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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Stéfano Vieira Machado Ferreira
Benefícios Fiscais: Definição, Revogação e Anulação
Mestrado em Direito
São Paulo
2018
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Stéfano Vieira Machado Ferreira
Benefícios Fiscais: Definição, Revogação e Anulação
Mestrado em Direito
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
do Programa da Pós-Graduação em Direito
Tributário da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito, sob
orientação da Professora Doutora Clarice von
Oertzen de Araújo.
São Paulo
2018
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
____________________________________
____________________________________
Dedico este trabalho à Byanca, com todo meuamor.
Aos meus pais pelo constante estímulo e suporte
em todas minhas conquistas.
Aos irmãos pela torcida e apoio.
RESUMO
A dissertação teve o objetivo de analisar os benefícios fiscais sob a perspectiva
normativa e dentro do contexto do subsistema do direito tributário. O método
utilizado foi o constructivismo lógico-semântico. Realizou-se um trabalho de
elucidação da expressão “benefício fiscal” para se afastar dos vícios de linguagem,
ambiguidade e vagueza. O ponto de partida para se enxergar o fenômeno se deu no
plano S1 – conjunto de enunciados prescritivos – e chegou-se à definição de
benefícios fiscais como enunciados-enunciados especiais em relaçãoaos
enunciados-enunciados utilizados para construir a regra matriz de incidência
tributária – RMIT. Isso porque enunciado-enunciado novo que estabeleça
disposições gerais ou especiais já existentes não as revoga ou modifica. Assim,
ambos serão válidos, vigentes e aplicáveis. A norma jurídica especial, dessa forma,
terá preferência quanto à aplicação em relação à norma geral. Apesar dos nomes
distintos conferidos pelo legislador aos benefícios fiscais em sentido amplo, tais
como, isenções, incentivos fiscais, alíquota zero, redução de base de cálculo,
diferimento, depreciação acelerada, drawback, crédito presumido, o fenômeno é o
mesmo. Pelas lentes da norma jurídica do benefício fiscal se permite notar que
sobre determinado fato não se aplica a regra-matriz de incidência tributária. Ato
seguinte, estudou-se a revogação das normas jurídicas dos benefícios fiscais pelo
Poder Legislativo, cujo enfoque se deu em maior medida nas normas abstratas e
gerais. O fenômeno da revogação foi analisado pela estrutura dos performativos
deônticos: revogação como ato locucionário, revogação como ato ilocucionário e
revogação como ato perlocucionário. Por fim, analisou-se a anulação das normas
jurídicas dos benefícios fiscais pelo Poder Judiciário, isto é, o controle de
regularidade das normas produzidas, momento em que se adentrou na análise mais
propriamente das norma individuais e concretas, haja vista o estudo de temas como,
coisa julgada, direito adquirido, ato jurídico perfeito, ação rescisória, relação de trato
continuado e ação revisional.
Palavras-chave: Benefício Fiscal. Constructivismo lógico-semântico. Lei especial e
lei geral. Revogação. Anulação.
ABSTRACT
The purpose of the dissertation was to analyze the tax benefits from the normative
perspective and within the context of the subsystem of the tax law. The method used
was the logical and semantic constructivism. A work to explain the term “tax benefit”
was made to eliminate the vices of language, ambiguity and vagueness. The starting
point to see the phenomenon occurred in the S1 plan – group of prescriptive
enunciates – and the definition of tax benefits was obtained as special enunciates-
enunciates in relation to the enunciates-enunciates used to build the tax levy matrix
rule – RMIT. In fact, a new enunciate-enunciate establishing already existing general
or special provisions neither revokes nor modifies them. Thus, both of them shall be
valid, effective and applicable. Special legal rules, therefore, shall have preference
with respect to their application in relation to general rules. Irrespective of the
different names given by the lawmaker to the tax benefits in the broad sense, such
as exemptions, tax benefits, zero tax rate, reduction in the tax base, deferral,
accelerated depreciation, drawback, presumed credit, the phenomenon is the same.
From the perspective of the legal rule on tax benefit, it is possible to note that the tax
levy matrix rule doesn’t apply to a given fact. Subsequently, we studied revocation of
the tax rules on the tax benefits by the Legislative Branch, which focused more on
the abstract and general rules. The phenomenon of revocation was analyzed based
on the structure of deontic performers: revocation as locutionary act, revocation as
illocutionary act and revocation as perlocutionary act. Finally, we analyzed the
annulment of legal rules on tax benefits by the Judicial Branch, i.e., the control of
regularity of the rules produced, at which point we conducted a more specific
analysis of the individual and concrete rules, in view of the study of themes such as
matter adjudged, vested right, perfected legal act, action for relief from judgment,
continued relationship and action for review.
Keywords: Tax Benefit. Logical and semantic constructivism. Special law and
general law. Revocation. Annulment.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 10
CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS PARA ESTUDO
DOS BENEFÍCIOS FISCAIS ..........................................................................
12
1.1 Conhecimento, Linguagem, Realidade e Cultura ................................ 12
1.2 Constructivismo lógico-semântico ....................................................... 17
1.3 Direito Positivo e Ciência do Direito ..................................................... 20
1.4 Direito como Sistema Comunicacional ................................................. 22
1.5 Teoria da Norma Jurídica ....................................................................... 25
1.6 Regra Matriz de Incidência Tributária ................................................... 32
1.6.1 Antecedente ..................................................................................... 34
1.6.2 Consequente.................................................................................... 35
1.7 Atos de fala .............................................................................................. 37
1.7.1 Os atos de fala deônticos ................................................................ 43
1.8 Sistema de direito positivo e ordenamento jurídico ............................ 44
1.9 Validade, Vigência e Aplicação .............................................................. 47
CAPÍTULO II – PRESSUPOSTOS PARA O EXERCÍCIO DA
COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA .......................................................................
51
2.1 Definição de norma de competência ..................................................... 51
2.2 O exercício da competência tributária: aptidão para a instituição de
tributos e de benefícios fiscais ....................................................................
54
2.3 A Intervenção do Estado no domínio econômico e os benefícios
fiscais .............................................................................................................
56
CAPÍTULO III – PRINCÍPIOS ......................................................................... 57
3.1 Classificação e ontologia ....................................................................... 57
3.2 Princípios constitucionais tributários ................................................... 60
3.2.1 Segurança jurídica e certeza do direito ........................................... 60
3.2.2 Igualdade ......................................................................................... 62
3.2.3 Legalidade ....................................................................................... 64
3.2.4 Anterioridade ................................................................................... 65
CAPÍTULO IV– DEFINIÇÃODO CONCEITO DE BENEFÍCIOS FISCAIS ..... 66
4.1 Sobre a definição de um conceito ......................................................... 66
4.2 Benefícios fiscais na Constituição Federal e legislação
infraconstitucional ........................................................................................
72
4.3 Benefícios fiscais, incentivos fiscais, isenções e a doutrina ............. 80
4.4 Isenções e a doutrina ............................................................................. 94
4.5 Definição do conceito de benefícios fiscais ......................................... 97
4.6 Espécies de benefícios fiscais em sentido amplo ............................... 104
4.6.1 Benefícios fiscais em que é permitido deixar de cumprir a
prestação ..................................................................................................
105
4.6.2 Benefícios fiscais em que não é permitido deixar de cumprir a
prestação .................................................................................................
108
4.7 Benefícios fiscais condicionados e a prazo certo ............................... 110
CAPÍTULO V – REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS ........................... 115
5.1 Ambiguidade e vaguidade da palavra “revogação” ............................ 115
5.2 Revogação e a validade, vigência e aplicação .................................... 118
5.2.1 Revogação de benefícios fiscais condicionados e não condicio-
nados, a prazo certo e a prazo indeterminado..........................................
123
5.3 Revogação e incompatibilidade entre normas ..................................... 125
5.3.1 Revogação expressa e tácita .......................................................... 128
5.3.2 Ab-rogação e derrogação ................................................................ 130
5.3.3 Repristinação ................................................................................... 132
5.4 Revogação e indeterminação do sistema ............................................. 133
CAPÍTULO VI–ANULAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS ............................... 135
6.1 Definição do conceito de anulação ....................................................... 135
6.2 Declaração de inconstitucionalidade de benefício fiscal e efeito
repristinatório ................................................................................................
137
6.3 Controle Abstrato de Constitucionalidade ........................................... 141
6.4 Declaração de inconstitucionalidade sem modulação de efeitos,
Guerra Fiscal e as normas gerais e abstratas e individuais e concretas
145
6.5 Coisa julgada, ação rescisória e benefício fiscal ................................. 149
6.6 Coisa Julgada, relação jurídica de trato continuado, ação revisional
e benefício fiscal ........................................................................................... 156
6.7 Benefícios fiscais e caducidade ............................................................ 161
CONCLUSÃO ................................................................................................. 169
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 173
10
INTRODUÇÃO
Os benefícios fiscais podem ser analisados sob diferentes perspectivas, não
só pela ciência do direito, mas também pelas ciências econômicas, políticas,
contábeis etc. O tema é importante objeto de estudos sobretudo na atualidade
devido ao contexto de crise econômica que o Brasil enfrenta.
Antes de penetrar no cerne da dissertação, desenvolveremos três capítulos.
No Capítulo 01apontaremos os pressupostos epistemológicas numa abordagem
sobre conhecimento, linguagem, verdade, realidade e cultura relacionando-as com o
tema do benefícios fiscais.
Também faremos introduções em temas de teoria geral do direito para definir
o que se entende por direito positivo e ciência do direito, ordenamento jurídico e
sistema jurídico, e validade, vigência e aplicação. Firmaremos nossa premissa de
enxergar o fenômeno jurídico como sistema comunicacional cuja mensagem são as
normas jurídicas, essas estudas pelo plano sintático, semântico e pragmático da
linguagem.
O Capítulo 02 trata dos pressupostos para o exercício da competência
tributária e sua relação com a aptidão para a instituição de tributos e de benefícios
fiscais.
No Capítulo 03 teceremos breves comentários acerca de alguns princípios
constitucionais tributários, os quais julgamos ter maior relevância para o tema
“benefícios fiscais”: a segurança jurídica, a certeza do direito, a igualdade, a
legalidade, a anterioridade e a irretroatividade da lei tributária.
A partir daí adentra-se aos três principais tópicos da dissertação, divididos em
três capítulos: definição de benefícios fiscais, revogação de benefícios fiscais e
anulação de benefícios fiscais.
No Capítulo 04 demonstraremos os vários sentidos para as expressões
“benefícios fiscais”, “incentivos fiscais” e “isenções”, para no final realizarmos nossa
tomada de posição para a definição das expressões sob uma perspectiva normativa
alinhada ao contexto do subsistema de direito tributário. Escolhemos a expressão
“benefícios fiscais” por ser a mais genérica.
11
Objetivamos, com a pesquisa, tratar o fenômeno dos benefícios fiscais sob
uma nova ótica, a partir de uma abordagem que enxergue os benefícios fiscais como
normas especiais em relação à norma geral tributária.
No capítulo seguinte adentraremos no tema da revogação de normas
concessivas de benefícios fiscais. Tomamos em conta os vários sentidos da palavra
“revogação” e passamos a estudá-la sob uma perspectiva dos atos de fala
deônticos–ato locucionário, ato ilocucionário e ato perlocucionário.
Apontamos situações concretas de revogação de norma concessiva de
benefício fiscal, a exemplo da realizada no estado do Espírito Santo pela Lei nº
10.568 de 26 de julho de 20161, a qual instituiu o programa COMPETE/ES –
Contrato de Competitividade. Assim como essa lei, outras leis estaduais revogaram
normas de benefícios fiscais com vistas a adequar os Estados ao cenário de crise
econômica vivenciado pelo país. A ênfase do capítulo se dará na análise das
normas abstratas e gerais.
Por fim, trataremos no Capítulo 06 acerca da anulação de norma jurídica de
benefício fiscal pelo Poder Judiciário, nesse capítulo portanto o enfoque se dará
particularmente no controle judicial dos benefícios fiscais. Para tanto, realizaremos a
definição de anulação, passando pelo controle de constitucionalidade, coisa julgada,
ação rescisória, relação de trato continuado e ação revisional. Nesse capítulo a
ênfase se dará na abordagem do fenômeno das normas concretas e individuais.
Espera-se, dessa forma, contribuir para o estudo do tema dos benefícios
fiscais ao propor nova definição para a expressão, e a partir dela estudar o
fenômeno das revogações pelo Poder Legislativo e anulações das normas jurídicas
dos benefícios fiscais pelo Poder Judiciário.
1BRASIL. Lei nº 10.568, de 27 de julho de 2016. Institui programa de desenvolvimento e proteção à economia do Estado do Espírito Santo, nas condições que especifica. Governador do Estado do Espírito Santo. DOE 27.07.2016. Disponível em: <http://www.sefaz.es.gov.br/LegislacaoOnline/lpext.dll/InfobaseLegislacaoOnline/leis/2016/lei%20n.%BA%2010.568.htm?fn=document-frame.htm&f=templates&2.0>. Acesso em: 25 ago. 2017.
12
CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS PARA ESTUDO DOS
BENEFÍCIOS FISCAIS
1.1 Conhecimento, Linguagem, Realidade e Cultura.
Podemos separar o conhecimento em etapas2: o ato de conhecer, o resultado
do ato (forma) e o conteúdo do ato (objeto captado pela consciência).
A teoria do conhecimento, originalmente, centrava-se no estudo da relação
entre sujeito e objeto, fazendo-o a partir do objeto (ontologia), do sujeito
(gnosiologia) ou da relação entre ambos (fenomenologia).3
Para explicar o fenômeno do conhecimento adotamos a filosofia da
linguagem, cujo marco importante é a obra “Tractatus Logico-Philosophicus”, de
Ludwig Joseph Johann Wittgenstein4, e deu início ao movimento conhecido como
giro-linguístico.
Para esta concepção filosófica, o conhecimento é atingido por meio da
linguagem, mais precisamente, entre linguagens e não mais entre o sujeito e objeto.
O conhecimento pressupõe a existência de linguagem.
De acordo com Aurora Tomazini de Carvalho5, com o giro-linguístico “a
linguagem deixa de ser apenas um instrumento de comunicação de um
conhecimento já realizado e passa a ser condição de possibilidade para a
constituição do próprio conhecimento enquanto tal”. E arremata:
Conhecer não significa mais a simples apreensão mental de uma dada realidade, mas a sua construção intelectual, o que só é possível mediante linguagem. O conhecimento deixa de ser a reprodução mental do real e passa a ser a sua constituição para o sujeito cognoscente6.
Ludwig Wittgenstein7 ensina que os limites da linguagem do sujeito significam
os limites do seu mundo. O conhecimento de determinado indivíduo é limitado pelas
proposições que pode formular sobre o objeto de investigação.
2 HUSSERL, Edmund. Investigações lógicas: investigações para a fenomenologia e a teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 54. 3 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 1. 4 WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatuslogico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 1994. 5 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 27. 6 Ibid., p. 27. 7 WITTGENSTEIN, op. cit., 1994.
13
Esse objeto do conhecimento não é o dado físico, mas o objeto formal criado
linguisticamente. Assim, os objetos do conhecimento são as proposições que os
descrevem. Partindo dessa premissa, não seria possível um conhecimento pleno,
pois para conhecer o mundo é preciso constituí-lo linguisticamente.
Fabiana Del Padre Tomé leciona que
[...] a significação de um vocábulo não depende da relação com a coisa, mas do vínculo que estabelece com outras palavras. Nessa concepção, a palavra precede os objetos, criando-os, constituindo-os para o ser cognoscente.8
O ser humano entra em contato com um dado físico, mas como não pode
apreendê-lo ou reproduzi-lo na mente em sua plenitude, o constitui intelectualmente
por meio da linguagem. Não temos acesso ao empírico, apenas à linguagem que o
constitui, ou seja, a sua significação.
Sendo assim, o ato de conhecer sempre sofrerá limitações, pois é preciso que
o sujeito faça um corte metodológico para ter um ponto de partida. Não é possível
estudar um objeto em sua inteireza, pois nossa percepção de mundo é parcial. Logo,
teremos que fazer recortes para estudar partes de um objeto e enunciar proposições
sobre ele.
O sistema de referência é utilizado como esse ponto de partida, para evitar
que o conhecimento se torne desconhecimento, pois sem um modelo (conjunto
estruturado de formulações linguísticas) o conteúdo conhecido não teria
credibilidade.
Em outras palavras, o sistema de referência é a base para que o ser humano
crie sua realidade e prove que algo seja verdadeiro, de modo que sistemas de
referência diferentes permitirão criar realidades diferentes, uma vez que as
interpretações de um mesmo dado experimental serão distintas, de forma a
constituir realidades próprias.
Vilém Flusser9, na obra Língua e Realidade, defende como axiomas
geradores de sua concepção que “A língua forma, cria e propaga a realidade”. Para
o filósofo a realidade ela mesma é uma palavra. Contudo, tais axiomas não implicam
a recusa da realidade.
8 TOMÉ, A prova no direito tributário, 2011, p. 4. 9 FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3. ed. São Paulo: Annablume, 2007.
14
Continua existindo o conhecimento, a realidade e a verdade, mas o
conhecimento deve ser visto como menos absoluto, a realidade deve ser vista
menos fundamental e a verdade deve ser vista menos imediata.
As palavras são usadas no lugar das coisas, porque as coisas não são
acessíveis, caso contrário, as palavras seriam desnecessárias. Sendo assim, existe
a coisa que chamamos realidade, mas as palavras são usadas para tão só
chegarmos perto dela.
Desse modo, não existe correspondência entre frase e realidade, apenas
entre duas frases. Flusser defende a ideia de que a realidade está próxima do
intelecto, mas não próxima o suficiente. O autor exemplifica da seguinte maneira: o
intelecto dispõe de uma coleção de óculos, as diversas línguas, para observar a
realidade. Toda vez que troca de óculos, porém a realidade difere.
Assim, a língua é um mecanismo que nos permite estruturar, em nosso
intelecto, a realidade. Isso porque, os dados brutos apenas adquirem significado
quando processados por palavras, as quais nos permitirão a construção do nosso
cosmos. Dessa forma, segundo Vilém Flusser10, a língua cria e propaga a realidade,
transformando o “poder-ser”, que é algo bruto, em “ser” – concreto.
O autor tcheco abandona o conceito de realidade como conjunto de dados
brutos, pois estes somente se realizam quando articulados em palavras. As coisas
são quando se realizam pela linguagem. Logo, não são de fato realidade, mas
potencialidades.
Pode-se dizer que o autor não nega a realidade como dado bruto mas
abandona esse conceito de realidade, pois, a palavra realidade pode ser
compreendida tanto como dado bruto se referindo ao mundo físico, quanto como a
realidade do universo sociocultural.
Não obstante a utilidade de se separar os significados da realidade, nunca
conheceremos a realidade como dado bruto, na medida em que é real apenas aquilo
que se insere nos limites da linguagem humana.
Logo, a realidade fundamental e a verdade imediata seriam conceitos ocos e
desnecessários para a construção de um cosmos (cada língua corresponde a um
cosmos, e língua é realidade) das palavras preenchidas de sentido. Somente a
língua é capaz de transformar o caos dos dados imediatos.
10 FLUSSER, 2007, p. 39-94.
15
Assim, resta claro que para acessar os fatos ou as coisas, necessário se faz
adquirir linguagem que se refere a tais fatos ou coisas. Com suporte em tais
conclusões, o conhecimento seria atingido por meio da língua, que forma, cria e
propaga a realidade.
Entendemos que o verbo “criar” a realidade utilizado por Flusser deve ser
interpretado com temperamentos, pois o ser humano não cria os dados brutos, mas
para conhecê-los precisa emitir linguagem, nesse sentido “cria-se” o conceito de
pedra, mas não se cria a pedra, por exemplo.
Crítico voraz da forma de pensar dos céticos e relativistas mais radicais,
Cristiano Carvalho afirma que:
[...] é inverter a causalidade: achar que a mente é que constitui a realidade ou que uma vez que só é possível conhecer alguma coisa a partir de sua própria perspectiva, então, na verdade só temos acesso a nossa mente e nada mais, sendo que a própria realidade pode ser uma ilusão mental. O fato de a mente perceber o mundo, e de a linguagem descrever o mesmo não o constitui nem o altera11.
Para o Autor, não se deve confundir uma questão epistemológica
(conhecimento da realidade), com uma questão ontológica (existência da
realidade).12 Sobre o tema, John Searle leciona sobre o conceito de epistemologia e
ontologia, relacionando-os com a dicotomia objetividade/subjetividade:
Interessante consideração faz JOHN SEARLE ao relacionar os conceitos “verdade” e “subjetividade”. SEARLE a realiza sob dois aspectos: o epistemológico e o ontológico. Epistemologicamente falando, “objetividade” e “subjetividade” são predicados de julgamentos. Frequentemente, falamos que um enunciado é subjetivo quando não conseguimos prova-lo objetivamente, porque a falsidade ou a verdade não é simplesmente uma questão de fatos, mas depende de fatores emocionais, sentimentais. Como exemplo, temos “Rembrandt é melhor artista que Rubens”: é um enunciado epistemologicamente subjetivo. Já a frase “Rembrandt viveu em Amsterdã durante o ano de 1632” é epistemologicamente objetiva, pois sua verdade/falsidade independe de atitudes ou sentimentos das pessoas. Por outro lado, as palavras “objetividade” e “subjetividade” podem ser analisadas sob o prisma ontológico. Por esse espectro, “objetivo” e “subjetivo” são predicados de entidades e descrevem modos de existência. Em sentido ontológico, dor é uma entidade subjetiva, ao passo que montanha é entidade objetiva. Com base nessa distinção, afirma o autor que podemos emitir enunciados epistemologicamente objetivos de entidades que são ontologicamente subjetivas. Por exemplo, a afirmação “Maria é mais bonita que Carla” é ontologicamente objetiva, mas epistemologicamente subjetiva. De outra forma, “Agora estou sentindo dor
11 CARVALHO, Cristiano. Ficções jurídicas no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2008, p. 2. 12 Ibid., p. 10.
16
nas costas” é ontologicamente subjetiva, mas epistemologicamente objetiva13.
John Searle14 chama as duas realidades de fatos brutos (brutefactsounon-
institucional facts) - aqueles existentes de maneira independente da vontade
humana e não são constituídos pela linguagem (v.g. pedra, fogo, água) - dos fatos
institucionais (institutional facts) – dependentes da convenção humana para existir
(v.g. dinheiro, religião, música).
Talcott Parsons15 certifica que os fatos não nos contam sua própria estória;
eles devem ser questionados. Assim, devem ser cuidadosamente analisados,
sistematizados, comparados e interpretados.
Para ser elevado ao nível do discurso, todo objeto requer linguagem, mesmo
que sua existência dela independa. Entretanto, isso não pode acarretar a confusão
entre pensamento, palavras e coisas.
O direito seria um fato institucional de acordo com John Searle, pois são
dependentes da convenção humana para existir. Em raciocínio próximo, Edmund
Husserl16 entende direito como objeto cultural formado em determinadas
coordenadas espaço temporais e ligado ao contexto da sociedade em que está
inserido, de modo que religião, política, economia, história influenciam no momento
de sua criação.
De acordo com Juan Roura-Parella, cultura é definida por Spranger17 como “o
conjunto de produtos com sentido que existem em um determinado tempo para um
grupo humano”. Com efeito, a cultura se materializa com linguagem, já que se trata
de um produto com “sentido”. Assim, os horizontes culturais do sujeito cognoscente
exercerão influência no ato de conhecer, pois traçam os limites. O sujeito está
inexoravelmente atrelado aos referenciais culturais que vem alimentando ao longo
de sua vida.
Assim, o direito positivo é objeto cultural criado pela sociedade em
determinado lugar e tempo histórico. Todavia por se tratar de uma linguagem
13 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 13. 14 SEARLE, John R. The construction of social reality. New York: Free Press, 1995, p. 121. 15 PARSONS, Talcott. The structure of social action. Vol II. New York: The Free Press, 1968, p. 698 16HUSSERL, Edmund. Idéias relativas a una fenomenologia para y una filosofia fenomenológica. Trad. Para o espanhol de José Gaos. México, Fondo de cultura econômica, 1949, p. 201 17 ROURA-PARELLA, Juan. Spranger y lãs ciências del espiritu. Mexico: Ediciones Minerva, 1944, p. 92.
17
independente, o direito cria sua própria realidade. Para a compreensão do mesmo, o
sentido do texto jurídico será determinado pelo intérprete, também dentro de um
contexto e baseado em sua cultura.
Por esse caminho é que conheceremos nosso objeto de estudos: os
benefícios fiscais. O recorte metodológico é feito desde logo ao analisarmos a
expressão sob o prisma normativo dentro do contexto do direito tributário brasileiro.
Realizaremos proposições sobre esse objeto de investigação a fim de construí-lo
intelectualmente, isso numa relação dialética que se estabelece com as demais
normas do ordenamento jurídico, com a doutrina e com a jurisprudência.
1.2 Constructivismo lógico-semântico
“Constructivismo lógico-semântico” é expressão que padece do vício da
ambiguidade, na medida em que pode ser entendida, ora como teoria, ora como
método. Como mantém uma relação muito íntima com a Teoria Comunicacional do
Direito, o constructivismo, às vezes é visto como teoria, mas dista de ser um projeto
filosófico. De acordo com Paulo de barros Carvalho, “de método é seu estatuto”18.
O método escolhido é a forma pela qual nos aproximamos da realidade,
objetivando conhecê-la. A seleção de um método é importante para delimitarmos o
objeto de estudo, indicarmos o sistema de referência e a coerência necessária para
o labor científico.
O método científico impõe a escolha de um objeto de investigação, o qual é
construído a partir da seleção de alguns critérios, para que haja a especialização do
objeto diante da totalidade em que está inserido.
O sentido de método aqui trabalhado é de uma série de regras gerais para
tentar solucionar problemas por meio de suposições, hipóteses que podem ser
testadas por meio de observações ou da experiência. A partir do método, dá-se
uniformidade na apreciação do objeto e demarcação precisa no campo do
conhecimento.
Sendo assim, entendemos que o constructivismo é expediente metodológico,
utilizado como instrumento de trabalho hermenêutico de redução de complexidades,
18 CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o constructivismo lógico-semântico. Disponível em: <http://www.ibet.com.br/download/Paulo%20de%20Barros%20Carvalho(2).pdf>. Acesso em: 14 ago. 2017.
18
com o fim de facilitar a compreensão do objeto. Opera-se, então, a construção de
sentido do Direito Positivo e da Ciência do Direito por meio da linguagem.
De acordo com Fabiana Del Padre Tomé19, “o termo constructivismo é para
denominar teorias que defendem a ideia de que há sempre a intervenção do sujeito
na formação do objeto. É palavra ligada ao contexto epistemológico”.
O constructivismo lógico-semântico percorre o caminho hermenêutico
analítico. Isso porque na produção da linguagem científica a interpretação é
primordial, logo a hermenêutica é método ideal, pois o sujeito lê, interpreta e
compreende.
Também se emprega a técnica analítica, buscando reduzir complexidades.
Para tanto, busca-se diminuir ao máximo as ambiguidades e vaguidades das
expressões para dar coerência à mensagem comunicativa. Os termos mais
importantes serão definidos para conferir firmeza ao discurso.
O objeto de estudo é decomposto do complexo em algo mais simples, com o
fito de facilitar a compreensão. A linguagem será traduzida para uma linguagem
formal, por meio de procedimentos que sejam rigorosos e controláveis.
Paulo de Barros Carvalho leciona que o constructivismo é “modelo para
ajustar a precisão da forma à pureza e à nitidez do pensamento; meio e processo
para a construção rigorosa do discurso, no que atende, em certa medida, a um dos
requisitos do saber científico tradicional.20”. E conclui:
O modelo constructivista se propõe a amarrar os termos da linguagem, segundo esquemas lógicos que dêem firmeza à mensagem, pelo cuidado especial com o arranjo sintático da frase, sem deixar de preocupar-se com o plano do conteúdo, escolhendo as significações mais adequadas à fidelidade da comunicação21.
A construção é lógico-semântica na medida em que a atenção está voltada
para os elementos do discurso, e isso se opera no plano lógico e no plano
semântico. Vale ressaltar que, de acordo com Paulo de Barros Carvalho22, apesar
de não fazer parte do nome – constructivismo lógico-semântico – a “pragmática”
19 TOMÉ, Fabiana Del Padre. Vilém Flusser e o constructivismo lógico-semântico. Vilém Flusser e Juristas. Coord.: Florence Haret e Jerson Carneiro. São Paulo: Noeses, 2009. 20 CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o constructivismo lógico-semântico. Disponível em: < http://www.ibet.com.br/download/Paulo%20de%20Barros%20Carvalho(2).pdf>. Acesso em: 14 ago. 2017. 21 Id. 22 Ibid., p. 2.
19
também faz parte da análise e falaremos dela mais adiante, quando analisarmos a
teoria dos atos de fala.
Para o constructivismo lógico-semântico não é possível descrever a norma
posta, é preciso construí-la. O sujeito deverá atribuir sentido ao texto positivado,
numa atividade de significação. O constructivismo trabalha com o direito positivo
como objeto cultural, haja vista ser produzido pelo ser humano.
O corte metodológico é feito desde logo na definição de direito, na medida em
que fixa a premissa de que direito é norma jurídica válida, imersa num universo
cultural. As consequências metodológicas são o dever de obediência ao sentido
firmado para os termos e o respeito às premissas, buscando-se formar um discurso
responsável, haja vista o intérprete não estar autorizado a atribuir a um vocábulo um
sentido qualquer, pois deverá partir do texto e respeitar o contexto em que está
inserido.
Aqui adotaremos a acepção texto no sentido de conjunto estruturado de
símbolos com o intuito comunicacional.
Texto comporta três ângulos de análise atinentes à ontologia relacional dos
signos que o integram: suporte físico (substrato material), significação (dimensão
ideal) e significado (relação semântica com objetos por ele referidos – dado
referencial dos significados)23.
Nesse passo, a palavra texto padece do vício da ambiguidade, pois ora é
entendida no sentido de suporte físico, ora no sentido de suporte físico mais sua
significação. Uma forma de resolver esse problema é considerar texto em sentido
estrito apenas no sentido de suporte físico e texto em sentido amplo também
abrangeria sua implicitude.
Surgirá um texto em sentido amplo “quando promovermos a união do plano
de conteúdo ao plano de expressão, valer dizer, quando se manifestar um empírico
objetivo, que é o plano expressional”.24
23 CARVALHO A., 2014, p. 133. 24 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 181.
20
Texto no sentido amplo é sempre envolvido por um contexto já que se
encontra inserido num processo histórico-social. Aurora Tomazini de Carvalho25
leciona:
O contexto é formado por todos os enunciados com os quais um texto se relaciona. Nenhum texto é individual, todo discurso, inserto num processo comunicacional, independente de sua dimensão, mantém relação com outros discursos, pois, segundo os pressupostos com os quais trabalhamos, nenhum enunciado se volta para a realidade em si, senão para outros enunciados que o circundam. Neste sentido, todo texto (em acepção ampla) é atravessado, ocupado por textos alheios, de modo que para apreendermos seu sentido, não basta identificarmos o significado das unidades que o compõem (signos), é preciso perceber as relações que ele mantém com outros textos.
Neste trabalho, pretendemos analisar a expressão “benefícios fiscais”
enquanto normas jurídicas válidas pertencentes ao ordenamento jurídico brasileiro e
excluiremos da nossa análise interferências externas estranhas à análise normativa,
como, por exemplo, fatos econômicos, políticos e financeiros, não obstante
reconheçamos que no plano semântico e pragmático os sistemas têm abertura
cognitiva.
O método do constructivismo lógico-semântico será de indiscutível
importância pois haverá preocupação em afastar a expressão “benefícios fiscais”
dos vícios de linguagem, tais como, vaguidade e ambiguidade, os quais atrapalham
a transmissão de uma mensagem coerente no discurso científico. A expressão
ganhará uma definição que se adeque às propostas do trabalho e respeite as
premissas levantadas.
1.3 Direito Positivo e Ciência do Direito
O direito positivo constitui-se de normas jurídicas, dotadas de valores, sendo
o sistema um objeto cultural – real, possui existência no tempo e no espaço,
identificado empiricamente e, ainda, carrega valores positivos ou negativos.
Assim que são positivadas, as normas jurídicas compõem o sistema do direito
positivo, o qual é hierarquizado e organizado.
É importante ressaltar que a ciência do direito se distancia da realidade do
direito positivo. Assim leciona Paulo de Barros Carvalho26, o qual também esclarece
25 CARVALHO A., 2014, p. 142.
21
que o direito positivo é composto por normas válidas enquanto a ciência do direito é
responsável por descrever, criticar e esclarecer a linguagem normativa.
Direito positivo e ciência do direito (dogmática) são jogos de linguagem
diferentes e intocáveis. São campos jurídicos distintos. Habitam sistemas diferentes.
As proposições da ciência do direito não alteram os enunciados do direito positivo.
Para diferenciar as linguagens do direito positivo e da ciência do direito foram
eleitos 8 critérios de identificação: Função, objeto, nível, tipo, lógica, modais,
valências e coerência.
O direito positivo tem função prescritiva, cujo objeto são as condutas
intersubjetivas. Encontra-se no nível de linguagem objeto em relação à ciência do
direito. Sua linguagem é do tipo técnica. A lógica utilizada é a deôntica (dever-ser)
cujos modais são permitido (P), obrigatório (O) e proibido (V). As valências são a
validade e não-validade (critério de pertinência ao conjunto). São admitidas
contradições.
A ciência do direito tem função descritiva/gnosiológica, cujo objeto é o direito
positivo. Encontra-se no nível de metalinguagem em relação ao direito positivo. Sua
linguagem é do tipo científica. A lógica utilizada é a apofântica (ser) cujos modais
são possível (M) ou necessário (N). As valências são de verdade e falsidade. Não
são admitidas contradições no discurso.
O direito positivo apresenta-se como linguagem objeto (Lo) em relação à
ciência do direito e está no nível de metalinguagem (Lm) em relação à linguagem
social que nesse caso constitui-se como sua linguagem objeto (Lo’).
A linguagem da realidade social caracteriza-se pela função descritiva,
informativa, denotativa ou referencial27 e sua interação se dá entre duas ou mais
pessoas. O direito positivo toma a linguagem social como objeto e lhe atribui os
valores permitido (P), obrigatório (O) e proibido (V).
A ciência do direito utiliza-se da linguagem cientifica e tem a função de
descrever o direito positivo, atribuindo a ela interpretações para construir a
linguagem da ciência do direito.
Como dito, tanto o direito positivo quanto a ciência do direito não têm o
condão de modificar suas respectivas linguagens objeto (linguagem social e
26 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p. 33-36. 27 CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 39.
22
linguagem prescritiva) já que não pertencem ao mesmo sistema (as regras dos jogos
de linguagem são diferentes).
Como se vê, são três planos linguísticos diferentes, com linguagens distintas,
pertencentes a 3 diferentes sistemas e que apesar de não se modificarem,
relacionam-se semântica e pragmaticamente.
Para melhor explicar essa relação acima, importante evidenciar o caráter
autopoiético do sistema do direito positivo, ou seja, fechado sintaticamente, só se
comunicando com os demais sistemas sociais quando ele mesmo determina. Cabe
ao direito positivo dizer quais unidades ou elementos28 pertencem ao seu sistema e
quais não pertencem.
Fatores exteriores não interferem no direito positivo sem que ele autorize.
Para isso ocorrer, a linguagem deverá ser jurisdiscizada. A linguagem do direito
positivo fará referência à linguagem da realidade social, e dessa interseção resulta a
linguagem da facticidade jurídica, que penetra no sistema pelo antecedente das
normas jurídicas.
Isso não significa que um sistema está modificando o outro, pois, a despeito
da produção da linguagem jurídica, as condutas intersubjetivas não se alteram
senão quando surge uma nova linguagem na realidade social. O direito positivo
serve de orientação e influência para que haja essa alteração na linguagem social.
Portanto, a relação entre os sistemas é apenas semântica e pragmática, mas
um sistema não é capaz de modificar o outro. A descrição do direito positivo pela
ciência do direito não altera o primeiro.
No estudo dos benefícios fiscais, importante ter em conta esses jogos de
linguagem, uma vez que analisaremos os benefícios fiscais pelo prisma da ciência
do direito cujo objeto de estudo é justamente o direito positivo, ou seja, benefícios
fiscais enquanto normas jurídicas. Assim, nosso ponto de partida serão os textos
legais onde a expressão está contida enquanto enunciado prescritivo.
1.4 Direito como Sistema Comunicacional
Comunicação é palavra que padece do vício da ambiguidade. Trabalharemos
a definição de comunicação em conformidade com a semiótica. De um modo geral a
28 LUHMANN, Niklas. Sistemas sociais: esboço de uma teoria geral. Trad.: Antonio C. Luz Costa, Roberto Dutra Torres Junior, Marco Antonio dos Santos Casanova. Petrópolis: Vozes, 2016, p. 40.
23
comunicação é o processo de intercâmbio de uma informação codificada entre
emissor e receptor.
Fabiana Del Padre Tomé define “comunicação” da seguinte maneira:
A comunicação é atividade humana por excelência. Qualquer comportamento, mesmo elementar, aparece carregado de significado, caracterizando-se como ato comunicativo. Isso nos leva a concluir que a comunicação estará presente sempre que existir contato entre dois ou mais indivíduos, pois qualquer conduta, exercida no contexto de situação interacional, implica transmissão de mensagem. O próprio não-agir ou não-falar é comportamento, possuindo valor comunicacional29.
Roman Jakobson30 elege seis componentes para a ocorrência do fenômeno
comunicacional: remetente ou emissor como fonte da mensagem; mensagem como
informação transmitida; destinatário ou receptor aquele que recebe a mensagem;
contexto é o meio envolvente e a realidade que circunscreve o fenômeno observado;
código ou repertório como conjunto de signos e regras de combinações próprias a
um sistema de sinais, conhecido e utilizado por um grupo de indivíduos; e contato ou
canal é o suporte físico necessário à transmissão da comunicação, como, por
exemplo, a linguagem escrita.
Paulo de Barros Carvalho31 trabalha com mais um elemento, denominado de
conexão psicológica, que é a concentração subjetiva do emissor e receptor dentro
desse fenômeno comunicacional, porquanto a mensagem tida como uma
exteriorização em linguagem parte do intelecto daquele que pretende propagá-la.
Imagine-se duas pessoas na sala de espera de um consultório médico,
mesmo sem se falarem elas estão se comunicando, pois estão indiretamente
comunicando que não querem se comunicar, mas todos os elementos (emissor,
mensagem, destinatário, contexto, código, canal e conexão psicológica) estão
preenchidos32.
Assim, um indivíduo que se encontra em uma situação interacional, está se
comunicando, sendo uma das condições para a existência de tal comunicação, a
linguagem.
O fenômeno da comunicação é um processo dialético e deve ser visto no
conjunto, e se dá da seguinte forma: o remetente envia uma mensagem ao
29 TOMÉ, A prova no direito tributário, 2011, p. 45. 30 JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1991, p. 123. 31 CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p.171. 32 TOMÉ, op. cit., p. 45.
24
destinatário. Para ser eficaz a mensagem deve ser verbal ou susceptível de
verbalização, dentro de um contexto em que o destinatário compreenda, com um
código comum entre remetente e destinatário, canal físico e uma conexão
psicológica entre ambos que os permitam permanecer comunicados.
Não cremos que a intencionalidade seja necessária, pois basta que estejam
presentes todos os requisitos elencados para que os sujeitos se comuniquem, quais
sejam: remetente, mensagem, destinatário, contexto, código, contato e conexão.
O direito tomado como um sistema comunicacional é concepção recente, cujo
marco temporal se deu com o advento da filosofia da linguagem.
Chega-se a essa conclusão, pois o meio exclusivo de manifestação do
jurídico é a linguagem, mais especificamente a linguagem verbal-escrita, em que se
estabilizam as condutas intersubjetivas, ganhando objetividade no universo do
discurso. Pode-se dizer que direito é linguagem, pois é a linguagem que constitui as
normas jurídicas, que por sua vez são atos de fala, expressos por palavras e
inseridos no ordenamento por veículos introdutores.
Nesse sentido, Fabiana Del Padre Tomé leciona que:
A teoria comunicacional propõe-se a entender o direito como um fenômeno de comunicação. Qualificando-se como sistema comunicativo, o direito se manifesta como linguagem, ou, nas palavras de Gregorio Robles, o direito é texto. Concordamos com essa assertiva. O direito é composto por linguagem, que cria sua própria realidade. Portanto, “direito é texto”. Não estamos nos referindo ao texto em sentido estrito, ou seja, ao mero suporte físico, como é o caso das marcas de tinta sobre o papel. A equiparação do direito ao texto exige que tomemos o vocábulo “texto” em seu sentido lato, no qual se identifica a relação triádica inerente aos signos: suporte físico, significado e significação33.
Essa consideração do direito como fato comunicacional pressupõe
interessante combinação entre o método analítico e a hermenêutica, criando foros
de uma nova teoria do direito. Passa-se a enxergar o direito composto por normas
jurídicas como mensagens produzidas pela autoridade competente e dirigidas aos
integrantes da comunidade social.
Como a função da linguagem no direito é prescritiva, as mensagens são
carregadas de juridicidade, a fim de orientar as condutas intersubjetivas. O emissor
da mensagem jurídica (autoridade competente) deverá estar qualificado pelo código
(ordenamento positivo).
33 TOMÉ, A prova no direito tributário, 2011, p. 46.
25
O processo comunicacional do direito se dá na prática com a incidência
normativa ou subsunção do fato à norma, ou seja, os eventos descritos na hipótese
normativa deverão ser relatados em linguagem competente transformando-se em
fatos jurídicos (jurisdiscização de um acontecimento do mundo da experiência
social) fazendo propagar os efeitos peculiares nas condutas interpessoais.
Dentro desse pressuposto, não basta preencher faticamente a hipótese da
norma concessiva de benefício fiscal, deverá surgir linguagem emitida por
autoridade competente fazendo a norma incidir para que se estabeleça a relação
jurídica entre sujeito beneficiado e o Estado. Apenas assim há o reconhecimento
jurídico de que sobre aquele fato incide a norma especial do benefício fiscal e não a
norma geral tributária.
1.5 Teoria da Norma Jurídica
O termo “norma jurídica” é dotado de ambiguidade. Primeiro, diferencia-se a
“norma jurídica em sentido amplo” da “norma jurídica em sentido estrito”. As
primeiras referem-se aos conteúdos significativos dos enunciados prescritivos. A
composição de maneira articulada das significações, resultando em mensagens com
sentido deôntico-jurídico completo, é conhecida como “norma jurídica em sentido
estrito”.
Há também a diferença dos enunciados prescritivos e das normas jurídicas.
Aqueles referem-se à função pragmática de prescrição de condutas. Já as normas
jurídicas são significações construídas por meio dos textos positivados a partir dos
juízos condicionais, compostas por pelo menos duas proposições prescritivas.
A expressão “norma jurídica” é comumente utilizada para designar as
unidades do sistema do direito positivo. Todavia, entendemos que a trajetória de
construção de sentido dos textos jurídicos para a compreensão do conteúdo
legislado se dá em quatro planos conforme preceitua Paulo de Barros Carvalho34.
No plano S1 (plano dos enunciados), o sujeito se depara com o dado jurídico
material, os enunciados prescritivos, considerado um plano de expressão do direito
positivo. A partir da literalidade textual é que se pode perceber as estruturas
morfológicas e gramaticais.
34 CARVALHO, 2009, p. 88-102.
26
No nível das formulações literais o legislador insere modificações no sistema.
Tais modificações representam o caminho desejado pelas fontes produtoras do
direito, pois as alterações que ocorrem na pragmática não são passíveis de controle.
Tárek Moysés Moussallem35 cita como exemplo o vocábulo “casamento”, que
antes era visto sob uma ótica tradicional e hoje é amplo, admitindo inúmeras “formas
de união”.
Sobre esse ponto, assevera Paulo de Barros Carvalho:
[...] Com o sensível aumento na velocidade das informações, os processos de alteração significativa dos termos jurídicos vêm se desenvolvendo em intervalos cada vez mais curtos, o que valoriza a pesquisa da dimensão pragmática, na busca do reconhecimento das mudanças por que passam os sistema jurídico-positivos. Mesmo assim, porém, não chega ao ponto de roubar a primazia da plataforma física das formulações literais, como o locus mais adequado para que o legislador faça inserir, no sistema, as modificações que lhe parecerem mais convenientes. Afinal de contas, matérias sociais novas reivindicam, a todo instante, sua absorção pelas hipóteses normativas, passando a ser reguladas pelo direito36.
No subsistema S1 o conjunto de enunciados pode ser classificado em (i)
meramente prescritivos; (ii) qualificatórios (constitutivos); (iii) definitórios; e (iv) regras
técnicas. O que eles têm em comum é que são todos enunciados performativos
deônticos37.
Entende-se como enunciado meramente prescritivo aquele que se dirige à
conduta humana, possuindo, na maioria das vezes, a forma imperativa. Já os
qualificatórios são os enunciados que atribuem qualificações a determinadas
entidades. Segundo Gregorio Robles38, os enunciados qualificatórios assinalam
elementos prévios à ação.
Os enunciados definitórios assinalam o sentido que o legislador pretendeu ao
empregar determinada palavra. É importante ressaltar que, em algumas
oportunidades, o legislador define o termo em um artigo determinado, todavia, pode
utilizá-lo, em outras oportunidades, com sentido diverso.
E, por fim, as regras técnicas ditam meios que são utilizados no alcance de
determinado fim. Esses enunciados possuem a estrutura do “se..., então”: no
antecedente existe algo que é desejado e no consequente há referência ao que
35 MOUSSALLEM, 2011, p. 108. 36 CARVALHO, op. cit., p. 91. 37 MOUSSALLEM, op. cit., p. 116. 38 ROBLES, Gregorio. Las reglas del derecho y lãs reglas de los juegos. México: UNAM, 1988. p. 122.
27
deve ser feito para alcançar a finalidade almejada. Por exemplo, as normas de
procedimento são construídas a partir de regras técnicas. Novamente, Gregorio
Robles:
O procedimento, ao meu modo de ver, não é outra coisa que uma regra ou norma que estabelece o que um sujeito tem que fazer para realizar uma ação (em seu sentido estático). Dito de outra forma: todo procedimento se expressa (comunicativamente) por meio de uma regra ou norma que estabelece os requisitos do fazer em que consiste uma determinada ação39.
O plano S2 (plano das proposições) é o dos conjuntos dos conteúdos de
significação dos elementos prescritivos. Após o estabelecimento da base física do
texto (plano S1), tem-se o plano S2 que estabelece valores, separadamente, aos
vários signos, selecionando significações e compondo segmentos dotados de
sentido.
As proposições, de acordo com Paulo de Barros Carvalho, devem ser
entendidas “[...] não no sentido da Lógica Clássica, como expressão verbal do juízo,
mas enquanto conteúdo de significação constituído a partir da fórmula gráfica do
enunciado [prescritivo]40”.
Assim, o que importa nesse plano é o significado dos enunciados. Dessa
forma, o jurista irá ingressar na análise do conteúdo dos documentos jurídico-
prescritivos, associando e comparando os enunciados.
Paulo de Barros Carvalho41 dita alguns requisitos para que se consiga acesso
ao plano S2: (i) as expressões devem ser linguísticas e detentoras de sentido; (ii)
devem ser produzidas por órgão competente e (iii) de acordo com o procedimento
ditado pela ordem jurídica.
Os enunciados do direito positivo têm vetor semântico que os conecta ao
“mundo dos fatos”. Há um dever-ser, não-modalizado (neutro) ou operando por meio
dos functores obrigatório, proibido ou permitido, exaurindo-se as possibilidades de
condutas interpessoais.
Por vezes, o “dever-ser” aparece na forma apofântica, assim, o legislador
busca descrever os “fatos da vida” ou os “eventos da natureza”. Paulo de Barros
39 ROBLES, 1988, p. 234. 40 CARVALHO, Direito tributário, 2009, p. 92. 41 Ibid., p. 93.
28
Carvaho42 cita como exemplo o artigo 10, do Código Civil: “A existência da pessoa
natural termina com a morte...”.
Em outras situações, os modalizadores deônticos são utilizados com a função
prescritiva, como, por exemplo43, no artigo 418, do Código Civil: “O tutor, antes de
assumir a tutela, é obrigado a especializar, em hipoteca legal, que será inscrita os
imóveis necessários, para acautelar, sob a sua administração, os bens do menor”.
No plano S3 se constroem as normas jurídicas, momento em que as
significações são estruturadas deonticamente, na forma implicacional. O intérprete
do direito deve contextualizar os conteúdos obtidos no curso do processo gerativo,
objetivando a produção de unidades completas de sentido para as mensagens
deônticas.
Segue exemplo proposto por Paulo de Barros Carvalho:
[...] Imaginemos enunciado constante de lei tributária que diga, sumariamente: A alíquota do imposto é de 3%. Para quem souber as regras de uso dos vocábulos “alíquota” e “imposto”, não será difícil construir a significação dessa frase prescritiva. Salta aos olhos, contudo, a insuficiência do comando, em termos de orientação jurídica da conduta. A primeira pergunta certamente será: mas 3% do quê? E o interessado sairá à procura de outros enunciados do direito posto para entender a comunicação deôntica em sua plenitude significativa44.
Essa etapa do processo de geração de sentido é um aperfeiçoamento do
desempenho constitutivo levado a cabo a partir do agente do conhecimento.
Primeiramente, busca interpretar os sentidos isolados das fórmulas enunciativas e,
num segundo momento, agrupá-las de acordo com esquema lógico específico.
Por fim, no plano S4 (plano da sistematização) o intérprete situa a norma
jurídica construída dentro do sistema, de maneira que estabelece vínculos de
coordenação e subordinação entre as normas jurídicas que construiu.
Esse nível é mais elaborado, representa a organização das normas em
estrutura escalonada, tem-se o status de conjunto montado, de um verdadeiro
sistema.
Assim, passando pelos quatro planos, o da literalidade textual, o do conteúdo
dos enunciados prescritivos, o da interpretação conjunta – a fim de formar a norma
42 CARVALHO. Direito tributário, 2009, p. 94. 43 Ibid., p. 94. 44 Ibid., p. 96-97.
29
jurídica e o que articula as normas do S3, formando o sistema normativo, o
intérprete construiu o sentido da norma jurídica.
Lourival Vilanova considera a norma jurídica como “a expressão mínima e
irredutível de manifestação do deôntico”. Interpretamos a expressão como a fórmula
para se chegar ao sentido completo da mensagem.
Para nós a norma jurídica propriamente dita está nos planos S3 e S4. Para
evitar confusões, diferencia-se as normas jurídicas em: normas jurídicas em sentido
amplo (plano S1 e S2) e normas jurídicas em sentido estrito (planos S3 e S4).
Podemos definir norma jurídica (sentido estrito) como a significação que o
intérprete obtém da leitura dos textos do direito positivo. Um juízo estruturado na
forma hipotético-condicional (manifestação formal da linguagem prescritiva).
Analisando pelo prisma comunicacional, a norma jurídica em sentido estrito
ocupa a posição de mensagem, enquanto a norma jurídica em sentido amplo ocupa
a posição de canal. O canal é o meio físico, a linguagem escrita pela qual a
mensagem transita, por exemplo, a tinta no papel dos textos legais. O código ou
repertório, como quadro das regras de formação e de transformação de signos, são
os preceitos do direito positivo, que adota o código, valorativo e binário, lícito e ilícito.
Se o enfoque se der na análise sintática, a norma jurídica (em sentido estrito)
é juízo estruturado na forma hipotético-condicional (manifestação formal da
linguagem prescritiva), cuja esquematização formal se dá da seguinte maneira: D (H
C).
H é a proposição-hipótese (descreve uma situação de possível ocorrência) e
C é a proposição-consequente (prescreve uma relação entre sujeitos, modalizada
em obrigatório, permitido ou proibido), ambos estão ligados por um vínculo
implicacional () deôntico (D).
A norma tem as proposições implicante e implicada unidas pelo ato de
vontade do legislador, manifestado por meio de um dever-ser neutro: “Se o
antecedente, então deve-ser o consequente.”. Também podemos dizer assim: se
verificado um fato (hipótese), deve-ser uma consequência (relação jurídica de
direito).
O antecedente da norma funciona como descritor de um evento, passível de
ocorrer no campo da experiência social. Afirma Paulo de Barros Carvalho:
O antecedente da norma jurídica assenta-se no modo ontológico da possibilidade, quer dizer, os eventos da realidade tangível nele recolhidos
30
terão de pertencer ao campo do possível. Se a hipótese fizer a previsão de fato impossível, a consequência que prescreve uma relação deôntica entre dois ou mais sujeitos nunca se instalará, não podendo a regra ter eficácia social. Estaria comprometida no lado semântico, tornando-se inoperante para a regulação das condutas intersubjetivas. Tratar-se-ia de um sem-sentido deôntico, ainda que pudesse satisfazer a critérios de organização sintática45.
A hipótese apenas descreve a realidade, descritora de fatos de possível
ocorrência no contexto social. Assim, a hipótese não proíbe, obriga ou permite
ocorrências factuais. Dessa forma, o legislador irá escolher fatos, os quais acredita
ser possível a ocorrência no mundo fático.
O consequente, por sua vez, é responsável por prescrever a relação jurídica
que será instaurada a partir do momento da ocorrência do fato prescrito. Essa
relação jurídica é o vínculo abstrato em que o sujeito ativo tem direito subjetivo de
exigir do sujeito passivo o cumprimento de uma prestação. A fim de que se instaure
fato relacional são necessários dois elementos: (i) elemento subjetivo e o (ii)
elemento prestacional.
Em relação ao elemento subjetivo, temos o sujeito ativo, que tem o direito
subjetivo de “exigir uma prestação” e o sujeito passivo que tem o dever jurídico de
“cumprir a exigência do sujeito ativo”.
Por outro lado, o elemento prestacional é o que traz a conduta com os modais
obrigatório, proibido ou permitido. Tal elemento deve especificar o objeto, quando da
referência da conduta. Assim, deverá caracterizar a conduta que satisfaz o direito
subjetivo, outorgando o caráter de segurança e certeza que exigem as interações
sociais.
Neste trabalho, consideramos a norma jurídica como unidade de um sistema,
o qual forma um todo unitário, cujas partes são compostas por unidades e as
relações entre tais partes tecem sua estrutura. Assim, a norma dependerá do
produto das relações entre as unidades do sistema.
As normas têm feição dúplice: (i) norma primária e (ii) norma secundária. A
primeira prescreve que se acontecer o fato previsto, decorrerá um dever. Já a norma
secundária, prescreve sanção (atuação do estado-juiz) caso haja o descumprimento
da conduta estatuída na norma primária.
A norma primária e a norma secundária formam, juntas, a norma completa.
Expressam a mensagem deôntica-jurídica, denotando a orientação da conduta,
45 CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 139.
31
assim como a providência coercitiva que o ordenamento prevê em caso de
descumprimento da conduta. Nesse sentido, assevera Paulo de Barros Carvalho:
As duas entidades que, juntas, formam a norma completa, expressam a mensagem deôntica-jurídica na sua integridade com a providência coercitiva que o ordenamento prevê para seu descumprimento. Em representação formal: D {(p → q) v [(p → q) → S]}. Ambas são válidas no sistema, ainda que somente uma venha a ser aplicada ao caso concreto. Por isso mesmo, empregamos o disjuntor includente (“v”) que suscita o trilema: uma ou outra ou ambas46.
As normas também podem ser classificadas, de acordo com Paulo de Barros
Carvalho47, em quatro espécies: (i) norma abstrata e geral; (ii) norma concreta e
geral; (iii) norma abstrata e individual; e (iv) norma concreta e individual.
A primeira delas, norma abstrata e geral, é abstrata no antecedente e geral no
consequente, sendo que o antecedente representa uma previsão de hipótese e o
consequente que traz consigo conduta determinada em termos gerais, voltada para
um conjunto indeterminado de destinatários.
Dentro do contexto da norma abstrata e geral, tem-se que essa pode ser
primária ou secundária. Na primária, o enunciado prescreve um dever, como, por
exemplo: “Se ocorrer F, então deve-ser Q”. No que tange à norma abstrata e geral
secundária, o enunciado prescreve uma providência sancionatória hipotética: “Se
ocorrera F e descumprido o dever de conduta Q, então deve-ser a relação
sancionatória entre o Estado e o sujeito do dever descumprido”.
A incidência normativa ocorre com a descrição de acontecimentos ocorridos
no “mundo dos fatos”, em determinadas condições de espaço e tempo, os quais
estão em consonância com os critérios preestabelecidos na regra-matriz de
incidência – norma geral e abstrata. Assim, a partir desse enunciado, surge outro
enunciado relacional, o qual institui uma relação entre sujeitos de direito.
Em termos individuais e concretos leciona Paulo de Barros Carvalho acerca
das normas primárias e secundárias:
[...] a norma primária e a norma secundária, em termos individuais e concretos, apresentam ordens semânticas diversas. Prescreve, a primeira, o fato típico denotativo previsto no suposto do dever, identificando o próprio acontecimento relatado no antecedente da norma individual e concreta; e a conduta regulada, identificando os sujeitos da relação e seu objeto. A segunda, por sua vez, em seu antecedente, alude, com determinação, à ocorrência do fato típico e à conduta descumpridora do dever em termos
46 CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 146. 47 Ibid., p. 147.
32
concretos; e, em seu consequente, à própria sanção, vinculando Estado-Juiz e sujeito de dever por meio de uma relação concreta, portadora de coatividade jurídica48.
A norma individual e concreta, assim como a norma geral e abstrata,
pressupõe “um ato ponente de norma, juridicizado pela competência jurídica de
inserir norma no sistema que lhe prescreve o direito positivo49”. O que será
introduzido no preceito é a disciplina daqueles comportamentos previstos pelo
legislador, podendo ser abstrata ou concreta e geral ou individual.
A norma concreta e geral tem em seu antecedente um acontecimento
demarcado no espaço e no tempo, ou seja, refere-se a um fato concretamente
ocorrido. O seu consequente traz o exercício de conduta da conduta autorizada a
um determinado sujeito de direitos, mas que, por ser geral, pretende ser respeitada
por toda a coletividade.
Por fim, a norma individual e abstrata toma o fato descrito na hipótese como
uma tipificação de vários fatos, tendo destinatários certos, determinados e
identificados.
Diante de todo o exposto a respeito da teoria da norma jurídica, simples
perceber que a expressão “benefício fiscal” poderá ser compreendida em vários
sentidos, tais como: benefício fiscal enunciado prescritivo (plano S1), benefício fiscal
norma jurídica em sentido amplo (plano S2), benefício fiscal norma jurídica em
sentido estrito (plano S3), benefício fiscal hipótese de incidência, benefício fiscal
consequente, benefício fiscal fato jurídico, benefício fiscal relação jurídica, benefício
fiscal norma primária e benefício fiscal norma secundária.
Como os vícios de linguagem estão impregnados em todas as palavras, a
teoria da norma com sua visão didática de recortar o objeto norma jurídica em
diversas facetas será utilizada para facilitar a apreensão do intricado tema dos
benefícios fiscais.
48 CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 149. 49 Ibid., p. 149.
33
1.6 Regra Matriz de Incidência Tributária
Como o enfoque do trabalho é o direito tributário, o segundo passo após a
explanação sobre teoria da norma é tratar da regra matriz de incidência tributária,
expressão que padece de ambiguidade, podendo significar norma jurídica tributária
em sentido estrito assim como a fórmula lógica, esquema sintático desprovido de
conteúdo jurídico que auxilia o intérprete na construção da norma jurídica em sentido
estrito.
Considerada como estrutura lógica, a “regra-matriz” não se refere a conteúdo
jurídico. Apenas auxilia o intérprete na tarefa de construção da norma jurídica. Por
outro lado, a “regra-matriz” como norma jurídica ocorrerá quando os campos
sintáticos de tal estrutura forem completados semanticamente na sua totalidade.
A regra matriz de incidência tributária fará referência às propriedades da ação
nuclear do acontecimento, local e momento de ocorrência, a fim de identificar o
acontecimento de maneira precisa. Além disso, identifica-se um sujeito ativo, um
sujeito passivo e o objeto da relação que liga ambos os sujeitos – aquilo que vai
obrigar, proibir ou permitir de fazer ou deixar de fazer.
No antecedente da norma jurídica teremos: (i) critério material; (ii) critério
temporal; e (iii) critério espacial. Já no consequente temos: (iv) critério pessoal –
define os sujeitos; e (v) critério prestacional – qualifica o objeto da prestação.
A regra-matriz de incidência, de acordo com Aurora Tomazini pode ser
definida como:
[...] as normas padrões de incidência, aquelas produzidas para serem aplicadas em casos concretos, que se inscrevem entre as regras gerais e abstratas, podendo ser de ordem tributária, previdenciária, penal, administrativa, constitucional, civil, trabalhista, comercia, etc., dependendo das situações objetivas para as quais seu vetor semântico aponta50.
O vocábulo “regra” é utilizado como sinônimo de norma jurídica. Já a palavra
“matriz” significa que a construção é modelo sintático-semântico para que se
produza linguagem jurídica concreta. E, por fim, o termo “de incidência” refere-se a
normas produzidas que serão aplicadas.
50 CARVALHO, 2012, p. 284.
34
Passa-se adiante a estudar os critérios da regra matriz – antecedente e
consequente - e compreender o funcionamento da mensagem legislativa no que
tange às normas jurídicas de direito tributário.
1.6.1 Antecedente:
O enunciado da hipótese normativa define os critérios de uma situação
objetiva, a qual terá relevância para o mundo jurídico. Tal enunciado é
indeterminado, tem conceito abstrato. A hipótese acaba por descrever situação
futura, identificando a ocorrência daquela no tempo e no espaço.
Dessa forma, podemos observar três critérios eleitos por Paulo de Barros
Carvalho, a fim de identificar o fato, contido na hipótese de incidência: (i) critério
material; (ii) critério espacial; (iii) critério temporal51.
O primeiro dos critérios delimita o núcleo do fato a ser promovido à categoria
de “fato jurídico”. Assim, separa-se a ação dos condicionantes de tempo e espaço,
os quais estão contidos no comportamento humano. O critério material será
constituído por um verbo e seu complemento. O primeiro é representativo da ação a
ser realizada e o complemento indica as peculiaridades da ação.
É importante ressaltar que o verbo será sempre pessoal e apresenta-se na
forma “infinitivo”, fazendo referência a uma atividade futura e sendo obrigatória a
presença de complemento.
Os acontecimentos só terão relevância no direito se forem pessoais, ou seja,
comportamentos impessoais não geram efeitos jurídicos.
O critério pessoal volta-se para os efeitos jurídicos da ação, sendo um atributo
do consequente da norma, não tendo importância “quem deve realizar a ação” ou
“quem deve se encontrar em certa condição”.
O segundo critério, qual seja, critério espacial, é responsável por delimitar o
local em que o evento jurídico deverá ocorrer. O local estará expresso ou implícito
na norma jurídica. Em relação ao critério espacial, Paulo de Barros Carvalho52 o
divide em: (i) pontual; (ii) regional; (iii) territorial; (iv) universal.
51 CARVALHO. Curso de direito tributário, 2010, p. 318-331. 52 Ibid., p. 323-326.
35
O critério pontual determina local específico para a ocorrência do fato. Cita-se
como exemplo desse critério o imposto de importação, em que o acontecimento
passível de tributação irá se consumar apenas nas repartições alfandegárias. Assim,
os fatos se darão em pontos específicos, lugares exclusivos.
Por outro lado, o critério regional alude a áreas específicas, de tal sorte que o
evento acontecerá se estiver geograficamente contido nessa área. O Imposto sobre
a Propriedade Territorial Urbana é exemplo perfeito desse critério. No IPTU são
alcançados pela incidência da norma os bens imóveis situados nos limites do
perímetro urbano municipal. Ou seja, o imóvel não precisa estar localizado em ponto
específico, mas sim, dentro da área delimitada – município.
O critério territorial indica que em qualquer local onde ocorra o fato, estará
apto a desencadear seus efeitos peculiares. Podemos exemplificar esse critério no
Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias, em que a norma diz
respeito a realização de operação de circulação de mercadoria em qualquer lugar do
território estadual.
Por último, o critério espacial universal refere-se a qualquer local, ainda que
esteja fora do âmbito territorial em que a regra produz efeitos jurídicos. O Imposto de
Renda alcança acontecimentos ocorridos no Brasil, mas não só, alcança ainda fatos
cuja ocorrência se deu fora do Brasil.
O terceiro dos critérios acima citados é o critério temporal, o qual é conhecido
por identificar o momento de ocorrência do evento que será promovido à “categoria
de fato jurídico”. Assim como o critério espacial, o critério temporal pode estar
explícito no texto normativo ou implícito.
O critério temporal tem duas funções, as quais destacamos aqui: (i) função
direta, responsável por identificar o momento exato em que ocorre o evento com
relevância para o direito e (ii) função indireta que determina as regras que serão
aplicadas a partir do momento em que o evento ocorreu.
1.6.2 Consequente:
O consequente define os critérios do vínculo jurídico que será interposto entre
pelo menos duas pessoas, a partir da ocorrência do fato jurídico.
36
Fazem parte do consequente da regra matriz de incidência o critério pessoal e
o critério prestacional, os quais irão identificar o vínculo jurídico a ser instaurado, por
meio da ocorrência do fato descrito na hipótese.
O critério pessoal é o permissivo para que identifiquemos os sujeitos ativo e
passivo da relação jurídica. O primeiro é o titular do direito subjetivo e o segundo
tem o dever jurídico de realizar a conduta prescrita.
Fato é que pelo menos um desses sujeitos da relação jurídica deve ter vínculo
com o fato que lhe dá causa. Não é necessário, porém, que a pessoa integrante de
um desses polos seja aquela que realiza o fato descrito no antecedente da norma.
O legislador elege determinadas diretrizes – individuais ou genéricas – para
que se identifique os sujeitos da relação jurídica. A diretriz individual traz um único
sujeito no polo ativo ou passivo. Pode ser também genérica, quando delimita um
conjunto de pessoas a ocuparem a posição de sujeito ativo ou sujeito passivo do
vínculo jurídico.
É importante ressaltar que as diretrizes genéricas tendem a se individualizar,
a partir do momento em que se aproximam da linguagem da realidade social.
Há, ainda, a possibilidade de o legislador estipular mais de um indivíduo para
compor algum dos polos da relação, o que chamamos de solidariedade (ativa ou
passiva). Na solidariedade ativa existe dois ou mais credores solidários e cada um
deles têm o direito de exigir do devedor o cumprimento da prestação em sua
totalidade. Por outro lado, a solidariedade passiva é responsável por obrigar a todos
os devedores ao cumprimento da prestação por inteiro. Nesse caso, o credor poderá
exigi-la de um, de alguns ou de todos os devedores.
Após comentarmos sobre o critério pessoal, resta-nos o critério prestacional,
que é responsável por apontar qual a conduta deve ser cumprida pelo sujeito
passivo. Nas obrigações tributárias, tem-se que o sujeito passivo tem o dever
jurídico de entregar determinada quantia à Administração Pública, sendo o objeto da
prestação pecuniário.
As condutas presentes nas normas jurídicas têm a presença de um verbo e o
respectivo complemento. O verbo identifica a conduta a ser realizada pelo sujeito
ativo em favor do sujeito passivo. O complemento traz o objeto da conduta. O verbo
pagar, por exemplo, pode estar junto ao complemento indenização, tributo,
declaração, entre outros.
37
No critério prestacional podem existir elementos quantitativos ou ainda outras
informações materiais relevantes.
O legislador estabelece uma relação entre o objeto da prestação e o
acontecimento descrito no antecedente da norma jurídica, a fim de que exista
causalidade entre o fato e a consequência jurídica.
1.7 Atos de fala
De acordo com Cristiano Carvalho, a teoria dos atos de fala considera o ato
de fala como núcleo da linguagem:
Toda comunicação linguística envolve atos linguísticos. Portanto, a unidade da comunicação linguística não é, como tem sido normalmente pressuposto, o símbolo, a palavra ou a frase, ou mesmo o proferimento do símbolo, da palavra ou da sentença, mas sim a produção ou enunciação do símbolo, palavra ou frase através da performance do ato de falar.53
A expressão “ato de fala” é plurívoca, podendo ser utilizada em três
acepções: (i) enunciado ou proferimento; (ii) ação realizada por emitir o proferimento
– e (iii) ato de produção de enunciados (enunciação).
Ao utilizarmos a expressão sem especificar o sentido, entenda-se “ato de fala”
no sentido de enunciado. Ocorre que o vocábulo “enunciado” padece do vício da
ambiguidade processo-produto, de maneira que é importante precisar seu conceito.
O enunciado pode ser compreendido como texto escrito (suporte físico) prévio
a qualquer análise linguística e como texto escrito dotado de sentido. Ao sentido
obtido a partir da interpretação do enunciado dá-se o nome de proposição.
Para que exista um enunciado deve haver a execução de um ato que o
produza, chama-se essa atividade que coloca a língua em funcionamento de
enunciação. Acerca da enunciação, explica Tárek Moysés Moussallem:
A enunciação instaurará elementos fundacionais de pessoa, de tempo e de espaço do discurso, uma vez que ela é o marco fundamental da produção do enunciado. Todas as categorias de pessoa, de espaço e de tempo presentes no discurso tomam como referência o ato de enunciação. O “eu”, “tu”, “ele” – pessoas – o “aqui”, “lá” – espaço – e o “presente”, “passado” e “futuro” – tempo – guiam-se pelo ato produtor de enunciados54.
53 CARVALHO, 2008, p. 46. 54 MOUSSALLEM, 2011, p. 24.
38
Para que se possa reconstruir a enunciação, os dêiticos são importantes, pois
são os elementos de linguagem os quais dão ao intérprete essa possibilidade de
reconstrução.
Todo enunciado pressupõe enunciação. A partir dessa constatação, dois
conjuntos de enunciados distintos podem ser formados: o enunciado-enunciado e a
enunciação-enunciada.
A enunciação-enunciada indica as marcas da pessoa, do espaço e do tempo
da enunciação. Já o enunciado-enunciado não é provido de marcas da enunciação,
trata-se do próprio ato de fala locucionário.
Assim, a parte do texto que tem os fatos enunciativos a fim de reconstruir a
enunciação é a enunciação-enunciada. É a partir da enunciação-enunciada que
conseguimos saber quem, quando e onde o enunciado-enunciado foi escrito e a
alteração de qualquer dos dados da enunciação-enunciada altera o sentido da
mensagem.
Pois bem. Esclarecidos os conceitos da análise do discurso, voltemos nossa
atenção aos atos de fala.
Leonard Bloomfield55 afirma que o enunciado expedido por uma pessoa – ato
de fala, habilita a outra pessoa a uma reação. É o caso, por exemplo, de Maria
expedir o enunciado: “pegue a maçã” e, João, a partir desse ato de fala, reagir com
a ação de “pegar a maçã”.
Dessa forma, a linguagem não tem função apenas descritiva de fatos, mas
também é utilizada a fim de que sejam realizadas ações, ou nos dizeres de John
Austin56, utilizada para “fazer coisas”. Dessa forma, existem dois tipos de
enunciados: os declarativos, que descrevem determinadas situações (de fato), e os
performativos, empregados para a realização de ações.
Em determinadas situações, não é possível praticar um ato sem expedir
palavras. Tárek Moysés Moussallem57 cita o exemplo do casamento. Quando se diz
“aceito esta mulher como minha legítima esposa”, diante da autoridade competente,
não há descrição alguma. Nesse caso, o que existe é a realização de um ato, qual
seja, o de casar-se.
55 BLOOMFIELD, Leonard. Language. New York: Henry Holt and Company, 1938, p. 22-23. 56 AUSTIN, John L. Performative-constative. In: SEARLE, John. The philosophy of language. 5. reimpr. London: Oxford University Press, 1979, p. 13-14. 57 MOUSSALLEM, op. cit., p. 12.
39
Os enunciados declarativos são descritivos e submetem-se aos critérios de
verdade ou falsidade. Já os enunciados performativos, não se subjugam aos
critérios verdadeiro ou falso, pois são utilizados para realizar ações. De acordo com
John Austin58, os enunciados performativos podem ser qualificados em felizes e
infelizes, caso preencham ou não condições para a emissão do ato de fala.
As “condições para a felicidade” (condições de sucesso) do ato de fala,
segundo John Austin59, podem ser sintetizadas em seis:
(A.1) deve haver um procedimento aceito, o qual apresente efeito
convencional e inclua o proferimento de palavras determinadas, por pessoas e
circunstâncias certas;
(A.2) as pessoas e as circunstâncias devem ser adequadas ao procedimento
específico invocado em cada um dos casos;
(B.1) o procedimento completo deve ser realizado por todos os participantes
de modo correto;
(B.2) o procedimento deve ser realizado por todos os participantes de modo
completo;
(G.1) quando o procedimento visa às pessoas – com seus pensamentos e
sentimentos, ou à instauração de uma conduta correspondente por parcela dos
participantes, quem faz parte do procedimento e o invoca deve ter esses
pensamentos ou sentimentos e os outros actantes devem ter a intenção de
conduzirem-se de maneira adequada;
(G.2) os actantes devem conduzir-se dessa maneira subsequente.
Tárek Moysés Moussallem aponta as consequências de falhas em cada um
dos atos de fala. Nos quatro primeiros há uma falha que impede a própria realização
o ato, enquanto nos dois últimos o ato realiza-se, porém de modo abusivo:
Falha em (A.1) – Apontar a arma para a cabeça do noivo e obriga-lo a dizer “Eu te aceito como minha mulher” não é o procedimento convencionalmente estipulado para o casamento. Ou, ainda, o ato de dizer “eu te cumprimento”, mas não realizar o ato de cumprimentar alguém, porque não é o procedimento convencionalmente adotado para tal. Mais um: uma pessoa desafiar a outra para um duelo em um país onde a prática de duelos é completamente desconhecida. Falha em (A.2) – Em uma sala de aula, os alunos se reúnem e declaram iniciados os trabalhos do Poder Constituinte do Estado brasileiro.
58 AUSTIN. Performative-constative, 1979, p. 14. 59 AUSTIN, John L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Trad.: Danilo Marcondes de Souza. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992, p. 31.
40
Falha em (B.1) – Alguém, em seu testamento, dizer: “Lego minha casa a José”, mas, na verdade, não esclarece qual casa, pois o testador tem oito casas e não indica a que casa está-se referindo. Falha em (B.2) – Dizer “Aposto cem reais que amanhã choverá”, sem estender a mão ou sem que o ouvinte diga “Está apostado”. Com tal indefinição, o procedimento é incompleto e não se realiza. Falha em (G.1) – Falar “Prometo ir ao baile” sem a intenção de cumprir com a promessa. As crianças brincam muito com esse revés ao “cruzarem os dedos”, quando fazem promessa sem o intuito de cumpri-la. Falha em (G.2) – Realizar um contrato com a intenção de observá-lo, mas não o cumprir.60
Os proferimentos performativos são, como já afirmado, aqueles que o falante,
quando emite um enunciado, realiza um ato. Todavia, existem proferimentos que
apesar de não emitidos na primeira pessoa, figuram como performativos. Por
exemplo: “saia” é um performativo explícito. Já “proibido fumar” pode ser
transformado em “eu proíbo fumar”, sendo, por isso, performativo implícito.
John Austin61 formulou a teoria dos atos de fala e os distinguiu em três
dimensões: atos locucionários, atos ilocucionários e atos perlocucionários.
O ato locucionário refere-se ao “dizer”. Já o ato ilocucionário diz respeito
“àquilo que se faz ao falar alguma coisa” – é a realização de um ato ao dizer algo, e
oposição à realização de um ato de dizer algo. E o ato perlocucionário é o efeito
provocado no destinatário pelo fato de dizer alguma coisa – resultado produzido pela
ação de dizer algo.
Tárek Moysés Moussallem62 exemplifica o ato locucionário com a frase: “ –
Ele me disse: atire nele!”. O ato ilocucionário como sendo: “ – Ele me instigou a
atirar noutrem”. E o ato perlocucionário“ – Ele me persuadiu a atirar”.
Cristiano Carvalho63 esclarece que os atos locucionários são as frases
enunciadas sem levar em conta a intenção e o uso que o falante quer lhe impor,
enquanto os atos ilocucionários denotam a intenção do falante ao utilizar a
linguagem: afirmar, perguntar, ordenar etc.
Danilo Marcondes64 relata que uma das críticas à teoria dos atos de fala é dar
mais ênfase ao falante, e menos atenção à reação do ouvinte ao ato emitido pelo
falante. Essa consequência é denominada por John Austin65 de ato perlocucionário,
60 MOUSSALLEM, 2011, p. 15-16. 61 AUSTIN. Quando dizer é fazer, 1992, p. 89. 62 MOUSSALLEM, op. cit., p. 18. 63 CARVALHO, 2008, p. 47. 64 Ibid., p. 59. 65 AUSTIN, John L. How to do things with words. 2. ed. Boston: Harvard University Press, 1999, p. 101.
41
que a define como o efeito do ato ilocucionário sobre os sentimentos, pensamentos,
ou ações do falante.
Sobre o efeito perlocucionário, Cristiano Carvalho exemplifica com as leis
tributárias de caráter extrafiscal, cujo intento ao aumentar (ato ilocucionário diretivo
emanado pelo poder público) a alíquota do imposto sobre bens advindos do
estrangeiro é o de desestimular as importações. Muito embora diversas reações
possam ser advindas desse ato, o discurso sempre terá uma forçailocucionária
principal.
Manfredo Araújo de Oliveira66 afirma a este respeito que não se tratam de três
atos distintos, mas de três dimensões do mesmo ato de fala, de modo que a
separação é relevante apenas para fins de estudo.
O ato de fala é a realização de uma ação a partir do proferimento de algumas
palavras, todavia é difícil distinguir a função de uma ação da própria ação.
Para a realização dessa distinção – entre a função da ação e a ação em si –
envolve-se a diferença entre o ato ilocucionário e o ato proposicional (conteúdo
proposicional). O ato ilocucionário está ligado à ação e a sua função está conectada
ao ato proposicional. Assim, o mesmo ato proposicional (sentido da ação) poderá
aparecer em diversos atos ilocucionários.
Manuel Maria Carrilho67 cita que o ato proposicional “feche a porta” poderá
aparecer em vários atos ilocucionários distintos, como, por exemplo, “vá fechar a
porta”, ou ainda, “por favor, feche a porta”, dentre muitos outros.
José Luiz Fiorin68, no mesmo sentido, afirma que quatro atos ilocucionários
distintos - “João estuda bastante.”, “João estuda bastante?”, “Estude bastante,
João.” e “Ordeno que você estude bastante, João.” – podem ter um único ato
proposicional: “João estudar bastante”.
Um ato de fala somente pode ser desfeito por meio de outro ato de fala. Uma
ofensa somente é desfeita com o pedido de desculpas. Do mesmo modo no direito,
o casamento somente é desfeito com o divórcio.
Com efeito, o direito positivo é constituído por atos de fala ou, ainda,
enunciados performativos. A linguagem é utilizada para fazer normas com palavras.
66OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996, p. 160. 67 CARRILHO, Manuel Maria. Filosofia das ciências. Lisboa: Presença, 1994, p. 67. 68 FIORIN, José Luiz. A linguagem em uso. In: _______ (org.). Introdução à linguística: objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2003, p. 174.
42
Assim, legislar, julgar, executar são ações que se realizam por meio do proferimento
de palavras.
Segundo Christophe Grzegorczyk69, é importante ressaltar que existe uma
diferença entre “fazer qualquer coisa ao falar” e “fazer qualquer coisa em direito ao
falar”. As diferenças entre o enunciado performativo proferido na linguagem ordinária
e aquele da linguagem do direito positivo se dão nos efeitos, no procedimento e na
enunciação.
Primeiramente, os efeitos que o direito atribui aos seus atos de fala é distinto.
Isso porque, um enunciado é jurídico apenas se o seu significado corresponder a um
efeito jurídico, de acordo com as regras juridicamente relevantes. Tárek Moysés
Moussallem70 cita como um dos exemplos a palavra “promessa”, que na linguagem
comum não tem o mesmo significado da linguagem do direito positivo.
A declaração na linguagem comum é totalmente diferente do que se entende
por declaração na linguagem do direito positivo, caso analisadas a partir do prisma
dos seus efeitos ilocucionários. Na linguagem comum o que existe é somente um
ato linguístico de afirmar. Já na linguagem do direito positivo, a declaração é
responsável por criar um novo “estado de coisas”.
Assim, conclui-se que os enunciados meramente declaratórios estão fora do
âmbito do direito. Existem alguns enunciados que têm apenas forma declaratória,
mas função prescritiva – performativos deônticos implícitos. Sobre o assunto, leciona
Paulo de Barros Carvalho:
O dever-ser, frequentemente, comparece disfarçado na forma apofântica, como se o legislador estivesse singelamente descrevendo situações da vida social ou eventos da natureza, a ela relacionados: A existência da pessoa natural termina com a morte... (art. 10 do CC). A capacidade tributária passiva independe: I – da capacidade civil das pessoas naturais... (art. 126 do CTN)71.
Na linguagem ordinária o procedimento é convencionalmente estipulado, ao
passo que na linguagem do direito o procedimento é normativamente estipulado.
No direito, de acordo com Tárek Moysés Moussallem72, regras jurídicas
disporão sobre o procedimento de produção normativa e estabelecerão as
69 GRZEGORCZYK, Christophe. L’impact de la théorie des actes de langage dansle monde juridique: essai de bilan. In: AMSELEK, Paul (Coord.). Théorie des actes de langage, éthique e droit. Paris: PUF, 1986, p. 189. 70 MOUSSALLEM, 2011, p. 68. 71 CARVALHO. Curso de direito tributário, 2010, p.153. 72 MOUSSALLEM, 2011, p. 72.
43
“condições de felicidade” dos performativos jurídicos enquanto atos de direito: (A.1)
deve haver um procedimento normativamente previsto que inclua o proferimento de
determinadas palavras; (A.2) as pessoas e as circunstâncias devem ser
normativamente adequadas ao procedimento invocado, conforme estipulado em
sobrenomes; (B.1) e execução do procedimento deve ser realizada de maneira
correta, ou seja, de acordo com o previsto em outra norma jurídica; (B.2) o
procedimento deve ser completamente executado por todos os participantes;
A última diferença entre atos de fala proferidos em linguagem ordinária e os
proferidos na linguagem do direito positivo é que a enunciação no direito outorga a
força ilocucionária do ato.
Ao se relacionar as disposições jurídicas aos atos do agente competente
emissor de atos de fala encontra-se o elemento que caracteriza o ato de fala como
sendo norma jurídica.
Em conclusão, essa última diferença entre o enunciado performativo proferido
na linguagem ordinária e aquele da linguagem do direito positivo, nos mostra a
aproximação entre as variantes procedimento e enunciação, haja vista a enunciação
estar prevista abstratamente nas normas jurídicas, aproximando-se das diferenças
quanto ao procedimento.
1.7.1 Os atos de fala deônticos
As normas jurídicas em sentido amplo (enunciados) são atos de fala
deônticos e sobre tais atos de fala incide o modal “dever-ser” juridicamente
relevante, que pode aparecer de forma explícita ou implícita.
Os atos de fala do direito positivo podem ser inquiridos a partir dos mesmos
aspectos do que os atos de fala da linguagem ordinária, quais sejam: locucionários,
ilocucionários e perlocucionários.
Tárek Moysés Moussallem, nesse sentido, cita um exemplo:
“S’ diz a S”: “Se auferir renda, estará obrigado a pagar IR” – ato locucionário.
S’ ordena a S” – ato ilocucionário.
S” persuade S’ a pagar – ato perlocucionário”73.
73 MOUSSALLEM, 2011, p. 74.
44
Se analisarmos pelo ponto de vista do ato proposicional (função da ação) e do
ato ilocucionário (ação), no exemplo acima a ação é “ordenar, legislar ou executar”.
Já o ato proposicional é “a obrigação de pagar imposto sobre renda”.
Sendo ato proposicional, a função da ação estará regulada por uma das
modalidades: obrigatório (O), proibido (Ph ou V) ou permitido (P). O ato
ilocucionário, por sua vez, terá como sincategorema incidente o “dever-ser” em sua
forma neutra.
O aspecto perlocucionário de um ato de fala deôntico só produz efeitos e tem
relevância caso seja colhido por um ato locucionário. É por isso que para ocorrer
criação, transformação e extinção no direito positivo, há necessidade de expedição
por ato de fala. A sucessão temporal de normas toma como pressuposto a sucessão
temporal de atos de fala.
De todo modo, não se nega que a linguagem do direito positivo atue como
elemento fundamental no condicionamento da linguagem da conduta com caráter
perlocucionário extrajurídico.74
Os benefícios fiscais analisados por esse prisma dos atos de fala deônticos
nos permite concluir que a despeito dos efeitos perlocucionári os buscados com a
criação das normas concessivas de benefícios fiscais, a força ilocucionária principal
é reduzir ou eliminar a cobrança do tributo de determinada classe de indivíduos.
Desse modo, imperioso que o legislador deixe devidamente objetivado nos
enunciados prescritivos a finalidade da concepção de norma jurídica com esse
conteúdo.
1.8 Sistema de direito positivo e ordenamento jurídico
A expressão “direito positivo” nos remonta a um conjunto de regras. Já a
palavra “classe”, de acordo com a filósofa Susanne Langer, é a “coleção de todos
aqueles e somente aqueles termos aos quais um certo conceito seja aplicável75”.
Os elementos da classe não podem ser confundidos com a classe em si. De
acordo com Albert Menne, os elementos da classe “são os indivíduos que caem sob
o predicado correspondente à classe76”.
74 MOUSSALLEM, 2011, p. 82. 75 LANGER, Susanne K. An introduction to symbolic logic. 3. ed. New York: Dover, 1967, p. 116.
45
Assim, como visto, temos a classe e os seus elementos. Em linguagem
formalizada tem-se que “x ϵ K”, ou seja, “x” pertence à classe “K”, sendo que todo
elemento “x” que atender às características definitórias da classe, será pertencente a
ela.
A classe existirá onde seus elementos preencherem o critério de pertinência.
Tais proposições manterão, entre si, relações de subordinação e coordenação.
A fórmula “x ϵ K” quando aplicada ao direito positivo pode ser lida da seguinte
forma: “x pertence ao sistema do direito positivo”. Nesse caso, “x” será uma norma
jurídica, a qual preencha os critérios conotativos pré-estipulados pelo sistema.
A partir da diferenciação entre os critérios de pertinência em relação aos
sistemas do direito positivo, Hans Kelsen propôs o modelo dos sistemas estáticos e
sistemas dinâmicos. O primeiro utiliza um critério dedutivo e dá ênfase nos
enunciados em vigor enquanto o sistema dinâmico prefere o critério de legalidade e
dá ênfase na enunciação (produção e aplicação do direito).
A escolha de um dos sistemas não implica na exclusão do outro. Isso porque,
quando se diz “estático ou dinâmico”, entende-se que antes dos termos se
repelirem, eles se complementam.
O sistema estático origina a construção de conceitos de validade, vigência,
eficácia, obrigação, relação jurídica, entre outros. Já a ótica dinâmica origina os
conceitos de norma fundamental, fontes do direito, hierarquia normativa, entre
outros, os quais demonstram que o sistema está em constante composição e
decomposição.
Ao estudar o fenômeno da transformação do direito positivo, Alchourrón e
Bulygin77 diferenciaram “sistema do direito positivo” e “ordenamento jurídico”, em
que a primeira expressão refere-se ao conjunto de normas estaticamente
consideradas. Já a segunda expressão é utilizada no sentido dinâmico, sendo uma
sequência de sistemas normativos.
Daniel Mendonça, no mesmo sentido, assevera a diversidade entre “sistema”
e “ordenamento”:
Existe expansão de um conjunto de normas quando se agrega (pelo menos) uma norma a esse conjunto de normas quando se elimina (pelo menos)
76 MENNE, Albert. Introducción a la logica. 3. ed. Trad.: Leopoldo-Eulogio Palácios. Madrid: Gredos, 1979, p. 142. 77 Cf. ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Sobre el concepto de orden jurídico. In: ____. Análisis lógico y derecho. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991, p. 133.
46
uma norma desse conjunto; existe revisão de um conjunto de normas quando se expande uma contração, é dizer, quando se elimina (pelo menos) uma norma desse conjunto e se agrega a ele outra norma, incompatível com a eliminada. Claro está que se um sistema normativo é definido como um conjunto de normas, qualquer mudança nesse conjunto nos leva a outro sistema, distinto do anterior78.
Em conclusão às lições de Alchourrón e Bulygin, Tárek Moysés Moussallem79
enumera da seguinte maneira:
[...] (a) não parece haver problemas em afirmar que uma norma jurídica NJ1
pertença ao SDP1 (NJ1 ϵ SDP1), mas não pertença ao SDP2 (NJ1 ∉SDP2) e vice-versa. Porém, tanto no momento t1 de SDP1 quanto no momento t2 de SDP2, NJ1 sempre pertencerá ao OJ, pois SDP1 é e sempre será, subclasse de OJ. Tal situação será melhor explanada quando adiante se falar na dinâmica da revogação. (b) as proposições normativas, ou rechtssatz ou normativestatement, ou enunciados descritivos de normas jurídicas somente terão valor de verdade ou falsidade quando fizerem referência a um respectivo SDP. Carecem se sentido jurídico as expressões <<p está permitido>> ou <<NJ1 é válida>> se não estiverem relacionadas a um respectivo SDP. Repletas de sentido, seriam as locuções <<p está permitido em SDP1>> ou <<NJ1 é válida em SDP1>>. Por isso, uma vez pertencente a um SDP determinado, a norma jurídica jamais deixará de lhe pertencer. Eis a atemporalidade da proposição normativa. (c) toda norma jurídica (em sentido amplo) que pertencer ao SDP seja ele SDP1, SDP2, SDPn, pertencerá também ao OJ, em virtude da lei da transitividade: [(NJ1 ϵ SDP1) . (SDP1 ⊆ OJ)] ⊃ (NJ1 ϵ OJ).
A distinção entre “sistema do direito positivo” e “ordenamento jurídico”
permitiu a Alchourrón e Bulygin, ainda, a distinção de tempo interno e tempo externo
dos sistemas normativos. O tempo externo é aquele encontrado na relação entre
sistemas normativos e o tempo interno está no mesmo sistema normativo, em uma
sequência temporal.
Para saber se uma norma N é válida, vigente ou aplicável deve sempre estar
relacionada tal análise a um determinado sistema normativo.
Portanto, a questão atinente ao sistema de direito positivo e ordenamento
jurídico tem relação direta sobre o critério de pertinência entre o elemento e sua
classe correspondente e essa tomada de posição será de grande valia no estudo da
revogação e anulação das normas jurídicas dos benefícios fiscais, por conferir
instrumento de análise da norma aplicável a determinada situação em determinado
tempo e lugar.
78 MENDONÇA, Daniel. Las claves del derecho. Barcelona: Gedisa, 2000, p. 140. 79 MOUSSALLEM, 2011, p. 141-142.
47
1.9 Validade, Vigência e Aplicação
O conceito de “validade” é dotado de plurivocidade. A validade pode ser
atribuída a qualquer plano de manifestação do direito positivo. De acordo com os
subsistemas propostos por Paulo de Barros Carvalho80, podemos associá-los coma
validade da seguinte maneira: o subsistema S1 à validade do texto; o subsistema S2
à validade das significações; e o subsistema S3 à validade das normas jurídicas.
Assim, a “validade” tem alguns significados, os quais podemos enumerar: (i)
existência específica da norma jurídica; (ii) relação de pertinência de uma norma em
relação ao sistema; (iii) indicação da obrigatoriedade de uma norma.
Os significados (i) e (ii) estão diretamente relacionados, pois uma norma só
existe se pertence a um sistema normativo e “pertencer a um sistema normativo”
significa que a norma é válida.
Nesse sentido, Amedeo Conte81 afirma que há ambiguidade quando se afirma
que “a validade é a existência específica da norma”, já que existem dois significados,
complementares entre si: primeiro “o específico modo de existir de uma norma” e,
ainda, “a existência dentro de um particular ordenamento normativo”.
Conclui-se, de acordo com o Autor, que a norma só existe caso pertença a
um sistema normativo e para pertencer a um sistema normativo a norma deve ser
válida.
A validade vista como relação de pertinência de uma norma em relação ao
sistema (ii) pode ser observada a partir de três prismas linguísticos: sintático,
semântico e pragmático.
No plano sintático, pode-se analisar a validade a partir da correta composição
da frase, de acordo com as regras do idioma utilizado e, ainda, como relação de
subordinação, derivação e coordenação entre as normas jurídicas.
No que tange à esfera semântica, a validade pode ser observada a partir da
linguagem do direito positivo, que trabalha com os fatos e as condutas possíveis e,
além dessa, sob o aspecto da relação de subordinação do próprio conteúdo entre
duas normas – de competência e procedimento.
O viés pragmático da validade ganha força por meio das teorias do discurso e
dos atos de fala no direito. As infelicidades do ato de edição das enunciações
80 CARVALHO. Direito tributário, 2009, p. 88-102. 81 CONTE, Amadeo G. Filosofia del linguaggio normativo.2. ed. Torino: Giappichelli, 1995, p. 132.
48
conduzem à invalidade das disposições jurídicas que foram enunciadas. Trata-se de
falha bastante ameaçadora na dogmática jurídica.
A problemática da (in)felicidade da enunciação, de acordo com Hans
Kelsen82, liga-se à validade ou invalidade da disposição enunciada. Dessa forma,
para o Autor, a norma jurídica apenas possuirá validade se os remetentes da norma
se comportarem de acordo com seus ditames, possuindo, assim, eficácia.
A enunciação-enunciada que veicula a norma no sistema jurídico, volta-se à
enunciação a fim de que seja aferida a felicidade ou infelicidade da enunciação. Não
há validade ou invalidade do ato de produção normativa, o que se tem é a felicidade
ou infelicidade.
Caso seja constatada a infelicidade de um ato de produção normativa, não se
diz que, necessariamente, haverá a invalidade da enunciação-enunciada e do
enunciado-enunciado. A perda da validade de um enunciado está diretamente ligada
a um ato de fala que realize a expulsão do enunciado do sistema jurídico.
O ato de produção normativa é feliz ou infeliz. A enunciação-enunciada e os
enunciados-enunciados são válidos ou inválidos. Dessa forma, a infelicidade da
enunciação, para que seja apta a invalidar a norma por ela originada, deve ser
abrigada em outro enunciado.
Destaca Tárek Moysés Moussallem sobre esse tema:
[...] a infelicidade do ato de produção normativa não conduz necessariamente à invalidade da enunciação-enunciada e do enunciado-enunciado. A perda da validade de um enunciado prescritivo não decorre da infelicidade da sua enunciação, mas tão-só de outro ato de fala que expulse aquele enunciado do sistema do direito positivo, isto é, requer-se a produção (enunciação) de outro enunciado prescritivo que, em cálculo com aquele outro, tenha por resultado uma classe vazia83.
No mesmo sentido, Lourival Vilanova84 declara que para que exista o
processo de geração de normas, tem-se: “norma geratriz incidindo na subjetividade
de um ato, cujo sentido objetivo (em virtude de norma incidente) é outra norma
válida”. Ocorrendo algum defeito no procedimento, a norma é anulável, sendo
necessário um outro procedimento para a desconstituição da norma impugnável.
82 Apud. AMSELEK, Paul. Philosophie du droit et théorie des actes de langage. In: ____. (Coord.). Théorie des actes de langage, éthique e droit. Paris: PUF, 1986, p. 127. 83 MOUSSALLEM, 2011, p. 150. 84 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 307.
49
De acordo com os ensinamentos de Christophe Grzegorczyk, o enunciado
performativo deôntico é responsável pela criação do critério de verdade da totalidade
das afirmações constativas correspondentes. Assim, não é verdadeiro afirmar que a
norma N1 é inválida antes de ser retirada do sistema por outra norma N2.
Além do conceito de validade, faz-se necessário trazer aqui os conceitos de
vigência, eficácia, incidência e aplicação, os quais estão intimamente ligados.
O significado da palavra “vigência” está ligado à função criadora exercida pela
linguagem normativa a fim de que seja determinado o tempo e o espaço em que a
norma jurídica terá força regulamentadora de condutas.
Tárek Moysés Moussallem descreve a vigência, de acordo com a teoria dos
atos de fala, como sendo “(...) o tempo em que o ato de fala deverá ser recebido
com a força ilocucionária de ordem juridicamente qualificada pelo destinatário da
mensagem normativa85”.
É preciso diferenciar a vigência da enunciação-enunciada e do enunciado-
enunciado. Paulo de Barros Carvalho86 afirma que a vigência dos veículos
introdutores se inicia no átimo da validade, enquanto que no caso das regras
introduzidas, ficarão na dependência do que for estipulado nos veículos introdutores.
Em posicionamento diverso, Tárek Moysés Moussallem87 assevera que o
consequente da norma-veículo introdutor determina a obrigação de observância,
pela coletividade, dos enunciados-enunciados inseridos no sistema do direito
positivo. O Autor menciona ser papel da validade “inserir enunciados-enunciados no
sistema de direito positivo”. A vigência pode ter protração ou retrotração de acordo
com o direito positivo.
Dessa forma, pode o enunciado-enunciado de um documento normativo
estipular que “a lei entrará em vigor 60 dias após sua publicação”. Nesse caso, a
“lei” refere-se à enunciação-enunciada, afirmando ser obrigatória a observância dos
enunciados-enunciados apenas 60 dias após a sua publicação, mesmo que a
enunciação-enunciada e o enunciado-enunciado já pertençam ao sistema do direito
positivo.
85 MOUSSALLEM, 2011, p. 152-153. 86 CARVALHO. Curso de direito tributário, 2010, p. 122-123. 87 MOUSSALLEM, op. cit., p. 156.
50
A regra, então, é que a cláusula de vigência atue de forma direta sobre a
enunciação-enunciada e somente excepcionalmente refere-se ao enunciado-
enunciado.
A vacatio legis atinge a vigência da norma – e não sua eficácia. É por isso
que a lei, embora tenha sido publicada, irá aguardar a data do início da sua vigência
e, nesse período, mantém-se em vigor a lei antiga.
Uma última observação a ser realizada em relação à vigência é que, mesmo
estando em período de vacatio legis, a enunciação-enunciada e o enunciado-
enunciado são suscetíveis ao controle constitucional – feito por meio de Ação Direta
de Inconstitucionalidade, isso porque, não há necessidade de que a norma seja
vigente para que possa ser submetida ao controle de constitucionalidade.
A “eficácia” também é dotada de plurivocidade, podendo ser dotada de alguns
sentidos: (i) possibilidade de produção de efeitos; (ii) produção de efeitos
propriamente dita; (iii) incidência; (iv) observância pelos destinatários.
Paulo de Barros Carvalho88 propõe três conceitos de eficácia. O primeiro
deles, refere-se à “eficácia técnica”, significando que, quando há ocorrência de fatos,
têm eles a aptidão de irradiar efeitos. A “eficácia jurídica” diz respeito às
consequências previstas pelo ordenamento jurídico desencadeadas pelos fatos
jurídicos. E, ainda, a “eficácia social” são os resultados produzidos pelos fatos
sociais.
Todavia, Tárek Moysés Moussallem89 afirma que os conceitos propostos por
Paulo de Barros devem ser adaptados à concepção do direito como um fato
dependente da linguagem, pois nenhuma norma pertencente ao direito positivo
irradia efeitos sem que seja aplicada.
A partir disso, afirmar que a eficácia jurídica é qualidade do fato – e não da
norma, não se afiguraria correto. Isso porque, o fato jurídico está contido na norma
concreta. Não existe fato jurídico fora da norma jurídica.
A eficácia social demonstra que o direito positivo não se ocupa com seu
descumprimento ou não no mundo social, já que é necessário um ato de fala que
crie juridicamente seu cumprimento ou descumprimento, para, apenas depois,
falarmos na possibilidade de sanção.
88 CARVALHO. Direito tributário, 2009, p. 78-82. 89 MOUSSALLEM, 2011, p. 160-161.
51
Desse modo, preferível tratar de validade, vigência e aplicação a tratar de
validade, vigência e eficácia.
Como exemplo de aplicação, cite-se a imunidade tributária, presente na Carta
Magna de 1988. Essa não “sai da Constituição Federal para a entidade imune”,
automaticamente. Para que determinado sujeito seja considerado imune, é
necessário um ato de aplicação conferindo-lhe a imunidade.
É importante ainda ressaltar os efeitos no tempo gerados pela validade,
vigência e aplicação.
O espaço de tempo durante o qual é necessária a ocorrência de um
acontecimento para que esse seja contemplado pela suposição do enunciado
chama-se intervalo de subsunção. A partir do intervalo de subsunção, nota-se a
importância do acontecimento previsto na hipótese normativa, de modo que todo
caso abarcado pela hipótese normativa deverá ser considerado ocorrido durante o
intervalo de subsunção.
O intervalo de validez é “o tempo máximo durante o qual uma norma jurídica
pertence a um sistema normativo determinado90”. O intervalo de validez inicia a
partir da publicação da norma no Diário Oficial e o fim se dá na revogação da norma.
O lapso de tempo em que a norma possui caráter obrigatório é denominado
de intervalo de vigência. Esse pode ter fim com a revogação da norma, todavia,
mantém a obrigatoriedade nos casos ocorridos em seu intervalo de subsunção.
Tais categorias de teoria geral do direito servirão de base de sustentação
quando adentrarmos no cerne do estudo dos benefícios fiscais, principalmente nos
capítulos de revogação e anulação das normas jurídicas.
90 MOUSSALLEM, 2011, p. 165.
52
CAPÍTULO II – PRESSUPOSTOS PARA O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA
TRIBUTÁRIA
2.1 Definição de norma de competência
Para Tácio Lacerda Gama91, competência tributária é a aptidão jurídica,
modalizada em obrigatório, a qual objetiva a criação de normas jurídicas que, direta
ou indiretamente, disponham sobre a instituição, arrecadação e fiscalização de
tributos.O autor classifica as normas de competência em sentido amplo e sentido
estrito.
Norma de competência em sentido amplo pode ser entendida como toda
proposição prescritiva que estabelece disposições voltadas a informar como deve se
dar a criação de outras normas relacionadas à tributação.
Norma de competência em sentido estrito é o juízo condicional que vincula,
em sua estrutura, os elementos fundamentais para regular a produção de norma
inferior. Para que exista norma em sentido estrito, a proposição jurídica deve
qualificar o sujeito que tem poder de criar normas; indicar o processo em que as
normas serão criadas; dar coordenadas de espaço e tempo para a criação das
normas; estabelecer vínculo entre quem cria a norma e quem se sujeitará a ela;
prescrever a modalização da conduta de criar outra norma (obrigatória, permitida ou
proibida); estabelecer, a partir das variáveis sujeito, espaço, tempo e
comportamento, a programação material da norma inferior.
Tácio Lacerda Gama92 afirma que o verbo representa o núcleo da norma
jurídica. No antecedente o verbo encontra-se enquanto fato e no consequente
enquanto dever previsto. Assim, apresentará os seguintes âmbitos de vigência:
subjetivo, material em sentido estrito, espacial e temporal.
Na hipótese da norma de competência, existem requisitos que caracterizam
um evento possível de ocorrer no mundo fenomênico. Nesse caso, a partir de tais
requisitos relatados com a linguagem competente, ter-se-á seu o nascimento jurídico
como fato.
91 GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 56. 92 Ibid., p. 56.
53
No que tange ao âmbito subjetivo, o sujeito ou o conjunto de sujeitos que
introduzem norma válida no ordenamento jurídico tem competência para a criação
de normas. Dessa forma, o sujeito é competente quando reúne os requisitos
elencados na norma para enunciar textos de direito positivo.
No âmbito procedimental da norma de competência, qual seja, em relação à
forma de enunciar, o antecedente dos veículos introdutores de normas jurídicas é
dividido em instrumentos indutores primários e secundários. Os primeiros introduzem
normas jurídicas gerais e abstratas, as quais têm a possibilidade de dispor sobre
novos direitos e deveres. No caso dos instrumentos secundários, introduzem
disposições que aplicam o previsto pelos instrumentos primários.
Dessa forma, tem-se a fórmula C = E.M, em que: “C” é a competência; “E” é o
tipo de enunciação, “M” é a matéria. Desdobrando tal fórmula, tem-se:
Njcom = H {[s.p(p1, p2, p3...)].(e.t)} → R (S (s.sp) . m (s.e.t.c.)}
A norma jurídica de competência (Njcom) é composta pelo vínculo deôntico
(→) entre a hipótese (H) e a relação jurídica de competência (R). Na descrição do
fato, a hipótese (H) apresenta os âmbitos subjetivo (s), procedimental (p), espacial
(e) e temporal (t); a relação de competência (R), igualmente expressa uma conduta
e tem seu aspecto subjetivo (s e sp), bem como seu aspecto material (m), o qual,
composto por verbos, irá trazer os âmbitos subjetivo (s), espacial (e), temporal (t) e
material em sentido estrito (c).
Assim, a norma produzida no exercício da competência legislativa deve
coincidir com o objeto da norma de competência.
A estrutura da norma de competência corresponde a:
Ncom.s = H [s.p(-c).e.t] → R [S(s.sj) . m(s.e.t.c)]
As normas de competência são divididas em primárias e secundárias. Sobre
as normas primárias de competência afirma-se: se a uma hipótese (exercício da
competência pela autoridade legitimada a partir de processo legislativo, o qual
determina tempo e lugar) deve ser uma consequência (sujeito ativo pode elaborar
norma que cria, revoga ou modifica outra norma, além de o dever imputado aos
54
sujeitos passivos de cumprir as determinações contidas nas normas que foram
criadas).
Já no que tange às normas secundárias de competência: se a uma hipótese
(desarmonia da atividade do legislador com o prescritor da norma primária) deve ser
uma consequência (refere-se à relação jurídica entre o órgão responsável pelo
controle constitucional e a autoridade legisladora; tendo o Estado o dever de expelir
do sistema a norma a qual foi produzida invalidamente).
Hans Kelsen93 classifica as normas de competência como normas
incompletas, que necessitam de complementação em outras normas. Tácio Lacerda
Gama, analisando a classificação de Kelsen, afirma que a diferenciação entre
normas completas e incompletas não se sustenta.
Dessa forma, Tácio Lacerda Gama94 sustenta que as normas de
competência, regulam condutas que criam normas jurídicas e estabelecem sanção
no caso de sua inobservância.
2.2 O exercício da competência tributária: aptidão para a instituição de tributos
e de benefícios fiscais
Os incentivos fiscais, quando instituídos pelo ordenamento constitucional
tributário, estão sujeitos aos mesmos condicionamentos exigidos para a instituição
dos tributos. Assim, a instituição dos benefícios fiscais é o poder de tributar ao
inverso.
É o que se conclui pela análise do artigo 150 da Constituição Federal de 1988
que estabelece no inciso I que tributos só podem ser exigidos ou aumentados
mediante lei, e ressalta no§6º a mesma exigência para a instituição de benefícios
fiscais.
Para Hermano Notaroberto Barbosa95, o poder de não tributar é uma
categoria jurídica autônoma, que pode ser cindida em poder de não tributar em
sentido amplo e em sentido estrito. O primeiro ocorre quando o ente recebe a
competência tributária e opta por não a exercer. Em sentido estrito ocorre quando há
93 Apud. GAMA, 2011, p. 21 et seq. 94 Ibid., p. 25. 95 BARBOSA, Hermano Notaroberto. O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 83.
55
o exercício parcial da competência tributária – a partir de benefícios e incentivos
fiscais.
Assim, a competência tributária pode ser entendida como a aptidão para
legislar sobre matéria tributária ou, ainda, a produção de normas jurídicas sobre
tributos.
Os tributos são criados apenas por meio de lei – competência tributária. Essa
não se confunde com a capacidade tributária ativa, que se refere à arrecadação de
tributos. A competência tributária pertence às pessoas jurídicas de direito
constitucional interno, além dessas, Paulo de Barros Carvalho96 aponta como
exemplos o Presidente da República, quando expede um decreto de Imposto de
Renda, o agente administrativo que lavra um lançamento, o particular quando realiza
o autolançamento, dentre outros.
Sabendo-se que o termo “competência tributária” é plurissignificativo Tácio
Lacerda Gama97 classifica as competências em legislativas e infralegislativas.
Legislativas englobam a criação das leis e atos normativos. As infralegislativas
abrangem as competências administrativa, jurisdicional e privada.
Podem ser apontadas algumas características acerca da competência
tributária impositiva: (a) indelegável; (b) irrenunciável; (c) incaducável; (d) inalterável;
(e) privativa; (f) facultativa.
A indelegabilidade significa que as competências são intransmissíveis.
Refere-se à titularidade do seu exercício e não à sua disponibilidade. Já a
irrenunciabilidade refere-se à impossibilidade de a pessoa política “abrir mão”, tornar
nula sua competência. E, por fim, a incaducabilidade consiste na ausência de prazo
para o exercício das competências tributárias.
A inalterabilidade se refere à impossibilidade de modificação da competência
pela pessoa política, isso porque, essa deve ser exercida nos termos da Carta
Magna.
A privatividade significa que cada uma das pessoas políticas tem competência
exclusiva. Parte da doutrina critica essa característica, pois somente a União detém
competência exclusiva, já que tem a possibilidade de instituir impostos de
competência dos demais entes.
96 CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 236. 97 GAMA, 2011, p. 230-231.
56
A última das características listadas é a facultatividade do exercício, posto
que a competência apenas será exercida se o ente assim decidir (por meio de uma
deliberação política).
Paulo Barros de Carvalho98, todavia, acredita que apenas três dessas
características se sustentam, quais sejam: indelegabilidade, irrenunciabilidade e
incaducabilidade.
2.3 A Intervenção do Estado no domínio econômico e os benefícios fiscais
A Constituição Federal de 1988 traça limites e maneiras de o Estado intervir
no domínio econômico. Essa pode se dar de forma excepcional, em que o Estado
pode atuar como agente econômico nos casos previstos na Carta Magna, ou a
intervenção é indireta (regra), em que o Estado poderá atuar como agente normativo
e regulador, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento.
O domínio econômico, de acordo com Tácio Lacerda Gama99, é estrato de
linguagem descritiva. Dessa forma, não compõe o sistema do direito positivo, já que
esse é integrado por normas, as quais apresentam-se em linguagem prescritiva.
Nesse diapasão, diferencia, ainda, domínio econômico de ordem econômica.
O primeiro, refere-se à linguagem descritiva. Já a ordem econômica refere-se às
normas jurídicas que, juntas, disciplinam as relações econômicas, em linguagem
prescritiva das condutas intersubjetivas.
A intervenção do Estado no domínio econômico pode ocorrer de forma direta
ou indireta. A primeira é a intervenção do Estado no domínio econômico, em que a
Administração atua em igualdade de condições com o agente econômico privado. A
intervenção indireta, por sua vez, é sobre o domínio econômico, em que o Estado
limita ou estimula determinada atividade dos particulares.
Tácio Lacerda Gama100 subdivide os tipos de atuação estatal em normativa e
participativa, sendo que, na atuação normativa, o Estado exerce a competência de
forma a inserir no ordenamento normas e fiscaliza o cumprimento delas,
observando-se o que versa o artigo 174, da Constituição Federal. Quando o Estado
98 CARVALHO. Curso de direito tributário, 2010, p. 270 et seq. 99 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 236. 100 Ibid., p. 239 et seq.
57
age de forma participativa, isso ocorre na condição de agente econômico, de acordo
com o artigo 173, da Carta Magna.
Os benefícios fiscais, portanto, são identificados como normas que, a partir do
exercício da competência tributária para instituir seu regramento respectivo e
conforme o regime jurídico específico de cada tributo, irão trazer consigo as normas
gerais e abstratas que serão responsáveis por permitir ao Estado agir de forma
interventiva.
58
CAPÍTULO III – PRINCÍPIOS
3.1 Classificação e ontologia
Antes de adentrar no estudo dos princípios propriamente ditos e analisar
como se comportam no sistema do direito positivo, importante conceitua-los.
Paulo de Barros Carvalho101 ressalta a riqueza significativa da palavra
princípio, na medida em que se falam em princípios gerais e específicos, princípios
implícitos e explícitos, princípios empíricos, princípios lógicos, princípios
epistemológicos, princípios axiológicos etc. Dessa forma, é preciso uma tomada de
posição do cientista, o qual deve demarcar o sentido que deseja imprimir ao
vocábulo se pretende alcançar foros de seriedade científica.
A respeito dos apontados princípios implícitos e explícitos, Roque Antônio
Carrazza assim define o conceito de princípio jurídico:
[...] enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de permanência nos vastos quadrantes de Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam102.
Dentro os vários sentidos para a palavra “princípio”, Paulo de Barros
Carvalho103 destaca quatro: i) princípio como norma jurídica superior e com valor
relevante; ii) princípio como norma jurídica de posição privilegiada, o qual determina
limites objetivos; iii) princípio enquanto valor interno de regra jurídica de posição
privilegiada, independente de outras normas; iv) princípio como limite objetivo
delineado em regra de hierarquia sólida, sem consideração à estrutura da norma.
Nos dois primeiros, tem-se “princípio” como “norma” e nos dois últimos, “princípio”
como “valor” e “critério objetivo”.
Desse modo, os princípios podem ser interpretados como normas jurídicas,
mas também como valor ou critério objetivo. Essas duas outras formas de interpretar
seriam extrajurídicas, haja vista a premissa epistemológico-jurídica que adotamos de
101 CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 274. 102 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 67. 103 CARVALHO, op. cit., p. 275.
59
reconhecer a homogeneidade sintática das unidades normativas do sistema jurídico.
Dessa forma, os princípios têm natureza ontológica de normas jurídicas.
O que diferencia os princípios das normas jurídicas é o grande caráter
axiológico daqueles, responsáveis por introduzir valores de alta relevância no
ordenamento jurídico.
Para se falar de valor é preciso ingressar nos domínios da axiologia. De
acordo com Johannes Hessen104 a palavra valor é daquelas, cuja definição a rigor é
impossível, pois se trata de um conceito supremo, como “ser” e “existência”. A
acepção comporta pelo menos três significados: vivência de um valor (domínio da
consciência), por exemplo, ao experimentar a beleza de uma paisagem; qualidade
de valor de uma coisa (domínio do naturalismo), por exemplo, o valor atribuído ao
objeto em paisagem; e a própria ideia de valor em si mesma, que consiste no
conceito do gênero sob o qual subsumimos o conteúdo de todas as nossas
vivências da mesma espécie.
O valor não está nas coisas, não é o objeto de preferência ou escolha. O valor
está no ser humano, no sujeito cognoscente. De todo modo, um ponto de partida
para se buscar o sentido de valor é orientar-se pelo próprio fenômeno (tudo aquilo
que nos é imediatamente dado) valor, de modo que certas características identificam
a presença do valor.
Miguel Reale105 assinala dez características que permitem identificar os
valores são: 1) Bipolaridade: onde houver valor, haverá, como contraponto, o
desvalor; 2) Implicação recíproca: nenhum valor se realiza sem influir, direta ou
indiretamente, na realização dos demais, de modo que valores positivos e negativos
implicam-se mutuamente; 3) Referibilidade: o valor importa sempre uma tomada de
posição do homem perante algo, atribuímos valor às coisas, aos homens e a nós
mesmos, constituindo referências; 4) Preferibilidade: o valor demonstra uma
orientação, uma tomada de posição; 5) Incomensurabilidade: os valores não podem
ser mensurados, não é possível estabelecer uma medida de valores; 6) Graduação
hierárquica: nossa ideologia constrói uma escala hierárquica dos valores, dado o
elemento intrínseco da preferibilidade; 7) Objetividade: os valores configuram-se
como qualidades aderentes, que os seres humanos predicam a objetos,
pressupõem, invariavelmente a presença desses objetos; 8) Historicidade: os
104 HESSEN, Johannes. Filosofia dos valores. Coimbra: Almedina, 2001, p. 121-123. 105 REALE, Miguel. Introdução à filosofia. 4. ed. São Paulo, Saraiva, 1994, p. 141.
60
valores são constituídos no processo histórico social fruto da trajetória existencial
dos homens; 9) Inexauribilidade: valor não se esgota; 10) Atributividade: o valor
pressupõe necessariamente a presença humana e um ato de atribuição de valor,
que lhe vincule a um objeto da experiência;
Paulo de Barros Carvalho106 acrescenta mais 4 características aos valores:
11) indefinibilidade: não podem ser circunscritos semanticamente em decorrência da
própria natureza do objeto-valor; 12) vocação em se expressar em termos
normativos; 13) associatividade: faz-se associações mentais para se atingir
satisfatoriamente seu conteúdo; e 14) intuição emocional como modo de acesso aos
valores.
Pois bem. Os princípios tidos por mais relevantes juridicamente estão no texto
da Constituição Federal de 1988, e sua graduação hierárquica se dá de acordo com
a carga axiológica de cada um. Os princípios mais subjetivos têm conteúdo
axiológico mais forte e os princípios mais objetivos funcionam como regras de
conduta.
Assim, existem os princípios que têm uma maior carga axiológica, os quais
são chamados de “sobreprincípios” e aqueles que têm uma carga axiológica menor,
os denominados “limites objetivos”.
Na seara tributária, o legislador constitucional atuou com esmero na
elaboração normativa, na medida em que estatuiu princípios de proteção ao
cidadão, com direitos e garantias individuais, assim como princípios voltados ao
cumprimento dos desígnios da federação e da república, delimitando as esferas
competenciais dos entes federativos.
Segue-se adiante considerações sobre os princípios de maior expressividade
e relacionados aos benefícios fiscais, tema proposto no presente trabalho.
3.2 Princípios constitucionais tributários
Os princípios tributários positivados na Carta Magna de 1988 são de extrema
importância na orientação do sistema como um todo e da finalidade desse, enquanto
objeto cultural. Analisaremos aqui os que julgamos mais relevantes para o tema dos
benefícios fiscais.
106 CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 185-187.
61
3.2.1 Segurança jurídica e certeza do direito:
A segurança jurídica é regra implícita dos ordenamentos jurídicos. Exige do
sistema uma previsibilidade na aplicação das normas jurídicas, não podendo infringir
os demais sobre princípios existentes no sistema do direito positivo. A segurança
jurídica é a previsibilidade das consequências, a fim de que os sujeitos previamente
saibam como agir dentro da legalidade.
Paulo de Barros Carvalho relaciona o princípio da segurança jurídica com o
princípio da certeza do direito, a partir de duas vertentes desse último princípio:
O princípio da certeza do direito traduz as pretensões do primado da segurança jurídica no momento em que, de um lado, (i) exige do enunciado normativo a especificação do fato e da conduta regrada, bem como, de outro, (ii) requer previsibilidade do conteúdo da coatividade normativa. Ambos apontam para a certeza da mensagem jurídica, permitindo a compreensão do conteúdo, nos planos concretos e abstratos. Pensamos que nesse segundo significado (ii) quadra melhor no âmbito do princípio da segurança jurídica107.
A segurança jurídica pode ser identificada em diversos artigos da Constituição
Federal, entre os quais podemos citar: (i) artigo 5º, caput:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:108
Nesse caso, a palavra “segurança” não se refere apenas à segurança do
corpo da pessoa e da propriedade, mas também à segurança como estabilizadora
das relações jurídicas; (ii) artigo 5º, XXXVI: “a lei não prejudicará o direito adquirido,
o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Há aqui, também, segurança jurídica, já que
a lei não pode desestabilizar as relações jurídicas já estabilizadas pelo direito; (iii)
artigo 150, I e III:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça [...] III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
107 CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 287. 108 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. D.O.U. 191-A de 05/10/1988, p.1. (grifo nosso). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 07 set. 2017.
62
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b109;
Nesse artigo, temos no inciso I o princípio da legalidade tributária, do qual
deduz-se o sobre princípio da segurança jurídica. A partir desse inciso, há proibição
da cobrança de tributos não previstos na lei, gerando como consequência lógica a
segurança jurídica.
Nas alíneas do artigo 150, III, acima expostas, são estabelecidos os princípios
da irretroatividade, anterioridade e anterioridade nonagesimal, todos tendo como
corolário o princípio da segurança jurídica.
A segurança jurídica se faz presente no ordenamento jurídico como sobre
princípio, e não deve deixar de ser observada no caso dos benefícios fiscais, em que
as relações jurídicas firmadas entre contribuinte e Estado por decorrência de norma
jurídica concessiva de benefício fiscal devem ser estabilizadas, afastando-se a
quebra dessa relação de forma abrupta e sem respeitar as regras dispostas no
sistema para desfazimento das relações jurídicas.
3.2.2 Igualdade:
No caput do artigo 5º da Constituição Federal está expresso o princípio da
igualdade:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]110.
Percebe-se que o destinatário dessa regra é o próprio legislador, o qual deve
tratar todos de maneira semelhante.
Há, ainda, a proibição do inciso II, do artigo 150 da Carta Magna, de que haja
tratamento desigual entre os contribuintes, os quais encontram-se em situação
equivalente:
109 BRASIL, 1988. 110 Id.
63
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da
denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos111;
No direito tributário, afirma Paulo de Barros Carvalho, a igualdade é objetiva.
Assim, “dois sujeitos de direito que apresentarem sinais de riqueza expressos no
mesmo padrão monetário haverão de sofrer a tributação em proporções
absolutamente iguais112”.
Dessa forma, o direito impõe parâmetros objetivos e incisivos no que tange à
igualdade tributária, por ser essa um valor. Se assim não fosse, cada contribuinte
construiria uma “isonomia”, de acordo com suas referências subjetivas.
José Artur Lima Gonçalves destaca uma metodologia para se investigar se há
isonomia ou não em uma norma jurídica que promova discriminação entre
contribuintes para esse fim:
Para que se afira a existência ou não de ofensa ao princípio da isonomia em matéria tributária, sugere-se que o pesquisador siga o roteiro sistemático ao deparar-se com a norma que crie discriminação: 1. dissecar a regra-matriz de incidência tributária em seus cinco critérios; 2. identificar qual é o elemento de discriminação utilizado pela norma analisada; 3. verificar se há correlação lógica entre o elemento de discriminação e a diferenciação de tratamento procedida; e, 4. investigar se há relação de subordinação e pertinência lógica entre a discriminação procedida e os valores positivados no texto constitucional113.
Assim, para que a isonomia seja realizada, não basta “tratar desigualmente os
desiguais”. É necessário que o tratamento diferenciado ocorra exatamente em razão
dessa diferença, que tenha relação com o critério discriminante eleito.
Para que seja concedido um benefício fiscal, é cogente a obediência ao
princípio da igualdade. O ente público, ao conceder benefícios fiscais por meio de
lei, deverá fundamentar o motivo da diferenciação de tratamento procedida, a fim de
dar justificas aos demais contribuintes que suportarão carga tributária maior.
Vale destacar que a desigualdade proposta na concessão de um benefício
fiscal não pode ser fundamentada de qualquer maneira, mas deve estar amparada
111 BRASIL, 1988. 112 CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 293-294. 113 GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 75.
64
na Constituição Federal, não estando o legislador livre para desigualar os
contribuintes ao seu alvedrio.
3.2.3 Legalidade:
A legalidade está expressa no artigo 5º, II, da Carta Magna e, ainda, a
legalidade tributária, específica, consta do artigo 150, I, também da Constituição
Federal. Vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei114; Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça115;
O princípio da legalidade pode ser afirmado como um limite objetivo, que tem
como desígnio o oferecimento de segurança jurídica aos cidadãos, a fim de que não
sejam compelidos a praticar ações que não estejam prescritas pelo legislador e,
ainda, com o objetivo de assegurar a observância à tripartição de poderes.
Assim, as frases prescritivas devem ser introduzidas no ordenamento por via
de lei ou de diploma com status equivalente. Assevera Paulo de Barros Carvalho:
[...] Pela diretriz da estrita legalidade, não podem ser utilizados outros enunciados, senão aqueles introduzidos por lei. Seja a menção genérica do acontecimento factual, com seus critérios compositivos (material, espacial e temporal), seja a regulação da conduta, firmada no consequente, também com seus critérios próprios, vale dizer, indicação dos sujeitos ativo e passivo (critério pessoal), bem como da base de cálculo e da alíquota (critério quantitativo), tudo há de vir expresso em enunciados legais116.
O entendimento apresentado se coaduna com a regra matriz de incidência
tributária, em que só podem ser utilizados enunciados introduzidos por lei. A
legitimidade de um tributo só será completa se todos os seus elementos tiverem sido
prescritos por órgão previamente habilitado para tanto.
114 BRASIL, 1988. 115 Id. . 116 CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 293-294.
65
Do mesmo modo deve a criação e instituição de benefícios fiscais, o qual
deve guardar obediência ao princípio da legalidade, inclusive por menção expressa
na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 150, §6º.
3.2.4 Anterioridade:
O princípio da anterioridade está no artigo 150, III, “b”, da Constituição
Federal que versa:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - cobrar tributos: b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou117;
A anterioridade é a presença de um limite objetivo no sistema, sendo que a
sua existência é facilmente constatada: basta que o documento oficial seja
apresentado e seja comprovado o momento em que as normas jurídicas tornaram-
se públicas, para que se verifique o respeito (ou não) à anterioridade.
Quando tratarmos da revogação de normas concessivas de benefício fiscal
em capitulo próprio defenderemos que geram os mesmos efeitos que a instituição ou
a majoração de um tributo, qual seja, o maior dispêndio por parte do contribuinte.
Assim, após revogação de lei instituidora de benefício fiscal, é necessária a
observância do princípio da anterioridade para cobrança daquela classe de
contribuintes que não mais está sob o amparo daquela lei, especialmente os casos
de benefícios fiscais concedidos sem prazo determinado.
117 BRASIL, 1988.
66
CAPÍTULO IV– DEFINIÇÃODO CONCEITO DE BENEFÍCIOS FISCAIS
4.1 Sobre a definição de um conceito
A definição conotacional é sempre estipulativa118. As notas características
(definiens) do conceito que se busca definir (definiendum) são arbitradas pelo
enunciador.
Tárek Moysés Moussallem esclarece que:
[...] a definição estipulativa não busca oferecer informação alguma, mas sim estabelecer um significado especial a um termo com base na liberdade de estipulação do utente da linguagem. Aqui, basta lembrar que as palavras não são as coisas, são rótulos que atribuímos aos objetos do mundo119.
Irving Copi120 leciona que definir conotativamente é indicar o significado de
um termo com o objetivo de i) eliminar ambiguidades (dois ou mais significados); ii)
aclarar o próprio significado (quando este esteja confuso); iii) explicações teóricas,
ou seja, formular uma caracterização teoricamente adequada ou cientificamente útil
dos objetos a que deverá ser aplicado e iv) influenciar atitudes.
No campo do “direito” dois tipos podem ser os enunciados definitórios:
definições legais (no sistema do direito positivo) e definições científicas (no âmbito
da ciência do direito).
No que tange ao conceito de “benefícios fiscais” não há no direito positivo
qualquer enunciado prescritivo que o defina, isto é, não há uma definição legal para
a expressão.
Tal situação por vezes dificulta a tarefa da ciência do direito, pois, não existe
consenso (com sói ocorrer entre os juristas) em relação ao tema, onde seu usoé
feito muitas vezes sem o devido rigor linguístico.
118 Segundo Ricardo Guastini, definições estipulativas são aquelas que propõem a utilização de um vocábulo de uma forma determinada, com preferência sobre outras. Afiguram-se como necessárias (ou, pelo menos, bastante recomendáveis) a cada vez que se introduz no discurso um vocábulo novo (situação rara) ou se atribui novo significado a vocábulo existente (situação muito mais frequente). Mais especificamente, designa-se como estipulação a decisão sobre a atribuição de significado a um determinado vocábulo. Aquele que procede à estipulação “decide utilizar” um certo vocábulo com significado específico. Distinguiendo: estudios de teoria y metateoría del derecho. Trad.: Jordi Ferrer i Beltrán. Barcelona: Gedisa, 1999. 119 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Lógica e direito: sobre as definições. São Paulo: Noeses, 2016. p. 255. 120 COPI, Irving. Introdução à lógica. 3. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1981, p. 105-109.
67
A jurisprudência121, apesar de produzir linguagem competente e refletir a
evolução dos conceitos jurídicos, vem se utilizando da expressão “benefício fiscal”
de maneira genérica, sem se preocupar com o rigor terminológico.
Segundo Alf Ross122, as palavras são sempre vagas e potencialmente
ambíguas. Considerando a constatação do jusfilósofo dinamarquês pode-se dizer
que definir o conceito de benefícios fiscais é tarefa árdua.
Entretanto, a tarefa não é impossível. Para tanto, realiza-se um trabalho de
elucidação. Submete-se o conceito de um enunciado normativo a processos de
oposição a outros conceitos dentro do contexto jurídico.
Quando o intérprete se presta ao exame das propriedades dos termos
jurídicos, deve demarcar um conjunto de elementos e sua respectiva significação
tomando-se por base o direito posto. Não basta simplesmente ler o texto legislativo,
é necessário ter repertório para compreender o fenômeno jurídico.
No ordenamento jurídico brasileiro e principalmente na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, a expressão “benefícios fiscais” está quase
sempre atrelada, em diversos enunciados prescritivos ali dispostos, a outras
expressões: “incentivos fiscais” e “isenções”.
Além dessas expressões no plano do direito positivo, a doutrina também se
utiliza de outros nomes para designar o fenômeno: “desonerações tributárias”123,
“exonerações tributárias”124, “alívios fiscais”125 etc.
Como “isenções”, “benefícios fiscais” e “incentivos fiscais” são os suportes
físicos utilizadas pela Constituição Federal, partir-se-á deles com o objetivo de
esclarecer e redefinir o conceito a que se atribuirá o nome de “benefícios fiscais”.
121 Cf., RE nº 705.423 – SE, RE nº 183.130 – PR, RE: nº 197.790-MG, ADI nº 310, ADI nº 2.549-DF, AP nº 347 – CE, ADI nº 429-CE, AG nº 475.954-RS, RE nº 329.023-ES, AG nº 522.716-RS, RE nº 592.396-SP, AG nº 598.362-AL, RE 577.348-RS, RE 564.225-RS, RE 602.581-PE, RE 630.705-MT, RE 654.845-SC, AG nº 607.100-DF, ED nº 607.100-DF, ED nº 654.845-SC, AG nº 30.855-DF, AG nº 4.635-SP, RE nº 929.776-SC, ADI nº 429-CE, ADI nº 3664-RJ, RESP nº 1.313.705-PR, REsp nº 1.255.823/PB. 122 ROSS, Alf. Sobre el derecho y la justicia. 2 ed. Buenos Aires: Eudeba, 1997, p. 112. 123 MELLO, Gustavo Miguez de; SIMÕES, Luiz Carlos Marques. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Regime Jurídico dos Incentivos Fiscais. Hugo de Brito Machado (coord.). São Paulo: Malheiros, 2015, p. 137. 124 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias: incentivos e benefícios fiscais. Novos horizontes da tributação. Um diálogo luso-brasileiro. Lisboa: Almedina, 2012a, p. 43-59. 125 MACHADO, Schubert de Farias. Regime jurídico dos incentivos fiscais. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Regime jurídico dos incentivos fiscais. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 507-509.
68
Nesse passo, inicia-se o processo de elucidação de tais signos enquanto
símbolos pertencentes à língua portuguesa. Ato seguinte abordaremos como os
termos são tratados pela doutrina e jurisprudência.
Importante fazer um adendo do que já foi abordado nos capítulos iniciais
sobre a linguagem utilizando-se das lições de Fabiana Del Padre Tomé:
A significação de uma palavra depende, por isso, da convenção que se faz com os outros participantes. Não existe acepção "principal", seguida de outras meramente "metafóricas". O que há é um uso mais intensivo de determinado termo do que de outro, tal como os dicionários se organizam.126
O vocábulo “benefício” tem ao menos 12 acepções no dicionário Houaiss:
1 Ato ou efeito de fazer o bem; prestação de serviço a outrem; auxílio, favor 2 Graça, privilégio, honra ou provento concedidos a alguém; proveito, vantagem, direito <os b. conferidos pelo imperador aos que lutaram na Guerra do Paraguai> 3 Saldo resultante da diferença entre o custo e o preço de venda; lucro, ganho, interesse <venderam os tapetes e embolsaram o b.> 4 Resultado de benfeitoria, melhoramento, ampliação, restauro etc. <ficou magnífica a capela com o b. que recebeu> 5 Intercessão conveniente; proteção, cunha, pistolão <arranjou um emprego com os b. de um tio> 6 Circunstância favorável <o b. da dúvida> 7 Resultado proveitoso; vantagem <os b. do saber> 8 m.q. BENEFICIAMENTO (‘operação por que passam alguns produtos agrícolas’) 9 Espetáculo benemerente organizado para coletar fundos em prol de alguém (artista da companhia, o grupo que se apresenta, uma pessoa, instituição ou grupo de pessoas necessitadas etc.) <um b. cuja renda reverterá para a Casa da Mãe Pobre> 10 Na previdência social, prestação pecuniária a que tem direito pleno o beneficiário, na letra da lei 11 Lugar onde reside o beneficiário 12 arql.vb. vantagem concedida a soldado pelo exército romano 13 JUR restrição que a lei admite, em certos casos, a fim de favorecer determinadas pessoas com características especiais <b. de idade> 14 HIST JUR no direito feudal, concessão de terras por parte de um suserano como recompensa ou em troca de algumas obrigações do vassalo 15 PSICN na terminologia psicanalítica, a utilidade que um indivíduo retira inconscientemente da formação de sintomas, em formação de sintomas, em forma de redução das tensões oriundas de uma situação conflituosa 16 ZOOT B ato ou efeito de castrar, marcar ou ferrar (animais)
• b. da gratuidade JUR concessão, pelo Direito Processual, de isenção de taxas, emolumentos, custas, indenizações, honorários etc. aos que necessitam do amparo da lei mas não dispõem de recursos para fazê-lo; benefício de justiça gratuita, assistência judiciária
• b. da sub-rogação JUR aquisição implícita dos direitos do credor pelo fiador, pelo interveniente ou por qualquer coobrigado que paga a dívida do devedor ou do obrigado principal
126 TOMÉ, Fabiana Del Padre. O que significa pragmático para o constructivismo lógico-semântico: a tríade linguística “sintático, semântico e pragmático” utilizada por Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho na teoria do direito. Rio de Janeiro: Quaestio Luris, 2016, p. 274 -290.
69
• b. de desoneração JUR 1 desobrigação do fiador quando, sem o seu consentimento, o credor e o devedor acordam uma prorrogação de termo ou uma renovação do contrato 2 privilégio legal de não sujeitar (a mulher casada) a sua menção a qualquer fiança prestada pelo marido, a não ser com sua anuência expressa
• b. de divisão JUR cláusula contratual que restringe a responsabilidade de cada um dos co-fiadores a uma simples cota-parte da obrigação, se todos os fiadores forem solventes
• b. de excussão JUR direito que tem o fiador que não se tenha obrigado como devedor solidário ou principal pagador de exigir sejam excutidos para pagamento do credor, antes dos seus, todos os bens do devedor que ele afiança; benefício de ordem
• b. de inventário JUR no direito anterior e em algumas legislações estrangeiras, faculdade de o herdeiro, aceita a herança, não se obrigar por encargos derivados de dívidas ou obrigações do falecido além do valor dos bens que lhe hajam sido atribuídos
• b. de justiça gratuita JUR m.q. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE
• b. de ordem JUR m.q. BENEFÍCIO DE EXCUSSÃO
• b. eclesiástico 1 cargo ou ofício eclesiástico dotado de renda, concedido a um clérigo regular ou a um secular, ou instituído por um bispo 1.1 a renda própria desse cargo 1.2 o local onde reside o beneficiário ou beneficiado
• b. esperado JUR designação do ganho que não deveria ser recebido mas que provavelmente teria sido obtido cf. lucro cessante
• b. primário da doença PSICN ver LUCRO PRIMÁRIO DA DOENÇA
• b. salariais benefícios (p. ex., plano de saúde, automóvel, cartão de crédito etc.) concedido pelas empresas a seus altos funcionários como forma adicional de salário, e isenta de tributação para o beneficiado
• b. secundário da doença PSICN ver LUCRO SECUNDÁRIO DA DOENÇA
• a b. de ou do inventário JUR com a concessão de tal faculdade
• em b. de visando ao bem ou ao proveito de; em prol de ETIM lat. beneficium, ‘benefício’; ver ben(e)-, bon- e faz-; f. hist. 1291 benefiçio, sXIVbenefício, sXVbeneficyo SIN/VAR ver sinonímia de beneficência, égide, favor, lucro e serventia ANT dano, perda, prejuízo; ver tb. antonímia de serventia e sinonímia de malevolência PAR beneficio (fl.beneficiar)127.
O vocábulo “incentivo”, por sua vez, está definido do dicionário como atos que
estimulam, incitam ou encorajam. Aponta a seguinte explicação: “[...] i. fiscal ECON
subsídio conferido pelo governo, que renuncia a parte de sua receita em impostos
em troca de investimento em atividades ou operações por ele estimuladas’.128
Por fim, a palavra “fiscal” está assim definida no dicionário:
Fiscal 1 Relativo a fisco <lei f.><nota f.><autoridade f.> 2 ECON funcionário do fisco 3 Funcionário da alfândega 4 Indivíduo que verifica o cumprimento de leis e regulamentos em estabelecimentos comerciais, industriais etc.
127 HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 432-433. 128 Ibid., p. 1349.
70
5 p.ext. aquele que verifica o cumprimento de qualquer ordem, regulamento ou determinação; inspetor, fiscalizador <f. de ônibus><f. de prova><f. de trânsito> 6 fig. Aquele que censura, corrige; censor crítico f. de linha FUTB m.q. BANDEIRINHA ETIM lat. fiscalis,e ‘relativo ao fisco, ao tesouro ou erário público’, com acp. subst.. de ECON por intermediação do fr. fiscal (1401) ‘relativo ao fisco, funcionário do fisco, inspetor, censor’; ver fisc-129
O vocábulo “fiscal” se relaciona com fisco, ao tesouro ou erário público de
modo que para nós está ligada ao ramo didaticamente autônomo do direito,
denominado direito tributário.
Quando o sistema do direito positivo emprega as palavras “benefícios” ou
“incentivos” em conjunto com a palavra “fiscais”, há de se compreender as
expressões de maneira equivalente a “benefícios” e “incentivos tributários”.
A expressão “fiscal” é o limite entre o direito tributário e os demais ramos
cientificamente autônomos do direito. Por exemplo, o vocábulo “benefício” de
maneira isolada tornaria vago seu conceito o que permitiria entende-lo no contexto
do sistema jurídico-positivo como “benefício previdenciário”, “benefício financeiro”,
“benefício fiscal”, por exemplo.
A visão que se buscará imprimir aqui se limita ao exame das normas
tributárias de modo que o objeto eleito é o “benefício fiscal” no contexto do
subsistema de direito tributário. Esse corte metodológico que se faz afirma a
autonomia didática da disciplina direito tributário em relação aos demais ramos do
direito.
Dessa forma, a definição do conceito se dará em âmbito de direito tributário, e
não de direito financeiro por exemplo. Isso não obsta que se construa outros
sentidos para a expressão “benefícios fiscais” nas demais áreas do conhecimento.
Conforme leciona Fernando Gomes Favacho,
[...] não há uma mesma realidade jurídica para os diferentes subsistemas jurídicos: ilustrativamente, "tributo" pode ter uma significação para o Direito Tributário, e outra bem diferente para o Direito Financeiro130.
Sobre o tema dos benefícios fiscais, Celso de Barros Correia Neto se
apercebeu que o benefício fiscal é concebido sob perspectivas diferentes nas
disciplinas de direito financeiro e direito tributário:
129 HOUAISS, 2001, p. 1592. 130 FAVACHO, Fernando Gomes. Definição do conceito de tributo. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 82-84.
71
Na perspectiva do direito tributário, encontram-se institutos fiscais – e.g., isenção, remissão, anistia, redução de base de cálculo – que se prestam à finalidade de indução de comportamentos por meio do sistema fiscal e as normas que compõem o regime jurídico aplicável. Na perspectiva do direito financeiro, o interesse volta-se à repercussão que podem ter essas medidas tributárias nas finanças públicas e nos orçamentos públicos131.
A constatação de Celso de Barros Correia Neto132 confirma a lição de
Fernando Gomes Favacho133 de que realidades jurídicas diferentes são criadas
mediante a adoção de perspectivas diferentes perante o objeto de estudo, a
despeito de se usar a mesma palavra ou expressão.
Assim, não podemos confundir, apesar da imprecisão terminológica existente,
incentivos e benefícios fiscais no direito tributário com incentivos e benefícios fiscais
no direito financeiro, no direito econômico, no direito contábil etc. As perspectivas
para se enxergar o objeto são diferentes, de maneira que se criam realidades
diferentes.
Outro ponto importante é o de que o estudo dos “benefícios fiscais” tangencia
aquele dos “benefícios financeiros”, cujos efeitos jurídicos se distinguem, na medida
em que são submetidos a outro regime jurídico.
Os benefícios financeiros relacionam-se com o Direito Financeiro134, ou seja,
ao conjunto de normas jurídicas que regula atividade financeira do estado. Após a
percussão tributária e pagamento do tributo, representado, grosso modo, com a
extinção da obrigação tributária, encerra-se o direito tributário como objeto de
estudo, ainda que consideremos o direito uno e indecomponível.
Gilson Pacheco Bonfim135 destaca, o que diferencia a desoneração tributária
dos benefícios e incentivos financeiros é que nesses últimos, a principal
característica é a criação de despesa direta de recursos para o Estado.
Conclui que “enquanto as desonerações tributárias envolvem o não ingresso
de receitas (por exemplo, com uma isenção), os benefícios ou incentivos financeiros
envolvem a criação de uma despesa direta (por exemplo, com uma subvenção)”136.
Paulo de Barros Carvalho afirma ser penosa a missão de limitar a área que
interessa ao estudo do Direito Tributário. Define o direito tributário como sendo:
131 CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo. 2. ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 73. 132 Ibid., p. 73. 133 FAVACHO, 2011, p. 82-84. 134 ATALIBA, Geraldo. Apontamentos de ciência das finanças, direito financeiro e tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969, p. 40. 135 BOMFIM, 2014, p. 49. 136 Ibid., p. 49.
72
[...] o ramo didaticamente autônomo do direito, integrado pelo conjunto das proposições jurídico-normativas que correspondam, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. Compete à Ciência do Direito Tributário descrever esse objeto, expedindo proposições declarativas que nos permitam conhecer as articulações lógicas e o conteúdo orgânico desse núcleo normativo, dentro de uma concepção unitária do sistema jurídico vigente137.
O professor138 da PUC-SP e da USP disseca as estipulações utilizadas para
demarcar o conceito de Direito Tributário. Quando fala em “ramo didaticamente
autônomo do direito”, refere-se a uma autonomia científica. Isso porque, o Direito
Tributário não deixa de estar ligado às demais regras jurídicas em vigor, haja vista a
homogeneidade sintática do sistema.
Por serem proposições jurídico-normativas, apenas as prescrições ditadas
pela ordem jurídica em vigor contribuem para a formação desse campo.
“Que correspondam, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e
fiscalização de tributos”139 referem-se às proposições normativas que abarcam o
nascimento, a vida e a extinção das relações jurídico-tributárias e, até mesmo,
momentos anteriores ao surgimento dos liames, no processo legislativo, por
exemplo.
Esse corte epistemológico a que se refere Paulo de Barros Carvalho foi
historicamente construído para dar autonomia ao direito tributário, mas como já dito,
o direito é uno e as normas jurídicas estão em relação de coordenação e
subordinação.
Desse modo, em determinados momentos o contato normativo dos diversos
ramos do direito será inevitável ainda que o recorte seja o estudo do direito
tributário. Os limites entre as disciplinas do direito não podem ser rígidos a ponto de
prejudicar a análise do fenômeno jurídico.
Tendo isso em conta, passa-se analisar os benefícios fiscais perante o
ordenamento jurídico brasileiro.
4.2 Benefícios fiscais na Constituição Federal e legislação infraconstitucional
O exame dos benefícios fiscais deve ser analisado na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 e na legislação infraconstitucional.
137 CARVALHO. Curso de direito tributário, 2010, p. 47. 138 Ibid., p. 47- 49. 139 Ibid., p. 15.
73
Em primeiro plano, é de se deixar consignado que a Carta Magna não
estabelece uma definição legal de “benefícios fiscais”, “incentivos fiscais” e
“isenções”. Ao longo do texto constitucional são estabelecidos regramentos onde os
termos são apontados de forma esparsa:
Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais. [...] § 2º - Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei: I - igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itens de custos e preços de responsabilidade do Poder Público; II - juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias; III - isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas; ______________________________________________________________ Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. ______________________________________________________________
Art. 151. É vedado à União: I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País; III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. ______________________________________________________________ Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores; XII - cabe à lei complementar:
74
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. ______________________________________________________________ Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. § 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: III – regular a forma e as condições como isenções, incentivosebenefíciosfiscaisserão concedidos e revogados. ______________________________________________________________ Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: § 6º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. ______________________________________________________________ Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-laspela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. ______________________________________________________________ Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: § 3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefíciosouincentivos fiscais ou creditícios. ______________________________________________________________ Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) § 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivosfiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS Art. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos
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fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição. ______________________________________________________________ Art. 41. Os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscaisde natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis. § 1º Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data da promulgação da Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei. § 2º A revogação não prejudicará os direitos que já tiverem sido adquiridos, àquela data, em relação a incentivos concedidos sob condição e com prazo certo. § 3º Os incentivos concedidos por convênio entre Estados, celebrados nos termos do art. 23, § 6º, da Constituição de 1967, com a redação da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, também deverão ser reavaliados e reconfirmados nos prazos deste artigo. _____________________________________________________________ Art. 88. Enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do § 3º do art. 156 da Constituição Federal, o imposto a que se refere o inciso III do caput do mesmo artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002) I – terá alíquota mínima de dois por cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002) II – não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)140.
Infere-se da análise dos enunciados da Constituição Federal que a expressão
“incentivos fiscais” é a mais utilizada pelo legislador, todavia, parece que o
constituinte tratou de “benefícios fiscais”, “incentivos fiscais” e “isenções” como
estímulos, em termos jurídicos, assemelhados.
Exemplo dessa última afirmação pode ser encontrado no artigo 155, inciso
XII, alínea “g”, supracitado, em que as expressões são apontadas de forma
genérica. O mesmo ocorre no artigo 156, §3º, inciso III.
A falta de uniformidade na utilização das terminologias na Constituição
Federal é também percebida por Silvia Helena Gomes Piva, que destaca:
O que se verifica, no entanto, é que a análise da Constituição Federal não tratou dos incentivos fiscais de forma sistematizada. Observados, ao longo do Texto Magno, diversas passagens em que a aplicação dos termos relacionados aos incentivos fiscais é feita de forma indiscriminada. Ora se fala em “incentivos”, “benefícios”, anistias, remissões, crédito presumido, redução de base de cálculo, etc.
140 BRASIL, 1988, grifo nosso.
76
Verifica-se, em muitas passagens do Texto Constitucional, o conectivo ou para separar incentivos de benefícios fiscais, demonstrando a ausência de qualquer rigor na conceituação dos incentivos fiscais e, consequentemente, a possibilidade de interpretação desses termos como institutos de categorias diversas.141
Cita, ainda, algumas passagens da Carta Magna que demonstram essa falta
de precisão terminológica:
Além disso, como demonstração da ausência de uniformidade terminológica quanto ao uso da expressão incentivos fiscais no Texto Constitucional, citamos o artigo 155, §2º, XII, g e o artigo 156, §3º, III, que se utilizam dos termos isenções, incentivos e benefícios fiscais para determinar que cabe à lei complementar instituí-los e revogá-los. Do mesmo modo, o artigo 195, §3º, proíbe que os contribuintes com débito com o sistema da seguridade social recebam “benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.142
No mesmo sentido, Hermano Notaroberto Barbosa afirma que a Constituição
Federal não esclarece tecnicamente acerca das expressões:
Referências exclusivas a incentivos são encontradas: (i) no art. 43, §2º, que prevê a concessão de incentivos regionais que devem compreender “isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas”; (ii) no art. 151, inciso I, que admite a “concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País”; bem como, (iii) no art. 227, §3º, assegura o direito especial da criança e do adolescente por meio do “estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão abandonado”. O art. 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determina ser “mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição”. O art. 41, na sequência, prevê que “os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis. A constatação não me surpreende, pois, nas medidas em causa, evidencia-se efetivo caráter indutivo por meio de finalidades a serem promovidas. Por outro lado, repetidos dispositivos remetem a “incentivos e benefícios fiscais”, como se tratasse de fenômenos jurídicos distintos, mas não oferece qualquer critério para a diferenciação143.
O autor questiona se o legislador constituinte teve a intenção de distinguir os
fenômenos – incentivos e benefícios fiscais. Isso porque, para ele, não há elementos
normativos os quais preenchem o conteúdo semântico das expressões. Cita alguns
141 PIVA, Silvia Helena Gomes. Incentivos fiscais: uma visão a partir do constructivismo lógico-semântico. 2014. 250 p. Tese (Doutorado em Direito Tributário) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014, p. 39. 142 Ibid., p. 40. 143 BARBOSA, 2012, p. 91.
77
exemplos em que se pode perceber a utilização de forma indistinta dos incentivos e
benefícios fiscais:
É o que se verifica, por exemplo, no art. 155, §2º, inciso XII, alínea “g”, que estabelece competir a lei complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais [em matéria de ICMS] serão concedidos e revogados”. No mesmo sentido, em relação ao ISS, o art. 156, §3º, inciso III, determina, por sua vez, caber também a lei complementar a função de “regular a forma e as condições como no art. 88, inciso II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que, até a edição da referida lei complementar o ISS “não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima” de 2%. O art. 195, §3º, da Constituição Federal, por sua vez, estabelece que “a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.144
Muito embora seja possível elaborar uma definição do conceito de “benefícios
fiscais” com base nas normas jurídicas construídas por meio da leitura dos
enunciados prescritivos insertos na Constituição Federal, em nenhuma passagem do
texto constitucional há elementos claros que diferenciem no subdomínio tributário
“benefício fiscal” de “incentivo fiscal” ou mesmo de “isenção”. O que há na
Constituição são usos denotativos, como se pode ver nos artigos outrora citados.
O Constructivismo Lógico-semântico não crê seja possível extrair a essência
do texto. A lei é o suporte físico a partir do qual o hermeneuta realiza interpretações.
Nesse passo, o direito é criado por meio de construção de sentido, viabilizado por
um consenso da comunidade jurídica no significado dos vocábulos, que servirá de
limite ao intérprete.
Leciona Tárek Moysés Moussallem145 que “o direito positivo por meio de
regras de estrutura limita a atividade do intérprete/aplicador. Por isso não é qualquer
sentido que pode ser atribuído às palavras União Federal, Estados, Municípios,
renda, serviço, mercadoria, tributo, funcionário público e várias outras. Se assim
fosse de nada valeriam os textos legais”.
Com exceção da “isenção” que tem sua matéria tratada nos artigos 176 a 178
do Código Tributário Nacional, as leis infraconstitucionais também não trazem
enunciados prescritivos que permitam ao interprete delinear, em ligeira vista d’olhos,
144 BARBOSA, 2012, p. 92. 145 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Interpretação restritiva no direito tributário. In: SOUZA, Cecília Priscila de. (Org.). Direito tributário e os conceitos de direito privado. vol. VII. São Paulo: Noeses, 2010, p. 1215-1216.
78
“benefício fiscal” de “incentivo fiscal”. Por isso, uma construção interpretativa mais
densa será necessária nesse sentido.
A exemplo da Constituição Federal, a legislação infraconstitucional se utiliza
das expressões “incentivo fiscal” e “benefício fiscal” de forma conjunta como se vê
nos artigos 14 da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal),
44 da Lei nº 9.430/1996, (Dispõe sobre a legislação tributária federal, as
contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá
outras providências) e 1° da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade administrativa).
Lei Complementar nº 101/2000 Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: § 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado. § 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.146 ______________________________________________________________ Lei nº 9.430/1996 Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas: I - de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata; II - de 50% (cinqüenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal: § 4º As disposições deste artigo aplicam-se, inclusive, aos contribuintes que derem causa a ressarcimento indevido de tributo ou contribuição decorrente de qualquer incentivo ou benefício fiscal.147 _____________________________________________________________ Lei nº 8.429/1992 Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou
146 BRASIL. Lei Complementar Nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. D.O. de 05/05/2000, p. 1. (grifo nosso). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp101.htm>. Acesso em: 16 mar. 2017. 147 BRASIL. Lei Nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996. Dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências. D.O. de 30/12/1996, p. 28805. (grifo nosso). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9430.htm>. Acesso em: 16 mar. 2017.
79
de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.148
Como visto, tanto a Constituição Federal quanto a legislação
infraconstitucional não fornecem elementos claros aptos a diferenciar benefícios,
incentivos e isenções, não obstante seja essa a recomendação estabelecida no
artigo 11 da Lei complementar nº 95/98 que trata da articulação e da redação das
leis:
Da Articulação e da Redação das Leis Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas: I - para a obtenção de clareza: a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando; [...] II - para a obtenção de precisão: [...] b) expressar a idéia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico; c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto; d) escolher termos que tenham o mesmo sentido e significado na maior parte do território nacional, evitando o uso de expressões locais ou regionais;149
A Lei Complementar nº 95/98 determina ao legislador expressar a ideia de
forma clara, evitando sinonímia, entretanto, não foi o que se deu no caso das
expressões “benefício fiscal”, “incentivos fiscal” e “isenção”.
Ante tal circunstância, faz-se necessário debruçar-se sobre o tema com a
finalidade de aclarar o significado das expressões no contexto do direito tributário.
148 BRASIL. Lei Nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. D.O. de 03/06/1992, p. 6993. (grifo nosso). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8429.htm>. Acesso em: 16 mar. 2017. 149 BRASIL. Lei complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. D.O. de 27/02/1998, p. 1. (grifo nosso). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp95.htm>. Acesso em: 16 mar. 2017
80
Primeiro apresentaremos um panorama das opiniões doutrinárias sobre o tema, e
ato seguinte estabeleceremos nossa posição teórica.
4.3 Benefícios fiscais, incentivos fiscais, isenções e a doutrina
Neste tópico, apresenta-se as visões empreendidas pela doutrina para
explicar os benefícios fiscais, incentivos fiscais e isenções. Os métodos e as
premissas são diferentes do presente trabalho, por conseguinte também são as
conclusões, no entanto são manifestações importantes e não podem ser ignoradas
pois contribuem para a evolução do tema.
O autor Schubert de Farias Machado150 acredita que a expressão
“benefícios fiscais” seria sinônima de “incentivos fiscais”. Defende que são
instrumentos de intervenção do Estado na economia, os quais podem estimular ou
desestimular comportamentos, no sentido de atender a interesses juridicamente
protegidos.
No que tange às isenções, o Autor151 defende que essas excepcionam a
hipótese de incidência tributária, reduzindo seu âmbito originário. Apenas quando a
isenção for utilizada como instrumento de intervenção na economia, por meio do
qual o Estado busque estimular determinada conduta, será a isenção um incentivo
fiscal.
Hugo de Brito Machado152 leciona serem os benefícios fiscais uma espécie de
estímulo concedido por meio de instrumento cuja utilização caracteriza o tributo.
Assim, seria um tratamento favorecido em razão do atendimento da condição
exigida para sua obtenção, o qual pode ser designado por sinônimos, como, por
exemplo, incentivos ou alívios.
O Autor153 destaca que não necessariamente a isenção será um incentivo
fiscal. Entretanto, geralmente a isenção é um meio de concessão de incentivos
fiscais.
As definições de benefícios fiscais e incentivos fiscais dadas pelos autores
acabam adentrando no plano financeiro, econômico e político, descrevendo
150 MACHADO, S., 2015, p. 507-509. 151 Ibid., p. 507-509. 152 MACHADO, Hugo de Brito. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Regime jurídico dos incentivos fiscais. In. MACHADO, Hugo de Brito (coord.). São Paulo: Malheiros, 2015, p. 174. 153 Ibid., 2015, p. 174.
81
comportamentos estatais para a concessão de incentivos e benefícios fiscais.
Ambos os autores, para definirem as expressões, falam sobre instrumentos de
intervenção do Estado na economia.
Rafael Bielsa sintetiza a relação dos saberes “política”, “economia” e “direito”
da seguinte forma:
A concepção e as diretrizes gerais para realizar “fins” mediante a atividade do estado configuram política financeira; o estudo racional dos meios e procedimentos e métodos científicos para realizar esses fins é objeto da “ciência das finanças”; e, finalmente, a regulamentação jurídica dessa
atividade do Estado é o direito financeiro.154
Esses pontos de vista são distintos dos adotadas neste trabalho. Isso porque,
não adotamos definições econômicas e políticas, mas definições jurídicas pautadas
em análise normativa no que tange aos aspectos sintático, semântico e pragmático e
pela ótica do direito tributário.
À luz do entendimento de José Eduardo Soares de Melo155, “benefícios
fiscais” e “incentivos fiscais” são expressões polissêmicas, todavia, apresentam
natureza assemelhada. Para o autor, são meios de conceder vantagens ou
estímulos a certos contribuintes ou à coletividade, utilizados sem rigor terminológico,
não obstante possam gerar reflexos distintos de natureza econômica, financeira ou
social.
Acredita que as isenções fiscais seriam espécies de incentivos, pois objetivam
a concessão de benefícios fiscais à coletividade e às pessoas necessitadas. Veja
que o autor penetra em campo extrajurídico para analisar o fenômeno.
Ivo Cesar Barreto de Carvalho156 acredita não ter grandes distinções de
ordem prática entre os benefícios fiscais e os incentivos fiscais. Todavia, entende
que “benefício fiscal” é gênero, mais abrangente e engloba as espécies – “incentivos
fiscais” e “alívios fiscais”. Define, portanto, incentivos fiscais da seguinte maneira:
Incentivar é “dar incentivo a; despertar o ânimo, o interesse, o brio de; encorajar, estimular, incitar”, e mais “empenhar-se para que (algo) seja criado, realizado ou intensificado; impulsionar, promover”. O incentivo fiscal é uma medida tomada pela própria Administração Tributária com o intuito de despertar o interesse, encorajar ou estimular determinado comportamento
154 BIELSA, Raael. Estudios de derecho publico. vol. II. Buenos Aires: Depalma, 1951, p. 5. 155 MELO, José Eduardo Soares de. Regime jurídico dos incentivos fiscais. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Regime jurídico dos incentivos fiscais. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 307-308. 156 CARVALHO, Ivo César Barreto de. Regime jurídico dos incentivos fiscais. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Regime jurídico dos incentivos fiscais. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 244-246.
82
ou atividade econômica, promovendo o desenvolvimento de determinado setor ou região.157
Para o autor, a norma de isenção possui a mesma natureza da norma de
tributação – são normas de comportamento. Assim, a norma de isenção não impede
a incidência da norma de tributação. Por isso, existindo uma regra de isenção e uma
de tributação devem ser aplicadas a partir da confluência de ambas.
Segundo Kiyoshi Harada158, os incentivos fiscais atuam no campo extrafiscal,
como instrumento do dirigismo econômico. A definição do conceito dos incentivos
fiscais faz parte da Ciência das Finanças. Pode-se diferenciar os incentivos fiscais
das isenções tributárias puras, as quais atuam no Direito Tributário e são mais
abrangentes do que os primeiros.
Afirma que as isenções fiscais são hipóteses de não incidência legalmente
qualificadas. Assim, as isenções não se confundem com os incentivos e benefícios
fiscais, pois aquelas não são um instrumento de intervenção na economia, tal como
esses.
Ivo Cesar Barreto de Carvalho e Kiyoshi Haradatêm mesmo posicionamento
no que tange aos incentivos fiscais e aos benefícios fiscais, ao considerarem que
são medidas tomadas pela Administração Tributária dos entes políticos a fim de
estimular certo comportamento ou atividade, desenvolvendo determinado setor ou
região.
Não trabalharemos, como já afirmado, com viés que não seja estritamente
normativo e tributário neste trabalho. Portanto, data venia, não consideraremos a
definição do conceito de benefícios fiscais pelo aspecto político e econômico.
Ademais, percebe-se que os autores159 acima fazem uma análise normativa
das isenções, porém realizam uma análise política e econômica dos incentivos e
benefícios. Ademais, abrem dois pontos de vista diferentes para compreender as
expressões, uma visão tomada pela perspectiva do direito financeiro e outra do
direito tributário. Em nosso trabalho as três expressões “benefícios fiscais”,
157 CARVALHO I., 2015, p. 244-246. 158 HARADA, Kiyoshi. Incentivos fiscais: limitações constitucionais e legais. In: Thomson Reuters. Artigos. Publicado em 23 fev. 2012. [on-line]. Disponível em: <artigoscheckpoint.thomsonreuters.com.br/a/5pf2/incentivosfiscaislimitacoesconstitucionaiselegais-kiyoshiharada>. Acesso em 15 mar. 2017. 159 Cf. Schubert de Farias Machado, Hugo de Brito Machado, José Eduardo Soares de Melo, Ivo Cesar Barreto de Carvalho e Kiyoshi Harada.
83
“incentivos fiscais” e “isenções” serão analisadas com enfoque nas normas jurídicas
e do ponto de vista do direito tributário.
Celso de Barros Correia Neto160 compara a concessão de benefícios fiscais
(considerados como sinônimos de incentivos fiscais) com a concessão de isenções
fiscais. Essa última, afeta a obrigação tributária em sentido amplo, seja para reduzir
o quantum devido ou para eliminar o tributo.
Na concessão de incentivos fiscais, por sua vez, há preocupação não só com
a incidência do tributo, mas também com os fins que justificam a sua concessão e
com as implicações externas que produzem.
Assevera o autor:
Diferentemente do conceito de “isenção”, por exemplo, que se refere a estrutura normativa específica, o conceito de incentivo fiscal qualifica pelo resultado e assinala uma relação de instrumentalidade, de meio e fim, entre certo instrumento tributário e os propósitos que orientam seu uso naquele particular contexto. A noção designa um sem-número de institutos, reunidos com base na função que exercem, que é de induzir comportamentos adrede valorados positivamente pelo ordenamento jurídico. Uma isenção ou uma remissão, por exemplo, serão chamadas de “incentivo fiscal” se visarem à produção de efeitos “extrafiscais”, isto é, se forem concedidas a título de induzir certa conduta ou resultado, e não apenas pela forma como afetam a obrigação tributária.161
Assim, o autor defende que a análise do incentivo fiscal deve envolver as
modificações estruturais, que geram a redução do valor da obrigação tributária, e
deve envolver também a consideração sobre as razões justificadoras das alterações
e os resultados concretos que dão ensejo à exoneração concedida. Ou seja,
analisam-se os fins e os efeitos da regra tributária de incentivo fiscal, o que
invariavelmente adentrará no campo da política fiscal e do direito financeiro.
Hermano Notaroberto Barbosa afirma que os benefícios fiscais podem ser
identificados por “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo,
concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou
contribuições162”.
Todavia, acredita ser essa definição genérica e a que melhor atende aos
propósitos buscados por ele, na obra “O Poder de Não Tributar” é a definição da Lei
de Responsabilidade Fiscal, qual seja em seu artigo 14:
160 CORREIA NETO, 2016, p. 27. 161 Ibid., p. 28. 162 BARBOSA, 2012, p. 95.
84
§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.163
Afirma o autor que a definição adotada pela Lei de Responsabilidade Fiscal é
mais completa do que a definição da Carta Magna, pelos motivos a seguir expostos:
(i) Evidencia a importância do caráter financeiro do incentivo fiscal, na
condição de receita de renúncia; (ii) Admite-se expressamente aberta, apenas apontando para os efeitos
suficientes à caracterização do fenômeno; (iii) Alude ao caráter discriminador da medida exonerativa; e, finalmente,
em harmonia com a doutrina sobre a matéria; (iv) Acata a referência no sentido de que só há incentivos fiscais quando as
desonerações em causa são atribuídas em caráter excepcional e de maneira formalmente anti-isonômica de modo que alguma categoria de contribuintes ou atividades específicas seja favorecida.164
Vale ressaltar, que Hermano Notaroberto Barbosa não diferencia as
expressões “incentivos fiscais” e “benefícios fiscais”, pois acredita que ambas
designam manifestações jurídicas do que se quer identificar como poder de não
tributar em sentido estrito.
Conclui asseverando que os benefícios fiscais são casos de renúncia de
receita tributária, em que o legislador desonera um grupo de contribuintes ou uma
determinada atividade econômica de um tributo, em caráter de excepcionalidade,
objetivando a realização de finalidade extrafiscal específica.
Tanto Hermano Notaroberto Barbosa quanto Celso de Barros Correia Neto
empreendem uma análise dos incentivos fiscais ampliando o recorte epistemológico
e enxergam o fenômeno sob a perspectiva tanto do direito financeiro e direito
tributário.
Há parcela da doutrina que não considera os “benefícios fiscais” e os
“incentivos fiscais” como sinônimos. Gustavo Miguez de Mello e Luiz Carlos Marques
Simões entendem que, apesar de apresentarem a mesma natureza e regime
jurídico, os incentivos fiscais necessitam de contrapartida do contribuinte e os
benefícios fiscais não. Ultimam que o incentivo seria espécie do gênero benefício
fiscal:
O benefício fiscal é toda norma tributária de natureza liberal, excepcional, relevante, com natureza extrafiscal ou regulatória, destinada a tutelar
163 BRASIL, 2000. 164 BARBOSA, op. cit., p. 96.
85
interesse de qualquer ordem dos entes federados; pode implicar a renúncia de parte ou toda a receita tributária em troca de investimento em atividades ou operações por eles estimuladas; [...] O incentivo fiscal tem a mesma natureza e regime do benefício fiscal, porém pode ser diferençado desse último pelo seu caráter especifico direcionado ao estímulo de atividade econômica em troca de contrapartida de ordem social. Pode-se ainda dizer que o incentivo é espécie do gênero benefício fiscal, residindo sua diferença na motivação de sua origem165.
Os autores defendem que a isenção fiscal é uma das formas de desoneração
tributária. É considerada uma das técnicas ou instrumentos que se valem os entes
federados para tutelar interesses de ordem pública materializados na concessão dos
incentivos fiscais.
Benefícios fiscais também são equiparados aos incentivos fiscais para José
Casalta Nabais166, todavia, o autor também ressalta uma particularidade em relação
aos incentivos fiscais, qual seja, esses dependem de contrapartida.
Gustavo Miguez de Mello, Luiz Carlos Marques Simões e José Casalta
Nabais também levam em conta as finalidades econômicas e de política fiscal do
legislador no momento de definir o conceito de incentivos fiscais e de benefícios
fiscais, apesar de diferirem em alguns pontos em relação a tais conceitos.
No entendimento de Juvêncio Vasconcelos Viana e Matteus Viana Neto167,
incentivo fiscal não deve ser confundido com benefício fiscal. Esse último, seria uma
renúncia fiscal e ocorre quando o ente federativo deixa de arrecadar algum tributo,
sem ser necessário motivo específico para tanto.
Já nos incentivos fiscais, o Estado deixa de exigir algum tributo, esperando
uma contrapartida, que o valor dos tributos seja destinado à finalidade específica,
prevista em lei, por exemplo.
Para os autores a isenção pode possuir característica de incentivo fiscal ou de
benefício fiscal, é a hipótese de não-incidência tributária legalmente qualificada. Tem
por consequência a modificação do aspecto nuclear do fato gerador da obrigação
tributária.
Betina Treiger Grupenmacher reconhece que os incentivos e benefícios
fiscais têm função de desonerar o sujeito passivo do pagamento do tributo, no
165 MELLO; SIMÕES, 2015, p. 137. 166 NABAIS, José Casalta. Política fiscal, desenvolvimento sustentável e luta contra pobreza. In: Ciência e Técnica Fiscal. nº 419. Coimbra: Ministério das Finanças, Jan./Jun, 2007. p. 109. 167 VIANA, Juvêncio Vasconcelos; VIANA NETO, Matteus. Acerca dos incentivos fiscais. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Hugo de Brito Machado (coord.). São Paulo: Malheiros, 2015, p. 338-342.
86
entanto, não seriam expressões sinônimas. Os incentivos podem ser definidos
como:
[...] as exonerações tributárias de qualquer natureza, tais como isenções, créditos presumidos, reduções de base de cálculo e alíquota, que, buscando estimular determinadas atividades ou indivíduos, usualmente estão atreladas a uma contrapartida. São assim qualificadas aquelas situações em que a autoridade fazendária, com fundamento em lei ou contrato, desonera o sujeito passivo do pagamento do tributo, integral ou parcialmente, desde que este cumpra determinadas condições ou realize certos investimentos168.
Para a autora, a concessão dos benefícios fiscais ocorre de maneira
diferente, pois não há exigência de contraprestação do beneficiário. Têm propósitos
extrafiscais, visam ao favorecimento de parcela dos contribuintes. Assim, acredita
que a diferença entre os institutos está na vinculação (ou não) de contrapartida do
contribuinte para a desoneração total ou parcial de um tributo.
A isenção fiscal, por sua vez, é entendida pela autora como mecanismo de
desoneração da carga tributária, previsto no sistema brasileiro, podendo estar
previsto na lei ou em contrato, assumindo a forma de benefício ou de incentivo fiscal.
As isenções antecedem a incidência, operam em momento anterior ao nascimento
da relação jurídica tributária. Dessa forma, irão dispensar o sujeito passivo do
pagamento do respectivo tributo.
Pedro Herrera Molina entende que os institutos de desoneração tributária
também são distintos:
O benefício fiscal é aquela isenção fundada em princípios alheios a capacidade contributiva: com ele se busca outorgar uma vantagem econômica (...). Incentivos tributários são aquelas isenções configuradas de tal modo que estimulam a realização de determinada conduta.169
Hugo de Brito Machado Segundo170 afirma que os “incentivos fiscais” e os
“benefícios fiscais” não são expressões sinônimas. Os incentivos fiscais seriam o
tratamento fiscal diferenciado, os quais visam estimular a prática de determinados
comportamentos, objetivando desígnios também determinados. Já o benefício fiscal
refere-se a expressão mais genérica, envolvendo toda sorte de tratamento
168 GRUPENMACHER, 2012a, p. 18. 169 Ibid., p. 18. In: MOLINA, Pedro Herrera. La exención tributaria. Madrid: Codex, 1990. p. 57. Original: “El beneficio fiscal es aquella exención fundada em princípios ajenos a la capacidade contributiva: com él se busca otorgar uma ventaja econômica (...) Incentivos tributarios, sonaquellas exenciones configuradas de tal modo que estimulan lar ealización de determinada conducta”. 170 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Regime jurídico dos incentivos fiscais. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Regime jurídico dos incentivos fiscais. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 202.
87
favorecido – inclusive aqueles que não têm por objetivo estimular a prática de certas
condutas.
O autor também diferencia as isenções dos incentivos fiscais. Acredita que as
isenções são (uma das) ferramentas por meio das quais se pode reduzir o ônus
tributário incidente sobre determinada situação. Dessa forma, a isenção é um meio
possível de conceder incentivos fiscais.
Natercia Sampaio Siqueira e Rafael Marcílio Xerez171 afirmam que o incentivo
fiscal é regra de desoneração tributária, a qual resulta da discricionariedade do
legislador ou do constituinte.
Asseveram que a isenção não é, necessariamente, um incentivo fiscal. O
incentivo fiscal decorre, dessa forma, de sopesamento político sobre o instrumento
adequado, necessário e suficiente para promover determinado interesse albergado
pelo ordenamento jurídico.
A doutrina até aqui mencionada considera os benefícios fiscais como políticas
econômicas de um ente federativo, na busca de facilitar o aporte de capitais em
determinada área, mediante cobrança de menos tributos ou pela não cobrança,
trabalhando, assim, com conceitos extrajurídicos.
Em conclusão, podemos dizer que uma parte dos autores adota a
classificação dos incentivos fiscais como sinônimo de benefícios fiscais ou
privilégios, como, por exemplo: Schubert de Farias Machado, Hugo de Brito
Machado, José Eduardo Soares de Melo, José Casalta Nabais, Ivo Cesar Barreto de
Carvalho, Kiyoshi Harada.
Entretanto, algumas peculiaridades podem ser notadas em cada uma das
definições. As definições de Hugo de Brito Machado, José Eduardo Soares de Melo,
José Casalta Nabais e Kiyoshi Harada sobre incentivos fiscais, por exemplo,
classificam os incentivos fiscais como normas indutoras de comportamentos.
Do mesmo modo, Pedro Herrera Molina e Hugo de Brito Machado Segundo
afirmam que os incentivos fiscais estimulam determinada conduta, enquanto os
benefícios fiscais são mais genéricos, sem objetivo de estimular a prática de
determinado comportamento.
171 SIQUEIRA, Natercia Sampaio; XEREZ, Rafael Marcílio. Questões de extrafiscalidade tributária nas democracias contemporâneas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Hugo de Brito Machado (coord.). São Paulo: Malheiros, 2015, p. 459.
88
Por outro lado, Ivo César Barreto de Carvalho considera que os incentivos
fiscais são equiparados aos benefícios fiscais, mas sua definição classifica o instituto
em “benefícios fiscais como gênero” e “incentivos fiscais como espécies”.
Há outra parcela doutrinária que diferencia os “incentivos fiscais” dos
“benefícios fiscais”. Pode-se citar: Gustavo Miguez de Mello, Luiz Carlos Marques
Simões, Juvêncio Vasconcelos Viana, Matteus Viana Neto, Betina Treiger
Grupenmacher, Pedro Herrera Molina e Hugo de Brito Machado Segundo.
Gustavo Miguez de Mello e Luiz Carlos Marques Simões, Juvêncio
Vasconcelos Viana, Matteus Viana Neto e Betina Treiger Grupenmacher diferenciam
os institutos da seguinte forma: os incentivos fiscais necessitam de contrapartida do
contribuinte, ao contrário dos benefícios fiscais, os quais não precisam de
contrapartida para serem concedidos.
Em suma, apesar dos autores diferirem em alguns pontos na definição dos
incentivos e benefícios fiscais, todos fazem considerações extrajurídicas, bem como
analisam os incentivos e benéficos como institutos que pertencem ao direito
financeiro. Contudo, ao tratarem das isenções fazem análises jurídico-normativas e
enxergam-nas como pertencentes ao direito tributário.
Nesse caso, os pontos de vista diferentes deixam transparecer pouca
coerência nas definições empreendidas, uma vez que direito tributário e direito
financeiro criam realidades distintas, logo, imperioso que o fenômeno seja
enxergado de apenas um ponto de vista, seja ele tributário ou financeiro.
A anfibologia da expressão “incentivo fiscal” foi alvo de percepção de Silvia
Helena Gomes Piva172 em sua tese de doutoramento, cujo título “Incentivos Fiscais:
Uma visão a partir do Constructivismo Lógico-Semântico” é um bom ponto de partida
para o deslinde da quaestio.
Em seu trabalho de tomo, identificou seis sentidos mais utilizados para a
expressão pela doutrina: a) Incentivos fiscais como sinônimo de benefícios fiscais ou
privilégios; b) Incentivos fiscais como gênero; c) Incentivos fiscais como espécie; d)
Incentivos fiscais como instrumentos redutores da carga tributária; e) Incentivos
fiscais como normas indutoras de comportamento; e f) Incentivos fiscais como
normas sancionatórias premiais.
172 PIVA, 2014.
89
Tendo em vista a importância e ineditismo do estudo, faz-se prudente expor,
ainda que resumidamente, as acepções encontradas pela Doutora em Direito
Tributário pela PUC-SP.
a) Incentivos fiscais como sinônimo de benefícios fiscais ou privilégios:
Nesse primeiro olhar, os incentivos fiscais equiparam-se a privilégios,
benefícios e favores fiscais. Seria costumeira essa comparação com benefícios
fiscais. Nessa análise, entendemos que Silvia Helena Gomes Piva173 trata benefícios
fiscais enquanto sinônimos de privilégios no sentido pejorativo da palavra.
A autora cita Betina Treiger Grupenmacher174 que afirma ser essa
equiparação com privilégios injustos equivocada nos casos em que a concessão dos
benefícios e incentivos fiscais seguissem as regras disciplinadas pela Constituição
Federal.
Cita José Souto Maior Borges175 para quem essa equiparação seria errônea
pois privilégio e favor seriam expressões vagas.
Alude também a Júlio Cesar Pereira176 que trabalha a distinção entre
incentivo e benefício fiscal a partir da análise do artigo 14 da Lei Complementar nº
101/2000. Para esse autor, benefício fiscal seria uma vantagem econômica de quem
arrecada sem qualquer exigência de conduta específica e condicional do
beneficiário, nem obediência à capacidade contributiva. Por outro lado, o incentivo
fiscal refere-se a uma ação normativa do Estado, objetivando uma reação do
beneficiário, o qual deve realizar uma conduta, a favor da coletividade.
Por fim, Marcos André Vinhas Catão177 acredita que os incentivos não sejam
legítimos quando se apresentam como privilégios. Isso porque, haveria violação do
princípio da capacidade contributiva. A concessão dos incentivos fiscais deve buscar
atingir ao interesse público (e os princípios do artigo 37 da Carta Magna –
173 PIVA, 2014, p. 59-63. 174 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias: incentivos e benefícios fiscais. In.: _____; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe. Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012b, p. 12. 175 BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 66. 176 PEREIRA, Júlio Cesar Pereira. Incentivo fiscal à cultura: do do-in antropológico à iconoclastia. 2010. Dissertação de Mestrado em Direito – Departamento de Direito Econômico e Financeiro, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, cap. XVI. 177 CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 16.
90
moralidade e publicidade). Caso isso não aconteça, o que é incentivo, passa a ser
privilégio.
b) Incentivos fiscais como gênero:
Nessa acepção menciona novamente Betina Treiger Grupenmacher178 cuja
opinião é a de que incentivos fiscais seriam exonerações de qualquer natureza com
a finalidade de estimular determinadas condutas ou pessoas e essas são vinculadas
a uma contrapartida.
Estevão Horvath e Júlio Cesar Pereira179 entendem os incentivos fiscais como
gênero e, entre suas espécies, há a norma de isenção. Assim, os incentivos fiscais
englobariam mecanismos que provoquem alguma incitação de caráter pecuniário no
sujeito passivo da obrigação tributária. As espécies seriam: isenções, diferimento,
créditos presumidos, reduções de base de cálculo e de alíquota, dentre outros.
c) Incentivos fiscais como espécie:
Betina Treiger Grupenmacher180 explana que a desoneração tributária seria
gênero e os incentivos fiscais e os benefícios fiscais seriam suas espécies. Essa
desoneração enquanto gênero funcionaria como instrumento de regulação e
adequação da carga tributária a patamares equilibrados e opostos ao confisco.
d) Incentivos fiscais como instrumentos redutores da carga tributária:
Aqui a autora cita Marcos André Vinhas Catão181, José Eduardo Soares de
Melo182, Aurélio Pitanga Seixas Filho183 e Roque Antônio Carrazza184.
178 GRUPENMACHER, 2012b, p. 15. 179 HORVATH, Estevão; PEREIRA, Julio Cesar. Notas sobre incentivo fiscal à cultura. In: PAULA JUNIOR, Aldo de et al. Congresso nacional de estudos tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado. São Paulo: Noeses, 2010. p. 345-363. 180 GRUPENMACHER, op. cit., p. 16. 181 CATÃO, 2004. 182 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2010. 183 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Teoria e prática das isenções tributárias. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 184 CARRAZZA, 2011.
91
Marcos André Vinhas Catão185 vincula os incentivos no sentido de supressão
da carga tributária e os subdivide em incentivos sobre a despesa (por exemplo,
subvenções) e incentivos sobre a receita pública.
Aurélio Pitanga Seixas Filho186 fala em estímulo de índole econômica ao
exercício de atividades privativas ao se referir aos incentivos fiscais. O legislador
considera relevante o desenvolvimento de determinada atividade e concede
incentivos.
Para José Eduardo Soares de Melo187 e Roque Antônio Carrazza188
concedem-se incentivos fiscais desonerando o contribuinte com a finalidade de
estimular a adoção de certos comportamentos de interesses do ente concedente do
incentivo.
Nesse item, entendemos houve um mescla de redução da carga com indução
de comportamento.
e) Incentivos fiscais como normas indutoras de comportamento:
Aqui a Autora traz Luís Eduardo Schoueri189, para quem é necessário pensar
nas funções do tributo, que além de arrecadação de recursos aos cofres do estado,
influenciam sobremaneira a economia, de modo que a tributação pode ser usada
como um meio de se alcançar as finalidades do estado.
Geraldo Ataliba190 e José Artur Lima Gonçalves191 destacam que os
incentivos fiscais podem se manifestar de diversas formas, mas todas elas têm a
finalidade de atrair os particulares a praticar atividades que o Estado opta como
sendo prioritárias. Dessa forma, o particular auxilia o próprio Estado a concretizar os
desígnios desejáveis ao desenvolvimento econômico e social.
Silvia Helena Gomes Piva192 refuta essa acepção e esclarece que todas as
normas jurídicas são indutoras de comportamento. Ressalta ainda que a finalidade
indutora é integrante da política fiscal e está fora do sistema do direito positivo.
185 CATÃO, op. cit., p. 57. 186 SEIXAS FILHO, op. cit., 2003, p. 56. 187 MELO, op. cit., p. 413-414. 188 CARRAZZA, op. cit., p. 93-94. 189 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 36-37. 190 ATALIBA, Geraldo; GONÇALVES, José Arthur. Crédito-prêmio de IPI: direito adquirido; recebimento em dinheiro. Revista de Direito Tributário, v. 15, n. 55, p. 162-179, jan./mar., 1991. 191 Ibid., p. 162-179. 192 PIVA, 2014, p. 70.
92
Ainda sobre essa função das normas jurídicas, Clarice von Oertzen de
Araújo193 afirma ser o direito um “sistema de normas voltado à regulação da conduta
que tem o caráter de signo simbólico”.
Segundo a professora da PUC-SP194, as leis são signos e, dessa forma,
referem-se a objetos. Esses objetos são considerados as condutas do homem em
sociedade, as relações sociais. Até mesmo as normas de estrutura podem ser
reconhecidas como referentes às relações sociais, pois no momento em que se
atribui competência, a norma garante a legalidade de uma conduta, de produzir
outras normas.
Clarice von Oertzen de Araújo citando Charles Morris, afirma que:
[...] todos os tipos de discurso revelam um modo de significação e um uso primário dominantes. A linguagem legal observa a natureza do discurso designativo-incitativo. O discurso legal revela aquilo que uma sociedade está preparada para assumir e empreender a título de ações e posturas jurídicas, no caso de certas condutas serem ou não adotadas pelos indivíduos. Em nível designativo, o discurso legal denota o corpo de leis que determina as práticas segundo as quais a comunidade se comprometeu a controlar os comportamentos sociais adotando o uso da força institucionalizada pelo Direito.195
Nesses termos, não se coaduna com a premissa de tratar os incentivos como
normas jurídicas indutoras de comportamento justamente por se tratar de uma
característica de todas as normas jurídicas, logo, inapta a diferenciar as normas
jurídicas de incentivo de outras normas jurídicas.
193 ARAÚJO, Clarice von Oertzen de. Semiótica e investigação do direito: constructivismo lógico-semântico. Paulo de Barros Carvalho (coord.). Aurora Tomazini de Carvalho (org.). vol. I. São Paulo: Noeses, 2014, p. 123. 194 Ibid., p. 123. 195 Ibid., p. 127.
93
f) Incentivos fiscais como normas sancionatórias premiais:
De acordo com Norberto Bobbio196, os incentivos fiscais – que têm o objetivo
de possibilitar um pagamento a menor ou impedir o pagamento, carregam a privação
de uma desvantagem, já que o tributo não é vantajoso para o contribuinte, apenas
terá retorno difuso do valor pago.
O autor italiano destaca:
Se as sanções punitivas correspondem às sanções secundárias de que já falamos, as sanções premiais diferem daquelas: se a norma secundária pressupõe um descumprimento, aqui, diversamente, confere-se inicialmente uma escolha ao destinatário da norma, o qual, dentre as opções dadas, é incentivado a cumprir uma das alternativas, à qual está vinculada uma sanção premial.197
Assim, a sanção premial é uma recompensa oferecida ao indivíduo a fim de
estimulá-lo à escolha de uma ação estabelecida.
Os incentivos fiscais devem ser alvo de controle constitucional, pois, por meio
de medidas benéficas, o Estado pode ampliar mais seu poder. Segundo Tércio
Sampaio Ferraz Junior.198, “ao prometer, via subsídios, incentivos e isenções, ele (o
Estado) substitui o mercado e a sociedade no modo de ‘controlar’ (no sentido amplo
da palavra) o comportamento”.
Além disso, percebe-se que a carga tributária dos demais contribuintes, não
beneficiados com os incentivos concedidos, é aumentada com a redução gerada por
esses. É por isso que toda a coletividade tem interesse em controlar tais medidas.
Em suma, Silvia Helena Gomes Piva199 detectou que a ambiguidade atinge
fortemente as expressões “incentivos fiscais” e “benefícios fiscais”. Sabe-se que é
difícil essa empreitada de afastar a imprecisão das palavras, mas em um trabalho
científico é imprescindível, na medida em que o destinatário da mensagem deve
receber a explicação mais límpida possível e purificada desses vícios de linguagem,
sob pena de ser mal compreendido.
196 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Barueiri: Manole, 2008, p. 6-7. 197 Ibid., p. 6-7. 198 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Apresentação. In: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad.: Ari Marcelo Solon. São Paulo: Edipro, 2011, p. 28. 199 PIVA, 2014.
94
4.4 Isenções e a doutrina
As isenções merecem item específico, pois são mais estudadas de maneira
isolada nos trabalhos científicos relacionados ao direito tributário, talvez por ter
regramento específico no Código Tributário Nacional, bem como recebem um
enfoque normativo por parte da doutrina.
Vale destacar os estudos de Rubens Gomes de Souza200, um dos redatores
do anteprojeto do Código Tributário Nacional, Luciano Amaro201, Alfredo Augusto
Becker202, José Souto Maior Borges203, José Eduardo Soares de Melo204, Paulo
Barros de Carvalho205, Hugo de Brito Machado206 e Sacha Calmon Navarro
Coelho207.
Nesses trabalhos científicos, o enfoque maior se deu nas isenções e apenas
de passagem as expressões “benefícios” e “incentivos fiscais” foram abordadas,
estas mais comumente utilizadas em trabalhos científicos que mesclam direito
financeiro e tributário.208
Todavia, como já dito, as realidades jurídicas são diferentes, pois o contexto
de cada ramo do direito é diferente. Não obstante seja plenamente admissível que o
cientista amplie o corte metodológico para delimitar seu objeto de estudo como
sendo direito financeiro e tributário juntos, entendemos que conflitos semânticos
podem surgir sem que o cientista se aperceba disso.
De todo modo, cabe aqui trazer as definições sobre o tema das isenções que
consideremos importantes e que entusiasmaram o presente trabalho.
Para Paulo de Barros Carvalho209 as isenções seriam normas pertencentes à
classe das regras de estrutura, ou seja, prescrevem o relacionamento que as
200 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975. p. 97. 201 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo. Saraiva, 2009. 202 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4 ed. São Paulo: Marcial Pons; Noeses, 2007. p. 325. 203 BORGES, 2007, p. 63. 204 MELO, José Eduardo Soares. Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Dialética, 2008. 205 CARVALHO. Curso de direito tributário, 2010. 206 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2007. 207COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 14. ed. São Paulo: Forense, 2015. 208 BOMFIM, Gilson Pacheco. Incentivos tributários: conceituação, limites e controle. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. BARBOSA, 2012. CORREIA NETO, 2016. NABAIS, 2007. ESTIAGARA, Adriana. Responsabilidade social e incentivos fiscais / Adriana Estiagara, Reni Pereira, Sandra A. Lopes Barbon Lewis. São Paulo: Atlas, 2009. 209 CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 521.
95
normas de conduta devem manter entre si, dispondo acerca de sua produção e das
modificações que se queiram introduzir nos preceitos existentes. Nesse passo, as
normas de isenção atuariam sobre a regra matriz de incidência tributária mutilando
parcialmente um ou mais critérios de sua estrutura.
Para o Autor, o fenômeno se dá com o encontro de duas normas jurídicas: a
regra matriz de incidência tributária (norma de comportamento) e a regra de isenção
(norma de estrutura), cujo resultado é o impedimento em nível abstrato da incidência
da hipótese tributária ou comprometimento dos efeitos do consequente normativo.
Dito de outra maneira, a norma de isenção subtrai parcela o campo de
abrangência do antecedente ou do consequente da regra-matriz de incidência
tributária.
Ressalta Paulo de Barros Carvalho210 que a mera redução da base de cálculo
e da alíquota não seria isenção, pois não conduz ao desaparecimento do objeto.
Essa singela providência modificativa apenas reduz o quantum de tributo a ser pago
e a doutrina chama de isenção parcial.
O autor deixa mostras de que a expressão isenção parcial não seria a ideal
pois tem uma característica diferente do fenômeno isencional, afinal na isenção
parcial surge a obrigação tributária. O autor não cita a expressão benefícios fiscais
ou incentivos fiscais, todavia deixa transparecer que há um fenômeno diferente da
isenção, mas que o nome não deveria ser isenção parcial.
Roque Antônio Carrazza211 tem uma definição ligeiramente diferente de Paulo
de Barros Carvalho acerca da isenção. Acompanhando o entendimento de Eliud
José Pinto da Costa212, entende que a norma de isenção não mutilaria a norma
jurídica do tributo, mas apenas lhe daria nova configuração, deixando de alcançar
certos fatos. A norma de isenção integraria a norma jurídica tributária, conferindo-lhe
novas características.
Assim, define a isenção como “uma limitação legal do âmbito de validade da
norma jurídica tributária, que impede que o tributo nasça ou faz com que surja de
modo mitigado (isenção parcial)”.213
210 CARVALHO. Curso de direito tributário, 2010, p. 566. 211 CARRAZZA, 2006, p. 816. 212 COSTA, Eliud José Pinto da. A norma jurídica e as isenções tributárias. São Luiz: Aquarela, 2010, p. 61. 213 CARRAZZA, op. cit., p. 816.
96
O professor titular da PUC-SP214 destaca que incentivos são sinônimos de
benefícios fiscais ou estímulos fiscais, mas não devem ser confundidos com as
isenções tributárias. Os incentivos atuam no campo da extrafiscalidade, como
estímulo aos contribuintes a realizar conduta que a ordem jurídica considera
conveniente, e manifestam-se sob a forma de isenções e imunidades.
Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli215 dissente da opinião de Paulo de Barros
Carvalho e Roque Antônio Carrazza. Trabalha as isenções como normas de
comportamento, haja vista entender que atingem diretamente a conduta do
particular.
De acordo com o Autor é possível construir uma
[...] regra-matriz isencional com compostura sintática semelhante à da regra-matriz tributária, cuja hipótese descreverá abstratamente a concretização de um evento, implicando o conseqüente que, por sua vez, conterá a prescrição, também abstrata, de um efeito, uma relação jurídica isencional216.
Sobre o assunto, conclui Pedro Lunardelli:
O antecedente será a previsão hipotética da concretização da aludida conduta “X”, enquanto no conseqüente haverá a prescrição de uma relação jurídica também entre fisco e contribuinte, composta pelo dever subjetivo de o fisco não exigir a prestação (débito isencional) e o correspectivo direito subjetivo de o contribuinte não ser exigido (crédito isencional). Assim, a conduta “X” que até o advento da norma de isenção correspondia à materialização da hipótese da regra tributária, passa agora a ser elemento do conjunto hipotético da norma de isenção217.
Em conclusão sobre os autores acima, destaca-se que trabalham no plano
das significações normativas – S3. Nessa construção de sentido das normas
jurídicas em sentido estrito chegaram a conclusões diferentes, mas logicamente
possíveis, de modo que essa saudável disputa pela melhor compreensão do
fenômeno jurídico tem gerado mais dúvidas que certezas.
Na visão de Paulo de Barros Carvalho218 são duas normas diferentes, uma de
conduta e outra de estrutura. Pedro Lunardelli219 apesar de enxergar duas normas,
defende que ambas são de conduta. Por fim, Roque Carrazza220 enxerga apenas
214 CARRAZZA, 2006, p.816. 215 LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenções tributárias. São Paulo: Dialética, 1999. p. 65. 216 Ibid., p. 65. 217 Id. 218 CARVALHO. Curso de direito tributário, 2010, p. 566. 219 LUNARDELLI, op. cit., p. 65. 220 CARRAZZA, op. cit., p. 816.
97
uma norma jurídica, resultado da soma da regra matriz de incidência tributária com
norma de isenção.
Diante dessa diversidade de posicionamentos, optamos, neste trabalho, por
mirar o fenômeno partindo do ponto de vista do plano S1, do conjunto de
enunciados, dos suportes físicos, com o objetivo de afastar as divergências que
normalmente ocorrem no plano das significações.
Esclarecidas as principais posições doutrinárias sobre o tema, passamos
adiante a realizar nossa definição do conceito de benefícios fiscais aproveitando
dessas profícuas lições.
4.5 Definição do conceito de benefícios fiscais
Em nossa definição do conceito de benefício fiscal utilizaremos o método do
constructivismo lógico-semântico. Como já dito, tal expediente metodológico
percorre o caminho hermenêutico-analítico. Analítico porque estuda enunciados
compostos e os decompõem em níveis mais simples. Hermenêutico porque insere o
estudo do direito dentro da conjuntura cultural na qual está imersa.
Para essa análise do discurso jurídico, também utilizaremos das categoriasdo
discurso, enunciado, enunciação, enunciação-enunciada e enunciado-enunciado.
O enunciado é o suporte físico, a palavra escrita ou falada. A construção
mental de sentido do enunciado chama-se proposição.
De acordo com Paulo de Barros Carvalho enunciado é
[...] um conjunto de fonemas ou grafemas que, obedecendo a regras gramaticais de determinado idioma, consubstancia a mensagem expedida pelo sujeito emissor para ser recebida pelo sujeito destinatário, no contexto da comunicação221”.
A enunciação, por sua vez, pertence à ordem dos acontecimentos sociais,
sendo que tal procedimento de criação do direito se perde no tempo e no espaço.
Somente temos acesso ao produto da enunciação, aos enunciados prescritivos.
Todavia, se há um produto é porque houve um processo, mesmo que tenha se
esvaído no tempo e espaço.
221 CARVALHO. Direito tributário, 2009, p. 22.
98
Esse produto, deixa marcas chamadas de fatos enunciativos ou dêiticos da
enunciação, os quais permitem construir o evento da enunciação.
Tárek Moysés Moussallem assevera:
Nesse conjunto enunciativo (documento normativo), distinguiremos duas espécies de enunciados: os enunciados-enunciados, compostos dos dispositivos legais, tais como artigos, parágrafos, incisos e alíneas, e a enunciação-enunciada, composta pelos fatos enunciativos que nos remetem à instância da enunciação normativa.222
O enunciado-enunciado é o produto da enunciação, envolve aquilo que
comumente se chama de comando normativo prima facie, a ordem dada ao
destinatário, enquanto a enunciação-enunciada é a denominação dada ao conjunto
processo, autoridade competente e coordenadas de espaço e tempo em que se deu
a produção do documento normativo.
A função da enunciação-enunciada para o direito é identificar o documento
normativo produzido e permitir o controle jurídico da enunciação, visto que indica o
processo em que se deu a criação de determinado enunciado. Por controle,
entende-se saber se o texto é jurídico, se foi produzido nos moldes estabelecidos
pelo sistema (linguagem da norma de estrutura) e se a autoridade era competente
para o ato.
Pois bem. Para nós, benefícios fiscais, incentivos fiscais e isenções são
facetas do mesmo fenômeno jurídico-tributário, muito embora possamos estabelecer
certas peculiaridades para cada uma.
Optou-se pela expressão “benefícios fiscais” por ser tradicionalmente a mais
genérica. Nesse ponto, a generalidade de uma expressão pode ser útil pois permite
incluir vários conceitos específicos nela.
Frise-se que nossa perspectiva para enxergar o fenômeno se dará de forma
mais contundente no plano S1, pela análise dos enunciados prescritivos, muito
embora saibamos que o percurso gerador de sentido adentra em todos os planos:
S1 (plano dos enunciados), S2 (plano das proposições), S3 (plano das normas
jurídicas) e S4 (plano da sistematização). A separação dos planos é apenas didática
pois o processo interpretativo é incindível.223
222 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2011, p. 62. 223 CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 192-197.
99
Como dito, o enunciado (plano S1) é o que resultado da atividade psicofísica
da enunciação. Deve ser um segmento da linguagem bem construído, a fim de
transmitir o seu sentido completo.
A proposição (plano S2) é o significado de um enunciado declarativo ou
descritivo, de acordo com Paulo de Barros Carvalho224. O sujeito cognoscente
realiza juízo a respeito de um objeto, revestido por estrutura de linguagem, dando
origem à proposição. Trabalharemos a proposição como sinônima de norma jurídica
em sentido amplo.
E, por fim, a norma jurídica – em sentido estrito – é a significação produzida
na consciência do intérprete a partir da leitura dos enunciados prescritivos presentes
nos textos de direito positivo. A norma jurídica em seu sentido estrito é portadora de
conteúdo completo. Frise-se que nesse trabalho ao aparecer a expressão “norma
jurídica” leia-se norma jurídica em sentido estrito.
A despeito de no plano S3 ser onde se dá a construção da norma jurídica,
momento em que as significações são estruturadas deonticamente na forma
implicacional, a análise do enunciado-enunciado se dá no plano S1. Conhecer o
fenômeno dos benefícios fiscais partindo do plano S1 facilitará sua compreensão.
Diante das explicações acima, a expressão benefício fiscal em acepção
ampla pode significar: benefício fiscal enunciado-enunciado, benefício fiscal
enunciação-enunciada, benefício fiscal enunciação, benefício fiscal norma jurídica
em sentido estrito (plano S3), benefício fiscal norma jurídica em sentido amplo
(plano S2), benefício fiscal hipótese de incidência, benefício fiscal consequente,
benefício fiscal fato jurídico, benefício fiscal relação jurídica.
Nosso ponto de partida serão os benefícios fiscais enquanto enunciados-
enunciados de determinado documento normativo aplicáveis de maneira especial no
lugar dos enunciados-enunciados utilizados para construir a regra matriz de
incidência tributária – RMIT (norma jurídica geral e abstrata).
Tema pouco abordado pelos juristas diz respeito às denominadas “lei
especial” e “lei geral”. Muitas vezes dominados pelo vetusto (e falso) adágio de que
a “lei especial revoga lei geral”, os “operadores do direito” são levados à debates
estéreis.
224 CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 92.
100
O tema dos “benefícios fiscais” e seus consectários visto por esse prisma
normativo (da lei especial) pode trazer novos contornos à matéria.
Veja-se o artigo 150, §6º, da Constituição Federal:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.225
Embora o dispositivo contenha palavras desnecessárias (como “só poderá ser
concedido mediante lei”, como se não existisse o princípio da legalidade), ponto
importante a ser notado é o da primazia, em matéria tributária, da especialidade das
normas jurídicas (enunciados-enunciados) que concedem “benefícios fiscais” em
relação aos enunciados-enunciados utilizadas para construir a chamada regra-matriz
de incidência tributária (norma tributária em sentido estrito).
Veja que o § 6º enfatiza a necessidade de lei específica, o qual interpretamos
como enunciados-enunciados específicos e aplicáveis preferencialmente em relação
às situações gerais.
A exigência de lei específica, federal, estadual ou municipal para a concessão
dos benefícios fiscais, nos faz concluir que tais normas são especiais em relação ao
enunciados-enunciados que darão ensejo à construção da norma geral do tributo, no
sentido dado pelo artigo 2º, §2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
- LINDB:
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. [...] §2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior226.
De acordo com o artigo 2o da LINDB, havendo uma lei (enunciado-enunciado)
nova modificando disposições gerais ou especiais existentes, essa lei não é
responsável por revogar ou modificar a anterior, logo, ambas são válidas, vigentes e
passíveis de aplicação. Todavia, a norma especial (construída de um enunciado-
225 BRASIL, 1988, grifo nosso. 226 BRASIL. Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. D.O. de 09/09/1942, p. 1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm>. Acesso em: 23 mar. 2017.
101
enunciado especial) tem preferência quanto à aplicação em relação à norma geral
para os casos por ela tratados, justamente por disciplinar casos específicos.
Percebemos que muitas vezes os benefícios fiscais enunciados-enunciados
são introduzidos no ordenamento jurídico pelo mesmo veículo introdutor que insere
os enunciados-enunciados utilizados para construir a regra matriz de incidência
tributária.
É comum ver tais situações nos diversos Códigos Tributários Municipais em
que se inserem nesse mesmo documento normativo enunciados-enunciados hábeis
a construir a regra matriz do imposto sobre serviços bem como enunciados-
enunciados que tratam de benefícios fiscais em sentido amplo.
Por exemplo, a Lei Municipal nº 2.521/02 dispõe sobre o Código Tributário do
Município de Aracruz/ES. Enquanto o artigo 4º227 é um dos enunciados que servirá
de base para construir a regra matriz, o artigo 13228 é um dos enunciados que
servirá de base para se construir a norma em sentido estrito do benefício fiscal
denominado isenção.
Muito embora estejam no mesmo documento normativo, os enunciados-
enunciados que tratam dos benefícios fiscais são especiais em relação aos
enunciados-enunciados da norma geral do imposto municipal.
Transportando o entendimento acima para a seara do nosso estudo, a norma
jurídica enunciação-enunciada veicula enunciados-enunciados instituidores de
benefícios fiscais e enunciados-enunciados constituidores da norma tributária geral e
abstrata, todavia, aqueles são especiais em relação a estes.
227 Art. 4º - O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, tem como fato gerador à prestação de serviços constantes da lista anexa a esta Lei, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. In: BRASIL. Lei nº 2.521, de 19 de dezembro de 2002. Prefeito do Município de Aracruz – Espírito Santo. Dispõe sobre o Código do Município de Aracruz e dá outras providências. Disponível em: <http://www.legislacaocompilada.com.br/aracruz/Arquivo/Documents/legislacao/html/L25212002.html>. Acesso em: 13 ago. 2017 228Art. 13 - São isentos do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza: I - os serviços prestados pelas empresas públicas e sociedades de economia mista, instituídas pelo Município; II - os serviços recreativos e esportivos, patrocinados por associações e clubes filiados à federação de futebol do Estado do Espírito Santo ou às federações amadoras de esporte e organizações estudantis; III – os concertos, recitais, shows, exibições cinematográficas e espetáculos similares, quando sua renda for destinada integralmente a entidades assistenciais sem fins lucrativos; IV – os profissionais liberais de nível médio ou superior, até dois anos após a conclusão do curso. In: BRASIL. Prefeito do Município de Aracruz – Espírito Santo, 2002.
102
Lucas Galvão de Britto229 afirma que dispositivos como o artigo 2º, §2º, da Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro são responsáveis por manter a
hierarquia dos dispositivos que introduzem normas jurídicas no direito positivo. São,
desta forma, indispensáveis à manutenção do bom funcionamento do sistema.
Entre os critérios, o autor acredita que deve ser eleita uma ordem de
prevalência entre eles, a fim de que solucione o conflito que poderia gerar a
aplicação de um dos critérios sobre o outro. Sobre o assunto, atesta:
[...] Em seguida, há de se discutir sobre qual, posterioridade ou especialidade, teria precedência sobre o outro. Voltando a atenção àdisposição final do §2º do já citado art. 2º da Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro, percebemos que como a “lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior” há uma opção, no sistema, pela prevalência do critério da especialidade sobre a posterioridade. Assim ordenados, os conflitos entre as normas jurídicas em sentido lato (os enunciados prescritivos utilizados para compor a norma jurídica em sentido estrito), também chamados impropriamente de revogação tácita, devem ser resolvidos pela aplicação sucessiva dos seguintes critérios: (1) hierarquia, (2) especialidade e (3) posterioridade.230
Para o autor, eventual conflito de normas deve ser resolvido com a aplicação
sucessiva dos seguintes critérios: (1) hierarquia, (2) especialidade e (3)
posterioridade.
Como não há hierarquia entre os enunciados-enunciados que tratam da
norma geral e os enunciados-enunciados que tratem de benefícios fiscais por serem
emanados de normas em relação de coordenação, o critério de prevalência será o
da especialidade.
Se os enunciados-enunciados dos benefícios fiscais estivessem acima do
nível legal dos dispositivos da norma instituidora do tributo, não se estaria a tratar de
benefício fiscal, mas de imunidade. Se o enunciado-enunciado do benefício fiscal
fosse posto por norma de hierarquia infralegal, infringiria o princípio da legalidade
tributária que exige o veículo introdutor com patamar de lei (Lei Complementar ou
Lei Ordinária, a depender do disciplinamento do tributo pela Constituição Federal).
Portanto, para pertencer à classe “benefícios fiscais” é preciso ser norma
especial (enunciado-enunciado) em relação aos enunciados-enunciados hábeis a
construir a norma geral da regra-matriz de incidência do tributo.
229 BRITTO, Lucas Galvão de. Revogação de isenção, anterioridade e direito adquirido. Revista de Direito Tributário, n. 114. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 7-8. 230 Ibid., p. 7-8.
103
Frise-se que o enfoque é normativo. O evento no mundo fenomênico é o
mesmo, mas a forma de qualificá-lo é que muda. Assim, enxerga-se o fato por meio
de uma norma jurídica, porém ao se qualificar determinado fato, nota-se certas
características que apontarão para a escolha de enunciados-enunciados que tratam
de benefícios fiscais.
Resolve-se esse aparente conflito entre norma geral e norma especial pelo
método interpretativo. O intérprete decidirá qual norma aplicar ao fato.
Percebe-se, em diversos casos, que o legislador deu nomes distintos aos
benefícios fiscais em sentido amplo, tais como, isenções, alíquota zero, redução de
base de cálculo, diferimento, depreciação acelerada, drawback, crédito presumido.
No entanto, o fenômeno é o mesmo, são enunciados-enunciados especiais e
aplicáveis no lugar dos enunciados-enunciados que criam a norma geral do tributo.
Concorda-se com Pedro Lunardelli231 que entende ser possível construir uma
norma jurídica em sentido estrito da isenção com compostura sintática semelhante à
da regra-matriz tributária. Amplia-se para dizer que é possível construir uma norma
jurídica em sentido estrito de benefício fiscal, incentivo fiscal, isenção etc. Em todos
os casos, trata-se de uma norma em sentido estrito especial e deverá ser aplicada
ao fato por ela qualificado.
Na hipótese dessa norma tem-se a descrição abstrata de um evento, que se
ocorrer deve implicar um consequente, também abstrato, cujo efeito é o
estabelecimento de uma relação jurídica entre fisco e contribuinte.
Em outros termos, a hipótese prevê a ocorrência do evento jurídico de
benefício fiscal e o consequente estabelecerá a relação jurídica entre o beneficiário
e o fisco.
Os critérios da regra-matriz de incidência tributária são: verbo e complemento,
critério espacial, critério temporal, sujeito passivo, sujeito ativo, base de cálculo e
alíquota. Para se construir a norma jurídica stricto sensu o intérprete realiza a leitura
dos enunciados prescritivos momento em que chega a tais critérios mediante a
atividade de significação.
A norma jurídica do benefício fiscal se dá da mesma maneira, todavia alguns
critérios são especiais em relação aos da regra-matriz tributária, de modo que ao se
deparar com um fato, qualifica-o preenchendo os critérios que darão ensejo à
231 LUNARDELLI, 1999, p. 65.
104
construção da norma jurídica do benefício fiscal e não da regra-matriz de incidência
tributária.
Vê-se que tudo dependerá das significações construídas a partir dos
enunciados normativos, de maneira que o fenômeno dos benefícios fiscais ficará
embasado em norma de conduta, cujos categoremas devidamente esgotados darão
nascimento à norma jurídica em sentido estrito do benefício fiscal.
Esse evento jurídico dos benefícios fiscais será conseguido por meio de
contrastes realizados com alguns critérios da regra-matriz tributária. Pelas lentes da
norma jurídica do benefício fiscal se permite notar que sobre determinado fato não
se aplica a regra-matriz de incidência tributária ou qualquer outra norma jurídica.
Por exemplo, quando se fala que na isenção não há incidência interpretamos
que não há incidência pelas lentes da regra-matriz, todavia haverá incidência
quando se ver o fato pela perspectiva da norma especial da isenção.
Como dito acima, o fenômeno jurídico dos benefícios fiscais em sentido amplo
é o mesmo, todavia é possível criar características que os diferenciem em espécies
distintas a fim de aproveitar os termos (isenções, benefícios fiscais e incentivos
fiscais etc) utilizados pelo legislador constituinte.
4.6 Espécies de benefícios fiscais em sentido amplo
O primeiro item classificatório será delimitado em: benéficos fiscais em que é
permitido deixar de cumprir a prestação, e benefícios fiscais em que não é permitido
deixar de cumprir a prestação.
Por um lado, haverá o enunciado-enunciado aplicável de maneira preferencial
em relação aos enunciados-enunciados da norma geral que trará prescrições que
conferem ao sujeito credor o direito subjetivo de se abster de realizar uma conduta,
in casu, de não realizar a prestação de pagar tributo.
Por outro lado, haverá o enunciado-enunciado aplicável de maneira
preferencial em relação aos enunciados-enunciados da norma geral que trará
prescrições que não conferem ao sujeito credor o direito subjetivo de se abster de
realizar uma conduta.
Entretanto, tal conduta será diferenciada em relação à conduta estabelecida
pela regra-matriz de incidência. Diferenciada no sentido de conter outros elementos
105
que serão preenchidos de conteúdo semântico, portanto, essa norma especial será
aplicada de maneira preferencial em relação à norma geral.
Para apontarmos as espécies, nos utilizaremos dos termos criados pelo
legislador positivo.
4.6.1 Benefícios fiscais em que é permitido deixar de cumprir a prestação
Como dito, nesses benefícios fiscais o sujeito credor tem o direito subjetivo de
se abster de realizar a conduta de pagar tributo. Como exemplos tem-se: “isenção”,
“alíquota zero” e “diferimento”.
• Isenção
A isenção se caracteriza pela aplicação dos enunciados-enunciados,de
maneira especial, no lugar dos enunciados-enunciados utilizados para construir a
regra matriz de incidência tributária – RMIT (norma jurídica geral e abstrata).
A respeito dessa especialidade, Pontes de Miranda232 leciona que a “a regra
jurídica de isenção é de direito excepcional, que põe fora do alcance da lei a pessoa
(isenção subjetiva) ou o bem (isenção objetiva) que – sem essa regra jurídica –
estaria atingido”.
Do mesmo modo, João Augusto Filho233 afirma que “as normas de isenção se
caracterizam como normas permissivas que abrem exceção a uma norma de
obrigação”.
Ao se construir a norma jurídica em sentido estrito da isenção o que vemos é
o sujeito beneficiado na posição de credor da obrigação de não dar, pois nesse caso
o modal deôntico será o de permitido omitir, isto é, não prestar. Essa relação de
direito subjetivo implica sua conversa, a do dever jurídico do fisco em relação ao
contribuinte isento, onde o fisco fica proibido de exigir a prestação.
Pedro Lunardelli234 afirma que “a concretização em enunciado protocolar da
respectiva conduta prevista nesta hipótese dará ensejo ao fato isento e não mais ao
232 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 4. ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1963, p. 156. 233 AUGUSTO FILHO, João. Isenções e exclusões tributárias. São Paulo: José Bushatsky, 1979. p. 153.
106
fato pertencente à regra-matriz tributária. Via de consequência, pela causalidade
jurídica, teremos a relação jurídica de isenção”.
Portanto, na norma jurídica da isenção, o antecedente é a previsão hipotética
de uma conduta em determinado tempo e lugar, enquanto o conseqüente prescreve
a relação jurídica, composta pelo dever subjetivo do fisco não exigir a prestação e o
correspectivo direito subjetivo de o contribuinte não ser exigido.
Exemplo de isenção:
Fato social: Médico com 1 (um) ano de formado prestando serviços médicos
no município de Aracruz/ES.
A Regra Matriz de incidência tributária do ISSQN estabelece: Se prestar
serviços de qualquer natureza no município de Aracruz/ES, deve ser a obrigação de
pagar o imposto sobre serviço ao Município calculado na forma fixa.
Por sua vez, o artigo 13, inciso IV do Código Tributário Municipal235 prescreve
que são isentos do ISSQN os profissionais liberais de nível médio ou superior, até
dois anos após a conclusão do curso. Esse enunciado-enunciado qualifica uma
situação específica e estabelece o direito subjetivo desse contribuinte não prestar a
conduta de pagar tributo.
A norma a ser construída com base no artigo 13 é especial por descrever
situações específicas em relação à norma jurídico-tributária. A norma isentiva
estabelece: Ser prestador de serviços médicos no município de Aracruz com até
dois anos de formado, deve ser a permissão de não pagar o imposto sobre serviço
ao município de Aracruz.
Ao analisar o fato “Médico com 1 (um) ano de formado prestando serviços
médicos no município de Aracruz/ES” aplica-se a norma especial, qual seja, são
isentos os serviços médicos prestados por profissionais liberais com até dois anos
de formado.
Há características no fato que ensejam a construção de norma utilizando o
enunciado prescritivo do artigo 13, inciso IV. Sendo assim, a norma isentiva é
234 LUNARDELLI, 1999, p. 85. 235 Art. 13 - São isentos do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza: [...] IV – os profissionais liberais de nível médio ou superior, até dois anos após a conclusão do curso. In: BRASIL. Prefeito do Município de Aracruz – Espírito Santo, 2002.
107
especial em relação à norma jurídico-tributária e tem preferência de aplicação. Logo,
o médico com apenas um ano de formado tem o direito subjetivo de não pagar o
ISSQN.
• Alíquota zero:
A alíquota, considerada juntamente com a base de cálculo, indica o valor da
prestação pecuniária devida pelo sujeito passivo da obrigação. Há casos em que o
legislador opta pelo percentual zero, acabando por anulá-la.
Seguimos o entendimento de Paulo de Barros de Carvalho que acredita ser a
alíquota zero espécie assemelhada à isenção, resultando em uma exoneração do
tributo.
Na norma jurídica em sentido estrito chamada “alíquota zero” o sujeito
beneficiado estará na posição de credor da obrigação de dar zero, e o modal
deôntico será o de permitido pagar zero, que é o mesmo que permitido não pagar,
afinal zero vezes qualquer base de cálculo resultará zero.
Essa relação de direito subjetivo implica sua conversa, a do dever jurídico do
fisco em relação ao contribuinte, onde o fisco fica obrigado a exigir o tributo na
alíquota zero, que é o mesmo que estar proibido de exigir a prestação.
Apesar do legislador tratar alíquota zero como espécie distinta de isenção,
entendemos serem equiparadas, já que em ambos os casos se confere ao credor da
obrigação o direito subjetivo de não prestar a conduta de pagar tributo.
• Diferimento:
Diferimento é norma que posterga o cumprimento da obrigação tributária para
momento posterior ao previsto pela norma padrão de incidência, com a consequente
imputação da responsabilidade do recolhimento a terceiro.
Entendemos que essa postergação cria um benefício fiscal que permite
àquele que seria o sujeito passivo da obrigação tributária abster-se de cumprir a
prestação de pagar o imposto.
108
Nesse sentido concorda Geraldo Ataliba236 para quem o diferimento não é um
retardamento, adiamento, procrastinação ou não incidência do ICMS, mas sim uma
exclusão da oneração tributária da operação, que resultam em consequências
similares às da isenção.
4.6.2 Benefícios fiscais em que não é permitido deixar de cumprir a prestação
Nos casos de benefícios fiscais em que há o dever de cumprir a prestação,
essa prestação será diferenciada caso o sujeito preencha os elementos da norma
concessiva de benefício fiscal, situação que deverá ser analisada em comparação
ao estabelecido pela norma geral de incidência do tributo. Dessa forma aplica-se a
norma especial no lugar da norma geral.
Como exemplos de espécies encontradas na legislação podemos citar:
“redução da base de cálculo”, “redução da alíquota” e “crédito presumido”.
A norma jurídica em sentido estrito fará surgir uma obrigação tributária de
cunho pecuniário, todavia, por haver uma situação especial escolhida pelo legislador
a tributação será diferenciada se comparada com a obrigação tributária estabelecida
pela norma geral.
• Redução da base de cálculo e redução de alíquota:
Nessa norma o sujeito beneficiado está na posição de credor da obrigação de
dar a menor, isto é, prestar a menor. Essa relação de direito subjetivo também
implica sua conversa, a do dever jurídico do fisco em relação ao contribuinte
beneficiado, onde o fisco fica obrigado a exigir a prestação a menor em relação a
essa situação específica.
Nesse passo, haverá a necessidade da conjugação de enunciados-
enunciados que tratam da alíquota ou base de cálculo com algum outro elemento
semelhante aos usados para construir a regra matriz de incidência tributária (critério
material, espacial, temporal, sujeito ativo ou sujeito passivo).
236 ATALIBA, Geraldo; GIARGINO, Cleber. ICM: Diferimento – Estudo-prático, Estudos e Pareceres. n.1. São Paulo: Resenha Tributária, 1990, p.119.
109
Exemplo de redução de alíquota:
As empresas situadas em área industrial do município de Vitória/ES terão
redução 50% na alíquota do ISSQN. Nesse caso, constrói-se uma norma jurídica de
benefício fiscal. Nela, o critério espacial é conjugado com uma alíquota especial de
modo a conferir ao sujeito passivo o direito subjetivo de pagar menos tributo.
Norma geral: Prestar serviço no município de Vitória, deve ser a obrigação de
pagar 5% de imposto sobre o valor do serviço.
Norma especial: Ser empresa situada em área industrial do município de
Vitória/ES, deve ser a permissão de pagar o imposto com alíquota reduzida em 50%.
Surge uma obrigação tributária especial para o sujeito passivo que praticar a
conduta descrita na hipótese da norma jurídica do benefício fiscal. Essa obrigação é
diferente da obrigação tributária que surgiria com aplicação da norma geral do
tributo.
Exemplo de redução de base de cálculo:
Os materiais utilizados em obras de construção civil serão descontados na
base de cálculo do ISSQN. Nesse caso, também se constrói uma norma jurídica de
benefício fiscal.
Nela, prestar serviço de construção civil é conjugada com uma base de
cálculo especial, ou seja, haverá uma tributação diferenciada para certo grupo de
prestadores de serviços, os quais poderão aplicar na base de cálculo o preço do
serviço menos os materiais, situação não permitida expressamente para as demais
prestações de serviço reguladas pela norma geral.
• Crédito presumido ou crédito outorgado:
Segundo Regis Fernandes de Oliveira e Estevão Hovarth237, o “crédito
presumido corresponde à estimativa feita pelo poder público em benefício de uma
pessoa, com que se dispensa a comprovação”.
237 OLIVEIRA, Régis Fernandes de; HOVARTH, Estevão. Manual de direito financeiro. 4. ed. versão atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 42.
110
O crédito presumido é de maior utilização nos tributos não cumulativos.
Confere ao sujeito a possibilidade de cumprir a prestação de maneira diferenciada
ao reduzir a base cálculo por meio de um crédito presumido, de forma que o
quantum debeatur será menor ao se multiplicar essa nova base de cálculo com a
alíquota.
Novamente aqui o legislador dá nome distinto para o mesmo fenômeno,
conferir a determinada classe de indivíduos o direito subjetivo de cumprir a
prestação de maneira diferenciada em relação à obrigação tributária estabelecida
pela norma geral.
4.7 Benefícios fiscais condicionados e a prazo certo
Há alguns critérios que o sistema jurídico tributário brasileiro atribui relevância
para classificação dos benefícios fiscais. Esses estão prescritos nos artigos 176 a
178 do Código Tributário Nacional, quais sejam: presença ou ausência de condições
para o sujeito ser beneficiado; presença ou ausência de limite temporal para o gozo
do benefício.
Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares. Art. 177. Salvo disposição de lei em contrário, a isenção não é extensiva: I - às taxas e às contribuições de melhoria; II - aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão. Art. 178 - A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.
Esse corte epistemológico terá como resultado a formação de quatro classes
de benefícios fiscais: 1.1) concedidos incondicionalmente com tempo de duração
pré-determinado e 1.2) concedidos incondicionalmente sem tempo de duração pré-
determinado; 2.1) concedidos após a satisfação de determinadas condições pelo
sujeito por prazo determinado e 2.2) concedidos após a satisfação de determinadas
condições pelo sujeito por tempo indeterminado.
No que tange às condições, não basta o sujeito implementá-las, é preciso que
o fato jurídico seja relatado em linguagem competente por autoridade administrativa
111
e siga o procedimento previsto em lei, conforme dispõe o caput do artigo 179 do
Código Tributário Nacional.
Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão. § 1º Tratando-se de tributo lançado por período certo de tempo, o despacho referido neste artigo será renovado antes da expiração de cada período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isenção. § 2º O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.
Nos benefícios fiscais não condicionados, bastam os enunciados-enunciados
específicos do texto legal, enquanto nos benefícios fiscais condicionados, depende-
se de nova enunciação-enunciada que insira novo enunciado-enunciado atestando
que contribuinte satisfez as condições e assim passe a usufruir do benefício.
Esses novos enunciados-enunciados darão ensejo à construção de norma
individual e concreta cujo fato jurídico é o preenchimento das condições legais e a
relação jurídica de benefício fiscal entre fisco e sujeito beneficiado. Vale frisar que a
aplicação dessa norma não se dá de forma discricionária, é dever da autoridade
administrativa conceder o benefício caso o sujeito satisfaça os requisitos legais, haja
vista tratar-se de ato administrativo vinculado.
Para não se inutilizar a expressão incentivos fiscais que está citada no texto
constitucional e é compreendida por grande parcela da doutrina238 como aquele
“benefício fiscal” que exige contrapartida do contribuinte, entendemos que na nossa
classificação os incentivos fiscais seriam sinônimos de benefícios fiscais
condicionados.
O que se chama de contrapartida, são as condições impostas pela lei para
conceder o incentivo fiscal, ou seja, a condição para gozar do benefício fiscal
condicionado.
A seguir dois exemplos de incentivos fiscais (benefícios fiscais
condicionados): depreciação acelerada e drawback.
238 Cf., Gustavo Miguez de Mello, Luiz Carlos Marques Simões, Juvêncio Vasconcelos Viana, Matteus Viana Neto, Betina Treiger Grupenmacher, Pedro Herrera Molina, Hugo de Brito Machado Segundo.
112
• Depreciação Acelerada
Para se falar em depreciação acelerada deve-se falar em depreciação normal.
Afinal, nosso enfoque é enxergar os benefícios fiscais como normas especiais em
relação à norma geral.
A depreciação normal é a dedutibilidade das despesas pela diminuição do
valor dos bens do ativo resultante do desgaste pelo uso, a fim de reduzir a base de
cálculo de tributos como por exemplo o Imposto de Renda. A depreciação acelerada
é a antecipação dessa dedutibilidade, de forma que a base de cálculo é reduzida
mais rapidamente para determinados casos.
A base de cálculo do imposto de renda é o montante, real, arbitrado ou
presumido, da renda ou dos proventos tributáveis, nos termos do artigo 44 do
Código Tributário Nacional239.
Por sua vez, o artigo 57 da Lei nº 4.506/64240 estabelece uma regra geral de
que poderá ser computada como custo ou encargo a importância correspondente à
239 Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis. In: BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. DOFC de 27/10/1966, p. 12452. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 24 mar. 2017 240 Art. 57. Poderá ser computada como custo ou encargo, em cada exercício, a importância correspondente à diminuição do valor dos bens do ativo resultante do desgaste pelo uso, ação da natureza e obsolescência normal. § 1º A quota de depreciação registrável em cada exercício será estimada pela aplicação da taxa anual de depreciação sôbre o custo de aquisição do bem depreciável, atualizado monetàriamente, observadas nos exercícios financeiros de 1965 e 1966, as disposições constantes do § 15 do artigo 3º da Lei nº 4.357 de 16 de julho de 1964. § 1o A quota de depreciação dedutível na apuração do imposto será determinada mediante a aplicação da taxa anual de depreciação sobre o custo de aquisição do ativo. (Redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014). § 2º A taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar a utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção dos seus rendimentos. § 3º A administração do Impôsto de Renda publicará periódicamente o prazo de vida útil admissível a partir de 1º de janeiro de 1965, em condições normais ou médias, para cada espécie de bem, ficando assegurado ao contribuinte o direito de computar a quota efetivamente adequada às condições de depreciação dos seus bens, desde que faça a prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente. § 4º No caso de dúvida, o contribuinte ou a administração do impôsto de renda poderão pedir perícia do Instituto Nacional de Tecnologia, ou de outra entidade oficial de pesquisa científica ou tecnológica, prevalecendo os prazos de vida útil recomendados por essas instituições, enquanto os mesmos não forem alterados por decisão administrativa superior ou por sentença judicial, baseadas, igualmente, em laudo técnico idôneo. § 5º Com o fim de incentivar a implantação, renovação ou modernização de instalações e equipamentos, o Poder Executivo poderá mediante decreto, autorizar condições de depreciação acelerada, a vigorar durante prazo certo para determinadas indústrias ou atividades.
113
diminuição do valor dos bens do ativo resultante do desgaste pelo uso, ação da
natureza e obsolescência normal.
No parágrafo § 5º do mesmo artigo, o legislador ordinário ressalva que o
Poder Executivo poderá mediante decreto autorizar condições de depreciação
acelerada, a vigorar durante prazo certo para determinadas indústrias ou atividades.
Pois bem. O Decreto nº 3.000/99 que regulamenta o Imposto sobre a Renda e
Proventos de Qualquer Natureza estabelece nos artigos 313 e seguintes a
concessão da depreciação acelerada para determinadas atividades e prazo certo de
duração.
A despeito do legislador conferir nome diferente - “depreciação acelerada” –
trata-se também de norma especial, na medida em que permite a redução do
imposto a pagar antes do tempo previsto na norma regular.
Assemelha-se a uma à “redução da base de cálculo”, com a diferença de ser
condicionada. Tendo em vista que o incentivo fiscal é um benefício fiscal
condicionado, entendemos que “depreciação acelerada” é um incentivo fiscal.
• Drawback:
O drawback representa a suspensão ou eliminação de tributos incidentes
sobre insumos importados, a fim de que sejam aplicados em produtos exportados.
Pode se apresentar por duas formas: (i) drawback isenção e (ii) drawback
suspenção.
No Drawback Isenção ao se construir a norma jurídica em sentido estrito o
sujeito fica na posição de credor da obrigação de não dar, cujo modal será o de
permitido omitir, isto é, não prestar. Pode-se citar como exemplo o IPI, II, PIS e
Cofins Importação, entre outros. Para que seja mantida a isenção, o contribuinte
deve comprovar as aquisições tributadas e o legítimo embarque das mercadorias
exportadas.
O Drawback Suspensão promove a interrupção dos tributos incidentes em
operações de importação mediante condição. Assim, a obrigação de pagar o tributo
In: BRASIL. Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sôbre o impôsto que recai sôbre as rendas e proventos de qualquer natureza. DOFC de 30/11/1964, p. 10879. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4506.htm>. Acesso em: 24 mar. 2017.
114
permanece suspensa desde que se comprove, após 1 ano a regular exportação das
mercadorias.
Ambos os tipos de drawback citados (suspensão e isenção) podem ser
classificados como sendo incentivos fiscais.
115
CAPÍTULO V – REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS
5.1 Ambiguidade e vaguidade da palavra “revogação”
Assim como a expressão “benefícios fiscais” é vaga e ambígua no processo
comunicacional, a palavra “revogação” também padece dos mesmos vícios. Assim,
para tratar do fenômeno jurídico da revogação dos benefícios fiscais, antes
definiremos o que entendemos por “revogação” a fim de eliminar os mencionados
vícios de linguagem.
A respeito da ambiguidade de uma palavra, em frases como “A manga é uma
fruta suculenta” e “A manga da camisa está curta” o problema é facilmente resolvido
pelo próprio contexto. Todavia, em outros casos, chamados de ambiguidade
processo-produto241 o contexto não é útil. Nessa ambiguidade, “a mesma palavra
designa o processo e o produto desse processo”242.
A ambiguidade processo-produto ocorre na palavra “revogação”, ora utilizada
como enunciação de um enunciado revocatório, ora utilizada como o próprio
enunciado produto dessa enunciação. Aliás, quando se emprega a palavra
“revogação” como produto se cria nova ambiguidade na medida em que pode se
referir tanto ao “enunciado prescritivo” quanto à “norma jurídica”.
Outro problema se dá quando se emprega a palavra “revogação” como ato ou
como efeito. Nesses casos, os significados da palavra estão fortemente relacionados
e agravam o problema.
Como ato revocatório é compreendido no sentido de ato mediante o qual a
autoridade titular do poder normativo produz certos efeitos revogatórios. Não se
241 Nesse sentido, afirma Luis Alberto Warat: “Processo-produto: em qualquer língua há situações em que só existe um termo para denominar tanto ao processo "atividade" como ao "resultado" de dito processo. "Pintura" pode ser tanto um termo que faz referência à atividade de pintar como à obra concluída. A ambiguidade "Processo-produto" constitui um uso persuasivo da linguagem quando obtemos conclusões em raciocínios que resultam adequados em relação ao processo, mas inadequados se não atribuídos ao produto, ou vice-versa. Isso ocorre, por exemplo, se dissermos: "João é um homem habilidoso porque gosta de pintura". Talvez João goste de observar quadros produzidos e, ao mesmo tempo, se constate que ele jamais usou um pincel em toda a vida - não é habilidoso”. (WARAT, Luis Alberto. Técnicas argumentativas na prática judicial. Revista CCJ, Santa Catarina, n. 9, p. 35-56, jun. 1984). 242 HOSPERS, John. Introducción al análisis filosófico. vol. 1. Buenos Aires: Editorial Macchi, 1962, p. 31.“la misma palabra designa el proceso y el produto de este proceso”.
116
olvide que a palavra ato também padece do vício processo-produto243, logo, cria-se
uma ambiguidade de segundo nível.
Conforme Tárek Moysés Moussallem, a palavra revogação enquanto efeito
pode ter dois sentidos, “efeito que a revogação é” (de qual ato é resultado – fato-
revogação) ou ainda o “efeito que a revogação tem” (qual o efeito do fato-
revogação)244.
No que tange à vaguidade, existem duas formas, de acordo com Daniel
Mendonça245: a vaguidade por graduação e a vaguidade por combinação. Na
primeira, não há limite preciso entre a aplicabilidade e a inaplicabilidade de uma
expressão. Expressões polares como frio/calor e claro/escuro têm campos de exatos
de aplicação e campos inexatos – zonas de penumbra.
Na vaguidade por combinação, um termo se aplica quando determinadas
condições estão presentes, na ausência de tais condições cria-se vaguidade para se
aplicar a expressão. Willian Alston246 exemplifica o problema com a palavra
“religião”, constituída por 9 características. Se alguma característica estiver faltando
poderia chamar religião?
Em decorrência desses problemas de ambiguidade e vaguidade, Tárek
Moysés Moussallem destaca que a palavra “revogação” pode adquirir vários
sentidos:
(1) ato; (2) efeito de tal ato e suas variantes; (2a) expulsão da norma do sistema (perda da validade); (2b) perda da vigência; (2c) perda da eficácia; (2d) perda da possibilidade de ser aplicada; (3) fato jurídico da repristinação (também como efeito do ato de revogação); (4) ab-rogação; (5) derrogação; (6) anulação; (7) conflito de normas; (8) nulidade; (9) negação; (10) dessuetude; (11) ato jurídico unilateral (revogação de mandato); (12) ato
243 No que tange ao vício processo-produto, Paulo de Barros Carvalho afirma: “[...] Ora, além do “procedimento de lançamento”, temos também, o “ato administrativo de lançamento”. Pronto. O mal está diagnosticado: “lançamento” é palavra que padece do problema semântico da ambiguidade, do tipo “processo/produto”, como tantas outras nos discursos prescritivo e descritivo do direito. É lançamento o processo de determinação do sujeito passivo e apuração da dívida tributária, como é lançamento, também, a norma individual e concreta, posta no sistema com a expedição do “ato de lançamento”. (CARVALHO. Curso de direito tributário, 2010, p. 445). 244 Nesse sentido, Tárek Moysés Moussallem: “Na Ciência do Direito, os juristas a todo momento caem na armadilha da ambiguidade processo-produto e usam determinadas palavras, tais como: lançamento, processo, lei, ato jurídico e tantas outras, ora no sentido de enunciação, ora no sentido de enunciado, ou seja, ora como processo ora como produto. A palavra “revogação” não foge a tal nociva regra. Emprega-se como a atividade produtora de um enunciado revogatório (enunciação), bem como o produto dessa atividade, isto é, o próprio enunciado. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária, 2011, p. 178). 245 MENDONÇA, Daniel. Interpretación y aplicación del derecho. Almería: Universidad de Almería, 1998, p. 21. 246 ALSTON, William. Philosophy of language. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1984. p. 84.
117
administrativo discricionário; (13) expressão descritiva como “a norma A foi revogada pela norma B247”.
Diante desse intricado problema conceitual, necessário se faz realizar um
processo de elucidação acerca dos sentidos encontrados para a palavra “revogação”
por meio da análise dos atos de fala e das teorias do discurso.
Assim como analisamos a expressão “benefícios fiscais” por meio do plano
dos enunciados prescritivos, acreditamos ser esse o plano onde a revogação
encontra sua melhor manifestação, haja vista não considerarmos a possibilidade de
se criar norma jurídica em sentido estrito da revogação com estrutura lógico-sintática
do condicional. Isso porque a “revogação” não se dirige à conduta humana, mas a
outros enunciados, sempre em função metalinguística.
Pois bem. Para que ocorra o fenômeno da revogação é necessário que a
revogação enunciação insira enunciados-enunciados revogatórios no sistema por
meio do veículo introdutor de enunciados denominado revogação enunciação-
enunciada.
Confirma a assertiva acima o disposto no artigo 9° da Lei complementar n°
95/1998, com redação dada pela Lei Complementar nº 107/2001: “Art. 9° A cláusula
de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais
revogadas248”. Veja que o artigo enfatiza a obrigação de se inserir enunciados no
sistema para que ocorra a revogação.
Tárek Moysés Moussallem nota três sentidos diferentes para revogação ao
analisar o fenômeno pela estrutura dos performativos deônticos: revogação como
ato locucionário, revogação como ato ilocucionário e revogação como ato
perlocucionário. “A revogação é sempre atoilocucionário do locucionário
‘promulgar’.”249
Para servir de apoio ao explicitado acima, segue-se exemplo dentro do tema
dos benefícios fiscais:
(a) Performativo deôntico simples:
1) Sa diz a Sb: “Promulgo o enunciado X” – ato locucionário. Enunciado X
cujo ato proposicional seja, por exemplo, “Pague o imposto com alíquota
reduzida em 50%”
247 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2011, p. 181. 248 BRASIL. Lei complementar nº 107, de 26 de abril de 2001. Altera a Lei complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. D.O. Eletrônico de 27/04/2001, p. 1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp107.htm>. Acesso em: 22 jun. 2017. 249 MOUSSALLEM, op. cit., p. 184.
118
2) Sa promulgou o enunciado X – ato ilocucionário
3) Sa adicionou o enunciado X ao sistema normativo S – ato perlocucionário.
(b) Performativo deôntico revogador :
1) Sa diz a Sb: “Promulgo o enunciado Y” – ato locucionário. Enunciado Y
cujo ato proposicional seja, por exemplo, “Revogue-se o enunciado X”
2) Sa promulgou a revogação (revogou) o enunciado X – ato ilocucionário
3) Sa subtraiu o enunciado X e suas consequências normativas do sistema
normativo S – ato perlocucionário.
O primeiro sentido da revogação no performativo deôntico é de revogação
como ato proposicional (“Revoga-se o enunciado X”). Só tem sentido deôntico com
relação a uma norma independente, nesse caso, o enunciado X. Desse modo,
conforme aduz Hans Kelsen250, o enunciado-enunciado revogatório apenas afetará
outros enunciados (enunciados-enunciados e a enunciação-enunciada) e não a
enunciação (o ato de criação da norma) que os produziu.
Ainda, o enunciado revogatório, após cumprir seu desígnio, perde a validade
(semântica), haja vista ser sem sentido deôntico semântico a permanência de
enunciado-enunciado revogatório no sistema quando o enunciado a que se referiu já
perdeu sua validade.
Hans Kelsen afirma que “se ela cumpriu sua função, isto é, se a norma a que
ela se refere perdeu sua validade, então também a norma derrogatória, com vistas à
norma cuja validade ela revogou, irá perder sua validade.”251
O segundo sentido da revogação no performativo deôntico revogador é de
“revogação” como ato ilocucionário, aquele ato de fazer algo mediante o
proferimento de palavras realizado por agente competente mediante procedimento
previsto em norma.
E, por último, tem-se a revogação no performativo deôntico como ato
perlocucionário, isto é, provocar o efeito de substrair o enunciado revogado do
sistema.
250 KELSEN, Hans. Derogation. In: NEWMAN, Ralph E. (Ed.). Essays in jurisprudence in honour of Roscoe Pound. New York: The Bobbs-Merrill Company, 1962, p. 340. 251 KELSEN, Hans. Teoriageral das normas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1986, p. 133.
119
5.2 Revogação e a validade, vigência e aplicação
No que tange ao efeito do ato de revogar, há diferentes teorias que discutem
se a revogação ataca a validade, a vigência ou a aplicação do enunciado revogado.
Quando falamos em efeito estamos nos referindo ao ato perlocucionário que se
realiza por meio do ilocucionário revogar.
Eugenio Bulygin252 é adepto da teoria de que o ato de fala revogatório tem por
efeito a retirada da validade da norma revogada e a criação de um novo sistema
normativo. Para o Autor, a norma N não é a mesma em t1 (momento antes da
revogação) e em t2 (após a ocorrência da revogação). Quando a norma N é
revogada, é substituída pela norma N’, a qual possui conteúdo idêntico, no entanto,
a aplicação de N’ ocorre apenas para os fatos ocorridos sob o intervalo de
subsunção de N.
O problema dessa teoria é a de que N’ não pode determinar que N seja
aplicada aos fatos ocorridos sob seu intervalo de subsunção (t1) se ela não é mais
válida. Além disso, N’ também não poderia regular no tempo t2 acontecimentos
ocorridos antes de sua validade (t1)
Paulo de Barros Carvalho253 discorda dessa posição doutrinária, pois se a
norma é inválida não pertence ao sistema, portanto, não teria como ser aplicada.
Defende que a revogação tem por efeito a retirada da vigência da norma em relação
aos casos futuros, mantendo-a apenas para os casos que ocorreram sob sua égide.
Todavia, essa posição desloca o problema da revogação da validade para a
vigência, uma vez que não há como aplicar no tempo t2, norma N válida, vigente e
aplicável no tempo t1 se no momento de sua aplicação em t2 ela não possuir mais
vigência. Se a norma perde vigência para o futuro, perde obrigatoriedade e não
haveria como aplicá-la em t2 para casos ocorridos em t1.
Assim, na concepção de Eugenio Bulygin254, a revogação suprime a validade
da norma e, para Paulo de Barros Carvalho255, a revogação ataca a vigência da
norma. Tárek Moysés Moussallem256 percebe que nas duas perspectivas há
252 BULYGIN, Eugenio. Tiempo y validez. In: ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Análisis lógico y derecho. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. p. 210. 253 CARVALHO. Direito tributário, 2009, p. 79. 254 BULYGIN, op. cit., p. 210. 255 CARVALHO, op. cit., p. 79. 256 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2011, p. 196.
120
preocupação em caracterizar o conjunto de normas aplicáveis para a solução de um
caso e propõe uma nova abordagem.
Sem se afastar das concepções dos autores acima, Tárek Moysés
Moussallem257 leciona que a revogação é um ato de fala e quando visto pelo
espectro perlocucionário diversas etapas são passadas até que a norma seja
expulsa do ordenamento jurídico com definitividade.
Primeiro se ataca a impossibilidade de aplicação do enunciado revogado para
a criação de enunciados-enunciados cujo tempo seja posterior ao tempo do ato de
fala revogatório.258 Dessa forma, se o “enunciado x” era aplicável até o tempo t1 e
teve sua aplicabilidade retirada pelo enunciado revogatório, promulgado em t2, para
todos os acontecimentos ocorridos após a revogação não será aplicado o
“enunciado x”.
Em momento posterior, o ato de fala revogador atua sobre a vigência e a
validade do enunciado revogado. Isso se dará quando em t2 não se puder mais
aplicar o ato de fala revogado para os fatos consumados sob seu intervalo de
subsunção.
Paulo de Barros Carvalho259 adverte, contudo, que existem situações em que
o efeito da revogação atinge diretamente a validade, como nos casos de normas
revogadas durante o período de vacatio legis, período em que a norma sequer é
vigente e aplicável.
Tárek Moysés Moussallem leciona que após a edição do ato de fala
revogador os tempos subsequentes não terão o mesmo sistema, de modo que para
saber se uma norma N é válida, vigente ou aplicável deve sempre estar relacionada
a um determinado sistema normativo:
Basta supor que em SDP1, que todas as normas são válidas, vigentes e aplicáveis. Com a edição do ato de fala revogador em t2, pelo menos uma das normas em SDP1 perde sua aplicabilidade para os casos a ele posteriores. Então em t2, tem novo sistema normativo SDP2. Em t3, quando decorrido o tempo de aplicação da norma revogada em relação ao derradeiro fato consumado sob seu intervalo de subsunção, a norma revogada perde sua validade e sua vigência, estabelecendo-se novo sistema normativo SDP3. Veja que em SDP1, SDP2 e SDP3 têm-se três sistemas de direito positivo distintos, já que suas consequências normativas são diferentes260.
257 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2011, p. 197. 258 Ibid., p. 210. 259 CARVALHO. Direito tributário, 2009, p. 79. 260 MOUSSALLEM, op. cit., p. 199-200.
121
Tome-se como exemplo Lei X publicada em 01/12/2015 e instituidora de uma
isenção de IPVA para todos os proprietários de veículos do Estado do Espírito
Santo. Suponha que a lei contenha enunciado-enunciado prescrevendo que o
benefício passa a viger a partir de 01/01/2016. Logo, a partir de 01/01/2016 a norma
é válida, vigente e aplicável. Em 01/06/2017 o Estado do Espírito Santo revoga a lei
fundamentando-se no artigo 178 do Código Tributário Nacional261.
Em 2015 a Lei X era apenas válida, mas não vigente e não aplicável. De
01/01/2016 a 01/06/2017 era válida, vigente e aplicável. Após 01/06/2017 a norma
continua válida e vigente, mas só será aplicável entre 01/01/2016 a 01/06/2017
período que marca seu intervalo de subsunção. Somente a partir de 01/01/2018 a lei
perderá simultaneamente a vigência e validade, momento que entra em vigor o
enunciado que revoga o benefício fiscal enunciado-enunciado nos termos do artigo
104, inciso III do Código Tributário Nacional262.
Isso demonstra que até a norma ser completamente expulsa do sistema a
“revogação” passa por várias etapas, na medida em que o ato de fala revogador
primeiro atinge a aplicação e na sequência a vigência e validade.
No exemplo citado acima fundamentou-se a revogação com base nos artigos
178 e 104, inciso III, do Código Tributário Nacional, os quais prescrevem que o
enunciado revogatório que extingue ou reduz benefício fiscal apenas entra em vigor
no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a publicação:
Art. 178 - A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.263 Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda: I - que instituem ou majoram tais impostos; II - que definem novas hipóteses de incidência; III - que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178264.
Entretanto, ainda que não existissem no sistema, o princípio da anterioridade
insculpido no artigo 150, inciso III, alíneas “a”, “b” e “c” da Constituição Federal
serviria de fundamento. A respeito desse assunto cabe aqui uma explicação mais
detida.
261 BRASIL, 1966. 262 Id. 263 Id. 264 Id.
122
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b.265
Abordamos no capítulo precedente os benefícios fiscais enquanto
enunciados-enunciados especiais em relação aos enunciados-enunciados aptos a
construir a regra matriz de incidência tributária – RMIT.
De acordo com o artigo 2º, §2º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro - LINDB266, havendo uma lei (enunciado-enunciado) nova modificando
disposições gerais ou especiais existentes, essa lei não é responsável por revogar
ou modificar a anterior, logo, ambas são válidas, vigentes e passíveis de aplicação.
Todavia, a norma jurídica especial (construída de um enunciado-enunciado especial)
tem preferência quanto à aplicação em relação à norma geral para os casos por ela
tratados, justamente por disciplinar casos específicos.
Dessa forma, caso ocorresse revogação do benefício fiscal enunciado-
enunciado, poderia se pensar que a norma geral, que é válida, vigente a aplicável,
não precisaria obedecer aos prazos do artigo 150, inciso III alíneas “a”, “b” e “c” da
Constituição Federal. Como são duas normas, a norma especial e a norma geral,
caso a norma especial fosse revogada poderia argumentar que não haveria óbice
em aplicar imediatamente a norma geral que se encontra válida, vigente e eficaz.
As alíneas “a”, “b” e “c” proíbem a cobrança antes da vigência e da publicação
da norma que instituir ou aumentar o tributo, mas poderia se dizer que a norma geral
cumpre tais requisitos.
Entretanto, a interpretação que reputamos correta é a de que ao revogar o
benefício fiscal enunciado-enunciado atinge-se uma determinada classe de sujeitos,
de modo que para eles a revogação da norma especial será verdadeira instituição
ou aumento de tributo, merecendo a obediência ao artigo 150 da Constituição
Federal.
265 BRASIL, 1988. 266 Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. [...] §2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior (BRASIL,1942).
123
O que artigo 150 impõe o limite objetivo da anterioridade a que deve se
submeter alguns tributos, antes de que as regra-matrizes tributárias possam produzir
seus efeitos. São quatro regras: 1) prazo de 90 dias a partir da publicação do
diploma normativo; 2) prazo de um exercício a partir da publicação do texto legal; 3)
o cúmulo destes dois prazos ou; 4) nenhum deles. A regras se darão de acordo com
as normas prescritoras da competência para instituir, modificar ou extinguir o tributo
e o respectivo benefício fiscal.
Dessa forma, o fisco deverá seguir tanto a disciplina do artigo 150 da
Constituição Federal quanto do artigo 178 e 104, inciso III, do Código tributário
nacional.
5.2.1 Revogação de benefícios fiscais condicionados e não condicionados, a prazo
certo e a prazo indeterminado.
As regras acima servem tanto para os benefícios fiscais não condicionados
concedidos por prazo certo quanto os benefícios fiscais não condicionados
concedidos por tempo indeterminado.
No caso dos benefícios fiscais condicionados e a prazo indeterminado
também deve-se aplicar as regras da revogação de isenção não condicionada,
quando da sua revogação. O artigo 178 utiliza o conjuntor “e” (“concedida por prazo
certo e em função de determinadas”) quando faz a ressalva de que o benefício fiscal
não pode ser revogado a qualquer tempo. Os requisitos são cumulativos, logo, o
benefício fiscal a prazo indeterminado não preenche os requisitos para se enquadra
na exceção normativa.
Lucas Galvão de Britto esclarece:
[...] admitir que uma isenção não pudesse ser revogada livremente seria fazer com que um enunciado infraconstitucional contrariasse um enunciado constitucional, ferindo um dos pilares sobre o qual se sustenta todo o sistema de direito positivo que é aquele da hierarquia dos veículos introdutores. Diz-se isso porque a norma de competência prescreve ser permitido ou obrigatório a um sujeito instituir um tributo definido na Constituição da República e, assim, tanto a obrigação como a permissão dessa conduta são veiculados por enunciados constitucionais. A norma jurídica em sentido lato da isenção ocupa a posição hierárquica infraconstitucional no direito
124
brasileiro. É, portanto, derivada da norma de competência e, portanto, deve ater-se aos limites que ela prescreve.267
Em outros termos, não pode o despacho concessório se opor à norma de
competência tributária que tem patamar constitucional e não poderia ter o seu modal
deôntico comprometido por norma infralegal.
Os benefícios fiscais concedidos mediante condições e a prazo, todavia, as
consequências serão diferentes. Necessitam de produção de norma individual para
que sujeito possa gozar do benefício. O artigo 179 chama o veículo introdutor que
insere no sistema os enunciados-enunciados desse benefício fiscal de “despacho”.
Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão. § 1º Tratando-se de tributo lançado por período certo de tempo, o despacho referido neste artigo será renovado antes da expiração de cada período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isenção. § 2º O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155268.
Eventual revogação do enunciado-enunciado da norma geral e abstrata, não
atingiria a norma individual e concreta, por se tratar de um ato jurídico perfeito que
tornou imutável a relação jurídica concreta do sujeito beneficiado [direito subjetivo de
abster-se (está permitido omitir) de cumprir a prestação (tributária)] com o fisco
(dever de não impedir a omissão) nos termos do artigo 5º, inciso XXXVI da
Constituição da República:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada269;
A norma jurídica geral e abstrata do benefício fiscal tem aptidão para regular
eventos futuros em fatos jurídicos de benefícios fiscais, cujo efeito automático e
infalível é a relação jurídica do benefício fiscal.
267 BRITTO, 2011. 268 BRASIL, 1966. 269 BRASIL, 1988.
125
A revogação se dará nos enunciados-enunciados da norma geral e abstrata e
produzirá obstáculo responsável por impedir sua aplicação em eventos futuros. A
partir desse momento, a norma abstrata não poderá mais jurisdicizar eventos
supervenientes, mas poderá ser aplicada aos eventos passados ainda não
constituídos em fatos jurídicos, em relação aos quais ainda não se operou a
metamorfose normativa.
No mesmo sentido, Seabra Fagundes270 sustenta que “se instituída por lei
uma isenção tributária, e ocorrente o fato ou circunstância determinante da
instituição, ao legislador não é dado, livremente, cancelá-la ou mutilá-la”.
Roque Antonio Carrazza também leciona que:
[...] as vantagens da isenção transitória condicional incorporam-se ao patrimônio de seu destinatário (quem cumpriu a condição), que passa a ter o direito adquirido de continuar desfrutando do benefício, até a expiração do prazo fixado na lei isentiva. O patrimônio da pessoa beneficiada por esta modalidade de isenção não pode ser prejudicado, sob pena de burla ao inc. XXXVI do art. 5° da CF271.
Desse modo, a revogação da isenção concedida mediante o adimplemento de
condição e por prazo determinado não afeta a norma individual e concreta enquanto
perdurar o prazo nela definido.
5.3 Revogação e incompatibilidade entre normas
A incompatibilidade de normas é resolvida por meio de outras normas. Isso
porque, o sistema do direito positivo é autorreferente e cria normas de sobrenível
voltadas a solucionar conflitos entre as próprias normas.
Não é função de uma das normas em conflito dirimi-lo. A revogação é função
específica da norma revogadora, sendo ato de fala deôntico que tem por efeito a
perda da aplicabilidade e, em seguida, a retirada da vigência e da validade.
Assim, enquanto permanecerem duas “normas conflitantes” no sistema
jurídico normativo, pode ser aplicada uma ou outra, pois ambas têm validade,
vigência e são aplicáveis.
Atento ao tema, Lourival Vilanova leciona que:
270 FAGUNDES, Miguel Seabra. Revogabilidade das isenções tributárias. Revista de Direito Administrativo. vol. 58. São Paulo: RT, p. 04. 271 CARRAZZA, 2006, p. 346.
126
[...] o só fato da contradição não anula ambas as normas. Nem a lei da não-contradição, que é lei lógica e não norma jurídica, indicará qual das duas normas contradizentes prevalece. É necessária a norma que indique como resolver a antinomia: anulando ambas ou mantendo uma delas.272
Eventual decretação de inconstitucionalidade de norma concedente de
benefício fiscal, por exemplo, não retira a validade da norma ab initio, sob argumento
de que haveria contradição lógica entre a norma produzida inconstitucionalmente e a
Constituição Federal.
Tanto é assim que existe regra positivada no sistema no artigo 27 da Lei nº
9.868/99273 que autoriza o Supremo Tribunal Federal fixar os efeitos da decisão que
declarar a inconstitucionalidade de norma jurídica. Portanto, seria equivocado
raciocínio de que haveria contradição lógica entre a norma produzida
inconstitucionalmente e a Constituição Federal.
Não é a lógica que resolve conflito de normas. A solução de possíveis
conflitos ocorre a partir dos critérios estabelecidos pelo próprio sistema. E não
necessariamente a revogação se dará somente quando houver conflito normativo,
pois, também é possível revogação sem conflito.
A respeito da solução de conflitos de normas em determinado sistema Tárek
Moysés Moussallem leciona:
Da mesma forma, a regra lex posterior derogat priori, só terá relevância no interior do sistema normativo, ou seja, somente será juridicamente significativa quando inserida no enunciado-enunciado de um diploma normativo. Não é um fundamento apriorístico do direito, para dizer com REINACH. A mesma sorte seguem os rifões lexspecialis e lex superior.274
O brocardo lex posterior derogat priori foi inserido no sistema pela Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro – Decreto-lei nº 4.657/42, no artigo 2º,
§1º, todavia o brocado Lex specialis derrogat generali não foi convertido em regra
jurídica nos termos do § 2o:
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
272 VILANOVA, 2001, p. 212. 273 Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. In: BRASIL. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. D.O. de 11/11/1999, p. 1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9868.htm>. Acesso em: 13 jul. 2017 274 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2011, p. 206.
127
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.275
Afirma Gilbert Ryle276 e a mesma opinião também é a de Hans Kelsen277, que
o refrão lex posterior derogat priori é uma sentença enganadora, pois leva a crer que
a revogação é função de uma das duas normas conflitantes. Isso não é correto, já
que ambas as normas conflitantes se referem a comportamentos determinados, mas
nenhuma delas faz referência à validade da outra.
Um exemplo poderá elucidar o assunto:
Norma N1: 20/06/2017 - Fica instituído benefício fiscal de IPI às empresas de
papel e celulose pelo prazo de 10 anos.
Norma N2: 30/06/2017 - Fica proibida a concessão de benefício fiscal de IPI
às empresas de papel e celulose pelo prazo de 10 anos.
Considerando que ambas normas sejam de mesmo grau, apesar da norma
N2 ter sido editada pelo legislador posteriormente e ser totalmente incompatível com
norma anterior N1, a “vontade revogadora” não se manifesta na norma editada mais
recente. O fato de editar uma norma incompatível com outra existente não faz com
que haja revogação – sem norma no sistema que a prescreva.
Dessa forma, mesmo que o legislador queira revogar a norma N1, quando
edita norma N2 incompatível com ela, a revogação não é função de uma das normas
conflitantes, mas de uma terceira norma N3. N1 e N2 são normas que se dirigem à
conduta.
Será função da norma N3 concreta reconhecer o conflito e o relatar como fato
jurídico a ensejar a aplicação da regra lex posterior derogat priori do artigo 2º, §1º
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e assim revogar a norma N1.
É possível concluir na esteira dos ensinamentos de Tárek Moysés
Moussallem278 que: (i) a revogação é sempre função de um ato de fala deôntico (e
não um princípio lógico); (ii) a revogação, sem que haja conflito de normas, é
sempre ato de fala concreto (refere-se a um enunciado específico) e geral (refere-se
a toda comunidade); (iii) quando a revogação se dá em virtude do conflito de normas
275 BRASIL, 1942. 276 RYLE, Gilbert. Systematically misleading expressions. In: RORTY, Richard. The linguistic turn: essay in philosophical method. Chicago: University of Chicado Press, 1992, p. 85-100. 277 KELSEN, 1962, p. 353. 278 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2011, p. 212.
128
no tempo (lex posterior derogat priori), será sempre ato de fala concreto (refere-se a
um enunciado específico) e individual (refere-se a pessoas determinadas); (iv) a
revogação não é função de uma das normas conflitantes; (v) ao se mirar os atos
locucionários de revogação, o ato proposicional sempre faz referência a outro ato de
fala locucionário, jamais a uma conduta humana.
5.3.1 Revogação expressa e tácita
Ainda sobre o tema da lex posterior derogat priori positivado no artigo 2º, §1º
do Decreto-lei nº 4.657/42, há uma classificação da revogação em expressa e
tácita.279
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.280
A revogação expressa se daria quando a lei revogadora expressamente
declarasse. Nela, o enunciado-enunciado demonstraria quais os enunciados estão
revogados. A revogação tácita, por outro lado, ocorreria quando houvesse
incompatibilidade entre lei anterior e lei posterior ou, ainda, quando a nova lei
regulasse inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
279 Nesse sentido, Tércio Sampaio Ferraz Junior. classifica a norma revogadora em manifesta e implícita: “[...] Ela é manifesta quando nela a autoridade determina a norma revogada declaradamente. É implícita, quando, numa nova disposição da matéria, não se determina a norma revogada declaradamente. Segue-se daí que a revogação pode ser (a) ou expressa, (b) ou tácita, (c) ou global. A revogação expressa exige uma norma revogadora manifesta que determina declaradamente qual a norma revogada: “fica revogado o art. x da lei z”, ou “fica revogada a lei tal”, isto é, todas as suas normas. A revogação tácita ocorre quando a norma revogadora é implícita e a revogação resulta da incompatibilidade entre a matéria regulada e as disposições antes vigentes: por exemplo, editam-se as normas a, b, c cujos dispositivos são incompatíveis com o das normas x, y, z, sendo as primeiras normas revogadoras implícitas dessas últimas [...]. Por fim, a revogação global ocorre por meio de uma norma revogadora implícita, sem a necessidade de incompatibilidade, bastando que a nova norma, por exemplo, discipline integralmente uma matéria, mesmo repetindo certas disciplinas da norma antiga”. (FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 200-201). No mesmo sentido, ainda, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma: “A revogação pode ser explícita ou implícita. É explícita quando a autoridade simplesmente declara revogado o ato anterior. É implícita quando, ao dispor sobre certa situação, emite um ato incompatível com o anterior”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 397). 280 BRASIL, 1942.
129
Via de regra, a fórmula para a revogação expressa se dá com a frase “revoga-
se o artigo x da lei y”, enquanto a revogação tácita decorre da expressão “revogam-
se as disposições em contrário”.
Essa classificação encontra óbices se analisada pela teoria da linguagem,
pois a rigor tanto a revogação expressa quanto a tácita necessitam de linguagem
objetivada para realizar-se.
Tárek Moysés Moussallem281 deixa claro que a revogação não é função da
norma em sentido estrito, mas de enunciado prescritivo. E o ato de fala revogador
atinge também enunciado prescritivo e não norma jurídica.
Ademais, a expressão “revogação tácita” gera o equívoco de se pensar que a
revogação seria função de uma das normas em conflito, quando sabe-se que é
função de um terceiro elemento normativo cujo ato de fala é revogador. O juiz, por
exemplo, ao identificar um conflito de normas expede ato de fala concreto e retira a
aplicabilidade de uma das normas conflitantes. Considera-se que há, nesses casos,
“revogação” in concreto.
A revogação tácita leva a crer que caberia ao interprete a revogação de uma
das normas conflitantes. O jurista não exerce revogação, já que a interpretação não
é instrumento hábil para inserir ou retirar normas no sistema.
Noberto Bobbio282 percebendo esse erro da doutrina, critica a expressão
interpretação ab-rogante porque “se a interpretação é feita pelo jurista, ele não tem o
poder normativo e, portanto, não tem poder ab-rogativo (o jurista sugere solução aos
juízes e eventualmente também ao legislador)”.
A revogação tácita só será relevante para o direito quando manifestada
linguisticamente. Segundo Lourival Vilanova283 “é na linguagem que os atos
subjetivos de pensar, de querer, de sentir (para simplificar em classe mais gerais)
projetam-se, exteriorizam-se, dessubjetivam-se, corporificando-se no vasto campo
dos bens - objetos dotados de significados”.
Com isso, a expressão revogação tácita perde utilidade, uma vez que na
existência de incompatibilidade entre as normas, o conflito só é sanado com um
terceiro enunciado, dotado de ato de fala deôntico revogador.
281 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2011, p. 220. 282 BOBBIO, Noberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997, p. 101. 283 VILANOVA, 2001, p. 42.
130
Nesse passo, a fórmula “revogam-se as disposições em contrário” é
redundante, inútil e inclusive está vedada no ordenamento jurídico brasileiro, pois o
artigo 9º da Lei Complementar nº 95/98 afirma que “Art. 9º A cláusula de revogação
deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas”.284
Portanto, a expressão “revogação tácita” é contraditória, pois para ocorrer
precisa ser objetivada pois o direito não se constitui sem linguagem.
5.3.2 Ab-rogação e derrogação
Outra teoria merecedora de críticas é a que distingue a revogação em ab-
rogação, revogação total de uma lei, e derrogação, revogação parcial de uma lei.
Essa classificação ganhou força diante da redação do artigo 2º, caput, do Decreto-lei
nº 4.657/42, de modo que o a palavra “modifique” seria a derrogação, e a palavra
“revogue” seria a derrogação: “Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei
terá vigor até que outra a modifique ou revogue”.285
Hans Kelsen286 assinala que essa visão de que a lei “modificada” continuaria
válida, mas com o conteúdo alterado, é equivocada, pois a partir do entendimento da
lex posterior revogat priori, quando a norma posterior altera o conteúdo da anterior,
ela também é revogada e não apenas “modificada”. Assim, quando uma norma é
alterada, ela não subsiste no sistema com o conteúdo parcialmente alterado. Será
criado novo enunciado ou nova norma jurídica.
O Estado do Espírito Santo publicou a Lei nº 10.568/2016 que concede
benefícios fiscais à diversos setores e segmentos da economia, tais como à indústria
de rochas ornamentais cuja redução de ICMS nas operações internasde forma que a
carga tributária efetiva resulte no percentual de doze por cento conforme alínea “a”
do artigo 7º:
ICMS/ES - Lei nº 10.568 DE 26/07/2016 - Novos Incentivos Fiscais Espírito Santo Institui programa de desenvolvimento e proteção à economia do Estado do Espírito Santo, nas condições que especifica. O Governador do Estado do Espírito Santo Faço saber que a Assembleia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei: Decreta:
284 BRASIL, 1998. 285 BRASIL, 1942. 286 KELSEN,1962, p. 347.
131
Art. 1º Esta Lei estabelece medidas e mecanismos de proteção à economia do Estado, apoiando os setores ou segmentos da economia do Estado, em especial, para garantir a competitividade e a ocupação de espaços no mercado, frente aos benefícios fiscais concedidos por outras unidades federadas. CAPÍTULO I DAS MEDIDAS DO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DO ESTADO E DOS INCENTIVOS VINCULADOS À CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE COMPETITIVIDADE Seção I Do Programa de Incentivo Vinculado à Celebração de Contrato de Competitividade Art. 2º Fica instituído o programa de incentivos vinculados à celebração de Contrato de Competitividade – COMPETE/ES, que funcionará como instrumento de proteção à economia do Estado do Espírito Santo. Parágrafo único. O COMPETE/ES congregará e compatibilizará as ações voltadas para o desenvolvimento do Estado do Espírito Santo, observadas as diretrizes do planejamento governamental. [...] Art. 7º À indústria de rochas ornamentais, nas operações de saídas, poderão ser concedidos os seguintes benefícios: I – redução da base de cálculo do ICMS, nas operações internas com os produtos a seguir relacionados, de forma que a carga tributária efetiva resulte no percentual de: a) doze por cento, nas saídas de chapas polidas, escovadas, jateadas, apicotadas e flameadas; b) dez por cento, nas saídas de pisos e revestimentos; ou c) nove por cento, nas saídas de bancadas, pias, mesas e demais produtos acabados; e287
Suponhamos que posteriormente o Estado do Espírito Santo publique uma
hipotética Lei 10.569 de 13 de dezembro 2016 cuja redação seja a seguinte: “A
alínea “a” do artigo 7º da Lei nº 10.568/2016 fica alterada para 15% de carga
tributária efetiva.”
A teoria tradicional diria que houve derrogação, haja vista revogação parcial
da Lei nº 10.568/2016 com a “modificação” de parte da lei, mais precisamente artigo
7º, alínea “a”.
O autor Austro-húngaro explica que essa equivocada classificação é realizada
em analogia a um objeto físico parcialmente modificado, como por exemplo uma
casa cujas janelas são trocadas, mas que essencialmente permanece o mesmo
objeto. Todavia, esclarece que essa comparação é errônea pois uma norma não
pode ser modificada como um objeto físico.
Ademais, pela aplicação do primado da lex posterior insculpida no caput do
artigo 2º da LINDB “a lei terá vigor até que outra a modifique”. Logo, a lei anterior é
287 BRASIL, 2016.
132
revogada caso haja modificação, ela não subsiste no sistema com conteúdo
parcialmente alterado.
Não se quer dizer que seja impossível atacar apenas um enunciado-
enunciado de uma lei. O ato de fala revogador pode afetar tanto a enunciação-
enunciada quanto o enunciado-enunciado. Entretanto, a norma supostamente
modificada em um de seus enunciados-enunciados é na verdade uma nova norma.
Em outras palavras, essa modificação do exemplo criou nova lei.
A modificação do enunciado-enunciado da Lei nº 10.568/2016 pela lei nº
10.569/2016 não exprime incorporação de enunciado-enunciado inseridos pela lei
posterior à lei nº 10.568/2016. Não é correto dizer que a Lei nº 10.568/2016 continua
válida, com redação dada pela lei nº 10.569/2016.
5.3.3 Repristinação
Ainda no assunto da repristinação, chama-se repristinação o fenômeno pelo
qual há restauração da vigência de uma “lei A” em virtude de “lei B” que a revogou
ter sido revogada por “lei C”. A matéria é regulada no artigo 2º, §3º, da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro:
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. [...] §3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.288
Por exemplo, a revogação da Lei nº 10.569/2016 por uma outra posterior, Lei
nº 10.570 de 04 de maio de 2017 por exemplo, não traz como efeito a repristinação
do enunciado-enunciado revogado da lei nº 10.568/2016.
A revogação é sempre ato de fala deôntico, o qual tem efeitos
perlocucionários de retirar a aplicabilidade do enunciado prescritivo para os casos
posteriores que o ato proposicional faz referência.
Pela análise feita, é fácil perceber que a repristinação é um mito, pois sequer
é possível revogar ato de fala revogador. Isso porque, o ato revogador após cumprir
seus desígnios tornar-se um sem-sentido deôntico, já que o fato nele descrito não
ocorrerá. Logo, não há que se falar em revogação da revogação.
288 BRASIL, 1942.
133
Nada obsta que legislador ao revogar a lei revogadora acrescente que se
restaura a vigência da lei revogada. Nesse caso, ter-se-á a falsa impressão de que a
norma revogada teve restaurada sua aplicação, vigência e validade, quando na
verdade surgiu uma nova norma com os mesmos enunciados da anterior.
A Lei 10.569 de 13 de dezembro 2016, ao fazer menção à Lei nº 10.568/2016
insere novamente os mesmos enunciados-enunciados dela com exceção do
enunciado-enunciado revogado.
Apesar dos enunciados-enunciados serem os mesmos, a enunciação da
norma que “restaura” a lei revogada se deu em momento diferente, de maneira que
pode se falar em duas enunciações-enunciadas também distintas. Logo, sob essas
premissas a expressão “repristinação” instaura nova enunciação-enunciada.
Voltando ao exemplo do benéfico fiscal de ICMS segue-se linha do tempo
com o fito de iluminar o assunto:
t1 t2 t3 t4
26/07/2016
13/12/2016
04/05/2017
01/01/2018
Lei nº 10.568 Lei nº 10.569 Lei nº 10.570 Lei nº 10.570
12% de ICMS 15% de ICMS 12% de ICMS 12% de ICMS
Pela linha do tempo acima, não se pode falar em “restauração” da Lei nº
10.568 de 26/07/2016, pois no período que compreende o ato de fala revogador da
Lei nº 10.569 de 13/12/2016 (t2) e o ato de fala da “repristinação” pela Lei nº 10.570
de 04/05/2017 (t3), a carga tributária de 12% não será aplicada.
Em suma, ainda que enunciados–enunciados (alíquota de 12%) da Lei nº
10.570/2017 e da Lei nº 10.568/2016 sejam semelhantes, cria-se nova norma, pois
houve nova enunciação-enunciada.
5.4 Revogação e indeterminação do sistema
Para encerrar o capítulo, importa dizer que a revogação de um enunciado
prescritivo impossibilita construção das normas jurídicas que poderiam ser
produzidas no sistema normativo. Assim, assevera Tárek Moysés Moussallem:
134
A afirmação de que o obiectum affectum da revogação é o enunciado prescritivo traz ínsita em si a assertiva de que, ao atingir o enunciado prescritivo, a revogação altera a norma jurídica em sentido estrito cujo enunciado revogado figurou como um dos elementos integradores do sentido que ela é289.
Para retirar uma norma jurídica em sentido estrito do sistema, deve o
legislador inafastavelmente repelir o enunciado prescritivo que dá suporte a essa
norma. O ato de fala revogador atinge apenas mediatamente as normas jurídicas
nos planos S2 (sentido amplo) e S3 (sentido estrito). Parte-se do enunciado para
atingir a norma, e não o contrário.
Se hipoteticamente retirar apenas um dos sentidos da norma e mantiver os
enunciados prescritivos no sistema, a mesma norma jurídica poderá ser construída
novamente com base nos mesmos enunciados.
Ocorre que se o objetivo é atingir uma significação da norma em sentido
estrito, haverá dificuldade em saber quais dos enunciados prescritivos devem ser
afastados do sistema, podendo com isso criar indeterminação lógica no sistema por
possibilitar a coexistência de dois sistemas distintos.
Tárek Moysés Moussallem290 acredita que existe uma assimetria entre os atos
de promulgação e revogação das normas. A promulgação de uma norma, ao
contrário da revogação, não é responsável por criar indeterminação lógica no
sistema.
Portanto, ainda que a revogação se dê sobre um enunciado prescritivo para
atingir uma norma jurídica torna-se difícil precisar quais normas saíram e quais
permaneceram no sistema.
289 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2011, p. 237. 290 Ibid, p. 243.
135
CAPÍTULO VI – ANULAÇÃODE BENEFÍCIOS FISCAIS
6.1 Definição do conceito de anulação
Definiremos anulação como a maneira de o direito positivo controlar o produto
da enunciação. Dirige-se ao defeito de produção da norma, de sorte a verificar se o
emissor do ato de fala deôntico preencheu as condições normativamente
estabelecidas para sua correta enunciação. Trata-se, destarte, de um controle de
regularidade das normas produzidas.
Nesse passo, a função da anulação é preservar uma determinada vontade
normativa e impedir mudanças do sistema que vão de encontro a tais normas.
Não se pode confundir anulação com revogação. A revogação visa a
mudança da regulamentação de certa conduta, sem que se ingresse no âmbito da
enunciação ter ocorrido conforme as regras da produção normativa. Essa mudança
de regulação de condutas é fruto de decisão política emanada do poder legislativo.
A anulação, por outro lado, é oriunda de decisão jurisdicional de modo que
pode também ser chamada de revogação-judiciária291. Para tanto, aplica-se o
princípio da preferência de norma superior sobre a norma inferior, enquanto na
revogação-legislativa o princípio aplicado é o da norma posterior contra a anterior.
De acordo com Paulo de Barros Carvalho292, o ato jurídico administrativo
poderá ser retirado do ordenamento jurídico por meio da revogação e da anulação.
A revogação é o desfazimento do ato por motivo de conveniência ou oportunidade
da Administração e a anulação é a invalidação de ato administrativo em virtude de
ilegalidade. Para o autor, a revogação apenas poderá ser feita pela própria
Administração, enquanto a anulação realizar-se-á pela Administração ou pelo
Judiciário293.
Não trabalharemos anulação no sentido de invalidação, haja vista os
problemas de linguagem relacionados à palavra “validade”. Como visto alhures,
também não nos ativemos à questão da revogação levando-se conta “conveniência
e oportunidade”.
291 GUASTINI, Ricardo. Teoria e dogmática dele fonti. Milano: Giuffrè, 1998, p. 200. 292 CARVALHO, 2015, p. 461. 293 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 171-172.
136
O enfoque dado ao vocábulo anulação estará restrito ao controle exercido
pelo poder judiciário, de maneira que a expressão deve ser lida como “anulação-
poder judiciário”, de forma a controlar o produto da enunciação por consequência de
defeito de produção normativa.
Não se deve distinguir anulação e revogação a partir dos efeitos que
produzem no sistema normativo. Isso seria inversão do efeito pela causa. De todo
modo, cabe dizer que a revogação opera com efeitos ex nunc enquanto a anulação
pode ter tanto efeitos ex nunc quanto extunc.
Por esse raciocínio, torna-se possível a anulação de norma anteriormente
revogada, por meio da declaração de inconstitucionalidade da norma revogada. Isso
porque apesar de revogada (efeitos ex nunc) a norma continua sendo aplicável aos
acontecimentos sob seu intervalo de subsunção. Essa possibilidade de se anular
norma revogada confirma a diferença entre revogação e anulação.
O enunciado objeto do ato de fala revogador, inicialmente, tem sua aplicação
retirada somente para os casos futuros. Dessa forma, continua válido, vigente e
aplicável aos fatos ocorridos sob seu intervalo de subsunção. Apenas após
encerrado o intervalo de vigência e o intervalo de validade a norma é definitivamente
expulsa do sistema.
Por isso não se coaduna com a teoria defensora de uma revogação que
ataque em primeiro plano a validade294 ou a vigência295 da norma. Essa teoria
levaria à impossibilidade do controle de constitucionalidade das normas revogadas,
o qual afirma-se como possível.
Assim, para que os efeitos da aplicação da norma revogada inconstitucional
sejam afastados é necessário o estabelecimento da inconstitucionalidade de forma
autêntica e que seja retirado da norma o derradeiro restante de vigor que ela
conserva.
Suponhamos que uma “Lei A”, publicada em 04/05/2015, tenha instituído
benefício fiscal e foi revogada expressamente por uma “Lei B” editada pelo
legislativo e publicada em 30/06/2016.
Não há óbice de se declarar a inconstitucionalidade da “Lei A” em 15/11/2016.
Isso ocorre, pois, a “Lei A”, quando da revogação pela “Lei B”, perdeu apenas sua
aplicação para os casos ocorridos após a vigência da regra revogadora, mantendo
294 BULYGIN, 1991, p. 210. 295 CARVALHO. Direito tributário, 2009, p. 79.
137
sua validade, vigência e aplicação para os fatos ocorridos no período entre os dias
04/05/2015 e 30/06/2016 (intervalo de subsunção).
Uma vez declarada inconstitucional (sem modulação de efeitos) a “Lei A” em
15/11/2016, seria impossível sua aplicação para os fatos ocorridos em seu intervalo
de subsunção, pois não se pode criar enunciação-enunciada com data posterior a
15/11/2016 cujo enunciado-enunciado contemple fato ocorrido entre 04/05/2015 e
30/06/2016.
Agora, quando passar o tempo juridicamente possível de sua aplicação para
os casos ocorridos em seu intervalo de subsunção, a “Lei A” perde a validade e a
vigência, tornando-se despicienda sua declaração de inconstitucionalidade, por
exemplo, no dia 01/01/2017.
Já houve entendimento da Suprema Corte296 no sentido de ser cabível o
controle de constitucionalidade de lei revogada. Entretanto, o posicionamento atual
do Supremo Tribunal Federal297 vai no sentido de considerar inadmissível a
propositura de ação direta de inconstitucionalidade contra lei ou ato normativo já
revogado.
6.2 Declaração de inconstitucionalidade de benefício fiscal e efeito
repristinatório
Em caso de declaração de inconstitucionalidade de um enunciado, julgados298
do Pretório Excelso assinalam para a possibilidade do enunciado anterior ter sua
vigência restaurada no que denominam de “efeito repristinatório” do controle de
constitucionalidade.
A QUESTÃO DA EFICÁCIA REPRISTINATÓRIA DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE "IN ABSTRACTO". - A declaração final de inconstitucionalidade, quando proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de fiscalização normativa abstrata, importa - considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente - em restauração das normas estatais anteriormente revogadas pelo diploma normativo objeto do juízo de inconstitucionalidade, eis que o ato inconstitucional, por ser juridicamente
296 Cf. Rp nº 876, Min. Bilac Pinto. Julgado em: 05/04/1973; RP nº 974, Rel. Min. Cordeiro Guerra. Julgado em: 01/09/1977; Rp nº 1.161, Mil. Rel. Neri da Silveira. Julgado em: 14/06/1984. 297 Cf. ADIn nº 709, Rel. Min. Paulo Brossard. Julgado em: 07/10/1992; ADIn nº 262, Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em: 18/04/1990; ADIn nº 712, Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em: 07/10/1992. 298 Cf. ADIn nº 3.148, Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em: 14/08/2008; ADIn nº 2.215/PE, Rel. Min. Celso de Mello; e ADIn nº 2.224/DF, Rel. Min. Néri Da Silveira. Julgado em: 30/05/2001.
138
inválido (RTJ 146/461-462), sequer possui eficácia derrogatória. Doutrina. Precedentes (STF)299.
Tal efeito seria justificado pelo “princípio da nulidade do ato inconstitucional”,
embasado no fato de que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade seria
declaratória, ou seja, apenas reconheceria determinada situação, no caso, a
nulidade.Com isso, a norma que nasce nula (declarada inconstitucional) não poderia
revogar a anterior.
Entretanto, os julgados pautados nessa linha de raciocínio são incompatíveis
com o entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal de que lei revogada não
pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade. Ora, se a Suprema Corte
afiança que o direito revogado deixa de ser “direito” para eventual propositura de
ação direta de inconstitucionalidade, também deveria deixar de ser “direito” no que
tange à “repristinação”.
Sob as premissas seguidas no presente trabalho, afirma-se com convicção
que a declaração de inconstitucionalidade de uma norma não tem o condão de fazer
com que a norma anterior volte a ser aplicada.
Como já dito, o que se chama de “repristinação” na verdade é nova
enunciação-enunciada emanada pelo poder legislativo que insere enunciados-
enunciados semelhantes aos da norma revogada. Não há restauração de norma
anterior, há nova norma.
Com efeito, aceitar a “repristinação” da norma outrora revogada é autorizar o
Supremo Tribunal Federal inserir nova norma no sistema com os mesmos
enunciados da norma revogada. A restauração da norma é apenas aparente.
Concordamos com Hans Kelsen300 quando afirma que não é
terminologicamente exato falar em norma nula no sentido de inexistente. Haveria,
em rigor, anulabilidade, sob as formas estabelecidas pelo sistema, mediante
procedimento normativamente estruturado para desconstituir a norma impugnável.
Se a enunciação foi infeliz não há que se falar que a norma nasceu nula na espécie
do inexistente.
Por isso, não há propriamente “declaração” de inconstitucionalidade, na
medida em que defendemos a tese de que a linguagem da decisão judicial é
constitutiva de nova realidade jurídica (ou desconstitutiva da norma defeituosa no
299 Cf. ADIn nº 2.867/ES, Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em: 03/12/2003. 300 KELSEN, Hans.Teoria pura do direito. 5. ed. trad.: J. Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 304.
139
percurso procedimental) e não meramente declaratória de algo que sempre foi
inconstitucional.
A declaração de inconstitucionalidade insere no sistema norma concreta e
geral301 cujo antecedente normativo é o fato jurídico, “enunciado protocolar,
denotativo, relatando evento pretérito no sistema que se consolidou numa unidade
de tempo e num ponto do espaço social”302.
Paulo De Barros Carvalho303, ao tratar do problema sobre ser declaratório ou
constitutivo o lançamento, esclarece que tudo depende do sistema de referência
adotado, de modo que as proposições teoréticas devem guardar coerência com as
premissas eleitas.
No caso, o autor leciona acerca do fato jurídico tributário, mas que serve
perfeitamente para compreender sobre o fato jurídico do antecedente da norma
emanada pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade:
Meditemos sobre a construção desse segmento de linguagem. Seu conteúdo semântico será o relato de um evento do passado, devidamente caracterizado no tempo e no espaço. Dizendo de outro modo, o enunciado de que tratamos declara ter ocorrido uma alteração no plano físico-social. Nesse sentido, vale dizer que o fato jurídico tributário tem caráter declaratório. Aí está o motivo pelo qual se aplica ao fato a legislação em vigor no momento em que o evento ocorreu. Entretanto, não podemos esquecer que o relato do acontecimento pretérito é exatamente o modo como se constitui o fato, como essa entidade aparece e é recebida no recinto do direito, o que nos autoriza a proclamá-lo como constitutivo do evento que, sem esse relato, quedaria à margem do universo jurídico. Por outros torneios, o enunciado projeta-se para o passado, recolhe o evento e, ao descrevê-lo, constitui-se como fato jurídico tributário.304
Com a publicação da decisão do Supremo Tribunal Federal em controle
abstrato de constitucionalidade, cria-se enunciado-enunciado cujo ato ilocucionário é
a anulação do enunciado inconstitucional, e terá como consequência a
impossibilidade de aplicação do enunciado anulado (efeito perlocucionário).
Voltemos ao exemplo anterior da “Lei A”, instituidora de benefício fiscal,
publicada em 04/05/2015 e revogada expressamente pela “Lei B” em 30/06/2016. Se
em 15/11/2016, o STF declara a inconstitucionalidade da “Lei B”, a “Lei A” não volta
a ser aplicável, ou seja, os contribuintes não poderão (ou pelo menos não deveriam)
301LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária: decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 181. 302 CARVALHO. Curso de direito tributário, 2010, p. 439. 303 Ibid., p. 439-440. 304 Id.
140
gozar de benefício fiscal com fundamento na “Lei A” pelo fato da “Lei B” ter sido
declarada inconstitucional.
Tárek Moysés Moussallem305 defende que a ação direta de
inconstitucionalidade não retira a validade da norma, mas apenas impede sua
aplicação para os fatos ocorridos após a inconstitucionalidade ser “declarada”, bem
como para casos ocorridos no seu intervalo de subsunção.
Assim, discorda-se dos que acreditam que a decisão em sede de ADin
retiraria a validade e a vigência da norma impugnada desde o nascimento. Mesmo
respeitados doutrinadores, como Luiz Roberto Barroso, que defendem a decisão de
inconstitucionalidade atacar a validade, intuitivamente destacam que o ponto nodal
se projeta para o campo da aplicação.
Suponha-se que a Assembleia Legislativa de um Estado da federação aprove um projeto de lei definindo um tipo penal específico de “pichação de bem público”, cominando pena de detenção. No momento em que o governador do Estado sancionar o projeto aprovado, a lei passará a existir. A partir de sua publicação no Diário Oficial, ela estará em vigor e será, em tese, eficaz. Mas a lei é inválida, porque flagrantemente inconstitucional: os Estados-membros não podem legislar sobre direito penal (CF, art. 22, I). Tal circunstância deverá ser reconhecida por juízes e tribunais, que, diante da invalidade da norma, deverão negar-lhe aplicação e eficácia”.306
Gilmar Ferreira Mendes, embora firme no pressuposto de que “a lei declarada
inconstitucional sem ressalvas é considerada, independentemente de qualquer outro
ato, nula ipso iure e extunc”307, vislumbra o fenômeno por um prisma menos austero,
e defende que o “dogma da nulidade não constitui postulado lógico-jurídico de índole
obrigatória, comportando soluções intermediárias, nos termos consagrados pelo
ordenamento jurídico”308, isso em virtude de “razões de segurança jurídica” que
podem obstar a revisão, extunc, do ato praticado com base na lei declarada
inconstitucional309.
Percebendo que o problema não está na análise da validade, José Afonso da
Silva310 destaca, mencionando Themístocles Brandão Cavalcanti, que toda a
305 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2011, p. 251. 306 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 107. (grifo nosso) 307 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 253 308 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 19. 309 MENDES, op. cit., p. 261. 310 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 53.
141
problemática verificada quanto às modalidades de controle de constitucionalidade
das normas jurídicas, não reside no plano da validade, mas, sim, no da eficácia,
mais precisamente dos efeitos produzidos pela norma declarada inconstitucional.
Há uma incoerência em se falar em efeitos extunc das decisões de
inconstitucionalidade no sentido de que a norma nunca tivesse existido no sistema e
nem produzido efeitos, quando na verdade produziram, afinal, as normas individuais
e concretas inseridas no sistema fundadas na norma quando ainda não teve a
inconstitucionalidade decretada geraram efeitos e são válidas no sistema.
Não é porque uma norma concessória de benefício fiscal foi declarada
inconstitucional que o contribuinte automaticamente deverá devolver o valor do
tributo não pago ou pago a menor. Para tanto, é preciso nova linguagem jurídica
emanada por autoridade competente e seguindo procedimento legal respeitados os
prazos impostos pelo sistema.
Em suma, após a decretação da inconstitucionalidade (15/11/2016) nenhuma
enunciação-enunciada poderá surgir no sistema para inserir novos enunciados-
enunciados, seja a respeito de fatos anteriores ou posteriores à data da decretação,
mas isso não quer dizer que a norma anteriormente revogada é restaurada no
sistema pelo fato da norma revogadora ter sido “declarada inconstitucional”. O que
ocorre é o fatoda norma jurídica inserida pelo veículo introdutor “Acórdão em sede
de ADIN” colocar novos enunciados-enunciados no sistema idênticos aos
enunciados da norma outrora revogada. Tal norma emanada pelo STF não afeta
automaticamente as normas individuais produzidas quando a lei ainda não tinha sido
“declarada” inconstitucional.
6.3 Controle Abstrato de Constitucionalidade
A origem do controle concentrado311 de constitucionalidade remonta ao
período de Hans Kelsen312, cuja publicação da obra Teoria Pura do Direito teve
profunda influência. Como consequência da inovação teórica a respeito da norma
hipotética fundamental o autor trata da estrutura escalonada da ordem jurídica.
311 Concentrado, pois esse modelo de controle é estendido a um órgão específico, detentor do monopólio do controle de constitucionalidade das leis. 312 KELSEN. Teoria pura do direito, 1997.
142
A norma hipotética fundamental é o ato instaurador da ordem jurídica e dá
objetividade e validade à Constituição, mas deve ser pressuposta313, por que precisa
existir uma finitude no ato fundador de uma ordem jurídica, sob pena de tal
investigação resvalar no interminável.
Todas as normas que buscam fundamento de validade numa norma
fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma
hipotética fundamental pode ser designada como constituição do ordenamento no
sentido lógico jurídico, diferente da Constituição em sentido jurídico positivo.
Como consequência do raciocínio da norma hipotética fundamental, Hans
Kelsen trata da estrutura escalonada da ordem jurídica. A norma hipotética
fundamental é o ato instaurador da ordem jurídica e é responsável por dar
objetividade e validade à Constituição, essa última posta no topo do ordenamento
jurídico.
A partir da Constituição Federal passa-se também a levar em conta o
conteúdo da norma, já que ela é posta e não pressuposta. Vê-se que uma norma
superior regula a norma inferior mediante procedimento próprio e autoridade
competente, e assim sucessivamente. Nesse processo de positivação escalonada
chegam-se às decisões judiciais, normas que também são atos criadores de direito
para Hans Kelsen.
O professor austro-húngaro defendeu a ideia de um tribunal constitucional
para realizar o controle concentrado de constitucionalidade de normas abstratas.
Nesse controle, apesar das discussões doutrinárias a respeito da nulidade ou
anulabilidade da norma, acreditamos que o exame da aplicação normativa é
propriamente mais relevante.
O controle abstrato de constitucionalidade está disciplinado no artigo 102,
inciso I, alínea “a” da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB de
1988, cuja competência para julgamento é do Supremo Tribunal Federal. No plano
infraconstitucional a matéria é regida pela Lei nº 9.868/99.
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente:
313 Se ela fosse posta, seria conduzida a outra norma anterior que lhe deu fundamento de validade, e isso levaria ao infinito se toda norma que desse fundamento de validade fosse posta.
143
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;314
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal integra o ápice do organograma do
poder judiciário:
Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal315.
A Constituição Federal prevê vários mecanismos de controle abstrato de
constitucionalidade: Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI, Ação Declaratória de
Constitucionalidade - ADC, Arguição De Descumprimento De Preceito Fundamental
– ADPF, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Ação Direta Interventiva.
Por questões metodológicas, nesse trabalho trataremos mais detalhadamente
da Ação Direta de Inconstitucionalidade, haja vista a pertinência ao tema dos
benefícios fiscais, muito embora reconheçamos que o advento do novo Código de
Processo Civil, instituído pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, tenha trazido
novas prescrições sobre os precedentes vinculantes cujo rol está encartado no
artigo 927.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade - Adin é a ação proposta para declarar
inconstitucional lei316 ou ato normativo federal ou estadual contestados em face da
Constituição, tais como: Emenda Constitucional, Lei Complementar, Lei Ordinária,
Decreto Legislativo, Medida Provisória, Decreto, Resoluções de Tribunais,
Regimento Interno de Tribunal, Regimento Interno do Senado, Câmara e Congresso
Nacional, Súmula Vinculante.
Diz-se que é possível ainda mediante Adin afastar apenas uma variante
interpretativa da norma jurídica por meio da arguição de nulidade sem redução de
314 BRASIL, 1999. 315 Id. 316 As leis e atos normativos municipais são objeto apenas no controle difuso, ou por via de arguição de descumprimento de preceito fundamental.
144
texto317, como também seria possível estabelecer uma ou algumas interpretações
como constitucionais por meio da interpretação conforme a constituição318.
Discordamos desse entendimento. O objeto do controle concentrado são os
enunciados-enunciados319, apenas mediatamente pode se atingir a norma jurídica
em sentido estrito. A anulação de norma jurídica deve atingir o enunciado prescritivo,
caso contrário, tentar afastar apenas um dos sentidos da norma e manter os
enunciados prescritivos no sistema que lhe dão suporte, a mesma norma jurídica
poderá ser construída novamente com base nos mesmos enunciados.320
A anulação não é função da norma em sentido estrito, mas de enunciado-
enunciado. E o ato de fala revogador da decisão do STF deve atingir primeiramente
o enunciado prescritivo e não a norma jurídica.
Ademais, quando uma norma é alterada ou modificada, ela não subsiste no
sistema com o conteúdo parcialmente alterada. Será criado novo enunciado ou nova
norma jurídica. Assim, na declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto
e na interpretação conforme a Constituição, o Supremo Tribunal Federal insere
novos enunciados-enunciados no sistema jurídico por meio da enunciação-
enunciada, os quais devem ser obedecidos pelo Poder Judiciário e pela
Administração Pública.
Novas normas só poderão ser construídas a partir dos enunciados-
enunciados estabelecidos pelo STF em controle abstrato.
317 Na nulidade sem redução de texto, o STF declararia a inconstitucionalidade apenas daquela interpretação da norma jurídica que não guardar consonância com a Constituição e manteria as outras constitucionais. Nesse sentido: MENDES. Jurisdição constitucional, 2004, p. 313-316. 318 Se das interpretações cabíveis a partir da interpretação da norma jurídica uma delas estiver em consonância com a Constituição, o STF prescreveria aquela significação como possível de ser aplicada pelos órgãos competentes. Nesse sentido, afirma Gilmar Mendes: “Há muito vale-se o Supremo Tribunal Federal da interpretação conforme à Constituição. Essa variante de decisão não prepara maiores embaraços no âmbito do controle incidental de normas, uma vez que aqui o Tribunal profere uma decisão sobre um caso concreto que vincula apenas as partes envolvidas. A interpretação conforme à Constituição passou a ser utilizada, igualmente, no âmbito do controle abstrato de normas. Consoante a prática vigente, limita-se o Tribunal a declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado em conformidade com a Constituição. O resultado da interpretação, normalmente, é incorporado, de forma resumida, na parte dispositiva da decisão”. (MENDES, op. cit., p. 317). 319 Cf. Capítulo 06 deste trabalho: “O enunciado-enunciado é o produto da enunciação, envolve aquilo que comumente se chama de comando normativo prima facie, a ordem dada ao destinatário”. 320 Outro problema é quando se afastam determinados enunciados-enunciados para impedir a construção de uma norma jurídica, mas essa mesma norma jurídica pode ser construída a partir de outros enunciados não declarados inconstitucionais. Robson Maia Lins exemplifica o caso da Lei nº 9.494/97 declarada constitucional pela ADC nº 4 que estabelecia a proibição de concessão de liminares contra a Fazenda Pública que importasse despesa imediata. Não obstante, diversas decisões. Inclusive do STJ, vinham concedendo liminares com base em outros enunciados prescritivos contidos na Constituição Federal. (LINS, 2005, p. 149).
145
Nesses termos, o ato de fala deôntico no controle de abstrato de
constitucionalidade tem como efeito atingir a aplicação dos enunciados prescritivos e
a nova norma positivada pelo Supremo Tribunal Federal deverá ser respeitada tanto
pelo Poder Judiciário de instâncias inferiores quanto pela Administração Pública.
6.4 Declaração de inconstitucionalidade sem modulação de efeitos,Guerra
Fiscal321 e as normas gerais e abstratas e individuais e concretas
Quando o Supremo Tribunal Federal profere decisão pela
inconstitucionalidade de lei em controle concentrado de constitucionalidade sem
modulação de efeitos, fala-se em efeitos vinculantes, erga omnes e retroativos
(extunc) até a data de nascimento da norma.
Do ponto de vista sintático, o efeito vinculante322 é a norma primária geral e
abstrata que estabelece, diante da declaração de inconstitucionalidade, a proibição
do Estado-Administração e do próprio Estado-juiz de instâncias inferiores realizar
enunciação-enunciada para inserir norma individual e concreta com base nos
enunciados-enunciados declarados inconstitucionais.
Percebe-se de um lado o dever jurídico (vinculante) do Estado-Administração
e do próprio Poder Judiciário de instâncias inferiores de não aplicar a norma
declarada inconstitucional, bem como o direito subjetivo de todos os administrados
de não terem contra si aplicada tal norma.
Esse direito subjetivo é o efeito erga omnes da decisão declaratória de
inconstitucionalidade que confere a todos o direito de não suportar a incidência da
norma inconstitucional.323
O descumprimento de tal norma enseja, inclusive, sanção por
descumprimento de dever funcional, bem como a possibilidade de ingresso no STF
321 Tem-se denominado de “guerra fiscal” a disputa travada entre as pessoas de direito constitucional interno para atrair investimentos dos particulares. TOMÉ, Fabiana Del Padre. Utilização de incentivos fiscais como forma de planejamento tributário e implicações no crédito fiscal. In: HENARES NETO, Halley; MAIA LINS, Robson; FROTA, Rodrigo Antonio da Rocha. (Org.). Contencioso tributário e administrativo judicial. São Paulo: Noeses, 2015, p. 117-137. 322 §2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). 323 LINS, 2005, p. 156.
146
com reclamação324 para que se aplique norma secundária com a finalidade de
garantir a autoridade de suas decisões.
Sobre a retroação dos efeitos extunc, entendemos que não retroagem porque
a decisão supostamente atacaria a validade da norma declarada inconstitucional,
mas porque atinge a aplicação. As enunciações-enunciadas anteriores à decretação
de inconstitucionalidade podem ter os efeitos de sua aplicação anulados, desde que
observados os prazos e procedimentos estabelecidos pelo sistema.
Algumas situações já consolidadas no tempo não serão atingidas pela
declaração de inconstitucionalidade sem modulação de efeitos. Segue-se
exemplo325 a respeito da Guerra Fiscal de ICMS entre os estados da federação nos
casos de benefícios fiscais.
Diversas leis estaduais326 têm sido objeto de ação declaratória de
inconstitucionalidade por violarem o artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, alínea “g”, da
Constituição Federal de 1988. O dispositivo remete à Lei Complementar nº 24/1975,
cujo artigo 2º, §2º estabelece que somente decisão unânime327 do Conselho
Nacional de Política Fazendária (Confaz) pode autorizar Estados a conceder
benefícios fiscais.
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: XII - cabe à lei complementar: [...]
324 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: [...] l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões; 325 Preferimos um exemplo a escolher um caso concreto, pois apesar de serem várias as ADIs propostas contra leis estaduais concedentes de benefícios fiscais, o objetivo da análise está na anulação de uma norma jurídica e seus efeitos. Um caso sob análise próximo ao exemplo acima é o da PRODEPE - Programa de Desenvolvimento do Estado de Pernambuco, cuja Lei nº 11.675 foi publicada em 11 de outubro de 1999, mas em 20/02/2015 teve contra si ADI nº 5.244 proposta perante o STF e ainda em fase de julgamento. 326ADI nº 5.244-PE – inconstitucionalidade de disposições legais da Lei do Estado de Pernambuco nº 11.675/1999; ADI nº 4.481-PR – inconstitucionalidade de disposições legais da Lei do Estado do Paraná nº 14.985/2006; ADI nº 1247-9-PA – inconstitucionalidade de disposição legal da Lei do Estado do Pará nº 5.780/1993; ADI nº 4.276-MT – inconstitucionalidade de disposições legais da Lei Complementar do Estado do Mato Grosso nº 358/2009. 327 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 198/DF pede a declaração de inconstitucionalidade do § 2º do art. 2º e do caput do art. 4º da Lei complementar nº 24/75, que são justamente os dispositivos que tratam da unanimidade para deliberação do Confaz. A ADPF é o meio adequado de controle concentrado para aferir a compatibilidade de atos normativos anteriores a 1988 com a atual Carta Política.
147
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados328. ______________________________________________________________ Lei Complementar nº 24/1975 Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei. Art. 2º - Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal. [...] § 2º - A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes329.
Suponha uma “Lei A” do Estado do Espírito Santo (promulgada e publicada
em 01/01/2000) instituidora de benefício fiscal (norma geral e abstrata) de ICMS
condicionado e a prazo certo. Preenchidas as condicionantes pelo contribuinte, a lei
o garante usufruir do benefício fiscal pelo prazo de 10 anos.
Imagine-se que o contribuinte preencheu os requisitos e a autoridade
competente proferiu despacho administrativo, nos termos do artigo 179 do Código
Tributário Nacional330, concedendo o benefício fiscal (norma individual e concreta)
de fevereiro de 2000 a fevereiro de 2010.
Pois bem. Em dezembro de 2011 a “Lei A” foi declarada inconstitucional pelo
Supremo Tribunal Federal sem modulação de efeitos por não ter sido concedida
com autorização do Confaz. O Poder Público poderia desconstituir os efeitos da “Lei
A” até quando? Como se daria a exigência retroativa do tributo não pago ou pago a
menor?
Sem adentrar no tema da prescrição e decadência, o prazo para o poder
público constituir o crédito tributário é de cincos anos. Dessa forma, os tributos não
recolhidos ou recolhidos a menor pelo contribuinte, anteriores a dezembro de 2006
328 BRASIL, 1988. 329 BRASIL. Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975. Dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, e dá outras providências. D.O. de 09/01/1975, p. 345. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp24.htm>. Acesso em: 27 set. 2017 330 Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão. (BRASIL, 1966).
148
não poderão ser cobrados pelo fisco pela decadência do direito de lançar. Dessa
forma, são válidos e vigentes apesar da posterior declaração de
inconstitucionalidade.
Os chamados efeitos extunc não atingem a norma desde o nascimento, o que
demonstra que o problema não está na validade, mas na aplicação. Seria incoerente
defender que a anulação ataca a validade para ao depois aceitar que não poderia
desconstituir as normas derivadas daquela lei.
Quanto ao período compreendido entre dezembro de 2006 e dezembro de
2011, poderia o poder público simplesmente realizar o lançamento tributário e exigir
o pagamento do tributo? Nossa resposta é negativa.
Como dito no capítulo anterior, os benefícios fiscais concedidos mediante
condições e a prazo certo necessitam de produção de norma individual, de sorte que
a “declaração” de inconstitucionalidade da “Lei A” (norma geral e abstrata) não
atinge a norma individual e concreta inserida pelo veículo introdutor despacho
administrativo, que por se tratar de um ato jurídico perfeito331 torna imutável a
relação jurídica concreta do sujeito beneficiado com o fisco.
Nada impede, contudo que o fisco proponha alguma medida judicial para
tentar desconstituir tal norma individual e concreta. O que se quer enfatizar aqui é a
necessidade de nova linguagem competente para afetar essa relação concreta, que
não foi desfeita pela simples declaração de inconstitucionalidade da “Lei A”.
Essa linguagem deve ser produzida por órgão desinteressado. O contribuinte
tem norma individual e concreta assegurando-lhe benefício fiscal, não poderia o
próprio ente concedente anular tal norma e criar nova norma por meio de
lançamento sob a alegação de que o STF declarou uma norma geral e abstrata
inconstitucional.
É preciso avaliar a decisão do STF e verificar se ela realmente se adequa ao
caso do contribuinte, de tal modo que não poderia ser o próprio ente estatal que faria
essa interpretação. Por isso é necessário que o caso seja levado ao Poder Judiciário
para que o mesmo produza nova norma que resolva o conflito. Não é função das
normas em conflito revogar umas às outras, a solução será dada por uma terceira
331 Ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada são nomes diferentes conferidos a veículos introdutores de normas jurídicas cujos respectivos enunciados-enunciados inseridos no sistema criam normas individuais e concretas garantindo a um dos sujeitos da relação direitos subjetivos que não podem mais ser desfeitos por novas normas introduzidas no sistema.
149
norma (norma de sobrenível), nesse caso, criada pelo poder judiciário para
estabelecer qual norma deve prevalecer.
Em suma, a declaração atinge a aplicação e não a validade, logo, não há
qualquer óbice em reconhecer que diversas normas foram produzidas com base em
norma posteriormente inconstitucional sem modulação de efeitos, uma vez que
durante o período do seu intervalo de subsunção em que ainda não fora constituída
a inconstitucionalidade a situação se consolidou e as normas individuais produzidas
continuaram válidas e vigentes no sistema. Outras normas produzidas poderiam ser
rediscutidas desde que sobre elas não se reconheça o ato jurídico perfeito e o direito
adquirido, como nos casos de benefícios fiscais concedidos a prazo certo e sob
determinadas condições.
6.5 Coisa julgada, ação rescisória e benefício fiscal
E para os casos em que o contribuinte conseguiu decisão judicial transitada
em julgado para usufruir de benefício fiscal cuja lei posteriormente foi declarada
inconstitucional? O problema é parecido, pois a decisão judicial também é norma
individual e concreta e não foi imediatamente afetada pela declaração de
(in)constitucionalidade. Entretanto, com o advento do novo Código de Processo
Civil, novas situações poderão surgir e demandam uma reflexão mais aprofundada.
Suponha que um contribuinte tenha precisado propor medida judicial para
obter isenção de imposto de renda, indeferida administrativamente, com base em
“Lei A”. Após os trâmites processuais, o contribuinte obtém êxito em todas as
instâncias e a decisão transita em julgado. Alguns anos depois o Supremo Tribunal
Federal em controle abstrato declara a inconstitucionalidade da “Lei A”. Nesse caso,
o fisco teria o prazo de dois anos para propor ação rescisória contra a decisão
transitada em julgado nos termos do artigo 535, §8º, do Código de Processo Civil?
De início, importante conceituarmos o que entendemos por coisa julgada,
expressão que padece do vício da ambiguidade. De acordo com Robson Maia
Lins332, ao menos quatro significados podem ser atribuídos à expressão: i) norma
geral e abstrata, ii) relação jurídica, iii) direito subjetivo e iv) dever jurídico.
332 LINS, 2005, p. 189.
150
A norma geral e abstrata coisa julgada pode ser construída a partir do artigo
5º, inciso XXXVI333, bem como do artigo 502 e seguintes do Código de Processo
Civil334: Se houver decisão de mérito não mais sujeita a recurso, deve ser a
imutabilidade da norma inserida pelo poder judiciário.
Essa norma geral e abstrata tem em seu consequente uma relação jurídica
em sentido amplo, também denominada coisa julgada. A expressão “relação
jurídica” também padece do vício da ambiguidade, de maneira que utilizamos da
diferenciação empregada por Lourival Vilanova335 em “relação jurídica em sentido
estrito” e “relação jurídica em sentido amplo”.
Relação jurídica em sentido amplo são todas aquelas relações possíveis para
a combinação da multiplicidade de sujeitos, normas, fatos, efeitos que compõem o
fenômeno jurídico. A relação jurídica em sentido estrito, por sua vez, é aquela
relação concreta e individual que se dá entre dois sujeitos de direito em razão da
ocorrência de determinado fato jurídico. Os entes lógicos da relação jurídica em
sentido estrito são: sujeitos ativo e passivo, prestação, direito subjetivo e dever
jurídico.
Na norma geral e abstrata ainda não há relação jurídica em sentido estrito,
nela se encontram somente os critérios para identificá-la. O consequente da norma
jurídica opera como limite semântico a demarcar a extensão conceitual da relação
jurídica.
As relações jurídicas, levando-se em conta as características fundamentais de
uma relação, são necessariamente irreflexivas336 e assimétricas337, e podem ser
transitivas338 ou intransitivas.
333 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (BRASIL, 1988). 334BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. D.O.U. de 17/03/2015, p. 1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 22 jun. 2017. 335VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2015. p. 87-90. 336 No tange a reflexibilidade a relação pode ser reflexiva, semi-reflexiva e irreflexiva. A relação reflexiva quando o nome do indivíduo inscrito no anterior, ou posterior, estiver em correspondência com ele próprio. Irreflexiva, os nomes do anterior e posterior são diferentes. (CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 109-110.). 337 Na simetria a relação pode ser simétrica, assimétrica e semi-simétrica. Simétrica será a relação em que os vínculos estabelecidos entre os nomes serão os mesmos. Ao se inverter a ordem da relação tem-se a sua relação conversa. Irreflexiva será quando inverter a ordem e a relação se modificar. (CARVALHO, op. cit., p. 110-111.).
151
Quanto ao atributo da irreflexividade, ninguém pode estar em relação jurídica
consigo mesmo. Seguindo os ensinamentos de Lourival Vilanova, temos que relação
jurídica se dá entre dois termos, os sujeitos intervenientes da relação. E arremata
exemplificando um contrato de doação:
A dualidade de termos sujeito decorre do fato de que a relação jurídica, ainda aqui é irreflexiva, quer dizer, um sujeito ‘a’ não pode ser doador de si mesmo. Justamente pela não reflexibilidade é que a relação jurídica conversa (inversa) de ‘ser doador de’ é ‘ser donatário de’.339
Assimétrica, pois os vínculos jurídicos estabelecidos entre os sujeitos (ativo e
passivo) não serão os mesmos, ao se inverter a ordem a relação jurídica se
modifica.
Quanto à transitividade ou intransitividade: a combinação de duas relações de
mesma ordem, estabelecidas entre um termo predecessor e um sucessor e outra,
entre o termo sucessor da primeira e um terceiro, podem implicar ou não outro
vínculo, de mesma ordem.
É o que ocorre, pois, na relação jurídico-processual, estabelecida entre autor,
réu e juiz. A relação autor/réu é produto relativo de duas outras: “autor/juiz” e
“juiz/réu”, atuando o magistrado, nesse caso, como elemento que possibilita o
trânsito do autor, para se ligar ao réu num vínculo jurídico-processual implícito.
Por ocasião da aplicação de tal norma geral e abstrata da coisa julgada, cria-
se norma individual e concreta cuja relação jurídica em sentido estrito (coisa julgada)
confere ao sujeito o direito subjetivo (coisa julgada) ao não desfazimento dessa
relação por outra norma inserida no sistema, bem como o dever jurídico (coisa
julgada) ao Estado-jurisdição de respeitar e garantir a imutabilidade dessa relação.
A expressão coisa julgada é associada ao princípio da segurança jurídica,
pois indica situação de imutabilidade. Nesse sentido, afirma Pontes de Miranda:
[...] as palavras coisa julgada indicam uma decisão que não pende mais dos recursos ordinários, ou porque a lei não os concede (segundo lei das alçadas), ou porque a parte não usou deles nos termos fatais e peremptórios, ou porque já foram esgotados. Os efeitos de uma tal decisão é ser tida por verdade; assim, todas as nulidades e injustiças relativas, que
338 Transitividade também pode ser transitiva, intransitiva e semi-transitiva. Relação transitiva é verificada quando a combinação de duas relações de mesma ordem, estabelecidas entre um termo predecessor e um sucessor e outra, entre o termo sucessor da primeira e um terceiro, implicam outro vínculo, de mesma ordem, instaurado entre o predecessor da primeira relação e o termo sucessor da segunda. Na intransitiva, a combinação de duas relações implica em um vínculo de outra ordem entre o predecessor da primeira relação e o terceiro termo sucessor da segunda relação. (CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 111). 339 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2015. p. 92.
152
porventura se cometessem contra o direito das partes, já não são susceptíveis de revogação340.
O novo Código de Processo Civil estabelece, no artigo 502341, que
“Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a
decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.
Apenas o próprio sistema jurídico poderia desfazer os efeitos da coisa
julgada, em hipóteses pontualíssimas, como a ação rescisória, cujos requisitos
encontram-se no artigo 966 do novo Código de Processo Civil:
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente; III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; IV - ofender a coisa julgada; V - violar manifestamente norma jurídica; VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória; VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.342
Nesse sentido, não é toda e qualquer decisão transitada em julgado que pode
ser atacada por ação rescisória. Somente nas situações previstas no artigo 966 do
Código de Processo Civil. No rol das hipóteses está a violação às normas jurídicas.
Em matéria tributária, essa violação seria verificada em decisões em sede de
constitucionalidade, como, por exemplo343, em Ação Direta de Inconstitucionalidade.
É importante asseverar que, para que haja a revisão da coisa julgada, existe
não só a limitação material do artigo 966, mas também a condicionante temporal. O
direito à rescisão termina com o transcurso do prazo de dois anos instituído no artigo
340 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 172. 341 BRASIL, 2015. 342 Id. 343 Com a promulgação do novo Código de Processo Civil, abre-se espaço para a admissão do cabimento da rescisória de modo absolutamente diverso do que se aceitava no antigo código de processo civil, contra decisão transitada em julgado contrária a precedente judicial (especialmente os enumerados no art. 927 do CPC/2015), visto este como norma jurídica, nos termos do inciso V do artigo 966 do CPC.
153
975 do Código de Processo Civil344 contados do trânsito em julgado da última
decisão proferida no processo.
Há exceções a essa limitação temporal, as quais criam novo prazo para a
ação rescisória, como por exemplo em matéria tributária, nos casos de cumprimento
de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela
fazenda pública, mas que sobrevenha decisão do STF declaratória de
inconstitucionalidade ou que julgue ser a lei incompatível com a Constituição Federal
(em controle difuso ou concentrado de constitucionalidade).
Nesse caso, caberia ação rescisória cujo prazo se iniciaria após data do
trânsito em julgado da decisão proferida pela Suprema Corte, conforme estabelece o
artigo 535 do Código de Processo Civil.
Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir: [...] III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; [...] § 5o Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. § 6o No caso do § 5o, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica. § 7o A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 5o deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda. § 8o Se a decisão referida no § 5o for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal345.
Sublinhe-se que a reabertura do prazo só é permitida nas decisões
transitadas em julgado após o início da vigência do novo Diploma Processual Civil
conforme artigo 1.057.
Art. 1.057. O disposto no art. 525, §§ 14 e 15, e no art. 535, §§ 7o e 8o, aplica-se às decisões transitadas em julgado após a entrada em vigor deste Código, e, às decisões transitadas em julgado anteriormente, aplica-se o disposto no art. 475-L, § 1º, e no art. 741, parágrafo único, da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973346.
344 Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. 345 BRASIL, 2015. 346 Id.
154
Mais uma vez, fazemos a crítica ao raciocínio que enxerga na decisão de
inconstitucionalidade a declaração de nulidade da norma no sentido de inexistente,
e, portanto, o ataque à validade da norma.
No tempo (SDP1) em que a decisão transitou em julgado a norma era
constitucional, logo, não há que se falar em violação à norma jurídica. Apenas
posteriormente (SDP2) a decisão do Supremo declarou a inconstitucionalidade, de
modo que aceitar rescisória por esse singelo argumento não parece a melhor
interpretação.
Ademais, importante notar que o capítulo onde está inserido o artigo 535 do
Código de Processo Civil trata da “Do cumprimento de sentença que reconheça a
exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela fazenda pública”347. Em
outros termos, não é toda situação em matéria tributária com decisão declaratória de
inconstitucionalidade pelo STF que autorizará o fisco propor ação rescisória.
Somente nos casos de cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa.
Ações declaratórias de inexistência de relação jurídica e ações para usufruir
de benefícios fiscais não autorizado administrativamente, não são caracterizadas por
pedidos cuja obrigação seja de pagamento de quantia certa. Tratam-se de ações de
obrigação de não fazer, porquanto o que se busca é a abstenção do fisco de cobrar
tributo ou a cobrança a menor do contribuinte.
Assim, a ação rescisória do artigo 535, § 8o do Código de Processo civil não
poderá ser proposta pela fazenda pública para desconstituir coisa julgada que tenha
garantido o gozo de benefício fiscal a contribuinte, na medida em que é restrita aos
casos de pagamento quantia certa.
Caso se admita toda e qualquer situação em matéria tributária passível de
ação rescisória, decisão de mérito transitada em julgado poderá ser rescindida
décadas após, bastando decisão do Supremo que reconheça a inconstitucionalidade
da lei que lhe deu substrato.
A rigor, por essa interpretação que se faz do artigo 535, § 8o jamais ocorrerá
coisa julgada em matéria tributária na medida em que a decisão judicial que resolveu
o caso concreto estará eternamente sujeita à rescisão por eventual decisão ulterior
do STF em controle concentrado ou difuso, seja por mudança em sua composição
ou seja por qualquer outro motivo.
347 BRASIL, 2015.
155
Nesse caso, as situações sob o manto da coisa julgada terão menos
imutabilidade que o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, pois não há dispositivos
infraconstitucionais que regulem a possibilidade de rediscutir tais relações jurídicas
individuais como o fez o Código de Processo Civil em relação à coisa julgada.
Não é escopo do presente trabalho analisar eventual inconstitucionalidade
dos dispositivos do novo Código de Processo Civil, mas o fato é que o legislador
ordinário trouxe novas balizas para a definição do conceito de coisa julgada ao se
ampliar as hipóteses de rediscutir as decisões judiciais transitadas em julgado. Tais
situações certamente serão levadas futuramente à análise do Supremo Tribunal
Federal para que se pronuncie.
Dois valores estão sendo sopesados, a estabilização e uniformização da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (vide artigos 926, 927 e artigo 489, §
1.º, V e VI; artigo 985, I e II; artigo 1.039) e os limites da coisa julgada. O tema
ganha mais relevo quando se verifica que o novo Código de Processo Civil prevê
hipótese semelhante de desconstituição de coisa julgada, especificando que o
precedente que dá ensejo à inexigibilidade do título pode ser proferido tanto em
sede de controle concentrado quanto difuso (artigo 535, parágrafo 5º).
Perceptível que novo códex concedeu ampla força às decisões proferidas nos
Recursos Especiais representativos de controvérsia, Recursos Extraordinários com
repercussão geral, e incidentes de resolução de demandas repetitivas (Art. 985, § 1.º
c/c Art. 928; 947, § 3.º; 988, IV).
Portanto, por dois motivos entendemos que a coisa julgada em decisões que
concedem benefícios fiscais não aceitarão ação rescisória: não há violação a norma
jurídica se ao tempo da decisão a norma era válida, vigente e aplicável e a ação
rescisória deve ser proposta contra decisão transitada em julgado que tenha
estabelecido obrigação de pagar quantia certa pela fazenda pública, que não é o
caso das ações que pleiteiam benefícios fiscais, cuja relação jurídica em sentido
estrito cinge-se no dever jurídico do fisco se abster de cobrar o sujeito ou cobrar a
menor.
156
6.6 Coisa Julgada, relação jurídica de trato continuado, ação revisional e
benefício fiscal
A respeito da coisa julgada nas relações de trato continuado, o artigo 505,
inciso I, do Código de Processo Civil348 dispõe que nenhum juiz decidirá novamente
a questão salvo se sobrevenha modificação no estado de fato ou de direito.
Muito se discute se a mera decisão em controle de constitucionalidade com
efeitos vinculantes, faria com que cessasse prospectivamente e de forma automática
os efeitos de decisão individual anterior transitada em julgado.
É o conteúdo do Parecer nº 492/2011 da Procuradoria Geral da Fazenda
Nacional, que recomenda às autoridades fiscais a cobrança de ofício de tributos
quando sobrevier precedente favorável ao fisco por decisão em controle de
constitucionalidade pelo STF.
Se refletirmos no tema dos benefícios fiscais, imagine-se contribuinte tenha
conseguido decisão judicial transitada em julgado lhe garantindo isenção de imposto
de renda com base na “Lei A” por prazo indeterminado. Eventual decisão pela
inconstitucionalidade da “Lei A” teria o condão de automaticamente o fisco passar a
cobrar o tributo do contribuinte sem necessitar de prévia autorização judicial?
Primeiro passo para se responder esse questionamento é definir o que se
entende por relação jurídica de trato continuado. Pedro Henrique Reschke349 explica
o fenômeno como sendo a ocorrência de fatos jurídicos instantâneos que se
repetem no tempo, gerando diversas obrigações tributárias distintas.
A expressão “relação jurídica de trato continuado” dá a falsa ideia de que
seria a mesma relação jurídica continuada no tempo, quando na verdade são
relações jurídicas distintas, todavia, homogêneas no conteúdo. São eventos
sucessivos no tempo, e quando vertidos em linguagem competente irrompem uma
relação jurídica autônoma.
Definimos as relações jurídicas de trato continuado como enunciações-
enunciadas diferentes em cada período de tempo, mas que introduzem enunciados-
348 Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; (BRASIL, 2015): 349 RESCHKE, Pedro Henrique. Precedentes formalmente vinculantes e a coisa julgada nas relações jurídicas tributárias de trato continuado. 2016. 41 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Direito Tributário) – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, Florianópolis, 2016, p. 25.
157
enunciados semelhantes no sistema, de modo que se criam normas jurídicas em
sentido estrito semelhantes.
A regra é a de que matéria anteriormente decidida sobre coisa julgada de
trato sucessivo não poderá ser decidida novamente pelo judiciário quando a
hipótese de incidência voltar a se concretizar no futuro, com exceção dos casos de
restar comprovado que existiu modificação no estado de fato ou de direito. Nesse
caso, poderá ser emitido novo julgamento de mérito sobre as novas questões
surgidas, existindo causa nova, diferente da anterior.
Mas que é “modificação no estado de fato ou de direito”? Trata-se do segundo
passo para responder o questionamento. Para tanto nos utilizaremos do raciocínio
da norma jurídica completa (norma primária e norma secundária).
Com o advento da Lei nº 13.101/2015 (Novo Código de Processo Civil) novos
enunciados prescritivos passaram a tratar da norma em sentido amplo denominada
“sentença judicial”. O artigo 203350 estabelece que a sentença judicial é o documento
normativo onde o juiz realiza o pronunciamento (sentença enunciação-enunciada e
sentença enunciado-enunciado) no processo que põe fim à fase cognitiva do
procedimento comum e também extingue a execução.
O juiz deve fundamentar por meio de enunciados-enunciados a sentença
enunciação-enunciada com base nos artigos 485 e 487 do Código de Processo Civil,
os quais tratam do julgamento sem e com resolução do mérito.
Os elementos da sentença judicial estão apontados no artigo 489351 do
Código de Processo Civil: a) o relatório; b) os fundamentos de fato e de direito; e c)
o dispositivo. Sob as bases da premissa seguida, tais elementos são os enunciados-
enunciados e o código de processo civil os divide em três partes.
350 Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. §1o Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. (BRASIL, 2015). 351 Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. (BRASIL, 2015).
158
Luiz Guilherme Marinoni352 leciona que o relatório principia aquilo que de mais
importante aconteceu no processo. Mostra às partes que o magistrado conhece das
alegações do processo.
Para Marinoni353, na fundamentação o juiz deve analisar o problema jurídico
posto pelas partes. Deve apontar o dispositivo legal invocado para decidir e
demonstrar sua relevância para o caso, justificando as razões por ter optado por
uma das várias interpretações possíveis.
Por fim, o professor da UFPR ensina que o dispositivo é o
[...] momento em que o juiz isola a sua decisão e afirma se acolhe ou rejeita, no todo ou em parte o pedido do autor, ao mesmo tempo em que, acolhendo-o, aponta o que deve ser feito para que o direito postulado em juízo logre tutela jurisdicional adequada e efetiva, realizando-se concretamente.354
Converte-se agora a linguagem técnica do Código de Processo Civil para a
linguagem científica. Durante a enunciação do documento normativo sentença
judicial, o magistrado constrói intelectualmente a norma primária, ou seja, verifica o
fato jurídico que funcionou como causa da instauração da relação jurídica
intersubjetiva entre autor e réu.
Ao verificar o descumprimento da norma primária e concordando com as
alegações da parte autora, por exemplo, o juiz aplica a norma secundária, cujo
antecedente é o comportamento ilícito do réu em relação ao autor, ou seja,
descumprimento pelo réu do dever jurídico previsto na relação jurídica
(consequente) da norma primária. Esse fato jurídico ilícito enseja a instauração de
uma nova relação jurídica, porém nessa um dos sujeitos da relação é o estado-
juiz, que exercitando sua função jurisdicional, prescreve uma conduta ao réu para
cumprir a norma primária.
Abre-se parêntese para dizer que a denominada causa de pedir355 é a norma
primária, e o interesse de agir seria a aferição do descumprimento dessa norma por
uma das partes para surgir a necessidade de aplicação de norma secundária pelo
estado-juiz e a utilidade da tutela jurisdicional para efetivar o direito subjetivo
alegado.
352 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 2017, p. 492. 353 Ibid., p. 492. 354 Ibid., p. 495. 355 DALLA PRIA, Rodrigo. Teoria geral do processo tributário. Dissertação (Mestrado em Direito Tributário) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010, p .179.
159
Veja que algumas das ditas condições da ação envolvem direito substantivo,
pois se referem à relação jurídica de direito material instaurada entre dois sujeitos. O
que dá ensejo à aplicação da norma secundária é o fato jurídico conflituoso, é a
existência de direitos e deveres contrapostos em diferentes relações jurídicas stricto
sensu.
Percebe-se, portanto, que todos os elementos (enunciados-enunciados) da
sentença judicial enunciação-enunciada foram utilizados para construir a norma
jurídica completa. Apesar de despiciendo, o § 3o do artigo 489 evidencia isso ao
estabelecer que a decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de
todos os seus elementos.
De modo contraposto, o artigo 504356 determina que não faz a coisa julgada
do artigo 502357 os motivos para determinar o alcance da parte dispositiva da
sentença. Vê-se nesse enunciado uma atecnia legislativa.
Pelas premissas adotadas, todos os elementos da sentença judicial deverão
transitar em julgado, pois somente com análise de todos os enunciados-enunciados
será possível reconstruir a norma jurídica completa e saber exatamente o conteúdo
da decisão de mérito não mais sujeita a recurso e indiscutível.
Nessa esteira, as modificações de fato e de direito são quaisquer
modificações que atinjam a norma jurídica completa e impeçam sua reconstrução
para o futuro. O advento de precedente vinculante caracteriza a “modificação de
estado de fato ou de direito”.
Quando a relação for “de trato continuado”, o artigo 505, inciso I, da
Codificação Processual Civil afirma que será regulada pela decisão individual
enquanto o contribuinte e o Fisco estiverem sujeitos à mesma relação fática e ao
mesmo direito.
Pedro Henrique Reschke pontua:
Assim, se determinado contribuinte ingressa com ação declaratória para afirmar que determinado bem imóvel tem característica rural e não urbana, e portanto sujeito ao ITR ao invés do IPTU, essa decisão fará coisa julgada, sim, para os exercícios posteriores. O Município não poderá lançar o IPTU nos exercícios seguintes, e o contribuinte também não precisará repetir a
356 Art. 504. Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença. (BRASIL, 2015). 357 Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso. (BRASIL, 2015).
160
ação declaratória anualmente, pois não houve mudança na situação fática ou jurídica que ultrapasse os limites da coisa julgada358.
Por outro lado, se existir mudança na situação fática ou jurídica, haverá
mudança no tratamento jurídico da situação. O advento de precedentes vinculantes
representam modificação no estado de direito capaz de gerar a possibilidade de
revisão da coisa julgada.
A decisão anteriormente transitada em julgado baseou-se em entendimento
sobre o sistema jurídico brasileiro. Se, após certo lapso temporal, surge um
precedente vinculante que obriga o juiz a decidir de modo distinto, é necessária a
reanálise da causa, a qual resultará em norma individual e concreta distinta.
Os limites objetivos da primeira coisa julgada não abarcam mais a situação
que se apresenta no novo sistema jurídico formado após a decisão em controle de
constitucionalidade. Dessa forma, torna-se ultrapassada e insuficiente para regular a
relação jurídica tributária de trato sucessivo, já que existe modificação do estado de
direito.
Caso a decisão seja declaratória de (in)constitucionalidade de lei, têm efeito
vinculante sobre todos os níveis do Poder Judiciário (erga omnes), seja em sede de
controle concentrado ou difuso.
Entretanto, os motivos determinantes da decisão proferida não podem afetar
automaticamente situações jurídicas já consolidadas. Isso porque, um fundamento
de uma decisão refere-se exclusivamente àquele caso concreto. Para que possa ser
aplicado em outros casos, é necessária a interpretação e aplicação por outro juiz
competente. A norma permanecerá válida, vigente e aplicável até que seja extirpada
por agente competente, por meio de ato comissivo da parte interessada.
O ato comissivo é a propositura de ação judicial com o objetivo de modificar
relação jurídica previamente existente. É a chamada Ação Revisional do inciso I, do
artigo 505 do Código de Processo Civil.
Dessa forma, merece crítica o Parecer nº 492/2011 da Procuradoria Geral da
Fazenda Nacional, que inspira a cobrança de ofício pelo Fisco contra contribuintes
que possuem decisão transitada em julgado que garante o não pagamento de
tributo.
358 RESCHKE, 2016, p. 28.
161
Não há se falar em efeitos automáticos se o próprio código exige ação
revisional. Como dito, eventual conflito de normas deve ser resolvido por uma
terceira norma, in casu, nova decisão judicial.
Ante o exposto, a despeito de se tratar de relação de trato continuado a
decisão em controle de constitucionalidade pelo Pretório Excelso não terá efeitos
automáticos contra decisão transitada em julgado, pois modificação no estado de
fato ou direito deve ser provada por meio próprio, qual seja, ação revisional, a qual
poderá ou não ser julgada procedente.
6.7 Benefícios fiscais e caducidade
De acordo com Victor Nunes Leal a lei temporária é aquela destinada a viger
por um certo período de tempo que, ou está fixado na própria lei, ou depende de
uma condição também mencionada na lei.359
As leis temporárias têm como fundamento de validade o artigo 2º da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Art. 2o Não se destinando à vigência
temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue360”.
As normas gerais e abstratas concessivas de benéficos fiscais podem trazer
no documento normativo enunciados-enunciados que limitam no tempo sua
vigência. Nesses casos, a própria lei tem um ato de fala que prescreve sua própria
revogação.
A inserção de uma cláusula de vigência evita que os benefícios concedidos,
com o passar do tempo, se tornem privilégios injustificados em favor de certos
segmentos ou atividades econômicas.361
Exemplo disso se deu recentemente com publicação da Lei Complementar nº
160 de 07 de agosto de 2017, buscando solucionar conflitos de competência entre
os Estados da federação em matéria de ICMS nos termos do artigo 146, inciso I, da
Constituição Federal362, disciplinou no artigo 3º, §2º que os Estados têm um prazo
de vigência para os benefícios fiscais:
359 LEAL, Victor Nunes. Problemas de direito público. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p. 53. 360 BRASIL, 1942. 361 MARTINS, Guilherme Waldemar d’Oliveira. Os benefícios fiscais: sistema e regime. Coimbra: Almedina, 2006, p. 84. 362 Art. 146. Cabe à lei complementar:
162
Art. 3o O convênio de que trata o art. 1o desta Lei Complementar atenderá, no mínimo, às seguintes condicionantes, a serem observadas pelas unidades federadas: [...] § 2o A unidade federada que editou o ato concessivo relativo às isenções, aos incentivos e aos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais vinculados ao ICMS de que trata o art. 1o desta Lei Complementar cujas exigências de publicação, registro e depósito, nos termos deste artigo, foram atendidas é autorizada a concedê-los e a prorrogá-los, nos termos do ato vigente na data de publicação do respectivo convênio, não podendo seu prazo de fruição ultrapassar: I - 31 de dezembro do décimo quinto ano posterior à produção de efeitos do respectivo convênio, quanto àqueles destinados ao fomento das atividades agropecuária e industrial, inclusive agroindustrial, e ao investimento em infraestrutura rodoviária, aquaviária, ferroviária, portuária, aeroportuária e de transporte urbano; II - 31 de dezembro do oitavo ano posterior à produção de efeitos do respectivo convênio, quanto àqueles destinados à manutenção ou ao incremento das atividades portuária e aeroportuária vinculadas ao comércio internacional, incluída a operação subsequente à da importação, praticada pelo contribuinte importador; III - 31 de dezembro do quinto ano posterior à produção de efeitos do respectivo convênio, quanto àqueles destinados à manutenção ou ao incremento das atividades comerciais, desde que o beneficiário seja o real remetente da mercadoria; IV - 31 de dezembro do terceiro ano posterior à produção de efeitos do respectivo convênio, quanto àqueles destinados às operações e prestações interestaduais com produtos agropecuários e extrativos vegetais in natura; V - 31 de dezembro do primeiro ano posterior à produção de efeitos do respectivo convênio, quanto aos demais363.
Em obediência à Lei Complementar nº 160/17, as leis estaduais, portanto,
deverão estabelecer dois atos de fala: um que concede benefício fiscal e o segundo
que prescreve a revogação do primeiro após decorrido o prazo legalmente previsto.
A segunda espécie de lei temporária é aquela que depende de uma condição
estabelecida por lei, uma vez surgida implicará a perda da vigência. Chama-se esse
efeito de caducidade, estado a que chega o ato jurídico, tornando-se ineficaz em
consequência de evento surgido posteriormente. É o estado daquilo que se anulou
ou que perdeu valia, tida, até então, antes que algo acontecesse.
Tércio Sampaio Ferraz Junior leciona sobre a caducidade o seguinte:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (BRASIL, 1988). 363BRASIL. Lei Complementar nº 160, de 07 de agosto de 2017. Dispõe sobre convênio que permite aos Estados e ao Distrito Federal deliberar sobre a remissão dos créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais instituídos em desacordo com o disposto na alínea “g” do inciso XII do § 2o do art. 155 da Constituição Federal e a reinstituição das respectivas isenções, incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais; e altera a Lei no 12.973, de 13 de maio de 2014. D.O.U. de 08/08/2017, p. 8. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp160.htm>. Acesso em: 30 ago. 2017.
163
[...] Esta ocorre pela superveniência de uma situação, cuja ocorrência torna a norma inválida sem que ela precise ser revogada (por norma revogadora implícita ou manifesta). Essa situação pode se referir ao tempo: uma norma fixa o prazo terminal da sua vigência; quando este é completado, ela deixa de valer. Pode referir-se a condição de fato: uma norma é editada para fazer frente à calamidade que, deixando de existir, torna inválida a norma. Em ambas as hipóteses, a superveniência da situação terminal é prevista pela própria norma364.
Ferraz Junior.365ressalva que pelo ângulo da decidibilidade, quando a
condição não envolve uma data certa para cessar a vigência, será necessária
argumentação para se saber quando a condição foi implementada, pois nesse caso
envolve imprecisão.
Tárek Moysés Moussallem enfatiza:
[...] não é a simples superveniência da ausência da situação prevista em lei que enseja sua caducidade. Juridicamente, é necessário que o direito positivo constitua pelos meios nele previstos a ausência a situação de fato prevista na lei. Para que ocorra a caducidade, a situação, além de estar prevista na lei, deve ter a ocorrência de sua ausência constituída por outra norma. Não é demais lembrar que somente linguagem altera linguagem366.
Em matéria tributária, destacam-se os empréstimos compulsórios e os
impostos extraordinários de guerra. Nos primeiros, a União poderá instituí-los em
caso de despesas provenientes de calamidade pública, guerra externa ou sua
iminência e, ainda, quando houver investimento público de caráter urgente e de
relevante interesse nacional367. Já os impostos extraordinários de guerra podem ser
instituídos nos casos de guerra externa ou sua iminência368.
O término da calamidade pública, da guerra externa ou de sua iminência, ou
da necessidade de investimento público de caráter urgente ou de relevante valor
nacional, não enseja a automática revogação da lei instituidora do empréstimo
compulsório, por exemplo. Para que a norma seja revogada e pare de produzir
efeitos, é necessário que o direito positivo constitua por seus meios a cessação da
364 FERRAZ JUNIOR, 2001, p. 201. 365 Ibid., p. 201. 366 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2011, p. 266. 367 Cf. Art. 148, da Constituição Federal. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b". (BRASIL, 1988). 368 Art. 76 do Código Tributário Nacional. Na iminência ou no caso de guerra externa, a União pode instituir, temporariamente, impostos extraordinários compreendidos ou não entre os referidos nesta Lei, suprimidos, gradativamente, no prazo máximo de cinco anos, contados da celebração da paz. (BRASIL, 1966).
164
calamidade pública ou das outras circunstâncias que ensejam a instituição dos
tributos aqui comentados.
Os benefícios fiscais também seguem este mesmo caminho. A caducidade
dos benéficos fiscais tem relação com a finalidade inserta nos enunciados-
enunciados da norma geral e abstrata. Consideradas normas especiais em relação à
norma geral, as normas concedentes de benefícios precisam ser justificadas.
Celso de Barros Correia Neto369 ressalta que os fins admissíveis para os
benefícios são amplos e indetermináveis e se confundiriam com os próprios
objetivos que devem guiar as políticas públicas:
Além dos princípios previstos no artigo 170 da Constituição, os seguintes: a valorização e a difusão das manifestações culturais 9art. 215), a proteção ao meio ambiente, a prática de esportes (art. 217, caput), o desenvolvimento científico e tecnológico (art. 218), o incremento ao turismo (art. 217), o desenvolvimento urbano (art. 182), a proteção à microempresa (art. 179)370.
Acrescente-se a concessão de benefícios visando a proteção da criança e do
adolescente (art. 227, § 3º, VI), ao desenvolvimento e redução das desigualdades
regionais (art. 43), zona franca de Manaus (art. 40 do Ato Das Disposições
Constitucionais Transitórias).
Todavia, não basta que haja a indicação amplíssima dos objetivos indicados
pelo Constituinte para justificar a norma de benefício fiscal – como o
“desenvolvimento social e econômico”. Os objetivos devem estar apontados na
norma de incentivo. Nesse sentido, assevera Celso de Barros Correia Neto:
[...] Significa dizer que, no caso dos incentivos fiscais, deve-se examinar o elemento ou critério utilizado para discriminar quem é e quem não é favorecido pelo benefício. Sempre que esse critério não revelar elemento intrínseco dissociado da capacidade contribuinte, estará aí um forte indicativo do objetivo indutor visado pela regra de exoneração, ou seja, da finalidade jurídica371.
A título de exemplo, citamos enunciado prescritivo do artigo 2º da Lei
nº10.550/2016 do Estado do Espírito Santo, a qual institui o Programa de Incentivo
ao Investimento no Estado do Espírito Santo - INVEST-ES:
Art. 1.º Fica instituído, no âmbito da Secretaria de Estado de Desenvolvimento - SEDES, o Programa de Incentivo ao Investimento no
369 CORREIA NETO, 2016, p. 177. 370 Ibid., p. 177. 371 Ibid., p. 178.
165
Estado do Espírito Santo - INVEST-ES, instrumento de execução da política de desenvolvimento e atração de investimentos do Estado. Parágrafo único. O INVEST-ES congregará e compatibilizará as ações do Governo do Espírito Santo voltadas para o desenvolvimento do Estado, observadas as diretrizes do planejamento governamental, visando geração de emprego e renda, novas receitas de ICMS ou competividade das empresas aqui estabelecidas. Art. 2.º O INVEST-ES tem por objeto contribuir para a expansão, modernização e diversificação dos setores produtivos do Espírito Santo, estimulando a realização de investimentos, a implantação e a utilização de armazéns e infraestruturas logísticas existentes, renovação tecnológica das estruturas produtivas, otimização da atividade de importação de mercadorias e bens e o aumento da competitividade estadual, com ênfase na geração de emprego e renda e na redução das desigualdades sociais e regionais372
Não obstante a vagueza das finalidades apontadas nos enunciados
prescritivos, bem como ausência de um prazo limite para atingi-las, percebe-se que
o programa de incentivo fiscal visa a geração de emprego e renda à população do
Estado.
Caso o objetivo seja atingido concretamente, haverá a caducidade da norma,
mas como dito, nova norma (enunciação-enunciada) editada pelo Poder Legislativo
deverá atestar por meio de enunciado-enunciado o atingimento da finalidade e
cessar a aplicação do programa de incentivo.
Caso esse objetivo não seja atingido, poderá haver o controle judicial desse
incentivo fiscal, afinal classes de pessoas estão sob o amparo dessa legislação
especial, enquanto outros suportarão a regra geral da tributação em relação ao
ICMS no Estado do Espírito Santo.
Todavia, como dito, a finalidade apontada nas normas gerais e abstratas de
benefícios fiscais apresentam enunciados-enunciados com expressões vagas, tais
como “diminuir o desemprego”, “aumentar competitividade”, “reduzir a desigualdade
regional” etc. Por exemplo, diminuir a taxa de desemprego em 1% já seria suficiente
para justificar o benefício fiscal?
Assim, o controle judicial se torna complexo, sendo necessário prova pericial
a fim de constatar o desrespeito à finalidade da norma. A perícia irá averiguar a
efetividade da norma, afirmar se aquela norma cumpre os objetivos.
372BRASIL. Lei nº 10.568, de 27 de julho de 2016. Institui programa de desenvolvimento e proteção à economia do Estado do Espírito Santo, nas condições que especifica. DOE 27.07.2016. (grifo nosso). Disponível em: <http://www.sefaz.es.gov.br/LegislacaoOnline/lpext.dll/InfobaseLegislacaoOnline/leis/2016/lei%20n.%BA%2010.568.htm?fn=document-frame.htm&f=templates&2.0>. Acesso em: 25 ago. 2017.
166
Nesses casos, o controle judicial recomendável deve se dar pela via da ação
popular e da ação civil pública.
A ação popular é disciplinada pela Lei nº 4.717/65 e visa anular um ato
concreto lesivo ao patrimônio público. Por ato lesivo ao patrimônio público, Hely
Lopes Meirelles373 define “todo ato ou omissão administrativa que desfalca o erário
ou prejudica a administração pública, assim como ofende bens e valores artísticos,
cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade”.
Eventual descumprimento da finalidade demonstrará a ilegalidade da norma
concedente de benefício fiscal. Afinal, só é juridicamente aceitável uma tributação
diferenciada para determinada classe de contribuintes se os objetivos normativos
forem alcançados. Se no exemplo acima, após a publicação da lei e passado
determinado prazo, não tenha sido gerado emprego e maior renda à população
caberá a propositura da ação.
A ação civil pública não era admitida contra norma concessiva de benefício
fiscal sob o fundamento de que o artigo 1º, §1º da Lei nº 7.347/85 deixa expressa a
proibição de propositura da ação para veicular pretensão que envolva tributo:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: [...] Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados374.
Esse, inclusive, era o entendimento sedimentado no Superior Tribunal de
Justiça, o qual só autorizava a atuação do Ministério Público nas ações populares
em que houvesse desistência da parte.
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERMO DE ACORDO DE REGIME ESPECIAL (TARE). ILEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. NATUREZA TRIBUTÁRIA. 1. Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios em face do distrito Federal e da empresa Fast&Food Importação, Logística e Distribuição Ltda., objetivando a suspensão da execução do Termo de Acordo de Regime Especial - TARE - assinado entre os ora
373 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 28. ed. São Paulo. Malheiros, 2005, p. 132-133. 374 BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências. DOFC de 25/07/1985, p. 10649. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347orig.htm>. Acesso em: 17 ago. 2017.
167
recorrentes, do qual resultou isenção de ICMS, porquanto referido ato estaria causando prejuízo à livre concorrência e ao patrimônio público. 2. Alforria fiscal indevida é objeto de ação popular, que não se confunde com ação civil pública, interditando a legitimatio ad causam ativa originária ao Ministério Público, que, in casu, atua como custos legis, assumindo a demanda, apenas, na hipótese de desistência. 3. Deveras, é cediço na Corte que o Ministério Público não tem legitimidade para propor ação civil pública com o objetivos tributários, escopo visado na demanda com pedido pressuposto de nulificação do TARE. Precedentes: AgRg no REsp 710.847/RS, Rel. Min.Francisco Falcão, DJ 29.08.2005; AgRg no REsp 495.915/MG, Rel. Min.Denise Arruda, DJ de 04/04/2005; RESP 419.298/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 06/12/2004 4. Deveras, a premissa do pedido do Ministério Público de que a estratégia fiscal, por via oblíqua, atinge os demais contribuintes, revelando interesses transindividuais violados, é exatamente a que inspirou o legislador a vetar a legitimatio do Parquet com alteração do parágrafo único do art. 1º da Lei da Ação Civil Pública, que o deslegitima a veicular "pretensões que envolvam tributos". (Art. 1º § único da Lei 7.347/85, com a redação dada pela Medida Provisória 2.180/2001) 5. Consectariamente, qualquer ação, ainda que não ostente tipicidade estrita tributária, mas que envolva "pretensão tributária", consoante dicção legal, torna interditada a legitimatio ad causam do Ministério Público. 6. Outrossim, restando sub judice ação declaratória de inconstitucionalidade perante a Corte Maior, revela-se precipitado pretender submetê-la ao crivo incidental e difuso de órgão jurisdicional hierarquicamente subordinado, revelando notória ausência de interesse recursal. 7. Recursos especiais providos.375
Todavia, uma guinada jurisprudencial se deu por ocasião do julgamento do
RE 576.155/DF pelo Supremo Tribunal Federal em que ficou assentado que a ação
civil pública contra termo de acordo de regime especial extrapola os interesses das
partes, e alcança situações de interesses coletivos haja vista possível lesão ao
patrimônio público:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. TERMO DE ACORDO DE REGIME ESPECIAL - TARE. POSSÍVEL LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. LIMITAÇÃO À ATUAÇÃO DO PARQUET. INADMISSIBILIDADE. AFRONTA AO ART. 129, III, DA CF. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. I - O TARE não diz respeito apenas a interesses individuais, mas alcança interesses metaindividuais, pois o ajuste pode, em tese, ser lesivo ao patrimônio público. II - A Constituição Federal estabeleceu, no art. 129, III, que é função institucional do Ministério Público, dentre outras, “promover o inquérito e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Precedentes. III - O Parquet tem legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Especial - TARE, em face da legitimação ad causam que o texto constitucional lhe confere para defender o erário. IV - Não se aplica à hipótese o parágrafo único do artigo 1º da Lei 7.347/1985.
375 REsp 691.574/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira turma, julgado em 09/03/2006, DJ 17/04/2006. p. 172.
168
V - Recurso extraordinário provido para que o TJ/DF decida a questão de fundo proposta na ação civil pública conforme entender.376
Nesse passo, a depender do caso concreto, vedação do §1º do artigo 1º da
Lei nº 7.347/85 não se aplica sob pena de ofensa ao artigo 129, inciso III, da
Constituição Federal de 1988377.
Nesses termos, entendemos que os benefícios fiscais sempre devem ser
objeto de leis temporárias, seja por meio da cláusula de vigência, seja por meio da
caducidade em razão do cumprimento da condição, a que chamamos de finalidade.
Não é admissível a concessão de benefícios fiscais eternos, sob pena de se
privilegiar certa classe de contribuintes em detrimento de outra.
376 RE 576155, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 12/08/2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-226 DIVULG 24-11-2010 PUBLIC 25-11-2010 REPUBLICAÇÃO: DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-05 PP-01230 377 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. (BRASIL,1988).
169
CONCLUSÃO
Partindo da premissa de que a expressão “benefícios fiscais” é vaga, ambígua
e imersa em diferentes contextos, fora realizado, neste trabalho, corte metodológico
a fim de limitar análise da expressão apenas a uma visão normativa dentro do
contexto do subsistema do direito tributário.
Em análise de artigos da Constituição Federal de 1988, percebe-se que o
legislador trata sem muito rigor as expressões “benefícios fiscais”, “incentivos fiscais”
e “isenções”. Assim, não há elementos claros de diferenciação entre os vocábulos
supramencionados. Não há no direito positivo qualquer enunciado prescritivo que
defina a expressão “benefício fiscal”, isto é, não há uma definição legal.
Para definir “benefícios fiscais” adotamos o método do Constructivismo
Lógico-semântico, na perspectiva de enxergar o fenômeno do ponto de partida do
plano S1 – conjunto de enunciados prescritivos, muito embora saibamos que o
percurso gerador de sentido adentra não só no plano S1, como também nos planos
S2 (plano das proposições), S3 (plano das normas jurídicas) e S4 (articulação das
normas do S3)378.
Pelo plano S1 benefícios fiscais são enunciados-enunciados de determinado
documento normativo aplicáveis de maneira especial no lugar dos enunciados-
enunciados utilizados para construir a regra matriz de incidência tributária – RMIT
(norma jurídica geral e abstrata).
Em diversos casos, o legislador deu nomes distintos aos benefícios fiscais em
sentido amplo, tais como, isenções, alíquota zero, redução de base de cálculo,
diferimento, depreciação acelerada, drawback, crédito presumido. No entanto, o
fenômeno é o mesmo, são enunciados-enunciados especiais e aplicáveis no lugar
dos enunciados-enunciados que criam a norma geral do tributo.
Tudo dependerá das significações construídas a partir dos enunciados
normativos, de maneira que o fenômeno dos benefícios fiscais ficará embasado em
norma de conduta, cujos categoremas devidamente esgotados darão nascimento à
norma jurídica em sentido estrito do benefício fiscal.
Esse evento jurídico dos benefícios fiscais será conseguido por meio de
contrastes realizados com alguns critérios da regra-matriz tributária. Pelas lentes da
378 Em relação aos percursos geradores de sentido. Cf: CARVALHO. Direito tributário linguagem e método, 2015, p. 192-197.
170
norma jurídica do benefício fiscal se permite notar que sobre determinado fato não
se aplica a regra-matriz de incidência tributária.
Quando se fala que na isenção não há incidência danorma jurídica
interpretamos que não há incidência pelas lentes da regra-matriz de incidência
tributária, todavia haverá incidência quando se enxerga o fato pela perspectiva da
norma especial da isenção.
Vimos, neste trabalho, que a palavra “revogação” pode assumir numerosos
sentidos. Destacamos, dentre eles, a análise desse vocábulo a partir do plano dos
enunciados prescritivos, como fizemos com a expressão “benefícios fiscais”. Assim,
para a ocorrência do fenômeno da revogação, defendemos que devem ser inseridos
os enunciados-enunciados revogatórios no sistema por meio do veículo introdutor de
enunciados denominado enunciação-enunciada.
O fenômeno da revogação foi analisado pela estrutura dos performativos
deônticos: revogação como ato locucionário, revogação como ato ilocucionário e
revogação como ato perlocucionário.
O primeiro sentido da revogação no performativo deôntico é de revogação
como ato proposicional (“Revoga-se o enunciado X”). Só tem sentido deôntico com
relação a uma norma independente, nesse caso, o enunciado X. Desse modo, o
enunciado-enunciado revogatório apenas afetará outros enunciados e não a
enunciação que os produziu. Revogação como ato ilocucionário é aquele ato de
fazer algo mediante o proferimento de palavras realizado por agente competente
mediante procedimento previsto em norma. Por fim, a revogação no performativo
deôntico como ato perlocucionário é a provocação do efeito de subtrair o enunciado
revogado do sistema.
Em relação aos efeitos do “ato de revogar”, a doutrina se divide. Há quem
afirme que a revogação ataca a validade, a vigência ou a aplicação do enunciado
revogado. Para Eugenio Bulygin379, por exemplo, a revogação suprime a validade da
norma. Já para Paulo de Barros Carvalho380, a revogação ataca a vigência da
norma. Para nós o ato de fala revogador atinge num primeiro momento a aplicação e
depois a vigência e a validade.
Enunciado-enunciado que modifica disposições gerais ou especiais já
existentes não as revoga ou modifica. Assim, ambos serão válidos, vigentes e
379 BULYGIN, 1991, p. 210. 380 CARVALHO. Direito tributário, 2009, p. 54.
171
aplicáveis. A norma jurídica especial, dessa forma, terá preferência quanto à
aplicação em relação à norma geral.
O fato de existirem normas conflitantes no sistema não faz com que tais
normas se anulem.A solução dos conflitos se dá por normas e critérios eleitos pelo
próprio sistema normativo.
A expressão “revogação tácita” nos leva a acreditar que é função do intérprete
a revogação de uma das normas em conflito. Todavia, sabemos que o jurista não
exerce a revogação. Assim, a “revogação tácita” perde utilidade prática, pois na
incompatibilidade das normas o conflito é sanado apenas com um ato de fala
deôntico revogador.
Para que haja revogação, não é necessário que exista conflito de normas.
Nesse caso, quando não há conflito de normas, a revogação é ato de fala concreto e
geral. Por outro lado, quando a revogação decorre de conflito de normas, será ato
de fala concreto e individual.
É possível concluir que: (i) a revogação é sempre função de um ato de fala
deôntico (e não um princípio lógico); (ii) a revogação, sem que haja conflito de
normas, é sempre ato de fala concreto (refere-se a um enunciado específico) e geral
(refere-se a toda comunidade); (iii) quando a revogação se dá em virtude do conflito
de normas no tempo (lex posterior derogat priori), será sempre ato de fala concreto
(refere-se a um enunciado específico) e individual (refere-se a pessoas
determinadas); (iv) a revogação não é função de uma das normas conflitantes; (v) ao
se mirar os atos locucionários de revogação, o ato proposicional sempre faz
referência a outro ato de fala locucionário, jamais a uma conduta humana.
Anulação é o controle do produto da enunciação e dirige-se ao defeito de
produção da norma, de sorte a verificar se o emissor do ato de fala deôntico
preencheu as condições normativamente estabelecidas para sua correta
enunciação.
A função da anulação é preservar uma determinada vontade normativa e
impedir mudanças do sistema que vão de encontro a tais normas.
O enfoque dado ao vocábulo anulação ficou restrito ao controle exercido pelo
poder judiciário.
Apesar de premissas em contrário emanadas de julgados da Suprema Corte,
afirma-se que a declaração de inconstitucionalidade de uma norma não tem o
condão de fazer com que a norma anterior volte a ser aplicada. O que se chama de
172
“repristinação” na verdade é nova enunciação-enunciada emanada pelo poder
legislativo que insere enunciados-enunciados semelhantes aos da norma revogada.
Não há restauração de norma anterior, há nova norma.
Não há uma “declaração” de inconstitucionalidade. O que ocorre é, a
linguagem da decisão judicial é constitutiva da nova realidade jurídica – ou
desconstitutiva da norma defeituosa no percurso procedimental – e não apenas
declaratória.
Parte da doutrina defende que a decisão em sede de Ação Direta de
Inconstitucionalidade retira a validade e a vigência da norma jurídica impugnada,
desde seu nascimento. Todavia, seguindo os ensinamentos de Tárek Moysés
Moussallem381, conclui-se que a ADIn não retira a validade da norma, mas somente
impede sua aplicação para os fatos ocorridos após a “declaração de
inconstitucionalidade”.
A inconstitucionalidade de norma proferida pelo Supremo Tribunal Federal
tem, em regra, efeitos vinculantes, erga omnes e extunc – à data de nascimento da
norma. Têm, dessa forma, o Estado-Administração e o Poder Judiciário o dever
jurídico de não aplicar a norma declarada inconstitucional.
Vimos também que no caso da Guerra Fiscal do ICMS entre os Estados, a
inconstitucionalidade poderá ser declarada com ou sem modulação de efeitos.
Assim, para benefícios concedidos a condições e prazo certo há necessidade de
norma individual, de sorte que a declaração de inconstitucionalidade de uma norma
geral e abstrata não atinge a norma individual e concreta. Há necessidade de
linguagem competente para afetar diretamente a relação concreta, a qual não é
desfeita pela simples declaração de inconstitucionalidade da lei geral e abstrata.
Ao abordarmos sobre coisa julgada concluímos que decisões concessórias de
benefícios fiscais não aceitarão ações rescisórias. Primeiro porque não existe
violação à norma jurídica se, ao tempo da decisão, a norma era válida, vigente e
aplicável. Segundo, a ação rescisória deve ser proposta contra decisão transitada
em julgado, a qual estabeleceu obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda
Pública. Esse último não é o caso dos benefícios fiscais, isso porque a relação
jurídica em sentido estrito cinge-se no dever jurídico do Fisco de se abster a
cobrança ou de cobrar a menor.
381 MOUSSALLEM. Revogação em matéria tributária, 2011, p. 251.
173
Em controle de constitucionalidade, decisão da Suprema Corte, apesar de
afetar situações de relação de trato continuado, não terá efeitos automáticos contra
decisão transitada em julgado, isso porque, modificação no estado de fato ou de
direito deve ser provada por meio próprio – ação revisional – que poderá ou não ser
julgada procedente.
Há normas de benefícios fiscais em quehá enunciado-enunciado expresso
prescrevendo a data da revogação do benefício. Evita-se, com isso, que tais
benefícios se tornem privilégios injustificados. Há também lei temporária que
depende de condição estabelecida por lei, a qual, caso surgida, culminará na perda
da vigência, sendo esse efeito conhecido como caducidade. Nesses casos, a
ocorrência da condição no mundo fenomênico não enseja a automática revogação
da lei. Haverá necessidade de o ordenamento constituir tal fato por meio de
enunciação-enunciada editada pelo Poder Legislativo.
Por fim, quando a finalidade apontada na lei que institui benefícios fiscais é
vaga e abstrata, torna-se difícil a fiscalização da efetividade da norma. Nesses
casos, defende-se o controle judicial por meio de perícia em ação popular ou ação
civil pública.
174
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