BELMIRO BRAGA, UM POETA À BEIRA DO CAMINHO NOVO Leila Maria Fonseca Barbosa Marisa Timponi Pereira...

Preview:

Citation preview

BELMIRO BRAGA, UM POETA À BEIRA DO CAMINHO NOVO

Leila Maria Fonseca BarbosaMarisa Timponi Pereira Rodrigues

Professoras-pesquisadoras da História Literária de Juiz de Fora

A hoje cidade de Belmiro Braga origina-se da fazenda Boa

Vista de Joaquim Gouvea de Oliveira que a vende a Joana Claudina

de Jesus que, por sua vez, a doa para nela ser fundado um

povoado em homenagem à mãe de Maria, Santa Ana. Com origem

histórica ligada à abertura do "Caminho Novo“, o arraial tem a

denominação inicial de Vargem Grande, em 1857 e é elevado a

distrito civil em 1882. Muda o nome para

Ibitiguaia em 1943 e constitui-se em município

em 1962, incorporando os distritos de Três Ilhas

e Porto das Flores.

SANTA ANA – mãe de Maria

Sua população atual é de 3.421 habitantes, e sua

economia apoia-se na agricultura de subsistência e

pecuária. 

José Procópio Fº, em Aspectos da vida rural de

Juiz de Fora, à p. 172, mostra que, em auto-referência, “o

poeta Belmiro Braga nunca esquece seu rincão, que

relembra nos seguintes belos e sentimentais versos:

Foi aqui, neste plácido retiro,

Ouvindo a voz amiga de teus pais,

Que a infância alegre te correu, Belmiro,

A alegre infância que não volta mais...”

Em uma fazenda vizinha, a Bom Jesus, morava o Major Joaquim José Nogueira Jaguaribe (Quincas), avô do médico e também escritor, o grande memorialista Pedro Nava, que , ao se autodescrever, revela sua ligação com o caminho novo:

Eu sou um pobre homem do Caminho Novo das Minas dos Matos Gerais. Se não exatamente da picada de Garcia Rodrigues, ao menos da variante aberta pelo velho Halfeld e que na sua travessia pelo arraial do Paraibuna, tomou o nome de Rua Principal e ficou sendo depois a Rua Direita da Cidade do Juiz de Fora. (Baú de ossos, p.12)

Igreja Matriz de Santana - Belmiro Braga

Coreto da Praça da Matriz

Interpretação do escudoO escudo evidencia os três distritos municipais: Belmiro Braga, Porto das Flores e Três Ilhas; a lira destaca a presença de grande poeta mineiro, nascido na localidade, as três faixas de prata a topografia hidrográfica da região, constituídas pelos rios, Paraibuna, Rio Preto e Peixe; a Flor de Liz, Nossa Senhora SantAna, padroeira da localidade.

Vermelho – Intrepidez; Azul – (Blau)- Serenidade; Verde –( Sinople) – Abundância

Na Anunciando nosso poeta da beira-da-estrada,

Murilo Mendes às p. 40-2 de A idade do serrote,

refere-se a seu mestre:

“Lá vem o volante Belmiro Braga sorrindo no seu terno xadrez e chapéu Panamá percorre a cidade toda, seu diariamente cravo vermelho ou cor de rosa pregado na botoeira, lá vem o poeta de braços abertos a pobre e rico, a letrado e ignorante... me ensina a rimar e metrificar, mais tarde me abre a caverna da sua biblioteca, onde durante mil e uma tardes descubro Bocage, Antônio Nobre, Cesário Verde, Camilo...”

Nascido a 7 de janeiro de 1872, na Fazenda da Reserva, Belmiro Belarmino de Barros Braga é o poeta que revela a vida da província, cuja aparência calma e tranquila encobre ansiedades, tramas secretas e a necessidade de ultrapassar as montanhas para fazer ecoar, mundo afora, os sentimentos líricos, as observações épicas, o sentido dramático do cotidiano rotineiro, monótono e incolor.

A Fazenda da Reserva, onde nasceu, ficava "entre altos morros, nas abas da serra Criminosa”, conforme descreve o poeta em seu livro de memórias Dias idos e vividos.

Ali, reside com seus pais, que mantêm, além do sítio, uma venda à beira da estrada. Ali, aprende as primeiras letras e aos 11 anos (março de 1883), vai estudar no Atheneu Mineiro em Juiz de Fora, mas volta à casa logo depois, em outubro do mesmo ano, devido à morte da sua mãe.

Troca, então o banco da escola pelo balcão de venda.Belmiro Braga é “descoberto por Fernandes

Filgueiras (precursor da pediatria brasileira), de quem se torna amigo e a quem deve o presente “A Metrificação”, de Castilho, como cooperação para seu aperfeiçoamento. Mas a descoberta não fica por aí. Algum tempo depois, o poeta (cearense) Antônio Sales, de passagem pela região, conhece seus versos e espalha com alegria haver descoberto um poeta” (In: NÓBREGA, Dormevilly, Poesia em Juiz de Fora: coletânea. p.67.)

O tempo passa e Belmiro parte em busca de novos horizontes, indo desbravar a terra mineira: Muriaé, Tombos, Carangola... Por essas paragens, vivencia várias peripécias: dorme em esteira dura, trabalha sem renumeração, mas vai conseguindo vencer com os versos e a letra caprichada, calígrafo dos livros de conta corrente de seu pai.

Faz boas amizades e, em Carangola, no ano de 1891, a 7 de fevereiro, casa–se com a filha de um advogado local, Ottíllia Portilho, com o qual teve três filhos, dois mortos na infância e o terceiro, José Epitácio, que herdou a verve satírica do pai, mas não deixou nada publicado.

Lar paterno A meu irmão Solano Braga

Nesta em que vivo, triste soledade,Os olhos rasos d’água, o peito em ânsiaRecordo-me, com mágoa e com saudadeDo quadro tão feliz da minha infância.

E entre o viver de agora e essa áurea idadeQue triste, que cruel, que erma distância!E a manhã que passou voltar não há deRescendente de tépida fragrância ?!...

Serras virentes que não mais transponho,Na retina fiel ainda eu vos tenhoE revejo através de um grande sonho,

A casa onde nasci, as mansas reses,A várzea, a horta, o laranjal, o engenhoE a cruz onde eu rezava tantas vezes...

Belmiro Braga

VIIO TREM DE FERRO

Quando a estrada de ferro Central penetrou em Minas, ficando o seu leito distante umas quatro léguas da Reserva, a todos que apareciam em nossa casa, vindos da zona por onde ela passava, meus irmãos e eu atormentávamos com perguntas. (...) Como que alheio a tudo que me cercava, certa vez, ouço, vindo de muito longe, um berro triste e prolongado que, até então, nunca ouvira. (...)

E no dia seguinte todo o povo da Reserva encaminhou-se para o alto da serra; lá passou longo tempo e regressou sem ouvir coisa nenhuma. E por mais que eu jurasse ser verdade o que dissera, todos me chamavam sonhador. Mas, apesar disso, a romaria à serra continuou e o berro do trem de ferro foi, afinal, ouvido por todos...

E por muitos meses, fui apontado, em casa e nas vizinhanças, como a primeira pessoa que ouvira o apito do trem de ferro naquelas redondezas...

Entre os temas abordados por Belmiro Braga, em sua poética, há uma considerável predominância de textos dedicados à mulher: à mulher-mãe, à mulher-amada, à mulher-admirada, à mulher-amiga, à mulher-freira, à mulher-casada, à mulher-sofredora e a muitas outras.

Grande conhecedor da psicologia feminina, usou para com as mulheres seu fino humor:

Ela, dos 15 aos 20, nos enleia,dos 20 aos 25, nos encanta,dos 25 aos 30, não há feiae, dos 30 aos 40, não há santa.

Dos 40 aos 50, ainda é sereia, dos 50 aos 60, desencanta:

Se for solteira - o próprio céu odeia,se casada - de nada mais se espanta.

Características femininas: a afetação da mulher, sua tendência a falar da vida alheia, a distorcer a verdade são algumas das características femininas que Belmiro Braga considerou, sintetizando-as nas seguintes trovas:

Mulheres que eu vi no banho,vejo-as depois num salão!Se pelo rosto as estranho,pelas pernas sei quem são....................................................A mulher para ser Vênusdeve ter cintura fina,olhos grandes, pés pequenose a língua bem pequenina....................................................Como juiz, reto e calmo,posso afirmar sem receio:Mulher de boca de palmoTem língua de palmo e meio.

Sobre a mentira feminina, sobre a facilidade em enganar, tem-se o soneto:

MENTIROSAEm toda carta que me escreves, dizes:Longe de ti, eu morro de saudade;se alguma festa vou, vou sem vontade;sou a mais infeliz das infelizes...

Por mais que o assunto pises e repisescom certo cunho de sinceridadeeu não creio, nem mesmo na metadede tudo que entre lágrimas me dizes...

Porque no Post scriptum dessas cartasde mágoas cheias e de beijos fartas,

me dizes no mais lindo dos estilos:Eu quando vim daí era um torresmoe me definha aqui... mas, assim mesmo,em vinte dias, aumentei... dez quilos..

As situações sociais, transgredidas pela mulher, foram glosadas pelo autor, muito mais com sentido moralizante do que de aceitação ou complacência. Nota-se o ludismo, mas o que predomina é a rude clareza:

O que perdemos na vidaprocuramos sem achar,exceto a mulher perdidaque achamos sem procurar. ..................................................Três sirigaitas. Com mágoa,digo, ao encontrá-las, surpreso:Estas são do Botanáguae também do Pito Aceso...

...................................................De Júlia o pesar profundoparece uma cousa pouca;Vive na boca do mundopor ser beijada na boca.

Já a relação homem/mulher, apresentada de maneira irônica, revela claramente a situação de inferioridade feminina estabelecida pela sociedade:

Certo esposo à esposa engana.A mulher, amante e boa,da perfídia esconde o travoe ao companheiro perdoa...

Sabe o povo e exclama: - Bravo! Certa esposa ao esposo engana.

O marido não dominaseu rancor, e, em desagravo,a companheira assassina...Sabe o povo e exclama: - Bravo!

Morre o noivo. E a triste noiva(no afeto deles que ardor!)ante a dor que a alma lhe engoiva,vê crescer o seu amor...

Morre a noiva e o noivo triste(amavam-se tanto os dois!)à imensa dor não resistee... casa-se um mês depois...

Examinando profundamente as mulheres, Belmiro achou-lhes filosoficamente suas características na sabedoria popular, e versejou:A mulher, quando quer, eu achoQue nem Deus a desanima:- É água de morro abaixoOu fogo de morro acima...........................................................Uma princesa parecePelos trajes de alto preço,Mas quanta gente conheceSeus vestidos pelo avesso! ............................................................A mulher, além de terna,Faz tudo com perfeição,Que até nos passando a perna,Tem a nossa gratidão...

Por fim, o poeta também mostrou, humoristicamente, o que desejava das mulheres:

Nossa Senhora Sant'Ana,Permita que possa um diaMobiliar minha choupanaCo'as "cadeiras da Maria!"

A moda que escraviza as mulheres e, capitalisticamente, está sempre mudando - daí a volubilidade atribuída ao sexo feminino, foi, num sentido moralizador, assim satirizada por Belmiro Braga:

Para uns braços de moça ver, outroratinham os moços a maior tortura.Que mangas tão compridas!... Mas, agora,a coisa muda de figura.

  

E um tornozelo, então?!... Nossa Senhora!Nenhum homem logrou essa ventura,pois quando o pé a ponta punha fora,vinha, logo, em seguida, uma censura...

Hoje, o decote é como o câmbio - desce; e a barra dos vestidos, se acontece mostrar as ligas, batem palmas os pais... Se a Moda a roupa em baixo e em cima poda,trarão as nossas netas, por ser moda,uma faixa à cintura e... nada mais.. 

Ainda batendo nesta mesma tecla - a de a moda despir as mulheres - brinca:

Noite de núpcias. O GamaEncontra a esposa envolvidaNum lindo roupão e exclama:- Posso, enfim, ver-te vestida!

O ROSTO E O RESTOO noivo, da noiva, outrora,Via o rosto e nada mais;Se o rosto não vê agora,Todo o resto vê demais...

 E ainda no mesmo mote: 

Vi teus braços... que ventura!Teu colo... as pernas... que gosto!Agora, tira a pintura,Que eu quero ver o teu rosto.

 

Ainda zombando da escravização da mulher pela moda, ironiza o exagero:

Margarida à moda rende-seNuma renúncia de escrava:Foi operada de apêndiceVestida assim como estava................................................

Enfim, o aplauso filosófico:

A moda... eu lhe bato palmas,lhe faço o meu pé de alferes;- Ela veste mais as almasdo que o corpo das mulheres...

Esta cara de pamonhaÀ lembrança não te acodes?Botei de lado a vergonhaE dei cabo dos bigodes.

Belmiro Braga

NOSSOS AGRADECIMENTOS

Recommended