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ARMADILHAS DE UM TEMPO I
NAS BRASAS DA INQUISIÇÃO
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ARMADILHAS DE UM
TEMPO
ARMADILHAS DE UM TEMPO I
NAS BRASAS DA INQUISIÇÃO
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T.Reche
ARMADILHAS DE UM TEMPO I
“Nas Brasas da Inquisição”
ARMADILHAS DE UM TEMPO I
NAS BRASAS DA INQUISIÇÃO
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Romance Histórico
Este livro é uma obra de Ficção, os contos são totalmente
advindos da imaginação da autora, sendo que não são
baseados em fatos verídicos. Portanto, qualquer
semelhança com o presente ou passado são mera
coincidência.
ARMADILHAS DE UM TEMPO I
NAS BRASAS DA INQUISIÇÃO
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Ao meu filho José Matheus Dias, amigos e familiares. Em
especial ao meu pai José Martinho Iatarola (in
memoriam).
“Tenho-vos dito estas coisas, para que não vos
escandalizeis. Eis que os expulsarão das sinagogas, mas
vem a hora quando todo o que vos matar pensará que,
com isso, estará prestando culto a DEUS...” João 16-1,2
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NAS BRASAS DA INQUISIÇÃO
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus familiares que me incentivaram a
prosseguir com esse objetivo, e aos meus amigos que
proporcionaram através de sua amizade e conforto que
essa saga fosse gerada. E, sobretudo, a paciência do meu
filho ao participar de cada criação, cada texto e cada
palavra de incentivo.
ARMADILHAS DE UM TEMPO I
NAS BRASAS DA INQUISIÇÃO
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SUMÁRIO
I. O Rosto de Um Anjo
II. Uma Realidade Oculta
III. Perto Está o Senhor
IV. Onde Está o Seu Amigo?
V. A Verdade Chegou Aos Olhos de Muitos
VI. Finalmente em Casa
VII. 1537 - Os Dias se Tornaram Anos
VIII. Vestindo-se para Deus ou para Homens?
IX. Não há Santidade na Morte
X. Amor, Paixão...
XI. Liberando as Almas
XII. Duas Almas em uma
XIII. Antes só do que Mal Acompanhada
XIV. Eis que o Lobo era Cordeiro
XV. No Sangue e Carne da Inocência
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NAS BRASAS DA INQUISIÇÃO
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ARMADILHAS DE UM TEMPO
Prefácio
O século XVI trouxe inúmeras armadilhas, aos que
amavam aos que jamais saberiam o que era amar. Mas
aqueles dias foram ainda mais tenebrosos do que muitos
poderiam sequer imaginar. A inquisição, diferente do que
se pensa, não foi um cenário sangrento apenas causado
pela igreja romana. A inquisição foi um rio amargo, vindo
dos mais soberbos corações, estes eram aplacados por
almas como a de Esteban e Catalina, que juntos,
simplesmente por amar, pensavam que contornariam o
rumo daquela época. Entretanto, os frutos desse amor
converteriam em sangue, todo e qualquer ideal de paz. E
na pele de uma mulher rejeitada, ardiam os mais malignos
planos que trariam a geração de Delmar e Laguna um fim
que não imaginavam. Entre dores, espadas, intrigas e
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fugas eis que surge um suposto “lobo”, que não
necessariamente faria o papel de predador em tempos que
muitas eram as ovelhas inocentes, as quais viriam a
sucumbir. Cordeiros foram lobos, e lobos foram
cordeiros!
A Saga
Nas Brasas da Inquisição (I Parte)
As Ovelhas de Laguna (II Parte)
E eis que o Lobo era Cordeiro (III Parte)
Nos tempos em que a Inquisição aterrorizava a Terra do
século XVI, houve vidas que destemidamente clamaram
por paz e justiça.
Esteban teve dois grandes amores, Catalina e a verdade.
E quando seus frutos vieram ter com ele, os que eram
ovelhas se tornaram os lobos, e o lobo era o Cordeiro!
Sangue, torturas, o fogo do Santo Ofício, intrigas e
paixão, não foram o bastante para desviar a alma do líder
Huguenote e seus sucessores. A história que até então era
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banhada de sangue inocente, recebeu finalmente a
geração que merecia.
CAPÍTULO I
O Rosto de Um Anjo
Caminhavam pelas ruas tumultuadas como sempre da
França, entre os huguenotes e católicos miscigenados
naquela manhã ensolarada de 1598, um homem já idoso,
vestido como um velho guerreiro, de mãos dadas com
uma bela jovem, de dezoito anos. Ela tinha seus longos
cabelos negros, que se encaracolavam até a cintura, seus
passos eram tão delicados e calmos que seguiam
harmonicamente os do homem idoso.
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Este tinha um rabo de cavalo, de cabelos brancos, e
grossa barba e bigodes escondiam o rosto cansado. Então,
em meio aos brados de liberdade e paz daquela manhã
vitoriosa para os protestantes huguenotes, o homem sorriu
com lágrima nos olhos e disse à jovem: - Há muitos
anos que não lhe conto histórias menina... Está com
paciência? - e ela sorrindo com um semblante angelical
respondeu beijando suavemente a mão enrugada e áspera
do homem: - Claro meu pai, conte-me uma história, nada
melhor que um dia como o de hoje!
- É a história daqueles que causaram isso, mas que
infelizmente, estes, não estão a festejar o merecido troféu,
qual estamos longe de merecer minha filha... – e
elevando seus olhos ao céu tão límpido disse segurando
carinhosamente as mãos da jovem:
- Era o ano de 1536, na cidade espanhola de Cartagena,
em uma humilde casa de camponeses. No silencio
daquela tarde ensolarada, os pensamentos da única filha
da família Laguna se dispersavam com o vento.
Seria o último dia em família, Catalina Laguna, uma
jovem de apenas 15 anos estava a partir para o convento
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das Agostinianas. Enquanto uma longa viagem a esperava
através do Rio Guadalimar e Rio Guadalquivir até
Sevilha, suas últimas palavras tentavam superar a tristeza
e impedir que as lágrimas caíssem. – Querida, vai dar
tudo certo! Servirá à mãe de Jesus pelo resto de sua vida,
nada mais divino que isso. É o melhor que pode fazer
minha menina. – sua mãe, Verônica, alisava os seus
cabelos negros e longos, segurando-a pela mão como se
não desejasse soltá-la jamais.
- Catalina! Vamos, não temos o dia todo! - clamou o pai
ao avistar um conhecido monge cisterciense, que a levaria
até Murcia para seguir pelo “Rio Segura” a viagem.
- Pai! – sussurrou de forma inaudível consigo mesma
fitando o monge, que alegremente subia até onde estava a
pequena família Laguna.
- O que foi Catalina? - perguntou rispidamente mal
olhando para a menina. Verônica, sua mãe, parecia
acariciá-la com seu olhar amável, bem sabia que a filha
não desejava deixar o lar, nem seus pais, e em tom suave
disse quase a sussurrar:
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- Vá em paz amada Catalina, vá em paz! - abraçaram-se,
mãe e filha, sabendo que seria a última vez, e pareciam
unidas definitivamente por aquele abraço.
-Pai! - chamou ela enquanto o camponês permanecia de
costas a conversar com um monge chamado Teodoro
Castilho, um monge da ordem de Cister de sessenta e
poucos anos, o qual bebia muito mais que qualquer outro
mundano espanhol.
- Fale filha, mas ande, o monge Teodoro quer que saia
daqui o quanto antes possível, pois a viagem durará horas
a pé até Murcia.
- Pelos meus cálculos chegaremos ao anoitecer em
Sevilha. Pelo rio será rápido. - Com o espírito temeroso
a menina pela última vez insistiu:
- Pai, eu só quero dizer que vou sentir saudade... - desta
vez as lágrimas não puderam ser detidas, mãe e filha
choraram ao se abraçar, logo Teodoro interrompeu
delicadamente:
- Podemos ir criança?
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- Você ficará bem filha. Sirva a Deus de todo o seu
coração, e lembre-se: nada, nada a separará do amor do
nosso Deus.
- Custe o que custar querida, seja fiel a Ele, nem que para
isso você venha a sofrer. - rindo ao tentar transformar
aquele momento mais descontraído novamente
interrompe o monge:
- O que é isso? Não existe sofrimento para os que servem
o Reino de Deus, a mãe do nosso Senhor não permitirá
que sofra minha filha. - os três permaneceram em
silêncio, e mais nada foi dito. A menina deixou para traz
sua pequena vida de quinze anos, e agora estaria pronta
para a clausura até seus últimos dias, servindo a Igreja
Católica Romana. O caminho seria longo, mas não mais
que seus pensamentos. Circulavam naquela mente
inocente tantas perguntas, tantos temores. Sempre teve em
sua alma o anseio de servir de forma total a Deus, por que
justamente agora tantas incertezas a rondavam naquele
caminho. E que caminho... Horas a pé, até que o silêncio
foi quebrado entre a respiração ofegante do frei Teodoro e
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os suspiros da jovem a cada vez que se lembrava da
liberdade que deixava a cada passo.
- Preciso sentar... Preciso sentar... Meu Pai, precisamos
sentar... - repetia as mesmas palavras, e Catalina apenas o
olhava discretamente em silêncio. – Chegaremos dentro
de uma hora a Murcia, lá eu passarei você para um jovem
monge, nem monge é ainda coitado... - falava e
consertava os erros, Catalina continuava em silêncio.
- Você sempre foi muito temente a Deus não é menina?
-Sim senhor.
-Está feliz por estar indo a clausura? – parou, e com o
olhar brilhando prosseguiu:
- Ah! Se eu tivesse enclausurado... É o verdadeiro
sentimento de entrega filha. Isso é amar a Deus sobre
todas as coisas! Catalina tentava encontrar no ar o que o
monge olhava com tanta paz, mas ela não enxergava. –
Não queria ficar enclausurada, desejava a liberdade. Ficar
com meus pais.
- num súbito susto Teodoro parecia voltar à realidade,
fitou a menina: - Como assim?! Sua mãe me disse que
sempre desejou servir a nosso Senhor!
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- Servir sim, mas como posso servir se estou presa?
- Ah, minha menina... Quando passar pelos primeiros
meses entenderá. Fique sossegada! Agora vamos, vamos
que as palavras vãs condenam os pensamentos. Vamos,
seguindo em frente. - Catalina, mais uma vez parecia ter
que deglutir suas palavras, seus verdadeiros desejos.
Sempre teria que ser assim? Obedientemente seguiu os
passos do frei, e assim houve mais um longo caminho.
Adiante, horas à frente, em Murcia um rapaz de apenas
vinte anos chamado Esteban Delmar, estudante de
teologia da ordem de Cister como o monge Teodoro,
aguardava a chegada da futura noviça para leva-la até o
Rio Segura conforme a ordenança do monge.
Junto dele estava outro estudante de teologia, o jovem
Raúl.
Aquela época estava ardendo em guerras e confrontos,
por causa da reforma de Lutero, e Calvino colocara ainda
mais chama através de sua influência. Desde 1532, em
Genebra, já explodia revoltas entre protestantes versos
católicos, mesmo Calvino não tendo chegado nessa
cidade, seu ideal alcançou-a bem antes.
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Os jovens estavam com a mente perturbada por novos
ideais, incluindo Esteban e Raul. Enquanto aguardavam
sentados numa rocha, conversavam sobre os rumores
acerca da Reforma. Raúl, um dos monges que a
aguardavam pelo caminho, arrancou uma planta do chão
árido, e mostrando-a ao amigo disse dramaticamente: -
Isso está sendo feito na França com a santa igreja
católica! Arrancando a raiz da verdade! Esse desgraçado
Lutero, primeiro insultou a Deus na Alemanha, deve estar
contente com tanta heresia. Agora esse Calvino que está
querendo criar uma nova seita!
- Martinho não quis uma nova seita, apenas desejava
acertar alguns pontos que encontrou em discordância.
-Discordância Esteban? Que discordância! Estaria eu em
frente a um simpatizante da herética Luterana?
- Amado Raúl, Martinho está na Alemanha, Calvino é
francês. Nós estamos na Espanha, onde a Santa Inquisição
filtra desde o século passado os hereges, então fique em
paz, aqui heresias não entram. - Raúl então se levantou e
falou em tom de repreensão: - Então, cuidado com seus
conceitos irmão Esteban.
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Esteban olhou-o nos olhos e nada respondeu, talvez por
saber que seus conceitos poderiam lhe trair. As ideias
luteranas pareciam saquear o que lhe fora ensinado até
então. Seu desejo era estudar o protestantismo, e não a
teologia imposta pelo catolicismo. Por que o papado
deixava determinados conhecimentos ocultos? O que se
oculta, deve ter uma razão. E esse era o ponto, qual era a
razão? Já eram quase a primeira hora da tarde, quando
em meio ao raio forte do sol quente, surgiram dois vultos
a caminharem. Os passos arrastados só poderiam ser do
monge Teodoro. Mas e a silhueta tão magra perdida
naquelas roupas largas e humildes de camponesa? Quem
seria?
- Olá meus filhinhos! Que Deus esteja com vocês!
-Amém irmão Teodoro.
-Amém! – Esteban estava em transe ao notar o rosto
singelo e tão distante de Catalina. A menina tinha o
semblante de criança, e um olhar de um anjo! Mas algo
nela dizia algo à alma de Esteban, mesmo em sua inércia
aparente... Entretanto, o rapaz teve que voltar a nossa
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Terra ao ouvir subitamente o estalar de dedos do monge
Teodoro a chamá-lo pela segunda vez:
- Esteban!
- Desculpe senhor Teodoro, sim senhor!
-Menino, o que está vendo? Hã? Viu uma aparição foi?
Olhe para cá menino!
- Sim senhor! - Teodoro preocupou-se ao notar a viagem
do espírito de Esteban ao fitar a beleza tão pura daquela
menina, e logo mudou os planos.
- Bem, espere um pouco. Você, filho! – chamou por Raúl
que arrumava seus pertences e os de Esteban para a
viagem.
- Eu? Sim pode falar frei Teodoro.
- Você, filho, leve a jovem noviça até o Rio Segura, lá
encontrará um terceiro frei, o qual a levará de barco via
Rio até Sevilha.
- E eu monge Teodoro? - interrompeu o jovem voltando
do transe sem compreender a mudança de planos do
experiente cisterciense.
- Você, Esteban Delmar, venha comigo até a cidade de
Alicante, lá faremos uma missão de pregação da palavra e
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das santas doutrinas católicas, precisamos trabalhar contra
as heresias que estão tentando adentrar em nosso país.
- Mas o senhor havia nos chamado para levá-la até o
Rio...
- Não precisa dois estudantes de teologia, futuros monges
enclausurados, acompanharem uma noviça, um basta.
- Mas eu pensei...
- Pensou errado filho, pensou demais. Viu demais, não é?
Vamos nos penitenciando pelo caminho. Agitava-se o
monge Teodoro mais parecendo “cuidar” para que não se
vissem, não ficasse próximo, afinal o olhar do jovem o
delatou naquele instante. Mas a jovem permanecia em seu
mundo, em silencio, numa paz interior única. Apenas
aguardando a decisão daquelas três figuras tão
tumultuadas.
-Vá Raúl, siga em frente com a menina, e olhe que o
Senhor tem olhos bem atentos viu! - Raúl confuso com
o comentário, pouco compreendeu, mas mesmo assim
respondeu de forma educada e submissa como de
costume:
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- Sim senhor, pode ficar sossegado! – olhou para Esteban
meneando a cabeça sem entender nada, e seguiu em
frente. Alguns passos com o monge e Esteban exclamou,
correndo atrás do amigo.
- Espere Raúl! - confuso Teodoro procurava segurar o
jovem com os olhos... – Hã? O quê? Aonde você vai
filho?
- Raúl está com algo meu, só um minuto senhor, já volto.
Esteban correu segurando sua saia de frade rapidamente a
alcançar Raúl e Catalina. - O que foi Esteban? -
indagou o jovem sem entender novamente, a jovem nem
deteve seus passou e continuou a caminhar ora olhando as
nuvens, ora falando com Deus.
– Você! – chamou por ela, a jovem virou-se
delicadamente, e seus olhos tão azuis prenderam os de
Esteban. O rapaz meio zonzo não piscou, perguntou fora
de si:
-Como eu chamo você?
- Catalina Laguna. – houve um silêncio de alguns
segundos que nem mesmo Raúl e Teodoro ousaram
interromper. Pareceu aquele instante, que o vento selava
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algo, decidia que ali não mais haveria duas almas, e sim
uma!
- Pode ir Raúl, leve Catalina. - Raúl meneou a cabeça
novamente não acreditando naquele instante, e prosseguiu
a levar a jovem ao seu destino. Esteban voltou-se para o
“seu destino” e quase esbarrou com frei Teodoro que
ouvira o episódio.
- Mais fácil seria perguntar a mim. Pouparíamos passos
meu filho.
- É verdade, não pensei nisso antes. Perdoe-me monge.
-Onde está?
-Onde está o que senhor?
- O que pegou com Raúl?
- Ah! Não estava com ele, eu acho que não estava... Mas
agora deixe para lá não é?
O monge sério e rabugento nada respondeu, saiu apenas
resmungando misericórdia e seguiram o caminho.
CAPÍTULO II
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Uma Realidade oculta
O convento pelo qual a doce Catalina estava
comprometida a ir, era o Convento em Ávila, uma
pequena cidade da velha Castilha, a Ordem Terceira do
Carmo.” Porém, devido aos tumultos sofridos pela
reforma Protestante, os frades Carmelitas aconselharam
que ela ficasse alguns meses em Sevilha, para que no
momento oportuno, fosse recebida em seu destino
permanente. Já caía à tardinha quando um pequeno barco
aportava à beira da cidade de Sevilha.
A beira do Rio Guadalquivir, a beleza daquela cena
despertava através de uma brisa tão calma a alma de
Catalina, a jovem parecia fotografar com seus olhos
celestes, cada instante daquele lugar. Teve de ser
acordada pelo canoeiro.
- Senhorita!
- Sim? Chegamos?
- Sim, pode descer! Eu a levarei até a Basílica de La
Macarena, onde a entregarei nas mãos da irmã Judit, da
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ordem das agostinianas. -Obrigada! – sempre gentil e
humilde, Catalina respondia com poucas palavras,
bastando seu olhar tão profundo de agradecimento e
ternura. Já bem cansada da viagem, suspirou mais uma
vez e sentiu fechando os olhos o ar daquela região. Não
seria ali que ficaria por muito tempo, mas sentia que um
novo passo estava sendo dado, e era bom.
Em passos lentos entrou sozinha na Basílica de La
Macarena, no bairro La Macarena, em Sevilha. As
grandes muralhas medievais de se estendiam desde essa
Basílica passando pelas ruas do Mosteiro dos Capuchinos
até Puerta de Córdoba.
A cidade era vigiada pelos inquisidores permanentemente.
Naqueles dias, quase não se via judeus ou muçulmanos
em Sevilha. Desde 1483, quando fora criado o Conselho
da Suprema e Geral Inquisição, cujo Inquisidor Geral era
frei Tomás Torquemada, fanático católico, cuja crueldade
fugia-lhe a consciência. Um cargo que lhe rendeu quase
duas mil almas queimadas na fogueira. Uma época em
que a maldade superabundava e submergia as palavras
doces do filho de Deus “Amai-vos cordialmente uns aos
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outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns
aos outros." (Romanos 12 : 10). Tal era a crueldade
daqueles inquisidores, que o próprio papa da época tentou
intervir, porém sem sucesso. Os conceitos estavam
adulterados nos corações e mentes dos homens, e o som
das mortes não calaria no vento. E a tristeza sem respostas
transpassava o silêncio em Catalina Laguna.
Todos conheciam muito bem acerca da Inquisição. Era
um demônio queimando e gritando por meio das vidas
sendo carbonizadas, fossem jovens, crianças, mulheres ou
idosos, estava vivo aquele ser invisível, caminhando e
vigiando cada passo, cada palavra proferida, cada
pensamento contrário à supremacia romana. Cada degrau
da Basílica era um ano relembrado, a jovem tinha apenas
15 anos, mas não era inocente em relação à realidade
católica, não conseguia entender como o amor mataria a
tantos! Pessoas que ela poderia ter amado, ajudado, Jesus
Cristo acaso os levaria à fogueira daquela forma? Sua
pequena mente jovem estava tão silenciosa, apenas sabia
que tinha que aceitar, e talvez concordar, mas o seu
coração poderia clamar a Deus, gritar, berrar talvez, diz a
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NAS BRASAS DA INQUISIÇÃO
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igreja que o demônio não ouvia os pensamentos, então o
da Inquisição não leria os seus... Era um segredo entre ela
e o seu amado Deus de amor, perdão, piedade,
misericórdia e paz. Já no interior da basílica, no silencio
daquele lugar, uma freira agostiniana ajoelhada em
profunda adoração aguardava a jovem e futura noviça
carmelita. Se aproximando ajoelhou-se ao seu lado
chamando a atenção da idosa irmã.
- Ora... Ora... Seria a bela Catalina Laguna? - sorriu
angelicalmente a menina subentendendo que sim.
- Querida, sou irmã Judit, estava à sua espera.
- Com a graça de Deus depois de muito caminhar
chegamos bem. – disse ela sempre com um sorriso cortês,
e transbordando um brilho real dos grandes olhos azuis.
-Com a graça de Nossa Senhora minha filha. – advertiu a
freira admirando a doçura da jovenzinha.
-Vamos, logo anoitece e temos uma carroça lá fora nos
esperando. Não podemos perder a missa!
Dirigida por um frei agostiniano chamado Ernesto,
seguiram até o convento Agostiniano de Sevilha, ali
Catalina ficaria até segunda ordem vinda de seu destino
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