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Fundação Oswaldo Cruz - Ministério da Saúde
Escola Nacional de Saúde Pública
Mestrado Profissional em Gestão de C&T em Saúde
Bases para uma Política Institucional de Desenvolvimento Tecnológico
de Medicamentos de Origem Vegetal: O Papel da Fiocruz
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Gestão de Ciência e
Tecnologia em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública – Fiocruz, como
requisito para obtenção do Grau de Mestre.
Glauco de Kruse Villas Bôas
Orientador: Carlos Grabois Gadelha
Rio de Janeiro
Maio de 2004
1
Bases para uma Política Institucional de Desenvolvimento Tecnológico de
Medicamentos de Origem Vegetal: O papel da Fiocruz
Dissertação de Mestrado apresentada ao Mestrado Profissional em Gestão de C&T em
Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública - FIOCRUZ como requisito a obtenção do
grau de Mestre em Saúde Pública
Banca Examinadora
Prof. Dr.Carlos Grabois Gadelha
Prof. Dr.Antônio Carlos Siani
Prof Dra Cristiane Quental
Rio de Janeiro
2004
2
Catalogação na fonteCentro de Informação Científica e Tecnológica
Biblioteca da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca
3
V726b Villas Bôas, Glauco de Kruse Bases para uma política institucional de
desenvolvimento tecnológico de medicamentos de origem vegetal: o papel da FIOCRUZ. / Glauco de Kruse Villas Bôas. Rio de Janeiro : s.n., 2004.
130 p., tab.
Orientador: Gadelha, Carlos GraboisDissertação de mestrado apresentada à Escola Nacional
de Saúde Pública.
1.Fitoterapia-tendências. 2.Tecnologia farmacêutica-tendências. I.Título.
CDD - 20.ed. – 581.634
Dedico este trabalho a meu pai,
o médico sanitarista Aldo Villas Bôas,
falecido no mesmo ano que comecei esta jornada.
4
Agradecimentos
Expresso aqui meus agradecimentos ao Carlos Gadelha, com muita admiração e
respeito à sua trajetória profissional, por ter me orientado neste trabalho. Sua fina
sensibilidade, crítica sutil e humor, me ajudaram a entender seu modo de ver a inovação
na saúde brasileira, particularmente considerando o complexo médico industrial.
Aprendi muito além de todo o conteúdo programático, o que resgatou minha vontade de
participar, de contribuir, de tentar achar caminhos.
Esta dissertação não aconteceria se não fosse o João Quental, companheiro presente
desde as escaramuças juvenis contra a Ditadura Militar, na Faculdade de Farmácia, nos
cursos de Saúde Pública, no Mestrado da ENSP da década de oitenta. Foi ele que me
alertou sobre essa possibilidade de resgatarmos a trajetória acadêmica através da
reflexão sobre o trabalho na Fiocruz. Agradeço a ele pelo estímulo e também por
continuar a discutir as dúvidas, os anseios, erros e acertos.
Não aconteceria também se a atual Presidência da Fiocruz não houvesse incluído no seu
planejamento diretrizes voltadas para o desenvolvimento tecnológico em Saúde,
abrangendo simultaneamente a implementação do Mestrado Profissional e o
desenvolvimento de insumos, aonde se incluem os fitomedicamentos.
Agradeço à Coordenação do Mestrado Profissional, pela competência na estruturação
da Gestão em Ciência e Tecnologia da Saúde, e a todo corpo de professores e
funcionários que colaborou para que o resultado fosse o nível de excelência
conquistado. Aos colegas da primeira turma, agradeço pelo entusiasmo nas discussões e
colaboração efetiva na superação das dificuldades.
Agradeço, especialmente, à Helena Lastres que não só mostrou brilhantemente novos
rumos do desenvolvimento na Era do Aprendizado, como também apontou diretamente
para a urgência do desenvolvimento local e sua relação com os recursos naturais, a
biodiversidade e a inserção social, trazendo a esperança de um caminho mais digno
para o desenvolvimento no mundo atual.
Foi durante uma aula da Nara Azevedo, com idéias vivamente expostas sobe a Ciência
e Tecnologia, que compreendi a importância de ampliarmos as possibilidades de
5
atuação institucional analisando o caráter de sua trajetória. Sou especialmente grato por
ela ter participado da banca de qualificação e, posteriormente, ter se disposto
pacientemente a ouvir e discutir a forma inicial deste trabalho.
Quero manifestar também um agradecimento muito especial a todos os colegas de
trabalho de Far-Manguinhos, particularmente a Eloan Pinheiro por ter me indicado para
o Mestrado Profissional, mesmo após uma discussão acalorada durante a minha
apresentação de um projeto para o grupo de pesquisadores do Departamento.
Agradeço à Maria das Graças Henriques, Jislaine Guilhermino Pereira, e Benjamin
Gilbert, companheiros que dividiram as angústias dos momentos difíceis, as alegrias das
descobertas e a determinação para abrir novos caminhos, pela discussão ininterrupta
sobre a visão, o escopo, a importância do desenvolvimento tecnológico de
medicamentos e fármacos de origem vegetal na Saúde Pública brasileira.
Agradeço ao Antonio Carlos Siani, então Diretor do Departamento de Produtos
Naturais, a quem fui apresentado quando fui transferido para Far-Manguinhos, e que ao
longo dos anos, fui aprendendo a conhecer a dimensão do seu conhecimento, seus
propósitos, sua ética e estilo. Durante a elaboração desta dissertação fez a gentileza de
se dispor a suprir minhas demandas de referências químicas pertinentes bem como
discutir alguns parâmetros teóricos.
Obrigado a toda equipe de trabalho multidisciplinar e polivalente da Colônia Juliano
Moreira, que durante minha gerência colaborou intensamente na discussão, elaboração e
experimentação de propostas e projetos em todo o Brasil. Tenho hoje, mais que nunca, a
certeza que, num curto espaço de tempo, realizamos um grande laboratório na inovação
deste segmento, e as sementes que plantamos juntos, germinaram: Moisés Teles
Madureira, Sérgio Monteiro, André Zanella, Carlos Checoli, Chinaider Schmidt,
Eduardo Spitz e Viviane Castro, Alexandre Vieira da Silva, Altair Henrique Dimas,
Bráulio Furtado de Mendonça, Carlos Pilar Dias, José Bibiano Machado, José Eloízio
de Oliveira Linhares, Luís Henrique D. dos Santos e Valdecir Henrique Dimas. Dona
Bernadete S. Leite.
Quero também registrar o agradecimento a todos os profissionais já comprometidos na
construção deste caminho, atuando em diversos órgãos públicos, universidades,
6
empresas e aos agricultores que convivem diretamente com os biomas brasileiros, com
quem pude conversar, aprender e verificar possibilidades. Na discussão deste processo,
aos novos companheiros André Stella do Ministério do Meio Ambiente e Maria
Consolacion Udry da EMBRAPA.
Agradeço também ao Paulo Petersen a importância que a nossa prosa desenvolvida ao
longo dos últimos anos teve para mim, do ponto de vista ideológico, na revisão de
conceitos sobre o conhecimento popular, a cultura local, a agroecologia e o papel do
intelectual e da ciência.
À minha família, Glaucia, Fernanda, Flavio, Alexandre, Barbara, Pedro e Luciana,
agradeço o estimulo durante toda esta jornada, do ponto de vista afetivo e acadêmico.
Ao meu filho Erik, que vai fazer sete anos, minhas desculpas pelo tempo roubado.
À querida Patricia, minha esposa, por tudo que ela é, sendo insuficiente qualquer
palavra para expressar minha gratidão.
7
Resumo
Esta dissertação apresenta a proposta de um programa institucional para o
desenvolvimento tecnológico de medicamentos de origem vegetal, construído a partir de
um cenário elaborado através da constatação de oportunidades no mercado da indústria
farmacêutica tanto para a produção de medicamentos fitoterápicos quanto para o
desenvolvimento de novos fármacos utilizando-se de moldes ou moléculas vegetais.
O papel institucional por sua vez é baseado nas recentes premissas teóricas para o do
desenvolvimento sócio econômico na Era do Conhecimento, particularmente dos
Arranjos e Sistemas Produtivos Locais, que apontam neste caso, as vantagens de
considerarmos os biomas brasileiros dada a exuberância da flora.
Abstract
This dissertation presents an institutional program proposal for the technological
development of vegetal origin medicines, constructed from a view organized upon
evidences of opportunities in the pharmaceutical industry market for both the
production of herbal medicines and the development of new drugs, utilizing vegetal
leads and molecules.
The institutional role is based on recent theoretical proposals for social economic
development in the Knowledge Age, particularly the Local Productive Arrangements
and Systems, that reveal, in this case, the advantages of considering the Brazilian
biomes, due to exuberance of the flora.
8
Sumário
Introdução........................................................................................................................10Metodologia.....................................................................................................................12Capítulo 1 - Inovação, Sistemas Locais e Fitomedicamentos......................................... 13
1.1 - Inovação e Desenvolvimento.............................................................................. 131.2 - O papel do Estado............................................................................................... 171.3 - Os Arranjos e Sistemas Produtivos Locais (ASPLs).......................................... 221.4 - Desenvolvimento de fitomedicamentos, arranjos por bioma, cooperação e vantagens. ................................................................................................................... 241.5 - Desenvolvimento tecnológico e saúde: criando as condições da sustentabilidade........................................................................................................... 32
Capítulo 2 - Aspectos do Desenvolvimento de Fitomedicamentos.................................382.1 - A experiência internacional: P&D e Síntese.................................................... 402.1.1 - Pressões e reorganização.................................................................................412.2 - Fitoterápicos: três enfoques diversos................................................................. 452.2.1 - Europa............................................................................................................. 452.2.2 - Estados Unidos................................................................................................482.2.3 - Organização Mundial da Saúde ......................................................................522.3 - A experiência nacional....................................................................................... 552.3.1 - CEME..............................................................................................................592.3.2 - Propriedade intelectual e industrial................................................................. 602.3.3 - Vigilância Sanitária ........................................................................................ 602.3.4- Fitoterápicos como parte da política de saúde................................................. 63
Capítulo 3 - Trajetória Institucional e o Pioneirismo de Far-Manguinhos.....................653.1 - Trajetória Tecnológica da Fiocruz...................................................................... 653.2 - Pioneirismo de Far-Manguinhos: aprendendo a fazer o desenvolvimento de fitomedicamentos na Fiocruz.......................................................................................77
Capítulo 4 - O papel da Fiocruz ......................................................................................864.1 - O papel dos Institutos Públicos de Ciência e Tecnologia................................... 864.2 - O Programa Institucional de Desenvolvimento de Medicamentos de Origem Vegetal ........................................................................................................................89
Conclusões.......................................................................................................................98Bibliografia e Fontes..................................................................................................... 101ANEXO 1 – Glossário...................................................................................................106
9
Introdução
O papel das instituições de pesquisa nos sistemas nacionais de inovação é hoje
considerado fundamental para o desenvolvimento tecnológico, colaborando
efetivamente para a revitalização da economia e promovendo a adequação necessária
para uma inserção de países em desenvolvimento de forma mais digna e participativa na
Era do Conhecimento ou do Aprendizado.
Para se definir este papel para a Fiocruz, é necessário, dado a complexidade da questão,
analisar e definir estratégias de Ciência e Tecnologia (C&T) em saúde, entendendo-se a
Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) tecnológico como produtores de informações e
instrumentos capazes de propiciar a superação de demandas sociais, problemas
vivenciados na área da saúde, permitindo gerar novos conhecimentos e intervenções
eficientes, orientando as políticas para o setor.
A demanda de uma política nacional de desenvolvimento tecnológico de
fitomedicamentos se origina nos seguintes fatos:
1-No Brasil e no mundo existem barreiras econômicas no acesso da população ao
medicamento.
2-O Brasil tem quase um terço da flora mundial representada em dez biomas com uma
biodiversidade exuberante.
3- Os fitomedicamentos1 representam claramente uma janela de oportunidade na
indústria de medicamentos hoje estruturada de forma global e representada por
oligopólios surgidos nos países que realizaram sua industrialização ainda no século
dezenove. Esta demanda ainda se apóia na constatação de que é muito difícil chegar-se
à inovação, (o crescimento científico não resulta necessariamente em desenvolvimento
tecnológico) sem que haja uma política que crie e passe a ser resultante de um sistema
nacional de inovação, fruto da vontade política do país.
4-O desenvolvimento realizado a partir da visão moderna dos sistemas nacionais de
inovação, desenvolvimento local e, no caso, a partir de cada bioma, representa uma
grande, senão única alternativa para chegarmos a novos produtos, novas metodologias
realizando em termos globais a vantagem competitiva dos nossos recursos naturais,
promovendo um grande salto tecnológico na produção de medicamentos, quebrando o
1 Fitomedicamentos: medicamentos de origem vegetal. Indica o desenvolvimento tecnológico de fitoterápicos e fitofármacos. Não está alinhado com as classificações oriundas de agências reguladoras.
10
ciclo vicioso de competirmos utilizando os mesmos paradigmas de desenvolvimento
tecnológico de medicamentos elaborados em países cuja biodiversidade não se compara
à brasileira.
A discussão desta política, entretanto, nos obriga a fazer uma revisão de diversos
conceitos teóricos, relacionados aos mais recentes postulados sobre inovação e
desenvolvimento, que fatos asseguram a vantagem competitiva dos fitomedicamentos
uma vez desenvolvidos a partir dos biomas brasileiros, que novos paradigmas estariam
sendo focalizados, que tipo de tecnologias sustentáveis seriam estruturadas a partir
destes paradigmas, de que forma o desenvolvimento local promoveria a inserção social
e a proteção da biodiversidade através da cadeia do desenvolvimento.
Por outro lado, esta revisão também representa a construção de um cenário, dentro do
qual o papel institucional será resgatado e discutido justamente no sentido de atingirmos
o objetivo de propor um programa de desenvolvimento de medicamentos de origem
vegetal, na Fiocruz que:
1- Promova a integração de todo seu potencial institucional específico.
2- Subsidie uma articulação com outras instâncias do governo federal, para a
discussão de um novo modelo de desenvolvimento para o setor de medicamentos de
origem vegetal.
3- Que oriente a gestão deste projeto, tendo em vista a definição do seu novo papel.
4- Que colabore através da disseminação dos novos paradigmas com a criação do
nosso próprio modelo de desenvolvimento, colocando a ciência a serviço da
sociedade.
5- Que garanta através da geração e organização do conhecimento a redução do gap
tecnológico hoje existente neste setor.
11
Metodologia
Para nos aproximarmos dos objetivos, acima alinhavados, serão necessários diversos
passos, apresentados em quatro capítulos:
No primeiro, será realizada uma revisão das bases conceituais e teóricas que propõem
um novo modelo de desenvolvimento tecnológico. Um exemplo histórico da vontade
política do Estado. Os Sistemas Nacionais e os Arranjos e Sistemas Produtivos Locais.
A adequação destes modelos ao desenvolvimento local de fitomedicamentos, a partir
dos biomas nacionais.
No segundo capítulo, serão apresentados alguns aspectos das demandas internacionais
para o desenvolvimento de fitofármacos e fitoterápicos. As oportunidades, as pressões.
Características do quadro atual na Europa, Estados Unidos, as diretrizes da Organização
Mundial da Saúde, a experiência nacional.
No terceiro, completando o cenário aonde será discutido o papel institucional para a
formulação de uma proposta de programa, será apresentado um panorama do
desenvolvimento tecnológico no âmbito da Fiocruz. Encontra-se dividido em seções que
abordam uma breve cronologia desta trajetória e o pioneirismo da experiência de Far-
Manguinhos.
Para reconstituir a trajetória institucional, bem como descrever o panorama atual do
desenvolvimento de medicamentos de origem vegetal na Fiocruz, será necessária uma
breve revisão dos últimos trinta e quatro anos, apoiados no levantamento dos relatórios
anuais da Fundação, teses e documentos que elucidem a inclusão tecnológica e a
inovação, especialmente na área de medicamentos fitoderivados, bem como entrevistas
realizadas com os principais atores-chave envolvidos.
No quarto, será discutido o papel da nossa instituição, a Fundação Oswaldo Cruz,
quando será apresentada uma proposta de um programa institucional de
desenvolvimento tecnológico de medicamentos de origem vegetal, baseado nas
premissas teóricas expostas no primeiro capítulo e considerando todo o cenário aqui
descrito.
12
Na conclusão serão discutidas a importância do respaldo teórico para o estabelecimento
de bases políticas para o programa institucional, bem como as dificuldades do
exercício acadêmico na sua formulação.
A metodologia deste trabalho segue, portanto, as demandas do Mestrado Profissional
em Gestão de Ciência e Tecnologia em Saúde da ENSP, utilizando-se de extensas
referências, da análise de documentos relacionados, bem como de entrevistas semi
estruturadas com atores-chave envolvidos nesta trajetória, respondendo ao desafio de
colaborar com a discussão sobre a inovação na área dos medicamentos de origem
vegetal na Fiocruz.
Capítulo 1 - Inovação, Sistemas Locais e Fitomedicamentos
“Normalmente se vê o problema de como o capitalismo administra as estruturas
existentes, enquanto o relevante é saber como ele as cria e destrói. Enquanto não
reconhecer isso, o pesquisador realizará um trabalho sem sentido...” (Schumpeter,
1985).
1.1 - Inovação e Desenvolvimento
A adequação de conceitos teóricos ao desenvolvimento tecnológico de medicamentos de
origem vegetal impõe um resgate das teorias econômicas que, a partir do início do
século vinte, apontam a inovação como sendo a locomotiva deste processo, para em
seguida, redefinir seus conceitos e propor sistemas que representam uma alternativa
para países que almejem uma inserção mais digna e socialmente produtiva na era do
conhecimento, ou do aprendizado, chamada de globalização.
Após as grandes mudanças ocorridas no final do século dezenove, principalmente nas
comunicações e transportes, as economias assimilaram conceitos, formas de
organização e desenvolvimento pautadas pelas noções de escala e escopo (Chandler,
1999).
É neste período que o enorme investimento para a construção de sistemas tão
complexos promovem a separação definitiva entre proprietários e gerentes. Segundo o
13
autor, seria impossível aos milhares de acionistas gerenciarem sistemas de ferrovias ou
de telégrafos. Estas mudanças propiciaram a expansão das atividades e a criação de
novos mercados, concentrando nas mãos de gerentes as decisões operacionais destes
empreendimentos.
Estas mudanças foram profundas e definitivas, impactando fortemente as economias
ocidentais, que eram essencialmente rurais, agrárias e comerciais, passando a ser
industriais e urbanas. É importante assinalar que em 1870 dois terços da produção
industrial do mundo ocorria em apenas três países: Alemanha, Inglaterra e Estados
Unidos.
Nos três países o principal crescimento econômico ficou relacionado ao setor industrial,
que também passou a ser responsabilizado pela maior fatia do crescimento do Produto
Interno Bruto destes países.
Estas mudanças promoveram uma dinâmica fundamental ou força de mudança nas
economias capitalistas desde o final do século dezenove, permanecendo até hoje no
coração da economia destes países.
Seu poder transformador foi além, passando a atuar também em outros setores,
ultrapassando os limites da indústria manufatureira. Atuou tanto nas áreas de
mineração, como também construiu as primeiras redes nacionais e internacionais de
compra e distribuição no mundo. O resultado é que as fábricas do setor industrial
acabaram se envolvendo nas atividades comerciais bem mais do que o setor serviços se
envolveu com as atividades industriais. Portanto, os novos sistemas de transporte e
comunicação promoveram a regularidade, o volume crescente e maior velocidade do
fluxo de bens e materiais. A produção em massa, utilizando-se das novas tecnologias,
passou definitivamente a ter os menores custos unitários.
Os investidores tiveram então que explorar o potencial tecnológico relacionado com as
economias de escala, criar as redes internacionais de comercialização e distribuição, no
sentido de manter vendas e produção equilibradas. Por fim, um grande investimento foi
realizado na área administrativa. Como resultado deste processo, as indústrias
rapidamente se transformaram em oligopólios, estabelecendo uma nova característica na
competição, que deixou de ter a base no preço, mas que visavam fatias maiores do
14
mercado e do lucro. Sua estratégia passava por melhorar o produto, seus processos de
produção, a compra, a comercialização, as relações de trabalho, a velocidade de
mudança para novos mercados e a velocidade de saída de velhos mercados, ou que já
não apresentavam mais vantagens competitivas. Devido ao fato de existirem poucos
atores em cada segmento da produção industrial da época, suas decisões afetavam
diretamente os ambientes tecnológico, comercial, econômico e político.
É justamente devido a esse contexto, que as situações específicas nas quais as decisões
eram tomadas, fizeram grande diferença de indústria para indústria, de país para país e
de um período para outro. Estas respostas variavam por razões econômicas tais como
disponibilidade de mercados, insumos, capital e trabalho. As indústrias também
variavam, de país para país, por razões culturais. Os sistemas educacionais e jurídicos
afetavam as questões operacionais de curto prazo bem como as decisões estratégicas de
longo prazo, enquanto as diferenças dos sistemas nacionais de educação, influenciavam
diretamente o treinamento e recrutamento de gerentes e trabalhadores enquanto os
sistemas nacionais jurídicos definiam caminhos diferentes para regras básicas do jogo.
O desenvolvimento de novas tecnologias e a abertura de novos mercados resultaram,
portanto, nas economias de escala e escopo, e em custos transacionais reduzidos, que
permitiram aos grandes empreendimentos industriais tomar a forma que tomaram.
A habilidade de se lidar plenamente com a economia de escala foi a dinâmica que
produziu atributos históricos importantes nos empreendimentos de indústrias de
características semelhantes, todas surgidas no final do século dezenove e,
posteriormente em todas as demais que seguiram crescendo de forma muito parecida.
.
Nas primeiras décadas do século vinte surgem as primeiras teorias escritas por
Schumpeter, austríaco familiarizado com a produção industrial, nascido justamente na
penúltima década do século dezenove. É este economista que aos vinte e oito anos
publica A Teoria do Desenvolvimento Econômico, e que, após ter ocupado a cátedra de
economia na Universidade de Graz e ter atuado como Ministro das Finanças da
Alemanha em 1919, migra para os Estados Unidos onde lecionará em Harvard até sua
aposentadoria em 1949. Em Harvard, ele elabora e publica em 1942 seu trabalho mais
conhecido: “Capitalismo, Socialismo e Democracia” considerado, até hoje, a principal
referência do capitalismo moderno e do seu desenvolvimento.
15
Em sua análise do desenvolvimento capitalista moderno, Schumpeter critica o modelo
convencional neoclássico, que já não explicava o dinamismo do capitalismo em sua fase
oligopólica e monopolista, quando as indústrias mais dinâmicas são dominadas por
grandes empresas, difundindo o progresso para as demais. A grande discussão acerca do
paradigma neoclássico é realizada a partir da construção de novos conceitos sobre o
empreendimento. Ele deixou clara a distinção entre invenções e inovação. Os novos
empresários lidavam com a inovação de forma muito mais abrangente, como, por
exemplo, estabelecendo o amplo uso das invenções, estabelecendo novos meios de
produção, novos produtos e formas de organização. O paradigma neoclássico até então
estabelecia o mercado como mecanismo de ajuste entre oferta e demanda, a competição
em preços a partir de tecnologias dadas ou exógenas, o equilíbrio como norma, decisões
hiper-racionais, ausência de incerteza, determinação dos preços pela ação dos
compradores e vendedores.
O economista contesta esta visão, discutindo que uma economia saudável se apóia na
competição proporcionada pelas inovações. O ambiente do desenvolvimento é na
realidade o da ameaça constante que força a disputa pela nova tecnologia, pela nova
fonte de insumos, pelas novas formas de administrar, por novos produtos ou
mercadorias. A concorrência shumpeteriana passou a mover o denominado processo de
destruição criativa, integrando o núcleo da estratégia empresarial, sendo a inovação
considerada a principal arma de competição capitalista.
Apesar dos estudos de Schumpeter, até o final dos anos 60, a separação entre a inovação
e os processos de invenção e difusão era aceita e concebia-se a inovação como um ato,
enquanto o processo inovativo era entendido como um processo linear. A inovação
ocorreria através de estágios sucessivos e independentes de pesquisa básica, pesquisa
aplicada, desenvolvimento, produção, marketing e difusão. A inovação era vista como a
primeira aplicação prática ou venda de uma invenção. A partir de diversas revisões
críticas, a inovação passou a ser vista cada vez mais como sendo um processo interativo,
entre as diversas fases desde a pesquisa básica até a comercialização e difusão. A
mudança de ênfase mais fundamental ocorreu no sentido de se tentar entender o
processo subjacente à produção de uma novidade técnica ou organizacional com valor
econômico.
16
A evolução do conceito de inovação permitiu também uma nova conceituação em
relação à produção do conhecimento que passou a ser classificada em dois modos: o
modo um, o tradicional, representando um complexo de idéias, métodos, valores e
normas, criado para controlar a difusão do modelo newtoniano de ciência para várias
áreas de investigação, como também para assegurar uma prática científica saudável; o
modo dois da produção do conhecimento é realizado no contexto da aplicação e
caracteriza por sua transdisciplinaridade, heterogeneidade e diversidade organizacional,
social accountability2, reflexividade e controle de qualidade que enfatiza a dependência
entre uso e contexto. Resulta de uma expansão paralela de produtores e usuários de
conhecimento na sociedade (Gibbons et al., 1977).
1.2 - O papel do Estado
O chamado paradigma evolucionista apresenta diversas possibilidades para a política
econômica. Esta, por sua vez, exerce a mediação entre a teoria e a realidade, procura
definir as principais instituições envolvidas na ação pública e expõe, em última análise,
o papel do estado nas forças dinâmicas evolucionistas de busca e seleção de inovações
que estão por trás dos processos de desenvolvimento das economias nacionais (Gadelha,
2002).
Atualmente, dois pontos são fartamente abordados nos principais estudos e análises
publicados no mundo: o primeiro descreve o desenvolvimento no âmbito da Nova
Economia ou Regime de Acumulação Dominado pelas Finanças como sendo resultante
da capacidade de gerar e aplicar produtivamente o conhecimento. O segundo aponta
para a eficácia das estratégias regionais e municipais de um desenvolvimento sustentado
na integração de diversos agentes sociais e na circulação ampliada do conhecimento e
da informação (Cassiolato et al., 2000).
Os sistemas nacionais e regionais de inovação passam a ser uma categoria de análise
econômica essencial. A sua importância se deve à necessidade das redes de
relacionamento fundamentais na promoção da inovação, como acontece com o sistema
nacional de educação, com as indústrias, com o papel das instituições científicas, com as
políticas públicas e com as tradições culturais. Exemplos datados de 1841, como a
2 Social accountability: é um dos imperativos do modo dois que a exploração do conhecimento requer a participação na sua geração. Uma produção de conhecimento distribuída socialmente, a participação se torna um fator crucial. (Gibbons et al., 1977).
17
disputa entre Alemanha e Inglaterra, o caso do Japão, da antiga União Soviética e ainda
os contrastes entre do Leste Asiático e América Latina, demonstram claramente esta
afirmação (Freeman, 1995).
O exemplo alemão é muito útil. Em primeiro lugar, na elucidação da importância e
forma com que o Estado elabora políticas nacionais de desenvolvimento, no auge da
revolução industrial, garantindo até hoje um lugar destacado na economia mundial. Em
segundo lugar, pelo fato da indústria química alemã ter tido um papel de destaque no
desenvolvimento da química fina e da indústria farmacêutica apoiada no paradigma da
síntese orgânica. Além disto, foi esta indústria que deu origem ao que hoje é conhecido
como sistemas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), que examinaremos mais
detalhadamente a seguir.
A inovação de produtos e processos realizada por empresas já existia há muito tempo na
Alemanha, porém foi a indústria de corantes em 1870 que promoveu a maior inovação
institucional do período, com a criação de um departamento de pesquisa e
desenvolvimento. Eles acreditaram que poderia ser lucrativo estruturar esta área
profissionalmente para desenvolver novos produtos e processos químicos. Na
Alemanha, a Hoechst, a Bayer e a BASF, levaram adiante esta tradição e hoje mantêm
empregados na pesquisa e desenvolvimento milhares de cientistas e engenheiros
(Freeman, 1995).
O sucesso proveniente desta inovação foi tão impactante, que imediatamente o modelo
foi copiado pela companhia suíça CIBA e, em seguida, por firmas de outros países e de
outras indústrias, como foi o caso das indústrias de eletricidade. Após alguns anos, os
laboratórios de pesquisa e desenvolvimento surgem como parte integrante da maioria
das grandes empresas de qualquer setor.
É evidente que este tipo de inovação depende de uma série de fatores, mas sem o apoio
do Estado, na forma de políticas explícitas elas não ocorrem. Na Alemanha de 1841
surge O Sistema Nacional de Economia Política, que afirmava a proteção das novas
indústrias bem como adotava uma série de providências voltadas para acelerar, tornar
viável, a industrialização e o crescimento econômico. Com a preocupação principal de
não ficar atrás da Inglaterra, o governo alemão antecipa a visão moderna, no que diz
respeito aos investimentos tangíveis e intangíveis, quando reconhece que não existem
18
indústrias que não se relacionem com a Física, Mecânica, Química, Matemática ou a
Arte do Desenho e ainda que no Estado industrializado, a Ciência e as Artes deveriam
se tornar populares. Graças a este direcionamento, o sistema prussiano desenvolveu um
sistema de ensino e aperfeiçoamento técnico considerado um dos melhores do mundo,
que proporcionando a superação da Inglaterra na competição das tecnologias e das
inovações. É desta data que a Alemanha estabeleceu as técnicas superiores e maior
produtividade para sua força de trabalho (Freeman, 1995).
List, então ministro da economia da Alemanha, também atuou na importação de
tecnologias necessárias ao seu projeto, trazendo engenheiros e mecânicos britânicos,
responsáveis pelas inovações, chave na tecnologia de máquinas e ferramentas. Este fato
possibilitou a construção de máquinas de precisão para todas as indústrias alemãs.
List não só alinhavou as diversas características de um sistema nacional de inovação
existentes no centro das discussões contemporâneas da época, como também enfatizou o
papel do estado na coordenação de políticas de longo prazo para a indústria e economia.
As contribuições mais recentes na discussão da inovação e desenvolvimento apontam
para três pontos em comum: não se pode entender e muito menos planejar o
desenvolvimento sem um conhecimento da trama social e política em que se realizam as
atividades econômicas. Em segundo lugar, que o conhecimento é crucial no processo de
desenvolvimento e, por fim, que o Estado tem um papel fundamental na coordenação e
apoio do processo (Cassiolato et al., 2000).
Cada sociedade, portanto, terá que encontrar seu próprio caminho, adequado à sua
realidade, história e cultura e lidando com os desafios provenientes das desigualdades
estruturais internas e internacionais que colocam necessariamente em choque o
dinamismo econômico e a distribuição social dos benefícios do desenvolvimento. Na
Economia do Aprendizado e do Conhecimento, as implicações de uma política
industrial e tecnológica, sua abrangência e amplitude, deve refletir, portanto, os
contextos sociais e políticos que configuram as capacidades inovativas de realidades
diversas.
A ausência do Estado no processo de desenvolvimento deixa livre o caminho para o
capital numa concepção absolutamente liberal o que eleva o risco da privatização da
19
ciência, tendo sérias conseqüências sociais, como acontece, por exemplo, com as
doenças que não dão lucro, atualmente denominadas doenças negligenciadas. A ciência
perde assim sua neutralidade, caso o Estado não amplie e garanta o investimento nas
universidades. Hoje é reconhecida a interdependência dos diversos tipos de capital:
produção, intelectual, natural, e social para alcançar uma “eficiência coletiva”. Os
autores resgatam ainda uma afirmativa do Banco Mundial que relaciona o
desenvolvimento a questões como igualdade, educação, saúde, meio ambiente, cultura e
bem estar social e não apenas ao desempenho econômico.
A grande ponte entre o local e o global é construída a partir de políticas que estabeleçam
estratégias que norteiem as relações entre os contextos micro e macro Esta relação
constitui hoje referências fundamentais para a realização de análises econômicas mais
consistentes, como também aponta o caminho de pensar a globalização como um
processo que integra o desenvolvimento local.
Para se entender a relação entre o ambiente sócio-político-econômico e a inovação, é
necessário definir o capital social: “o tecido sobre o qual a teia da criatividade humana e
capacidade inovativa podem se desenvolver, o conjunto complexo de normas,
comportamentos, valores e conhecimentos tácitos construído histórica e culturalmente
em cada sociedade” (Cassiolato et al., 2000).
No que diz respeito à aprendizagem do conhecimento e informação os autores abraçam
o conceito que a economia do aprendizado é uma economia aonde a habilidade para
aprender é crucial para o sucesso econômico de indivíduos, empresas, regiões e nações.
O Aprendizado se refere à construção de novas competências e o estabelecimento de
novas habilidades e não apenas ter o acesso à informação. Fazem uma distinção
fundamental entre a Economia do Conhecimento e a chamada Nova Economia, esta
última baseada na produção e circulação de informação, mas não do conhecimento,
levantando uma falsa idéia de prosperidade mundial.
Portanto, o papel do Estado volta a ser destacado na coordenação do Sistema Nacional
de Inovação, garantindo a eficácia dos sistemas educacional e de pesquisa, mas,
principalmente se comprometendo na formulação e implementação de políticas de
inovação.
20
No Brasil, a década de oitenta foi marcada pela interrupção do processo de crescimento
da economia brasileira em função da crise da dívida externa e da dificuldade na
obtenção de empréstimos externos. A inflação cresceu a ponto de ter-se que reduzir as
importações para obtenção do superávit da balança comercial para pagar as
amortizações e juros da dívida. A década de noventa é marcada pela abertura comercial,
liberalização dos fluxos de capitais, e programas de privatização buscam a “inserção
competitiva” na economia global. Mas o resultado foi ao contrário do anunciado,
resultando numa difícil posição competitiva contando com juros altos, sobrevalorização
da taxa de câmbio. Os déficits passaram a ser cobertos pela entrada de capitais
estrangeiros. A idéia que os investimentos diretos externos trariam a atualização
tecnológica e que através da construção de novas plantas industriais, ocorreria o
aumento das exportações, também não vingou.
Uma estratégia de transição para um regime macroeconômico benigno, que consiga
combinar taxas de juros baixas com taxas de câmbio relativamente sub apreciadas, com
o objetivo de estimular a produção nacional e as exportações, se torna indispensável.
Com a desvalorização do real em 1999, “abriu-se a possibilidade de transição do regime
macroeconômico em direção a um outro menos maligno” (Cassiolato et al., 2000).
Surgem as condições para uma formulação clara e explícita entre a política
macroeconômica e a construção de uma trajetória sustentada de desenvolvimento. Esta
formulação seria fundamental para reduzir incertezas e induzir expectativas
convergentes e construtivas sobre o futuro da economia. Pela primeira vez em muitos
anos, seria possível articular de forma solidária e mutuamente benéfica as políticas
macroeconômicas e industrial-tecnológica. Isto, segundo os autores asseguraria uma
convivência não vulnerável, não destrutiva com o processo de globalização.
Enfim, no que se refere à política tecnológica, devem ser enfatizados a difusão das
tecnologias de classe mundial, a agregação de valor aos produtos, bem como os
processos locais de aprendizado. Dentre os novos instrumentos, se encontram as
políticas voltadas para o fortalecimento e desenvolvimento dos arranjos e sistemas
produtivos locais, ferramentas imprescindíveis. Para a implementação destas políticas é
levantada a necessidade de uma mudança significativa no âmbito institucional e
21
organizacional do aparelho de Estado brasileiro que possibilite a criação e
operacionalização de novos instrumentos de gestão, fomento e de financiamento.
1.3 - Os Arranjos e Sistemas Produtivos Locais (ASPLs)
Os Arranjos e Sistemas Produtivos Locais (ASPLs) são como uma ferramenta
operacional, oriunda dos Sistemas Nacionais de Inovação e ao mesmo tempo
constituem,-se em unidade de investigação prática para se lidar com a complexidade do
sistema brasileiro. São aglomerações produtivas envolvendo agentes econômicos,
políticos e sociais da mesma área ou região, realizando atividades econômicas
relacionadas, apresentando ou não articulações consistentes, potencial de interação,
cooperação e processo de aprendizado (Lastres, 2003).
Estes arranjos incluem não somente empresas, produtores de bens e serviços,
fornecedores de matérias primas e equipamentos em diferentes formas de representação
e associação, mas também de outras organizações especializadas em educação,
treinamento de recursos humanos, pesquisa e desenvolvimento, engenharia, promoção,
financiamento.
As principais vantagens, além de ter como alvo atividades conectadas entre si, são o
estabelecimento de pontes entre regiões territoriais e atividade econômica, que
ultrapassem as restrições impostas pela visão tradicional da individualidade empresarial
ou municipal. A outra vantagem é a cobertura do espaço principal aonde ocorre o
processo de aprendizado, a capacitação e a inovação. Por fim, porque permite as
empresas contatos e conhecimento para estabelecer financiamentos, definindo
estratégias e políticas que tornem estes processos mais efetivos.
O foco nos ASPLs não deve substituir as políticas voltadas para setores, cadeias
produtivas e regiões, mas sim complementá-las, tendo como argumento principal o
formato que otimiza o desenvolvimento industrial e tecnológico, reunindo os agentes
que interagem para a produção de bens e serviços de acordo com seu ambiente e
especificidades. A promoção dos arranjos locais deve ser implementada, portanto,
refletindo as prioridades nacionais e regionais, mas planejada e estruturada com a
participação dos agentes em ações locais.
22
O planejamento envolvendo os ASPLs deve portanto: caracterizar seus locais, suas
histórias, suas atividades econômicas, produtos e serviços, estrutura de gestão bem
como seu papel e forma de inserção nas economias internacional, nacional e local;
discutir as condições que permitam o aprendizado, a concentração e uso efetivo das
capacidades locais; deve prever ainda, qual será a estrutura do mercado, quais serão os
parâmetros de competição, como se dará a governança e de que forma estes itens
influenciarão o Arranjo; indicar como será sua dinâmica e sustentabilidade competitiva,
em relação aos elementos como qualidade, valor agregado, produtividade entre outros
(Lastres, 2003).
Esta metodologia parece ser o caminho para o desenvolvimento brasileiro, uma vez que
possibilita a compreensão das novas condições de desenvolvimento, livre dos limites
impostos por teorias que não são apropriadas, nem em termos sociais, nem do ponto de
vista das condições políticas e econômicas ou mesmo em termos da fase de acumulação
econômica.
É necessário, portanto, se entender quais são as possibilidades do atual modelo de
acumulação para se delinear novas políticas e diretrizes capazes de orientar o
desenvolvimento nacional, considerando o conhecimento a principal fonte e o
aprendizado o principal processo de desenvolvimento, não podendo estar dissociado do
político e social.
Se de um lado, os anos 90 revelaram para o Brasil uma deterioração das condições
gerais para o estabelecimento de políticas públicas com esta finalidade, por outro, o
conhecimento de diversos contextos, regionais e locais brasileiros, pode ser de grande
contribuição operacional para a formulação de políticas.
Nas últimas décadas, emerge um novo modelo de acumulação e reestruturação
produtiva no mundo tendo como conseqüência uma maior atenção ao potencial de
contribuição dos pequenos negócios para o desenvolvimento econômico e social, bem
como um esforço maior em estimular políticas voltadas para a sua promoção (Lemos et
al., 2003).
As pequenas e médias empresas contribuem de forma significativa para o emprego e
apesar de sua instabilidade, são mais flexíveis quanto à adaptação às novas tecnologias
23
e outras oportunidades que promovam seu crescimento. Existe um paralelo entre novas
formas de inovação, produção e comercialização e os pequenos negócios. O desafio de
realizar o crescimento econômico e lidar com altas taxas de desemprego fez com que se
intensificasse a busca por soluções.
O crescimento das desigualdades sociais entre países e regiões fez com que se mudasse
o foco das políticas, buscando alternativas para as micro e médias empresas,
principalmente aquelas que se dispõem a cooperar entre si, em áreas estratégicas. Esta
tendência dos anos noventa tende a se transformar em ações centrais e permanentes dos
governos dos países, que passam a reestruturar suas agências de desenvolvimento ou
outras estruturas do poder executivo.
Na década de noventa o governo brasileiro enfatizou o direcionamento da
macroeconomia, deixando em segundo plano as políticas de desenvolvimento
tecnológico e industrial dificultando arranjos e a própria sobrevivência das pequenas e
médias empresas e gerando uma série de entraves: falta de convergência entre a micro
e macroeconomia; a inadequação de instrumentos utilizados na promoção, baseados em
requerimentos de empresas de grande porte; a falta de experiência dos agentes em lidar
com empresas pequenas e médias; a falta de articulação e coordenação entre as
iniciativas e o próprio governo favorecendo a pulverização das mesmas.
Entretanto, se nota a tendência à priorização de ações que ultrapassem estas barreiras,
estimulando a formação de redes de empresas, parques tecnológicos, incubadoras,
projetos cooperativos, zonas de exportação regional ou setorial e, finalmente, arranjos e
sistemas produtivos locais.
Existe uma expectativa em relação ao novo governo federal e seu compromisso em lutar
contra as enormes diferenças sociais bem como promover a retomada do crescimento
econômico. No seu Plano Pluri Anual 2004-2007, refletindo a incorporação do conceito
dos ASPLs nas diretivas do Governo, determina que o Ministério do Desenvolvimento
Indústria e Comércio coordene estas ações (Lastres et al., 2003).
1.4 - Desenvolvimento de fitomedicamentos, arranjos por bioma, cooperação e
vantagens.
24
A revisão apresentada até agora neste capítulo aponta de forma sucinta, os principais
conceitos teóricos acerca da inovação, desenvolvimento, conhecimento, sistemas
nacionais e arranjos locais, para que a seguir, sejam descritas as características do
potencial da biodiversidade brasileira numa tentativa de elucidar a total compatibilidade
com os preceitos econômicos, constituindo uma proposta de direcionamento para
elaboração de políticas públicas e institucionais para o desenvolvimento do setor de
medicamentos de origem vegetal.
Até hoje, no Brasil o desenvolvimento de medicamentos é realizado da forma
tradicional. Os oligopólios da indústria investem pesado nos seus laboratórios de
Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), baseados no paradigma da síntese orgânica,
buscando assegurar o desenvolvimento de produtos mais eficazes e estáveis, que
quando patenteados garantam o desempenho econômico destas empresas. É
fundamental assinalar que esta pressão para assegurar o lucro, direciona a pesquisa cada
vez mais para longe da prevenção ou erradicação de uma doença, como veremos no
capítulo dois.
Hoje, além dos fitofármacos, os fitoterápicos voltaram a ser vistos como nicho de
mercado, mantendo, entretanto, o mesmo modelo de desenvolvimento, adequando
apenas normas e regulamentos que assegurem as vantagens competitivas às mesmas
empresas líderes das indústria.
A utilização dos conceitos até aqui apresentados para gerar um novo padrão de
desenvolvimento de medicamentos de origem vegetal, possibilita vislumbrarmos um
novo paradigma para promover esta trajetória inovativa, principalmente quando
observamos a riqueza da nossa biodiversidade, a forma com que ela se distribui
geograficamente, a importância do conhecimento tradicional, a elaboração do
conhecimento tácito, a cultura local, a distribuição social dos benefícios, a proteção dos
ecossistemas remanescentes.
“A proteção do capital natural ganha nova relevância estratégica, não apenas para o
equilíbrio ecológico planetário, mas como matéria-prima para as tecnologias avançadas.
Este é o caso da biodiversidade, a qual apresenta amplo potencial para o Brasil. Ela
pode vir a tornar-se uma vantagem comparativa do país no âmbito da geopolítica
global, considerando sua ampla disponibilidade de recursos biogenéticos, a tradição de
25
sua ciência na área biológica, além do acervo dos conhecimentos tradicionais
acumulados pelas populações locais e pertinentes para o acesso e aplicações, desta
biodiversidade. Mas a importância ecológica e econômica das reservas biogenéticas
existentes no país, só farão da biodiversidade uma questão de fato estratégica para nós,
caso o país capacite-se a tomar a dianteira nesta área, tratando-a não como um ônus,
mas como uma oportunidade. Para isso, o Estado brasileiro tem como desafio tratar de
forma integrada as questões ambientais e científico-tecnológicas, dentro de uma
estratégia mais ampla de desenvolvimento nacional e das diferentes regiões, ricas em
biodiversidade” (Lastres et al., 2001).
A imensa biodiversidade brasileira é uma das maiores fontes mundiais de matéria
prima. para as indústrias farmacêutica e agroquímica. Os extratos brutos ou primários,
são utilizados tradicionalmente com sucesso no tratamento de doenças comuns nas
zonas temperadas e tropicais. Outros são utilizados como repelentes aos insetos ou
outros artrópodes. De alguns destes extratos derivam princípios ativos3 já estudados
cientificamente, porém não processados na fonte, como atividade econômica (Gilbert,
2000).
Os extratos servem ainda como ponto de partida para a obtenção de compostos
sintéticos ou bio-sintéticos. Existem aqueles que exibem uma atividade biológica
maior ou diferente de seus componentes isolados. Estes extratos apresentam uma rica
diversidade de alcalóides, especialmente os grupos derivados do indol e da benzyl iso
quinolina, princípios amargos, especialmente os quassinóides, esteróides hidroxilados e
ou modificados, furanóides e tri terpenóides, quinonas (entre elas antraquinonas e
derivados com estrutura modificada), lignanas. A investigação das macromoléculas,
particularmente das proteínas, glicoproteínas e polissacarídeos de origem vegetal, trarão
novos modelos de moléculas para esta área do desenvolvimento.
A maior biodiversidade do mundo contida num país, representada pela presença de um
número de habitats diferentes, denominados biomas, tem sido consideravelmente
destruída, apesar do valor econômico das suas plantas e microorganismos. O uso
racional destas espécies pode levar à proteção das reservas naturais, garantindo o
trabalho e um aumento de renda superior ao obtido por outras formas de atividade
econômica destrutivas, como é a extração de madeira, a criação de gado, ou outras
3 Ativo ou principioativo: parte ou estrutura química com ação farmacológica
26
formas da agricultura convencional. A produção destas plantas em seu habitat natural
não traz problemas. Ao contrário, algumas vezes se torna fundamental para que haja a
ocorrência de determinado composto. Como no caso da Maytenus ilicifolia e M.
aquifolia, duas espécies da família das Celastraceae, altamente conceituadas para o
tratamento de ulceras gástricas, que têm seus compostos constituídos a partir da
associação de bactérias com a planta (Gilbert, 2000).
A produção industrial local poderá distribuir benefícios maiores que royalties,
estimulando o desenvolvimento da biotecnologia e melhoramento genético, além da
propagação nas regiões onde o impacto da produção industrial no meio ambiente possa
ser direcionada para a proteção e não para a destruição. Estes benefícios também
poderão ser repassados para parceiros locais através de programas federais como o
programa da reforma agrária, que tenham selecionado as cooperativas de manejo
agrícolas comprometidas com a metodologia agroecológica.
O uso de produtos extraídos de plantas com fins medicinais pode ser detectado desde o
começo das civilizações. Até o século dezenove, os produtos naturais eram a fonte
principal de remédios. Desde então sua importância relativa oscilou de acordo com as
estratégias dos grandes grupos farmacêuticos. Atualmente estas estratégias estão
mudando, criando novas oportunidades para os países como Brasil, aonde se encontra
uma grande parte da biodiversidade mundial. Entretanto, existem novas circunstâncias
que devem ser levadas em consideração, como a necessidade de seguir a Convenção da
Diversidade Biológica. O material deve ser coletado por grupos formalmente
autorizados ou por firmas especializadas, que trabalham integradas com produtores de
medicamentos ou cosméticos (Seidl, 2002). Num esforço para diminuir o tempo de
pesquisa, novas tecnologias têm sido introduzidas no processo de inovação de
medicamentos em geral, o que induziu um aumento dos empreendimentos no setor da
biotecnologia. Este fato, ao lado da turbulência que vem ocorrendo com as grandes
companhias farmacêuticas, como veremos no próximo capítulo, abre oportunidades para
a entrada de novos atores na indústria. Países com a biodiversidade como a do Brasil,
tendem a se beneficiar desta situação.
As boas práticas bem como a legislação em discussão, requerem a autorização legal de
grupos que trabalhem respeitando a Convenção da Diversidade Biológica. As atividades
relacionadas a descobertas de novos ativos estão sendo transferidas para pequenas
27
firmas aumentando a interface com as companhias farmacêuticas e aquelas que
trabalham com fitoterápicos, nutrientes e cosméticos. Esta evolução pode apresentar
oportunidades na investigação de novos princípios ativos nos produtos naturais
brasileiros. Os produtos naturais têm sido tradicionalmente uma fonte importante para
medicamentos. Embora a química orgânica através da síntese conseguiu produzir muitas
substâncias bioativas e as técnicas combinatórias expandiram o número de compostos
disponíveis para teste, ainda permanece relativamente alto o número de produtos
naturais e seus derivados entre as drogas mais vendidas no mundo e o interesse por esta
fonte voltou a crescer tendo como expectativa diminuir o custo de P&D, como será
detalhado no capítulo dois.
Os projetos de triagem em escala têm sido questionados devido às incertezas na
obtenção em quantidade do material a ser pesquisado. A variabilidade na composição da
amostra e as dificuldades no estabelecimento de alguma forma de atividade biológica
contida nos extratos, aliadas ao risco do lançamento de novos produtos no mercado
farmacêutico, tornaram a busca de novos ativos, ao longo do tempo, uma prática pouco
atraente.
Apesar destes fatos, os esforços realizados no sentido de diminuir o tempo de pesquisa
e a escolha de novas espécies para ao desenvolvimento exploratório, passaram a
incentivar fortemente os programas de desenvolvimento. Até recentemente, toda a
pesquisa farmacêutica era realizada intramuros. Atualmente, os protocolos incluem
projetos de tecnologia parcialmente realizados extramuros, por empresas de
biotecnologia e grupos acadêmicos. As incertezas relacionadas à coleta diminuem
também quando realizada em parcerias com firmas habilitadas para tal finalidade.
Grandes companhias já fizeram arranjos deste tipo no Brasil (Cavalla, 1998 apud Seidl,
2002).
A introdução de novas entidades químicas, do inglês, new chemical entities (NCEs),
revelam as tendências da industrias farmacêutica. Atualmente um número crescente de
NCEs é obtido por firmas que não fazem parte das grandes companhias. Nos últimos
dois anos, entretanto, as chamadas novas entidades biológicas, do inglês new biological
entities (NBEs), cresceram, estabelecendo uma proporção de um para três em relação às
NCEs. Além disso, o aparecimento de uma nova droga de origem vegetal em 1999,
28
Arglabina, provocou grande impacto na terapia efetiva de tipos de câncer de difícil
intervenção, assinalando a importância de se resgatar a prospecção de moléculas de
origem vegetal (Galactis, 1998; Berna & Gaudilliere, 2000 apud Seidl, 2002).
Apesar do grande mercado para produtos farmacêuticos, nenhuma das grandes
companhias que atuam no Brasil é brasileira. Portanto, até agora a pesquisa de
compostos com atividade biológica é praticamente restrita às instituições acadêmicas,
laboratórios do governo ou às pequenas e médias empresas que lidam com fitoterápicos.
Esta situação poderá estar mudando, uma vez o mercado de fitoterápicos é estimado em
400 milhões /ano e cresce à taxa de 12%(Rios, 2000 appud Seidl, 2002). O
desenvolvimento rápido, bem como um mercado mais sofisticado para
fitomedicamentos e nutrientes (suplementos nutricionais) resultaram numa pressão
crescente para regulação e testes.
Diversos pequenos projetos envolvendo os serviços de grupos acadêmicos começaram a
desenvolver os métodos de controle de qualidade, investigações mais ambiciosas acerca
dos constituintes químicos e compostos ativos. Esta tendência chamou a atenção das
grandes companhias da área de cosméticos, que ao contrário das farmacêuticas, são
firmas nacionais que mantêm fortes laços com os provedores de matérias-primas de
origem vegetal utilizadas em suas formulações. Além disto, estas companhias
demonstraram sua preocupação e compromisso com a conservação dos recursos
naturais e a promoção de práticas de desenvolvimento sustentável.
É importante assinalar o interesse destas companhias em ingressar no setor de saúde
através da compra de firmas tradicionais ou do estabelecimento de franquias (Ottaway,
2201 apud Seidl, 2002).
A Convenção da Diversidade Biologia define estes recursos como sendo patrimônio
nacional, o que garante uma política mais definida do ponto de vista internacional,
existindo no entanto conflitos internos no que diz respeito ao acesso formal. Algumas
instituições internacionais se mobilizaram para estabelecer arranjos no sentido de
prover compensação de médio e longo prazo para os parceiros locais: International
Cooperative Biodiversity Groups (ICBG); National Institute of Health (NIH); National
Science Foundation e US Agency for International Development (USAID) (Wijk, 2000;
Rouhi, 1997, apud Seidl, 2002).
29
Duas das maiores companhias farmacêuticas do mundo demonstraram o interesse em
trabalhar com os produtos naturais brasileiros, estabelecendo arranjos formais e locais,
dando início a investimentos significativos para área. Além disto se pronunciaram sobre
a necessidade da promoção do retorno social, dos direitos de propriedade intelectual que
envolve a questão.
A questão do acesso à biodiversidade no Brasil, de fato representa um potencial tão
importante que fez com que a Glaxo fizesse uma declaração pública de princípios se
referindo à biodiversidade e conservação, enfatizando que reconhece a importância das
questões levantadas na Convenção da Diversidade Biológica, reconhecendo também o
impacto desastroso do extrativismo desordenado em reservas indígenas, para ecologia e
economia nacionais, declarando ser sua política a de colaborar com organizações que
detenham a expertise e autorização para lidar com a obtenção destes materiais.
É justamente neste contexto que o desenvolvimento das plantas medicinais se apresenta
como um nicho forte de mercado, representando para algumas empresas uma
alternativa, enquanto novo paradigma, capaz de mantê-las dentro do mercado global
atual. A produção de novos fármacos de origem vegetal é, portanto, uma demanda da
indústria internacional de medicamentos. Há evidências que a grande indústria
farmacêutica abriu novas oportunidades para a incorporação dos produtos naturais
brasileiros em programas de natureza econômica. Apesar das questões ainda não
resolvidas relacionadas ao acesso, propriedade intelectual e distribuição de benefícios
sociais, aconselham cautela aos investidores.
A Primeira Reunião Técnica organizada pela EMBRAPA e IBAMA em 2002 para o
estabelecimento de estratégias para a conservação e manejo de recursos genéticos de
plantas medicinais e aromáticas, teve entre seus objetivos, a definição de espécies
medicinais e aromáticas prioritárias para a conservação e manejo sustentável nos
diferentes biomas brasileiros e constituir um documento de consulta para a formulação
de políticas públicas voltadas para a conservação e manejo no Brasil (Vieira et al.,
2002).
Foram estabelecidos quatro grupos de informações que correspondem aos principais
biomas nacionais além de um grupo voltado para as ruderais, invasoras e cultivadas.
30
Estas regiões contemplam a Amazônia, Caatinga, Cerrado e Pantanal, Mata Atlântica,
praticamente delineando um primeiro contorno, que pela riqueza de informações,
revelando o potencial específico de cada região, poderá ser utilizado como ponto de
partida para o planejamento de um sistema estruturado a partir de arranjos locais.
É importante o entendimento do potencial de nossa flora, a partir de sua divisão em
biomas, sub-biomas, ecossistemas divididos por corredores, bem como a inter-relação
entre a química, a morfologia e a distribuição geográfica, estabelecendo de numa visão
quimiosistemática, a compreensão dos efeitos provenientes da oxidação na formação de
novas moléculas, a relação do oxigênio e a biodiversidade. É fundamental o
estabelecimento de uma fitoquímica ecogeográfica (Gottlieb et al., 1996).
A integração da biogeografia químico-botânica promove a seleção de um grupo
botânico, circunscrevendo seus subgrupos, caracterizando-os regionalmente por sua
composição química co-relacionando com gradientes biogenéticos. Em paralelo,
constituindo uma segunda opção, a organização se daria através das categorias
micromoleculares e suas variações, suas propriedades e ocorrência em grupos de plantas
ecogeograficamente selecionadas.
A busca racional de princípios bioativos deveria ser potencializada a partir da aplicação
dos conceitos contidos no tripé evolução-sistemática-ecologia micromolecular: “uma
planta não é uma fábrica montada especificamente para uma determinada produção. É
um ser vivo que está sujeito a estresse por fatores ambientais variáveis, como a
fertilidade do solo, umidade, radiação solar, vento, temperatura, biota associada,
poluição atmosférica e do solo. Estes fatores podem influenciar e alterar a composição
química do vegetal que também é determinada pelo ciclo vegetativo da planta na época
da coleta (...) Constitui um paradoxo que em tempos nos quais a química, evolução,
sistemática, ecologia e farmacologia parecem estar fazendo progressos tão amplos, a
informação etnomédica ainda possa ser considerada o fator decisivo na orientação das
atividades de pesquisa” (Gottlieb et al., 1996).
Com a exposição destes fatos, entendemos a propriedade e total compatibilidade da
proposta dos arranjos e sistemas produtivos locais como parâmetro para o
desenvolvimento dos medicamentos de origem vegetal, estabelecendo uma maneira
racional e inteligente de lidar com este potencial de recursos e conhecimento.
31
Considerando sempre a necessidade de implementação de políticas para sua promoção,
dentro de um contexto voltado para o desenvolvimento social e econômico brasileiro,
colaborando efetivamente para desempenho brasileiro no cenário internacional.
Para tanto, é necessário direcionar a reconstrução da estrutura produtiva de forma a
facilitar uma articulação ampla dos interesses e prioridades nacional, regional e local,
no sentido de favorecer as sinergias positivas mobilizando agentes e parceiros, garantir
as condições de sobrevivência, competitividade e inovação para as instituições e
empresas comprometidas com este processo. Além disto, estas políticas devem garantir
a difusão de novas tecnologias, equipamentos, sistemas, logística e formatos
organizacionais, o desenvolvimento de mercado consumidor, contribuindo para a
redução das desigualdades econômicas e sociais, a inclusão social de segmentos
excluídos. Certamente se estruturado nestas bases, o desenvolvimento estará dando sua
contribuição com as formulações de novas políticas científicas e industriais, bem como
dando exemplo da promoção de estruturas voltadas para o desenvolvimento sustentável,
definição de novas estratégias e desafios.
Por fim, é importante frisar que os arranjos e sistemas locais não devem ser
considerados como centro destas políticas, mas sim como parâmetro que pode fortalecer
as próprias iniciativas de desenvolvimento, focando agentes, seu ambiente,
particularidades e necessidades, tendo a coordenação das diversas instâncias
fundamental para o sucesso.
1.5 - Desenvolvimento tecnológico e saúde: criando as condições da
sustentabilidade
O desenvolvimento de medicamentos de origem vegetal, adotando os parâmetros dos
ASPLs, tem, portanto três objetivos estratégicos a serem realizados: desenvolvimento
de fitoterápicos regionais, oriundos de cada bioma a ser trabalhado; estabelecimento de
bases tecnológicas para a prospecção e processamento primário da matéria prima a ser
utilizada no desenvolvimento de novos fármacos; difusão do conhecimento e
capacitação dos atores. Os benefícios advindos de toda elaboração do conhecimento e
das demandas de cada região, através da estruturação do sistema nacional de arranjos
locais produtivos, observará os parâmetros assinalados nas diversas etapas do
desenvolvimento tecnológico. O atual estado da arte, no que diz respeito à metodologia,
32
etapas, desafios e soluções deverá estar exposto em uma plataforma metodológica
(Siani, 2003).
Estes caminhos estão sendo cada vez mais assinalados por cientistas e pesquisadores,
preocupados não somente com a produção acadêmica, mas, sobretudo em como
transformar o próprio conhecimento científico em inovações que assegurem resultados
para a saúde, economia com retorno dos seus benefícios para sociedade, garantindo a
participação social em todos os passos do processo.
É preciso enfatizar que a idéia de se construir as condições para o desenvolvimento de
fitoderivados a partir dos biomas e arranjos locais produtivos poderá se beneficiar uma
vez que os conhecimentos científico e tácito se somam à cultura e ao uso tradicional. O
uso popular e contínuo destas plantas, bem como a constatação científica, contribuem
para evidenciar a efetividade farmacológica em relação aos propósitos descritos. Em
muitos casos, os compostos que contribuem para obter o efeito desejado já foram
identificados. Entretanto, deve ser lembrado que muitas plantas que têm um extrato
biologicamente ativo, perdem esta atividade ao serem fracionados, na busca do
isolamento da molécula ativa. Essas características sugerem a adoção formal da
categoria de fitoterápicos, como medicamentos, que podem e devem ser avaliados em
relação à sua qualidade, efetividade e segurança, mas que podem indiretamente
impulsionar a própria busca de novos fitofármacos.
Além disto, estes fatos sugerem que a atividade da planta está relacionada a uma
sinergia, podendo envolver múltiplos componentes solúveis na água, normalmente
desprezados nos procedimentos tradicionais de isolamento. Como no caso de uma ação
imunoestimulante de compostos com concentrações muito baixas. Esta ação, pode estar
potencializando o efeito final quando administrado em combinação com outros ativos
contidos no extrato integral daquela espécie.
Um exemplo é a Tabebuia sp. (Ipê), que apresenta em sua composição uma
naftoquinona denominada lapachol, que na dosagem de 20mg / kg de peso tem uma
ação anti tumoral relacionada à sua interferência através de um mecanismo de oxi-
redução ou através de seu metabólito beta lapachone, no reparo do DNA e ação direta
na topoisomerase-l. (Gilbert, 2000).
33
Até a identificação dos princípios ativos e posteriormente do uso da síntese em escala
industrial, no final do século dezenove, os produtos naturais representavam o principal
caminho terapêutico. A partir de então, sua participação no mercado farmacêutico caiu
muito, recuperando-se mais recentemente, devido às oscilações das estratégias de
desenvolvimento das grandes empresas da indústria farmacêutica. A oportunidade é
conferida pela integração de novos compostos ou moléculas isoladas dos produtos
naturais ao processo de descoberta. Paradoxalmente, o gargalo se encontra associado ao
risco inerente a este processo. Uma pequena fração dos produtos testados chega à fase
dos testes clínicos e destes, muito poucos chegarão a ser registrados e comercializados.
Esta característica promove um alto grau de incerteza, associada aos custos crescentes,
para atingir a comercialização de um produto (Seidl, 2002).
Tem sido demonstrado recentemente, que a atividade biológica de um produto natural é
diferente do seu paralelo sintético e as evidências apontadas em estatísticas mostram
uma diferença nas suas propriedades estruturais. Como a diferença é muito grande e
também devido ao fato que boa parte da investigação ainda está por ser feita, o
desenvolvimento de ativos a partir da biodiversidade provavelmente continuará a
representar uma alternativa por muito tempo (Zurer, 1999, apud Seidl, 2002).
Devido às diferenças e propriedades entre a droga bruta, seca, em pó, na forma de
tinturas ou extratos secos e os compostos ou moléculas isoladas ou sintetizadas a partir
de modelos vegetais, é importante que sejam reconhecidos dois segmentos de mercado:
um voltado para as substâncias isoladas e outro para a droga vegetal, contendo
compostos de ação sinérgica. Este reconhecimento requer o delineamento do potencial
de cada mercado, assinalando o conhecimento, a ciência e tecnologias próprias de cada
um, assim como uma análise detalhada da demanda social. Além disto, requer ainda
uma observação detalhada das legislações nacional e internacional, realizada através de
organismos brasileiros capazes de lidar ao mesmo tempo com os aspectos regulatórios
nacionais bem como com a garantia da participação das populações locais nos
benefícios provenientes destas transações (Gilbert, 2000).
Há mais de uma década, os extratos padronizados vêm sendo introduzidos no mercado
internacional com grande sucesso e comprovada eficácia terapêutica. Após anos de uso,
agora estão sendo submetidos às instâncias analíticas sofisticadas, como os testes de
biodisponibilidade, para se colocarem em pé de igualdade com outros medicamentos
34
sintéticos, rompendo assim as barreiras internacionais impostas pela regulamentação
que até então favorecia apenas a lógica competitiva dos grandes grupos farmacêuticos
(Bhattaram et al., 2002).
Plantas cujos extratos representam o próprio medicamento e que têm uma distribuição
internacional foram selecionadas para estas pesquisas. São elas: Ginkgo biloba,
Hypericum perforatum, Salix sp., Mentha sp., Pinus sp., Eucaliptus sp., Thymus sp.,
entre outros. Os pesquisadores concluem que o reconhecimento dos benefícios
econômicos e para a saúde de produtos medicinais de origem vegetal têm tido uma
importância crescente e que os estudos realizados estabelecendo as características
farmacocinéticas, a biodisponibilidade, e o uso da modelagem farmacodinâmica podem
contribuir para o uso racional destes medicamentos, que tiveram as suas atividades
atribuídas ligadas à eficácia e à segurança dos produtos finais.
Na discussão da sustentabilidade ou viabilidade desta proposta, é necessário destacar a
importância do governo brasileiro em considerar esta questão como prioritária, criando
mecanismos que garantam seu perfeito funcionamento. É necessário caracterizar de
que forma poderá se dar a relação entre as políticas de desenvolvimento e saúde, até
hoje praticamente dissociadas uma da outra. A compatibilidade entre as necessidades
do sistema de saúde e do sistema de inovação, existente em diversos países
desenvolvidos, ainda não foi distinguida pelo Estado brasileiro, que convive com uma
marcante desarticulação entre os dois sistemas.
O reconhecimento desta desarticulação é o primeiro passo para se pensar nas políticas
públicas voltadas para este setor. A estrutura dinâmica dos mercados de bens e serviços
bem como as questões de saúde pública, relativas aos problemas de acesso, eqüidade e
qualidade dos bens e serviços, e das condições sanitárias gerais do país, definiriam as
especificidades. É papel do Estado atuar na mediação entre a oferta e a demanda de
bens e serviços de saúde, tendo como dilema e desafio a conjugação de questões
referentes à promoção da saúde e ao desenvolvimento industrial e tecnológico na área,
de forma que a lógica econômica da produção privada não se sobreponha às
necessidades sociais (Gadelha et al., 2003).
Nos países desenvolvidos, se observa uma forte política industrial e de inovação,
envolvendo a montagem de uma ampla e complexa infra-estrutura de C&T em saúde,
35
que defende fortemente a regulamentação sobre a propriedade intelectual na
Organização Mundial do Comércio. Esforços de toda natureza são realizados para se
garantir o acesso aos mercados mundiais e para a redução das barreiras tarifárias e não
tarifárias aos produtos farmacêuticos. Além disto, são adotados outros mecanismos,
como subsídios à pesquisa industrial e permissão para realização de fusões de grandes
empresas líderes visando à competitividade internacional.
De um lado, exercendo a regulação sanitária sobre a produção, a atuação do Food and
Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos, apesar da rigidez dos seus parâmetros,
hoje se apressa em delinear normas específicas sobre os medicamentos de origem
vegetal como veremos a seguir no próximo capítulo, compatibilizando desta forma as
atividades de proteção e promoção da saúde com as atividades inovadoras das firmas.
Os autores apontam ainda a interação entre poder público e a estrutura produtiva da
área, no caso do National Institute of Health (NIH), que fornece externalidades
provenientes da infra-estrutura de pesquisa, mediante sua ação indutora, apoiando
pequenas empresas de base tecnológica que estabelecem a ponte entre o universo
acadêmico e o industrial, e uma clara defesa da propriedade industrial das empresas
americanas, como evidenciado pela atual disputa em torno da questão das patentes para
os medicamentos contra a AIDS.
O caminho brasileiro é demonstrado pelas iniciativas promissoras de inovação, através
do desenvolvimento de medicamentos para os programas públicos de saúde, como no
caso dos medicamentos genéricos, das vacinas de última geração, utilizadas nas
políticas de vacinação e dos reagentes produzidos para o controle de sangue no país, que
compartilham uma articulação entre a política de saúde com a política de
desenvolvimento industrial e de inovação, resultando em maior competitividade para os
agentes nacionais, ao mesmo tempo constituindo elementos essenciais da política
nacional de saúde. A importância do Estado na área se caracteriza através da atuação no
setor de compras de bens e serviços, repasses de recursos para a implementação de
políticas estaduais e municipais, e investimentos com base em recursos fiscais e de
outras fontes como é o caso do programa REFORSUS, rede hospitalar, laboratórios de
saúde pública, hemocentros, produtores públicos de medicamentos e de vacinas,
envolvendo ainda a regulação de preços, regulação de serviços prestados para o SUS,
regulação do segmento privado prestador de serviços, regulação da propriedade
36
intelectual em saúde, ações de vigilância em medicamentos, equipamentos e vacinas
(Gadelha, 2003).
O próprio papel da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária deveria ser repensado
visando compatibilizar as políticas de saúde e desenvolvimento, uma vez que suas ações
reguladoras necessariamente, impactam na competitividade empresarial das indústrias
que fazem parte do complexo.
Cabe enfatizar o forte impacto advindo da recente política governamental brasileira de
apoio à produção de medicamentos genéricos, que alterando a estrutura industrial do
setor, foi uma experiência bem-sucedida de articulação da política de saúde com a
política industrial e de desenvolvimento tecnológico. Do ponto de vista da primeira, os
medicamentos genéricos têm sido uma fonte importante para o acesso da população às
drogas necessárias ao tratamento e para a redução dos gastos públicos com a compra
desses produtos, tanto por parte do Governo Federal quanto dos Estados e Municípios.
Do ponto de vista da segunda, o segmento de genéricos está representando uma
possibilidade de revitalização da indústria local, beneficiando um conjunto de empresas
públicas e privadas de menor porte que estão tendo oportunidade de efetuar esforços de
desenvolvimento tecnológico e de articulação com o aparato local de C&T, ao mesmo
tempo em que induzem o aumento da competitividade do setor, exercendo uma pressão
competitiva sobre as empresas líderes no sentido da redução de preços e de margens de
lucro.
Apesar de convivermos ainda com uma grande desarticulação entre o sistema de saúde
e o sistema de inovação, é inegável o avanço do Brasil no contexto dos países
subdesenvolvidos e em desenvolvimento, desde a formulação no próprio texto
constitucional de 1988, bem como no processo de implementação do Sistema Único de
Saúde, colocando o país numa situação mais próxima da universalização do acesso. As
necessidades da política de saúde, ao invés de se tornarem fatores restritivos de uma
política inovadora no âmbito das indústrias da saúde, devem servir como fonte de
competitividade, permitindo a articulação de projetos de P&D com as exigências de
saúde da população.
Em 2001 a Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde, edita através de
sua Gerência Técnica de Assistência Farmacêutica, a Proposta de Política Nacional de
37
Plantas Medicinais e Medicamentos Fitoterápicos (MS, 2001) no sentido de apresentar
o primeiro resultado de um grupo de trabalho, voltado para a elaboração de propostas de
políticas a serem adotadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
São da mesma época as hipóteses que em programas de saúde, a complementaridade
entre o conhecimento tradicional e o científico, no uso de plantas medicinais, constitui
importante mecanismo de promoção da saúde, considerando a necessidade de resgatar o
conhecimento, à luz de um novo paradigma, que elucide a relação com as políticas
públicas, visando estabelecer a sustentabilidade deste desenvolvimento (Udry, 2001).
Concluímos esta seção alertando para a necessidade crítica do governo brasileiro
utilizar, de fato, os conceitos da transversalidade de suas políticas para concentrar
esforços, recursos e, acima de tudo, compreender a metodologia participativa no
estabelecimento do desenvolvimento tecnológico dos medicamentos e fármacos de
origem vegetal, assegurando ainda:
1- A articulação entre o programa nacional de fitoterápicos a ser implementado no
âmbito do SUS, com os programas ambientais referentes aos principais biomas
brasileiros existentes no âmbito do Ministério do Meio Ambiente.
2- A compreensão de que a regulação sanitária funciona como barreira à entrada,
devendo, portanto, estar subordinada a uma política de desenvolvimento tecnológico da
saúde, especificamente das tecnologias embasadas nos recursos naturais (Porter, 1986).
3- O estabelecimento de uma instância interministerial com o objetivo de implementar
do sistema de arranjos locais produtivos, que agregasse além de seus representantes, os
institutos de pesquisa nacionais, a indústria e a sociedade civil organizada.
4- A grande mudança de paradigma que é a utilização racional dos recursos naturais
para obtenção de medicamentos fitoterápicos oriundos da flora brasileira,
regionalizados por bioma e a conseqüente reorientação da prospecção molecular,
visando a obtenção de novos fármacos, através de sistemas de cooperação, assegurando
uma grande vantagem competitiva para o Brasil em relação ao mercado global .
Capítulo 2 - Aspectos do Desenvolvimento de Fitomedicamentos
38
“O espaço econômico e institucional que envolve o setor saúde tem passado por
profundas transformações no Brasil, seguindo, tardiamente, a tendência dos países
desenvolvidos, se bem que em condições históricas e institucionais – e, portanto,
estruturais – bastante específicas. A lógica empresarial capitalista penetra de forma
arrebatadora todos os segmentos produtivos, envolvendo tanto as indústrias que já
operavam tradicionalmente nessas bases – como a farmacêutica e de equipamentos
médicos – quanto segmentos produtivos que possuíam formas de organização em que
era possível verificar a convivência de lógicas empresariais com outras que dela se
afastavam, como a produção de vacinas e outros produtos biológicos, fitoderivados e a
prestação de serviços de saúde...”.
“Com o movimento recente de terceira revolução tecnológica e de globalização,
acompanhado, no nível das relações de poder, pela clara hegemonia do sistema
capitalista no mundo e pela onda de reformas do Estado, que incidiram de forma
marcante no setor saúde, esse processo tornou-se um movimento avassalador em todo o
planeta...” (Gadelha, 2003).
Neste capítulo, serão assinaladas algumas características da trajetória dos países
líderes no mercado internacional e um breve histórico desta evolução no Brasil. Antes,
contudo, apresentaremos uma discussão sobre o espaço que o desenvolvimento de
fitoderivados representa na indústria farmacêutica mundial, buscando sempre construir
o cenário que venha respaldar a opção de desenvolvimento dos medicamentos com
origem vegetal a partir dos biomas brasileiros conforme discutido no primeiro capítulo e
o papel da Fiocruz neste processo.
As plantas e suas preparações são conhecidas e utilizadas desde o início da prática
médica. O tratamento de doenças com plantas medicinais está presente em várias
culturas ao redor do mundo. As mais antigas que se tem notícia, foram achadas em
túmulos pré-históricos datando 60 000 anos atrás. É sabido que 80% da população
mundial consome medicamentos derivados direta ou indiretamente das plantas
medicinais. Do total do mercado, ocupam 25% de todo arsenal farmacêutico do mundo.
Na última década, a química combinatória se tornou a principal fonte de novas
entidades químicas (NCEs) envolvidas com a descoberta de novos fármacos. Entretanto,
apesar da velocidade intensificada da síntese, a mudança dos métodos tradicionais não
resultou num incremento real do número de fármacos ou de modelos atraentes. Os
39
produtos naturais, tradicionalmente têm sido a maior fonte de novos fármacos além do
que, os diversos fármacos que se consagraram medicamentos industrializados, foram
resultantes de sínteses direcionadas para reproduzir a ação das moléculas achadas na
natureza.
Os compostos naturais, além de diversos, são extremamente específicos nas suas
atividades biológicas. Esta característica decorre do fato de que praticamente, todos
eles terem alguma capacidade de se ligar a receptores. As moléculas naturais se diferem
bastante daquelas sintetizadas. Estas diferenças são ainda maiores quando comparadas
com as moléculas criadas através da química combinatória. Estudos comparativos das
distintas propriedades foram realizados comparando coleções de moléculas, analisando
pormenorizadamente suas estruturas apontam para as diferenças, bem como para a
perspectiva de se passar a utilizar coleções de moléculas organizadas a partir dos
modelos naturais (Feher & Schmidt, 2003).
2.1 - A experiência internacional: P&D e Síntese
O início do desenvolvimento de novos medicamentos no modelo atual se deu ainda no
século dezenove, quando, o estado alemão cria seu sistema de inovação, incentivado
por uma forte política nacional. A indústria química é escolhida estrategicamente como
um dos seus carros-chefe realizando uma grande inovação institucional que foi
estabelecer o primeiro sistema de pesquisa e desenvolvimento organizado pela própria
indústria em base regular, sistemática e profissional. Algumas empresas que continuam
líderes até os dias atuais como a Hoescht e Bayer, participaram desde o início da
produção de inovações nos setores de corantes, fertilizantes e farmacêutico,
estabelecendo assim o paradigma da síntese química para obtenção de novos produtos.
A fórmula do sucesso foi quase que imediatamente copiada por outras empresas, como
é o caso de outra líder, a suíça CIBA, até hoje uma das dez maiores do mundo. Isto
significou uma ruptura absoluta com o modo de utilização das plantas medicinais como
medicamentos no mundo.
Quanto à inovação institucional, a organização da pesquisa e desenvolvimento
industrial, foi adotada pela indústria elétrica e migrou para os Estados Unidos
representando para alguns, a maior invenção do século dezenove, que foi o próprio
método de invenção.
40
Já durante a Segunda Guerra Mundial o mundo se curva ao chamado poder da ciência,
representado nos grandes projetos de P & D, envolvendo a engenheiros e cientistas do
Estado, da indústria e do mundo acadêmico, como o projeto Manhattan, que foi
responsável pela destruição quase instantânea de Hiroshima. Até a década de sessenta e
ratificado pela Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos bem como no
Manual Frascatti, o sistema de P & D era visto como a própria fonte de inovações.
Porém, após mais de meio século, a ruptura com o uso medicinal das plantas, bem como
com toda a tecnologia acerca da prospecção de novas moléculas começa a ser
resgatada.
2.1.1 - Pressões e reorganização
O espaço para o desenvolvimento de medicamentos de origem vegetal é retomado
recentemente no cenário mundial a partir da turbulência que a indústria farmacêutica
vem passando nos últimos anos, em parte devido a sua própria natureza, baseada em
tecnologia e de crescimento rápido, e, em parte, devido às diversas pressões que vem
sofrendo:
1) pressões provenientes do controle de custo estatal: o custo dos sistemas de saúde
nos países onde as empresas líderes desta indústria se encontram sediadas, apontam
para o preço dos medicamentos como sendo um dos principais responsáveis pelas altos
números da saúde encontrados na economia destes países, chegando a 14% do Produto
Interno Bruto nos Estados Unidos (Ferreira 1998);
2) pressões provenientes do surgimento de mecanismos públicos e privados que atuam
na redução do preço dos medicamentos. Nos EUA, as organizações de atendimento de
saúde e as organizações de administração de benefícios farmacêuticos são responsáveis
por cerca de 70% do número de prescrições e pelo valor das vendas no varejo. Na Grã-
Bretanha, as empresas fornecedoras de medicamentos ao sistema nacional de saúde
estão sujeitas a uma legislação que limita os lucros sobre vendas totais dos produtos de
marca. Na França, os preços dos medicamentos são acordados entre governo e indústria,
e toda vez que o volume de vendas de determinado medicamento ultrapassa o previsto,
os laboratórios são obrigados a reduzir seu preço. O resultado da ação dessas
41
organizações e das políticas de regulação do setor tem limitado a capacidade de fixação
de preços por parte dos laboratórios (Rêgo, 2000 appud Magalhães, 2003);
3) pressão sobre a lucratividade da indústria em decorrência da queda da produtividade
da inovação tecnológica, associada com o maior tempo de aprovação pelos órgãos
reguladores.O lançamento de drogas inovadoras tem exigido investimentos crescentes.
Além disso, os gastos em P&D dos laboratórios triplicaram nos últimos dez anos.
Executivos da indústria calculam que para um laboratório continuar competitivo deve
investir em P&D, no mínimo, dois bilhões de dólares por ano. Mesmo com o
crescimento do gasto com inovação, foram aprovadas 24 novas entidades moleculares
pelo órgão regulador americano (FDA) em 2001, o menor número em seis anos, com a
previsão de queda do número de drogas inovadoras lançadas até 2007(IBM Business
Consulting Services (2002) In Magalhães, 2003);
4) A pressão tem se acentuado pelo crescimento das vendas dos medicamentos
genéricos em todas as classes terapêuticas e pelo menor tempo de lançamento de
medicamentos seguidores. Esses medicamentos têm estrutura molecular suficientemente
diferente dos inovadores para não infligirem a patente, mas sua ação terapêutica é
semelhante. Um exemplo pode ser dado pelo lançamento do Prozac em 1988, e da
droga seguidora, Zoloft, lançada quatro anos depois. A tendência é o encurtamento do
período de lançamento da droga seguidora no mercado e, conseqüentemente, a redução
do tempo de monopólio da droga inovadora. A lucratividade dos laboratórios
inovadores continuará sendo afetada. É projetada a perda de patentes de 35
medicamentos, entre 2002 e 2007, com vendas mundiais estimadas em 73 bilhões de
dólares anuais (Ferreira, 1998) (Magalhães et al., 2003).
Para fazer face às pressões, a indústria se reorganiza basicamente promovendo fusões
que tem alguns objetivos principais:
1) em primeiro lugar, fusões que visam à apropriação das novas tecnologias de
desenvolvimento, baseadas na biotecnologia e genômica, através da compra das grandes
empresas da área, na tentativa de assegurar o domínio do próximo passo na prospecção
molecular, tirando vantagem da visão de escopo, uma vez que alguns dos principais
grupos farmacêuticos também lideram o mercado no setor de insumos agrícolas e dos
organismos geneticamente modificados. O poder de investimento em P&D se fortalece,
42
aumentando ainda mais a barreira à entrada de novos concorrentes. As novas empresas
de biotecnologia têm sido alvo de operações de fusões e aquisições pelos grandes
laboratórios farmacêuticos globais. Em 1990, a Roche comprou a Genetech. A Ciba-
Geigy, posteriormente fundida com a Sandoz, adquiriu parcela da Chiron em 1995. A
Millennium, empresa de genômica americana, comprou a COR Therapeutics, atraída
pelo potencial de vendas de sua nova droga anticoagulante;
2) em segundo lugar, fusões que visam um lugar no rápido aumento da concentração na
indústria farmacêutica mundial. Os onze maiores laboratórios globais respondiam por
cerca de 36,1% do mercado farmacêutico mundial em 1996, passando para 48,9% em
1999 (Magalhães, 2003).
3) por fim, diminuir a maior pressão competitiva decorrente de fatores tecnológicos. Na
década de 1990, principalmente através das fusões foram criados ou reorganizados os
principais laboratórios da indústria farmacêutica mundial e, conseqüentemente, as
empresas líderes no mercado doméstico.
O laboratório Wyeth-Whitehall está presente em 145 países. É controlado pelo Grupo
American Home Products, que possui fábricas em 27 países e mantém centros de
pesquisa nos Estados Unidos, no Canadá, na Inglaterra e na França, com ramificações
em diversas outras regiões. Esse laboratório norte-americano resultou da fusão das
farmacêuticas Lederle, Syntex, Whitehal e Wyeth.
A Novartis Biociências foi criada a partir da Sandoz e da Ciba-Geigy em 1996,
tornando-se o maior laboratório mundial naquele ano, com participação de 4,4% no
mercado mundial. Sua matriz situa-se em Basiléia, Suíça, de onde controla operações
em 140 países. As atividades dessa empresa concentram-se em produtos farmacêuticos
de marca, genéricos, oftalmológicos e saúde animal. O total de suas vendas no mercado
mundial foi de 19,1 bilhões de dólares, atingindo um resultado líquido de US$ 4,2
bilhões em 2001.
O laboratório Glaxo Smith Kline foi formado pela fusão entre a Glaxo Wellcome, a
Smith Kline Beecham e a Stafford Miller. Em 1999, seu primeiro ano de operação, a
empresa obteve vendas mundiais no valor de 26,3 bilhões de dólares e lucro bruto de
43
7,6 bilhões, tornando-se o primeiro colocado no ranking mundial de empresas
farmacêuticas naquele ano.
O laboratório Astrazeneca resultou da fusão da Astra AB com a Zeneca Group PLC em
1999, com o objetivo de construir um portfolio que abrangesse as áreas terapêuticas de
medicamentos gastrintestinais, de uso hospitalar, oncológicos, cardiovasculares,
respiratórios e para sistema nervoso central, e que ainda possibilitasse a ampliação de
suas bases de pesquisas. No primeiro ano após a fusão, sua participação no mercado
mundial era de 4,8%, tornando-se o quarto maior laboratório global. O lucro
operacional mundial da empresa passou de 3,6 bilhões dólares, em 1999, para 4,1
bilhões, em 2001.
O laboratório Aventis Pharma surgiu da fusão da alemã Hoechst M. Roussel com a
francesa Rhodia Poulenc, em 1999. A nova empresa obteve um faturamento de 4,3
bilhões de dólares após a fusão, o que a colocou como a quinta maior farmacêutica
mundial.O laboratório Pharmacia é resultante da fusão da Pharmacia Upjohn com a
Searle, divisão farmacêutica da Monsanto, em 2000. Era um dos onze maiores
laboratórios mundiais, com faturamento em torno de 10 bilhões de dólares.
A Sanofi Synthelabo surgiu da fusão dos laboratórios Sanofi Winthrop com o
laboratório Synthelabo Espasil, ocorrida em maio de 1999. Ocupa também o 7o lugar no
ranking farmacêutico europeu, e o 2o na França, estando entre os vinte maiores grupos
farmacêuticos do mundo. Além de dispor de uma equipe de 6.200 pesquisadores, de 15
centros de pesquisa básica e de 20 centros de pesquisa clínica no mundo, tem cerca de
48 novas substâncias em desenvolvimento nesses centros atualmente, entre as quais 20
já estão nas fases II e III de estudo.
Uma das aquisições relevantes na indústria farmacêutica mundial foi a compra da Knoll
pela Abbott, concluída em março de 2001. Nessa data, a Knoll possuía a linha de
produção da Basf Pharma e da Basf Generix no Brasil. A Abbott uniu a sua linha de
medicamentos genéricos hospitalares com a linha de genéricos de venda em farmácia da
Basf Generix. O lançamento da linha de medicamentos genéricos foi uma iniciativa da
Knoll, que se tornou a primeira indústria farmacêutica multinacional autorizada a
comercializar medicamentos genéricos no Brasil.
44
Outra importante aquisição internacional foi a compra da Warner pelo laboratório
Pfizer. A aquisição da Warner por U$ 90 bilhões, em 2000, colocou a Pfizer como a
segunda maior fabricante de produtos farmacêuticos do mundo. Posteriormente, a
Pfizer consolidou a posição de maior laboratório mundial com a aquisição da Phamacia
por 60 bilhões de dólares em 2002 (Magalhães et al., 2003).
Em virtude desta turbulência da indústria é que estão sendo rediscutidas as janelas de
oportunidade apresentadas pela situação e justamente a prospecção de novas moléculas
seria um dos caminhos apontados, uma vez que volta a constituir uma demanda da
indústria farmacêutica mundial no sentido de diminuir custos e aumentar a eficácia . A
percepção do método de screening de extratos vegetais como ultrapassado, como se
julgava após a revolução provocada nos sistemas de P&D, baseados na síntese
orgânica, química combinatória, e até mesmo com toda a nova revolução trazida pela
genômica, vem se revelando precipitada e decorre da compreensão de que a
biotecnologia não está em condições de competir com a natureza na formulação de
moléculas com atividade terapêutica
2.2 - Fitoterápicos: três enfoques diversos
“A difusão de um novo paradigma tecno-econômico é um processo de tentativa e erro
que envolve uma grande variedade institucional. Existem as vantagens evolutivas bem
como perigos consideráveis em se acorrentar cedo demais à tecnologia padronizada. A
monocultura tecnológica pode ser mais perigosa do que a monocultura ecológica.
Mesmo quando uma tecnologia amadurece, mostrando reconhecidas vantagens na
economia de escala, é importante se manter um mínimo de flexibilidade para alimentar
fontes de mudanças radicais nas tecnologias e formas de organização” (Freeman,
1995).
2.2.1 - Europa
Na Europa, particularmente nos países de língua germânica, emerge a opção por um
sistema terapêutico paralelo (note-se que não é chamado de alternativo) baseado no
uso tradicional das plantas medicinais e seus extratos. Outras doutrinas terapêuticas que
se utilizam dos fitoderivados, tais como a medicina tradicional chinesa ou mesmo a
45
ayurvédica, emergem nas últimas décadas na Europa, compondo o cenário propício para
o resgate dos fitoterápicos (Bhattaram et al., 2002).
O resgate do uso de plantas medicinais na Era da Globalização, liderado pela Alemanha
podendo-se dizer que difundido por toda a Europa, classifica de fitoterapia como um
sistema racional, baseado em evidências, se diferenciando assim de outras doutrinas,
ainda que reconhecidas pela OMS, não são constituídas nas mesmas bases de evidências
científicas. Faz parte do método alopático de tratamento. Os medicamentos utilizados
se diferenciam consideravelmente a partir das características respaldadas pelas
evidências da qualidade, eficácia e segurança. A estratégia de tratamento derivada
apenas da prática tradicional, fugindo neste caso dos parâmetros desta classificação, só é
aceita em casos extremos.
A maior distinção da fitoterapia racional é, portanto, sua comparação em pé de
igualdade com as terapias que utilizam drogas sintetizadas. Apesar da documentação
da eficácia dos produtos através de investigações farmacológicas apropriadas, existem
ainda inúmeros produtos cuja eficácia ainda não foi testada da mesma forma, sendo seu
uso classificado como fitoterapia tradicional.
A Agência Européia para Licenciamento de Medicamentos (European Medicines
Licensing Agency, EMEA), classificou os medicamentos utilizados na fitoterapia
racional como produtos de plantas medicinais ou herbal medicinal products (HMP)
colocando-os nos procedimentos e especificações de qualidade. Esta agência também
classificou os medicamentos caseiros e outras práticas herbalistas como, por exemplo,
banhos e aromaterapia. A necessidade de respaldar o pioneirismo do resgate dos
fitoterápicos pela indústria alemã fez com que outras categorias consideradas
problemáticas do ponto de vista de registro, tais como os suplementos alimentares ou
nutricionais e os nutracêuticos, fossem classificados também com restrições, sendo
apenas indicados para funções preventivas. Os fitoterápicos, ao contrário, podem ser
utilizados nos processos de cura.
O uso de plantas medicinais é bem mais controlado na maior parte da Europa do que é
nos Estados Unidos. Isto se deve ao fato de que na Europa, as plantas medicinais são
utilizadas desde o inicio dos tempos até hoje, estando intimamente ligadas ao
desenvolvimento de novos medicamentos, pois eram consideradas como tal.
46
Hoje, para manter o status de medicamento, as plantas têm que ser testadas em relação
à sua qualidade, eficácia e segurança, aprovadas pelos organismos reguladores antes de
obterem seus registros. Após o registro fitoterápicos são amplamente prescritos por
médicos atualizados ainda na faculdade de medicina ou em cursos de especialização em
terapias naturais, quando são considerados experts em fitomedicamentos. Na Alemanha,
cerca de cinqüenta por cento dos médicos prescrevem fitoterápicos e são reembolsados
como parte de sua prática de rotina.
O Hypericum se tornou o principal antidepressivo em uso na Alemanha, uma vez que os
estudos científicos sobre a sua atividade farmacológica trouxeram evidências sólidas
conhecidas dos médicos europeus. Outros gêneros seguiram o caminho, apresentando
fundamentos científicos, confirmando seu uso tradicional, tais como o Allium, Gingko
biloba, Valeriana, Ginseng.
A estratégia européia passa por um trabalho em rede, unindo os centros de pesquisa de
diversos países, numa cooperativa científica européia de fitoterapia para o
desenvolvimento de monografias de autorização com fins de registro. Várias já estão em
uso, tendo sido aprovadas pela União Européia. Estas monografias definem o uso das
plantas medicinais nas categorias de suplementos, produtos de venda livre (over the
counter, OTC) ou produtos de prescrição, chamados éticos no Brasil. Hoje na Europa o
pensamento dominante é que existem doenças e situações agudas que ainda não são
tratadas com plantas medicinais. Por outro lado, existem várias outras situações em que
a qualidade de vida pode ser melhorada pelo uso destes produtos naturais. Em muitos
casos os que sofreram com efeitos colaterais provenientes das drogas químicas, os
fitoterápicos passaram a representar uma opção viável (Priority Press, 1997).
47
2.2.2 - Estados Unidos
Os fitoterápicos vão encontrando seu lugar nos principais mercados do mundo. Nos
Estados Unidos existe uma expectativa que o Food and Drug Administration (FDA), sua
agência reguladora, a qualquer momento estabeleça as regras de entrada no mercado dos
produtos naturais, concedendo o status de medicamentos, pois como é sabido, o
mercado americano para as práticas complementares ou alternativas na saúde é
bilionário (WHO, 2002) (DSHEA, 1994).
É válida a reflexão de que enquanto a cultura européia lidava há séculos com o
conhecimento próprio, amplamente reforçado com o das suas colônias, sobre o poder
terapêutico das plantas medicinais, nos EUA, a adoção absoluta do paradigma da síntese
química no desenvolvimento de novos medicamentos colocou à margem a fitoterapia.
Este caminho foi reforçado pela crença da auto-suficiência do P&D na busca de novas
moléculas. De forma que, as bases para este tipo de mercado só vieram a ser
estabelecidas, como resultado de enorme pressão da própria sociedade civil, que os
considerava fundamentais para a saúde, através de um Ato do Congresso americano,
Dietary Supplements Health and Education Act (DSHEA,1994).
Desde 1994, portanto, os fabricantes de produtos naturais, e suplementos nutricionais
foram autorizados a produzir e comercializar livremente. Os produtos fitoterápicos,
nutracêuticos e suplementos contendo vitaminas e minerais se desobrigam dos testes
rigorosos impostos aos fármacos e medicamentos. A indústria de suplementos
nutricionais ou alimentares também faz parte da economia americana, com saldos
positivos na balança comercial. São cerca de 600 produtores, 4000 produtos, com o
faturamento anual de quatro bilhões de dólares (DSHEA, 1994).
A preocupação com a saúde dos seus cidadãos está situada como uma das maiores
prioridades do governo americano, que passou a entender que a prevenção, bem como a
promoção da saúde, são beneficiadas pela nutrição e suplementos nutricionais, ou
alimentares, com respaldo científico. O Congresso concluiu que existe de fato uma
correlação entre o consumo de determinados nutrientes e a prevenção de diversas
doenças crônicas como o câncer, osteoporose, doenças do coração. Estudos clínicos
demonstraram que uma simples dieta com baixo teor de gorduras e com grande
proporção de plantas tem um resultado significativo na prevenção destas doenças.
Melhorar a qualidade da saúde da população possibilita diminuir o custo relacionado a
48
diversos procedimentos médicos como pontes coronarianas ou angioplastia. A adoção
destas práticas, ao lado da educação, promovem um estilo de vida saudável,
possibilitando a redução de despesas com os cuidados médicos de longa duração.
Neste ato, o Congresso declara que a redução do total das despesas com a atenção
médica é fundamental para assegurar o bem estar econômico para o país. Os EUA
gastaram mais de um trilhão de dólares com seu sistema de saúde em 94, representando
cerca de 12 % do seu produto interno bruto.
Ao mesmo tempo, o DSHEA atribuiu poderes aos consumidores para fazerem opções
sobre programas de saúde preventiva baseados em evidências científicas, baseado em
inquéritos nacionais que revelaram que cinqüenta por cento dos 260 milhões dos
americanos consomem regularmente suplementos contendo vitaminas, minerais e
plantas medicinais como meio de melhorar sua nutrição, levando em consideração
ainda outro resultado de pesquisas que associa a adoção de práticas alternativas nos
cuidados com a saúde com a redução de gastos com tratamentos. Foi considerado que
além dos benefícios indicados, estas práticas proporcionam um retorno mais holístico
para as demandas da saúde.
Neste Ato, foram contempladas, excetuando-se o tabaco, produtos destinados a
suplementar as dietas, contendo um ou mais dos ingredientes: vitaminas, minerais,
amino ácidos, plantas, seus metabólitos, constituintes, extratos ou combinação destes
itens. Estabelece ainda, a responsabilidade do governo em tomar providências contra
produtos que não sejam seguros ou que sejam adulterados.
O Ato deixou claro ainda que o governo não tomará nenhuma medida para impor
barreiras normativas sem razão, limitando ou diminuindo o fluxo desta produção, uma
vez que consideram estes produtos com uma grande faixa de segurança para seu
consumo, sendo raros os casos de problemas relacionados.
Desde esta data vem se intensificando a exigência da indústria de medicamentos,
articulada com seus parceiros, em relação ao exercício do papel de autoridade sanitária
do FDA. Esta demanda normativa, mobiliza as instituições de pesquisa e referência
americanas que finalmente passaram a realizar estudos para a determinação da eficácia e
segurança dos fitoterápicos. Entretanto é paradoxal o fato da Echinácea atingir nos
EUA um status de carro chefe de vendas como imunoregulador, na prevenção de
infecções, gripes e resfriados, quando sua ação farmacológica foi avaliada pelo Centro
de Bioquímica da Universidade de Frankfurt aonde foi confirmada sua ação
estimuladora da produção do interferon.
49
A partir desta data o Instituto Nacional de Saúde americano, National Institute of Health
(NIH) autorizou, pela primeira vez, a realização de um grande estudo a ser conduzido
por instituições federais nos EUA. Um protocolo do tipo duplo cego placebo
controlado seria realizado para avaliar o efeito antidepressivo do Hypericum (Priority
Press, 1997).
A reação da indústria americana pode ser identificada no movimento a favor da
regulamentação dos fitoterápicos como qualquer outro medicamento, pelo Food and
Drug Administration. O Conselho Botânico Americano (American Botanical Council,
ABC), publica em 2003 uma discussão sobre três trabalhos apresentados no The New
England Journal of Medicine (NEJM), conceituada publicação médico científica
americana, tendo como tema o uso dos fitoterápicos nos EUA. Os três artigos discutem
o status atual da indústria de fitoterápicos e a necessidade urgente de novas normas
visando à proteção da saúde dos consumidores. As críticas visavam os seguintes
pontos:
1-a popularidade dos fitoterápicos atingida nos anos noventa e o caminho adotado pelos
EUA com as determinações contidas no DSHEA de 1994, que libera a produção sem
conformidades com as boas práticas de produção, até mesmo porque não existiam para
estes fins específicos; 2- comercialização sem aprovação prévia do FDA em relação a
sua segurança e eficácia. Atualmente só são analisados pela agência reguladora em caso
de denúncias ou questionamentos; 3- os produtores, orientados pelo DSHEA não são
informados sobre o que constitui uma evidência suficiente para o consumo humano; 4-
os produtores não podem afirmar que seus produtos previnam ou curem doenças, mas
que apenas têm um efeito sobre determinados processos do metabolismo humano. Isto
constitui uma diferença muito sutil para o entendimento dos consumidores. Além disto
o efeito da propaganda nos pontos de venda podem facilitar a compreensão errônea do
uso; A forte defesa dos desenhos dos estudos envolvidos com os processos de
desenvolvimento de novos medicamentos para avaliar efeitos colaterais ou interações
medicamentosas, levando em consideração o tempo para o aparecimento de efeitos
indesejáveis, ao longo de décadas são reconhecidamente uma barreira à entrada de
novos concorrentes uma vez o custo é alto. Em relação à eficácia poucos são os
produtos testados através das pesquisas clínicas controladas aleatoriamente, justamente
50
por conta do custo e falta de uma exigência legal. A questão da qualidade também se
coloca da mesma forma, até porque ela está diretamente relacionada com a segurança e
eficácia. Um produto de boa qualidade deve estar livre de contaminantes, conter o teor
declarado dos ingredientes, com a rotulagem indicando claramente nomes, quantidades
dos ingredientes ativos, posologia e condições para o armazenamento. A questão da
composição complexa, contendo diversos ativos em potencial, constitui uma
dificuldade na padronização dos extratos até porque, em alguns casos os constituintes
ativos não foram identificados.
Fazendo uma clara apologia ao papel do FDA, publicações de diversas instituições
científicas americanas discutem as possíveis adulterações, a falta de padronização, o
risco da interação medicamentosa e falhas no sistema de notificação de ocorrências,
aonde ninguém é responsabilizado pela notificação de problemas envolvendo a saúde da
população, nem pela investigação das causas. Para estes representantes do interesse
das grandes empresas farmacêuticas, as normas sanitárias americanas são inadequadas,
sendo urgentes e necessárias modificações na legislação, estabelecendo novas
salvaguardas para a proteção da saúde do consumidor, bem como resolver o problema
de financiamento para colocá-las na prática. A estratégia é responsabilizar plenamente
o produtor em relação a qualquer ocorrência futura com seus produtos, obrigando-os a
notificação compulsória ao FDA.
Contudo, o que fica claro é que o uso de fitoterápicos nos Estados Unidos constitui uma
experiência que impacta a saúde pública, que a própria medicina acadêmica se recusou a
perceber até recentemente.
Em 1998, após ter reivindicado a constituição de comitês de expertos para estudar o
assunto na Casa Branca, o Conselho Botânico Americano, adotando a metodologia
alemã, traduziu e publicou nos Estados Unidos The Complete German Commission E
Monographs que é uma coleção das tais monografias de autorização sobre diversas
plantas. O Conselho chama ainda o FDA à responsabilidade para fazer cumprir a
legislação e leis existentes, quando pressiona, criticando a lentidão da agência em
publicar ao menos recomendações sobre as boas práticas de produção para estes
produtos, mesmo que atendendo ao requerimento dos produtores em obter o status de
OTC (over the counter), medicamentos que dispensam a receita médica, que seria uma
de suas atribuições (Blumenthal, 2003).
51
2.2.3 - Organização Mundial da Saúde
A universalização do acesso aos medicamentos não ocorreu no pós-guerra, conforme a
expectativa que surgiu com o crescimento da indústria e a sofisticação dos seus
sistemas de P&D. Nos países mais pobres os serviços de saúde pública mal foram
estruturados, sendo a qualidade do atendimento médico precária. Os Estados se
mostraram incapazes de promover o Bem Estar social e as populações buscaram nas
suas próprias culturas alternativas para cuidar das questões de saúde (Farnsworth et al.,
1989 apud Udry, 2001). A impossibilidade de diversos países de atender às condições
básicas da população em vista da crescente demanda por serviços de saúde constituía
um cenário que certamente pautou as discussões na 31ª Assembléia da Organização
Mundial da Saúde, realizada em Alma Ata, no final da década de setenta, que
recomendou a medicina popular e o uso das plantas medicinais, para atender às
demandas. Os conceitos de exclusão social surgem no mesmo momento para denominar
imensos contingentes humanos que, colocados à margem do processo de globalização,
sem acesso às condições mínimas razoáveis para sua sobrevivência. É também neste
contexto que surgem as doenças negligenciadas, para denominar aquelas doenças que a
lógica de acumulação capitalista não permite investimentos para o desenvolvimento de
medicamentos, uma vez que o poder de compra dos países aonde elas incidem é
reduzido ou inexistente.
Os desdobramentos políticos, técnicos e jurídicos começam a se intensificar e são
registrados em conferencias internacionais, promovidas pela OMS:
Em 1986, as plantas medicinais foram contempladas com sua inserção numa
conferencia internacional sobre normatização e registro de medicamentos.
Em 1989, a OMS publica um documento intitulado Medicina Tradicional e Cuidados
com a Saúde. Na ocasião, a assembléia convocou os estados membros para realizar
uma avaliação dos seus sistemas de medicina tradicional, sistematizar e padronizar
ensaios pré-clínicos e clínicos das suas plantas medicinais, introduzir medidas
reguladoras e de controle dos produtos de origem vegetal. Além disto, foi ressaltada a
necessidade do estabelecimento de sistemas de padrões para viabilizar os sistemas de
52
identificação das plantas e dos fitoterápicos e ainda, após a comprovação de sua
eficácia, a necessidade de inclusão dos novos fitoterápicos nas farmacopéias.
Em junho de 1991, um texto de referência foi preparado para ser discutido, em Ottawa,
definindo os critérios de avaliação da qualidade de segurança e eficácia dos fitoterápicos
para subsidiar as autoridades nacionais, as organizações científicas e as indústrias nos
critérios a serem adotados para plantas medicinais. Uma regra geral em relação a esses
critérios consiste na experiência tradicional do uso de planta medicinal, com descrições
detalhadas na literatura farmacêutica e medicinal ou em documentos que registrem as
suas aplicações. O Programa de Medicina Tradicional da OMS elabora então um
manual técnico denominado Monografias para a seleção de plantas medicinais da OMS,
referência para o atendimento primário à saúde. Este documento contém duas partes: 1)
resumo das características botânicas dos principais princípios químicos e do controle de
qualidade de cada planta; 2) sumário da aplicação clínica, farmacologia, posologia,
possíveis contra-indicações, precauções e reações potencialmente adversas.
Ainda em 1991, a Assembléia Mundial de Saúde estabelece que a OMS colaborará
com os estados membros na revisão das políticas nacionais, legislação e decisões
relativas à natureza e extensão de uso de medicina tradicional nos seus sistemas de
saúde. Os maiores objetivos seriam facilitar a integração entre os sistemas tradicionais
e os sistemas nacionais de saúde, promover o uso racional através do desenvolvimento
técnicas e padrões aceitos internacionalmente.
Em 1994, o escritório regional da OMS, localizado no Oeste do Mediterrâneo, publicou
Linhas gerais para formulação da política nacional de plantas medicinais, levando em
conta a necessidade do reconhecimento da medicina tradicional como parte integrante
dos sistemas de saúde. É relevante assinalar que na ocasião, entre diversas medidas
propostas, foi fortemente recomendada a criação de comitês de especialistas em cada
país participante, capazes de formular, implementar e acompanhar a política nacional
de plantas medicinais. As funções e as atividades desse comitê incluiriam uma lista das
plantas medicinais essenciais, as exigências de registro, as recomendações para um
sistema nacional de licenças, a criação de um método de informação, a comunicação e a
cooperação com o Ministério da Saúde.
53
Os critérios para a seleção dos fitoterápicos essenciais deveriam ser principalmente
segurança, eficácia, necessidade de saúde e disponibilidade para o abastecimento. Com
base na lista de plantas medicinais aprovada em cada país, a política deveria indicar
claramente a forma segura de garantir o fornecimento. Os critérios de abastecimento
devem incluir coleções, cultivos, produção, processamento local, importações e
conservação da flora nacional. Nos sistemas nacionais de qualidade, deveriam ser
incluídos critérios, padrões e regulamentos que assegurassem a qualidade das plantas
medicinais e dos seus produtos disponibilizados no mercado. A maioria dos
fitoterápicos necessita ainda ser estudada cientificamente. Para conduzir o trabalho com
pesquisa na avaliação dos fitoterápicos e seguir os critérios estabelecidos pela norma
91.4 da OMS, deveriam ser consideradas duas abordagens: a dos fitoterápicos
consagrados pelo uso tradicional e fartamente documentados e aqueles que ainda não
foram estudados suficientemente (Udry, 2001).
A OMS em seu planejamento estratégico para os próximos anos assinala que a medicina
tradicional e a complementar ocupam hoje um espaço maior no contexto da atenção à
saúde como também vêm sendo contempladas nas reformas dos sistemas de saúde. Em
sua definição, as plantas medicinais estão basicamente inseridas no âmbito da medicina
tradicional e esta denominação é utilizada para as práticas existentes na África,
América Latina, Sudeste Asiático e Oceania, enquanto em países da Europa, Estados
Unidos e Austrália o termo medicina complementar ou alternativa vem sendo adotado
para identificar as mesmas práticas. Como é o caso da acupuntura (WHO, 2002).
A OMS define três tipos de sistema de saúde relacionando-os com o a adaptação destas
práticas:
1-nos sistemas integrativos, a medicina tradicional ou complementar é totalmente
incorporada ao sistema de saúde, fazendo parte das políticas nacionais de
medicamentos, sendo produtores e produtos registrados, os fitoterápicos se encontram
disponíveis nos hospitais e clínicas e são pagas pelo seguro saúde. Nesta classificação
se incluem os sistemas chineses, coreanos e vietnamitas;
2-o sistema inclusivo é aquele que reconhece a medicina complementar, mas ainda não
a incorporou integralmente, por exemplo, o Reino Unido ou o Canadá, aonde existe a
prática, mas não se tem uma formação universitária voltada para estas práticas;
54
3-por fim, o sistema tolerante, que é absolutamente baseado na medicina alopática,
sendo algumas práticas alternativas toleradas por lei.
Outros dados são trazidos pela Organização Mundial da Saúde, sendo importante
ressaltar algumas estatísticas:
1-o uso da medicina tradicional em países em desenvolvimento como Uganda,
Tanzânia, Ruanda, Índia e Etiópia representa 60 a 90% dos cuidados primários à saúde;
2- nos países desenvolvidos 42% da população (EUA) ou 70% (Canadá) já se trataram
alguma vez com as chamadas Medicina Alternativa ou Complementar, Complementary
or Alternative Medicine (CAM);
3-No período de 1997 a 1998 houve um aumento de 101% nas vendas de fitoterápicos
nos EUA;
4-O papel dos fitoterápicos na redução dos custos da saúde e o acesso das populações
ao tratamento, é enfatizado tomando, por exemplo, o tratamento da malária em Gana
com medicamentos a US$ 1,60 contra US$ 0,10 quando é realizado com plantas
medicinais.
Os desafios segundo a OMS se encontram relacionados com a necessidade de se
aumentar a pesquisa, melhorar suas metodologias, se estabelecer políticas públicas que
deveriam promover a normatização como também a educação e capacitação. O foco
deve estar voltado para as questões de segurança, eficácia e qualidade (WHO, 2002).
2.3 - A experiência nacional
No Brasil a implantação das indústrias multinacionais com a conseqüente
desestruturação das empresas nacionais estabeleceu um perfil do setor dependente de
matéria-prima e tecnologia. Abandonamos séculos de conhecimento até voltar a
considerar a importância dos fitoterápicos.
55
A história dos medicamentos no Brasil se confunde com a dos fitoterápicos uma vez
que ambas começaram a se organizar através das primeiras boticas que foram
instaladas pelos jesuítas em Salvador, Olinda, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e São
Luis. Somente em 1640 foram autorizadas como estabelecimento comercial. Já no
século 18 ocorreram as primeiras tentativas de ordenação e fiscalização do comércio de
drogas e a prática dos boticários, tentando coibir o comércio ilegal que ocorria nos
armazéns.
As formulações medicamentosas eram produzidas as partir das informações dos
compêndios e farmacopéias europeus. As farmacopéias publicadas em Portugal no
século 18 já traziam formulações utilizando plantas brasileiras. Introduziam inovações
terapêuticas e representavam uma importante fonte de consulta para médicos cirurgiões.
No início do século 19 o ensino da botânica com o posterior surgimento dos primeiros
cursos de farmácia, marcaram o início da farmácia científica no Brasil. Expedições são
programadas pelo Museu Nacional. No século vinte, em 1920 o ensino da
farmacognosia passa ser obrigatório nos cursos de farmácia.
O processo de desenvolvimento da indústria farmacêutica a partir de produtos naturais
ocorreu em todo o mundo. No Brasil, iniciou-se em meados do século 19, tendo sido
apontado no primeiro recenseamento da indústria farmacêutica a existência de 35
empresas industriais farmacêuticas em sua maioria localizada no Rio de Janeiro e em
São Paulo.
Até a década de 40, o país acompanhou o crescimento internacional da indústria
farmacêutica com laboratórios nacionais desenvolvendo e produzindo uma linha própria
de produtos, com qualidade similar à dos demais países, centrando a maioria da
produção de medicamentos nos remédios populares derivados do reino vegetal
(Lucchesi, 1991 apud Fernandes, 2001).
O governo brasileiro no início do século 20 privilegia o controle das doenças
transmissíveis através da criação e implementação de institutos de pesquisa e produção
de imunoterápicos, se afastando do desenvolvimento e da produção industrial de
medicamentos, que deixaram de fazer parte das políticas de saúde governamentais
(Bermudez, 1995 apud Fernandes, 2001). Apesar deste fato, até a década de 30 o setor
industrial brasileiro apresentou crescimento. Nas décadas seguintes, pela falta de
56
incentivo do governo, pela falta de pesquisa e inovação, passamos à total dependência
em relação aos países de industrialização mais avançada. Passamos a reproduzir
fórmulas medicamentosas já conhecidas com matéria- prima importada.
Mudanças na indústria farmacêutica mundial, permitiram a consolidação do processo
monopolista, como vimos, promovendo rapidamente um distanciamento entre países
industrializados e aqueles com baixa capacidade industrial. O aprimoramento das
técnicas de produção sintética de substâncias empregadas nas formulações
farmacêuticas e de purificação de produtos de uso medicamentoso, substituíram os
produtos naturais, pois conseguiam ser mais puras e estáveis, garantindo a escala, ao
contrário das plantas que necessitavam grandes áreas para o plantio com o rendimento
muitas vezes baixo na obtenção de ativos ou novos fármacos.
A análise do processo de constituição da comunidade científica que desenvolve
pesquisas com plantas medicinais no Brasil, considera que as práticas científicas
constituem um complexo que incorpora várias etapas da geração do conhecimento,
desde a coleta, a identificação, o reconhecimento, isolamento e identificação de
substâncias ativas até a transformação em produtos úteis para a saúde, envolvendo
também as atividades de ensino, coordenação de equipe, gestão institucional e
negociação política (Fernandes, 2001).
Como estratégia para sua consolidação enquanto área do conhecimento científico no
Brasil, este conjunto de práticas demandou a organização de uma comunidade composta
por vários profissionais cientistas e professores com formação diferenciada. Estes
profissionais, em geral, identificam seu objeto de pesquisa como pertencente a esta área
maior, dos produtos naturais-plantas medicinais. A cada uma das fases necessárias para
transformar a planta em produto correspondem especialidades profissionais
diferenciadas.
A organização dos grupos de pesquisa de produtos naturais no Brasil, começou a tomar
uma forma mais definida a partir do final da década de sessenta, com a realização do
1º. Simpósio de Plantas Medicinais do Brasil, realizado em 1967 e organizado por um
grupo paulista tendo como perspectivas traçar um panorama das pesquisas na área e
buscar formas de racionalizar a criação e o crescimento de novos grupos, orientando a
distribuição de recursos provenientes das fontes de fomento. Este movimento
57
incorporava-se às articulações institucionais vislumbradas pelo CNPq, elegendo centros
de excelência que pudessem garantir através da destinação de recursos específicos, a
implantação de cursos de pós-graduação, com o desenvolvimento de pesquisas eleitas
setorialmente. Ao longo do tempo estes simpósios tornaram-se rotinas acadêmicas
legitimando-se como espaço de divulgação, de trocas e de negociações científicas.
Este movimento surge paradoxalmente como reflexo da trajetória encabeçada pela
Alemanha e Inglaterra, como visto anteriormente, se anunciando no Brasil apenas a
partir da Segunda Guerra Mundial. Até então resistia um sistema de produção de
medicamentos totalmente baseado nas farmácias, que por sua vez, tiveram sua origem
nas missões dos jesuítas no Brasil, com a organização das primeiras boticas. Estas
foram fundamentais e tiveram seu apogeu no início do século vinte, iniciando seu
declínio com a internacionalização da indústria baseada em P&D ancorado no
paradigma da síntese orgânica na fabricação de produtos farmacêuticos, a partir da
década de quarenta.
A pesquisa científica financiada e coordenada pelo estado apresentou aumento
significativo nos últimos quarenta anos. As agências de fomento criadas a partir da
década de 50 foram fundamentais para o incremento desta área de investigação,
ampliando a pós-graduação e centros de pesquisa. Apesar da estrutura de pesquisa
brasileira nesta área contar com 148 centros, o panorama aponta para a dificuldade de
manutenção de linhas de pesquisa fortemente concentrada nas universidades, sendo
intimamente ligadas com a formação de recursos humanos nos cursos de pós-graduação.
A inexistência de um programa nacional que vincule a pesquisa à produção de
medicamentos, após a extinção da CEME, como veremos adiante e também de uma
política governamental direcionada ao nosso desenvolvimento industrial, influenciaram
decisivamente na dinâmica do setor. O perfil consolidado de desenvolvimento científico
reconhecido internacionalmente, não foi acompanhado pela indústria farmacêutica
nacional, que ao invés de absorver todo esse conhecimento, foi desestruturada nas
últimas décadas dando lugar à produção de origem sintética das principais empresas
multinacionais. Construiu-se portanto, uma área de pesquisa distante de uma
aplicabilidade tecnológica, tendo sido influenciada por interesses pactuados nacional e
internacionalmente. A trajetória da indústria farmacêutica do país e a dependência em
relação às empresas multinacionais constituem o centro deste pacto, o que ficou
evidenciado claramente nas discussões sobre patentes(Fernandes, 2001).
58
2.3.1 - CEME
Na década de 70, a orientação nacionalista dos governos militares propiciou a criação
da Central de Medicamentos que a partir de 76 constitui-se no mais importante
incentivo à pesquisa cientifica na área, consubstanciando em forma de programa
nacional, sua diferenciação das outras fontes de fomento.
O Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais (PPPM) foi iniciado em 1983,
objetivando reverter o desconhecimento científico das plantas medicinais, por meio da
avaliação sistemática e da análise científica do arsenal fitoterápico brasileiro. Definiu
como objetivo desenvolver terapêutica alternativa e complementar, com embasamento
científico, por meio do estabelecimento de medicamentos originados a partir de
determinação do real valor farmacológico de preparações de uso popular à base de
plantas medicinais. Sua estratégia de ação consistiu em submeter os fitoterápicos
oriundos do conhecimento popular a uma série de testes farmacológicos, toxicológicos,
pré-clínicos, para confirmar, ou não, as propriedades terapêuticas a eles atribuída. As
preparações que recebessem a confirmação da ação medicamentosa, de eficiência
terapêutica e de ausência de efeitos prejudiciais estariam aptas a se integrarem à
Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).
Das 74 espécies selecionadas, 28 têm estudos concluídos, incluindo as que não
confirmaram ação terapêutica atribuída em testes pré-clínicos e clínicos, as que
apresentaram indícios de ação tóxica e as que confirmaram ação terapêutica. Entretanto,
o resgate histórico dos projetos apoiados pelo governo, durante os 20 anos de fomento à
pesquisa e ao desenvolvimento da fitoterapia no país, ainda está por acontecer. Foram
validadas, cientificamente, as qualidades terapêuticas de diversas espécies vegetais
brasileiras. A CEME foi extinta em 1997, na mesma data em que se realizava o I
Seminário Nordestino de Plantas Medicinais, em Recife. Ela coordenou, durante 20
anos, as pesquisas com plantas medicinais e conseguiu, ao longo deste período, criar
capacitação e organizar a infra-estrutura científica e tecnológica para o desenvolvimento
da pesquisa de produtos fitoterápicos. A experiência do programa da CEME foi tímida,
transitória e com poucos recursos (Martins, 1993 apud Fernandes, 2001).
59
2.3.2 - Propriedade intelectual e industrial
Atualmente algumas questões políticas são levantas no sentido de acompanhar a
evolução rápida dos conceitos e utilização dos fitoterápicos no mundo. Uma delas é a
questão da propriedade industrial e intelectual. No Brasil as patentes passam a ser
consideradas a partir de 1996, constituindo ainda uma questão obscura para a maioria
dos cientistas devido o reconhecido afastamento da universidade em relação à indústria.
A Lei 9279/96 passou a regular os direitos e obrigações relativos à propriedade
industrial, tornando a patente uma necessidade para os produtos e processos
farmacêuticos, incluindo até microrganismos geneticamente modificados. O processo
de regulamentação das patentes na área químico-farmacêutica, iniciou-se em 1988 a
pedido da indústria farmacêutica americana, que exigia a aprovação da lei sob a ameaça
de imposição de sanções comerciais aos produtos de exportação do Brasil para os EUA.
Um projeto industrial brasileiro que estabelecesse novas bases para o desenvolvimento,
que considerasse desde a pesquisa até a distribuição e que fosse baseado na grande
variedade de espécies vegetais, foi apontado na década de oitenta pela Sociedade
Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental, como uma demanda
fundamental para buscar alternativas ao impacto produzido pela legislação patentária
prestes a ser implementada no Brasil (Cordeiro, 1990 apud Fernandes, 2001). Uma
análise detalhada do sistema internacional de patentes estabelecido em 1983, mostra
claramente as vantagens obtidas pelos países que como a Alemanha, Suíça, Reino
Unido, Itália, Espanha, Japão, França e Canadá desenvolveram e internacionalizaram
suas indústrias farmacêuticas sem patentes ou com sistemas de patentes mais flexíveis.
A necessidade de investimento na indústria farmacêutica nacional seria , portanto, o
caminho, devendo ser provido pelo governo, como programa de incentivo, da mesma
forma que aconteceu nestes países (Bermudez, 1992).
2.3.3 - Vigilância Sanitária
A vigilância sanitária, bem como o controle de qualidade dos produtos comercializados,
passaram a ser considerados fundamentais para a produção de fitoterápicos e são
considerados pelos cientistas como problemas diretamente ligados ao trabalho
científico.
60
Os medicamentos de origem vegetal tiveram no Brasil trajetória diversa da indústria
farmacêutica e da prática médica européia. O cenário dos anos noventa propiciou a
ampliação da área de pesquisas, na produção e comercialização, além do crescimento
do comércio mundial dos fitoderivados. A participação da comunidade científica nas
instâncias governamentais completou o quadro que passou a demandar, ainda que de
forma incipiente, o estabelecimento da legislação específica para o controle de
qualidade e registro de novos produtos. O resultado é que a estrutura sanitária existente
apontava para o registro e controle de produtos baseados em critérios referenciados em
modelos internacionais, que terminaram por introduzir o controle analítico realizado
com amostras representativas, para em seguida exigir o controle em cada etapa do
processo produtivo, abrangendo até instalações, documentação, procedimentos,
formação e treinamento de recursos humanos.
Em agosto de 1992, o Ministério da Saúde cria o Programa Nacional de Plantas
Medicinais com o objetivo de normatizar e implementar, no sistema de prestação de
serviço de saúde, a produção, o uso e a comercialização de medicamentos a partir de
plantas. A definição de prioridades se daria a partir dos seguintes pontos: necessidade
de medicamentos para execução de programas do sistema público de prestação de
serviços de saúde; conhecimento acumulado pela população, que permite, em tempo
relativamente curto, realizar teste de eficiência, eficácia e toxicidade pelos institutos de
pesquisa; plantas já estudadas parcialmente pelo segmento de pesquisa e que se
mostraram promissoras como medicamentos; regionalização de pesquisa e produção de
insumos, tendo em vista as vocações regionais; articulação com a Secretaria Nacional
de Vigilância Sanitária (SNVS) para o estabelecimento de métodos de controle de
qualidade e registro dos medicamentos; articulação com instituições que realizam
programas congêneres nos âmbitos regional, nacional e internacional.
Em 1994 ocorreu a constituição do Grupo de Estudos de Produtos Fitoterápicos
(Gepfito), proposto pela vigilância sanitária. O primeiro resultado dos trabalhos do
Gepfito foi a elaboração de normas para registro de produtos fitoterápicos, elaboradas a
partir de consulta pública, possibilitando o questionamento e participação de todos os
setores da sociedade, publicadas na Portaria SNVS no 123, de 19/10/1994.
Em 1995 deu-se a última forma da regulamentação que foi publicada como Portaria no.
6. As indústrias nacionais não tinham estrutura técnica instalada para realizar os testes
61
farmacológicos, principalmente os ensaios pré-clínicos exigidos. Ficou claro, desde
então, que a Portaria no 6/95 acarretaria problemas para empresas ou mesmo para o setor
público não dotados de infra-estrutura adequada.
Em novembro de 1995 foi publicada a Portaria no 116 que relacionava novas
farmacopéias consideradas de bom padrão. Em dezembro deste mesmo ano é publicada
a Portaria no. 125 que, à luz da experiência alemã, estabelece o formulário Nacional de
Fitoterápicos, contendo a monografia dos produtos que estariam isentos de registro. É
digno de nota que a proposta de colecionar as monografias oficiais já constava da
segunda edição da farmacopéia brasileira.
Em 1998 é formulada a Portaria no 178 que define os produtos que podem sofrer
isenção, destacando-se os medicamentos cujas fórmulas constem da Farmacopéia
Brasileira em vigor.
Em 1998, é estabelecida a Política Nacional de Medicamentos, como parte essencial da
Política Nacional de Saúde, determinando a formulação de fitoterápicos para o SUS.
Ainda em 1998, a Portaria no 665, cria a Subcomissão Nacional de Assessoramento em
Fitoterápicos, tendo como atribuição principal assessorar a Secretaria de Vigilância
Sanitária.
Em 2000, é editada a Resolução/RDC no 17 da recém criada Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA), substituindo a Portaria no 6, quando são redefinidas as
condições fundamentais para o registro de fitoterápicos. A opção de registro de
fitoterápico tradicional abre novas perspectivas e discussões, principalmente sobre o
sistema de pontuação para obtenção de registro valorizando a literatura internacional,
enquanto os medicamentos tradicionais brasileiros foram minimamente contemplados.
Pelos critérios estabelecidos, a maioria das plantas aceita como tradicionais, está
constituída de plantas estrangeiras, exóticas ou ruderais, trazidas pelos colonizadores
europeus, quando tradicionais deveriam ser todas as plantas apresentadas pela cultura
popular brasileira que tenham mantido, ao longo do tempo, indicações terapêuticas
análogas às iniciais, “como ocorre com vários tipos de hortelãs, malvarisco e coiramas,
entre as exóticas, e aroeiras-do-sertão e da-praia, ervas-cidreiras, pariparoba e pau-
d’arco, entre as silvestres selecionadas” (Mattos, apud Udry, 2001).
62
O governo entende que a reforma administrativa na área de vigilância sanitária através
da criação de uma agência agilizaria sua atuação na inspeção das indústrias, na
formação de recursos humanos, principalmente por dispor de mais flexibilidade
administrativa e financeira. Desde aquele momento, até os dias atuais, a normatização
das atividades e produtos deste setor permanece em discussão na sociedade brasileira. É
válido deduzir que a discussão apresentada nos depoimentos dos cientistas envolvidos
com a questão da vigilância reflete apenas pontos de vista pessoais baseados numa
literatura que ainda estava se consolidando no mundo, tornando o assunto ainda mais
polêmico, uma vez que a discussão deveria estar inserida no âmbito das políticas
públicas voltadas para o desenvolvimento tecnológico e assistência farmacêutica
(Fernandes, 2001).
A pretensão da substituição destas políticas por uma normatização dos aspectos de
registro e qualidade, responsabilizou na prática a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária a resolver assuntos que extrapolam suas atribuições, tornando a discussão sem
fim.
2.3.4- Fitoterápicos como parte da política de saúde
A partir da década de 1980, o Ministério da Saúde aprovou diversas resoluções,
portarias e relatórios com ênfase na questão das plantas medicinais, entre os quais a
Portaria no 212, de 11 de setembro de 1981, que define o estudo das plantas medicinais
como uma das prioridades de investigação clínica.
Em 1985, o relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília, fez
uma referência à introdução de práticas alternativas de assistência à saúde no âmbito
dos serviços de saúde, possibilitando ao usuário escolher a terapêutica preferida.
Em 1988, conforme princípios e diretrizes da Constituição, o SUS estabeleceu-se
doutrinariamente considerando a saúde um direito universal e dever do Estado.
Caracterizado pela descentralização política, transferência de poder aos municípios e
inclusão de instrumentos de controle pela sociedade, por meio dos conselhos municipais
de saúde, o SUS foi concebido como sistema unificado, regionalizado, com atribuições
definidas por esfera de governo, financiamento compartilhado e áreas de competências e
abrangência firmadas.
63
Em 1988, a Comissão Interministerial de Planejamento (Ciplan) resolveu implantar a
fitoterapia nos serviços de saúde como prática oficial da medicina, em caráter
complementar.
Em 1991, o Parecer no 06/91 do Conselho Federal de Medicina reconhece que a
atividade de fitoterapia desenvolvida sob a supervisão de profissional médico era prática
reconhecida pelo Ministério da Saúde.
Em 1992, o Conselho Federal de Medicina reconhece a fitoterapia como método
terapêutico, por isso deveria ter a rigorosa supervisão do Estado, por meio da Divisão de
Vigilância Sanitária.
O relatório final da 10a Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1998, determina
que os gestores do SUS devem estimular e ampliar pesquisas realizadas em parceria
com universidades públicas, analisando a efetividade das práticas populares alternativas
em saúde, com o apoio das agências oficiais de fomento à pesquisa. Determina, ainda, a
incorporação ao SUS, em todo o país, das práticas de saúde como a fitoterapia, a
acupuntura e a homeopatia, contemplando as terapias alternativas e práticas populares.
E ainda, que o Ministério da Saúde deve incentivar a fitoterapia na assistência
farmacêutica pública e elaborar normas para sua utilização, amplamente discutidas com
os trabalhadores em saúde e especialistas, nas cidades onde existir maior participação
popular, com gestores mais empenhados com a questão da cidadania e dos movimentos
populares.
A proposta de política pública de fitoterápicos foi precedida pela organização dos
profissionais em saúde pública que estavam atuando em fitoterapia, em torno da
Coordenação Nacional de Plantas Medicinais no Serviço Público em 1988. Em
setembro de 2000, esta associação realizou, em Vitória (ES), a 1a Jornada Brasileira de
Fitoterapia na Saúde em Serviços Públicos quando foi elaborada a Carta de Vitória,
documento que foi entregue ao Secretário de Políticas de Saúde, com a assinatura de
6.000 pessoas, solicitando a implantação de políticas públicas de plantas medicinais.
Esta solicitação foi bem aceita pela Gerência de Assistência Farmacêutica do MS, que,
em dezembro de 2000, deu início ao processo de estudo para a elaboração de proposta
64
para política de fitoterápicos no SUS. Foi criado o Grupo de Fitoterápicos e a presidente
da Associação Nacional de Fitoterapia no Serviço Público (novo nome para a entidade)
foi convidada a dele fazer parte, legitimando a participação de profissionais de saúde do
SUS no estabelecimento de políticas para fitoterápicos. A Secretaria de Políticas em
Saúde, do Ministério da Saúde, criou uma comissão interinstitucional para discutir a
política nacional de fitoterápicos com a participação importante de representantes de
experiências bem-sucedidas de programas municipais estaduais e federais de fitoterapia.
Em 2001 o Ministério edita a Proposta de Política Nacional de Plantas Medicinais e
Medicamentos Fitoterápicos (Soler, 2001) registrando em suas diretrizes: 1- estabelecer
a Relação Nacional de Medicamentos Fitoterápicos para a atenção básica; 2- estimular
a produção nacional de medicamentos fitoterápicos conforme critérios técnico-
científicos; 3- estabelecer uma política de formação, capacitação e qualificação de
recursos humanos para o uso racional de medicamentos fitoterápicos; 4- incentivar a
pesquisa e desenvolvimento de medicamentos fitoterápicos, priorizando a
biodiversidade do país; 5- resgatar, valorizar, embasar cientificamente e validar o
conhecimento, a produção e o uso popular de plantas medicinais e organizar banco de
dados contendo informações sobre projetos realizados na área no país; 6- intensificar a
aplicação da regulamentação sanitária dos medicamentos fitoterápicos.
Alguns aspectos são altamente relevantes e inéditos nesta proposta: primeiro, a
priorização do desenvolvimento a partir da biodiversidade; segundo, a valorização do
conhecimento popular; terceiro, a intenção de articulação intersetorial dos diversos
ministérios com a sociedade civil organizada.
Capítulo 3 - Trajetória Institucional e o Pioneirismo de Far-Manguinhos
3.1 - Trajetória Tecnológica da Fiocruz
Em 1970 o relatório ainda intitulado “Relatório das atividades desenvolvidas pelo
Instituto Oswaldo Cruz” traz um novo organograma, aprovado em setembro, portanto
um mês antes da gestão de Oswaldo Cruz Filho, ainda na gestão Rocha Lagoa, que não
65
contempla as divisões de fisiologia e nem de farmacologia. Segundo o próprio
relatório, com a saída de diversos pesquisadores (cassados pelo regime militar) ficaram
desfalcadas as divisões de Zoologia, Fisiologia e Farmacodinâmica, Microbiologia e
Imunologia.
Do ponto de vista da produção científica com produtos naturais, consta a organização de
um arquivo de plantas medicinais (realizado na antiga Divisão de Química do IOC),
que reunia pesquisa bibliográfica e redação de trabalhos de Fitoquímica. Além disto,
estava em curso um projeto de extração e verificação do teor de alcalóides de diversas
plantas da nossa flora.
Na divisão de Fisiologia e Farmacodinâmica, foram realizados estudos químico-
farmacológicos de espécies de Passiflora, identificação de ativos (bases indólicas e
efeito sobre os animais). Ainda na mesma divisão, foram realizadas pesquisas com
Apocináceas, visando obter alcalóides do tipo vincamina e a continuação dos ensaios
com extratos de plantas tóxicas, do gênero Lathyrus.
Em 1971 o relatório já vem com o nome da Fundação Oswaldo Cruz, sob a direção de
Oswaldo Cruz Filho. Na introdução cita os decretos que deram nova forma à instituição,
sendo que o segundo, criando a Fiocruz assinado por Rocha Lagoa. A Fiocruz passa a
ter um organograma onde consta um Conselho de Administração e uma Junta de
Controle. Abaixo da presidência, um Conselho Técnico Consultivo e as diretorias:
Instituto Castelo Branco, Instituto Oswaldo Cruz e Instituto de Produção de
Medicamentos (IPROMED).Ao IPROMED caberia a produção de quimioterápicos e
pesticidas bem como a produção de vacinas e soros. Destacamos ainda nas atividades
do IOC, Departamento de Química e Terapêutica Experimental, que até então ainda
conduzia pesquisas relacionadas com a determinação do teor de santoninas em
Arthemisia, identificação de extratos vegetais. Segundo descrito no relatório este
departamento realizava também pesquisas de síntese como no caso do azuleno.
Portanto até esta época, o esforço quase pessoal da pesquisa estava divorciado da
produção e esta por sua vez era mais direcionada para a área de vacinas.
Em 1972 destacamos na introdução do relatório o fato que “o Conselho de
Administração, pedra angular do novo sistema é seu órgão diretor (...) por motivos
vários deixou de funcionar ainda este ano, o que retardou a dinamização dos trabalhos
66
da novel entidade”. Neste período fica clara a intenção de aproximar a Fundação da
política do Ministério da Saúde no que diz respeito aos medicamentos, quando nas
atribuições do presidente é assinalada sua participação na CEME através do IPROMED.
A produção científica registra de novo, como atividades do laboratório de Química
Orgânica, a Síntese do azuleno a partir de cariofilenos, determinações químicas no
gênero Arthemisia e identificação do extrato de Calocyntes paraense. Desenvolvimento
de métodos de ensaio para a caracterização e doseamento de extratos de origem vegetal
constantes na Farmacopéia Brasileira.
A dispersão, falta de controle e iniciativas que não guardam nenhuma relação com as
políticas públicas ficam explícitas quando O Laboratório de Fisiologia e Farmacologia
reaparece no relatório já sem atuação com plantas medicinais, mas desenvolvendo um
estudo de controle da polifagia com anoréticos de ação central. É curioso verificar o
surgimento repentino deste tipo de demanda, absolutamente desarticulada e
desvinculada das prioridades da saúde pública.
No período entre 1972 e 1974 poucos fatos são relevantes para o nosso trabalho senão
que o Laboratório de Química Orgânica realizou pesquisa da farmacologia de Agoniada
(Plumeria lancifolia), pesquisas com fitoaglutininas do extrato de Calocynthis paraense.
Alterações do aparelho locomotor com a aplicação de extrato de plantas do gênero
Lathyrus. Ação de sementes de leguminosas em ratos. Ação impediente de extratos de
plantas em Brucela e Listeria. O estado de abandono do setor é traduzido por estes
registros que assinalam pesquisas farmacológicas sendo realizadas pelo laboratório de
Química. Enquanto o laboratório de Fisiologia e Farmacologia seguia pesquisando a
obesidade exógena.
O que ocorreu em 1975, caracterizado como de recuperação de Manguinhos, foi a
configuração de uma nova demanda pública que propiciou o salto de capacitação
científico-tecnológico da Instituição. Esta demanda teve origem na epidemia de
meningite que, atingindo as diversas camadas sociais, provocou uma resposta do Estado
determinando a busca e construção de um programa nacional de desenvolvimento
calcado na obtenção de resultados de médio e longo prazo, visando uma maior
autonomia tecnológica nacional.
67
A conjunção da produção do conhecimento com a geração de tecnologias e o
agenciamento do Estado no âmbito da Fiocruz, são equacionadas no âmbito de uma
instituição que tem como objeto a saúde pública, campo por excelência de aplicação
social de conhecimentos e técnicas. A comparação entre os períodos de 1900 a 1937 e
1975 até 1978 assinala o patrocínio da ciência, realizado com investimentos públicos,
buscando responder às demandas do Estado. 1975, ou seja, o início da gestão do
Vinicius da Fonseca marca o início do processo de recuperação de Manguinhos (Santos,
1999).
É da comparação entre as épocas e a análise do papel institucional, que surge um novo
parâmetro de comparação que é o Instituto Pasteur, da França.
Nos períodos mais produtivos do ponto de vista tecnológico (1900 e 1975), encontra-se
em comum, a demanda de projetos para expansão da econômica nacional, a busca da
garantia de fluxo de divisas estrangeiras como também a valorização da imagem do país
no exterior. Além disto, a tentativa de incorporar aos hábitos e costumes da elite
brasileira as estratégias utilizadas na Europa, mais precisamente na França através do
seu já renomado Instituto Pasteur. A microbiologia representava a possibilidade de
intervir e controlar as doenças epidêmicas em vista a expansão do capitalismo
internacional da época.
Até 1975 o Brasil passou por diversas conjunturas e políticas econômicas, mas que
desde o apogeu do inicio do século vinte só voltou a repercutir no desenvolvimento
tecnológico da saúde, especificamente da Fundação Oswaldo Cruz em 1975, quando se
percebe uma opção pelo crescimento acelerado, baseado num processo intensivo de
industrialização, visando a consolidação do parque industrial, dando ênfase ao
desenvolvimento tecnológico, no fortalecimento da empresa nacional, mas também na
obtenção de capital estrangeiro e na transferência de tecnologia externa controlada pelo
Estado.
Dos governos militares que já eram favoráveis à apropriação tecnológica, redução da
dependência do conhecimento, criação e revitalização dos mecanismos estatais de
fomento, tais como FINEP, CNPQ, BNDE e CAPES, o que mais se destacou foi o
governo Geisel, que conduziu o planejamento nesta direção, alcançando êxitos até a
68
nova crise mundial, que teve seu início em 1979 e continuou até meados da década de
oitenta.
O reflexo desta época, dadas as novas opções de desenvolvimento econômico e social e
da determinação do estado de promover a recuperação de Manguinhos supervisionada
pela Secretaria de Planejamento da Presidência da República, se fez sentir na Instituição
através da absorção de tecnologias, estabelecimento de intercâmbios (nacional e
internacional) de cooperação técnica e científica, e recrutamento de pessoal qualificado.
As mudanças ocorridas tiveram também a influência trazida pela nova revolução
científica, centrada na Biologia Molecular e Genética, que abriu uma nova fronteira,
além daquela estabelecida pela Microbiologia. O resgate de Manguinhos visou à
recuperação do seu conglomerado institucional e multidisciplinar, no sentido de
viabilizar as novas aplicações terapêuticas oriundas deste conhecimento.
Na comparação entre os modelos e papeis do Instituto Pasteur e Manguinhos, podem
ser notadas semelhanças quanto às propostas de investigação científica e de aplicação
na saúde pública a partir de um referencial teórico conceitual original. Ao mesmo
tempo, as diferenças são marcantes principalmente na concepção do seu financiamento.
O Instituto Pasteur buscou desde o inicio seu financiamento na sociedade, enquanto
Manguinhos selava seu destino com as flutuações do poder público, tornando sua
trajetória intimamente ligada às vontades e decisões políticas do Estado, o que acaba
determinando seus períodos de apogeu e declínio, ostracismo e recuperação.
Na década de 70, o ponto de partida para a reestruturação da Fiocruz comandada por
Vinicius da Fonseca, foi o diagnóstico encomendado ao CNPq que constatou um quadro
crítico para a área de pesquisa do IOC, como para a produção de imunobiológicos e
medicamentos. O IPROMED estava com o funcionamento comprometido devido à falta
de espaço e inadequação em relação aos padrões de produção industriais vigentes, além
de contar com equipamento obsoleto e pessoal despreparado (Azevedo, 2000).
É da mesma época, o II Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
que deu, aos Institutos no âmbito do Ministério da Saúde, ênfase especial à pesquisa,
que de forma efetiva, deveria contribuir para o desenvolvimento nacional. Desta forma,
foram estabelecidas linhas de pesquisa prioritárias com finalidades relacionadas “às
69
necessidades do homem brasileiro” (Relatório de Atividades da Fiocruz 1975) e com o
desenvolvimento de tecnologias próprias do setor. Enfoque sistêmico, equipes
multidisciplinares e integradas, articulação com as universidades e centros de
investigação. O Ministério deveria, portanto, reformar a estrutura física dos institutos,
destinar recursos para compra de equipamentos e tornar atraente a carreira dos
pesquisadores.
Valendo-se do apoio do CNPq e utilizando-se das modernas concepções de
planejamento na realização de um diagnóstico da situação de Manguinhos, , um plano
de trabalho voltado para curto e médio prazo, redefine ou redireciona todas as atividades
da Fundação no que diz respeito à pesquisa, formação de recursos humanos, produção
de medicamentos, imunobiológicos e atividades-meio: administração, pessoal, finanças
e instalações.
Neste contexto de inovação institucional ou organizacional destacamos a área de
produção de medicamentos e imunobiológicos, aonde as vacinas já eram priorizadas em
relação aos medicamentos e de um modo geral, utilizando métodos operacionais
antiquados e dissociados da realidade tecnológica, frustrando assim o projeto que
idealizara em 1970 a criação do IPROMED (Relatórios de Atividades da
Fiocruz.década de setenta)
Em 1976 foi elaborado novo estatuto para a Fiocruz enquadrando-a no Sistema
Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico com a finalidade de:
participar da formulação, coordenação e execução do Plano Básico de Pesquisas para a
Saúde, em consonância com a Política Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico e ao encargo do Ministério da Saúde; promover e realizar pesquisas
fundamentais para o embasamento científico do Plano Básico de Pesquisa em Saúde;
capacitar recursos humanos para a saúde pública, bem como para a formação e
treinamento de pesquisadores e tecnólogos em saúde; desenvolver e adaptar tecnologias
de produção, bem como elaborar produtos biológicos, profiláticos e medicamentos para
atender as necessidades dos programas de saúde e as exigências da segurança nacional;
apoiar as atividades de planejamento na área da saúde pública, inclusive elaborando
estudos e projetos integrantes do programa de trabalho do Ministério da Saúde;
70
desenvolver atividades laboratoriais especializadas, necessárias ao cumprimento de
atribuições do MS.
Ainda em 1976, foram criadas duas unidades de produção a partir do IPROMED com
as seguintes denominações: Laboratório de Tecnologia em Quimioterápicos (Far-
Manguinhos) e o Laboratório de Tecnologia em Produtos Biológicos (Bio-
Manguinhos). Movidos pela ameaça de novos episódios epidêmicos de meningite, os
esforços foram centrados em Bio-Manguinhos, que ainda nesta gestão incorporou à sua
linha de produção a vacina meningocócica com a tecnologia francesa proveniente do até
então, único produtor mundial, o laboratório Mérieux.
As intenções eram de implantar um núcleo de pesquisas tecnológicas na área de
medicamentos, como também, um laboratório voltado para o desenvolvimento de
vacinas projetado para aperfeiçoar os produtos existentes e desenvolver novas
tecnologias de produção.
A recuperação promoveu o crescimento de atividades correlacionadas, porém com
lógicas diferentes, sendo a pesquisa biomédica estruturada com o novo padrão de
profissionalização acadêmico e a pesquisa tecnológica organizada de acordo com o
modelo de produção de imunobiológicos que estava sendo importado. A ausência do
P&D, portanto, trouxe conseqüências profundas para os rumos seguidos pela
biotecnologia. É digno de nota que o desenvolvimento tecnológico de medicamentos foi
colocado em segundo plano, e que até então, o desenvolvimento de fitoderivados,
produtos naturais, fitomedicamentos ou fitoterápicos sequer era considerado estratégico.
A expansão institucional promoveu a reversão progressiva do descrédito científico da
Fiocruz. Do ponto de vista acadêmico, o projeto de recuperação produziu a médio e
longo prazo, movimento análogo ao que ocorria no ambiente universitário,
consolidando-se um espaço acadêmico em uma instituição voltada para as necessidades
da saúde pública. “Adquirindo uma inequívoca feição universitária, seu establishment
científico passou a controlar a produção de conhecimento, mediante a concessão de
títulos, assim como o acesso a postos de trabalho e a atribuição de reputações por
referência ao mundo acadêmico” (Azevedo, 2000).
71
Se, por um lado, o processo de recuperação de Manguinhos deu direção forma e
conteúdo à Instituição, naquela década, atendendo inclusive às próprias demandas
urgentes de controle da meningite através da importação de tecnologia, adiou as
intenções de realizar a produção de tecnologias próprias e a construção de um sistema
de Pesquisa e Desenvolvimento.
É digno de nota que o desenvolvimento tecnológico de medicamentos foi colocado em
segundo plano, e que até então o desenvolvimento de fitoderivados, produtos naturais,
fitomedicamentos ou fitoterápicos sequer era considerado estratégico, apesar da gestão
de Fonseca ter estabelecido as principais diretrizes para a formação do complexo
institucional da Fiocruz.
Em 1979, o título do documento, já editado na gestão de Guilardo Martins Alves,
mudou para: Relatório de Atividades da Fundação Oswaldo Cruz. Já é preparado pela
assessoria técnica da presidência-coordenadoria de planejamento. Apresenta no sumário
a seguinte estrutura: 1 – Introdução; 2 - Área de atuação finalística; 2.1 - Área de
Pesquisa (IOC, Centros Regionais de Pesquisa e Instituto Fernandes Figueira);
2.2 -Área de Desenvolvimento de Recursos Humanos (Escola Nacional de Saúde
Pública); 2.3 - Área de Desenvolvimento Tecnológico (Far-Manguinhos, Bio-
Manguinhos, LCCDMA, Instituto da Qualidade de Medicamentos).
Já na sua introdução é reconhecido que: “as ações desencadeadas em 79 nas áreas de
atuação finalística da Instituição, a pesquisa o desenvolvimento tecnológico e a
capacitação de recursos humanos, já provocaram a reabilitação de sua credibilidade
perante a comunidade técnico científica nacional e internacional.” Isto fica evidenciado
pelo número de parcerias e contratos e convênios realizados com instituições nacionais
e internacionais, no período.
O relatório deste ano destaca como uma das decisões mais importantes da atual
administração, a instituição, ainda no exercício passado, do planejamento como função
norteadora de todos as suas ações de curto médio e longo prazo. “Criou-se o sistema de
planejamento da Fiocruz e elaborou-se o I Plano Integrado de Desenvolvimento para o
período de 80-85”.O PID via a pesquisa científica como um elemento permanente de
desenvolvimento nacional, inclusive permitindo a transferência e adaptação de
tecnologia externa, dependente de uma base sólida para absorvê-la e transformá-la
72
(Azevedo, 2000). Foi instituído o Programa Anual de Trabalho. Contudo, na área de
pesquisa voltam desaparecer os laboratórios de Química Orgânica e o de Fisiologia e
Farmacologia. A responsabilidade pelas pesquisas na área de medicamentos passa para
Far-Manguinhos, mas sem maiores definições ou elementos de promoção da integração
institucional, conforme o espírito do Plano.
O relatório de 1981 se apresenta diferente dos demais, não apenas por seu tamanho,
pois é composto de dois volumes, mas principalmente na formatação. Na sua
apresentação, destaca os seguintes pontos: pesquisa, recursos humanos,
desenvolvimento tecnológico, vigilância tóxico farmacológica, sangue e
hemoderivados, controle de qualidade, sendo o ano da inauguração do Instituto
Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) e desenvolvimento institucional.
A cada relatório fica mais claro o rumo político institucional em relação ao
desenvolvimento tecnológico. No caso, as tecnologias da produção ainda enfatizavam a
adaptação das tecnologias importadas bem como a elaboração de produtos para
programas de saúde e segurança nacional. Outro fato que demonstra a intenção de
caminhar na mesma direção traçada por Fonseca foi a criação da Vice-Presidência de
Desenvolvimento Tecnológico que ao lado das Vice-Presidências de Pesquisa e de
Recursos Humanos, comporiam com a recém criada Superintendência de Planejamento,
a direção da Fiocruz.
As diretrizes para a área de desenvolvimento tecnológico são animadoras:
1- promover o desenvolvimento de tecnologia fundamental orientada para produção de
insumos destinados às necessidades dos serviços de saúde do país, adotando
mecanismos de integração com o setor químio farmacêutico biológico e equipamentos
científicos no campo médico hospitalar; 2- transferir à indústria nacional os processos e
tecnologias desenvolvidas ou aperfeiçoadas na Fiocruz; 3- desenvolver estudos
exploratórios e prospectivos sobre o estado da arte no campo da tecnologia de saúde no
Brasil e fora.
Pela primeira vez, o relatório da Fiocruz prioriza o desenvolvimento tecnológico, mas,
reconhece dificuldades, no capítulo dos desafios: “as conhecidas debilidades do sistema
nacional de saúde e da organização do sistema de instituições dedicadas à pesquisa
73
científica e ao desenvolvimento tecnológico e à produção de imunobiológicos e
fármacos”. Adota como estratégia a necessidade de se ajustar ao III PBDCT (Plano
Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
De 1982 até 1985 a Fiocruz se mantém na mesma estrutura organizacional se
direcionando pelas mesmas estratégias. Durante esta gestão, é destacada como
continuidade do processo de povoamento de Manguinhos, e, ponto alto da
administração Alves a contratação pelo regime celetista, em caráter excepcional,
negociado com o governo Figueiredo, duzentos e sessenta profissionais, dentre os quais
pesquisadores e tecnologistas (Azevedo, 2000).
De 1985 até 1989 a gestão de Antonio Sérgio Arouca contribuiu para o repovoamento
institucional com a contratação de mais novecentos e quarenta profissionais, com
recursos diretamente arrecadados através da venda de serviços e produtos e captação
externa através de convênios, também no sistema celetista, excepcionalmente concedido
pelo governo Sarney (1985-1990). Entretanto, neste período, a grande contribuição
para o desenvolvimento institucional se encontra ligada ao papel da Fiocruz enquanto
liderança setorial consolidada na VIII Conferência de Saúde quando a luta pela
democratização da saúde foi encaminhada na forma da proposta de reforma sanitária
para a Assembléia Geral Constituinte. A Fiocruz se consolidou como ator político
fundamental no debate nacional sobre a formulação da política de saúde, bem como na
defesa do conhecimento científico e tecnológico em saúde.
Outro fato digno de nota, ocorrido nesta gestão, foi a criação do Núcleo de Estudos
Especiais da Presidência (NEP) que passou a produzir uma série de estudos intitulada
série Política de Saúde. Na próxima gestão passa a ser chamado de Núcleo de Estudos
em Ciência e Tecnologia (NECT), ligado à Superintendência de Informação Científica e
Tecnológica da Vice Presidência de Desenvolvimento Tecnológico e Produção. O
oitavo número da série ilustra um pouco da profunda discussão do tema Ciência e
Tecnologia, apontando ainda rumos que deveriam ser percorridos por instituições como
a Fiocruz. Uma reflexão sobre a reforma sanitária brasileira, a política científica
tecnológica, o novo paradigma tecnológico, as reformas no Brasil, o desenvolvimento
sustentado, os desafios tecnológicos e o recém criado Sistema Único de Saúde, é
realizada, analisando ainda a relação entre a nova política industrial (NPI), a
universidade e os institutos de pesquisa. Surge no âmbito da Fundação a idéia da
74
articulação com conjuntos de indústrias independentes que poderia ser realizada através
da criação de programas setoriais integrados fazendo uma interface com as políticas
industriais e tecnológicas (Marques, 1989).
Esta gestão, apesar das dicotomias ainda existentes entre a formação de pesquisadores e
tecnólogos, resultando numa falta de integração que realizasse o potencial da
instituição, coroa curiosamente um caminho iniciado em 1976 quando ingressavam na
Fiocruz o sanitarista Sérgio Arouca e o pesquisador Carlos Morel. O primeiro, sendo
um dos principais artífices da Reforma Sanitária agora presidente da Fiocruz e o
segundo, que estabeleceu através do seu trabalho no Departamento de Bioquímica e
Biologia Molecular caminhos a serem percorridos para se alcançar o desenvolvimento
tecnológico, especialmente de base biotecnológica, ocupando simultaneamente as
funções de Diretor do IOC e Vice Presidente de Pesquisa. A intenção de Morel era de
constituir um campo de P & D com base nas diferentes competências firmadas na
instituição. Entretanto o projeto do Centro de Biotecnologia não se realizaria na gestão
Arouca (Azevedo, 2000).
Entre 89 e 90, Akira Homma que tinha exercido a função de Vice-Presidente da área
tecnológica, assume a Presidência, mas direciona os esforços de sua gestão para ampliar
a planta industrial de Bio-Manguinhos.
De 1989 a 1992 a instituição percorre um ciclo de curtos períodos de gestão, tendo
iniciado com Homma, e posteriormente, Luis Fernando da Rocha Ferreira da Silva,
Hermann Gonçalves Schatzmayr, Euclydes Ayres Castilho, para então voltar aos
períodos normais de gestão, com a presidência de Carlos Morel. O Dr Hermann tentou
dar continuidade ao projeto do Centro durante sua gestão também sem lograr êxito.
Até 1997 Morel não teve condições políticas nem financeiras para retornar ao projeto do
Centro, conforme declarou posteriormente em entrevista (Azevedo, 2000).
No seminário ocorrido durante a gestão de Eloy Garcia, em Outubro de 1999,
denominado 1º. Seminário de Cooperação Tecnológica envolvendo diretores de Bio-
Manguinhos e IOC, Vice-Presidências de Tecnologia e Serviços de Referência e
diversos pesquisadores envolvidos com a biotecnologia o assunto voltou a ser discutido.
Em 2000, o relatório das atividades da Fiocruz apresenta democraticamente na contra
capa toda a estrutura da presidência e diretorias da gestão 1997- 2000, bem como da
75
gestão Paulo Buss, 2001-2004. Na apresentação, são assinalados a passagem do
milênio, os quinhentos anos do descobrimento e os cem anos da instituição. O Sumário
encontra-se dividido nos seguintes programas institucionais enfatizando absolutamente
o caráter tecnológico como se nota: Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico; Ensino
em Saúde e Ciência e Tecnologia; Produção de Bens e insumos para a Saúde; Serviços
de referência em Saúde; Serviços de referência em saúde; Informação e comunicação
em saúde e Ciência e Tecnologia; Desenvolvimento e gestão institucional; O centenário
da Fundação Oswaldo Cruz.
Na apresentação das atividades dos programas institucionais, Far-Manguinhos integra o
elenco de unidades que participam com projetos de pesquisa, com 69 projetos. O
relatório indica um discreto crescimento no número de projetos e um aumento
considerável em relação ao desempenho do programa de pesquisas, tomando como
indicadores as publicações indexadas ou não. Nas áreas temáticas dos projetos de
pesquisa destacam-se a farmacologia e produtos naturais. A classificação não leva em
consideração as interfaces multidisciplinares que os fitomedicamentos que se
desdobram em fitofármacos e fitoterápicos têm com as diversas disciplinas biomédicas.
A classificação confunde quem busca informações sobre fitoterápicos. Não se
encontram destacadas, mas sim inseridas no âmbito de cada disciplina acadêmica
tradicional. Esta falta de definição é a imagem de como esta área da inovação
farmacêutica ainda é vista na Fiocruz como parte integrante das pesquisas biomédicas
tradicionais. Por fim, pela primeira vez, um quadro de metas atingidas em propriedade
intelectual é apresentado, tentando se afirmar enquanto indicador do desenvolvimento
tecnológico da instituição.
O Relatório destaca a utilização de planejamento estratégico para o início de novos
projetos em FarManguinhos. Ressaltando o programa de produtos naturais que tem
como principais linhas de pesquisa drogas antialérgicas, anti-inflamatórias, analgésicas,
anti-ulcerogênicas, caracterização do espectro químico dos constituintes e ativos de
plantas brasileiras, variações químicas provocadas por modificações ambientais.
Na gestão Paulo Buss ficam claramente definidos seus objetivos científicos,
tecnológicos sanitários e organizacionais através do Plano Quadrienal. Dentre suas
principais proposições, para a área de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico, está
sendo implementado o Programa de Desenvolvimento Tecnológico para Insumos em
76
Saúde - PDTIS, que visa o desenvolvimento de novas vacinas, reagentes para
diagnóstico, medicamentos, assim como o aperfeiçoamento de produtos existentes, além
do Programa de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde Pública - PDTSP. Na área de
capacitação profissional do Plano Quadrienal, destaca-se a implantação do Mestrado
Profissional em Gestão de Ciência e Tecnologia em Saúde, visando preparar
profissionais formadores e indutores de processos de mudança em seus espaços de
trabalho mediante a adoção de novos conceitos de gestão estratégica.
3.2 - Pioneirismo de Far-Manguinhos: aprendendo a fazer o desenvolvimento de
fitomedicamentos na Fiocruz
Na gestão de Eloan Pinheiro a consolidação da visão de planejamento estratégico com a
adoção real de um sistema de P&D em Far-Manguinhos pode ser considerada um
divisor de águas na questão do desenvolvimento tecnológico de medicamentos, pois até
então os institutos de pesquisa, as universidades, laboratórios públicos ainda tinham
dificuldades de se estruturar nestas bases para realizar o desenvolvimento de produtos
farmacêuticos, mais ainda de fitoderivados. No contexto da gestão na Fiocruz, esta
experiência abre novos caminhos e questionamentos sobre a própria organização da
instituição no que diz respeito a realizar o desenvolvimento tecnológico, abrindo a
discussão viva das contradições e coerências das diferentes visões, modo um e modo
dois de tratar o desenvolvimento (Gibbons et al., 1977), vistas no primeiro capítulo,
uma vez que ambas passaram a coexistir no dia a dia da Fiocruz.
O ponto alto e mais valioso deste período foi o fato de ter sido formado na prática um
grupo de trabalho capacitado para realizar resultados do recém estruturado setor ou
sistema de P & D o que garantiu, além do desenvolvimento tecnológico de
fitoderivados, a eficiência na questão de revisão de preços dos medicamentos cobrada
do governo federal, a política dos genéricos, como também em relação ao seu papel
social, melhorando o acesso da população ao medicamento. O respaldo científico-
tecnológico que Far-Manguinhos conseguiu dar às ações e demandas, provenientes do
Ministério da Saúde, contribuiu fortemente para a posição defendida internacionalmente
pelo Brasil no caso da quebra de patentes de medicamentos fundamentais e estratégicos,
como aconteceu com a AIDS. Para o Brasil e outros países em desenvolvimento, é
interessante assegurar o licenciamento compulsório de medicamentos para AIDS,
doenças tropicais e outros, considerados essenciais. Far-Manguinhos passou a fabricar
77
sete dos doze medicamentos que compõem o esquema terapêutico da AIDS,
conseguindo desta forma baixar drasticamente o custo do tratamento no Brasil.
Além da experiência da CEME, em nenhuma outra época o desenvolvimento de
fitoderivados ganha tanta importância no Brasil. O aprendizado nesta área é decorrente
de vários fatores que tentaremos analisar em seguida, mas basicamente foi devido ao
fato de ser considerado fonte de matéria- prima, novos fármacos, moléculas modelo e de
toda uma visão farmacodinâmica, gerando conhecimento fundamental ao
desenvolvimento de produtos ou inovações para o setor. A experiência e competência
gerada em Far-Manguinhos, foram pioneiras e únicas no país, se organizando em bases
modernas de P&D, com a visão multidisciplinar e com o estabelecimento de conceitos
específicos no que diz respeito à natureza do trabalho, à gestão da atividade,
produzindo resultados em termos de produtos, métodos e tecnologias.
A proposta organizada de ação governamental rumo ao desenvolvimento de
medicamentos, dá a receita produzida pela visão do grupo de trabalho constituído
naquela gestão, em Far-Manguinhos. Para se alcançar êxito eram necessários alguns
pontos dos quais destacamos os seguintes: 1- a integração de setores envolvidos no
processo de desenvolvimento tecnológico, desde a concepção até a colocação no
mercado; 2- adoção de política de Propriedade Industrial que propiciasse formas de
negociação com o monopólio e detentores de know-how; 3- atenção aos setores
farmoquímico e farmacêutico e as matérias- primas isentas de proteção patentária; 4-
utilização racional da nossa biodiversidade no que diz respeito aos microorganismos,
bem como as plantas, seus ativos, seus extratos, suas substâncias isoladas; 5- elaboração
de ferramenta metodológica denominada plataforma para o desenvolvimento
tecnológico de medicamentos.
Esta formulação resgatou efetivamente o papel dos fitoderivados no desenvolvimento
tecnológico de medicamentos que há muito ou eram considerados alternativos ou eram
tratados apenas sob o enfoque do conhecimento acadêmico-científico. No processo de
elaboração da plataforma concluiu-se que a validação de um fitoterápico, por exemplo,
deverá seguir absolutamente todos os passos do desenvolvimento de um medicamento
sintético. Além disto extratos e substâncias isoladas de plantas que ocorrem na natureza
podem apresentar vantagens em relação à questão patentária de acordo com o art 10 da
Lei 9279/96 (Aarão Reis, 2002) (Pinheiro, 2002).
78
A reconstituição da vivência com o desenvolvimento de fitoderivados em Far-
Manguinhos, remonta ao início da gestão de Eloan Pinheiro no ano de 1993, quando
assumiu a direção da unidade, substituindo o Eduardo Martins que foi trabalhar na vice
Presidência de Eloy Garcia. Ainda na gestão de Carlos Morel à frente da Fiocruz
haviam sido conversados aspectos da pesquisa das plantas medicinais que mereceriam
uma atenção maior da instituição, no sentido de se criar possibilidades para a
prospecção de novos fármacos e teria sido alinhavado um projeto ou programa de
estudos das plantas da mata atlântica em parceria com o IOC. Desta conversa
participaram os Drs Renato Cordeiro, o Dr Otto Gottlieb, a Dra Maria Auxiliadora
Kaplan, eminentes pesquisadores das áreas de farmacologia e química. Com a
disponibilidade de um prédio vazio em Far-Manguinhos recuperado para atender um
projeto de homeopatia que foi descontinuado, deu-se início a este projeto de pesquisa
em produtos naturais.
O Dr Benjamin Gilbert, então consultor para drogas sintéticas foi transferido a pedido
da Direção para assumir a consultoria ao projeto devido a sua vasta experiência na área
de química de produtos naturais. O Dr Antonio Carlos Siani foi então convidado para
administrar o projeto, também pelo mesmo fato da experiência com a pesquisa química
em produtos naturais no Amazonas. Indicado pela presidência chegou o Dr Ricardo
Ribeiro dos Santos, que se encarregaria da parte das instalações voltadas para os ensaios
farmacológicos e ainda no mesmo ano começaram a montar a equipe de trabalho,
convidando em seguida a Dra Maria das Graças Henriques para se responsabilizar pelo
setor da farmacologia, uma vez que o Dr Ricardo seria transferido para outro laboratório
da Fundação para trabalhar com imunofarmacologia.
Esta vivência propiciou pela primeira vez na história brasileira da pesquisa e
desenvolvimento de medicamentos de origem vegetal na área pública a união de
disciplinas fundamentais e que com seu caráter profundamente acadêmico chegaram por
vezes a serem antagônicas, na disputa da condução da pesquisa no Brasil (Fernandes,
2001). Ela apresentou alguns diferenciais que passaremos a comentar.
O primeiro diferencial, foi a constituição do grupo de Farmacologia. Este trabalharia em
conjunto com a equipe de produtos naturais, para tentar o início do desenvolvimento.
Foi a primeira tentativa de ampliar a visão em relação ao trabalho que passaria a fazer
79
aplicações ao invés de ter uma atuação apenas na química. Resultados começaram a
surgir a partir dos trabalhos interdisciplinares entre farmacologia e química. Mas a
nova concepção traduzida no desenho do laboratório e a formação desta equipe
multidisciplinar não foram únicos aspectos relevantes ou inovadores desta experiência.
O segundo diferencial ocorreu no momento em que as duas equipes já estavam
montadas e razoavelmente treinadas e integradas com a visão multidisciplinar no
Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico. A inserção de uma ação do
Plano Pluri Anual do Governo voltada para o desenvolvimento de medicamentos
fitoterápicos apresentou o desafio para a consolidação do caminho a ser percorrido,
resultando no desenvolvimento de produtos, métodos, concepções e até mesmo na
elaboração de uma plataforma metodológica voltada para o desenvolvimento
tecnológico de fitoterápicos. Todos os entrevistados se referem a este desafio como um
marco, um salto de qualidade, que fez a idéia deslanchar.
A Fitoterapia em Saúde Pública fazendo parte da Biotecnologia e Recursos Genéticos,
devido às negociações entre Fiocruz e MCT, de forma intersetorial, acabou vindo para
a Fiocruz, mais precisamente em Far-Manguinhos. Desenvolver dezesseis fitoterápicos
em quatro anos era a primeira meta. A pressão desta demanda fez com que o grupo que
trabalhava em desenvolvimento amadurecesse do ponto de vista da gestão e propusesse
uma revisão das metas originais, consideradas fora da realidade, mas começando a
apresentar novas formas organizacionais para garantir os resultados de quatro produtos
fitoterápicos. Para tanto tiveram que ser repensadas todas as etapas deste processo,
desde a planta na floresta até o produto na prateleira, o consumo. Os projetos de
pesquisa em andamento tiveram de ser revistos, sendo enquadrados nas respectivas
fases. Esta medida facilitou saber exatamente o que poderia ser feito em Far-
Manguinhos e aquilo que dependeria de parcerias para a realização. Esta vivencia abriu
uma nova etapa do conhecimento que foi a abordagem da propriedade intelectual e
industrial nos contratos de parceria ou cooperação tecnológica. Neste período
descobriu-se também o quanto o modo um estava infiltrado, praticamente
impossibilitando a agilidade necessária ao desenvolvimento. Inúmeros projetos de
pesquisa das universidades se encontravam albergados disputando espaço, recursos,
equipamentos e materiais, sem chance de se tornarem ou colaborarem com as
prioridades estabelecidas pela demanda de desenvolvimento de novos medicamentos
fitoterápicos.
80
O enfoque empresarial já vinha sendo implementado em Far-Manguinhos que através
de um esforço multidisciplinar agregava profissionais das áreas de farmacotécnica,
síntese, química, controle de qualidade, farmacologia, além das atividades jurídicas e
administrativas em torno das questões de P&D, para lidar com as demandas do
Ministério da Saúde como foi no caso dos Genéricos e no caso da AIDS. Portanto o
achar soluções estava passando a ser o dia a dia do Instituto, impactando fortemente
sua cultura organizacional, que passava a ter consciência das suas limitações, trazidos
por velhos modelos do setor público e da universidade. Para se tentar os objetivos
trazidos pela ação do PPA foi necessário uma mudança de atitude.
O terceiro diferencial foi o investimento ininterrupto da unidade no desenvolvimento
tecnológico com os recursos diretamente arrecadados. Este investimento foi
considerado um diferencial político e básico, uma vez que houve uma forte vontade
política e porque sem dinheiro não há desenvolvimento. Desta experiência destacamos
as seguintes conquistas:
1- revisão de todos os projetos sob a ótica do desenvolvimento de produtos,
enquadrando-os nas diversas fases, colocando prazos e metas. As etapas deste processo
foram: Botânico–Agronômica, subdividida em Levantamento, Coleta e Manejo;
Químico-Farmacêutica, desdobrada em química e formulação; Biomédica
contemplando a Farmacologia, Toxicologia e Clínica. Também foram discutidos,
estudados e aprendidos diversos outros aspectos relacionados com esta linha de
desenvolvimento que não se explicitaram formalmente, todos relacionados com
questões de legislação envolvendo patentes, propriedade intelectual, acesso à
biodiversidade, exigências do licenciamento, controle de qualidade e outros;
2- adoção de modelos industriais de gerência. Adoção da lógica de P&D. Aprendizado
de gerência por projeto e gestão de P&D. Elaboração de modelo de gestão de projetos
próprios;
3- a Criação de um Núcleo de Desenvolvimento Tecnológico. Com a revisão de todas
as etapas do desenvolvimento, Far-Manguinhos inova na gestão, estruturando um
núcleo de profissionais altamente especializados para realizar o acompanhamento do
programa;
81
4- elaboração da Plataforma Metodológica; durante o ano de 2002, como atividade de
apoio à consolidação das metas da Ação “Fitoterapia em Saúde Pública”, uma parte
integrante do Programa “Biotecnologia e Recursos Genéticos” do PPA/MCT-2000, foi
elaborada, com o apoio do CNPq, a “Plataforma Nacional para a Gestão de Redes,
Programas, Projetos para o Desenvolvimento de Fitomedicamentos”. O trabalho
resultante foi apresentado em seminário no CNPq, Brasília, em 2003 e posteriormente
publicado (Siani, 2003).
Oito oficinas de trabalho realizaram o mapeamento, das áreas mestras que compõem o
desenvolvimento industrial de fitomedicamentos no país, desde a produção de matéria-
prima vegetal, até o registro na ANVISA, passando pelas etapas químico-farmacêutica,
farmacológica, clínica e pré-clínica. Mais de cem especialistas, reconhecidos nacional e
internacionalmente, participaram efetivamente de cada etapa, referente às diversas áreas
do conhecimento envolvidas na composição da cadeia do desenvolvimento tecnológico
destes produtos. A Biodiversidade, bem como o impacto social dos projetos de C&T
através da geração de empregos, agregação de valor aos itens da cadeia produtiva e
organizando arranjos produtivos socialmente adequados, não foram contemplados nas
oficinas, devido à falta de definição política sobre a operacionalização da medida
Provisória 21086 (23/8/2001) relacionada com a Biodiversidade, bem como sobre a
criação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Decreto No. 3945 de
28/9/2001, Deliberação No. 7 de 30/10/2002).
Uma das oficinas de trabalho contemplou, como semente de futuros eventos, a questão
do saber Popular em plantas medicinais. Esta oficina de trabalho resultou bastante
positiva, e um pré-diagnóstico foi traçado, com vistas à extensão da discussão nacional
sobre como organizar área de trabalho que precede e se integra à produção de matéria-
prima vegetal, leia-se a exploração sustentada da biodiversidade e a manutenção do
pequeno produtor, dentro de parâmetros compatíveis de produtividade e qualidade de
vida.
O trabalho de elaboração da plataforma ainda alinhavou os seguintes pontos para serem
abordados, no sentido de se complementar os trabalhos em uma outra etapa: a-
equacionar a questão da necessidade de regionalização das ações governamentais na
área de aproveitamento racional dos recursos vegetais; b- realizar um diagnóstico global
82
sobre a questão de fornecimento da matéria-prima vegetal para os clientes imediatos e
não-imediatos (indústria, comércio, população); c- identificar os fatores de agregação de
valor para a matéria-prima produzida e comercializada, com vistas à sua utilização e
clientela; d- Identificar as iniciativas promissoras que possam servir de modelo, ainda
que sob adequação regional, para propostas de ações políticas e financiamento; e-
identificar os projetos bem sucedidos quanto à questão de repasse de tecnologia ao setor
produtivo: os geradores e os usuários da tecnologia; f- identificar a formulação de
estratégias de desenvolvimento que seguem modelos participativos de pesquisa,
apropriação e refinamento de modelos metodológicos e tecnológicos, valorizando os
atores e o conhecimento local, sob óticas étnicas e de seus biomas relativos; g- realizar o
diagnóstico conjuntural, e de acordo com isso, traçar as linhas de atuação,
considerando-se os diversos modos de produção e beneficiamento primário da matéria-
prima vegetal; h- equacionar as possibilidades de estabelecer as Redes de
Multiplicadores em experiência Piloto, tendo por base os acúmulos técnicos e
metodológicos, identificados nas regiões do Brasil onde a biodiversidade é considerada
moeda valiosa. As experiências locais poderão fornecer suporte à composição de redes
de cooperação que explorem o potencial de troca, e ofereçam a visibilidade necessária
para o desenvolvimento e a sustentabilidade dos desdobramentos futuros.
A formulação de uma política de ação e de financiamento poderá constituir o principal
produto deste diagnóstico, engendrado pela organização espontânea dos diversos
fatores que inserem no desdobramento da própria proposta de trabalho. As conclusões
surgidas dos diagnósticos poderão resultar em diretrizes para os Estados, assim como às
Agências de Fomento, no sentido de construir a sustentação de redes e programas para
a área de fitomedicamentos, especificamente afeitos àquelas com as etapas envolvidas
com as questões da biodiversidade, zoneamento ecológico, manejo florestal,
domesticação e cultivo de plantas medicinais, etc. Um dos impactos mais visíveis desta
plataforma será sem dúvida numa maior clareza aos editais de financiamento de
projetos, como instrumento de fomento de P & D mais eficaz, em termos de eficiência e
de relação custo-benefício, através de um aumento do potencial de indução. Por fim, a
idéia do projeto Portal BIOFITO pretende traduzir os resultados de maneira
transparente para o domínio público, com o livre acesso às informações geradas através
de uma ferramenta eletrônica: a plataforma e seus pilares estarão construídos e as
informações completamente disponibilizadas, chanceladas por especialistas nas áreas de
conhecimento relacionadas;
83
5- desenvolvimento de quatro produtos fitoterápicos. De alguns, faltam apenas as
ultimas etapas clínicas para estarem prontos para a produção. Desenvolvimento sob
sigilo contratual;
6- isolamento de moléculas; no processo de desenvolvimento dos fitoterápicos foram
testadas as metodologias para o isolamento e determinação da ação farmacológica de
moléculas que trouxeram resultados, demonstrando desta forma claramente a vantagem
competitiva da utilização dos recursos provenientes da nossa flora;
7- validação ou redefinição de ações farmacológicas; aprender a validar uma substância
ou um medicamento é uma tarefa complexa tendo em vista os critérios científicos e,
principalmente, os aspectos estabelecidos pelas resoluções e normas da Agência de
Vigilância Sanitária. Esta etapa do processo interessa não só à Instituição, na questão
patentária, mas a todo o mercado produtor interessado que, muitas vezes, se encontra
sem ter a quem recorrer, no que diz respeito às metodologias e tecnologias apropriadas;
8- aprendizado no estabelecimento de parcerias visando à solução de problemas
tecnológicos ou o próprio desenvolvimento de produtos; o conhecimento sobre o que
buscar nas parcerias, como se estabelece, para que finalidades e de que forma, requer o
conhecimento jurídico específico, que visa a proteção da instituição, mas que adianta
ou trava qualquer negócio que possa vir a ser realizado. O fazer negócios representa um
grande aprendizado para as instituições públicas de ciência e tecnologia brasileiras;
9- aprendizado no lidar com as questões de propriedade intelectual e industrial; hoje
como foi visto anteriormente, a questão da propriedade industrial e intelectual regula o
mercado das inovações, especialmente as farmacêuticas. As instituições que querem
realizar ou participar do desenvolvimento tecnológico têm que estar capacitadas para
lidar com estas questões no sentido de garantir as posições conquistadas;
10- elaboração de propostas e projetos relacionados com a fase botânico-agronômica
(Farmácias Verdes e Projeto da Colônia Juliano Moreira); estes dois programas
ampliaram a capacitação na elaboração de projetos sustentáveis, intersetoriais e
estabeleceram o aprofundamento da discussão da fitoterapia na saúde pública, plantas
medicinais como insumo farmacêutico, benefícios e vantagens da biodiversidade,
84
agroecologia, processamento para fins farmacêuticos, estabelecimento de metodologias
para a certificação de mudas para uso industrial farmacêutico, bem como a discussão da
elaboração de extratos de referência e padrões químicos e ainda rendeu o início da
organização de um herbário, um horto, uma área de cultivo para a produção de espécies
vegetais em desenvolvimento pelo grupo de Far-Manguinhos. Projetos foram
elaborados em cinco estados brasileiros com assentamentos da reforma agrária quando
também foram experimentadas as necessidades de metodologias participativas para sua
implementação. O convívio mais estreito com outras instituições, públicas e privadas,
voltadas para a pesquisa, manejo agrícola e produção permitiu vislumbrar o
dinamismo na inovação farmacêutica que o desenvolvimento local poderá propiciar.
Muitos obstáculos estavam no percurso desta experiência e merecem ser analisados:
1 - a visão modo 1 (Gibbons, 1977) e o preconceito com o desenvolvimento. Ela faz
parte da cultura da Fiocruz e discrimina profundamente tudo o que não é considerado
ciência pura. Esta também é a visão predominante nas universidades, sendo
considerada responsável pela dificuldade na formação de equipes que vinham com uma
visão departamental e individual de pesquisa. Os pesquisadores além de não terem tido
experiências profissionais multidisciplinares em função de solucionar problemas para
atingir um objetivo, ainda contavam com uma visão preconceituosa dos seus pares
dentro e fora da instituição. Além disto, aspectos políticos e culturais da Fiocruz que
não são adequados ou que freiam as iniciativas e reduzem a velocidade necessária para
o êxito do desenvolvimento tecnológico;
2 - a falta de um programa institucional assumido pela presidência da Fiocruz que pelo
fato da importância estratégica, assegurasse sua continuidade, abrigando o embrião de
novas formas de organização capazes de atuarem efetivamente nas demandas típicas da
Era do Conhecimento;
3- a falta de uma estrutura independente. Apesar do fato que os fitofármacos e
fitoterápicos representem hoje uma grande oportunidade em termos do mercado global
de medicamentos, e de que toda a experiência de Far-Manguinhos ter sido apoiada na
lógica de P&D, fato que trouxe o reconhecimento de sua importância, esta atividade
deveria ter uma infra-estrutura independente daquela voltada para apoiar a produção, já
bastante pressionada pelas demandas ministeriais. Além disto, como foi visto, este
85
processo envolve um universo que extrapola a concepção industrial, necessitando de
uma coordenação com autonomia e flexibilidade para realização dos seus objetivos;
4 - a falta de conhecimento e treinamento em modelos de gestão apropriados ao
desenvolvimento. Há que se observar a dinâmica da gestão do conhecimento. Neste
setor, não deve haver gestão sem planejamento estratégico de forma a evitar o risco de
dispersão de recursos, a falta de foco e o tempo para realizar a inovação. As
contratações devem trazer profissionais já formados com esta visão. Programas de
treinamento deveriam ser contínuos melhorando a percepção do tipo de trabalho a ser
realizado;
5- uma política definida pelo governo federal com o caráter transversal, evitando assim
a disputa de recursos e o entendimento básico de quais são os objetivos entre os
diversos ministérios.
Capítulo 4 - O papel da Fiocruz
4.1 - O papel dos Institutos Públicos de Ciência e Tecnologia
A alternativa à corrente neoclássica atualmente descreve as relações entre os diversos
atores, os espaços sócio econômicos e as trajetórias dos sistemas técnico-econômicos,
tratando, portanto, as instituições e as organizações sob este ponto de vista. O sistema
de saúde pode ser considerado como um conjunto de atores e organizações que atuam
na provisão financiamento, regulação de serviços de saúde, na produção,
desenvolvimento, financiamento, distribuição e regulação de bens de saúde, como é o
caso da indústria de equipamentos médicos e do complexo farmacêutico, na pesquisa e
desenvolvimento de produtos e processos. Por sua vez, o sistema de inovação em saúde
poderá ser considerado o espaço em que diversos indivíduos e organizações agem e
interagem na geração, seleção, transformação e difusão de tecnologias e inovações para
a produção e aprimoramento de bens e serviços de saúde (Gadelha, 2001).
86
Desta forma, é descrito o papel das empresas no processo da inovação, relacionado com
pesquisas que viabilizam a disponibilização de conhecimento útil, desenvolvimento de
instrumentos científicos, treinamento de cientistas e engenheiros, formação de redes,
ficando os Institutos com provimento de infra-estrutura tecnológica, com a capacidade
da realização de trabalhos em longo prazo, sem as pressões de mercado, competência e
equipamentos para resolução de problemas específicos.
Mais do que estas atribuições, espera-se dos Institutos a geração do conhecimento
estratégico, essencial para própria manutenção, bem como para a formação e execução
de políticas públicas, geração de oportunidades de desenvolvimento econômico, social
e ambiental e, não menos importante a arbitragem (Salles-Filho apud Gadelha, 2001).
Para desempenhar seu papel, os Institutos devem estar articulados com as políticas
governamentais. O papel dos institutos públicos de C&T no processo de
desenvolvimento econômico social do país depende da teoria econômica que o próprio
país adota como ponto de partida, uma vez que na teoria neoclássica não existe espaço
eles. Além disto, os sistemas de inovação constituirão o cenário aonde desempenharão
seu papel. Considerando este cenário, devem estimular as iniciativas empresariais de
inovação, ampliando o gasto privado com atividades de P&D e as iniciativas
empresariais de inovação e de absorção de novos conhecimentos tecnológicos,
fortalecimento das instituições que fazem parte do sistema nacional de inovação,
principalmente aquelas que consigam estruturar uma base de formulação de políticas e
de financiamento de prioridades voltadas para a consolidação do sistema.
Na área da saúde brasileira, a Fiocruz com mais de um século de história, destaca-se
como uma instituição referência, reconhecida mundialmente como um dos maiores
potenciais da América Latina, atuando em áreas distintas e complementares que
abrangem a pesquisa, a formação de recursos humanos, centros de referência em
diversas linhas de investigação e formulação de políticas e modelos, agregando ainda a
experiência da industrialização de medicamentos e vacinas, utilizados maciçamente nos
programas nacionais de saúde. Esta estrutura peculiar aponta para uma grande
potencialidade de atuação na pesquisa e desenvolvimento de insumos, bem como no
exercício da difusão ou transferência do conhecimento técnico científico. A Fiocruz tem
proficiência reconhecida na pesquisa biomédica e social em saúde, possuindo a maior
estrutura pública empresarial de desenvolvimento de medicamentos e vacinas além de
87
manter em seu campus, o órgão nacional de referência para o controle de qualidade em
saúde.
A Instituição possui capacidade para contribuir com a formulação e a avaliação política
de Ciência Tecnologia e Inovação em Saúde, para subsidiar a regulação da atuação do
setor privado na saúde e para o oferecimento de um modelo de utilização de ciência e
tecnologia pelo sistema de saúde e pelo setor industrial. É necessária a vontade política
de realizar.
Entretanto, enquanto nos países desenvolvidos, as políticas públicas através de suas
instituições compatibiliza as atividades de proteção e promoção da saúde com as
atividades inovadoras e de geração do conhecimento, ainda convivemos na Fiocruz,
com uma desarticulação acentuada entre o Sistema de Saúde e o Sistema de CT&I,
impedindo a aplicação dos resultados das atividades de P&D para atender às demandas
sociais. A Fiocruz faz parte dos setenta grupos que realizam pesquisas químicas,
farmacológicas e agronômicas em produtos naturais que atuam no país, de forma não
coordenada, sem política definida para o setor, sem liderança e conseqüentemente com
baixo impacto econômico social (Ferreira, 1998).
Apesar da abrangência e complexidade de sua organização, a Fiocruz, nas últimas
décadas, poderia ter avançado mais no desenvolvimento tecnológico em saúde, não
fossem uma série de fatores que vão desde a ausência de mecanismos para o
estabelecimento de prioridades, a insuficiência de recursos financeiros, insatisfatória
integração, precariedade dos mecanismos de planejamento, gerenciamento, avaliação
dos resultados das pesquisas, até a pouca familiaridade com o sistema de propriedade
intelectual por parte dos envolvidos no processo. Falta de uma estrutura estratégica para
a gestão da tecnologia e P&D, talvez devido ao fato da alta administração participar
pouco da definição dos programas institucionais.
Se considerarmos para a nossa área uma política de desenvolvimento que contemple a
criação de um Sistema de Arranjos Locais Produtivos, promovendo a participação da
sociedade na sua elaboração e implementação, que promova a geração do conhecimento
necessária para atender às demandas da cadeia produtiva a partir dos biomas e que gere
demandas tecnológicas específicas, a conformação múltipla da Fiocruz abre uma gama
88
de possibilidades para o desenvolvimento científico e tecnológico no setor de fármacos
e medicamentos, resultando na melhoria dos padrões de saúde pública no país.
O cenário exposto no decorrer deste trabalho aponta para as oportunidades existentes na
indústria farmacêutica mundial no que diz respeito ao desenvolvimento de novos
fármacos, a utilização de fitoterápicos, a vantagem das moléculas vegetais. Se
considerarmos o mercado interno e a sustentabilidade do sistema, poderíamos fazer o
cálculo de quanto o Sistema Único de Saúde movimentaria, no caso de adotar um
programa de fitoterápicos na sua rede e de que forma isto representaria um atrativo para
novos investimentos neste setor.
4.2 - O Programa Institucional de Desenvolvimento de Medicamentos de Origem
Vegetal
Objetivos – Em decorrência de toda a exposição e discussão apresentada nesta
dissertação, onde foram levantadas as oportunidades na indústria farmacêutica, como
também a forte recomendação da OMS no sentido de estruturar as políticas públicas
pertinentes, baseado no que poderia se chamar de teorias pós-schumpeterianas acerca da
inovação, além de ter demonstrado a vantagem competitiva dos biomas brasileiros,
acreditamos que um programa institucional voltado para o desenvolvimento de
fitomedicamentos viabilizaria o exercício pleno do papel da Fundação Oswaldo Cruz
neste cenário.
O Programa Institucional de Desenvolvimento de Medicamentos de Origem Vegetal
tem como objetivos a pesquisa, o desenvolvimento e a produção de produtos que
ocupam um nicho de mercado estratégico no âmbito da Saúde, onde soluções são
exigidas em relação à questão do acesso aos medicamentos, a regulação de preços
destes insumos pelo Estado e a difusão de tecnologias, tomadas como produtos da
formulação de uma política integrada, que venha a promover o bem-estar dos
brasileiros.
O patrimônio genético do Brasil é o maior do mundo, e seria no mínimo ingênuo
ignorá-lo como um bem social maior, incorporado aos conceitos de desenvolvimento
sustentável e de oportunidade ímpar para um país em desenvolvimento, mais que a um
ônus que se deva tolerar, ausente de tecnologias adequadas de suporte que possam
89
explorar adequadamente este potencial; ou mesmo que deva ser substituído
inadvertidamente por práticas repetitivas e sem valores agregados da agricultura
tradicional, que se pauta única e usualmente na expansão de fronteiras agrícolas, sem
considerar os altos impactos ambientais ao planeta e, em particular, ao país que contém
este patrimônio inserido em seu meio ambiente.
O aproveitamento da flora nacional é de fundamental importância para um
desenvolvimento tecnológico “autóctone” de novos produtos, bens e serviços, uma vez
que o Brasil é um dos raros países em época de globalização desenfreada, que tem em
seu patrimônio genético a máxima expressão da diversidade da constituição da flora.
A oferta de fitomedicamentos, desenvolvidos de acordo com os preceitos éticos
universais, insere-se completamente dentro da proposta de uma Política Nacional de
Inovação em medicamentos, para uma nação como o Brasil.
Potencializar e acelerar o desenvolvimento de produtos, fármacos, medicamentos
significará, portanto, estabelecer a melhor forma de traduzir a biodiversidade. Esta
forma passa pela criação dos Arranjos Locais que representaria o avanço na fabricação
de novos produtos, ao mesmo tempo em que funcionaria como fonte de prospecção e
dinamização na gestão do conhecimento, adotando as características organizacionais de
cada região, definida por bioma e sub–bioma.
O programa institucional da Fiocruz deverá ter como objetivos, portanto, duas grandes
áreas: A produção de fitoterápicos para constituírem a relação básica do SUS e,
simultaneamente, a partir daí, a busca de novos fitofármacos. A sua implantação
implicaria na formação de redes representando os biomas nacionais. Para tanto, este
programa deverá estar fundamentado em pilares que são: 1- Sistema de Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D); 2- Sistema de Inteligência Competitiva (SIC); 3- Integração
institucional; 4- Integração nacional; 5- Deverá ser compreendido como um programa
estratégico da Fiocruz e ter autonomia e flexibilidade. 6- Só alcançará êxito se
realmente, lhe for garantido um caráter executivo.
P&D- O setor de P&D deverá trabalhar dentro dos modernos conceitos de gestão,
tecnologia e inovação, desenvolvendo uma visão integrada P&D, utilizando o
planejamento estratégico como ferramenta no que diz respeito à formulação e revisão
90
dos seus objetivos, bem como a seleção priorização e avaliação dos projetos de P&D. É
necessário ter a clareza que a estruturação do setor estará voltada para o P&D radical,
cujo objetivo é o desenvolvimento de novos processos e produtos.
O conhecimento das melhores práticas de gestão implica em buscar continuamente o
seu aprimoramento no ambiente organizacional. O conhecimento será gerado,
organizado e sistematizado dentro da Fiocruz, através da integração multidisciplinar e
fora da instituição, através dos contratos de cooperação com parceiros de outras
instituições públicas ou privadas que atuem no setor. Pautados na utilização do modelo
de quinta geração de Rothwell (Stollenwerk, 2003), que prevê a integração de sistemas
e redes e tem como características: forte relacionamento com os principais clientes (foco
no cliente); integração estratégica com os fornecedores, incluindo co-desenvolvimento
de produtos, desenvolvimentos em paralelo e sistemas interligados. Além disto, a
estratégia em tempo real baseada na flexibilidade e na velocidade da resposta deve ser
absolutamente considerada. Deve-se focar também a qualidade e custos. Por considerar
a relevância destas linhas mestras é que julgamos necessária a construção deste modelo
com a constituição de um grupo de especialistas, parte integrante da Coordenação do
Programa, através da gerência de P&D, composto por profissionais especializados nos
processos inerentes a cada etapa descrita na plataforma metodológica para o
desenvolvimento tecnológico de fitomedicamentos. É neste ambiente que os
laboratórios estarão efetivamente desenvolvendo ou validando fitofármacos e
fitoterápicos. Terão que contar com a infra-estrutura de equipamentos e pessoal
treinado para dar resultados nas áreas: botânico-agronômica, que compreende as
subáreas de levantamento, coleta e manejo; químico-farmacêutica, que compreende a
química e formulação; biomédica, que compreende a farmacologia, toxicologia e
ensaios clínicos. É o setor que estabelece metodologias, tecnologias e padrões
provenientes das plantas brasileiras para responder às demandas nacionais e
internacionais de desenvolvimento. A lógica de P&D garantirá os bons resultados
deste programa. As legislações sobre biodiversidade, vigilância sanitária e a de
propriedade intelectual e industrial têm um papel igualmente fundamental para o
desenrolar pleno deste tipo de desenvolvimento, realizado através de parcerias, onde
há que se determinar qual a participação de cada instituição, que contratos realizarão o
sigilo industrial; que contratos garantem a inserção social, de que forma será realizada a
participação dos pesquisadores, comunidades ou instituições em cada etapa do
91
desenvolvimento. A resposta ágil a estas questões determina a vantagem e o sucesso
(Siani, 2003), (Stollenwerk, 2003).
SIC – Para que o programa tenha êxito e exerça o caráter estratégico de suas iniciativas
seria fundamental adotar a coleta ética e o uso da informação pública e publicada
disponível, sobre tendências, eventos e atores, fora das fronteiras da organização. Da
mesma forma é fundamental identificar quais são as necessidades; coletar
sistematicamente e de forma relevante a informação, para em seguida, processá-la
analiticamente, transformado-a em elemento para tomada de decisão. O produto final da
é a informação analisada, de interesse para os tomadores de decisão, sobre o meio
ambiente, presente e futuro, no qual o programa opera. Em outras palavras o programa
assumirá a construção de um Sistema de Inteligência Competitiva voltado para o
desenvolvimento tecnológico de fitomedicamentos. O Sistema estará contribuindo para
a redução da incerteza na tomada de decisão, evitando surpresas, olhando para o futuro,
prevendo as grandes mudanças estruturais da indústria, portanto prevenindo as surpresas
tecnológicas, ter a melhor perspectiva da capacidade atual e futura do concorrente e de
suas intenções e finalmente, avaliar de forma objetiva sua posição competitiva atual e
futura, identificando ameaças e oportunidades e ganhando vantagem no tempo de
resposta ou reação (Coelho, 2003).
Integração Institucional - Caberá à coordenação buscar a integração das diversas
unidades da Fiocruz em torno do Programa. A partir das potencialidades e demandas
regionais, serão indicadas aquelas prioritárias para a floresta amazônica, do semi-árido,
do cerrado, da mata atlântica, portanto indicando por si, a forma de integração das
seguintes unidades: Centro de Pesquisa Leônidas e Maria Deane em Manaus, Gonçalo
Muniz na Bahia, René Rachou em Minas Gerais. Esta coordenação realizará a
discussão do papel do Hospital Evandro Chagas na condução de ensaios clínicos, bem
como qual a participação efetiva do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em
Saúde na validação de metodologias e técnicas adequadas ao padrão que desejamos
atingir nas questões de segurança e eficácia. A Escola Nacional de Saúde Pública tem
participação assegurada na discussão e elaboração das políticas públicas de Ciência e
Tecnologia em Saúde, Além disto, tem nos seus quadros, profissionais capacitados
para atuar na concepção de ensaios clínicos, estabelecendo paralelamente parâmetros
para estudos de caráter epidemiológico e de farmacovigilância. A interface com o
Instituto Oswaldo Cruz, com seus múltiplos departamentos, deverá somar na produção
92
científica de uma antiga vocação de pesquisar a flora brasileira. O Centro de
Informações Científicas e Tecnológicas poderá assessorar a implantação do Sistema de
Inteligência Competitiva do Programa.
PDTIS – No contexto atual, a inserção de um Programa com a dimensão estratégica do
desenvolvimento de medicamentos de origem vegetal trará obrigatoriamente reflexões
acerca do espaço e da forma. Esta proposta sugere um novo formato para o PDTIS que
passaria a ser constituído pelas coordenações dos programas das áreas de genoma e
proteoma, vacinas recombinantes e insumos para diagnóstico e medicamentos e
bioinseticidas. Estas coordenações seriam realizadas no espaço do CDTS, de Bio-
Manguinhos e Far-Manguinhos respectivamente, estabelecendo suas relações com as
redes internas e externas, potencializando de forma expressiva a integração institucional
comprometida com a realização da inovação. Estas proposições partem da constatação
que as razões que motivaram sua criação do PDTIS correspondem às mesmas que o
Programa ora apresentado de fitomedicamentos: transferência de tecnologias para o
setor produtivo; a necessidade de exploração do potencial de desenvolvimento sinérgico
existente na Instituição, único no país, e que consiste na integração entre a pesquisa, o
desenvolvimento tecnológico e a produção; o impacto da pesquisa e do
desenvolvimento tecnológico no setor saúde sobre a economia nacional; e a
necessidade de implantar uma “cultura” de desenvolvimento tecnológico no ambiente
de pesquisa da Fiocruz. Apesar da coincidência das proposições gerais entre os dois
programas, discutiremos a seguir alguns pontos considerados relevantes na formulação
desta proposta:
1- O PDTIS é estruturado em função de redes que atuam nas áreas de insumos,
genoma e modelos biológicos. De forma matricial e no âmbito institucional, foram
formuladas e definidas quais as prioridades de desenvolvimento e de ação. As quatro
primeiras redes cooperativas formadas foram: Rede Cooperativa de Desenvolvimento
de Vacinas Recombinantes e de DNA; Rede Cooperativa de Desenvolvimento de
Medicamentos e Bioinseticidas; Rede Cooperativa em Proteoma e Genoma Estrutural;
Rede Cooperativa de Desenvolvimento de Insumos para Diagnóstico. Sua estrutura
orgânica é composta por um Núcleo Gestor, Coordenação de Redes e Gerência de
Projetos. O Núcleo Gestor tem as seguintes funções: Coordenação Geral; Gerência
Geral; Gerência Técnico-Científica; Gerente de Propriedade Intelectual e Parcerias;
Gerência de Planejamento Estratégico; Gerência Orçamentária; Apoio administrativo.
93
Ao Núcleo Gestor, ligado à Vice-Presidência de Pesquisa e Desenvolvimento
Tecnológico da Fiocruz, compete analisar, selecionar e acompanhar técnica e
economicamente todos os projetos, gerando procedimentos que permitam sua
implementação e o gerenciamento das redes cooperativas. A Coordenação de Redes atua
como ponte entre o Núcleo Gestor e Gerência de Projetos. Avalia o resultado dos projetos,
acompanha técnica, quantitativa e qualitativamente o andamento, verificando o
cumprimento de prazos, objetivos e metas, analisando necessidades financeiras e
garantindo o cumprimento das normas de qualidade em todas as fases do projeto. A
Gerência de Projeto atua junto aos Responsáveis Técnicos e são responsáveis pelo
cumprimento das metas estabelecidas e acompanhamento do cronograma físico-
financeiro. Os Responsáveis Técnicos por sua vez, disponibilizam pessoal e estrutura
laboratorial para o desenvolvimento do projeto e assumindo a responsabilidade técnica
pelo cumprimento de todas as disposições descritas na Carta Compromisso. O modelo
de gestão do PDTIS é semelhante a outros previstos na literatura, tendo como diferenças
básicas os seguintes aspectos: os participantes descritos nos modelos são geralmente
empresas e institutos de pesquisa. A coordenação normalmente cabe a uma empresa
âncora. Comitê diretor com autoridade para redefinir o escopo, metas, prazos,
orçamento e etapas de desenvolvimento dos projetos normalmente é constituído por
pessoas que tenham afinidade com os objetivos do desenvolvimento (lógica de P&D
industrial), a ser realizado e não apenas por profissionais com um currículo acadêmico.
Cada área criada representa todo um universo absolutamente específico. Deveria haver
tantos núcleos quanto as áreas a serem desenvolvidas. A complexidade da gestão pode
inviabilizar resultados. A criação das áreas de desenvolvimento seria autorizada pela
Presidência da Fiocruz, após a participação da elaboração de uma política para a área.
Todos os projetos encaminhados e aprovados na Rede Cooperativa de Medicamentos e
Bioinseticidas estariam relacionados direta ou indiretamente com plantas medicinais o
que demonstra uma vocação institucional para atuar especificamente nesta área.
2- Hoje, a adesão às Redes Cooperativas se dá por intermédio das Cartas de Intenção,
que seguem as seguintes etapas: 1- recepção das propostas (Cartas de Intenção) de
pesquisadores ou grupos da Instituição pelo Núcleo Gestor, mais especificamente pela
Gerência Geral e Coordenadores de rede; 2- submissão de propostas (Cartas de
Intenção) a consultores ad hoc, selecionados dentro ou fora da instituição e de acordo
com a área da proposta a ser analisada. Cabe ao consultor ad hoc avaliar a adequação da
proposta ao edital, emitindo parecer justificado sobre recomendações favoráveis ou
94
desfavoráveis à adesão de propostas à rede; 3- Análise e seleção de projetos candidatos
por parte da Gerência Técnico-científica do Núcleo Gestor. 4- realização de oficinas de
trabalho com a participação dos pesquisadores e grupos pré-selecionados, para a
discussão das propostas. 5- a análise orçamentária é realizada pelo Núcleo Gestor,
envolvendo os Coordenadores de Rede, a Coordenação Geral e a Gerência
Orçamentária, utilizando-se do Sumário Executivo do Projeto elaborado pelos
pesquisadores, contendo um cronograma físico-financeiro de execução. 6- formalização
das redes através de “Termo de Compromisso”, assinado pela Vice-Presidência de
Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico, Diretores de Unidade, Gerência Geral,
Coordenadores de Rede, Gerentes de Projeto e Responsáveis Técnicos. O
acompanhamento dos projetos é realizado através de dois relatórios uma quadrimestral
e um anual. Dois fatos chamam a atenção neste processo: o primeiro é que o
pesquisador pode escolher qualquer objeto dentro da Rede, o que pulveriza recursos. O
segundo é que uma consultoria ad hoc interna ou externa, nem sempre, tem uma visão
das prioridades estabelecidas por novas políticas públicas, das demandas sociais e nem
sempre encara a modificação de processos como inovação. Os papéis da indústria e de
outros atores da cadeia produtiva, não são explicitados nas redes, no Núcleo e nem pela
Instituição. A possibilidade de estarmos investindo em objetos importantes apenas do
ponto de vista acadêmico é grande. Em alguma instância caberia o retorno da crítica de
fora da instituição, de representantes da sociedade bem como dos atores supra
mencionados.
3- Os recursos financeiros destinados ao PDTIS são provenientes de duas fontes: do
orçamento da Fiocruz advindo do tesouro, e do resultado financeiro obtido através da
venda de bens e serviços pelas Unidades de produção da Fiocruz. O orçamento do
PDTIS, após aprovação do Conselho Deliberativo da Fiocruz, é alocado na Vice-
Presidência de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico. São controlados pela
Gerência Orçamentária do Programa os fluxos de liberação e execução financeira. O
repasse financeiro destinado à execução dos projetos que compõem as redes
cooperativas é aprovado pelo Núcleo Gestor do PDTIS, que considera os critérios de
disponibilidade orçamentária anual do Programa, avaliação do cronograma de execução
de cada etapa do projeto, e necessidades de execução dos projetos. Este caminho é
longo, burocrático e arriscado. Parte da receita proveniente dos recursos diretamente
arrecadados das unidades produtoras deveria ser investida nos projetos ou programas
afins com sua natureza. O recurso do tesouro deveria cobrir os projetos que não contam
95
com outra fonte de financiamento. Além disto, no modelo atual as esperadas agilidade e
flexibilidade na execução orçamentária no que diz respeito, por exemplo à aquisição de
insumos e equipamentos, ficam comprometidas pela complexidade de demandas
provenientes de cada unidade da Fiocruz, não bastassem as limitações impostas pela
própria legislação pública federal.
Além disto, uma dotação orçamentária de, por exemplo, R$ 6.000.000,00/ano, se
dividida por quatro áreas com uma média de 13 projetos cada, corresponde a uma
receita de R$ 115.384,61. O que representa menos que R$ 10.000,00/mês. Mesmo
considerando o fato que o PDTIS é apoiado por convênios da Fiocruz com CNPq e
FAPERJ que facultam a contratação temporária de recursos humanos qualificados para
os projetos, é necessário repensar a otimização da utilização dos recursos. É necessário
definir também a forma com que recursos de outras fontes, da indústria ou mesmo de
outros países, possam participar do processo de desenvolvimento esperado.
Estrutura - A estrutura necessária para assegurar os objetivos acima descritos
dependerá da decisão política e da ousadia de se inovar na forma da organização,
mudando algumas regras do jogo. O PDTIS abrigaria na sua estrutura a Coordenação
do Programa composta de duas instâncias. Um Conselho e um Núcleo Executivo. O
Conselho seria composto por representantes da Indústria, Agricultores, Ministério da
Saúde, Vice Presidência de Pesquisa e Desenvolvimento e da Diretoria de Far-
Manguinhos. Sua função seria a discussão e validação das bases políticas do Programa,
bem como uma avaliação constante do desempenho previsto. É a instância que avalia o
desempenho do Núcleo Executivo.
O Núcleo Executivo será composto por gerentes de P&D, Inteligência Competitiva (IC),
Integração Institucional (II), Integração Externa (IE), Administração, Negócios e um
Diretor. A gerência de P&D atuará nos moldes descritos acima, sendo responsável pelo
planejamento estratégico e pelo estabelecimento de metodologias pertinentes a cada
etapa, bem como apontará as prioridades para o desenvolvimento dos trabalhos em
redes tanto as internas como as externas. Contará com o suporte do grupo de
especialistas em cada etapa do desenvolvimento tecnológico. O grupo de especialistas
acompanha de perto toda a implantação, implementação, gargalos e demandas de cada
projeto, de cada fase até a validação, registro de produtos. Seria da competência da Vice
96
Presidência e com o referendo do Conselho aprovar a composição do Núcleo Executivo
bem como o planejamento e execução das ações contidas neste programa.
Cabe aqui elucidar o fato de que existem duas grandes divisões de trabalhos realizados
por pesquisadores e laboratórios: a fase um busca trazer todas as informações possíveis
sobre as espécies vegetais que vão desde o conhecimento popular ou tradicional até o
isolamento de moléculas. A fase dois é absolutamente comprometida com elaboração e
validação de um produto. Portanto, sugere-se que os laboratórios que atuem em projetos
na fase dois, sejam comprometidos com a exclusividade, enquanto estejam ligados ao
programa.
A Gerência da IC coordenará projetos que lidem com o conhecimento, a informação
que transformados em inteligência deverão estar disponibilizados a Coordenação bem
como para a elaboração do planejamento estratégico.
As Gerências de Integração Institucional e Integração Externa atuarão na gestão das
redes internas e externas neste processo de desenvolvimento. O repasse de toda a
informação e metodologias, bem como o acompanhamento e avaliação dos resultados.
Cabe esclarecer que os projetos externos deverão contar com recursos próprios,
adotando apenas a sistemática do trabalho de desenvolvimento, como condição de
participação nas redes.
A Gerência Administrativa dará suporte à Direção do Núcleo, como também se
encarregará de controlar os repasses e execução orçamentária de tudo que envolve o
Programa.
A Gerência de Negócios lidará com toda a parte contratual interna e externa, aspectos
jurídicos, propriedades intelectuais e industriais, registro. Caberá a ela o
estabelecimento de novas formas de parcerias que consigam viabilizar a chegada de
equipamentos e insumos em tempo hábil.
Financiamento, orçamento e execução- O financiamento para o programa, permanece
da mesma fonte acrescido de potenciais investimentos de fora, que precisam achar a
melhor forma contratual para sua realização, mas não iria até a Vice Presidência para
depois ser redistribuído e sim na Unidade com o carimbo do Programa. Caberia ao
97
Núcleo a responsabilidade da execução orçamentária nos projetos prioritários do
Programa, evitando eventuais oscilações da unidade.
Investimentos Quanto aos investimentos necessários à implantação serão muito
reduzidos pois a maioria das estruturas já existe, cabendo apenas o bom senso da
negociação interna com a Unidade para direcioná-las dentro da lógica de P&D e das
bases políticas aqui discutidas.
A atuação da Fiocruz no desenvolvimento de fitoterápicos foi assinalada como uma
prioridade no seu plano quadrienal. A implementação deste programa só cumprirá seu
propósito, entretanto, a partir da vontade política dos seus dirigentes em assumir a
execução do projeto, o que implica a promoção da própria inovação institucional com
norte, foco e integração.
Conclusões
Grande motivação deste trabalho foi tentar levantar algumas questões baseadas nas
modernas teorias acerca do desenvolvimento, da tecnologia, do conhecimento que, de
forma participativa, orienta e situa o papel das instituições tecnológicas atendendo às
demandas sociais. Um programa institucional deve ser projetado com o que há de mais
moderno para garantir seu caráter estratégico, observando em todos momentos que
demandas são geradas neste novo cenário.
A história e memória da comunidade científica que há mais de cinqüenta anos lida com
a pesquisa de plantas medicinais (Fernandes, 2001) deixam claro que apesar da grande
estrutura organizada para lidar com esta tarefa, a falta de uma política pública nacional e
específica contribui com a manutenção do hiato, até hoje existente nesta área, entre o
produto da ciência e o produto colocado no mercado.
As contribuições para o estabelecimento de políticas para o setor, ainda se encontram
estruturadas a partir da lógica do chamado modo 1 de Gibbons, atribuindo apenas aos
cientistas a coordenação das propostas (Ferreira, 1998). Elas confirmam a tendência do
hiato, promovendo de certa forma a corrente que baseada em indicadores econômicos
de investimentos, faturamento e patentes, limitam as possibilidades da inovação e do
desenvolvimento de medicamentos de origem vegetal.
98
A contribuição efetiva de um novo modelo de desenvolvimento é transformar a
realidade dos recursos naturais da flora brasileira, condenada a extinção, em vantagem
competitiva, considerando aspectos da inserção social e preservação ambiental
relacionados com os biomas brasileiros. Além disto, aponta ainda para um caminho no
qual a sociedade, através do fomento de vários mecanismos de participação, assume o
desenvolvimento como sendo seu próprio projeto, fazendo com que os processos de
aprendizagem coletiva, cooperação e dinâmica inovativa de aglomerações, arranjos ou
sistemas produtivos locais assumam importância fundamental nos desafios colocados
pela difusão na era do conhecimento.
A condição de um país conquistar uma posição mais digna nesta nova ordem mundial
passa portanto necessariamente pela superação da divisão internacional, onde os países
desenvolvidos tendem a se especializar na criação e comercialização de projetos,
produtos e conteúdos, enquanto os países ou regiões menos desenvolvidos restringem
seu papel ao de consumidores de equipamentos, tecnologias e conteúdos ou
manufaturando produtos baseados em tecnologias exógenas, projetados nos países
centrais, como é exatamente o caso da indústria farmacêutica (Lastres, 2001).
A prospecção molecular voltada para criação de modelos de fármacos ou mesmo para
garantir o isolamento e o desenvolvimento de novos fármacos de origem vegetal
representa hoje, sem dúvidas uma enorme oportunidade de entrada para países que
como o Brasil tenham uma biodiversidade exuberante. Por outro lado, os fitoterápicos
há muito deixaram de ser considerados “alternativos” no mercado internacional. É
válido pensar, portanto, que pelo fato de que cada bioma apresentar um sem número de
possibilidades específicas, bem como toda uma cultura baseada no uso tradicional, a
política de desenvolvimento deveria contemplar simultaneamente fitofármacos e
fitoterápicos, estudados, desenvolvidos e produzidos a partir de cada região.
Desta forma, o foco de um programa de desenvolvimento tecnológico de medicamentos
de origem vegetal da Fiocruz deverá estar centrado na formulação e embasamento
tecnológico de fitoterápicos regionais que componham uma relação nacional utilizada
por todo o Sistema Único de Saúde, promovendo assim uma enorme expansão do
acesso aos medicamentos, financiando ao mesmo tempo o início do desenvolvimento
local. Além disto a própria organização metodológica e de gestão sugere a redução de
incertezas, o aprimoramento de tecnologias e, portanto uma redução nos custos finais do
99
desenvolvimento de novos fármacos para a indústria, abrindo assim amplas
possibilidades de grandes financiamentos no setor.
A experiência vivenciada em Far-Manguinhos no passado recente, reuniu a competência
no aprendizado, no conhecimento tácito, desenvolvimento de produtos, patentes e
parcerias, nas novas formas de gestão, mas lidou também com as questões relacionadas
à matéria-prima do ponto de vista agroecológico, participativo e social.
Cabe ressaltar que a proposição de um programa construído neste cenário por ser uma
demanda e um desafio do Mestrado Profissional em Gestão de Ciência e Tecnologia,
abre uma série de lacunas a serem desenvolvidas e detalhadas em estudos posteriores
devido a sua extensão e complexidade. Entretanto, sugere a importância e urgência no
comprometimento da Fiocruz com sua realização.
100
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Maria das Graças Henriques, Março de 2004, Fita 1
Antônio Carlos Siani, Março de 2004, Fita 2
Eloan Pinheiro dos Santos, Março de 2004, Fitas 3 e 4.
105
ANEXO 1 – Glossário
-Adjuvante Farmacotécnico – Substâncias químicas, sem atividade farmacológica,
utilizadas na formulação dos medicamentos. ( diluentes, encorpantes, espessantes,
lubrificantes, estabilizantes, corantes, aromatizantes etc.)
-Fármaco – Substância química de constituição definida com atividade farmacológica.
Principal constituinte do medicamento. Pode ser produto de síntese química,
biotecnológico, das duas vias ou isolado de extratos vegetais.
-Fitoderivado – Produtos de origem vegetal: medicamentos, fármacos, corantes,
alimentos, etc.
- Fitofármaco – É o fármaco isolado dos extratos vegetais.
- Fitomedicamento – Medicamentos ou fármacos de origem vegetal.
-Fitoterápico – Medicamento originado exclusivamente de material vegetal, ou seus
extratos, usado com o propósito de tratamento médico. Expressões correspondentes:
herbal drugs, phytomedicines, botanical drug.
-Genérico - Medicamento Genérico – São medicamentos que tem a mesma atividade
que um medicamento similar ou a um de referência, produzido após expiração
patentária e efeito comprovado por testes de biodisponibilidade e bioequivalência. O
nome é designado pela DCB ou DCI (Denominação Comum Brasileira; Denominação
Comum Internacional).
- Medicamento – Forma farmacêutica resultante da formulação de um ou mais fármacos
com os adjuvantes farmacotécnicos e o veículo.
- OTC (Over-The-Counter) – Conjunto de produtos farmacêuticos, que dispensam
receita médica para sua comercialização.
106
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