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ANSIEDADE: E AGORA?
Carlos Marinho
A Ansiedade faz parte do espectro normal das experiências emocionais
humanas; numa ou outra altura, já todos nos sentimos ou menos ansiosos.
Dentro de certos limites, a Ansiedade é até considerada útil e benéfica, na
medida em que nos incita a aperfeiçoar ou potenciar os nossos recursos frente
às diferentes exigências do quotidiano, sendo essencialmente esperada em
situações novas ou quando antecipamos mudanças, quer positivas quer
negativas. Pode, porém, tornar-se patológica quando atinge níveis extremos,
desproporcionais à situação que a desencadeia, ou quando não existe um
objecto específico ao qual se dirige, ou ainda se adquire um carácter sistemático,
prejudicando assim o nosso funcionamento saudável em diferentes áreas de
vida.
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Compreender a Ansiedade: O organismo sob influência da Ansiedade
De forma geral, este fenómeno pode ser definido como um estado
psíquico de medo ou apreensão, decorrente da antecipação de uma situação
potencialmente desagradável, isto é, que pode ou não acontecer, ou da perceção
de que se estará em perigo, de que se estará a ser ameaçado, ou de que se estará
vulnerável ao ambiente e às outras pessoas, acompanhado de sintomas físicos
de tensão. Como forma de melhor compreender a Ansiedade, será útil imaginá-
la como um sistema de alarme destinado a proteger os seres humanos. Sob
influência da Ansiedade, o sistema nervoso simpático, responsável por
controlar os nossos processos e atividades corporais, é activado. Quando esta
activação ocorre, o fluxo sanguíneo aumenta para as extremidades do corpo
(mãos e pernas) e diminui para os órgãos internos, levando a uma variedade de
sensações (e.g., ritmo cardíaco acelerado, tonturas, dificuldade em respirar).
Estas sensações não são necessariamente perigosas, mas sim respostas normais
à ansiedade, activando comportamentos de fuga e/ou evitamento. Quando o
indivíduo é capaz de resolvê-la, o sistema nervoso parassimpático é ativado,
diminuindo-se assim os ritmos cardíaco e respiratório, fazendo o organismo
voltar ao estado de repouso. Por outro lado, a Ansiedade envolve também uma
ativação cognitiva, reflectida na interpretação que o indivíduo tende a fazer das
situações, e uma activação emocional, podendo incluir sentimentos de tristeza,
culpa, e vergonha, ou associar-se a interesse, cólera, curiosidade, ou excitação.
A perceção de ameaça pode relacionar-se com um perigo físico, quando
acreditamos que poderemos sofrer algum dano físico (por exemplo, sofrer um
ataque cardíaco); com um perigo social, quando acreditamos que seremos
criticados, rejeitados, humilhados, ou envergonhados; e com um perigo mental,
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quando tememos a possibilidade de adoecer, enlouquecer, ou morrer a
qualquer momento.
Classificação das Perturbações de Ansiedade
A Ansiedade patológica pode ser secundária a algumas doenças físicas
(e.g., o hipertiroidismo), cessando após o tratamento médico indicado. Por
outro lado, pode enformar perturbações ansiosas, ou seja, quadros clínicos em
que esses sintomas são primários (por exemplo, a ansiedade generalizada, os
ataques de pânico, a agorafobia, a fobia específica, a fobia social, a ansiedade de
separação e o mutismo selectivo), e ainda associar-se a outras doenças mentais,
tais como a depressão, a psicose ou a perturbação bipolar. Diferentes
diagnósticos podem também coexistir (comorbidade).
A Ansiedade Generalizada caracteriza-se pela preocupação excessiva e
irrealista diante de situações rotineiras da vida, tais como responsabilidades no
emprego, saúde dos membros da família, gestão económica, e pequenos
problemas do dia-a-dia. A Perturbação de Pânico caracteriza-se pela presença
de ataques de pânico repetidos, ou seja, período de medo intenso ou de terror,
associado frequentemente a um sentimento de morte iminente, acompanhado
de sintomas físicos intensos que se inicia subitamente, sem causa aparente, e
que gera o medo de que os ataques se voltem a repetir. As Fobias caracterizam-
se pelo medo excessivo e irracional face a objectos ou situações (e.g., animais,
alturas, espaços fechados, multidões, etc.). A Ansiedade de Separação
caracteriza-se pela ansiedade excessiva relativamente à separação de casa ou
daqueles a quem a criança está fortemente vinculada, não adequada ao nível de
desenvolvimento. O Mutismo Selectivo é descrito como a incapacidade
persistente para falar em situações sociais específicas nos quais se espera que a
criança fale, apesar de o fazer noutras situações.
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As perturbações de Ansiedade estão entre as perturbações psiquiátricas
mais frequentes na população geral, considerando-se que 22% da população em
geral, em algum momento da sua vida, sofre de uma perturbação ansiosa.
Uma tentativa de classificação dos problemas ansiosos e de consideração
dos seus factores é feita através de sistemas de classificação com o DSM-5 (APA,
2014). Para este, por exemplo, a Ansiedade passa a ser reconhecida como
patológica quando exagerada, desproporcional ao estímulo desencadeador, ou
qualitativamente diferente do que se observa na respectiva faixa etária
normativa, e interfere na qualidade de vida, no conforto emocional ou no
desempenho diário das tarefas do indivíduo.
A nível físico, podem surgir os seguintes sintomas: palpitações,
batimento cardíaco ou ritmo cardíaco acelerado; sensação de ‘aperto’,
desconforto ou dor no peito; boca seca; dificuldade em respirar; sensação de
sufoco; palidez; parestesias (entorpecimento ou formigueiros); dores de cabeça;
sensação de cansaço; dificuldade em engolir ou sensação de inchaço na
garganta; sensação de inquietação; desrealização (sensações de irrealidade) ou
despersonalização (sentir-se desligado de si próprio); náuseas, diarreia ou mal-
estar abdominal; calores ou calafrios; tensão muscular, dores musculares;
sensação de tontura, de desequilíbrio, de cabeça oca ou de desmaio; sudação
excessiva; tremores, espasmos musculares; e micção frequente.
A nível de sintomas cognitivo-emocionais são frequentes: a dificuldade
de concentração; a dificuldade em adormecer; a incapacidade de lidar com
dificuldades; a irritabilidade; o nervosismo; pensamentos frequentes de perigo;
o medo de perder o controlo ou de enlouquecer; o medo de morrer;
pensamentos frequentes de que algo terrível irá acontecer; uma preocupação
frequente; o evitamento de pessoas/ lugares/situações que ativam a ansiedade; e
a incapacidade de descontracção.
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Estas perturbações são caracterizadas fundamentalmente pela
interpretação errónea de situações do quotidiano, sequenciando uma distorção
da perceção da realidade. Semelhantes interpretações podem ocorrer a nível
cognitivo, e manifestar-se em preocupações excessivas, sensação de fracasso
iminente e confusão mental; a nível comportamental, envolvendo tremuras
musculares e agitação psicomotora; e ainda a nível fisiológico, comportando
náuseas, suores, e palpitações.
Não existe um factor único que explique o aparecimento de determinada
perturbação de Ansiedade; de modo geral, são considerados factores de
natureza biológica e psicológica [acontecimentos externos e conflitos internos;
como dificuldades pessoais de inserção na sociedade, conflitos nos domínios
afectivo, emocional e sexual, experiência de dor, ou abuso de certas substâncias
(e.g., café, chá, tabaco, álcool e drogas diversas)].
Congruentemente, o tratamento dedicado a estas perturbações pode
conjugar o uso de psicofármacos com a psicoterapia, de forma a tratar a
ansiedade do ponto de vista biológico, mas também a promover a resolução de
conflitos internos.
Ao nível da ansiedade, os estudos sugerem que os tratamentos de
natureza cognitivo-comportamentais são os mais eficazes. Central nestes
processos é a chamada exposição, situação em que o cliente é exposto
repetidamente ao objecto/situação que lhe provoca ansiedade, de forma a
aprender que as consequências não são tão desastrosas como pode pensar; na
base desta estratégia, está a aprendizagem da tolerância face ao desconforto
provocado pela ansiedade. Para atingir estes objectivos pode recorrer-se à
dessensibilização sistemática, uma técnica que emparelha o relaxamento com a
visualização imagética dos objectos fobicos, através de uma hierarquia que o
próprio cliente constrói, depois do que é exposto gradualmente desde as
situações menos ansiogénicas àquelas mais causadoras de ansiedade. Pode
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ainda, recorrer-se à exposição in vivo, em que o cliente, anteriormente auxiliado
pelo terapeuta a desenvolver estratégias (como por exemplo, a respiração
diafragmática, e o relaxamento muscular progressivo) é exposto a situações
ansiogénicas para controlar a ansiedade resultante da exposição. Por seu turno,
as estratégias cognitivas ajudam o cliente a descatastrofizar e a corrigir erros de
pensamentos, responsáveis por manter e agravar a sintomatologia, através da
identificação de erros de pensamento, e a sua substituição por pensamentos
mais funcionais. Um número cada vez maior de estudos científicos demonstra
que a psicoterapia pode ser tão ou mais eficaz do que o recurso à intervenção
medicamentosa, a médio e longo prazo. Na grande maioria dos casos, a
ansiedade pode mesmo ser tratada com sucesso sem recurso a fármacos.
Embora os ansiolíticos proporcionem um alívio dos sintomas de ansiedade, o
efeito é apenas temporário, não sendo tratadas as causas da ansiedade; com
efeito, à medida que os fármacos deixam o organismo, são frequentes as
recaídas. Por outro lado, muitos destes fármacos podem provocar habituação, e
levar o indivíduo a evitar continuamente os objectos/situações que lhe
provocam ansiedade, furtando-se a aprender a lidar com o desconforto sentido
de uma forma realista e adaptativa.
Av.AlfredoBarros,204715-350Braga
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