vinte, a Bahia, quatorze, e So Paulo j se fazia presente com

    nove deputados.

    Por essa poca, encontrava-se a vida nacional mergulhada em incomum calmaria.O Imperador D. Pedro II acabara de completar os primeiros vinte anos de seu longoreinado. Com os conservadores no poder, seguia firme o Ministrio, chefiado entopelo Marqus de Caxias. H dez anos se dominara a Revoluo Praieira, emPernambuco, e estava finalizada a campanha do Prata, com a vitria decisiva deMontes Caseros sobre Juan Manuel Rosas. Desde que o Pas se fizera independente,no ocorrera perodo de to prolongada tranqilidade.Naquele ms de novembro, apenas um fato poltico agitava a pequenina Desterro:a posse de um novo Presidente da Provncia. Quis a fortuna que um outroacontecimento, que tinha todos os ingredientes para permanecer obscuro,projetasse a Capital com holofotes das letras nacionais. Nascia, numa senzala, umfranzino menino, de nome Joo, filho de dois escravos do Coronel Guilherme Xavierde Sousa, ilustre militar catarinense.Contrariando todos os prognsticos da poca, o menino Joo no viveu como umescravo e filho de escravos. A esposa do Coronel Xavier de Sousa cercou o pequenode desvelos maternais, sendo a responsvel por sua iniciao nas primeiras letras.To logo se familiariza com as palavras, Joo da Cruz d mostras de suaspropenses literrias, compondo versos rimados, que assombraram pelo inusitadodo feito, ainda mais uma criana de oito anos.Tutelado at a adolescncia pela famlia do Coronel Xavier de Sousa, o jovempoeta, tomado de gratido por seu benfeitor, fez juntar ao seu nome o do militar,tornando-se assim Joo da Cruz e Sousa.Depois de rpida passagem pela escola primria, Joo da Cruz ingressou no AteneuProvincial, a nica escola secundria de Santa Catarina poca, onde recebeu

    alentada instruo.Numa poca em que era lamentvel o estado de instruo pblica no Pas, o

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    alunado do Ateneu gozava do privilgio de receber vasta formao, comensinamentos que iam da caligrafia s lnguas estrangeiras, da histria sagrada scincias naturais.Notado como um dndi, vestido caprichosamente em coletes coloridos,africanamente diferentes para os padres do vesturio europeu branco, com cursofcil em jornais locais e recitais pblicos, o negro Cruz e Sousa cedo comea a

    sentir a hostilidade na pequena Provncia, onde o alfinetam com crticas denegrinho mau rimador.A dor de ser negro explodiria, mais tarde, nas dramticas palavras de OEmparedado, nas quais protestos, gritos e uma surda raiva sangram o papel comfuror, revelando a dor da impotncia dos egosmos e dos preconceitos. Pergunta opoema:Qual a cor da minha forma, do meu sentir? Qual a cor da tempestade dedilaceraes que me abala? Qual a dos meus sonhos e gritos? Qual a dos meusdesejos e febre?Todo perodo catarinense de Cruz e Sousa foi marcado pelo combate ao preconceitoracial, que transparece em poemas de inspirao condoreira e significativa atuaono movimento abolicionista.Sua estria literria ainda na Provncia, com a publicao, em parceria com VirglioVrzea, de Tropos e Fantasias, prosas que alternam pginas sentimentais eantemas contra os escravistas. J seduzido pela nova proposta literria doSimbolismo, transferiu-se o poeta para o Rio de Janeiro em 1890, onde se ouviamainda os ecos da Repblica recm-proclamada.Se a vida no lhe fora fcil na pequena Desterro, a Capital Federal tambm no lhedaria a almejada paz e a necessria tranqilidade financeira. Deu-lhe, contudo, acompanheira da vida inteira, Gavita, de beleza prodigiosa, de olhos como prolasnegras refulgindo no tenebroso cetim do rosto fino..., nas palavras do prpriopoeta retratando sua amada. Am-la, para Cruz e Sousa, era amarespiritualmente e carnalmente amar. Quando Gavita Enlouquece, duas obras-primas assinalam a tragdia do poeta: Balada de Loucos e Ressurreio. A dor

    humana do poeta transparece em pulsaes de alegria, ao ver restabelecida asade da amada, em versos que buscam aquietar a alma dolorida:Alma! Que tu no chores e no gemas,Teu amor voltou agora,Ei-lo que chega das manses extremas,L onde a loucura mora!No Rio, Cruz e Sousa assume modesto posto no jornal Cidade do Rio, de Jos doPatrocnio, e passa a colaborar com artigos avulsos no Novidades e na RevistaIlustrada. S adquire situao financeira mais estvel quando passa a trabalharcomo arquivista da Estrada de Ferro Central do Brasil.O medocre emprego no lograria, contudo, sufocar-lhe a inspirao. Sequer atuberculose, que lhe vai minando a sade, arrefece o vigoroso talento, quedesabrocha em versos de impressionante beleza! A publicao dos livros Missal eBroquis, em 1893, provoca deslumbramento e respeito, vindo a demarcar o inciodo movimento simbolista no Brasil. Nos poucos anos que lhe restam de vida, Cruz eSousa produz matria para a publicao de obras que s viriam a lumepostumamente: o livro Evocaes sai no final do ano de 1898; no ano seguinte publicado Faris; ltimos Sonetos aparece em Paris, em 1905. A morte colhe-o a19 de maro de 1898, na plenitude dos 36 anos de idade, lanando um ponto finalem suas dores e projetando seu nome para a glria pstuma.O clima frio e as brumas hibernais de Santa Catarina e do Paran devem, na visode Tasso da Silveira, ter favorecido a condensao do movimento literriorenovador nesses Estados, regio de onde o Simbolismo partiu para se propagarpor todo o Pas. Alis, os estudiosos da literatura ptria no dissociam a erupo domovimento simbolista brasileiro da inquietao desencadeada no Pas pela

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    Revoluo de 1893. No nos esqueamos de que a revoluo deflagrada pelaMarinha de Guerra contra o Governo presidido pelo Marechal Floriano Peixotoofereceu, nos Estados de Santa Catarina e Paran, sangrentos episdios queinfiltraram de melancolia o esprito da juventude dessas plagas.O ilustre poeta catarinense no permaneceu inclume s influncias do seu tempo ede sua poca. Se, em seu centro de interesse, no se instalara a poltica, era

    porque j l residiam em plenitude as letras e a arte literria. Dos moos que sedeclaravam adeptos da Nova Escola, mais tarde conhecida como Simbolismo, Cruze Sousa foi o mais genial, o mais instintivo, o mais talentoso. Ele teve, nos dizeresde Goulart de Andrade, a milagrosa intuio de que cada palavra deve exalar umeflvio peculiar, trazendo para o verso a atmosfera fragrante das sugestes.No posso, Sr. Presidente, encerrar este pronunciamento, sem antes trazer para oencanto dos nossos sentidos alguns dos belssimos versos do poema Velho Vento.Ao longo de suas estrofes, vai Cruz e Sousa evocando o vento, em inesgotvelvariedade de metforas, tomando-o ora como um fantasma solitrio, ora como ummonge rezando pelas estradas, ora como um felino uivante, ora como um tocadorde trompas, ora como um bbado das ruas e ainda muitas outras figuras mais.Quem se habituou a conviver com o vento, presenciando sua chegada nos rumores

    incomuns da folhagem e do mar, como ns, de Santa Catarina, conseguereconhecer em cada metfora do poeta as diferentes nuances do som do vento noslugares por onde passa. Lerei algumas estrofes desse poema para nosemocionarmos com as imagens sonoras sugeridas em suas palavras.Velho vento vagabundo!No teu rosnar sonolentoLeva ao longe este lamento,Alm do escrnio do mundo.Tu que erras dos campanriosNas grandes torres tristonhasE s o fantasma que sonhasPelos bosques solitrios.(...)Que soluas nos zimbriosOs teus felinos queixumes,Uivando nos altos cumesDos montes verdes e flreos.(...)Que ruges, brames, trovejas, velho vndalo amargo,No sonmbulo letargoDe um mocho rondando igrejas.(...)Eu quero perder-me a fundoNo teu segredo nevoento, velho e velado vento,Velho vento vagabundo!

    Sr. Presidente, Srs. Senadores, registro com satisfao a presena de autoridadesdo meu Estado que prestigiam este momento, a comear pelo Sr. Vice-Governador,Jos Hulse; a Prefeita Municipal de Florianpolis, ngela Amin; o Vice-Prefeito

    Pricles Prade, que integra a comisso que cuida das comemoraes do Centenriode morte de Cruz e Sousa, presidida pelo Professor Iaponan Soares de Arajo; aPresidente da Fundao Franklin Cascaes, igualmente de Florianpolis; o Deputado

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    Norberto Stroich; o ex-Deputado Joo Linhares e o representante do Governo deSanta Catarina.Encerro este pronunciamento no com minhas palavras, mas com as palavras domagnfico soneto O Assinalado. Havero seus versos de ecoar pelos sales destaCasa numa inundao de ritmos, imagens, smbolos, como forma de revernciaviva memria do insigne poeta catarinense. Ouamos Cruz e Sousa:Tu s o louco da imortal loucura,O louco da loucura mais suprema,A terra sempre a tua negra algema,Prende-te nela a extrema Desventura.Mas essa mesma algema de amargura,Mas essa mesma Desventura extremaFaz que tualma suplicando gemaE rebente em estrelas de ternura.Tu s o Poeta, o grande AssinaladoQue povoas o mundo despovoado,De belezas eternas, pouco a pouco,Na natureza prodigiosa e ricaToda a audcia dos nervos justificaOs teus espasmos imortais de louco!Parabns a Santa Catarina por poder evocar algum que nos deixou indelevelmenteregistradas palavras que falam por si prprias por toda a eternidade.Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas)

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    O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Concedo a palavra ao nobre Senador Arturda Tvola.O SR. ARTUR DA TVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisodo orador.) - Sr. Presidente; Srs. e Srs. Senadores; Sr. Vice-Governador de SantaCatarina; Sr Prefeita da Cidade de Florianpolis; Sr. Vice-Prefeito, prezado amigo

    intelectual, escritor Sr. Iaponan Soares de Arajo; demais membros da comitivacatarinense; meus companheiros e minhas companheiras, Cruz e Sousa foihomenageado, de modo brilhantssimo, pelo Senador Esperidio Amin, comocatarinense. Ser tambm homenageado como negro, voz que se levantou aotempo da transio entre a escravatura e a libertao dos escravos, no alibertao dos preconceitos, at hoje permanentes.Homenage-lo-ei como poeta, porque esta talvez seja, dentre todas, a sua principalcaracterstica de eternidade.

    Sorriso InteriorO ser que ser e que jamais vacilaNas guerras imortais entra sem susto,Leva consigo esse braso augustoDo grande amor, da nobre f tranqila.Os abismos carnais da triste argilaEle os vence sem nsias e sem custo...Fica sereno, num sorriso justo,Enquanto tudo em derredor oscila.Ondas interiores de grandezaDo-lhe essa glria em frente Natureza,Esse esplendor, todo esse largo eflvio.

    O ser que ser transforma tudo em flores...E para ironizar as prprias doresCanta por entre as guas do Dilvio!Sorriso Interior, que faz parte de um dos seus ltimos livros publicados em vida -h uma publicao de obras posterior -, indica um momento especial na potica deCruz e Sousa, o momento da sublimao.Cruz e Sousa foi, permanentemente, a luta entre a depresso e a redeno. Pode-se, talvez, caracterizar-lhe a vida por essa batalha constante entre a depresso e aredeno.Alguns crticos consideram os seus ltimos poemas obras menos fortes; quando amorte se aproximava, ele j no teria a fria inovadora dos tempos iniciais do livro

    Missais, em que praticamente funda o Simbolismo, e do livro Faris, em queaponta caminhos. No estou de acordo com esses crticos nessa observao.Nos ltimos sonetos, Cruz e Sousa vive a redeno de uma vida de auto-sofrimento, de uma vida fadada ao conflito entre a sensibilidade - diria mais, entreum gnio potico, porque Cruz e Sousa um dos poucos gnios poticos do Brasil -e a opresso: a infncia sofrida, embora apadrinhada por um homem de lucidez,seu pai adotivo, que deu alforria aos escravos antes da hora e lhe permitiu oestudo; as primeiras lutas abolicionistas na cidade do Desterro, hoje Florianpolis;a reao de uma sociedade que no admitia o negro naquelas alturas intelectuais;as dificuldades de natureza econmica; os preconceitos tantos, que se hoje existemnos grandes centros urbanos, o que no dizer numa pequena cidade branca, no fimdo sculo passado; a dificuldade de trabalho que o fez receber um cargo pblico no

    interior e no poder tomar posse, porque era negro. Tudo isso colocado emconfronto com uma sensibilidade menina, se assim se pode dizer, no sentido daidia de uma sensibilidade virginal. Tudo isso a grande luta expressa na poesia de

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    Cruz e Sousa, que, a meu juzo, acaba com a redeno nos ltimos sonetos - comopodemos ver perfeitamente neste poema:A MorteOh! Que doce tristeza e que ternuraNo olhar ansioso, aflito dos que morrem...De que ncoras profundas se socorremOs que penetram nessa noite escura!Da vida aos frios vus da sepulturaVagos momentos trmulos decorrem...E dos olhos as lgrimas escorremComo faris da humana Desventura.Descem ento aos golfos congeladosOs que na terra vagam suspirando,Como os velhos coraes tantalizados.Tudo negro e sinistro vai rolandoBratro abaixo, aos ecos soluadosDo vendaval da Morte ondeando, uivando...Aqui, perto da morte, Cruz e Sousa vive em seus poemas disjuntivasabsolutamente dspares, peculiares a quem enfrenta o problema da morte - ele jestava praticamente tsico ao tempo dos ltimos sonetos. Ele tem o terror da mortecomo desapario e, ao mesmo tempo, a viso da morte como uma grande diluiono todo, inclusive numa viso beatfica da vida.Ele exatamente aquele que diz no Triunfo Supremo, um dos mais belos sonetosda Lngua Portuguesa, se me permitem essa ousadia de afirmao.Chamo a ateno para a musicalidade, outra caracterstica do Simbolismo, para o

    misticismo, para o cromatismo do texto, para alguns aspectos maiores da altapoesia e para o domnio pleno do idioma, sobretudo do idioma sem nenhumaredundncia, apenas com as palavras necessrias, mas ainda palavras tocadasnaquela fuso entre o Parnasianismo e o Simbolismo: a idia da palavra bela noverso musical.Triunfo SupremoQuem anda pelas lgrimas perdido,Sonmbulo dos trgicos flagelos, quem deixou para sempre esquecidoO mundo e os fteis ouropis mais belos. quem ficou do mundo redimido,Expurgado dos vcios mais singelos,E disse a tudo o adeus indefinidoE desprendeu-se dos carnais anelos! quem entrou por todas as batalhasAs mos e os ps e o flanco ensangentando,Amortalhado em todas as mortalhas.Quem florestas e mares foi rasgandoE entre raios, pedradas e metralhas,Ficou gemendo mas ficou sonhando!Aqui, de modo belssimo, Cruz e Sousa coloca a capacidade de sublimao do serhumano e a capacidade de vencer tudo aquilo que foi na sua vida realidade: Quem

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    anda pelas lgrimas perdido, sonmbulo dos trgicos flagelos.... Aqui tambm, doponto de vista literrio, esto todos esses valores que se encontram na poesia doSimbolismo.Cruz e Sousa tem uma juno nica na poesia brasileira - talvez Afonso Guimares,seu companheiro de poesia simbolista, tambm o tenha -, uma fuso indefinvelentre o Romantismo, estilo anterior a ele, o Simbolismo, sua marca, e o

    Parnasianismo.O Parnasianismo coetneo do Simbolismo. O Parnasianismo busca a pureza daforma, a palavra como expresso exclusiva da beleza. Inclusive, critica-se noParnasianismo o predomnio da forma at sobre o tema, o contedo. E, no entanto,o Parnasianismo um dos momentos mais elevados de nossa potica.O tempo nos permite no mais olhar as escolas literrias com preferncias ou comaquelas teses antagnicas de quando as refregas literrias esto vivas. Nesseponto, a literatura se parece muito com a poltica: idias pelas quais os homensmataram e morreram, alguns anos ou sculos depois, mostram-secomplementares, encontram-se em algum campo das snteses da poltica. Assimtambm na vida literria.O prprio Modernismo, que se voltou violentamente contra esse estilo de poesia em

    1922, negava ao verso a grande eloqncia, negava ao verso o direito busca dabeleza pura, negava ao verso a forma estrita do soneto, a forma estrita da mtrica,a forma estrita da rima, porque buscava libert-lo do que chamava peias que oimpediam de expandir-se do ponto de vista da expresso. Tudo verdade. verdade que o Simbolismo abre novos caminhos, como verdade que esse tempofaz uma poesia absolutamente notvel.No Cruz e Sousa das obras iniciais, h esse poema, considerado um marco doSimbolismo no Brasil, do qual o Senador Esperidio Amin, com sua bela voz debartono, sua emoo de catarinense, seu talento e seu imenso corao, disse datribuna de modo to eloqente o quarteto:

    Vozes veladas, veludosas vozes,volpias dos violes, vozes veladas,vagam nos velhos vrtices velozesdos ventos, vivas, vs, vulcanizadas.Esse poema, no entanto, um poema grande - no haver tempo para l-lo -marca a presena do simbolismo. Ele tem 101 anos, foi escrito em janeiro de 1897,chama-se Violes que Choram... e , por certo, baseado em obra do Simbolismofrancs Les Sanglots des Violons. Mas, com os jogos e com a aliterao e com amusicalidade e com o uso das letras, como usa nesse quarteto as letras v e zpara simbolizar o bordo do violo, a corda grave do violo, todo o poema, numa

    poca em que se cantava s musas, a altissonncia e beleza da mulher amada, aPtria, numa poca em que se cantava tudo isso, Cruz e Sousa, como osimpressionistas franceses que tm muito a ver com o Simbolismo na arte europia- o Impressionismo na msica um pouco como o Simbolismo na Poesia: Debussy simbolista, Ravel simbolista - buscava esse encontro da palavra com a msica.E da palavra com a msica no sentido de sonncias que despertem sentimentosextra-racionais; sentimentos que escapam um pouco ao controle da razo, queentram no territrio do devaneio, que entram no territrio do vo da imaginaoalado em distncias muito grandes e, sobretudo, entrem na linguagem inefvel damsica, que no precisa de palavras. Essa uma das mais belas tentativas doidioma brasileiro. E outra das marcas da genialidade de Cruz e Sousa.Desse poema, lerei apenas alguns quartetos porque ele realmente muito grande -que fique como um acicate para o interesse posterior das Srs. e dos Srs.Senadores, de todos que desejem aprofundar-se nessa matria.

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    Violes que Choram...Ah! plangentes violes dormentes, mornos,soluos ao luar, choros ao vento...Tristes perfis, os mais vagos contornos,bocas murmurejantes de lamento.Noites de alm, remotas, que eu recordo,noites de solido, noites remotasque nos azuis das Fantasias bordo,vou constelando de vises ignotas.Sutis palpitaes luz da lua,anseio dos momentos mais saudosos,quando l choram na deserta ruaas cordas vivas dos violes chorosos.

    Quando os sons dos violes vo soluando,quando os sons dos violes nas cordas gemem,e vo dilacerando e deliciando,rasgando as almas que nas sombras tremem.Harmonias que pungem, que laceram,dedos nervosos e geis que percorremcordas e um mundo de dolncias geram,gemidos, prantos, que no espao morrem...E sons soturnos, suspiradas mgoas,mgoas amargas e melancolias,no sussurro montono das guas,noturnamente, entre ramagens frias.Vozes veladas, veludosas vozes,volpias dos violes, vozes veladas,vagam nos velhos vrtices velozesdos ventos, vivas, vs, vulcanizadas.A musicalidade , portanto, uma das principais marcas dessa tentativa doSimbolismo - tentativa, a meu ver, lograda - de unir a palavra, que irremediavelmente racional, no h forma da palavra no ser um ente de razo, ela

    pode ser alm da razo quando ela a palavra potica, porm, a razo a dominacom essa linguagem do inefvel, do que no exatamente verbalizvel, que alinguagem da msica. E se no compreendermos o que significava tudo isso napoesia de ento, no compreenderemos a grandeza de Cruz e Sousa.Nos seus versos abolicionistas ele condoreiro como Castro Alves. Na sua viso demundo, ele romntico, no sentido de que o Romantismo uma escola literriaque prega o amor natureza, que uma escola baseada em sentimentosnacionalistas; o Romantismo prega a individualidade na frente de qualquer outracategoria artstica; o romantismo a procura do eu profundo do artista; oRomantismo uma escola na primeira pessoa. Ele tem essa caracterstica. Ele tema caracterstica simbolista e tem a caracterstica parnasiana pela pureza do verso.Tudo isso sado daquele menino pobre, filho de escravos alforriados, massacrado,que at quando morreu - e nem todos o sabem - sem dinheiro para que se lhetransportasse o corpo de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, teve o seu cadver

    jogado em um trem de animais, onde conseguiu uma vaga para transportar o corpo

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    para o Rio de Janeiro, onde foi enterrado.Tudo isso, portanto, no vale apenas por Cruz e Sousa. Tudo isso vale por umretrato da opresso humana, por um retrato da capacidade de superao do serhumano de qualquer opresso pelo talento, pela genialidade, pela arte. Isso mostrao quanto a arte poltica - o que os polticos pouco compreendem, infelizmente -,porque a arte alcana instncias que a poltica depois percorre com aes

    concretas. A arte vai na frente e expressa dramas existenciais, pessoais, humanos,sociais, polticos, espirituais, religiosos, esperanas, as mesmas que esto napoltica, porque esto na profundidade do ser humano.Por isso, homenagear Cruz e Sousa no apenas homenagear esse filho de SantaCatarina - Estado maravilhoso -, esse negro formidvel - e no distingo o poeta porele ser negro ou branco; eu o admiro por poeta, porque no vejo diferenas entreas raas a ponto de que se justifique uma exceo porque ele negro, porquenegra a cultura brasileira, mestia a cultura brasileira: a msica, a pintura, a literatura. Somos o Pas onde isso a realidade de toda hora.Cruz e Sousa , portanto, a representao de muita coisa. No meu plano pessoal o poeta de toda a minha vida, desde menino. Est para mim como Augusto dosAnjos est para o nosso querido Senador Ronaldo Cunha Lima, um companheiro de

    horas de toda natureza e, sobretudo, de uma identificao profunda com a suacapacidade de superao e a sua capacidade de a tudo vencer pela arte.Assim, Srs. e Srs. Senadores, Srs. convidados, que fiquemos nesse final de fala,num dia em que eu gostaria que o Senado fosse todo meu e que as pessoastivessem infinita pacincia para que passasse horas e horas a falar de Cruz eSousa.Leio um poema que diz do triunfo final de Cruz e Sousa, onde no h conformismo,h uma profunda compreenso de tudo:Assim seja!Fecha os olhos e morre calmamente!Morre sereno do Dever cumprido!Nem o mais leve, nem um s gemidoTraia, sequer, o teu Sentir latente.Morre com a alma leal, clarividente,Da crena errando no Vergel floridoE o Pensamento pelos cus, brandidoComo um gldio soberbo e refulgente.Vai abrindo sacrrio por sacrrioDo teu Sonho no templo imaginrio,Na hora glacial da negra Morte imensa...Morre com o teu Dever! Na alta confiana

    De quem triunfou e sabe que descansaDesdenhando de toda a Recompensa!Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas)

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