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Linguística
XVIII Seminário de Teses em Andamento
29, 30 e 31 de Outubro de 2012
Caderno de Resumos
Expandidos
Instituto de Estudos da Linguagem
Universidade Estadual de Campinas
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IE L – Unicamp CRB 8/6879
C114
Caderno de resumos expandidos do Anais do XVIII SETA / Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem -- V.1, n.1 (2012). -- Campinas, SP : UNICAMP/Publicações IEL, 2012-
Anual
1. Teses – Resumos. 2. Pós-Graduação - Teses. I. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem.
CDD: 378.242
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Reitor
Fernando Ferreira Costa
Vice-reitor
Edgar Salvadori De Decca
INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM
Diretora
Matilde Virgínia Ricardi Scaramicci
Diretor-Associado
Flávio Ribeiro de Oliveira
COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO
Coordenador
Fabio Akcelrud Durão
Sub-comissões de Pós-graduação em:
Linguística
Plínio Almeida Barbosa
Suzy Maria Lagazzi
Paulo Sérgio de Vasconcellos
Linguística Aplicada
Maria Viviane do Amaral Veras
Maria Rita Salzano Moraes
Marcelo El Khouri Buzato
Teoria e História Literária
Marcos Antonio Siscar
Fabio Akcelrud Durão
Márcio Orlando Seligmann Silva
Divulgação Científica e Cultural
Susana Oliveira Dias
Monica Graciela Zoppi-Fontana
Cristiane Pereira Dias
COMISSÃO ORGANIZADORA XVIII SETA
Divulgação Científica e Cultural
Andrea Klaczko
Linguística
Amanda Bastos Amorim de Amorim
Danusa Lopes Bertagnoli
Fabiana Raquel Leite
Flávia Orci Fernandes
Gabriela Strafacci Orosco
Janaina Olsen Rodrigues
Lara Medeiros
Marina Peixoto Soares
Rogério Luid Modesto dos Santos
Linguística Aplicada
Gabriela Claudino Grande
Junot Maia
Nayara Natalia de Barros
Paula Baracat De Grande
Teoria e História Literária
Rafael Henrique Zerbetto
Divulgação Científica e Cultural
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NOSSOS AGRADECIMENTOS AO APOIO RECEBIDO DE:
PRPG
Divulgação Científica e Cultural
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APRESENTAÇÃO
O Seminário de Teses em Andamento (SETA) é uma
realização anual dos alunos de pós-graduação do Instituto
de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de
Campinas (IEL/UNICAMP).
Trata-se de um evento destinado à apresentação de
dissertações de mestrado e teses de doutorado em
andamento de alunos regularmente matriculados em
Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu cujas pesquisas
estão incluídas nas áreas de Linguística, Linguística Aplicada,
Teoria e História Literária e Divulgação Científica e Cultural.
Em 2012 acontece a 18ª edição do evento entre os dias
nos dias 29, 30 e 31 de outubro, nas dependências do Instituto
de Estudos da Linguagem (IEL), na Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP).
Desejamos a todos um ótimo seminário com profundos
debates.
COMISSÃO ORGANIZADORA
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Resumos
Divulgação Científica e Cultural
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Andrea Klaczko
Universidade Estadual de Campinas
"FOTOGRAFANDO O COTIDIANO": OFICINAS PARA A PRODUÇÃO UM JORNAL
COMUNITÁRIO
Nossa pesquisa está inserida no "Projeto Barracão: Eldorado dos Carajás",
desenvolvido pelo Laboratório de Estudos Urbanos (LABEURB/NUDECRI – UNICAMP).
Esse projeto atua em um bairro da periferia de Campinas, o Eldorado dos Carajás, e
busca possibilitar aos moradores, em especial jovens e mulheres, o exercício da
cidadania para que eles criem com a comunidade um laço político (DIAS, 2011). A
metodologia de trabalho do "Projeto Barracão" com a comunidade é dada pela
aplicação de oficinas aos moradores. São oficinas artísticas, de leitura, tecnologia ou
de divulgação científica e cultural. Como aponta Dias (2011), o objetivo é "colocar o
sujeito em confronto com sua realidade, a fim de mostrar que o sentido do espaço que
ele habita, já significado como sendo de periferia, pode ser outro. Assim como o
sentido dos espaços dos quais ele se sente excluído também pode ser outro". Nesta
pesquisa de mestrado, nos propusemos a trabalhar com adolescentes entre 14 e 20
anos de idade com o intuito de estimulá-los para a reflexão política. Como estratégia
para trazer esses adolescentes para o projeto veio a partir das teorias de comunicação
comunitária. Para Paiva & Sodré (2002), a comunicação comunitária seria uma
proposta alternativa para viabilizar ferramentas que dessem voz as minorias
marginalizadas. Eles a definem como um veículo de pressuposto político feito pela e
para a comunidade, com o objetivo de produzir mensagens sob a ótica daquela
realidade, diferente do discurso produzido pela grande mídia. Raquel Paiva (1998: 160)
reforça que “o que permite conceituar um veículo como comunitário não é sua
capacidade de prestação de serviço, e sim sua proposta social, seu objetivo claro de
mobilização vinculado ao exercício da cidadania.”. Esse tipo de comunicação
possibilitaria uma transformação da realidade, produzida a partir dos próprios
moradores dessas comunidades, a partir do momento que passam a fazer uma
reflexão profunda do local aonde vivem, isto é, passam a fazer exercício do seu
político. Decidimos, então, como objetivo geral de nossa pesquisa, oferecer aos jovens
a possibilidade de produzirem veículos de comunicação para o bairro aonde vivem.
Nossa ideia inicial é de que fossem fabricados duas mídias: um boletim de notícias
impresso e um blog virtual. Dessa forma, os adolescentes poderiam explorar diferentes
tipos de linguagem, a partir da escrita para um jornal impresso e para internet,
passando pela linguagem visual da diagramação, fotografias e vídeos que viriam a ser
desenvolvidos. Uma vez que esses veículos de comunicação estejam prontos, nossa
pesquisa se propõe a, a partir deste material, refletir sobre o funcionamento dos
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processos de produção discursiva e ideológica nas mídias comunitárias, sob a ótica da
Análise do Discurso. Para que as mídias possam ser realizadas, julgamos que seja
necessário que os adolescentes possam ter um contato aprofundado com os
diferentes tipos de linguagem presentes dentro de um periódico impresso ou virtual;
possibilitando a eles a compreensão dos mecanismos da escrita, da fotografia e da
interação criada por essas duas. Para tanto, planejamos que nosso trabalho de campo
seja feito por cerca de oito meses na comunidade do Eldorado dos Carajás, e nesse
tempo ofereceremos dois grupos de oficinas: o primeiro que deverá explorar essas
diferentes linguagens de forma aprofundada, para que os jovens possam re-conhecer e
explorar suas habilidades; e o segundo que seria a produção enfim das duas mídias
comunitárias. Em setembro de 2012, o primeiro grupo de oficinas começou a ser
oferecido com o nome de “Fotografias do Cotidiano - Descobrindo as múltiplas formas
de retratar o universo ao nosso redor através de fotografias, de histórias e de suas
interações. Como mostrar para o mundo tudo aquilo que só você enxerga?”. Serão três
oficinas neste grupo que deverão ser ministradas até dezembro deste mesmo ano. A
primeira, “O que você vê?”, com quatro encontros, será de fotografia básica com
introdução às técnicas de filmagem, buscando exercitar a fotografia não somente
como registro da realidade, mas também como uma possibilidade para expressão
pessoal. A segunda oficina trará conceitos de escrita em diferentes gêneros textuais.
“Como você sente?” acontecerá em dois encontros e tem a proposta de permitir aos
adolescentes que brinquem com as escrita de textos jornalísticos para relatar seus
sonhos e o mundo da imaginação, e produção de textos literários contando as histórias
da realidade em que vivem.Por fim, a última oficina deste bloco é a “Des-organizando
o ver e o sentir”, com quatro encontros, em que introduziremos técnicas básicas de
diagramação aos jovens, procurando fazer com que compreendam as etapas da
construção visual de uma página de um livro, um jornal ou qualquer meio impresso,
para que depois possam ter também a compreensão dessa organização em meios
virtuais, como blogs e sites. O segundo grupo de oficinas acontecerá no primeiro
semestre de 2013 e para que seja planejado é preciso aguardar os resultados desse
primeiro contato com a comunidade. Este trabalho apresentado ao XVIII SETA
pretende trazer o processo de preparação e planejamento desse primeiro grupo de
oficinas, bem como os primeiros resultados provenientes do trabalho de campo no
bairro Eldorado dos Carajás.
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Carina Pascotto Garroti
Universidade Estadual de Campinas
A SEMANA NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA E A POPULARIZAÇÃO DO
CONHECIMENTO
A divulgação científica entrou, definitivamente, na agenda pública e governamental do
Brasil. Não por acaso, multiplicaram-se os veículos especializados na área e novos
espaços foram incluídos à mídia tradicional. A criação de políticas públicas de
divulgação de C&T no livro Branco da 2ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia,
publicado em 2002 fortaleceu o setor, que desde então tem contado com o apoio da
iniciativa pública e privada. É crescente, também, o número de museus e centros de
ciência, possibilitando, assim, acesso diversificado ao conhecimento científico por
estudantes e pela população em geral. A criação da Semana Nacional de Ciência e
Tecnologia (SCNT), em 2004, é mais um exemplo de como a cultura científica pode ser
levada à população em geral. A Semana é coordenada pelo físico Ildeu Moreira, do
Departamento de Popularização de Difusão da C&T da Secretaria de C&T para Inclusão
Social do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A importância da
Semana para despertar o interesse pela área e como mobilizadora nacional para a
realização de atividades relacionadas à Ciência, Tecnologia e Inovação é visível. A cada
ano observa-se a participação crescente de projetos de divulgação científica nos
municípios brasileiros. Resultados animadores são também registrados nas mais
recentes pesquisas de opinião pública realizadas pelo MCTI (2011). Da mesma forma,
em grande parte, pode-se também creditar à Semana, além de outras formas
correntes de divulgação científica, a ampliação crescente de visitas a museus e centros
de ciência, que quadruplicaram nos últimos anos (de 2 para 8%). O objetivo geral desta
pesquisa é avaliar o papel da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia e a sua
colaboração no processo de popularização da ciência. Além disso, pretende historiar,
analisar e entender sua trajetória e refletir sobre a importância desta iniciativa no
desenvolvimento de uma cultura científica no país. Alguns dos objetivos específicos
são : examinar o processo de popularização da Ciência, no Brasil, a partir de sua
inserção nas políticas públicas do país, com a 2ª Conferência Nacional de C&T, em
2001 e seus desdobramentos; avaliar o processo de criação e evolução da Semana
Nacional de Ciência e Tecnologia, criada no Brasil em 2004; avaliar, por meio de
entrevistas com lideranças científicas, pesquisadores da área de comunicação científica
e divulgadores da ciência (jornalistas e pesquisadores) a influência, a importância e o
impacto da Semana no processo de popularização da ciência, no Brasil; descrever as
estratégias, os critérios de seleção dos temas escolhidos para cada Semana e suas
atividades, incluindo recursos financeiros, humanos e materiais de divulgação, no
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período de 2004 a 2012; examinar, por meio do portal da Semana de 2012
(Departamento de Popularização de Difusão da C&T da Secretaria de C&T para
Inclusão Social do MCTI), as atividades desenvolvidas no país, durante o período de 8 a
28 de outubro de 2012 (semana anterior, durante e posterior); acompanhar, na cidade
de São Paulo, algumas das atividades realizadas em diferentes instituições; verificar
como a SNCT foi divulgada no período analisado, 8 a 28 de outubro de 2012 (Folha de
S. Paulo e O Estado de S. Paulo); recuperar os materiais de divulgação da SNCT 2012
(site da SNCT, folders, cartazes, jornais etc), analisando seu conteúdo e formatos; fazer
um balanço dos resultados da Semana de 2012. A pesquisa é monográfica, descritiva
de caráter qualitativa. De forma complementar será utilizado o recurso quantitativo
para verificar o crescimento e a diversidade de atividades da Semana. Trata-se de um
Estudo de Caso único (YIN, 1989), de natureza exploratória. Será, também, realizada
pesquisa documental para avaliação dos documentos oficiais da Semana e outros
relacionados à área. Na pesquisa bibliográfica serão utilizadas fontes primárias e
algumas secundárias nas áreas de Comunicação, Cultura Científica e Popularização da
Ciência. O corpus da pesquisa de campo compreende o período de 8 a 28 de outubro
de 2012 (três semanas). Durante a primeira e a terceira semana, será feito um
acompanhamento da divulgação da SNCT no Portal da própria Semana, no MCTI.
Durante a realização da Semana – 15 a 21 de outubro de 2012 – serão acompanhadas
atividades realizadas na cidade de São Paulo em diferentes instituições. A seleção
destas atividades ocorrerá após a divulgação da programação no site da Semana,
obedecendo a critério da diversidade. Está ainda prevista a realização de entrevistas
semi-estruturadas com jornalistas, professores e lideranças da área de Divulgação
Científica. Para isso será elaborado um roteiro de questões a ser aplicado por email
e/ou pessoalmente. Os resultados preliminares e conclusões da pesquisa poderão ser
verificamos após outubro de 2012. No entanto, segundo o MCTI, nas primeiras seis
edições, a Semana reuniu 5% da população brasileira. Este número praticamente
dobrou em 2010, cerca de 10%, ou seja, 190 mil pessoas. Na última edição, até o
último levantamento, os dados contabilizaram 16.110 atividades em 654 municípios
em todos os estados brasileiros. “O número de atividades da SNCT aumentou 20%
entre 2010 e 2011 e o número de municípios envolvidos cresceu em torno de 60%”.
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Daniela Camila de Araújo
Universidade Estadual de Campinas
JOGANDO NOTÍCIA: NEWSGAMES COMO PLATAFORMAS INTERATIVAS PARA A
DIVULGAÇÃO DA CIÊNCIA
Nossa pesquisa tem por objetivo analisar as interações entre usuários e newsgames
para assim compreender de que forma ocorre essa experiência interativa e a
construção dos sentidos atribuídos ao jogo. A partir dessa compreensão podemos
refletir a respeito dos newsgames, em específico, e das novas mídias, em geral,
enquanto ferramentas de divulgação da ciência. Os newsgamespodem ser entendidos
como jogos baseados em eventos noticiosos. Criador do primeiro newsgame
(September 12th), o pesquisador e desenvolvedor de games Gonzalo Frasca descreve
esse tipo de jogos como a junção de charges políticas e simulação. Na primeira obra
dedicada exclusivamente ao assunto, os autores Bogost, Ferrari e Schweizer (2010) vão
expandir o conceito, considerando o termo como qualquer intersecção ente jogos e
jornalismo. Um dos argumentos que defendem a aplicabilidade dos newsgames para a
divulgação de conteúdo jornalístico é a capacidade de simularem como as coisas
acontecem a partir da construção de modelos com os quais as pessoas podem
interagir (BOGOST, FERRARI e SCHWEIZER, 2010). Visto dessa forma, em nosso
trabalho a interatividade torna-se o cerne da discussão em torno dos newsgame Para
analisar a experiência interativa entre jogo e jogador, empreendemos um estudo
empírico realizado com sete voluntários, com idades entre 18 e 30 anos. Cada um
deles participou de uma situação experimental, na qual jogaram o Newsgame CSI, jogo
produzido pela revista Superinteressante e que constitui nosso objeto de estudo.O
roteiro do newsgame descreve o assassinato fictício de um juiz, encontrado morto com
um tiro no peito e o jogador representa o papel de um detetive e deve examinar as
pistas para encontrar a solução do caso. Dessa forma, o newsgame pretende
demonstrar alguns passos de uma investigação criminal e exemplificar de que maneira
os recursos da ciência forense contribuem para a solução destes casos. O jogo é
guiado por um “mestre”, que apresenta as instruções iniciais de cada fase e representa
o “chefe” da investigação. Ele é representado por uma pequena fotografia que aparece
do lado esquerdo da tela a cada início de fase. O newsgame é constituído por cinco
fases e cada uma delas é estruturada sobre uma fotografia. Na maior parte do tempo,
o único movimento possível para o jogador é clicar sobre as pistas encontradas em
cada cena. Após o clique, é aberta uma janela com informações a respeita daquela
evidência. Nas fases 1 (Cena do Crime) e 4 (De volta a cena do crime) a fotografia
apresenta a sala onde foi encontrado o corpo do juiz e diversas evidências do crime; na
fase 2 (Necrotério), a imagem mostra o cadáver sobre a mesa de necropsia e ao clicar
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sobre determinadas partes do corpo, o usuário vai conhecer os detalhes da autópsia;
na fase 3 (Laboratório da Perícia), são reunidas todas as evidências encontradas até o
momento e os objetos podem ser arrastados na cena; a quinta e última fase,
apresenta um formulário que deve ser preenchido pelo usuário com sua teoria sobre a
solução do crime.Para registrar as ações dos sujeitos enquanto interagiam com o jogo,
utilizamos o software Camtasia Studio, programa utilizado para gravar imagens da tela
do computador, permitindo assim que fossem registradas todas as ações dos sujeitos
dentro do jogo. Simultaneamente utilizamos a webcam, para que fossem também
registradas as expressões faciais desses sujeitos. Para capturar imagens em um plano
geral que nos permitissem visualizar também as reações corporais dos indivíduos, foi
utilizada uma câmera filmadora. Após a conclusão do jogo, cada um dos sujeitos
passou por entrevista com a pesquisadora, durante a qual puderam assistir as imagens
gravadas pelo software Camtasia Studio e, na medida em que assistiam, relatavam
para a pesquisadora a navegação e os passos que seguiram no jogo, dificuldades que
tiveram e pontos interessantes que perceberam. Durante todo esse processo, houve a
observação constante da pesquisadora.Além dessa etapa presencial, foi aplicado um
questionário, formulado a partir da tecnologia Google Docs e respondido on-line, no
qual as questões versaram sobre a experiência dos voluntários com computadores,
internet e jogos.Até o momento realizamos a análise dos dados colhidos com dois
sujeitos de pesquisa. As considerações a que chegamos ainda não são conclusivas, uma
vez que a pesquisa ainda se encontra em andamento, mas ressaltaram aspectos
importantes da interação e algumas peculiaridades do envolvimento desses sujeitos
com o newsgame.A partir da análise do mecanismo do jogo e da interação dos dois
sujeitos que analisamos até o momento, podemos destacar dois aspectos que
chamaram mais a atenção: (1) a tentativa de direcionar o jogador para uma solução
previamente formulada para o Newsgame CSI, evidenciada pelo papel do detetive, que
deixa subentendidos trechos da solução final, e a reduzida flexibilidade para a teoria
proposta pelo jogador; e (2) a reduzida variabilidade de ações, uma vez que na maior
parte do tempo o único movimento possível é o clique sobre os objetos em uma cena
estática. Com base nesses elementos, podemos inferir que a interatividade permitida
no Newsgame CSI é fechada. Por mais que as trajetórias dos sujeitos se diversifiquem,
o jogo não permite múltiplas escolhas e respostas. O newsgame analisado está mais
preparado para responder a cliques sobre a tela do que para dialogar com o jogador,
permitindo a transformação e recombinação da mensagem. Outro elemento
importante foi a constatação de que o conteúdo do newsgame foi mais associado com
gêneros do entretenimento, como séries e filmes policiais. A relação com investigações
criminais reais e mesmo com conceitos científicos da ciência forense, como é relatado
na matéria impressa que deu origem ao newsgame, não é mencionada por esses
sujeitos. De uma maneira geral, observamos um interesse marcante no desfecho do
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jogo, e por consequência na história fictícia do assassinato do juiz, e um reduzido
interesse para o conteúdo noticioso ou jornalístico apresentado no newsgame.
Felipe Schmidt Fonseca
Universidade Estadual de Campinas
LABS EXPERIMENTAIS
Ao longo da segunda metade do século XX, o histórico de colaborações entre arte,
ciência e tecnologia foi uma das influências predominantes para o surgimento de
organizações dedicadas ao projeto e desenvolvimento de novas tecnologias e, por
conseguinte, novas formas de as pessoas se relacionarem com o mundo. O
estabelecimento de laboratórios como o estadunidense MIT Media Lab, em 1985, é
frequentemente mencionado como um marco importante nesse sentido. Mais
recentemente, a suposta tendência global em direção a arranjos econômicos
fortemente apoiados nas tecnologias digitais faz com que autoridades governamentais
e acadêmicas, assim como celebridades do mundo empresarial, defendam a
necessidade de replicar o modelo do MIT Media Lab em outros contextos, inclusive no
Brasil. Em tempos de iminente esgotamento do modelo de crescimento do
agrobusiness e da indústria tradicional, a “inovação” - entendida por esses atores
como a aplicação da criatividade para solucionar problemas comerciais ou para gerar
aquilo que chamam de propriedade intelectual - é trazida ao centro do palco. Para
assegurar seu pleno desenvolvimento, precisaríamos começar desde o zero a construir
por aqui instituições nos moldes do estadunidense. O presente ensaio busca contribuir
com a compreensão de um modo de ação coletiva emergente - através de
agrupamentos coletivos, descentralizados, auto-organizados e coordenados - através
do qual têm-se levado a cabo experiências de apropriação crítica de tecnologias.
Entendo aqui por apropriação crítica o uso reflexivo das tecnologias, notadamente das
tecnologias da informação mas também estendendo-se a outros tipos de tecnologia,
através do qual indivíduos e grupos escapam à condição de meros usuários e adquirem
agência na relação com o objeto técnico e com seu entorno tecnopolítico,
potencialmente tornando-se inventores e autores dessas mesmas tecnologias. Tais
experiências situam-se em um cenário de cooperação entre iniciativas em diversas
partes do mundo, mesmo que em contextos totalmente distintos. Abrem
oportunidades de transformação social, a partir da aproximação entre essas
tecnologias e as demandas de diferentes grupos sociais, e da possibilidade de
modificação dessas tecnologias ao adotar uma postura de “código aberto”. Em outras
palavras: caracterizam-se pela adoção de uma postura de compartilhamento com
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licenças livres via internet tanto do resultado de suas ações quanto, frequentemente,
dos métodos e instrumentos que possibilitaram alcançá-los. São várias as
denominações que tais formações utilizam para si mesmas. Para citar somente
algumas: redes, laboratórios, hackerspaces, coletivos, zonas autônomas, projetos
experimentais. Situam-se em uma região fronteiriça entre diferentes campos como,
entre outros, a arte, a ciência, a educação, o ativismo, as políticas públicas e o
mercado. Talvez seja justamente a posição de fronteira que impeça seu
enquadramento absoluto em categorias estabelecidas e evite, por conseguinte sua
submissão total a qualquer desses campos. Se por um lado essa condição ocasiona
dificuldades operacionais para tais formações, em especial na mobilização de recursos
para pôr em marcha suas atividades; por outro permite ou mesmo exige um alto grau
de autonomia e inventividade. Estas surgem não somente em termos objetivos -
naquilo que é elaborado e disponibilizado por essas formações, por vezes é chamado
“conteúdo” (um conceito no mínimo questionável, devido a sua associação quase
automática com modelos de logística industrial e estratégia militar que se afiguram
superficiais para entender a produção em questão), como também em termos
organizacionais e de dinâmica social. Outra particularidade imposta pelo não
enquadramento de tais formações é naturalmente a dificuldade em analisá-las através
de instrumentos convencionais. Tratam-se de dinâmicas criativas, conversas informais
entre atores de diversas partes do planeta, negociação aberta de produção
colaborativa, envolvimento com política de Estado, articulação do engajamento de
agentes locais, discussão técnica sobre ferramentas digitais e busca de maneiras de
financiar e manter projetos em funcionamento. Seria impraticável encontrar uma
metodologia que abarcasse todas as suas implicações. Nesse sentido, utilizarei um
recorte amplo inspirado pela etnografia e pela análise histórica, que permita a
visualização de determinadas dinâmicas sociais, a análise de percursos em particular e
a proposição de algumas hipóteses pontuais que, espero, contribuirão para formar um
retrato complexo deste cenário. O ensaio parte de minha própria experiência pessoal
como indivíduo atuante nesses contextos ao longo da última década, principalmente
no Brasil, mas também em contato com algumas iniciativas internacionais. Analisa
então as colaborações arte-ciência que influenciaram a criação do MIT Media Lab nos
Estados Unidos. Em seguida, relata outros tipos de formações que dialogam com a
ideia de laboratório, para então traçar paralelos entre eles e as primeiras sociedades
científicas, à época do Renascimento. Por fim, articula os diferentes tipos de
formações emergentes (medialabs autônomos ou coordenados por artistas,
hackerspaces e outros) com o cenário corrente no qual a definição de laboratório deixa
de ser ligada simplesmente a infraestrutura tecnológica, concentrando-se mais na
criação de oportunidades efetivas de colaboração entre pessoas e suas ideias. Mesmo
ciente das possíveis ressalvas, algumas das quais explicito ao longo do texto, utilizo a
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denominação “laboratórios experimentais” para referir o conjunto de iniciativas sobre
as quais dirijo meu olhar.
Fernanda Cristina Martins Pestana
Universidade Estadual de Campinas
OBJETOS E AFECTOS: UMA TRAMA DE SIGNIFICADOS, FUNÇÕES E SENSAÇÕES
“A princípio, eu tinha olhado os objetos distraidamente; depois me interessei pelos
segredos que os objetos pudessem ter em si mesmos (...)” (O Cavalo Perdido e outras
histórias, 2006). As palavras de Felisberto Hernández introduzem minha vontade de
propor a composição de uma trama de coisas, corpos e objetos que se deslocam das
condições que estabilizam as suas existências, para uma movimentação que os
permitem habitar outras funções, significados e/ou sensações. Desenhar uma teia
composta por coisas que não se fixam às significações dadas pelos saberes, ciências e
culturas, mas que constituam organismos vivos que desejam afetar-nos por sensações,
afectos e perceptos (Deleuze, Guattari; 2009), quando experimentados por artistas.
Uma proposta de deixar-nos habitar pelas coisas, despir objetos numa conversa em
que a materialidade deles possa dizer-nos de mistérios indescritíveis por palavras: da
secura das cores, da aspereza da madeira, do metal deslizante, da elasticidade plástica,
da vulnerabilidade do papel... Secar suas significações na possibilidade de compor uma
vida outra com estes materiais, ser habitado por estes mistérios em devir-coisa: “não
estamos no mundo, tornamo-nos mundo, tornamo-nos com o mundo, nós nos
tornamos contemplando-o. Tudo é visão, devir” (Deleuze, Guattari; 2009:220). Para
traçar esta trama escolhi pensar o afecto nos objetos criados por artistas como Marcel
Duchamp, Joseph Cornell, Robert Rauschenberg, Cildo Meireles e Arthur Bispo do
Rosário, que se apropriam de objetos precários e efêmeros, produzidos em escala
industrial para breve descarte, bem como coisas já degradadas, consumidas,
descartadas, desvalorizadas por uma sociedade de consumo, para criar algo novo
explorando os seus materiais. No processo da escolha desses objetos pelos artistas há
uma transformação do olhar sobre eles, os artistas se deixam afetar pelos perceptos
dos objetos, criam algo que dá vida à materialidade das coisas, compreendendo que os
significados e funções que lhes são atribuídos são exteriores à eles. Em suas
intervenções, os artistas habitam estas matérias com outras coisas, dão a elas uma
vida própria no que as (des)organizam segundo uma ordem estética – criam um
composto de sensações. Os artistas em devir-coisas experimentam a construção de
corpos com o mundo, criam os objetos desta trama que são apreciados não mais por
uma função ou utilidade, mas pelos organismos vivos que compõem. Permitem-nos
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desenhar conexões entre os ready-mades de Duchamp; as colheres, canecas, confetes
e outras coisas re-compostas por Bispo do Rosário; as inserções em circuitos
ideológicos de Cildo Meireles; as montagens de Joseph Cornell; e as pinturas
compostas por objetos e recortes de Rauschenberg; numa trama em que seja possível
perceber nestes compostos possibilidades de afectos. Minha proposta é traçar
conexões em que estes objetos sejam independentes dos dados biográficos de seus
autores, ou de determinações que os fixem a alguma identidade, temporalidade ou
territorialidade dada. Pensar um processo em que a arte, ao mesmo tempo que se
apropria de coisas (coisas que já afetam o nosso cotidiano dentro de uma lógica
consumista), em um movimento desestabilizante daquilo que está dado, executa
também um processo de desapropriação, que nos permite pensá-las como coisas que
ressoam por si sós numa multiplicidade de sentidos e sensações. Neste deslocamento,
a arte cria possibilidades de inventar problemas e soluções no que olha para as coisas
e as percebe como corpos balbuciantes que clamam por vozes próprias, suscitam uma
vontade de desvendar mistérios cujas soluções estão em seu próprio corpo. Soluções
que se dão no encontro com a arte – e a cada solução a criação de um novo problema
– e em devires-coisa: um problema vital como mais um órgão pulsante nos corpos de
quem os criou e do público que os contempla. Porém inventar problemas com as
coisas não se trata da negação das cargas culturais preexistentes, mas de uma
condição de coexistência, de agregar à materialidade preconstituída e já “consumida”
dos objetos outras significações. O desejo deste desenho é compor este ponto de
encontro entre estes materiais preexistentes, e as possíveis intervenções feitas pelos
artistas que podem dar a eles vidas próprias: criar compostos de sensações nas coisas
que habitam o mundo. Uma das possibilidades de intervenção observada nas
composições criadas pelos artistas é a experimentação da palavra com os objetos. O
simples ato de “dar nome às coisas”, por exemplo, pode deslocar um objeto de um
esquema classificatório e determinante presente na cultura científica, e fazer proliferar
possibilidades absurdas que subvertem a lógica dos saberes, como fez Marcel
Duchamp em uma pá, um de seus ready mades, ao grafar a frase “In advance of the
broken arm”, ou nomear como “fonte” um mictório. Pensar a palavra como parte
deste composto que habita os objetos e prolifera sentidos e sensações que nos
querem afetar; a palavra também como um traço que pode abrir feridas sobre/nas
coisas e as deslocam das suas significações e funções dadas: “Nomes se dão às coisas/
Nomes se dão/ Nomes se dão às pessoas/ Nomes se dão/ Nomes se dão aos deuses na
imensidão do céu/ Nomes se dão aos barquinhos na imensidão do mar/ Nomes se dão
às doenças na imensidão da dor/ Nomes se dão às crianças na imensidão do amor”
(Nome das coisas, Karnak). Uma vontade de procurar os mistérios dessa imensidão
que habita as coisas pela arte e deixar que elas nos afetem. Desenhar uma trama de
objetos em deslocamento, desestabilizados na divagação por esta imensidão de
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possibilidades de experimentar coisas e palavras que compõem afectos e proliferam
de sentidos e sensações. Este trabalho se insere no projeto maior de pesquisa Por
entre ciências, divulgações e comunicações, as configurações políticas de cultura e de
público (Processo Fapesp: 2010/50651-0, vinculado ao Labjor – Unicamp, coordenado
pelo Prof. Dr. Carlos Alberto Vogt e Profa. Dra. Susana Dias).
Jessica Norberto Rocha
Universidade Estadual de Campinas
A CULTURA CIENTÍFICA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA: A EXPERIÊNCIA DE
FORMAÇÃO A DISTÂNCIA NA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL – UFMG
Há quase duas décadas, o National Science Education Standards (1996), publicado nos
Estados Unidos, já enfatizava a importância da alfabetização científica para o cidadão e
a colocava como meta para o século XXI. Hoje, e de maneira especial, no Brasil, a
motivação não é diferente: a alfabetização científica passa a ser compreendida como
necessidade para a formação de uma educação cidadã e de uma cultura científica. Tal
motivação ocupa um espaço que vai da prosperidade nacional ao reconhecimento do
conhecimento científico como parte da cultura humana, incluindo, em seu significado,
o exercício da cidadania (na avaliação de riscos e nas escolhas políticas), o
desempenho econômico e as questões de decisão pessoal. O ensino de Ciências, em
diferentes níveis, tem apresentado lacunas preocupantes, de acordo com pesquisas
nacionais e internacionais. Diversas avaliações mostram que o desempenho dos jovens
brasileiros em ciências, na maioria das vezes, está aquém do desejado. Para ilustrar,
mostramos o resultado do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA,
2000, 2003, 2006, 2009) – avaliação internacional padronizada, desenvolvida
conjuntamente pelos países participantes da OCDE, aplicada a alunos de 15 anos no
ensino regular. O PISA abrange os domínios de Leitura, Matemática e Ciências, não
somente quanto ao domínio curricular de cada, mas também quanto aos
conhecimentos relevantes e às habilidades necessárias à vida adulta. Os resultados
brasileiros em Ciências não são nada satisfatórios quando comparados com o nível
atingido por outros países. Em 2000, de 43 países avaliados, o Brasil ficou na 42º
colocação, penúltimo lugar, com 375 pontos, acima apenas do Peru; em 2003, de 41
países avaliados, o Brasil também ficou apenas uma colocação acima do último,
Tunísia, apesar de subir para 390 pontos. Em 2006, em 57 países, atingiu a posição 52,
acima de Colômbia, Tunísia, Azerbaijão, Catar, Quirguistão, mantendo a média de 390
pontos da avaliação anterior. Por fim, em 2009, dos 65 países participantes, a posição
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alcançada foi de 53 com 405 pontos. (OECD, 2000, 2003, 2006, 2009). O professor é
um formador de opinião de grande influência na construção do imaginário de seus
alunos e possui um papel relevante na formação de cidadãos críticos e na promoção
da consciência e tomada de decisão em assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação
(CT&I). O presente Estudo Caso tem como objetivo identificar e analisar a cultura
científica dos professores da Educação Básica de Minas Gerais, à luz dos modelos de
pesquisa em Percepção Pública da Ciência, tendo em vista o processo de formação de
professores no curso Pedagogia da Universidade Aberta do Brasil da UFMG
(UAB/UFMG). Busca-se compreender profundamente a Cultura Científica dos alunos
do curso de Pedagogia UAB/UFMG, além descrever e interpretar a complexidade do
caso. O presente estudo inclui pesquisa bibliográfica e documental, análise dos dados
quantitativos e qualitativos coletados a partir do questionário baseado nos modelos de
Percepção Pública da Ciência e das entrevistas semiestruturadas realizadas com 10%
da amostra inicial, e a triangulação de informações, dados e evidências. Sendo assim, o
trabalho será desenvolvido em três fases: 1) percepção da ciência pelos alunos do
curso Pedagogia UAB/UFMG; 2) a cultura científica dos professores e suas práticas
pedagógicas; e 3) o panorama e suas repercussões. No primeiro momento, a pesquisa
foi realizada por meio de um questionário, com perguntas fechadas e abertas, aplicado
em professores em formação inicial e em exercício do curso de Pedagogia UAB/UFMG.
A análise tradicionalmente efetuada por meio de questionários não revela toda a
complexidade e as dimensões das representações sobre CT&I. Por esse motivo, no
segundo momento, a pesquisa será realizada por meio de entrevistas
semiestruturadas em profundidade com uma amostragem de no mínimo 10% do
cursistas de Pedagogia UAB/UFMG. Considerando que temos em cada um dos cinco
polos entre 24 cursistas e 39 alunos respondentes, faremos a entrevista com pelo
menos 4 alunos, sendo 2 em formação inicial e 2 professor em atividade. Assim,
teremos 20 alunos entrevistados, representando, portanto, 12,9% do universo total. As
entrevistas serão realizadas durante os encontros presenciais, previamente
autorizadas e agendadas pela coordenação do curso. Esta etapa objetiva considerar os
aspectos ativos no processo de cognição para a construção de sentido, da negociação
das mensagens, da motivação e das conotações emotivas, tratando a cultura científica
como um processo dinâmico. A partir das entrevistas, espera-se coletar dados em
maior profundidade sobre a sua formação, a recepção e participação dos assuntos
atuais da área científica e sua relação com a sociedade, as atitudes e valorização da
ciência, as práticas pedagógicas e alguns aspectos da recepção de seus alunos. Na
terceira fase, a partir do cruzamento dos dados obtidos nas duas fases anteriores, será
possível identificar e analisar os pontos que evidenciem como a cultura científica dos
alunos do curso de Pedagogia UAB/UFMG – turma 2011 pode influenciar seus
discursos e atuais e futuras práticas pedagógicas. A partir da presente pesquisa,
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espera-se abrir caminho para futuras investigações, programas de divulgação científica
e formação qualificada do professorado para ensino de CT&I e suas relações com a
sociedade no mundo contemporâneo.
Juliano Luis Pereira Sanches
Universidade Estadual de Campinas
CInAPCe, RÁDIO NÔMADE, COMUNICA-BRINCADEIRA: UMA METODOLOGIA DE
COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA EM NEUROCIÊNCIAS PARA ALUNOS DO ENSINO BÁSICO
A proposta foi possibilitar a formulação de conjecturas sobre as neurociências a partir
de leituras sonoras de “CInAPCe, rádio nômade, comunica-brincadeira: Uma
metodologia de comunicação científica em Neurociências para alunos do Ensino
Básico”. Um artefato sonoro foi construído em duas edições, com atenção à imersão
nas neurociências. O artefato foi disponibilizado entre grupos de alunos e professores
do Ensino Fundamental, vinculados à escola pública da SME (Secretaria Municipal de
Educação), EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental), Francisco Ponzio
Sobrinho, Santa Odila, Campinas/São Paulo. A iniciativa foi permitir a aproximação
escolar com alguns dos diálogos atuais sobre as neurociências, tais como nos casos de
epilepsia e AVC (Acidente Vascular Cerebral). O objetivo geral foi verificar, numa
perspectiva analítica, como um artefato sonoro poderia ser inserido em uma
experiência comunicativa com uma escola pública do Ensino Fundamental de
Campinas. Os objetivos específicos foram verificar como a Rádio CInAPCe poderia ser
usada como um instrumento de contato com uma visão transversal de apropriação do
conhecimento; estudar os sentidos gerados, através do contato de alunos e
professores com uma experiência comunicativa em neurociência. O projeto permitiu o
debate entre alunos do Ensino Fundamental na faixa etária de 10 anos de idade (5°
ano ou quarta série). Os resultados corroboram alguns aspectos interessantes em
neurociências. 70% dos alunos nunca presenciaram uma crise de epilepsia. Isso
demonstra a falta de atenção das várias mídias sobre o assunto. 35% dos parentes e
amigos dos estudantes já tiveram crises. A pesquisa mostra a dificuldade em manter a
calma durante a crise. "A pessoa, que não tem epilepsia, tem medo de quem tem".
59% acreditam que existe uma diferença entre os que têm epilepsia e aqueles que não
têm. A pesquisa foi baseada nas seguintes áreas do conhecimento: a transversalidade,
a transdisciplinaridade, a ludicidade, o pós-formalismo, o construtivismo crítico, o pós-
estruturalismo, a educomunicação. Com essa experiência rizomática, a criança foi
convidada para a enunciação de uma atitude de provocação sobre as neurociências.
Direta ou indiretamente, os alunos promoveram novos exercícios e problemas
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intelectuais aos pesquisadores. A dinâmica da cartografia foi: Os pesquisadores
provocaram os alunos. E as crianças provocaram os pesquisadores. Permitir novas
relações dialéticas e dialógicas. A perspectiva foi baseada na formulação de leituras
provocativas sobre o conhecimento. Colocar as certezas em crise. As crianças não são
entidades inócuas, mas, sim: agentes políticos, filosóficos e artísticos. Reconheceu-se
com a leitura das crianças um exercício de atitude filosófica. E por que não um
exercício de uma atitude científica? Ao pensar no impacto social da epilepsia e do AVC,
é relevante considerar, num ponto de vista ainda mais complexo, que as dificuldades
de compreensão do cérebro assombram a vida contemporânea, pois, desde a
arquitetura até à astronomia, todas as ações sociais são impingidas a partir de uma
visão de relacionamento acerca dos dispositivos fisiológicos de sentidos. Por exemplo,
por que são construídas as placas de trânsito senão para um contato com o dispositivo
de sentido, imbricado ao cérebro? Por mais paradoxal que seja sustentar a presente
afirmação, as cidades, as profissões, as escolas, os artefatos audiovisuais, as
tecnologias são pensadas a partir dos conhecimentos inerentes às neurociências. Sem
levar em conta o potencial do cérebro, há motivos para produzir artefatos de
relacionamento entre os sentidos? Há motivos para pensar a produção de energia
(nuclear, eólica, solar, térmica, entre outras) sem se colocar em atenção o potencial de
manejo tecnológico, vinculado à condição neural? As relações cognitivas estabelecem
condições de produção para os campos sociais e subjetivos, em que a resolução de
problemas surge cada vez mais como um efeito de um complexo neural. A teia neural
estabelece tendências e devires sobre os processos, de modo a gerar interferências
nos modos de organização da vida contemporânea. Uma teia neural situada no caos
humano, em que os reveses e os dispositivos de solução de problemas disputam uma
arena em uma superfície amorfa. O óbito do paciente, enquanto falência do cérebro, é
uma questão de atenção para as neurociências. O que os pesquisadores do cérebro
devem fazer? O que as pesquisas podem mudar na relação vida social-corpo orgânico-
cérebro? Quais as consequências e responsabilidades das mudanças impingidas pelas
neurociências? O cérebro, assim como um sistema eletrônico de uma máquina, está
condenado a vivenciar uma série de reveses, que comprometem a vida humana
contemporânea e que, por sinal, interferem na construção das relações sociais e
produtivas, num ponto de vista amplo. A produção de pensamentos e desejos faz do
cérebro a extensão das máquinas de sentidos em trânsito, que imprimem
delineamentos peculiares sobre os efeitos da própria linha de montagem e de
reprodução, com experiências e interfaces que marcam a condição. Num pós-
capitalismo centralizado no fenômeno fabril, hoje o que fica saliente nas relações
maquínicas é uma dialética construída sob os desígnios das forças neurais e subjetivas
de produção de sentidos. Desliza-se, assim, com essas provocações, sob o conceito de
CMI (Capitalismo Mundial Integrado), de Guattari (1995, pp. 30-35), em que são
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ressaltadas as potências das forças produtivas da subjetividade, enquanto meios de
apropriação, em contraste com os processos de dominação, para além das extensões
de controle em que a razão se assenhorou durante os séculos. Para Guattari (1992, 30-
267), as questões urbanísticas, arquitetônicas, médicas e subjetivas devem ser
pensadas em relações de conexão, agenciamento e enunciação. Através de complexas
fusões e embates neurais, subjetivos e sociais, há um atravessamento entre os objetos,
as tecnologias, as comunicações, as ciências e as educações em curso. A dor presente
na vida social, enquanto parte da formação orgânica da mente, se expressa, por
exemplo, quando se depara com a possibilidade de não-controle, típica das
implicações da perecibilidade do cérebro. Sabe-se que a maturidade, além de imprimir
responsabilidades à vida social, também é um marco da constatação da premissa de
aniquilação da condição orgânica. A arte, a música, a escrita, a fotografia e o cinema
são efeitos de projeções, dores, prazeres e potências existenciais das máquinas de
sentido – que se produzem por deslocamentos tênues entre os cérebros, as
subjetividades e os delírios.
Maísa Maryelli de Oliveira
Universidade Estadual de Campinas
A PERCEPÇÃO DAS CRIANÇAS SOBRE C&T: BAGAGEM CULTURAL E IMAGENS
CONSTRUÍDAS A PARTIR DO PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO
Em uma sociedade dita democrática, o acesso à educação de qualidade, à informação
e ao conhecimento é fundamental para que o cidadão exerça sua liberdade de pensar
e tomar decisões sobre questões que o afetem enquanto parte da coletividade. Para
que um indivíduo participe de discussões sobre transgênicos, por exemplo, é
necessário que ele conheça suas vantagens e desvantagens e tenha consciência do
impacto dos resultados das pesquisas na qualidade de vida das pessoas. Nesse
contexto, os indicadores de Percepção Pública da Ciência (PPC) têm ganhado
importância. A construção desses indicadores pode estimular e aprimorar a
comunicação da ciência e o estabelecimento de mecanismos de inclusão de diferentes
atores no debate em torno de temas de ciência e tecnologia (C&T). Bucchi (2008)
destaca que a concepção tradicional de comunicação pública da ciência nasceu
baseada na ideia de que os temas científicos eram muito complicados para serem
entendidos pelo público em geral. Assim, era necessário estabelecer uma mediação
entre cientistas e cidadãos comuns. Nos anos 1980, estudiosos da comunicação
pública da ciência definiram esse enfoque como “modelo de déficit”. Vogt (2008)
ressalta que com o passar dos anos, países como a Inglaterra e a França foram
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substituindo a teoria do déficit por uma visão mais democrática das funções da
divulgação científica. Como consequência do amadurecimento dessa visão,
desenvolveram-se os conceitos de entendimento público da ciência (public
understanding of science) e consciência pública da ciência (public awareness of
science). Ambos buscam transcender o foco na aquisição da informação pelo público,
chamando a atenção para a importância de se formar cidadãos capazes de adotar uma
postura crítica com relação ao processo envolvido na produção e circulação do
conhecimento científico. Esses conceitos estão relacionados à cultura científica, que
segundo Vogt, está atrelada às formas de interação da sociedade com os temas de
C&T. Vogt (2003) se propõe a explicar a dinâmica da cultura científica por meio da
“espiral da cultura científica”. O modelo destaca, entre outros processos, o de “ensino
para a ciência”, desenvolvido nas salas de aula, museus e feiras de ciência. Estudiosos
chamam a atenção para o papel da escola na vida dos alunos e da comunidade. No
ambiente escolar, o ensino de ciências deve ser orientado para além da esfera formal,
não se atendo exclusivamente à promoção do entendimento do conteúdo
apresentado nas disciplinas. Ele deve se direcionar, também, aos aspectos relativos ao
mundo exterior à escola, ao modo como os estudantes utilizarão o conhecimento
adquirido. Nesse contexto, emergem iniciativas no sentido de promover diferentes
abordagens educacionais, tendo em vista a multidimensionalidade do processo de
ensino e aprendizagem, dentre as quais pode-se citar o Programa Mais Educação.
Criado pelo Ministério da Educação (MEC), o Programa objetiva ampliar a oferta de
conteúdos nas escolas públicas e aumentar a jornada escolar. A educação científica é
uma das áreas contempladas, sendo abordada por meio de atividades de “Iniciação à
Investigação das Ciências da Natureza”, que visam a complementar a formação escolar
por meio da visitação a museus de divulgação científica e da realização de oficinas e
feiras de ciências. O Mais Educação apresenta grande potencial no que se refere ao
ensino de ciências para crianças e adolescentes, projetando-se como uma alternativa
ao desenvolvimento e à valorização da educação científica no País. Entretanto, sabe-
se pouco sobre a percepção que os estudantes têm da ciência e dos cientistas, seu
nível de interesse, seus hábitos informativos e sobre o modo como eles relacionam os
conhecimentos científicos adquiridos em museus ou feiras de ciências com o seu
cotidiano. Os indicadores de percepção pública da ciência construídos a partir da
compreensão dos estudantes envolvidos no Programa podem ser uma importante
fonte de informação para o desenvolvimento de políticas de divulgação capazes de
promover a cultura científica em meio ao público jovem e colocar em evidência a
necessidade de se tornar o processo de tomada de decisão relativa à C&T mais
democrático. Este trabalho se propõe a analisar a percepção do público escolar sobre
ciência antes e depois de sua participação nas atividades de divulgação científica em
museus, centros de ciência e outras instituições de educação não-formal, com foco nas
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ações desempenhadas pelo Programa Mais Educação. O objetivo principal é avaliar a
influência que essas atividades exercem na visão dos alunos sobre a ciência e os
cientistas. No caso desta pesquisa, o estudo de caso de natureza quantitativa e
qualitativa se apresenta como a melhor opção metodológica, pois, segundo Yin (2001),
é a estratégia apropriada para lidar com acontecimentos contemporâneos, em que
não se pode manipular comportamentos relevantes.Como não há nenhuma escola
participante do Programa situada em Campinas, o trabalho de campo será
desenvolvido na cidade de São Paulo. Dados do MEC mostram que, em 2009, 128
escolas da capital paulista participaram do Mais Educação. Em função da dificuldade
de entrar em contato com todas elas, será escolhida uma região da cidade. Então,
entre as escolas participantes localizadas nessa região, será feito um levantamento das
que desenvolvem atividades de educação científica e que se mostrem disponíveis para
participar da pesquisa. Dentre estas, será escolhida a mais viável em função da
segurança do local e do número de alunos. A amostra será composta por estudantes,
preferencialmente matriculados na última série (5º ano) da 1ª fase do ensino
fundamental, na qual há uma maior evasão na transição para a 2ª fase, já que este
grupo foi mencionado na cartilha Programa Mais Educação – passo a passo, do MEC,
como parte do público alvo do Programa.A coleta de dados será feita por meio da
aplicação de questionários junto a alunos da escola selecionada. Em linhas gerais, os
questionários deverão tratar de pontos como: a imagem que os entrevistados têm de
C&T, os conhecimentos que eles têm sobre conteúdos gerais da ciência, seus hábitos
informativos, além de seus perfis sociais e culturais. O número de entrevistados será
definido de acordo com um desenho amostral que será previamente elaborado.
Marcelo de Albuquerque Vaz Pupo
Universidade Estadual de Campinas
CIRCUNSCREVENDO OLHARES: CULTURA, MOVIMENTOS DO CAMPO, IMAGEM E
CONHECIMENTO
Este resumo baseia-se em projeto de mestrado e nas reflexões elaboradas a partir de
disciplinas cursadas no Labjor. O propósito do projeto é discorrer sobre as imagens que
faz o mundo rural e as imagens que fazem dele o poder hegemônico, trazendo
algumas linhas contrastantes para análise. A forma de agir e pensar deste mundo rural
vem preenchendo nosso imaginário de futuros possíveis, tanto sócio quanto
ambientalmente falando. A proposta do projeto de mestrado é produzir imagens que
transmitam este sentido humano que vem sendo obliterado. A pesquisa tem o
pressuposto de que essa essa obliteração relaciona-se com a crise contemporânea, e
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atentar para a solução que propõe as organizações campesinas é uma tarefa sensata
na superação desta crise. A noção de recampesinização do mundo rural pode ser
interpretada como uma forma de resistência da agricultura familiar que se expressa
como luta por autonomia na era da globalização. A agricultura familiar trabalha sua
emancipação empregando seus conhecimentos na valorização dos potenciais
ecológicos e socioculturais locais. Assim, a emancipação do camponês alimenta a
reciprocidade e a solidariedade social. Eric Wolf entende que as noções que legitimam
as ideologias são elementos culturais, interessando-se pela relação entre poder e
idéias. No caso dos camponeses e suas movimentações sociais, esta relação entre
cultura, ideia e poder é um útil instrumento de análise da complexidade da questão. As
lutas e mobilizações nacionais da década de 1990 realimentou a discussão sobre o
papel da agricultura familiar no cenário sócio-político brasileiro. Estas movimentações
funcionam como rompantes do satus quo. Este acirramento revolve nossas
concepções sobre sociedade e cultura, expondo a pervesidade e as desigualdades do
sistema, que busca silenciar a força dos movimentos sociais. Wolf diz que a noção de
cultura encaixa-se onde há diferenças entre a população ao mesmo tempo em que há
apelos à unidade. Podemos então correlacionar as diferenças políticas ao elemento
cultural associado, invocando este corpo conceitual que é sensível às questões pela
cultura estudados. Este vácuo entre a noção de cultura pela antropologia e uma
abordagem político-econômica é preenchido, até mesmo pelo olhar que Wolf lançou
aos camponeses em estudos anteriores. Segundo ele, existe a ideia que sob os
elementos culturais há alguma forma de espírito interior que necessita trabalhar
através de uma elite que o expresse - a não ser para os camponeses. Talvez o
camponês constitua a relação com o outro não pela opressão, mas por uma habilidade
tácita que faça do acolhimento e do respeito seu braço político. As diferentes
expressões agriculturais e os processos a elas inerentes donde derivam determinantes
ambientais, sociopolíticos e de subjetivação nos mostram mundos repletos de
antagonismos, mas que disputam o mesmo solo. Assim, estes "mundos" e seus
projetos parecem congregar as contradições que são encontradas na raiz de nossa
crise. Wolf afirma que toda ideologia é formada a partir de uma matéria-prima comum
- os elementos culturais de uma sociedade, sendo uma forma dela ganhar influência.
Neste antagonismo de modelos agrícolas isso é perceptível pois existe a idéia de que o
meio rural deve ser superado pela tecnologia, numa disseminação de ideias que opõe
a cultura do campo ao "futuro" e ao "civilizado". O poder hegemônico estabelece um
imaginário do que seria a proposta dos movimentos sociais e do que seria o futuro no
campo a partir da tecnologia, revendo a Revolução Verde dos anos 50 (mecanização,
agroquímicos). Este imaginário é implementado via poder: repressão, criminalização,
etc. Assim, as ideias hegemônicas ganham visibilidade. O discurso tecnológico é
eficiente em reunir do "plano geral da cultura aquilo que lhe é adequado" para nos
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convencer de que o futuro caminha para onde ele aponta. A ciência é "deusificada" na
disputa pelo sentido da vida. Para Geertz, a ciência representanda o moderno
substituto da religião. Ela seria uma forma de religião adequada a uma modernidade
desencantada. Porém, este fundamentalismo tecno-científico não é desprovido de
posicionamento político. Podemos analisar a relação que estabelecida entre o
imaginário elaborado pela cultura científica e o poder associado à construção do
conhecimento por ela gerado. Quem constrói o conhecimento? Quem beneficia-se
com ele? Estudando a agroecologia e o agronegócio, Costa aponta que é na essência
sociocultural que podemos discernir uma expressão política da outra. Ao contrário do
agronegócio, para a agroecologia existe uma clara "relevância dos saberes locais para a
geração e valorização do conhecimento sob inspiração e controle das populações
locais". Essa postura questiona alguns paradigmas, notadamente aqueles vinculados
ao pensamento dominante. Aqui insere-se outro aspecto do mestrado , que busca
bases teóricas que dêem suporte analítico à organização do conhecimento dos
movimentos campesinos - ao menos daquela que presencio na prática acadêmica. A
proposta prática da pesquisa pretente circunscrever à uma produção imagética esta
estrutura de conhecimento popular que se dá na movimentação cidade-campo. Trago
à tona a hipótese de que o pontencial das conexões não-lineares da linguagem
cinematográfica é sensível aos processos político-pedagógicos que se dão no
torvelinho das lutas camponesas. Elisa Pereira Gonsalves, ao analisar a educação
popular, articula o pensamento de Humberto Maturana para nos aventar a ideia de
que só podemos conhecer o conhecimento humano a partir dele mesmo, e que essa
inscrição corporal do conhecimento pode nos indicar a superação de propostas
despóticas, por assim dizer, de produção de conhecimento: o indivíduo é produtor e
produto do processo de conhecimento. Estas conexões não-lineares parecem ter sua
potência não exatamente no fato de não serem rigorosamente lineares, mas por
acolherem elegantemente a autonomia: do pensamento, das interelações, da
criatividade, do indivíduo e da coletividade – simultaneamente. O cinema assim
permite à essa unidade “nós-eu” elaborar diferentes normas, compreender as
conexões que se realizam no interior do próprio pensamento; em suma, ser
autônomo. Se na produção de conhecimento há necessariamente atravessamentos
políticos, concepções de realidade e de vida, quais são as "factíveis ficções" dos
sujeitos co campo? Que conjuntos possíveis eles criam a partir de sua prática, seu
trabalho, seu cotidiano, que tanto desequilibra a linearidade dogmática que se afirma
intransigente, imutável, petrificada?
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Patricia Aline dos Santos
Universidade Estadual de Campinas
A APLICABILIDADE DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS EM SAÚDE NO JORNALISMO
Com interesse nas relações da ciência com a comunicação, e em virtude de
experiências anteriores na área da saúde, direcionei o olhar para o jornalismo e as
relações com a Saúde Baseada em Evidências (SBE) para desenvolver esta dissertação.
Praticar a SBE, resumidamente, quer dizer utilizar estatísticas derivadas de pesquisas
com base em amostras populacionais para a tomada de decisão nos diversos âmbitos
da saúde como político, clínico, na pesquisa, entre outros. Esses estudos são
submetidos à avaliação da qualidade metodológica para que então tenham os
resultados matemáticos sintetizados. Há um delineamento específico para a análise
crítica dessas sínteses, que depois subsidiarão a tomada de decisão. Esta, em princípio,
deve incluir a participação do paciente, ou da população em foco. Neste sentido, toda
experiência ao longo da carreira do profissional de saúde, apesar de inicialmente não
ser o critério mais importante para uma decisão, será posteriormente fundamental
para que o resultado da síntese de evidências possa ser aplicado em cada
contexto.Esta perspectiva para a área saúde vem sendo adotada desde os anos 1990,
principalmente nos Estados Unidos e Europa e, atualmente, em nível global, norteando
desde políticas públicas, pesquisas ou as condutas clínicas de rotina em relação a cada
um de nós, quando no papel de pacientes nos consultórios médicos.Sendo uma
mudança na forma de ver a saúde, é possível que a SBE seja considerada um
paradigma, o que, na perspectiva de Thomas Kuhn (1962), pode tornar-se uma ideia
tão aceita ao ponto de ser a única forma de ver este campo. Neste momento em que
se consolida como uma “caixa preta”, fazendo referência ao termo usado por Bruno
Latour (2000), temos a oportunidade de acompanhar o processo de desenvolvimento
da SBE, tendo o jornalismo como motivação. A partir desta reflexão, defini como norte
a busca de inter-relações entre o jornalismo e a SBE. Como hipótese fundamental,
levei em consideração que as políticas e práticas em saúde vêm utilizando o
embasamento em evidências e provocando mudanças neste campo no Brasil e, deste
modo, poderiam também implicar em mudanças na forma de fazer jornalismo em
saúde. Neste sentido, cheguei ao questionamento principal: em que medida os
preceitos da SBE são levados em consideração por jornalistas habituados à cobertura
de temas em saúde. O objetivo geral neste trabalho é, portanto, analisar a
aplicabilidade de evidências em saúde na produção jornalística. Especificamente será
(1) analisada a presença da abordagem de evidências no Newsmaking, no fazer
jornalismo em saúde (2) observaremos as possibilidades de congruências entre
jornalismo e a SBE e (3) em que medida as controvérsias da SBE são abordadas no
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fazer jornalismo em saúde. Na busca de respostas para esses objetivos, será levado em
conta que jornalistas podem ter denominações diferentes para o uso de estudos que
se classificam como SBE. Podem também não ter uma classificação específica para o
uso de evidências em sua rotina. Por isso, na análise junto aos jornalistas, o jargão das
práticas da SBE serão evitados, uma vez que é um processo recente, em fase de
compreensão e adoção, com denominações diversas inclusive entre profissionais de
saúde ou não conhecido profundamente. O ponto de partida desta dissertação é uma
delimitação da SBE, contextualizando a área, como vem se desenvolvendo
historicamente e detalhando os delineamentos dos principais estudos utilizados nas
pesquisas de evidências. A contextualização do jornalismo científico em saúde dá
sequência à seção de referencial teórico desta pesquisa, também na perspectiva de
sua construção histórica e abordagem contemporânea deste campo. Estudos de
Sociologia do Jornalismo e a teoria do Newsmaking são alguns dos referenciais para
discutir a cultura jornalística, a organização do trabalho em suas pressões, impactos na
narrativa e nos processos de rotina. São observados os espaços instáveis no trabalho
do jornalista, como aparecem na interação com os agentes sociais para,
posteriormente, verificarmos a possibilidade do uso de evidências nestes processos. O
aprofundamento nas questões da prática jornalista se desenvolverá no momento da
pesquisa de campo a partir de questões como: em que medida preceitos da SBE são
utilizados no dia a dia do jornalismo em saúde? Evidências são usadas por jornalistas
com intencionalidades similares àquelas dos profissionais de saúde? Qual a
importância dada a estudos científicos que indicam maior ou menor nível de
evidências, segundo a literatura em SBE? Qual a relevância atribuída a evidências na
rotina de apuração de notícias? Como são recebidos ou buscados e selecionados esses
estudos? Esses questionamentos serão feitos a jornalistas utilizando entrevistas
individuais com um grupo de profissionais selecionados para a pesquisa.
Posteriormente, será utilizado um questionário online para a participação de
jornalistas convidados. A perspectiva dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia
(ESCT) é o referencial que permeia todas as seções desta dissertação. Nos ESCT, a
ciência é vista também do ponto de vista de seus interesses e reveses que podem
mostrar processos técnicos e sociais que normalmente não são apresentados, mas têm
implicações sociais mais amplas. Assim, este trabalho também visa ser uma
oportunidade para analisar a construção desse conhecimento em SBE, o processo pelo
qual os cientistas chegam às evidências, os elementos que fazem parte dessas relações
e os caminhos que se cruzam com o jornalismo.
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Tainá Mascarenhas de Luccas
Universidade Estadual de Campinas
VIDA E TEMPO EM PROLIFERAÇÃO: AS POTENCIALIDADES DAS IMAGENS QUE
EXPERIMENTAM MUDANÇAS E CLIMAS
Nuvem – desterritório de múltiplas conexões, pensamentos que se encontram e logo
dispersam, ou precipitam. Nuvem-que-se-quer-um-dia-chuva. Potência que se faz em
água. Chuva que chega e dissolve as nossas próprias cristalizações, pesquisa-inundada
que deseja pensar a imagem enquanto potência e possibilidade de proliferação, uma
imagem-viva que pulsa e experimenta, expande de forma não previsível e busca
romper com as tentativas de fixações de significados e sentidos; imagem que possui
uma vontade intensa de vida. Nesta pesquisa, procuro pensar a imagem enquanto
potência de abertura capaz de ultrapassar o tempo vivido, os seus aspectos indiciais
que foram registrados na imagem e são rapidamente capturados pelo nosso intelecto
e cultura; para pensar a imagem enquanto possibilidade de proliferação de outros
vividos que estão ligados a outra temporalidade. Um tempo no qual não se pretende
estagnar os sentidos e sensações, há fluxos em devir. Nuvens em movimentos
constantes. Mas como procurar vidas intensas nas imagens se cada vez mais somos
encharcados por predominâncias de tempos vividos – factualidades que são,
fortemente fixadas nas imagens que circulam na mídia e em nossas vidas? Há
demasiados guardassóis (ou guarda-chuvas?) que tentam cobrir nossas amplitudes de
percepções por meio de políticas imagéticas que procuram manter os padrões e
impedir que outras manifestações distintas aconteçam. Diante dessas questões,
procuro pensar alguns aspectos determinantes que compõe a trama imagética, os
pontos de encontros e ramificações, que permitem refletir e experimentar a ideia de
imagem enquanto potência de proliferação (imagem-viva). Para isto, no entanto,
escolho concentrar o olhar (e as experimentações) em imagens das mudanças
climáticas que aparecem, com frequência, na mídia e na divulgação científica; imagens
estas que falam do clima – retratam o vivido, mas querem afirmar também um tempo
futuro. Nuvens que nos cobrem e nós as cobrimos – imagens que registram e
monitoram as informações que suprem as pesquisas climáticas e também chegam até
nós. Fotográficas e audiovisuais, somos inundados por excessos de repetições, clichês,
factualidades; imagens que mostram o passado, mas querem dizer de um tempo ainda
por vir para poder organizar à vida; servem às previsões e nos previnem. Mas como
antever o que muda constantemente? Como fixar as nuvens? Se as previsões
climáticas são projetadas na própria impossibilidade da ciência de dizer, com certeza,
de um tempo futuro, que é complexo e mutável. E o que acontece quando o tempo
vivido registrado na imagem é tensionado e desequilibrado? O que pulsa? Questões
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que se cruzam e se emaranham ao pensar às imagens do clima; seus problemas
relacionados às tentativas de fixações; como também as possibilidades de
experimentações que movimentam o pensamento para uma imagem que acontece em
devires d’arte. Por meio de leituras de autores como os filósofos Espinosa, Deleuze e
Guattari, busco trabalhar a ideia de potência e criação artística relacionando-as
possibilidades de experimentações imagéticas que procuram romper com os padrões
conhecidos, vividos e fixados, para pensar uma imagem-viva que prolifera. O artista,
através de sua obra, é um mostrador, inventor e criador de afectos que, segundo
Deleuze & Guattari (1992), nos atravessam e atingem através do seu bloco de
sensações e nos transformamos com eles(as). Procuro conhecer também trabalhos de
artistas visuais, como o finlandês Jorma Puranem e o brasileiro Eustáquio Neves, que
têm produzido experimentações potentes para pensar a imagem enquanto criação e
invenção que apostam em outras políticas e poéticas imagéticas. Nuvens de
pensamentos que movimentam a escrita-pesquisa e também impulsionam a própria
criação-experimentação com imagens. Será que vai chover? Imagem-viva que palpita e
expande: potência-na-imagem e potência-pela-imagem; seria o artista – com suas
cores, nuances, luzes, sombras e composições – capaz de dar a ver a potência por meio
de sua criação? Quem-o-que inunda e o-que-quem é inundado? Experimentações
imagéticas que procuram abrir brechas (buracos no guardassol) para que novas
percepções e sensações possam penetrar: “É essa afinidade entre pensamento e vida
que lança na direção da experimentação e da invenção de si mesmo e do mundo –
uma potência da vida e que, portanto, não só já não reconhece os limites entre arte e
vida como também desfaz as fronteiras que separam a vida e o conhecimento de uma
atividade criadora” (Godoy, 2008, p.122) Busco através da aproximação com trabalhos
de artistas, como também por meio das minhas próprias experimentações com as
imagens das mudanças climáticas, expor a ideia de uma imagem-arte como superfície-
tela-papel aberta às intervenções e criações diversas, espaços híbridos que podem
agregar intensidades distintas que aproximam artistas, imagens e objetos. Espaços
que apostam “na manifestação de novas políticas visuais e novos processos de
significação onde está presente, menos caracteres de continuidade, mais de ruptura,
menos de desenvolvimento, mais de transformação” (Favila, 1998, p.5). Chamo, então,
de imagem-arte as possibilidades que nascem das experimentações, encontros e
desencontros de pensamentos e sensações; um “entre-lugar” que foca no
desequilíbrio, “essa pulsação vibrátil que não possibilita dizer onde está a linha que
separa uma coisa e outra, numa criação de sentidos que se faz entre a finitude e
infinitude do tempo. Quase morte, fio de vida a pulsar” (Wunder, 2008, p.71,72.).
Espaços-entre que desestabilizam o território já conhecido dos nossos sentidos e
cristalizações, e podem estabelecer conexões múltiplas (nuvens) de intensidades
distintas que proliferam potências de mais vida pelas/nas imagens. “Talvez seja
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somente debaixo da chuva, debaixo do contínuo derramar do que não nos pertence
nem podemos controlar, que teremos alguma chance de aprender novos
comportamentos” (Nuno Ramos, 2008, p.211). Esta pesquisa de mestrado integra as
atividades do projeto “Vida e tempo em proliferação: experimentações na divulgação
científica das mudanças climáticas” Faepex/Unicamp; e também do grupo de pesquisa
"multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências e educações” (CNPq).
Tatiane Furukawa Liberato
Universidade Estadual de Campinas
O SETOR EMPRESARIAL E A COMUNICAÇÃO ENVOLVENDO INOVAÇÃO E
PROPRIEDADE INTELECTUAL
O processo atual de globalização insere a competitividade cada vez mais vinculada à
criação de um sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação que permita ações
cooperativas e estimule a transferência tecnológica. No contexto brasileiro, a base
governamental vem se esforçando para fortalecer as atividades inovativas,
incentivando o financiamento de projetos que visam uma maior interação entre o
setor público e privado, assim como o desenvolvimento de mecanismos legais que
possibilitem a transferência de tecnologia. As alterações realizadas na legislação que
envolve a inovação tecnológica permitem hoje ao Brasil colocar em prática
mecanismos que intensifiquem o intercâmbio entre as instituições de pesquisa (onde
geralmente a invenção é criada), e o setor empresarial (que aplica essas invenções ao
mercado). Diante deste cenário, e pelo fato dessas instituições, em sua maioria de
caráter público, viverem em contato direto com o berço da C&T, há a necessidade de
se quebrarem algumas amarras para chegar ao seu público. No entanto, estas
instituições fazem uso da linguagem e dos canais de comunicação corretos para
atingirem sua população de interesse? Elas são atingidas? A inovação é um aspecto da
estratégia de negócios ou parte do conjunto de decisões de investimentos que objetiva
criar capacidade de desenvolvimento de produtos ou para melhorar a eficiência
destes, que tende a enfatizar a inovação como experimentos de mercado e procurar
mudanças extensivas que reestruturam fundamentalmente indústrias e mercados. A
patente é o título de propriedade temporário sobre o invento. Para concessão de uma
patente no Brasil, é necessário realizar pedido de depósito no Instituto Nacional de
Propriedade Industrial (INPI). Assim, quando alguém produz inovação tecnológica,
lançando um produto novo, ou modificando um já existente no mercado, essa
invenção deve ser protegida por meio de um dispositivo legal que concede ao
proprietário da invenção, dentro de uma faixa de tempo preestabelecida. Além disso, a
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proteção atua como um estímulo a investidores, incentivando a contínua busca de
inovações, já que assegura o direito de explorá-las com exclusividade. Os documentos
de pedidos de patentes são, portanto, fontes de informação tecnológica e comercial,
devendo ser utilizadas por todas as empresas, ICTs (Instituição Científica e Tecnológica)
e demais atores que participam e desenvolvem pesquisa científica e tecnológica. A
divulgação científica inserida no âmbito social por meio da diversidade dos meios de
comunicação faculta a si própria a possibilidade de atingir os mais diversos públicos
além de fomentar reflexão sobre os impactos sociais de C&T. Vale destacar ainda que a
patente é uma importante fonte de informação para os meios noticiosos. Entretanto,
será que a patente utilizada como fonte de informação tecnológica, comercial e
jornalística é direcionada pelos meios de comunicação ao seu público-alvo? Como as
universidades atingem o setor empresarial na divulgação de suas patentes,
contribuindo não só para a disseminação do conhecimento científico, mas para o
interesse do setor na inserção do invento no mercado? Em que local e de que maneira
os empresários buscam esse tipo de informação visando utilizá-la para benefício de
seus produtos e de sua empresa? O Brasil vem apresentando um crescimento no que
se refere à produção científica mundial. O mesmo não acontece com o depósito de
patentes. E quando se trata dos depositantes de patentes, vale destacar o peso das
ICTs. Entre os 20 primeiros colocados na lista dos maiores depositantes de pedidos de
patente junto ao Inpi entre 1999 e 2003, 8 são instituições públicas, sendo a
Universidade Estadual de Campinas a 1ª colocada. Nos países desenvolvidos, no que se
refere à proteção da propriedade intelectual, as universidades costumam ficar muito
abaixo das indústrias. A importância deste projeto engloba uma importante vertente
sobre a comunicação no processo de gestão tecnológica envolvendo empresas, frente
à disposição dos meios de comunicação e o investimento do país em ciência,
tecnologia e sociedade. O seu principal objetivo é compreender e analisar o processo
comunicacional que se refere à busca de informação científica e tecnológica nos mais
diferentes meios, com ênfase naquelas que tratam de inovação e propriedade
intelectual. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, cujo objeto abrange os
canais, elementos e processos de comunicação social, institucional e científica
utilizados por empresas de base tecnológica localizadas na cidade de São Carlos,
interior de São Paulo. A escolha justifica-se pelo elevado número de empresas desta
categoria presentes na cidade, pois, entre outras características, abriga dois campi da
Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), duas
unidades da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa), incubadoras de empresas,
dois Parques Tecnológicos e duas faculdades particulares. Essa infraestrutura justifica a
conquista de diversos índices como o grande número de patentes registradas na
cidade e a inserção em programas de fomento como os oferecidos pela Fundação de
Amparo do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Financiadora de Estudos e Projetos
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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(Finep). Tem como base lógica da investigação o procedimento técnico de
levantamento a ser realizado por meio de questionários e entrevistas, que buscarão
identificar as vias de informação utilizadas por empresários de base tecnológica, com
ênfase nas patentes, haja vista que um invento desenvolvido por uma ICT pode ser
licenciado por uma empresa, gerando a inovação tecnológica. Apesar de não ter a
finalidade de discutir a teoria das organizações, tampouco o processo de inovação em
si, a expectativa é que o resultado deste trabalho contribua para a melhoria da
percepção por parte das empresas, bem como das ICTs, quanto à necessidade de
adequar permanentemente sua política de comunicação no processo de inovação
tecnológica, ajudando assim a promover sua imagem e cumprir seu papel no
desenvolvimento econômico da pesquisa científica e da sociedade brasileira frente ao
investimento das empresas atuais.
Valéria Cristina Costa
Universidade Estadual de Campinas
AGRICULTURA FAMILIAR: COMUNICAÇÃO E GÊNERO NA TRANSFERÊNCIA DE
TECNOLOGIA E NEGÓCIOS DA PESQUISA AGROPECUÁRIA PÚBLICA
A urgência em encontrar respostas para o dilema mundial que é aliar conservação de
recursos naturais e aumento da produção de alimentos reforça o debate sobre a
inclusão produtiva da trabalhadora rural e o papel das restrições de gênero na baixa
produtividade das lavouras e da qualidade de vida. A dificuldade de acesso às soluções
tecnológicas está entre as limitações impostas à mulher do campo – que engrossa
estatísticas indicadoras de miséria no Brasil e no mundo. O objetivo da investigação é
observar como instituições de pesquisa agropecuária – com destaque para a Embrapa
e o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária/SNPA - promovem a interlocução com
a trabalhadora rural e em que medida a comunicação para transferência de tecnologia
funciona como veículo de cultura (comunidade científica/organizacional/nacional),
interferindo na promoção da equidade de gênero, no acesso da mulher aos serviços e
produtos disponibilizados. Mudanças climáticas podem reduzir em até 60% a
produtividade de culturas de grãos como feijão, milho e soja, segundo apontam
estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-Embrapa com a Universidade
Federal de Viçosa-UFV e a Universidade Estadual de Campinas-Unicamp. Ao mesmo
tempo e em direção oposta, cresce o contingente populacional no mundo, que deverá
saltar dos atuais cerca de 7 bilhões para mais de 9 bilhões de pessoas em 2050,
exigindo que a produção mundial de alimentos seja duplicada, segundo estimativas da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação/FAO, evidenciando a urgência na
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busca por sistemas agropecuários que associem produção de alimentos, conservação
ambiental e inclusão social. O relatório denominado O Estado Mundial da Agricultura e
da Alimentação do período 2010-2011, editado pela FAO, indicou que 43 % da força de
trabalho agrícola dos países pobres e em desenvolvimento é formada por mulheres,
que, no entanto, ainda encontram-se apartadas dos recursos necessários para tirarem
da terra o próprio sustento e o da família. Restrições de gênero tornam lavouras
comandadas por mulheres até 30% menos produtivas que aquelas controladas por
homens, diz o relatório. A dimensão de Estado em termos de responsabilidade na
busca de soluções para os problemas apontados está posta, indicando a necessidade
de envolvimento das instituições de pesquisa agropecuária, em especial as públicas, no
debate sobre a inclusão produtiva da agricultora. Este o motivo pelo qual a
investigação focaliza organizações do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária -
SNPA. No entanto, a igualdade entre os sexos, a valorização da mulher e eliminação de
toda forma de discriminação de gênero não se consegue por decreto, embora ações
afirmativas e políticas públicas tenham papel fundamental no alcance desse objetivo
do milênio. As soluções tecnológicas desenvolvidas pelos centros de pesquisa somente
poderão realizar seu potencial se forem colocadas em prática, por meio do suporte de
políticas públicas e com o envolvimento de todo setor produtivo - com destaque
especial para a trabalhadora rural, cuja relevância como agente de desenvolvimento
sustentável nas comunidades agrícolas cresce em importância no cenário atual. No
Brasil, a agricultura familiar é o segmento agropecuário que apresenta maior inserção
de mão-de-obra feminina, cuja posição como agente de segurança alimentar e de bem
estar familiar e comunitário no meio rural tem sido constantemente reafirmada. No
entanto, as ciências agrárias continuam sendo predominantemente marcadas pelo
masculino, estando os homens em maioria na liderança das pesquisas agropecuárias
da Embrapa, por exemplo, já que são 70% do quadro funcional de cerca de 9 mil
empregados. Afinal, nos últimos três mil anos os sistemas filosóficos, sociais, e
políticos da civilização ocidental, em especial, guardam a marca do patriarcado -
mantido pela força, por meio da tradição, da lei e da linguagem. Mas a revisão de
paradigmas – mudança profunda no pensamento, percepção e valores que formam
uma determinada visão da realidade imposta principalmente às instituições que
produzem conhecimento - faz emergir valores como trabalho cooperativo, pesquisa
participativa e em rede, e indicativos de responsabilidade social. O conceito de gênero
como pretende ser aqui entendido: a expressão culturalmente determinada da
diferença sexual, que permite uma compreensão das identidades de mulher e de
homem como uma construção simbólica exige que a adoção/incorporação paulatina
de novos valores seja feita também por essa via, simbólica, cultural, da linguagem. E é
aí que a comunicação social surge como grande aliada da pesquisa agropecuária no
diálogo com a mulher enquanto integrante desse mosaico que é a agricultura familiar
Divulgação Científica e Cultural
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Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
no Brasil. Junta-se a isso o fato de que o ponto de contato da pesquisa com o setor
produtivo ainda tem como principal porta de entrada a transferência de tecnologia
(TT). A comunicação pode organizar e oferecer elementos que reeduquem a percepção
do cientista, ajudando-o a realizar a consciente transição de paradigmas, reunindo os
saberes de áreas como sociologia, antropologia e educação para melhor conhecer a
cultura científica que envolve a pesquisa agropecuária e indicar formas para torná-la
permeável à promoção da equidade de gênero. Ou seja, um instrumento para
gestores, pesquisadores, agentes de transferência de tecnologia (TT) e de comunicação
delinearem políticas públicas e estratégias de ação. É baseada nesses pressupostos que
esta pesquisa busca analisar linguagem/discurso utilizados tanto em documentos
institucionais como na comunicação interpessoal, em eventos de transferência de
tecnologia, bem como observar a maneira como é desenvolvido o “diálogo” entre
pesquisadores, agricultores/as e a tecnologia, esta última entendida também como
agente nessa rede de atores. No foco da investigação estarão: assentamento da
reforma agrária, comunidade tradicional/indígena e produtores/as de hortaliças da
Região Sudeste, em especial no Estado de São Paulo. Serão analisados os discursos
para identificação da presença ou não de postura inclusiva da mulher nas ações e a
efetividade à política de equidade de gênero preconizada no âmbito das instituições de
pesquisa. Espera-se com isso obter um levantamento que aponte onde, quando, como
e por que a comunicação expressa atitude facilitadora ou não da equidade de gênero
na fase de transferência de tecnologia/adoção dos resultados da pesquisa.
Linguística
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Alan Lobo de Souza
Universidade Estadual de Campinas
A INVENÇÃO DA PREGUIÇA E OUTROS ESTEREÓTIPOS: UMA ANÁLISE
(INTER)DISCURSIVA DE PIADAS SOBRE BAIANO
Nesta comunicação, propomos uma breve apresentação do desenvolvimento dos
primeiros capítulos da dissertação de mestrado intitulada “Os estereótipos nas piadas
sobre baiano”, desenvolvida no Instituto de Estudos Linguísticos (IEL-Unicamp) sob a
orientação do Prof. Dr. Sírio Possenti. Inscrita na Análise do Discurso (AD), esta
pesquisa visa à análise das piadas sobre baiano, tematizando o modo como as
representações do baiano, a partir de estereótipos, processam-se no interdiscurso. O
que nos permite levantar o seguinte questionamento: como a história e a ideologia são
mobilizadas no interdiscurso, promovendo o riso, bem como possíveis tensões em tal
discurso humorístico? A questão da preguiça, genericamente vista como um traço de
personalidade atribuído ao baiano, não raramente é evocada nas piadas sobre baianos
– o que parece óbvio afirmar. Parece-nos que esta redução constitui a representação
mais comum sobre a figura do baiano em piadas. Analogamente, teríamos o mineiro
esperto, o gaúcho veado, o judeu sovina etc. Contudo, após uma observação (mesmo
que superficial) das piadas sobre baiano, é possível afirmar que a morosidade, a
lentidão, não é a única caracterização associada ao baiano nas piadas em que ele é o
foco: há também a alusão à ignorância, à malandragem, além da associação
abrangente do nordestino generalizadamente caracterizado como baiano. Um
aparente conjunto de propriedades estereotípicas. Este espaço simbólico de
significações necessita ser abordado de maneira minuciosa, de modo que seja possível
descrever o funcionamento discursivo de uma piada sem perder de vista as
peculiaridades sócio-históricas que marcam a memória coletiva associada à figura do
baiano. Uma decisão que nos impõe o seguinte questionamento: quais as condições
históricas de produção que possibilitam que determinado grupo seja o objeto do riso a
partir de diferentes estereótipos? É comum encontrar em trabalhos de sociólogos (cf.
RUBIN, 1988), antropólogos (cf. RISÉRIO, 1988, 2004; PINHO, 1998) e historiadores (cf.
MOURA, 2005), a referência ao termo Baianidade enquanto “ideia de Bahia” ou “jeito
de ser baiano”. Um cenário que possibilita aqui o tratamento do termo como um
discurso identitário, um espaço de significações irregular, em que discursos se
entrecruzam e definem as condições históricas que os determinaram. A maior ou
menor divulgação de uma representação do baiano envolve, portanto, marcas de
ordem histórica exploradas neste ou naquele discurso. No caso das piadas, seria a
hipótese da representação do baiano predominantemente associado à preguiça. O que
Linguística
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impõe a apresentação das condições históricas de produção desse discurso, sem a qual
a análise das piadas fracassaria. De outro lado, a noção de estereótipo, observadas as
diferentes perspectivas teóricas, resume a caracterização de uma idée reçue, um lugar-
comum, imagens cristalizadas na sociedade, no imaginário coletivo. Para a AD, agrega-
se a essas definições à defesa de que as designações estereotípicas funcionariam como
um referente social compartilhado, recuperado, por sua vez, pelo interdiscurso, pelo
conjunto de opiniões, saberes e crenças formadoras de dizeres sedimentados e sem
um referente histórico aparentemente declarado. Com efeito, o estereótipo, como um
objeto transversal, permite estudar “la relación de los discursos con los imaginarios
sociales y, en términos más amplios, la relación entre el lenguaje y la sociedad.”
(AMOSSY & HERSCHBERG PIERROT, 2001, p. 11). Nessa perspectiva, é possível
compreender o fato de baiano ser representado como preguiçoso, o judeu sovina etc.
Representações imaginárias que operam como “uma evidencia sin historia” (AMOSSY
& HERSCHBERG PIERROT, 2001, p. 113) nos textos chistosos que circulam, por
exemplo, na internet. A análise do estereótipo de baianidade, levando em
consideração uma memória discursiva, o “já dito”, permite-nos sublinhar que os
discursos que provocam o riso se constroem através da reafirmação das relações de
poder construídas histórico-ideologicamente, em meio a embates e conflitos por vezes
esquecidos – ou desconhecidos. Portanto, a escolha das piadas sobre baiano agrega
uma relevância social e científica à análise de tal corpus. Afinal, se tais chistes circulam
na sociedade, fica em dúvida a existência do preconceito, revelando a existência das
condições de produção que permitem sua materialização. Dessa maneira, é imperioso
investigar as condições de produção e de formação dos discursos em piadas sobre
baiano, sobretudo no que diz respeito à hipótese de a representação do baiano
reduzida ao estereótipo da preguiça se contrapor ao “discurso de baianidade” tão
propagado pelas agências de turismo e marketing (também possivelmente explorado
nas piadas sobre baiano), articulando, assim, um simulacro (cf. MAINGUENEAU, 2008).
Não podemos, entretanto, explorar essa rubrica (baianidade) sem antes descrever e
interpretar o modo como esse discurso se constrói. Ratificamos que optamos por
apresentar as considerações teóricas sobre a questão crucial para o funcionamento da
estereotipia e do simulacro em piadas sobre o baiano: o interdiscurso. Trata-se da
questão central desenvolvida ao longo do primeiro capítulo da dissertação em
andamento. Para tanto, no cerne dos discursos históricos que caracterizam a formação
de estereótipos e o modo como o baiano é representado socialmente, os trabalhos de
Zanlorenzi (1998) e Mariano (2009) são fundamentais. Obras que revisitam questões
históricas, culturais e sociais promotoras de discursos arraigados no preconceito e
estereótipos acerca da figura do baiano na sociedade brasileira. Consideramos que o
tema da preguiça não raramente é evocado nas piadas sobre baianos como a
Linguística
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representação de “baianidade”. Mas o que estaria na base da caracterização desta
baianidade? E em que ponto ela se relaciona com as demais representações
observadas em piadas sobre baiano?
Aline de Paula Machado
Universidade Estadual de Campinas
USO DE TÉCNICAS ACÚSTICAS PARA VERIFICAÇÃO DE LOCUTOR EM SIMULAÇÃO
EXPERIMENTAL
Este projeto propõe o uso de técnicas de análise acústica para reconhecer um
indivíduo dentro de um grupo de dez falantes do português paulista e assinalar quais
parâmetros acústicos são relevantes para o reconhecimento naquele grupo. A
identificação de um indivíduo dentro do grupo se dará a partir das análises de trechos
de suas falas, durante os quais se quantificarão as frequências dos dois primeiros
formantes das vogais orais, a frequência fundamental, a duração de unidades do
tamanho da sílaba e da vogal, a intensidade relativa (ênfase espectral), a frequência
fundamental de base de cada sujeito, a taxa de movimento de formantes e o ∆C
(desvio padrão de durações de intervalos consonânticos). Todos os trechos escolhidos
são de entrevistados divididos em dois grupos, (i) entrevistas ao ar livre e (ii) gravações
telefônicas (de celular para celular em viva-voz). Além disso, trechos escolhidos em
sala com tratamento acústico de um dos falantes (o ‘criminoso’) simularão o padrão
questionado da situação forense. É a fala desse sujeito que será comparada à dos
demais. A fala é um elo, uma cadeia cujas informações são trocadas e a cooperação é
negociada (Pardo & Remez, 2006). O locutor tem como expectativa que o ouvinte
compreenda toda a (complexa) dimensão da mensagem emitida e é justamente a
percepção e o reconhecimento da fala pelos sujeitos que são os pontos principais de
muitos estudos relacionados à fonética acústica, psicoacústica, visando a entender o
que do acústico contribui para a percepção dos diferentes indivíduos. O
reconhecimento de locutor pode ser definido como qualquer atividade pela qual uma
amostra de fala é atribuída a uma pessoa com base em suas propriedades fonético-
acústicas ou perceptuais. Ou seja, o ouvinte percebe, para além do conhecimento
físico-acústico, parâmetros linguísticos e extralinguísticos que incluem sem exaurir,
variações de parâmetros acústicos diversos e idiossincrásias do sujeito. Este projeto é
feito com intuito de aprender procedimentos experimentais que possam ser
automatizados (através de procedimentos nos softwares PRAAT e R) e servir à área de
Fonética Forense. Levantamos questões como (i) quais parâmetros acústicos são
Linguística
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eficazes para a verificação de locutor? (ii) Os mesmos são eficazes em uma situação
forense? Por isso duas situações de degradação serão utilizadas, entrevista ao ar livre e
gravação via celular.(iii) Quão robustos são os resultados na pesquisa? (iv) As técnicas
de análise estatística escolhidas são eficazes para a verificação do sujeito? A técnica
utilizada para este trabalho é a auditiva acompanhada de análise acústica via programa
de software especializado. Utilizando o software Praat para medir parâmetros
acústicos, será feito um quadro com as características de cada sujeito comparando
com um quadro de uma gravação feita em laboratório (com alta relação sinal-ruído,
portanto) de um deles (sorteado sem que a Mestranda saiba). Assim, ocorrerá uma
verificação de locutor inicial. Depois disto realizado, analisaremos estatisticamente
cada parâmetro dos falantes (inclusive do sujeito gravado em laboratório, o
“criminoso”) no programa R calculando o p-valor (probabilidade de aceitação da
hipótese nula), com o test de Student explicado anteriormente, entre cada sujeito e o
“criminoso” e então se decidirá qual está mais próximo ao “criminoso”.
Amanda Bastos Amorim de Amorim
Universidade Estadual de Campinas
REFLEXÕES INICIAIS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DAS METODOLOGIAS DE PESQUISA EM
NEUROLINGUÍSTICA
Tradicionalmente, a pesquisa em Neurolinguística é caracterizada por análises
quantitativas apoiadas em um aparato teórico-metodológico de cunho gerativista, ou
seja, privilegiam uma concepção localizacionista de cérebro – correlacionando
substratos neurais direta e univocamente a funções complexas – e uma concepção de
linguagem apartada de quaisquer elementos considerados extralinguísticos, ou seja,
descartando singularidades relativas a aspectos subjetivos, ideológicos ou sociais.
Privilegia-se, nos estudos das patologias, objetivamente o que o sujeito não consegue
fazer, o que ele perdeu ou é deficitário e os instrumentos mais utilizados para coleta
de dados são as baterias de testes-padrão, em que o que o sujeito produz ou não
produz é quantificado e recebe tratamento estatístico de forma a localizá-lo no polo da
normalidade ou no da patologia. Embora a teoria gerativa seja amplamente
questionada em diversas áreas dos estudos da linguagem, ainda é hegemônica. Tal
fato torna necessário - para além de construir uma crítica - observar como tal cenário
foi e continua sendo construído, suas relações com a história das ciências biomédicas e
particularmente com a Clínica. Conforme indicam Foucault em “O nascimento da
clínica”, Coudry em “O diário de Narciso”, Novaes-Pinto em “Uma contribuição do
Linguística
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estudo discursivo para uma análise crítica das categorias clínicas”, entre outros
autores, a Clínica constitui-se como uma instituição que privilegia análises
quantitativas em detrimento de estudos de casos. A relação entre escolhas
metodológicas e instituições é fundamental para que se reflita a respeito do que
Foucault, em “A ordem do discurso”, denomina vontade de verdade de uma época. De
acordo com o autor, as instituições exercem um poder coercitivo sobre os discursos e,
uma vez que a vontade de verdade permeia as instituições, ela também exerce
influências sobre os discursos. No Brasil, desde meados dos anos 80, com os primeiros
estudos de Coudry, vêm sendo realizadas pesquisas baseadas em análises
predominantemente qualitativas, pautadas em aparatos teóricos de perspectivas
sócio-histórico-culturais. Tais pesquisas partem da concepção luriana de cérebro como
Sistema Funcional Complexo, ou seja, consideram que o cérebro trabalha em conjunto
para realizar até mesmo funções menos complexas e que suas partes são capazes de
se reorganizar em caso de lesão. Além disso, considera-se que a linguagem é um
trabalho exercido pelo sujeito, que não é assujeitado nem fonte dos sentidos, mas um
sujeito situado, como Sobral se refere ao sujeito Bakhtiniano no texto “Ato/atividade e
evento”. Nessas perspectivas, no estudo das patologias, privilegia-se o processo por
meio do qual o sujeito chega ao seu intuito discursivo, ou seja, como ele lida com suas
dificuldades e se comunica. Dessa forma, abandona-se um intento de padronizar
avaliação e método de coleta de dados, passando a utilizar protocolos não-fechados e
a observação de episódios dialógicos, nos quais a linguagem é observada em
funcionamento, dando visibilidade aos processos em lugar dos objetos privilegiados
pela teoria gerativa. Para a pesquisa em andamento que motiva esta apresentação,
importa refletir sobre metodologias de pesquisa em Neurolinguística. Uma vez que
teoria e metodologia estão fortemente relacionados entre si, é fundamental observar
o processo de constituição do Gerativismo, a recepção da teoria por outros campos do
conhecimento e como são observadas as anomalias na teoria que dão espaço ao
surgimento de outras teorias concorrentes. Para tanto, recorre-se ao estudo das
chamadas revoluções científicas, amplamente descritas e analisadas por Kuhn em ”A
estrutura das revoluções científicas”. Embora o autor se baseie, sobretudo, nas áreas
da física e da química e os devidos ajustes devam ser considerados quando se passa de
um campo do conhecimento para outro, a estrutura básica descrita ajuda a refletir
sobre o que aconteceria na relação entre o gerativismo e as teorias de cunho sócio-
histórico-cultural. Segundo o autor, uma ciência, em um dado momento, se estabelece
e, a partir de então, se inicia um processo chamado de ciência normal, em que as
pesquisas geram uma impressão de acúmulo e têm uma metodologia bem definida
para descrição e análise dos fenômenos de interesse. Uma vez que a ciência se baseia
num modelo, que é uma abstração do que é possível compreender em um dado
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momento (e, segundo Bakhtin, em “Estética da criação verbal”, caso seja tomado
como uma verdade, vira ficção científica), esse acúmulo leva à descoberta de
anomalias, ou seja, fenômenos que não cabem no modelo proposto da ciência normal.
A partir desse ponto, os adeptos da ciência normal ou adaptam o modelo de forma a
abarcar a anomalia – e, portanto, descaracterizá-la como tal – ou abandonam esse
modelo em busca de outras possibilidades. Acredita-se que esse modelo de estrutura
das revoluções científicas possa ser útil para refletir sobre a construção da teoria
gerativa, sua constituição como ciência normal – que se relaciona ao seu êxito de
inserção nas ciências biomédicas – e a observação de anomalias, que anteriormente
eram desconsideradas para fins de pesquisa, propiciando, por fim, que outras
possiblidades teóricas e metodológicas sejam exploradas. Dessa maneira, poderiam
ser explicadas tanto as reformulações da teoria gerativa quanto as teorias que
privilegiam abordagens sócio-histórico-culturais que vêm conquistando cada vez mais
espaço.
Ana Cláudia Romano Ribeiro
Universidade Estadual de Campinas
DE OPTIMO REIPUBLICAE STATU DEQUE NOUA INSULA UTOPIA... (1516), DE TOMÁS
MORUS: TRADUÇÃO COMENTADA DO LATIM AO PORTUGUÊS BRASILEIRO E ANÁLISE
DE SUAS RELAÇÕES INTERTEXTUAIS COM O DIÁLOGO DE FINIBUS BONORUM ET
MALORUM (45 A. C.), DE MARCO TÚLIO CÍCERO
Esta comunicação visa apresentar, de forma resumida, meu projeto de pós-doutorado,
supervisionado pela prof. Isabella T. Cardoso, que consiste em 1) traduzir diretamente
do latim a Utopia (1516) de Tomás Morus, a mais conhecida obra escrita em neo-latim,
segundo Kytzler, e 2) estudar as relações intertextuais entre a Utopia e o De finibus
bonorum et malorum (45 a.C.) de Marco Túlio Cícero. Em seu estudo sobre as “fontes,
paralelos e influências” da Utopia de Morus, Surtz percebe que “the most evident
influences are classical”, tendo sido essas influências filtradas pela visão de mundo
cristã, pela interpretação dos humanistas italianos, pela tradição política inglesa, pelas
diversas incidências do contato entre Velho e Novo Mundo na história do pensamento
ocidental e pelo próprio trabalho literário do Morus escritor (cf. 1965, p. cliii-cliv; clvi)
–e, poderíamos acrescentar, do Morus tradutor, que se mostrava consciente dos
efeitos de escolhas em uma versão (Botley, 2007). Um primeiro exame revela que a
presença dos autores latinos antigos é numerosa e importante para a constituição do
tecido narrativo da Utopia, algo esperado, já que a presença latina era a base, havia
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séculos, da educação letrada. Ainda que apenas Sêneca e Cícero sejam citados
explicitamente, são vários os autores latinos aos quais Morus alude indiretamente. É
notório que um dos principais autores antigos conhecido dos letrados era, nos séculos
do humanismo, Cícero. A primeira geração de humanistas italianos, que logo
irradiariam suas ideias aos demais humanistas, tinham o latim ciceroniano, bem como
a forma dialógica das obras do orador latino, como modelo. Além disso, encontraram
em Cícero a reafirmação da própria consciência histórica, a valorização dos valores
políticos republicanos e uma “doutrina cívica” (cf. Skinner, 1996, p. 75-76). As várias
edições críticas da Utopia apontam para a presença, no texto moreano, de diversos
temas abordados em várias obras de Cícero. Dentre essas obras, o presente projeto se
propõe a examinar mais detidamente o De finibus, cuja relação com a Utopia foi pouco
estudada. Em 1965, Surtz, na introdução de sua edição da Utopia (The Yale edition of
the Complete Works of St. Thomas More) notava que Platão e Plutarco são, na
composição da Utopia, tão essenciais quanto Cícero e Sêneca, e que estes filósofos são
“the source for the tenets and arguments of the two schools discussed by the
Utopians, the Epicurean and the Stoic. Cicero De finibus is of special interest here, but
detailed studies of Ciceronian and Senecan influences have still to be made.” (p. cliv e
clxi, grifos meus). A Utopia é um longo diálogo, dividido em dois livros, no qual se
discute acerca do melhor estado e da coincidência entre bem individual e bem comum.
Trata-se de uma obra de ficção que discute a ética e sua prática na forma da política.
Praticamente todas as edições comentadas do libellus aureus já citadas apontam a
presença do epicurismo e do estoicismo na constituição da ética utopiana do sumo
bem individual e do sumo bem comum, que nesta obra coincidem. O De finibus
também aborda essas questões. O telos da existência, para os utopianos de Morus, é a
felicidade. Como os filósofos, eles têm o hábito de debater longamente temas como a
virtude e o prazer, mas seu interesse principal recai em investigar em que consiste a
felicidade humana. Segundo o narrador, Hitlodeu, a felicidade utopiana consiste em
provar prazer. Após longa reflexão, os utopianos concluíram que todas as ações e as
virtudes nelas contidas têm como finalidade o prazer e a felicidade, consequência de
um tipo específico de prazer: aquele bom e honesto. Este prazer pode advir das
materia uoluptatis, que vão do alimentar-se bem a gozar de boa música, necessidades
advindas de uma vida que siga a natureza: a natureza leva ao prazer e a virtude. A esse
resumo da ética utopiana é preciso acrescentar a noção de razão, que, para os
utopianos, é a faculdade capaz de levá-los a discernir o bom e o honesto. Surtz dedicou
alguns artigos ao estudo da filosofia do prazer e do epicurismo na Utopia, mostrando o
quanto a eles estão associadas concepções estoicas e sugerindo que Morus tenha
elaborado suas concepções acerca do epicurismo e do estoicismo a partir da leitura de
obras como o De vita beata, de Sêneca, e o De finibus, de Cícero. Ora, é sabido que o
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tema “dos fins do bem e do mal” está fortemente presente na filosofia e na literatura.
Por exemplo, dentre as obras escritas em latim, certamente não deve ter sido estranho
a Morus o pensamento dos Pais e dos Doutores da Igreja e as obras de Erasmo, que
cristianizou Epicuro em seu The Epicurean e no De contemptu mundi. Neste projeto
nos ocuparemos apenas dos três diálogos que compõem os cinco livros do De finibus,
e que discutem três sistemas éticos vivos na época de Cícero: a filosofia moral de
Epicuro, a dos estoicos e a de Antíoco. Isso porque o De finibus - uma das raras
sistematizações antigas a respeito do epicurismo e do estoicismo a terem sobrevivido
às vicissitudes do tempo, com efeito, parece ser uma das principais fontes da ética
utopiana, quer direta, quer indiretamente. A rigor, não consiste em condição para o
nosso estudo, que, adotando uma abordagem intertextual, considerar que esta obra
de Cícero teria sido necessariamente lida por More, visto que nosso interesse é
observar efeitos de sentido no texto de More para um leitor que conhecesse o De
Finibus, ou textos dele derivados (cf. Vasconcellos, 2007, Fowler, 1997, De Smet,
2007). Mas é bastante plausível imaginar que ele a tenha lido ao menos em uma das
várias edições disponíveis no final do século XV. Com este trabalho, pretendemos
contribuir para ampliar o campo dos estudos clássicos renascentistas brasileiros, que
apenas recentemente começaram a ser mais significativamente fomentados no Brasil.
Mais precisamente, esperamos conhecer melhor Morus e Cícero, a Utopia e o De
finibus e as relações intertextuais que ligam esses dois textos.
Ana Paula Peron
Universidade Estadual de Campinas
SOBRE SENTIMENTOS, MULHERES E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM OLHAR
DISCURSIVO MATERIALISTA
Sob a base teórica da Análise de Discurso de vertente materialista, nossa pesquisa
pretende focalizar as emoções, os sentimentos, enquanto práticas constituídas no
discurso. As emoções com as quais trabalharemos são aquelas produzidas na interface
com a violência contra a mulher. Com base nos estudos de Orlandi (2012),
consideramos que os sentimentos são sentidos produzidos por práticas ideológicas
que tocam o sujeito em sua própria constituição e em seu modo de individua(liz)ação.
Assim, acreditamos que os sentimentos, no discurso, não estejam, portanto, apenas
atrelados a vontades ou inclinações pessoais, nem mesmo a representações sociais,
mas que podem ser vistos enquanto práticas ideológicas e discursivas que significam
pelo simbólico e pelo equívoco na linguagem e na história. Nessa perspectiva, os
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sentimentos são tomados como objetos paradoxais, como práticas em que há o
confronto do simbólico com o político. Dessa forma, por dar primazia à contradição
constitutiva do discurso – e olhar para essas emoções enquanto discurso –, nossa
leitura se distancia de outras vertentes de estudos discursivos, que, também
considerando as emoções como objetos de linguagem, tomam-nas enquanto
manifestações do ethos ou do pathos discursivos, relacionados às imagens de si na
interação comunicacional e aos conjuntos de crenças de uma coletividade, inscritas em
uma problemática de representações psicossociais. Dado o enfoque materialista que
assumimos, ressaltamos que, por hora, não estamos diferenciando sentimentos e
emoções, mas que os estamos tomando como termos intercambiáveis. Para
empreender nosso gesto analítico, o material desta pesquisa será composto
prioritariamente de relatos de mulheres que sofreram ou sofrem os efeitos da
violência em suas relações afetivas na conjugalidade. Tais relatos serão gravados e
obtidos a partir do contato da pesquisadora com mulheres em situação de violência e
que buscam atendimento em uma casa de acolhida situada em um bairro de periferia
na cidade de São Paulo. É necessário salientar que não se trata de uma casa-abrigo,
mas de um núcleo organizado de defesa da mulher em que as mulheres recebem
atendimento pontual e/ou mais prolongado (por meio de oficinas, grupos,
atendimentos e acompanhamentos jurídicos, sociais, psicológicos, encaminhamentos
etc.) para lidarem com o enfrentamento da violência de gênero. Para nossa pesquisa,
serão gravados, individualmente, os relatos de algumas mulheres, maiores de idade,
que, voluntariamente, aceitarem contar suas histórias e autorizarem, com o termo de
consentimento livre e esclarecido, a gravação de suas histórias. Inicialmente,
pensamos em um número de aproximadamente dez. Não pretendemos pré-estruturar
nenhum tipo de questionário, mas deixar o relato seguir o máximo livremente possível,
a partir de uma abordagem bem geral como: “conte-me um pouco de sua história de
vida, das coisas que marcaram você em relação à sua vida afetiva e conjugal, das coisas
que você sente quando se lembra de sua história afetiva, de sua experiência de ter
sofrido violência”. Por certo, durante esses relatos, poderão ser feitos alguns
questionamentos às mulheres, no sentido de deixar mais bem esclarecido algum
ponto, de colocar em destaque os sentimentos delas em relação às situações de
violência que tenham perpassado suas experiências afetivas, notadamente aquelas
vividas na relação conjugal. Estamos partindo da hipótese de que, quando as mulheres
relatam suas histórias de vida e suas experiências com o afeto, a conjugalidade e a
violência, sejam constitutivos desses relatos distintos sentimentos para “justificar”,
“reclamar”, “comentar”, “opinar” sobre (...) essas experiências. Buscaremos observar
quais sentimentos emergem desses relatos que, ao abordarem a própria história de
vida, possibilitam àqueles sujeitos se significarem enquanto mulheres. E então nos
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perguntamos: Como significa ser mulher em uma relação afetiva/amorosa perpassada
pela violência? O que significa “ser mulher” a partir dessas vivências? Assim, queremos
compreender também como essas emoções/sentimentos significam, no discurso, os
sujeitos e a própria violência contra a mulher. Interessa-nos ainda pensar sobre as
memórias que afetam esses discursos sobre a violência e que fazem significar,
enquanto práticas discursivas e ideológicas, as emoções que ali se constroem. E
questionamo-nos: os sentidos de “violência contra a mulher” estariam atrelados às
emoções para os sujeitos? Como a violência doméstica e familiar contra a mulher
apareceria significada a partir das emoções, dos sentimentos? Haveria algum
atravessamento ideológico (do jurídico, do político, do religioso) na própria construção
dessas emoções que, hipoteticamente, cremos estarem amalgamadas à violência
doméstica e familiar contra a mulher? Que processos históricos e ideológicos
constituem essas emoções e, com elas, o sujeito mulher e os sentidos de “violência
contra a mulher”? Todos esses questionamentos compõem, juntos, o problema de
pesquisa que se nos apresenta. Ao nos definirmos pela proposta discursiva
materialista, acreditamos, assim, que sentimentos como medo, vergonha, dor, culpa,
constrangimento, amor, ódio, raiva, força, coragem, esperança (que supomos serem
frequentes nesse processo discursivo) não podem ser considerados apenas enquanto
manifestações individuais de atitudes: os sentimentos daquele sujeito que fala sobre a
violência sofrida são discursos e, como tais, sofrem determinações e constituem-se
pela contradição, pelo equívoco, pela falha, estando, desse modo, em estreita relação
com o real da língua e da história. E esses sentimentos-discursos significam as
mulheres e a violência contra a mulher.
Atilio Catosso Salles
Universidade do Vale do Sapucaí
DISCURSIVIDADES DA IMAGEM: NARRATIVIDADES URBANAS (EM)CENA
Decerto que propor uma leitura a partir de uma ordem discursiva não implicará em
impor “uma forma” (de interpretação) a tal discursividade. Pelo contrário, o
procedimento de interpretação a que nos filiamos em relação aos sentidos é o da
multiplicidade, da largueza, da possibilidade de emaranhamento, cujo efeito de
perda/ganho se dá no mesmo espaço, pela opacidade da língua/sujeito/história. Nessa
posição discursiva dos estudos da linguagem, a possibilidade que sustenta o dizer e sua
interpretação está suposto pelo já dito, compreendido por Orlandi (2007, p.31) como
memória discursiva, “o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna
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sob a forma do pré-construído, o já dito que está na base do dizível sustentando cada
tomada da palavra”. Desse modo, propomo-nos encampar pela compreensão do
universo do dizível na perspectiva materialista do discurso, (PÊCHEUX 1988, 1997,
2004; ORLANDI 1996, 2004; MARIANI 2004; LAGAZZI 2007), para problematizar como
se constitui a “narratividade em imagens” sobre/do o urbano no documentário –
Território Vermelho (GOIFMAN, 2006), apontando, sobretudo, para as injunções a
trajetos dos sujeitos e sentidos no espaço da cidade. Circunscreve-se assim este
projeto de compreensão discursiva, cuja problematização está pautada nos limiares de
uma não convergência dos sentidos relativa à constituição/circulação do e sobre
urbano e à sua resistência histórica na materialidade significante específica que ora
recortamos para análise, o documentário. As relações sociais no urbano, na sua
reprodução e ruptura, através da emergência das falas na apreensão do simbólico,
capturam ininterruptamente processos de significação que deslocam efeitos de
perturbação, falta e injunção a trajetos, vias. A cidade, pelo seu funcionamento social
no espaço do simbólico, mobiliza movimentos discursivos que percorrem e cruzam as
margens da “incompreensão”. A propósito da abertura dos sentidos no espaço da
cidade, temos em jogo a convergência da espacialização da linguagem, face ao da
simbolização do urbano. Pensar o lugar dessa espacialização e a simbolização de
alguns “flagrantes urbanos” (ORLANDI, 2004), no documentário, é como temos
observado, uma tentativa de “editar”, por ruptura de uma prática, emergência,
interrupção, o lugar totalizador de acesso ao caos do urbano: “[...] a interrupção de um
processo de reformulação parafrástica de sentidos pela mudança das condições de
produção” (ZOPPI-FONTANA, 1997:51). Em Território Vermelho “o corpo dos sujeitos e
corpo da cidade formam um, estando o corpo dos sujeitos atado ao corpo da cidade,
de tal modo que o destino de um não se separa do destino do outro.” (ORLANDI, p.11,
2004). Nada pode ser pensado sem a cidade. Nesse sentido, todas as determinações
que definem esse espaço “vermelho”, cruzam-se na tensa relação entre a cidade, o
urbano e o social. A cidade tem assim o seu corpo significativo que resiste à metáfora,
a poesia, ao dizer possível. Tal resistência equivale entregar-se ao imaginário, ao
ilusório, ao calculável. Conforme Orlandi (2004) são muitas as formas de barrar a
metáfora, entretanto pelos incontornáveis processos de denegação e negação sujeitos
urbanos formulam modos de dizer que jogam com a própria desorganização do espaço
burocrático. Essas formulações são materialmente expressas em fulgurações, lampejos
em que a narratividade urbana se estampa e esvai-se. Fuga! No documentário temos
cenas em que sujeitos participam, sem distância. Não relata do lugar de fora. Narra-se
como parte de cada tomada de imagem. Há, no entanto, uma objeção a se pontuar:
não propomos compreender a palavra narratividade conforme a sua etimologia.
Narratividade em nossa proposta de leitura é parte da cidade, parte constitutiva das
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cenas urbanas. Segundo Pêcheux, a imagem é um discurso que reclama sentido, “um
operador de memória social” (2002 [1983], p.51). Sendo discurso, a imagem, as
narratividades urbanas aí em funcionamento operam, sobretudo, enquanto estrutura
ou acontecimento. É a cidade produzindo sentidos. Um olhar em movimento sendo
narrado, não por um “contador de histórias (como o cego nordestino, o violeiro, o
velho indígena etc.)” (Orlandi, p.31, 2004), isso, pois, a cidade não tem um narrador.
Não são as pessoas que protagonizam o documentário simplesmente que ocupam o
lugar dos contadores de história ao conduzirem a câmera pelo território vermelho,
nem mesmo é o diretor ou editor que ocupa essa posição. As narratividades em
imagens têm os seus “vários pontos de materialização. Moventes. Fulgurações.
Materialidade dispersa. E são nas suas relações que podemos compreender esses seus
sentidos (Orlandi, p.31, 2004). Nessa direção, enquanto gesto que desorganiza a
narratividade urbana em imagens, é também um modo de dar relevo à espessura
semântica da cidade, atravessar o urbano, os seus territórios saturados, e capturar
pelas câmeras (a que câmera dança/ a que seduz/ a autônoma/ a que muda/ a que
roda/ e a clone) o flagrar do real da cidade se significando no instante de um flash, de
uma mirada, ou focagem que ficam na película estatizável de cada imagem. No vídeo,
os movimentos de discursos, de imagens, cruzam-se dando lugar à incompreensão. À
espera dos sentidos, e na ânsia de representar a cidade pela a sua organização, o
sujeito se desorganiza, tropeça na quantidade que não se pode metaforizar como
devia. Isso, pois como já dado pelo imaginário, o discurso social não é homogêneo. Há
de se pensar a cidade como “um processo em que se fazem presentes eventos não
apenas empiricamente, mas materialmente diferentes, constituindo novas formas
sociais e representando um real deslocamento ideológico nos modos de significar, e
viver, a cidade” (ORLANDI, p. 70, 2004). À medida que a cidade nos expõe à sua ordem,
assim como a língua, o incontível, o incompleto e equívoco se apresentam diante
daquilo do que não se pode controlar. O “diretor” e os “editores” do documentário
expostos a esse efeito do desamparo diante do que não de pode controlar, entram no
jogo incessante de dar unidade, lógica a esse espaço urbano, pelo próprio gesto de
captura, foco, congelamento em/de imagens do corpo da cidade e dos sujeitos. O que
nos aproxima ainda mais da possiblidade de compreensão de que o espaço urbano e
os sujeitos se constituem ao mesmo tempo por uma tensão sem fim. E a memória se
inscreve incessantemente, produzindo efeitos de literalidade.
Linguística
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Beethoven Barreto Alvarez
Universidade Estadual de Campinas
EFEITOS POÉTICOS DO SENÁRIO IÂMBICO EM PERSA DE PLAUTO
Nos últimos trinta anos, editores das obras de Plauto (c. 255-184 a.C.) - por exemplo,
J. Barsby (1986) editor de Bacchides, ou A. Gratwick (1993) editor de Menaechimi -
vêm tematizando em suas introduções às peças a importância da observação da
métrica do verso plautino para uma fruição mais completa do sentido próprio da
comédia. Embora advertindo quanto a diversos pontos obscuros e incertos, editores e
estudiosos costumam apontar que os textos plautinos se caracterizam, em relação à
métrica, sobretudo, pela distinção entre, por um lado, versos em senários iâmbicos,
que não seriam pronunciados junto com acompanhamento musical, e, de outro, por
todos os demais metros, que contariam com o acompanhamento musical durante sua
enunciação. A tradição de pesquisas plautinas ainda divide em dois grupos os metros
que seriam acompanhados de música, de acordo com sua forma de expressão: assim,
versos longos, trocaicos e iâmbicos ou anapésticos, são geralmente chamados de
“recitativos” e os diversos metros chamados líricos são considerados de versos
“cantados”, e.g. Hall (2002) e Gratwick (1993), bem como Lelay (1925), Law (1922),
Marshall (2006), além de Duckworth (1952); para um pensamento divergente, veja
Moore (1998), em que há uma ampla revisão das opiniões de autores sobre o formato
musical da comédia romana em suas páginas inicias. Sem entrarmos no mérito das
divergências que envolve tal classificação, cabe-nos ressaltar que, de todo modo, essa
distinção não dá conta de todos os aspectos envolvidos na apreciação da métrica
plautina. Antecede às questões sobre a relação entre métrica e instrumentos musicais
a própria identificação do tipo de verso transmitido nos manuscritos. Isso porque, em
primeiro lugar, questões prosódicas e métricas do latim de Plauto estão fortemente
conectadas com problemas de transmissão textual. Para compreendê-las, portanto,
que devem ser levadas em conta particularidades da tradição manuscrita das peças
plautinas, que envolvem, entre outros, problemas de ortografia e colometria. É notório
que, ao longo dos séculos, estudiosos têm se dedicado a tentar detectar e explicar as
regras métricas e prosódicas apreensíveis dos versos de suas comédias a partir do
texto e dos testemunhos de gramáticos antigos (principalmente Ritschl (1848) e Moore
(1998). O estudo mais antigo sobre a prosódia e a métrica do latim arcaico (até onde
se atesta, já que de seus testemunhos chegaram até a Modernidade diretamente) teria
sido empreendido por quem teria em mãos textos com a divisão de versos e falas mais
clara, e que possivelmente conhecia as particularidades prosódicas e métricas do latim
da comédia romana de Plauto, o erudito romano M. Terêncio Varrão (116-27 a.C.). Dos
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textos efetivamente transmitidos como importantes para o estudo da métrica
plautina, há ainda (como lembra Questa 2007, p. 5) o breve tratamento de Marco Túlio
Cícero (Orat. 152), em especial sobre o hiato; depois, os relatos de Césio Basso (séc. I
d.C.), Aulo Gélio (125-180 d.C.) e mais tarde de gramáticos latinos, que se basearam
fundamentalmente em fontes anteriores (especialmente em Varrão), mas adicionando
considerações, hoje tidas em geral como especulativas e mal fundamentadas – junto
com Questa, veja Fortson (2004). A partir do meio do século XVIII, desde Bentley
(1726), se intensificam os estudos métrico-filológicos, especialmente entre estudiosos
germânicos. Durante este período a filologia plautina avançou sobremaneira; contudo
a crença em alguns modelos teóricos da acentuação latina parece ter comprometido
algumas de suas observações, como indicam Questa (2007, p. 13) e Soubiran (1988, p.
333 et seq.). Isso nos lembra de um segundo aspecto importante para a identificação
da métrica plautina. O fato de se ter nas vinte e uma peças remanescentes de Plauto
um dos poucos exemplos da língua latina da época arcaica, bem como o fato de o
sarsinate ter escrito apenas no gênero cômico (que contava, em alguma medida, com
um latim coloquial e estilizado) são alguns dos parâmetros que exigem consideração
quando se comparam aspectos prosódicos e métricos do latim plautino com os de
textos provenientes de épocas posteriores. Uma questão que se tem colocado nos
estudos sobre o tema é, portanto: até que ponto a prosódia plautina demonstra uma
prosódia do latim arcaico ou coloquial e até que ponto reflete efeitos de sua
composição poéticas? Assim como Gratwick e Lightley (1982, p. 124), sugerimos que a
forma dos versos iâmbicos não deveria ser observada apenas como análoga à discurso
cotidiana ou à prosa, e daí sem valor poético, mas sim, ser percebido como mais um
recurso dramático de que dispunha autores da comédia romana do tempo de Plauto.
Objetivando tratar do estado da arte da questão modernamente, partindo
especialmente das observações de Questa (2007), este trabalho também deverá
incluir, posteriormente, as reflexões de Soubiran (1988), Boldrini (1992) e Fortson
(2007), estudiosos que, contemporaneamente, têm contribuído de forma fundamental
ao tema em apreço. Ficará para um outro momento ainda o cotejo com autores dos
séc. XVIII e XIX e, quiçá, com a tematização realizada pelos gramáticos antigos.
Partindo desse cenário, em nossa exposição, pretende-se, em um primeiro momento,
apresentar brevemente características particulares da prosódia do latim da época de
Plauto. Particularmente, trataremos da estrutura do tipo de verso que é considerado
como “verso falado” (i.e. não acompanhado de música, segundo a classificação que
descrevemos no início desta exposição): o senário iâmbico, verso largamente
empregado na comédia romana, constituindo cerca de 34% dos quase 21.150 versos
de Plauto, segundo estatísticas de Moore (2012, p. 382). Para tanto, vai-se tomar por
base, fundamentalmente, as considerações de C. Questa (2007), porém, em nenhum
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momento, este trabalho tentará superestimar a importância ou relevância da variação
métrica do senário iâmbico, contudo, não poderemos deixar de observar possíveis
efeitos gerados pela variação de sílabas longas e breves no interior do senário. A
seguir, a título de exemplo das questões envolvidas na percepção da métrica plautina,
apresentarei uma escansão de alguns senários iâmbicos, mais precisamente de um
trecho do monólogo do parasita de Persa (Plaut., Per. 53-67). Por fim, teceremos
algumas considerações finais com vistas a sugerir que a variação métrica dos senários
iâmbicos pode ser observada como mais um recurso poético de que dispunham os
comediógrafos latinos.
Caroline Ferreira Cunha Santos
Universidade do Vale do Sapucaí
A LÍNGUA ESTRANGEIRA NAS LEIS EDUCACIONAIS: MOVIMENTOS E SENTIDOS
Partindo da perspectiva da Análise de Discurso de linha francesa, proposta por Michel
Pêcheux, e lançando o olhar para a legislação que rege o ensino brasileiro, este
trabalho propõe pensar discursivamente que sentidos têm sido produzidos pelo modo
como o ensino de língua estrangeira tem se constituído nesse espaço discursivo que
abrange as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Esta pesquisa tem
sido desenvolvida por meio de revisão bibliográfica e da análise discursiva de alguns
recortes das LDBs de 1961, 1971 e 1996. Algumas noções caras à análise de discurso,
como sujeito, sentido, memória, ideologia, formações discursivas, acontecimento
discursivo, entre outras, fundamentam essa pesquisa. Na Análise de Discurso, segundo
Orlandi (2007b), não se parte da exterioridade para o texto como na análise de
conteúdo, mas busca-se conhecer essa exterioridade pelo modo como os sentidos se
trabalham no texto, em sua discursividade. E é essa especificidade da exterioridade na
análise de discurso que transforma a noção de linguagem, pensando sua forma
material e desloca a própria noção de social, de histórico, de ideológico, da forma
como as ciências humanas e sociais as definem. Não se pode, portanto, separar o
linguístico, o histórico e o ideológico. E assim, o discurso é o lugar de observação do
contato entre a língua e a ideologia, sendo a materialidade específica da ideologia o
discurso e a materialidade específica do discurso, a língua (Orlandi, 2008, p.86). A
linguagem, para a AD, não se trata de instrumento de comunicação, antes é tomada
como prática, ação que transforma, que constitui identidades. Ao falar, ao significar,
eu me significo (Orlandi, 2007b, p.28). A noção de língua é tomada aqui em uma
abordagem discursiva como foi proposto por Pêcheux, que afirma que a língua não
Linguística
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existe na forma de um bloco homogêneo de regras organizado à maneira de uma
máquina lógica (Pêcheux in Orlandi, 2007a). Para Orlandi (idem), o deslocamento do
conceito de língua em sua autonomia absoluta, na lingüística, para a autonomia
relativa, considerando a materialidade histórica, distingue a análise de discurso tanto
da análise de conteúdo como da análise lingüística. Portanto, é preciso pensar a língua
não como algo abstrato, mas em sua materialidade. Assim, analisar esse corpus
discursivamente significa pensar na opacidade da linguagem, já que não há uma
verdade oculta atrás do texto, o que há são gestos de interpretação que o constituem
(Orlandi, 1999). Para isso não se pode separar o discurso da sua exterioridade, ou seja,
é imprescindível levar em conta as condições de produção do discurso. Faz-se
necessário atentarmos não apenas para o que é dito, mas como é dito, ou seja, atentar
para a materialidade da língua, pois o sentido não está nas palavras, ou em algum
outro lugar, pronto a ser descoberto, mas o que há são sentidos múltiplos que se
movimentam no domínio da memória. Movimento este que pode ser observado por
meio de repetições, equivalências, regularizações discursivas, do equívoco, da falta, do
silenciamento. Dentre as questões abordadas nesta pesquisa, destacam-se a produção
de efeitos de evidência acerca da língua inglesa como sinônimo de língua estrangeira,
entre outros; o apagamento da expressão “língua estrangeira” da LDB de 1961; o
efeito metafórico presente nas diferentes designações para língua estrangeira –
línguas vivas estrangeiras, línguas estrangeiras, língua estrangeira moderna – que
ocorrem na legislação. A legislação anterior a 1961 que regulamentava o sistema de
ensino brasileiro estabelecia que fossem ensinadas tanto as línguas clássicas como as
línguas vivas, produzindo, desse modo, uma regularização discursiva relativa ao ensino
de língua estrangeira. Em 1961, foi criada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) que regulamentou a educação formal em todas as
instituições de ensino brasileiras. Nesta lei, não há nenhuma ocorrência da expressão
“língua estrangeira”, e tampouco havia qualquer especificação das línguas a serem
ensinadas além da língua materna. Assim, possibilitava-se a inclusão da língua
estrangeira na grade curricular apenas como uma das duas disciplinas optativas que
cabia ao estabelecimento de ensino escolher. Consideramos, portanto, a LDB de 1961
um acontecimento discursivo, conforme definido por Pêcheux, como sendo o encontro
de uma atualidade e uma memória, o que irrompe nessa rede de regularização
discursiva e provoca um jogo de força na memória que, ao mesmo tempo, busca
manter essa regularização pré-existente e também perturba, desregula essa rede de
implícitos na memória (Pêcheux, 1999). Além disso, o ensino de língua estrangeira que
antes compreendia vários idiomas como francês, inglês, alemão, espanhol, passa a ser
predominantemente de língua inglesa. Conforme Celada (2002), teria havido um
deslocamento: o foco passa a estar na língua veicular – língua inglesa – e as outras
Linguística
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línguas ficam destituídas de atenção ou desfocadas, privilegiando uma língua “que está
em toda parte”, o que tem a ver com a troca comercial. Assim, teria se produzido,
ideologicamente, no imaginário educacional um efeito de evidência em relação ao
inglês como língua estrangeira.
Clara Coelho Mangolin
Universidade Estadual de Campinas
APONTAMENTOS PRÉVIOS SOBRE A LINGUAGEM DAS MULHERES NO NÍVEL LEXICAL
E SUA RELAÇÃO COM FATORES SOCIAIS
Neste trabalho, serão apresentados resultados preliminares para a pesquisa de
Mestrado intitulada “Linguagem e Gênero: O desempenho lexical das mulheres sob um
olhar sociolinguístico”, a qual busca analisar a heterogeneidade intrínseca à fala da
mulher e desvendar os mecanismos sociais cuja ação influencia e, em última instância,
causa esta heterogeneidade. A perspectiva aqui adotada a respeito da relação entre
gênero e linguagem alinha-se com uma postura sociolinguística mais recente, que não
considera uma única variável como suficiente para justificar os usos linguísticos dos
sujeitos. Neste sentido, há um certo afastamento dos trabalhos clássicos realizados e
defendidos por linguistas como Labov (1972), Lakoff (1975), Trudgill (1972), Sankoff et
al. (1989), Deuchar (1988) e Chambers (1995), que apontam para a fala das mulheres
como sendo definida por uma busca pelo uso da variedade padrão, e uma
aproximação de teóricos como Eckert e McConnell-Ginet (2003), que em seu trabalho
“Language and Gender” trouxeram a perspectiva da fala da mulher como sendo
permeada e influenciada por uma série de fatores. Para defender e aprofundar esta
perspectiva, entrevistas sociolinguísticas estão sendo conduzidas com 12 mulheres de
diferentes faixas etárias; estas entrevistas são audiogravadas e posteriormente
analisadas dentro do nível lexical, com especial atenção ao uso de gírias e de
expressões idiomáticas. Todas as entrevistadas são participantes de diferentes
movimentos sociais e, portanto, apresentam um forte perfil de liderança e
engajamento em questões mais amplas como a politica, o sindicalismo, a luta contra o
preconceito e a busca de seus direitos. O contato com estas mulheres se dá através de
um método de rede de contatos, em que elas são indicadas por conhecidos em
comum; desta forma, busca-se evitar a alteração dos dados frequentemente
provocada por desconfortos entre entrevistado e pesquisador. Também há uma
preocupação em travar contatos prévios e regulares com as entrevistadas, na intenção
de criar uma atmosfera de maior confiança e permitir que estas se expressem
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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naturalmente no momento da entrevista real. As entrevistas seguem dois modelos
distintos: um deles mais informativo e abrangente, tratando de domínios pessoais, do
trabalho, do estudo e da participação da mulher em movimentos sociais; o outro, mais
concentrado na produção de comentários e reflexões da mulher sobre a importância
de cada um destes aspectos em sua trajetória de vida. Ao utilizar estes diferentes
modelos, esperamos encontrar variações na linguagem provocadas pela mudança de
gênero produzido na fala (o comentário em contraposição à narrativa), ao mesmo
tempo em que contamos com a influência da grande liberdade de expressão concedida
pela segunda entrevista sobre o aparecimento de uma maior quantidade de léxico
especial. Até agora, foram realizadas 07 das 24 entrevistas previstas, sendo que outras
05 têm previsão de serem realizadas dentro das próximas semanas; as demais
entrevistas serão realizadas conforme novas entrevistadas sejam contatadas. A coleta
e análise de dados realizada até o momento permitiu-nos constatar uma certa
constância do uso de linguagem padrão por parte das mulheres estudadas (tomando
aqui, como fator determinante do que seria a linguagem padrão e de seu uso, o
emprego de gírias comuns, em vez de gírias de grupo, bem como de expressões
idiomáticas mais tradicionais). Esta constância foi interrompida apenas pontualmente,
no caso de mulheres que apresentavam uma inserção sociocultural muito particular,
ou seja, que apresentavam características particulares em sua inserção nos meios de
estudo, trabalho e militância. Percebemos, assim, que a produção de linguagem destas
mulheres é marcada pela diferença, e tal diferença não pode ser satisfatoriamente
explicada pelo fator “faixa etária”, nosso principal elemento de controle - de fato,
observamos que o que existe é uma correlação entre o fator etário e outros fatores
sociais no desempenho relativo ao nível lexical na fala das mulheres. Desta forma,
podemos afirmar que este estudo, embora ainda inconcluso, já aponta para a
necessidade de uma teoria de base social mais aprofundada, o que pode ser alcançado
ao trabalhar a intersecção das teorias da Sociolinguística – área de diálogos por
excelência – com os campos da Antropologia, da Análise da Conversação e mesmo da
Análise do Discurso, a fim de alcançar um entendimento do social que vá além das
categorias duras de idade, gênero e classe. Vale mencionar que esta pesquisa também
faz parte do projeto “É nóis na fita: a formação de um registro e a elaboração de
registros no campo da cultura popular urbana paulista”, coordenado pela Profa. Dra.
Anna Christina Bentes da Silva; e, dentro deste, ele está colaborando na construção do
corpus proposto, além de também ter permitido observar com mais clareza como o
uso conjunto de gírias – que tornam a fala mais coloquial e a aproximam mais da
variedade não-padrão – e de expressões idiomáticas – que conferem a esta fala um
caráter mais formulaico, gerando a impressão de que o falante, por não possuir
conhecimentos sobre o assunto ou não conseguir expressar-se da maneira que deseja,
Linguística
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precisa recorrer a enunciados prontos, universais – atua para constituir o que se
conhece como “fala popular”.
Claudia Freitas Reis
Universidade Estadual de Campinas
SOBRE OS SENTIDOS DA PALAVRA LÍNGUA: PLURILINGUISMO E DIVERSIDADE
A questão que apresentamos neste trabalho insere-se nos estudos semântico-
enunciativos e, como tal, implica numa reflexão que objetiva a compreensão do(s)
sentido(s) em torno da relação estabelecida entre as palavras que compõem um
enunciado, levando-se em conta que este, por sua vez, é também parte integrante de
um texto (cf. Guimarães, 2007). Em meu trabalho de doutoramento analiso os
documentos publicados pela UNESCO em seu site. Interessam-me, especificamente, os
textos que tratam de questões linguísticas. Criada no pós-guerra, a organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, UNESCO, toma para si a missão
de unificar e pacificar as nações. Todo seu esforço está em diminuir as assimetrias
entre os povos e assegurar os mesmos direitos a todos. Com base nestes preceitos, a
questão linguística torna-se pertinente na medida em que se coloca uma relação entre
língua e cultura que acarretará esforços para ações de preservação linguística (Reis,
2010), significando a preservação linguística enquanto uma preservação cultural.
Assim, instaura-se a importância do desenvolvimento de estratégias que implementem
uma espécie de “multilinguismo democrático”, uma circulação simétrica de línguas,
onde línguas majoritárias e minoritárias têm o mesmo direito a serem enunciadas. E,
desta forma, garantindo a circulação das línguas minoritárias nos mesmos espaços de
circulação das línguas majoritárias , estaríamos implementando a preservação das
línguas e, consequentemente, a permanência de determinadas culturas, patrimônios
da humanidade. Esta conjuntura nos colocou diante da seguinte pergunta: o que é
uma língua? Como a língua é significada nestes textos? Desta forma, a entrada para
este estudo foi a escolha da palavra língua para análise de seus domínios semânticos
de determinação (cf. Guimarães, 2007 ). O DSD de uma palavra é um aparato
descritivo que indica as relações de determinação que configuram o sentido de uma
palavra em um texto específico, ou seja, um dos objetivos de nosso trabalho será
percorrer os textos com vistas para as relações que funcionam na determinação dos
sentidos da palavra língua a partir da forma como esta se relaciona com outras
palavras dos textos que selecionamos para nossas análises. Acreditamos que este
estudo do DSD da palavra língua nos dará condições para pensar o funcionamento da
Linguística
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argumentação. No trabalho que apresentamos aqui, trataremos, especificamente, do
estudo do DSD da palavra língua no texto disposto no site, cujo título é “Diversidad
lingüística y plurilingüismo en Internet”. Nesta análise, além do estudo do sentido da
palavra configurado pela relação desta com as outras palavras do texto, levaremos em
conta um outro elemento que vem sendo também objeto de nossa reflexão.
Trataremos do espaço de navegação viabilizado pelo site e do esquema de linkagem
que acreditamos ser significativo para a configuração do DSD, na medida em que
somos levados ao conteúdo que desejamos pelos links que são representados por
palavras. Assim, as palavras que indicam os links vão sendo significadas pela relação
que vai sendo traçada entre elas, pela navegação. É uma enumeração que vai
afunilando nossa navegação, especificando, de certa forma, aquilo que buscamos, até
chegarmos ao que buscamos. Pretendemos propor, então, uma articulação entre um
estudo linguístico desta linkagem e o estudo do DSD da palavra língua dentro do texto
selecionado. Nosso estudo se fará com base na Semântica do Acontecimento
(Guimarães,2002) o que coloca, entre outras coisas que :1. O sentido de uma palavra é
determinado no acontecimento de linguagem; 2. O sentido não é tratado por nós por
uma abordagem referencial; 3. O sentido de uma palavra deve ser pensado a partir da
relação que há entre esta palavra e o texto que ela compõe. Para a Semântica do
Acontecimento, os enunciados são considerados enquanto um acontecimento de
linguagem. Este acontecimento possui sua própria temporalidade que é instaurada
não pelo locutor, mas pelo próprio enunciado no acontecimento. Esta questão é
importante, pois nos faz considerar os elementos desta temporalidade: a sua
futuridade que coloca a interpretabilidade do enunciado e o memorável que recorta
um passado. Assim o sujeito se constitui por esta temporalidade instaurada pelo
acontecimento linguístico, pelo funcionamento da língua (cf. Guimarães, 2004). O site
será tratado enquanto um espaço que permite que línguas e falantes circulem, pelo
próprio funcionamento linguístico, em uma relação litigiosa. Desta forma, faremos
uma articulação que considera o site enquanto um espaço de enunciação onde as
relações entre línguas e falantes será atravessada pelo político, “O espaço de
enunciação é assim decisivo para se tomar a enunciação como uma prática política”
(Guimarães, 2007, p.206). Deste modo o estudo do sentido de uma palavra, deve
considerar, necessariamente, esta relação que se instaura no acontecimento
enunciativo, determinada pelo funcionamento político da linguagem. Pretendemos,
portanto, com nossas análises, contribuir para os estudos linguísticos semânticos,
apresentando as especificidades de nosso aparato teórico-metodológico, pela
produção de uma análise que possa propiciar a articulação entre o estudo do sentido
de uma palavra pelo seu DSD e a direção argumentativa que este estudo imprime ao
texto.
Linguística
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Cristina de Souza Prim
Universidade Estadual de Campinas
PROPOSTAS DE ANÁLISE DA AMBIGUIDADE INTERNA AOS DPS CONTENDO NOMES E
ADJETIVOS
O exemplo em (1) a seguir pode ser interpretado com leitura intersectiva (1a) ou com
leitura não-intersectiva (1b), o que equivale a dizer que Olga dança rebeldemente.
(1) Olga é uma dançarina rebelde.
a. Olga é dançarina e Olga é rebelde.
b. Olga é rebelde como dançarina.
Na literatura encontram-se as duas possibilidades de análise para esta ambiguidade:
uma que aponta que nomes são predicados de um lugar e a ambiguidade de (1) deve
ser atribuída a alguma complexidade sintática e/ou semântica do adjetivo –
chamaremos esta de A-análise – e outra que aponta que o adjetivo seria um predicado
de um lugar e que a ambiguidade deve ser atribuída a algum tipo de complexidade na
estrutura do núcleo nominal – esta, por sua vez, chamaremos de N-análise. O objetivo
deste trabalho é apresentar e comparar as análises. A A-análise, mais frequentemente
encontrada na literatura, assume que nas línguas românicas a posição pós-nominal
pode, a princípio, ter duas leituras, o que é corroborado pelo exemplo acima, e a
posição pré-nominal permite apenas uma delas. Nesta linha, muitos teóricos, como
Cinque (1993, 2010), Crisma (1990, 1993, 1996), Bernstein (1993), entre outros,
assumem que adjetivos são gerados na posição pré-nominal e nomes (ou
constituintes) movem-se sobre os adjetivos, resultando em adjetivos pré ou pós-
nominais, dependendo do número de movimentos. Cinque, em seu trabalho The
syntax of adjectives (2009), propõe uma abordagem que trata a semântica e a sintaxe
dos adjetivos unificadamente. A sugestão de que adjetivos entram na estrutura de DPs
de duas formas talvez seja o principal ponto defendido em Cinque (2007): adjetivos
são originados ou como modificadores sintagmáticos diretos de núcleos funcionais da
projeção estendida de N ou como predicados de relativas reduzidas, gerados acima da
projeção funcional que apresenta o primeiro tipo de adjetivos. Cada uma dessas
formas de engendramento básico de adjetivos está associada a diferentes
propriedades interpretativas e sintáticas. Os dois tipos de modificação adjetival são
gerados no campo pré-nominal, mas cada um deles passa por um tipo diferente de
movimento sintagmático para se tornarem pós-nominais. Visto que esta hipótese
considera que, em um exemplo como (1), é o adjetivo que provoca a ambiguidade
Linguística
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observada de acordo com a posição que ocupa, é inesperado encontramos
ambiguidade na posição pré-nominal; é inesperado ainda que um mesmo adjetivo, se
aplicado a nomes diferentes, tenha a princípio comportamentos diferentes. No
entanto, é possível refutar estas consequências da teoria com exemplos como os que
seguem:
(2) Maria é uma bailarina sensual (leitura intersectiva ou não-intersectiva)
(3) Maria é uma economista sensual (somente leitura intersectiva)
(4) O bom ladrão
Já de acordo com a N-análise, são as propriedades do nome que produzem
ambiguidade dos DPs. Larson apresenta uma proposta para clarificar exemplos como
(1) a partir do ponto de vista composicional. Diferentemente das A-análises, que
apontam que, basicamente, os adjetivos são ambíguos entre uma leitura intersectiva e
não-intersectiva, Larson postula um argumento evento para o nome. Baseando-se no
trabalho de Davidson, de 1967, sobre os advérbios, Larson defende que nomes com
uma clara contraparte verbal (administrador, dançarina, cantor) e com uma
contraparte referindo a um estado ou ação (violinista – que toca violino) motivam
estrutura de eventos em nominais. Larson propõe um argumento evento nos nominais
para dar conta da leitura não-intersectiva. No exemplo acima, o nome é um deverbal
com uma estrutura complexa que contém, no mínimo, referência a alguma atividade e
o agente da atividade: administrador é um predicado de dois lugares <x,e> sendo e a
administração e x o agente da administração. Segundo a análise de Larson, os adjetivos
são predicados de apenas um lugar, e podem ser aplicados a indivíduos, eventos ou
ambos. Quando a semântica do AP previne a aplicação dos dois tipos de entidade, a
estrutura de modificação de N não é ambígua. Um exemplo: embora pessoas possam
ser idosas, eventos e estados não podem ser; idoso, pontanto, só predica indivíduos. Já
anterior, como em “Lula foi o presidente anterior”, se aplica a eventos, mas não a
pessoas: “anterior(e), mas não “anterior(Lula). Há ainda aqueles que podem predicar
de ambos, indivíduos ou eventos, como é o caso de rebelde e sensual nos exemplos
acima. Para Larson, sempre haverá ambiguidade quando a semântica dos APs permitir
aplicar tanto a “indivíduos” quanto a “eventos/estados”. De fato, o que Larson
defende é que não há leitura não-intersectiva, mas há interseção de A com grupos
diferentes: no caso de (10), a interseção pode ser com dancer ou com dancing. A
análise do adjetivo é simplificada dessa forma, pois não há divisão de AP; todos os
adjetivos são predicados, mas de formas diferentes. A análise ganha uma vantagem
imediata com isto: desta forma, a aproxima-se “beautiful dancer” e ‘dances
beautifully”. No entanto, a N-análise não explica claramente como analisar DPs com
Linguística
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mais de dois adjetivos. Em geral, este é o problema de muitas análises que tentam
explicar o comportamento dos adjetivos (e um exemplo que podemos citar aqui é a
Hipótese de Movimento de Núcleo). A leitura de evento de beautiful é bloqueada
quando um predicado de indivíduo intervém, pois a leitura não-intersectiva é que deve
estar mais próxima de N. Se os modificadores intersectivos acessam livremente os
argumentos, este resultado é inesperado:
(5) a. Olga is a beautiful blonde dancer.
b. Olga is a blonde beautiful dancer.
As duas propostas apresentadas anteriormente apresentam conjecturas interessantes,
ainda que nenhuma delas seja desprovida de problemas. Será discutida cada proposta
com mais afinco e por fim se argumentará a favor da N-análise, em especial pela
simplicidade e elegância que há por trás da proposta.
Daiane Rodrigues de Oliveira
Universidade Estadual de Campinas
A CONSTITUIÇÃO DO DISCURSO MISSIONÁRIO BATISTA NO BRASIL: QUESTÕES
INICIAIS DE UMA ANÁLISE DISCURSIVA
A missão evangelística constitui-se como um lugar fundamental no discurso cristão,
seja ele católico ou protestante. O envio sistemático de missionários protestantes para
o Brasil começou em 1836, com a chegada do Reverendo metodista Spaulding. Em
1858, foi fundada a primeira comunidade protestante do país: a Igreja Evangélica. Em
1881, foi organizada por missionários norte-americanos a Primeira Igreja Batista no
Brasil. Tal igreja tem se destacado pela grande ênfase dada ao trabalho missionário. Os
batistas procuram o indivíduo para “salvá-lo” e fazem dele um “propagandista” de sua
mensagem. A vida do protestante batista se define, assim, em três “tempos”: a
conversão, a instrução e a evangelização. Segundo a Convenção Batista Brasileira, a
missão primordial do povo de Deus é a evangelização do mundo. Nesse sentido, essa
Convenção criou em 1907 duas organizações responsáveis pelo gerenciamento do
trabalho missionário. A Junta de Missões Mundiais (JMM) tem como objetivo atuar na
expansão da igreja batista além das fronteiras do Brasil. Já a Junta de Missões
Nacionais (JMN) tem como objetivo a expansão nacional da igreja Batista. A cada ano,
essas juntas desenvolvem uma campanha evangelística. Cada campanha tem um tema
(slogan), uma divisa (um texto bíblico) e um alvo (em dinheiro) estabelecido. Tendo
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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isto em vista, o objetivo do presente trabalho é discutir a constituição do discurso
missionário protestante no Brasil. Mais especificamente, o funcionamento do discurso
das Juntas missionárias batistas. Para este trabalho, tomaremos como corpus de
análise textos institucionais dessas Juntas sobre a formação, objetivos e modo de
trabalho dessas organizações. Para tanto, levamos em consideração a proposta de
Maingueneau (2006) a respeito do funcionamento dos discursos constituintes.
Segundo esse autor, os discursos religioso, filosófico, científico e literário têm um
estatuto particular, na medida em que não reconhecem nenhuma autoridade acima de
si mesmos. A esse grupo de discursos, o autor chama de discursos constituintes. Tais
discursos se propõem como Origem, não reconhecendo nenhuma outra autoridade
além de sua própria e não admitindo quaisquer outros discursos acima de si mesmos.
Eles são ao mesmo tempo auto e heteroconstituintes. Autoconstituintes, porque
fundam, mas não são fundados por outros discursos, e heteroconstituintes, porque
desempenham um papel constituinte em relação aos outros. Esses discursos se
apresentam como ligados a uma Fonte legitimadora que lhes concede acesso à
verdade e lhes atribui superioridade sobre os demais. Esses discursos legitimam as
práticas discursivas de uma coletividade e funcionam como fiadores (como lugar de
autoridade, norma e garantia) de múltiplos gêneros do discurso. No campo religioso,
cada posicionamento constituinte pretende nascer de um retorno à Verdade divina,
que os demais posicionamentos teriam esquecido ou subvertido. Nesse sentido, faz
parte do funcionamento do discurso religioso missionário que os batistas se
apresentem como responsáveis pela “salvação do mundo”. Para a análise, levamos em
consideração também a proposta de Amossy e Pierrot (2001) a respeito da noção de
estereótipos. Segundo as autoras, essa noção entra na problemática da Análise do
Discurso pela noção de pré-construído. O estereótipo funcionaria como um tipo de
pré-construído, na medida em que é um elemento prévio do discurso, afirmado pelo
enunciador, mas cuja origem já está esquecida (“já-dito” antes e em outro lugar).
Desse modo, a ativação/construção de estereótipos funciona na relação entre os
diferentes posicionamentos discursivos, porque está ligada ao interdiscurso ou
memória do dizer. As autoras afirmam que o estereótipo tem um caráter inevitável e
indispensável, na medida em que é um elemento constitutivo da relação do ser
humano consigo “mesmo” e com o “outro”. Nesse sentido, mesmo sendo às vezes
negativos, eles são fundamentais para a coesão de um grupo e a consolidação de sua
unidade. Possenti (2004) afirma que o estereótipo, quando é negativo, funciona como
um simulacro no sentido proposto por Maingueneau (1984), o qual propõe que a
relação entre os discursos se dá por um processo de interincompreensão, inscrito nas
próprias condições de possibilidade de um discurso. Para Maingueneau, o
desentendimento recíproco é próprio da relação entre os discursos. Um enunciador
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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discursivo só pode ‘imitar’ o seu Outro a partir de seu próprio discurso, referindo-se a
ele por meio de traduções ou “simulacros” que constrói dele. Desse modo, é
constitutivamente “normal” que o discurso missionário construa a imagem de seus
“outros” por meio de simulacros, derivados de estereótipos de tipo oposto (negativo).
Nesse sentido, embora o discurso batista tente se apresentar como tolerante, sempre
constrói uma imagem de seu outro a partir de uma série de simulacros e estereótipos,
como aquele que precisa ser evangelizado. Além de construir uma imagem negativa de
seu outro, por meio de estereótipos e simulacros, o discurso batista também constrói
uma imagem de si como “proclamador de direito da salvação” do mundo,
apresentando-se como uma verdade absoluta e necessária. Essa posição inscreve-se
em um funcionamento típico do discurso missionário. Tendo em vista esses
pressupostos teóricos, neste trabalho, buscamos, portanto, analisar discursivamente a
constituição das juntas missionárias batistas, a fim de discutir o funcionamento do
discurso missionário nos séculos XX e XXI no Brasil.
Danusa Lopes Bertagnoli
Universidade Estadual de Campinas
DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO USO DE "SUPER" COMO MODIFICADOR ARGUMENTATIVO
DO VERBO
Este trabalho procura descrever e analisar um fenômeno bastante recente que temos
observado no português brasileiro: o uso de “super-” não mais como um prefixo que
se liga ao verbo (como em “superproteger”, “superestimar”), mas como uma unidade
autônoma que incide sobre ele (como em “super quero”, “super topo”, “super
imagino” etc). Podemos observar que neste caso “super” deixa de funcionar como um
prefixo que se liga a uma base lexical, para funcionar como uma forma livre que se
relaciona ao verbo podendo inclusive exibir mobilidade sintática em relação a ele
(“comeu super”, “merece super”), o que demonstra que nestes casos ele já não
funciona mais como prefixo. Este destacamento de “super” da base lexical já ocorre há
algum tempo no português brasileiro, podendo funcionar como nome (“super” para
“supervisor”) como nos mostra o Dicionário de Usos do Português do Brasil (BORBA,
2002, p.1502), como adjetivo (“gasolina super”, “casa super”) (SANDMAN, 1989) ou
ainda como advérbio de intensidade que modifica outro advérbio (“ele falou super
bem”). É este destacamento de “super” (a sua existência como forma livre) que chama
nossa atenção para este estudo. Interessa-nos mapear se ela pode ocorrer com todo e
qualquer verbo, ou se há alguma restrição (de aspecto, tempo, modo) que impede esta
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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articulação e, principalmente, compreender como esta forma ao se desligar da base
lexical modifica o verbo, produzindo assim uma orientação argumentativa sobre o
enunciado em que aparece. Dessa forma, para estudar este fenômeno linguístico
fundamentamos nosso trabalho na Semântica Enunciativa articulando duas
abordagens que, ainda que sejam bastante próximas, apresentam certas
particularidades que as distinguem. Considerando o sentido de intensificação que
constitui a forma “super”, trabalhamos com os conceitos de “escalas argumentativas”
e de “modificadores” (realizantes e desrealizantes) propostos por Ducrot (1973, 1995)
em sua Teoria da Argumentação na Língua, além do conceito de “modificadores
sobrerealizantes”, proposto por García Negroni (1999) nesta mesma perspectiva.
Nesta teoria, Ducrot define a argumentação como uma propriedade inerente à língua,
como sua função primeira, sendo que, em sua configuração mais recente, essa
argumentatividade não estaria mais restrita apenas aos operadores argumentativos
(descritos por Ducrot no início de sua formulação teórica), mas se estenderia ao léxico
da língua, os nomes e verbos que Ducrot reúne no termo “predicados”. Estes
predicados têm um potencial argumentativo que pode ser reforçado ou atenuado
quando empregados em um discurso a partir da incidência de modificadores (adjetivos
e advérbios) sobre eles. Os modificadores que reforçam este potencial argumentativo
são chamados pelo autor de “modificadores realizantes” (MR), enquanto que aqueles
que o atenuam ou invertem são chamados de “modificadores desrealizantes” (MD).
García Negroni (1999) propõe ainda uma terceira classe de modificadores, os
“modificadores sobrerealizantes” (MS), que indicam o grau máximo de um predicado,
situando seu potencial argumentativo em uma escala que não é banal, mas
extraordinária. Para compreendermos estes conceitos, podemos observar o predicado
“solução” modificado pelos adjetivos “difícil”, “fácil” e “facílima”, em que “difícil” seria
um MD de “solução”, pois atenua seu potencial argumentativo em direção à “não
solução”, “fácil” seria seu MR, pois reforça seu potencial argumentativo, enquanto
“facílima” seria seu MS, uma vez que “a solução não só é fácil, como é facílima”, de um
modo extraordinário, fora do comum. Estes conceitos são ferramentas fundamentais
para nossa análise, pois partimos da hipótese de que “super” parece funcionar (no
caso que temos estudado) como um modificador que indica o grau máximo na escala
argumentativa em que se inscreve o verbo ao qual se relaciona. Podemos observar
esta gradualidade de “super” no exemplo “Olha como ele tá gordinho. Ele comeu
super hoje”, em que “super” coloca o verbo “comer” em uma escala extraordinária, já
que em “comeu muito” temos um reforço argumentativo de “comer” (“de fato ele
comeu”) e em “comeu pouco” temos uma atenuação deste predicado (“ele quase não
comeu”), mas ainda em uma escala ordinária, daquilo que se espera. Porém, neste
exemplo, observamos que “super” intensifica o potencial argumentativo de “comer”
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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em seu grau máximo, situando-se assim em uma escala argumentativa extraordinária e
constituindo o argumento para o enunciado anterior (“Ele está gordinho porque
comeu super”). Ainda que mobilizemos os conceitos da Teoria da Argumentação na
Língua, ao abordarmos questões relativas à enunciação nos inscrevemos na Semântica
do Acontecimento, como é desenvolvida por Guimarães (2002), a partir de alguns
deslocamentos produzidos por este autor em relação à perspectiva de Ducrot. Neste
sentido, trabalhamos com a noção de enunciação como um acontecimento histórico
que instala sua própria temporalidade, configurado por uma cena enunciativa que nos
mostra os lugares sociais a partir dos quais se enuncia e para quem se enuncia, bem
como os memoráveis recortados por esta enunciação. Além disso, procuramos estudar
a forma “super” a partir das relações que estabelece com outras formas no enunciado,
pois acreditamos que é a partir dessas relações que se constitui o seu sentido. Por fim,
tomamos o enunciado como uma unidade que integra um texto e que tem seu sentido
constituído a partir dessa relação de integração (GUIMARÃES, 2011). É sob esta
abordagem que procuramos descrever o funcionamento de super enquanto um
modificador argumentativo do verbo.
Diego Jiquilin-Ramirez
Universidade Estadual de Campinas
PISTAS SINCRÔNICAS E DIACRÔNICAS DAS FRICATIVAS POSTERIORES DE TRÊS
DIALETOS HISPÂNICOS
A tese se propõe a investigar os aspectos acústico e articulatórios das fricativas
posteriores do português brasileiro e alguns dialetos do espanhol a partir dos pontos
de vistas diacrônico e sincrônico. Já que a pesquisa ainda se encontra em andamento,
apenas nos atemos aos dialetos do espanhol, por isso apresentamos um estudo
preliminar com atenção neste idioma. Diacronicamente, investigamos as origens dos
atuais sons fricativos posteriores do espanhol. Sincronicamente, realizamos análises
estatísticas e qualitativas sobre três variedades do idioma. O objetivo é entender a
mudança lingüística desses sons de maneira que a perspectiva dinâmica e simbólica da
diacronia conflua ao dinamismo e simbologia da sincronia. Retiramos exemplos de
sons posteriores das demais línguas romances e chegamos ao latim, idioma em que a
“aspiração” ocupou dois estatutos diferentes: i) variação alofônica entre a fricativa ou
sua ausência, a presença do fone era indício de condição social elevada ii) e aspiração
depois de oclusiva, fone tomado emprestados dos gregos. Os sons fricativos
posteriores do espanhol, no entanto, não se originam de nenhum desses dois casos.
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Historicamente, existiu um fonema fricativo glotal proveniente de f- latino – e que nos
dias atuais desfonologizou-se e apenas subsiste em alguns dialetos. O espanhol, língua
em pauta neste trabalho, apresenta pelo menos um som fricativo velar (exemplo:
[x]igante) em seu sistema fonológico atual - fruto da (trans)fonologização de outros
sons latinos (como a palatalização de “l” ou do grupo “cl”, por exemplo) – e, pelo
menos, outro glotal como variedade dialetal (exemplo: ca[x]a ~ ca[h]a),
frequentemente encontrado na pronúncia andaluza e na da zona do Caribe. A que se
deveu o aparecimento destes sons, ou melhor, o que contribuiu para que ocorresse a
fonologização de sons posteriores neste idioma moderno? Como surgiram no espanhol
dos dias atuais? A resposta a estas perguntas pode se mostrar reveladora se
reavaliamos a unidade mínima de análise. Labov (1996) já aponta, em Lingüística
Histórica, uma polêmica sobre a unidade fundamental da mudança lingüística: por
alguns considerada o fonema, para outros a palavra. Para poder observar as mudanças
do passado da língua, avaliamos os processos de mudança sincrônica. Hoje, o fonema
é realizado pelo menos em três pontos diferentes do trato vocal, segundo seja o
dialeto em que é produzido. Para analisar estas três variedades, gravamos amostras da
fala madrilenha, paraguaia e caribenha. Contamos com três sujeitos representantes da
fala de Madri, Espanha, dois homens e uma mulher. Como representantes da fala
paraguaia, gravamos duas informantes, ambas provenientes de Assunção. Para obter
amostras da fala do Caribe, contamos com mais sujeitos, já que a zona dialetal abarca
vários países: são quatro os sujeitos colombianos, três mulheres e um homem
oriundos de Bogotá; um venezuelano, da capital Caracas; uma salvadorenha, de San
Miguel; um sujeito de sexo masculino proveniente de San José de Costa Rica, Costa
Rica, e um cubano de La Havana. Todos os informantes, com alto nível de escolaridade,
se encontram na faixa etária de 25 a 35 anos. Como variáveis independentes
escolhemos o contexto vocálico de ocorrência do fone. A articulação nas zonas
posteriores, além de ser influenciada pela variedade dialetal, varia segundo se articule
entre [a]_[a],[i]_[i] ou [u]_[u]. A palavra alvo foi introduzida numa frase veículo não
forjada, retirada de textos reais. Palavras, cuja fricativa se encontre entre [a]_[a] é
muito mais freqüente que entre [i]_[i]. Este contexto, por sua vez, é muito mais
comum que [u]_[u]. Para sanar a dificuldade em encontrar palavras pouco frequentes,
utilizamos a ferramenta de busca disponibilizada pela Real Academia Española (RAE)
denominada CORDE (Corpus Diacrónico del Español). Escolhemos um corpus
diacrônico porque pudemos ter ampliada a ocorrência de palavras. Por isso, dentre os
vocábulos que foram alvos do estudo contamos com certo léxico arcaizante, uma
minoria. Uma vez que os informantes são sujeitos altamente escolarizados, não houve
dificuldades de leitura das frases mais arcaicas. Mesmo assim, eles foram submetidos a
uma leitura prévia antes da gravação, de modo a que estivessem treinados. O corpus
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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foi coletado no Laboratório de Fonética do Consejo Superior de Investigación Científica
(CSIC), localizado em Madri, Espanha. Qualitativamente, especulamos a oscilação
formântica das fricativas em pauta. Segundo a teoria da perturbação e o modelo linear
fonte-filtro de produção da fala (Fant, 1960; Stevens & House, 1961; Stevens, 1998), a
oscilação do formante com relação aos formantes das vogais adjacentes podem
oferecer pistas sobre os pontos de articulação da consoante. Quantitativamente,
seguindo a metodologia apresentada por Forrest et al (1988) e Jongman et al (2000),
em estudo anterior, testamos uma análise dos quatro momentos espectrais: centro de
gravidade, variança, assimetria e curtose. Percebemos que os momentos espectrais
podem ser úteis para descrever a produção da fricativa de acordo com o contexto
vocálico. De todos os modos, não tomamos nem a palavra nem o fonema como
primitivo de análise, propomos o gesto articulatório como unidade de descrição da
mudança lingüística. Esta unidade pode explicar tanto a mudança no nível da palavra,
quanto no nível do fonema. Sob a ótica da Fonologia Gestual (Browman & Goldstein,
1985, 1986, 1991; Browman, Byrd & Saltzman, 2006), fazemos uma revisão profícua
sobre os estudos diacrônicos das fricativas posteriores do espanhol. Ainda devemos
levantar bibliografia sobre a história das fricativas posteriores do português e aplicar a
mesma metodologia de análise sincrônica às nossas consoantes.
Diogo Martins Alves
Universidade Estadual de Campinas
HIGINO E A MORTE DO AUTOR
A relevância da obra Fabulae, atribuída a um certo Higino, tende a ser cada vez mais
reconhecida nos estudos mitográficos. No entanto, as controvérsias que se fazem
sobre sua denominação à atribuição de sua autoria têm influenciado diretamente na
apreciação dessa obra – que tem, aliás, estatuto filológico peculiar, uma vez que o
acesso ao texto se dá por meio de uma edição renascentista de 1535, já que dele não
nos foi legado nenhum manuscrito completo. Alguns estudiosos (entre eles autores de
edições críticas) divergem quanto ao valor da obra em si, considerando-a desde a uma
mera e medíocre tradução de um compêndio grego, hoje perdido, até o mais
importante manual de mitologia legado pela Antiguidade greco-romana. A partir de
seu índice, sabe-se que as Fabulae constituem um compêndio em que se encontrariam
277 relatos mitológicos greco-latinos narrados em prosa. Contudo, no texto que hoje
se dispõe, muitas “fábulas” cujos títulos ali são indicados estão ausentes, e várias
outras se encontram bastante incompletas. Desse modo, considerando também essas,
Linguística
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no total, transmitem-se apenas 246 fabulae higinianas. Outra questão (e não menos
problemática) está na definição de seu gênero. Costuma-se sugerir que a obra seria
constituída de três partes, a saber: i) o prefácio (praefatio), que, por sua estrutura e
conteúdo (formada por uma sequência de nomes próprios no ablativo e nominativo,
indicando os genitores e os filhos, respectivamente), seria uma genealogia; ii) as
“fábulas”, propriamente ditas, que apresentam as narrativas mitológicas (são as
Fabulae de número I a CCXX, correspondendo à maior parte da obra); e iii) os
catálogos, em que são apresentadas predominantemente inúmeras listas de nomes
próprios (Fabulae de número CCXXI a CCLVII e CCLXIV a CCLXXVII), com temáticas
diversas - como, para citar apenas alguns exemplos: as mães que assassinaram seus
filhos (CCXXXIX), quem foram os efebos mais belos (CCLXXI) ou então quem foram os
inventores e o que foi inventado (CCLXXIV). Em nossa pesquisa, temos por intenção a
tradução e análise do que chamamos, na esteira de Boriaud (1997:xxviii), dos catorze
primeiros ciclos mitológicos da obra – em que se encontram, inclusive, mitos para os
quais hoje Higino é a única fonte antiga. Não temos por pretensão qualificar a obra: o
intuito é, antes, observar seu texto, com destaque a características relacionadas a sua
língua, estilo e gênero, investigando, inclusive, a relevância de tais aspectos para o
estudo mais geral dos mitos ali referidos, bem como de outros a estes relacionados.
Como metodologia, partimos da elaboração de uma tradução anotada do corpus,
destacando nas notas: as questões que se mostram relevantes aos aspectos
linguísticos, - nomeadamente relativos à língua latina e a recursos textuais (como o uso
de discurso direto, citações, poliptoto, figuras etimológicas, repetições, construções
sintáticas, etc.) -, bem como efeitos e relações com as convenções genéricas das
fabulae que decorrem a partir da recorrência de tais aspectos estilísticos. Procuramos
também observar questões de mitologia e cultura greco-romana em geral
evidenciadas nos textos, com destaque ao cotejo com outros textos antigos (de
gêneros vários) que se referem aos mitos das fábulas, atentando à diferença e
semelhança da versão do mito em Higino e visando, sempre que possível, uma análise
intertextual. Sobre essa análise, em estudos preliminares temos encontrado
correspondências entre as narrativas higinianas e obras de diversos autores da
Antiguidade, sobretudo as do sulmonense Ovídio (43 a.C – 17? d.C.). Observamos
também que as discussões que tendem a qualificar a obra muitas vezes têm
demonstrado preferência por determinados modelos e, como pressuposto, o apego a
um conceito de “tradição clássica” restrito, e por vezes excludente (por exemplo, ao
apontar versões de Higino, quando divergentes com relação a outros textos, como
“erros”). Tal preferência e premissa na leitura do texto das Fabulae têm gerado, por
exemplo, propostas de emendationes. Ademais, a partir de uma perspectiva classicista
da língua, o estilo higiniano tem sido considerado pedestre. No entanto, uma maior
Linguística
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atenção ao texto tem nos revelado que recursos constantes têm determinados efeitos:
contribuem notavelmente para uma impressão de objetividade da obra, i.e. para dar a
impressão de seu caráter compilatório. Em outras palavras, a nosso ver, tais recursos
sugerem um aparente apagamento da figura do autor. Ora, embora pareça haver
certo apagamento, de modo a caracterizar Higino como mero transmissor dos
conteúdos dispostos, isso não indica que o autor, e sua inuentio, não existam. Pelo
contrário, são os recursos empregados em tal apagamento que o configuram como
autor de sua seleção e apresentação da matéria. Dessa forma, a suposta falta de
preocupação com um estilo mais valorizado em si (por exemplo, com uma uarietas em
termos lexicais ou de figuras de linguagem) parece sublinhar uma preocupação em
caracterizar como informação o que se apresenta, isto é caracterizar o enunciado
como “dado” mitológico (não como invenção de Higino, por exemplo). Esse estilo
ainda é corroborado com a escolha pelos gêneros que encontramos na obra, como o
catálogo e a genealogia, que, consistindo basicamente em enumerações de nomes,
compreendem grande parte da obra. Por fim, a menção a outros autores antigos (por
exemplo, Eurípedes e Sófocles, ou mesmo Cícero), declaradamente (seja no título, seja
na narrativa), configura-se também um recurso que contribui para o possível propósito
de efeito de (mera) compilação acima mencionado: àqueles é transferida a autoria da
versão, cujo texto higiniano apenas transmitiria. Nesse sentido, sabemos que uma
comparação de “informações”, “dados” disponibilizados na obra em estudo com a
versão de outros autores que tratem dos mitos ali abordados já se mostra presente
nos estudos clássicos, porém isso se dá normalmente de modo instrumental, num
sentido único: na tentativa de compreender o texto ou poesia dos demais autores.
Uma apreciação do texto e estilo da obra higiniana a partir deste cotejo, e dos efeitos
de sentido que um possível diálogo entre os textos traria às Fabulae, contudo, ainda se
mostra desejável.
Eclenir da Silva
Universidade Estadual de Campinas
UM ΕSTUDO SOBRE A FONOLOGIA DA LÍNGUA MASTANAWA
Minha pesquisa apresenta um estudo sobre a fonologia da língua Mastanawa. O
Mastanawa pertence à família linguística Pano e é falado por um povo do mesmo
nome que está localizado na selva baixa, às margens do rio Purus, distrito de Purus,
Província de Coronel Portillo, Departamento de Loreto, no Peru. Esta região fica na
fronteira do Brasil (Estado do Acre) com o Peru. A língua Mastanawa faz parte do
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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grupo de línguas indígenas que estão ameaçadas de extinção, por isso, o objetivo da
pesquisa é contribuir para a preservação da mesma. Nosso primeiro contato com a
língua Mastanawa ocorreu durante a graduação, através do programa de iniciação
científica, quando participamos do projeto de reconstrução da família Pano
desenvolvido pelo GICLI – Grupo de Investigação Científica de Línguas Indígenas. No
projeto, trabalhamos com quatro línguas dessa família, entre elas, o Mastanawa.
Nesse período nos foi fornecido por Eugene E. Loos uma lista de palavras e frases que
haviam sido coletadas por alguns estudiosos e compiladas por esse autor. Então, com
esses dados em mãos, fomos ao campo com o objetivo de conferir os mesmos e
coletar novos dados linguísticos. O trabalho de campo ocorreu em novembro de 2011,
quando estivemos entre os Mastanawa durante 18 dias, nos relacionando com o povo,
conhecendo seus costumes e modo de vida, enquanto coletávamos os dados
linguísticos para a composição da pesquisa. Na coleta de dados, usamos questionários
em Português e Espanhol. Nosso principal colaborador foi um falante nativo da língua
Mastanawa, que também fala fluentemente o Espanhol e entende um pouco de
Português. Na pesquisa apresentamos algumas informações sobre o povo Mastanawa,
ou seja, alguns aspectos da cultura e sobre a língua. Quanto à origem dos Mastanawa,
não existem informações precisas. São considerados como um grupo muito isolado, do
qual pouco se conhece. De acordo com alguns pesquisadores, a história dos
Mastanawa se assemelha à de outros povos da família Pano, como por exemplo, os
Sharanawa. Segundo as pesquisas os Mastanawa se estabeleceram às margens do
Purus há mais ou menos 50 anos, isto por estarem fugindo das epidemias que
assolavam as populações indígenas na época. Hoje, a população Mastanawa, que é de
aproximadamente 150 pessoas, se encontra distribuída em quatro aldeias: Naranjal,
Kataya, Três Bolas e Sinaí. Sua economia depende da agricultura de subsistência, caça
e pesca. A base de sua alimentação é a banana, a macaxeira, o milho e a carne. No que
se refere à língua, a maior parte da população é bilíngue, tem o Espanhol como
segunda língua. Os mais velhos são monolíngues, falam apenas o Mastanawa.
Previamente à descrição dos segmentos fonéticos, fizemos uma breve exposição sobre
os sons, do ponto de vista de sua descrição e produção. Quanto ao sistema fonético, a
língua Mastanawa é composta por 24 fones consonantais, são eles: [p], [b], [t], [d], [c],
[k], [q], [/], [ts], [tS], [dZ], [∏], [s], [S], [ß], [h], [m], [n], [¯], [N], [≤], [R], [w] e [j]; e 12
fones vocálicos: [i], [ i)], [Æ], [Æ)], [u], [u)], [I], [ɘ], [o], [õ], [a] e [a]. Na análise fonêmica
dos sons, aplicamos os critérios de contraste, distribuição complementar e variação
livre, segundo a metodologia descrita em Keneth L. Pike e Donald A. Burquest.
Paralelamente, também consideramos os aportes teóricos de análise fonológica
encontrados em autores como N. S. Trubetzkoy, Larry M. Hyman e Bruce Hayes. É
importante ressaltar que os resultados da pesquisa apresentados a seguir são
Linguística
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preliminares. Com relação aos fones consonantais, foram comprovados como
fonemas, através do critério de contraste em ambientes idênticos, os seguintes sons:
/p/, /b/, /∏/, /t/, /d/, /n/, /R/, /ts/, /tS/, /k/, /dZ/, /s/,/S/ e /ß/; e através do critério de
contraste em ambientes análogos: // e /¯/. Os alofones encontrados através do
critério de distribuição complementar são: [k], [c] e [q] que são alofones do fonema
/k/; e [n], [N] e [≤] que são alofones do fonema /n/; e por meio do critério de variação
livre, observamos que os fones [dZ] e [j] variam livremente quando precedem [a].
Quanto à oclusiva glotal [/], sua ocorrência é previsível, ocorre apenas no meio de
palavras e entre fones vocálicos, é precedida pela aproximante palatal [j], mas não por
fones vocálicos nasais, também precede a aproximante labial [w], é usada apenas
como recurso para fechamento de sílaba. Ainda falta decidir o status de [h] e dos
segmentos ambivalentes [w] e [j]. No que se refere às vogais, foram comprovadas
como fonemas através do critério de contraste em ambientes idênticos, os seguintes
sons: /i/ e /Æ/; e através do contraste em ambientes análogos: /a/; e como alofone, o [ɘ]
que se encontra em distribuição complementar com [Æ]; quanto ao critério de variação
livre, observamos que os seguintes sons variam livremente: [i] e [I]; [o] e [u], quanto a
estes, faremos uma nova revisão dos dados para decidir se o fonema é [o] ou [u]. Com
respeito às vogais nasalizadas, estamos revendo os dados e verificando se as mesmas
são realmente nasalizadas ou se existem vogais nasais na língua.
Edinamária Conceição Mendonça
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
O SUJEITO SOB O IMPERATIVO DA VISIBILIDADE
A pesquisa investiga o modo como se deu o processo de espetacularização do sujeito
na vida pública do Rio de Janeiro no contexto da comemoração do Centenário de
Abertura dos Portos em 1908. Constituída na interface da Análise de Discurso (AD), da
Memória Social e da História, busco investigar o modo pelo qual o sujeito se insere em
uma ordem de visibilidade social, considerando que esta mesma ordem é constituída
por processos discursivos-memorialísticos que se dão na vida social, em um
determinado tempo e lugar. Parto do pressuposto de que este processo se dá no
âmbito do imaginário, fazendo-se necessário apreendê-lo em uma materialidade
específica. Tomei então, como materialidade investigativa a comemoração do
Centenário de Abertura dos Portos, o qual será considerando como um evento-
símbolo acerca dos modos de imaginar e vivenciar a modernidade no início do século
Linguística
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XX. Acredito que em função das condições de produção das festas de centenários, das
quais destaco a apropriação da memória histórica para a invenção de tradições
(HOBSBAWM, 2009) e o uso de estratégias discursivas e memorialísticas (MENDONÇA,
2010) acredito que este evento seja um lugar material e simbólico onde seja possível
flagrar o processo de espetacularização do sujeito na vida pública, bem como,
compreender as transformações no regime de visibilidade naquele contexto sócio-
histórico. Neste sentido, a análise não objetiva apreender os sentidos ou o porquê da
realização do evento, mas como o mesmo se insere em um mundo marcado pelo
imperativo da visibilidade e como possibilita ao pesquisador compreender as
transformações do sujeito. Na construção deste recorte considerei também que o
evento-símbolo ocorreu na capital federal, a cidade do Rio de Janeiro, que era uma
referência nacional em termos de economia, política e, especialmente, do ponto de
vista dos usos e costumes. Argumento que entre a segunda metade do século XIX e o
início do XX, ocorreu uma série de transformações sociais, históricas, econômicas e
culturais que modificaram os modos de ser e de estar nas sociedades ocidentais, as
quais afetaram os regimes de historicidade, de discursividade, de visibilidade.
Entendendo estas transformações como sendo um amplo processo de mudança de
natureza complexa – que envolve múltiplas dinâmicas, abrange diferentes domínios da
vida social e ocorrem em uma temporalidade e espacialidade estendida –, podemos
citar o triunfo e a transformação do capitalismo, a democratização, as transformações
no mundo do trabalho, o desenvolvimento das tecnologias de comunicação e de
transporte – dentre estes últimos a ferrovia e o navio a vapor aceleraram o contato
entre as pessoas e a circulação de mercadorias e de serviços –, a urbanização das
cidades e a invenção da fotografia, do cinema e dos centenários (HOBSBAWM, 2009).
Deste modo, o objeto da pesquisa insere-se no contexto da transformação da
visibilidade na época moderna, mais especificamente no período entre a segunda
metade do século XIX e o início do XX. Em função deste pressuposto mais geral – das
transformações nos regimes – proponho que no processo de transformação da
visibilidade, o sujeito se espetacularizou. Para tal, busco compreender os processos
discursivo-memorialísticos de transformação no regime de visibilidade e o modo pelo
qual possibilitam as condições de emergência, manutenção, modificação e aceleração
do processo de espetacularização do sujeito na vida publica do Rio de Janeiro no início
do século XX; Estabelecer as relações entre materialidade, imagem e aparência para
compreender a força e o sentido do imperativo de ser visível na sociedade moderna;
Analisar os dispositivos de visibilidade que circularam durante a comemoração do
Centenário para compreender as relações entre discurso e memória na constituição do
processo de espetacularização do sujeito durante as comemorações do Centenário de
Abertura dos Portos. Na construção do corpus da pesquisa trabalharei com a noção de
Linguística
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dispositivos de visibilidade. Apropriando-me da noção de dispositivo proposta
Mouillaud (2002, p.34) para quem estes “são os lugares materiais e imateriais nos
quais se inscrevem (necessariamente) os textos” proponho que determinados
textos/objetos sejam lidos como dispositivos de visibilidade, ou seja, como lugares
materiais e imateriais onde o sujeito pode enunciar sua inserção em uma ordem de
visibilidade específica. Assim, os textos/objetos ao serem inseridos em determinados
sistemas são investidos de sentido e podem ser lidos com dispositivos. Assim, temos
que a vestimenta inserida no sistema da moda; a data comemorativa de um evento
inserida no dispositivo de visibilidade do ethos comemorativo de centenários; as
transformações urbanísticas no espaço da cidade inseridas no dispositivo da paisagem
visual; os mapas inseridos no dispositivo de controle do espaço; o discurso jornalístico
inserido no sistema de difusão da informação constituem-se em lugares materiais e
simbólicos onde acredito seja possível apreender no movimento das transformações
dos regimes o objeto da pesquisa. Quanto modo de proceder – considerando a
constituição do corpus por materialidades de diferentes naturezas – trabalho com a
noção de composição. Pois como afirma Lagazzi (2007, s/p) “não temos materilidades
que se complementam, mas que se relacionam pela contradição, cada uma fazendo
trabalhar a incompletude na outra”. Assim ao analisar diferentes materialidades
significantes pela noção de composição acreditamos poder “explicitar as montagens e
os arranjos sócio-históricos que tecem a trama discursiva ao longo do tempo”
(FERREIRA, 2009, p. 105). Procederei então por recortes sucessivos nas materialidades
discursivas remetendo-as às condições de produção e ao funcionamento discursivo
objetivando compreender nas tramas do sentido os efeitos produzidos. Creio que os
resultados da pesquisa possam apontar para questões mais gerais acerca do modo
pelo o sujeito se transformou na época moderna e como o mesmo se insere na ordem
de visibilidade da época.
Elisângela Gonçalves da Silva
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
Universidade Estadual de Campinas
ESTUDO DE CONSTRUÇÕES COM O VERBO SER IMPESSOAL NO PORTUGUÊS
BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO
Construções, como as que se seguem em (1), se apresentadas a qualquer falante do
português brasileiro (PB) contemporâneo, certamente serão reconhecidas,
Linguística
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intuitivamente, como construções de sentido equivalente, correspondendo ao que se
tem chamado na literatura como construções existenciais.
(1) a. Existe muita livraria muito boa na Avenida Francisco Santos.
b. Há muita livraria muito boa na Avenida Francisco Santos.
c. Tem muita livraria muito boa na Avenida Francisco Santos.
Este trabalho tem por objetivo analisar construções impessoais com o verbo ser,
conforme pode ser observado nas sentenças em (2), semanticamente correspondentes
às apresentadas acima:
(2) a. É muita livraria na Avenida Francisco Santos.
b. Foi uma festa quando Ana chegou!
c. É só confusão naquela casa o dia todo!
d. É LOJA DE MARCA no Shopping Barra!
Discutimos, neste trabalho, a noção de “existência”, sobretudo a imprecisão do termo
existencial para caracterizar as construções abordadas nesta pesquisa, termo que,
apesar disso, utilizamos, em virtude de ser o mais difundido na literatura linguística
para denominar as sentenças impessoais com os verbos haver e ter. Isso não trará
implicações para a análise, visto que esta se pauta em fatores sintáticos, que irão
determinar a obtenção de tais construções. Adotando a versão minimalista da Teoria
de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1995), assim como os pressupostos teóricos da
Morfologia Distribuída (HALLE & MARANTZ, 1993; EMBICK, 2003), propomos que, no
português brasileiro contemporâneo, o verbo ser adquire uma leitura “existencial”
sempre que um núcleo portador do traço de grau (Deg(ree)) se encontra adjacente a v
(dentro da proposta de ADGER, 2004), conforme apresentado na estrutura em (3)
abaixo. Assim sendo, consideramos que o D(eterminante) que nucleia a coda
existencial porta traço de grau [-interpretável], o que o leva a selecionar como
complemento um elemento que possua a versão [+interpretável] de Deg, isto é, a
selecionar categorialmente um DP avaliativo graduável. Esse constituinte com marca
de intensificação de grau pode ser um quantificador, como muito(a/s) ou um
(conforme exemplos em, respectivamente, (2a) e (2b) acima), um advérbio que
indique avaliação, apreciação, como só (sentença em (2c)) e o próprio nome (cf. (2d)).
O DP é concatenado a v que possui traço-D [-interpretável]. Na representação em (3) a
seguir, esse núcleo é o Num muitas, sobre o qual recai a marca de intensificação
avaliativa.
Linguística
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(3) DP
ei
D[uDeg] NumP
ei
muita[Deg] CP
ei
livrariai CP
ei
C PP
ei
ti P’
ei
em DP
2
a Avenida Francisco Santos
Na proposta que esboçamos (baseada na Morfologia Distribuída), a forma verbal usada
nas “existenciais” é obtida por meio da combinação de traços no decorrer da
computação sintática, com o item vocabular ganhando uma expressão fonética apenas
após Spell-Out em PF (não vindo pronto do léxico), o que explica o fato de as
“existenciais” do PB poderem ser realizadas ora com ser ora com ter ora com estar
(com), segundo a hipótese de Avelar (2004), para quem, no processo de inserção
vocabular, são aplicadas regras, conforme (4) a seguir, em que o operador “+” indica a
ocorrência de uma operação de fusão de traços adjacentes no componente
morfológico. Assim, v (sem se fundir com qualquer traço ou núcleo) resulta na inserção
de ter-existencial; ao juntar-se a Poss, recebe a matriz fonológica de ter-possessivo; ao
fundir-se ao núcleo D ou associar-se ao traço-D, leva à inserção da matriz morfológica
de estar-copulativo/existencial; se este complexo (v+D) se juntar a Top, a forma verbal
a ser realizada será a de ser-copulativo.
(4) a. ter-existencial � v
ter-possessivo � v+Poss
estar-copulativo/existencial � v+D
ser-copulativo � v+D+Top
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Em se tratando de ser-existencial, nossa hipótese é a de que a sua formação acontece
conforme mostrado na estrutura em (5) abaixo, em que o operador “*” aponta a
adjacência entre v e um núcleo X portador do traço Deg.
(5) ser-existencial � v * X[DEG]
Essa proposta se baseia na hipótese de que construções locativas, possessivas e
existenciais possuem uma base comum, isto é, possuem a mesma estrutura
subjacente, que se constitui em torno de um verbo copular (cf. LYONS, 1968, CLARK,
1978, FREEZE, 1992, AVELAR, 2004, para o português brasileiro). Fatores fundamentais
para a obtenção de ser-existencial são (a) a concordância de número plural entre o
verbo e o Tema, que está correlacionada ao Caso checado pelo DP pós-verbal
(nominativo), bem como (b) o fato de as construções formadas com esse verbo
indicarem um conteúdo avaliativo, o que leva à presença de uma categoria de grau no
DP. Restrições de especificidade e definitude consistem em particularidades sintático-
semânticas próprias das construções “existenciais” que as opõem às construções
copulativas: de um lado, a posição de sujeito de ser tende a abrigar constituintes
definidos, de outro, o DP pós-verbal nas “existenciais” são normalmente indefinidos.
Isso nos leva a considerar a existência de dois tipos diferentes de ser – um “existencial”
e um copulativo. Este trabalho traz, assim, a contribuição de analisar um fenômeno
linguístico nunca antes estudado no português brasileiro contemporâneo, as
construções “existenciais” com o verbo ser (cuja ocorrência no português foi verificada
por renomados estudiosos até o século XVI), numa perspectiva estritamente formal,
buscando estabelecer correlações entre construções locativas, como tem sido feito por
estudiosos de diferentes línguas naturais.
Erick Marcelo Lima de Souza
Universidade Estadual de Campinas
ESTUDO FONOLÓGICO DA LÍNGUA BANIWA-KURIPAKO
Este trabalho é um estudo descritivo e comparativo do que consideramos dois dialetos
pertencentes à família Aruak, conhecidos como Baniwa do Içana e Kuripako. Aqui se
faz uma análise linguística da relação entre ambos os dialetos pautada em parte do seu
componente linguístico, isto é, o sistema fonológico, com vistas a colaborar para uma
definição da classificação dialetal. Sua base teórica linguística é fundamentada nas
ideias estruturalistas europeias da Escola de Praga. Nele, há, também, uma discussão
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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da variação dialetal deste ramo da família Aruak e um breve histórico dos estudos
sobre essa ramificação da família. Esta pesquisa é, assim, uma tentativa de discutir
tanto questões da fonologia quanto da variação dialetal, com ênfase na primeira,
como um dos requisitos para a segunda. Esse trabalho de caráter fonológico pretende
contribuir para o conhecimento da língua que acreditamos ser, aqui, Baniwa-Kuripako,
bem como servir de suporte para discussões sociolinguísticas e, também, sobre
planejamento e desenvolvimento de sistema ortográfico. Nessa dissertação seguimos
a Convenção da ABA (1953) sobre grafia dos nomes de povos indígenas , de modo que
adotamos as formas Baniwa (com “w”) e Kuripako (com “k”). Com respeito ao último
termo, empregaremos apenas um R, em vez de dois, uma vez que transcreveremos
aqui o fonema /ɻ/ como “r” e o fonema /ɺ/ por “l”, assim não haverá necessidade de
transcrever com RR, considerando a forma fonolóca é /kuɻipaakʊ/. Esta é uma
tentativa de aportuguesar ou criar um termo em português para os respectivos nomes,
uma vez que há grande variedade de grafias desses termos na literatura. Na parte
inicial deste trabalho, apresenta-se toda a questão da variação dialetal. Nele
apresentamos um panorama das questões históricas, geográficas, étnicas e discute-se
a diversidade dialetal deste ramo da família Aruak que é composto pelo o que é
considerado por muitos dialeto/língua Baniwa do Içana, dialeto/língua Kuripako e
língua Piapoco. Entretanto, nos ocuparemos aqui de uma comparação entre os dois
primeiros. Assim, discutiremos as principais visões dos autores em relação a essa
questão dialetológica. A segunda parte deste trabalho ocupa-se em apresentar e
descrever os procedimentos de coleta de dados em campo. Nele é possível entender
como foi feita a escolha dos falantes, que foram os fornecedores de dados para nossa
análise, e quais foram critérios subjacentes a essas decisões. Apresentaremos também
a elaboração e a base da metodologia de coleta de dados, a escolha do local para
coleta de dados, as ferramentas utilizadas para isso, algumas considerações sobre a
experiência de coleta de dados e um pouco da visão dos indígenas em relação a
algumas problemáticas que envolvem questões linguísticas e de uso da língua. A
terceira parte é dedicada a apresentar as premissas fonológicas que darão suporte e
embasamento teórico para nossas considerações e discussões. Tais premissas são
orientadas pelo pensamento linguístico da Escola de Praga e teremos como mentor
central para nossa fundamentação teórica Trubetzkoy (1939) com seu modelo
fonológico estruturalista europeu. Outras noções produzidas na continuidade dessa
tradição fonológica serão, eventualmente, também utilizadas para contribuir à análise,
a saber: uma teoria de traços distintivos, inicialmente proposta por Jakobson e
desenvolvida, entre outros, por Chomsky & Halle; uma representação de processos
fonológicos, derivada da concepção que toma os traços distintivos como primitivos do
sistema fonológico. Na quarta parte do trabalho, apresentam-se as análises para o
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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início de uma discussão de cunho fonológico. Assim, apresentaremos algumas
questões fonéticas para darmos início a nossas considerações fonológicas. Ali serão
apresentados os fones registrados em cada dialeto e suas condições de ocorrência,
bem como algumas discussões sobre a representação superficial. Nesta seção,
apresenta-se o quadro fonético para a representação dos fones das duas variantes em
questão aqui, tanto Baniwa do Içana quanto Kuripako. Nele, pretende-se também
demonstrar como está estruturado o padrão silábico do Baniwa do Içana e do
Kuripako, ou seja, quais são suas ocorrências, quais segmentos ocupam posição de
aclive, ápice e declive, e qual o papel da duração e do acento. Nessa seção, o foco é a
fonologia propriamente dita, em que será feita uma análise do jogo opositivo do
sistema fonológico para definição do estatuto das consoantes e vogais, objetivando
uma definição do quadro de fonemas em Baniwa e em Kuripako. Em seguida,
apresentaremos nossas considerações para os processos fonológicos tais como:
apagamento, ditongação, alongamento e coalescência como harmonia vocálica,
metátese de /x/, aspiração de obstruintes, ensurdecimento de soantes, nasalização e
palatalização de consoantes. Ainda aí, apresentamos a Fonologia do Kuripako. Nele, já
apresentaremos uma comparação entre cada dialeto baseada no comoponente
fonético-fonológico. Essa é uma seção da dissertação destinada a apresentar uma
descrição do Kuripako e uma comparação simultânea com o Baniwa. Essa proposta de
apresentação, em separado, do sistema fonológico de cada variante é proposital, com
vistas a enfatizar cada variante e constatar o elevado grau de semelhança entre os dois
e, com isso, reforçarmos nossa hipótese de que o sistema fonológico é o mesmo e de
que não é coerente separar um do outro, e salientamos novamente, pelo menos do
ponto de vista fonológico. Assim, analisando os dois separadamente, é possível
constatar com mais clareza que não são dois sistemas fonológicos distintos. Na última
parte do trabalho, dedicamo-nos a estabelecer nossas conclusões, as considerações
finais que nos mostrarão aonde chegamos e o que podemos estabelecer como um
avanço em relação ao que se sabe até o momento sobre os dois dialetos em questão
nessa pesquisa.
Fabiana Lopes da Silveira
Universidade Estadual de Campinas
PRAECEPTA E DECRETA NA EPÍSTOLA 94 DE SÊNECA
As Epístolas Morais a Lucílio (63-65 d. C.), ainda que sejam consideradas por muitos
estudiosos umas das mais importantes obras do filósofo estoico romano Lúcio Aneu
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Sêneca (4 a.C.- 65 d.C.), costumam ser criticadas tanto por, alegadamente, se
resumirem a um conjunto de exortações de cunho moral (preceitos), sem maior
fundamento doutrinário, quanto por, segundo em geral se supõe, não apresentarem
sistematicidade. No entanto, um olhar mais atento à carta 94 e à seguinte, a 95, nos
permite notar que o próprio Sêneca tematiza a questão do papel dos preceitos, i.e. do
valor da parte da filosofia denominada preceptiva (de ordem prática, regida pelos
praecepta), frente à dogmática (parte da filosofia de ordem teórica, regida pelos
decreta). Para tanto, nessas cartas, o filósofo adota uma forma de argumentação
consideravelmente organizada, além de fazer uso regular de certas imagens
(metáforas e comparações) referentes aos mencionados decreta e praecepta. Levado
isso em conta, e tendo estudado tais aspectos na Ep. 95 durante a nossa pesquisa de
Iniciação Científica, pretendemos defender, agora tendo como corpus a Ep. 94, a
hipótese de que o filósofo apresenta certa sistematicidade, ao menos no que se refere
à sua argumentação sobre os referidos métodos de doutrinação filosófica. Com esse
intuito, temos investigado de que modo Sêneca, na carta 94, prefigura a
complementaridade entre ambos os métodos, a qual será mais claramente exposta
somente na carta 95. Observemos, então, um trecho da Ep. 94, na qual o estoico lança
um de seus argumentos favoráveis à parte preceptiva da filosofia, domínio dos
praecepta: “Além disso, se alguém fica esperando o tempo em que saberá por si
mesmo qual será sua melhor atitude, enquanto isso errará e, errando, será impedido
de chegar ao estado em que possa estar contente consigo mesmo; deve, portanto, ser
regido até que comece a poder reger a si mesmo. As crianças aprendem com o modelo
caligráfico; seus dedos (digiti) são segurados e são conduzidos por outra mão (manu)
aos símbolos das letras; depois, são ordenadas a imitar os modelos e a corrigir a
caligrafia: dessa mesma forma nosso espírito, enquanto é treinado segundo o modelo,
é ajudado. Essas são as razões com as quais se prova que essa parte da filosofia
[scilicet a parte preceptiva] não é supérflua. A seguir, pergunta-se se ela basta por si só
para fazer alguém sábio (an ad faciendum sapientem sola sufficiat). Daremos a essa
questão o dia oportuno (Huic quaestioni suum diem dabimus): enquanto isso, postos à
parte os argumentos, não é evidente ser-nos necessário um assistente que preceitue
(praecipiat) contra os preceitos do vulgo?” (Ep. 94, 51-52, tradução a partir da edição
latina de Reynolds, 1965). Chamam-nos a atenção dois elementos da passagem. Em
primeiro lugar, Sêneca faz uso de imagens relativas a partes do corpo humano (dedos
e mão, cf. digiti e manu) enquanto expõe seu ponto de vista de que o espírito deve ser
“treinado segundo o modelo” (Ep. 94, 51), por um “assistente que preceitue”
(aduocato qui... praecipiat, Ep. 94, 51). Trata-se, então, de um emprego de imagens
que tem em vista os preceitos (praecepta). Em segundo lugar, o filósofo afirma que o
questionamento sobre a parte preceptiva da filosofia ser ou não suficiente “para se
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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fazer alguém sábio” (Ep 94, 52) deverá ser deixada para “o dia oportuno” (suum diem).
Tais aspectos também estarão presentes na carta seguinte, a Ep. 95. Vejamos como
esta se inicia: “Você pede que eu efetivamente cumpra o que eu disse que deveria ser
adiado para um dia oportuno (diem suum), e lhe escreva se acaso esta parte da
filosofia, que os gregos chamam de ‘parenética’, e nós, de ‘preceptiva’ (praeceptiuam),
seria suficiente para se consumar a sabedoria (ad consummandam sapientiam)”. (Ep.
95, 1). Notamos que, ao retomar a questão sobre a preceptiva, o estoico também
retoma o termo do qual havia se servido para se referir ao momento adequado para
discuti-la: diem suum (Ep. 95, 1; cf. Ep. 94, 52). Essa similaridade formal, junto da
própria retomada do assunto em uma carta seguinte, marcando sua relação com a
missiva anterior, nos indica também que a exposição filosófica senequiana não deve
ser aleatória e isolada como se costuma alegar. Já o outro aspecto mencionado,
concernente às imagens, estará presente na Ep. 95 no momento em que Sêneca
afirma mais claramente que tanto os preceitos (pracepta) quanto os princípios
(decreta) são importantes para o aprendizado da filosofia: “Mas juntemos uns aos
outros [scilicet os preceitos aos princípios]: pois não só os ramos são inúteis sem raiz,
mas também as próprias raízes são ajudadas pelos ramos que elas geraram. Não é
possível alguém desconhecer a função que têm as mãos (manus), elas nos são úteis
explicitamente: o coração, do qual as mãos (manus) vivem, a partir do qual elas tomam
força, se movem, está oculto. Posso dizer o mesmo sobre os preceitos (praeceptis):
eles estão expostos, e os princípios da sabedoria estão recônditos”. (Ep. 95, 64).
Percebemos, então, que, tal como na carta precedente, na Ep. 95 a imagem da manus
novamente se refere a assuntos ligados aos praecepta: se, na Ep. 94, 51, compara-se a
mão que ajuda as crianças a escrever (aliena manu per litterarum simulacra ducuntur,
Ep. 94, 51) ao assistente que preceitua contra os preceitos do vulgo (qui contra populi
praecepta praecipiat, Ep. 94, 52), as mãos são, na passagem acima da Ep. 95,
diretamente comparadas aos preceitos (idem dicere de praeceptis possum, Ep. 95, 64).
Esse é mais um dado que nos indica como uma leitura atenta à argumentação e às
imagens presentes nas cartas em apreço pode revelar uma coerência e uma
sistematicidade no texto senequiano, tantas vezes negligenciadas por estudiosos
modernos. Marcas textuais desse tipo têm sido, pois, o nosso principal ponto de
partida para, questionando críticas que vêm acompanhando a obra filosófica de
Sêneca ao longo dos séculos, investigar a questão da preceptiva no autor.
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Fabiana Raquel Leite
Universidade Estadual de Campinas
APONTAMENTOS SOBRE O "VOCABULÁRIO ELEMENTAR DA LÍNGUA BRASÍLICA" DE
JOSÉ JOAQUIM MACHADO DE OLIVEIRA
Desde os primórdios da colonização, houve uma preocupação com o registro e a
aprendizagem da língua falada por toda a costa leste brasileira. Em 1555, um ano após
a sua chegada ao planalto de Piratininga, o Padre José de Anchieta já relatava a sua
inquietação acerca do aprendizado dessa língua a seus confrades de Coimbra. O
interesse pelas línguas indígenas, mormente pela “língua brasílica” ou “língua geral,”
se deve, parcialmente, ao trabalho de catequese, sem o domínio da qual ele seria
ineficiente. Houve, no Brasil, a formação de três línguas gerais, a Língua Geral
Amazônica, a Língua Geral Paulista (LGA e LGP respectivamente) e o Guarani Crioulo.
Diferentemente do que ocorre com a LGA e o Guarani Crioulo, cuja literatura é vasta,
visto que existem documentações dessas línguas desde o início da colonização, não há
muita produção acadêmica acerca da LGP devido à escassez de registros dessa
variante. Os principais documentos que conhecemos dessa língua atualmente são: o
dicionário de verbos, não datado e de autor desconhecido compilado e publicado pelo
naturalista alemão Von Martius em seus Glossaria linguarum brasiliensium, sob o
nome de “Tupi Austral” (Martius 1867:99-122) e uma pequena lista de palavras
colhidas por Saint Hilaire no início do século XIX em comunidades de mestiços de
índios bororo e negros na província de Minas Gerais (Saint Hilaire [1847] 1944:254-
255). Podemos apontar, ainda, como testemunho da LGP, parte da poesia e do teatro
escrito por Anchieta entre 1554 e 1562 e a toponímia do interior dos estados de São
Paulo e Minas Gerais, do sul de Goiás e do norte velho do Paraná. Embora Anchieta
tenha escrito a primeira versão de sua “Arte” durante os dez anos em que viveu entre
os tupi de São Vicente, a versão publicada, em Coimbra, em 1595, sob o título “Arte de
grammatica da língua mais usada na costa do Brasil” foi revista e conformada a
variante falada na costa do Rio de Janeiro e na região norte do país. Couto de
Magalhães (“Viagem ao Araguaya,” 1863, p.92) declara, na introdução do vocabulário
Avá-Canoeiro, que “muitos dos nomes constantes do vocabulário [...] são hoje
correntes entre os paulistas do povo, chamados caepiras naquella Provincia.” Pelo que
podemos inferir da declaração de Magalhães, havia, ainda, em meados do século XIX,
diversas expressões da LGP no discurso dos ‘caepiras’ paulistas. Neste contexto,
apresentaremos, nesta comunicação, uma análise preliminar do “Vocabulário
Elementar da Língua Geral Brasílica” (VELGB) de José Joaquim Machado de Oliveira
como amostra da LGP falada em meados do século XIX. O VELGB possui 1311 verbetes
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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que ocupam as páginas 129 a 171 da “Revista do Arquivo Municipal de São Paulo”, ao
final do VELGB, encontramos uma lista de 73 verbetes denominada “Vocabulário dos
Índios Coroados”. As entradas do VELGB estão em língua geral acompanhadas pela
definição em português. De acordo com Alcântara Machado, neto do autor e
compilador do vocabulário, Machado de Oliveira teria coletado, pessoalmente, grande
parte dos dados no período em que ocupou o cargo de diretor geral dos índios em São
Paulo e durante o tempo em que serviu nas campanhas do sul. Em sua memória
Notícia Raciocinada sobre as Aldeias de Índios da Província de São Paulo, o autor
demonstra possuir conhecimento linguístico e cultural dos povos indígenas da
província “[...] fallando differentes dialectos; um só característico, diversificando
apenas em pequenas circunstancias.” (Oliveira, 1846, p. 204). Encontramos no VELGB,
95 entradas assinaladas com asterisco que, segundo nota, no original estavam
acompanhadas da menção t.g. Dentre os verbetes que trazem essa indicação,
encontramos alguns neologismos, como guara’-pira (cavalo) e possíveis influências do
guarani, amoig (parente), andibe (reunião) e do espanhol, acha (corruptela de
machado) e burica’ (mula). Além das entradas indicadas com a menção t.g., existem,
no VELGB, outras com claras influências do Guarani, o que, segundo Martius (1867, pp.
99-100), representaria o resultado do contato durante o período de guerras. Martius
acreditava que o contato entre espanhóis, índios guarani e tupi durante esse período
trouxe elementos do guarani e do espanhol para a LGP. Há ainda duas entradas que
trazem uma provável referência ao padre Chagas Lima e ao contato com os kaingang,
iongjo (papagaio) e a frase nhandi moanguo hare oguerhaima Lima yápe (seu
perseguidor foi levado a Lima). Vale-nos ressaltar que o contato linguístico da LGP não
foi só com o português, a LGP teve contato também com outras línguas indígenas,
como a língua bororo (família bororo), a língua kaingang (família jê), no norte do
Paraná e a língua panará (família jê), oeste de São Paulo, sudoeste de Minas Gerais e
no sul de Goiás. O autor apresenta também 16 verbetes com a indicação abreviada B.
de A. Essa indicação é uma possível referência a João da Silva Machado, o Barão de
Antonina e aos alojamentos indígenas da cidade de Itupeva sob a sua proteção.
Machado de Oliveira declara, em sua “Notícia Raciocinada,” ter contatado o Barão de
Antonina para a obtenção de informações sobre os alojamentos: “Dirigi-me ao
mencionado Barão; e, accendendo este á minha exigência, teve a begnidade de
satisfazer-me completamente de quanto dependia saber a tal respeito.” (Oliveira,
1846, p. 248). Alcântara Machado também aponta o Barão como um dos informantes
do avô. Dentre os verbetes acompanhados pela menção B. de A., temos jaguarétún
(onça preta), não encontramos essa construção em nenhum outro documento de
registro, seja da LGA ou LGP. Existem ainda 7 entradas acompanhados da menção l.g.,
uma dessas entradas, a frase que faz provável referência a Chagas Lima mencionada
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
previamente, recebe, além da legenda l.g., a menção t.g. Embora nossa análise ainda
esteja em sua fase inicial, encontramos, além dos exemplos explicitados acima,
elementos que nos levam a inferir que o VELGB constitua um importante documento
de registro da LGP falada em meados do século XIX. Não descartamos, no entanto, a
possibilidade de Machado de Oliveira ter reunido, em um mesmo vocabulário,
elementos do Guarani do Sul e da LGP. Nosso próximo passo será analisar os dados e
contrastando-os com os outros documentos de registro da LGP.
Fábio Ramos Barbosa Filho
Universidade Estadual de Campinas
O FUNCIONAMENTO DO JURÍDICO NO DISCURSO URBAN(ÍSTIC)O
Concebemos a cidade como uma materialidade histórica que funciona a partir da
relação contraditória entre o real e o imaginário. Os gestos de ordenamento (ou, nos
nossos termos, organização) que buscam instituir, a partir da intervenção técnica e
jurídica, os contornos de uma racionalização do espaço urbano, se situam no âmbito
da configuração da cidade enquanto lugar privilegiado de reprodução das relações de
produção. Neste trabalho, buscamos delinear os primeiros passos do nosso
procedimento analítico, pensando o funcionamento do discurso urban(ístic)o - espaço
de sobredeterminação do discurso urbanístico no urbano , configurando um
imaginário pautado na normatividade técnica e jurídica que institui o que chamamos
de "concepção jurídica da cidade" - para que, a partir de então, possamos começar a
compreender como funciona a relação litigiosa entre o real da cidade (o incontível) e
os gestos de ordenamento, que tem como instância fundamental de sustentação o
aparelho jurídico. Partindo dessas considerações, colocamos o movimento subjacente
aos gestos de racionalização empreendidos na escrita teórica da linguística diante do
próprio funcionamento da escrita urbana, compreendida aqui como a escrita
urbanística: gestos de ordenamento da cidade. Escritas delirantes e análogas que se
encontram no mesmo lado e se defrontam com a mesma questão: se, retomando
Pêcheux, a lingüística encontra seu real no ponto em que ela relaciona-se com a
psicose, o urbanismo encontra o seu real no ponto em que ele se relaciona com o
incontível. Dizer que a psicose é o impossível da linguagem é sustentar, conforme
mencionamos acima, que a fala psicótica não se encaixa em nenhuma estrutura lógica
que possa ser escrita em termos teóricos. A cidade é incontível, equívoca e incompleta
como a língua. E o efeito do desamparo diante do que não se pode controlar gera,
igualmente, tentativas incessantes de dar unidade, razão e lógica a esse espaço. À
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
medida que a cidade nos expõe à sua ordem poética, ao lugar do possível, do
contingente – à sua ordem - o urbanista responde com a organização. Se na clínica
psicanalítica o delírio do psicótico intervém justamente como tentativa de dar unidade
ao sujeito, a escrita delirante do urbanista tenta dar unidade à cidade. O projeto
urbanístico aparece como a imagem narcísica onde não só a cidade, mas o homem se
enxerga organizado. O que nos aproxima ainda mais da premissa de que sujeito e
espaço se constituem ao mesmo tempo em um processo sem fim onde há uma ligação
material entre o corpo do sujeito e o corpo da cidade e instituem a sobredeterminação
que coloca o jurídico como elemento dominante em uma formação social cujo modo
de produção preponderante é o capitalista. Fragmentos de uma legislação específica,
que classifica, recorta e, diremos, produz – no sentido de uma prática que produz um
objeto diferente da matéria prima da qual parte – uma cidade de papel, inteiramente
circunscrita à problemática jurídica e infraestrutural. Eixos de uma discursividade que
se mostra, em torno das diferenças, a repetição de uma mesma premissa: em uma
sociedade cujo modo de produção é capitalista, só se fala a partir do jurídico. O que
nos faz repetir a pergunta de Orlandi: “as políticas públicas dizem o político ou o
calam?”. Acreditamos, entretanto, que os processos que envolvem os litígios sociais (e
que produzem efeitos discursivos como questões urbanas), são espaços que apontam
contradições fundamentais do funcionamento do jurídico e da ideologia da legalidade
que, pelo viés da falha e da historicidade dos dizeres frente ao político, nos expõem à
equivocidade da evidência. E é justamente a consideração e, sobretudo, a
preponderância teórico-analítica do conceito de ideologia que institui as fronteiras e as
particularidades do campo de saber que denominamos Análise de Discurso. Com
contornos bastante específicos, certamente, que nos fazem confrontar essa
particularidade em um movimento permanente de litígio semântico na história,
pensando a relação do urbanismo com o Estado. Relação fundamental para que
pensemos na produção jurídica, técnica e política da cidade e que toca,
epistemologicamente, a instituição da cidade enquanto categoria, enquanto objeto de
conhecimento e a relação de determinação do discurso urbanístico (que institui
categorias e dilui o social) numa transformação das questões sociais em termos
urbanísticos: o imaginário urban(ístic)o não só sobredetermina o social, mas dilui o
social. Os problemas sociais passam a ser problemas urbanos, problemas conjunturais
passam a ser expressos em termos infraestruturais. Apagamento da historicidade das
questões sociais em termos de questões urbanas e, se é urbano, o urbanismo pode
resolver. Solução técnica como ferramentas para questões histórico-sociais: tensão
entre o urbano e o social. No entremeio dessas questões, buscamos pensar a
resistência onde a homogeneidade do discurso dominante falha. Nos seus suspiros,
enquanto lugares do possível frente à tensão entre os limites do possível (a
Linguística
81
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
organização) e os deslimites do impossível (a ordem). E a falha aparece no discurso
dominante como a repetição (que para nós é contenção) de leis e de gestos técnicos
que contornam a situação sem deslocá-la. E essa falha, acreditamos, tem o seu nódulo,
a sua potencialidade na relação contraditória entre a ordem e a organização. Se os
objetos de conhecimento são litigiosos (estão já sempre no jogo dos sentidos),
transitando nas formações discursivas, o que define a pega é a possibilidade de
deslocar esses sentidos, de (re)situá-los em outro espaço, no movimento
incontornável dos sentidos: busca de espaço. Espaço para repetir. Até ficar diferente.
Fernanda Moraes D'Olivo
Universidade Estadual de Campinas
COMPREENSÃO DO SENSO COMUM NO CONTRAPONTO DOS DIZERES DA MÍDIA
IMPRESSA E DO CORDEL
Nesta comunicação, pretendo apresentar o percurso de pesquisa do meu doutorado,
que está, ainda, em construção. Tal trabalho tem como origem as conclusões do
mestrado, intitulado “O social no cordel: uma análise discursiva”, por meio do qual
pude compreender uma relação entre os discursos que circulam na mídia e temas
retratados nos versos dos cordéis, como o caso do Mensalão, a eleição do presidente
Lula, a chacina da candelária, entre outros. Essas temáticas eram constituídas por
dizeres que considerei, através das análises das paráfrases dos versos dos folhetos,
como sendo parte do senso comum. A partir da compreensão na pesquisa de
mestrado de que há uma relação entre os assuntos que circulam em reportagens da
mídia impressa com o que vem a ser tema dos folhetos, estabeleço, neste trabalho,
um contraponto entre o funcionamento discursivo da mídia jornalística impressa e o
funcionamento discursivo dos versos de folhetos de cordel, na configuração da
discursividade do senso comum que circula em nossa sociedade. Para isso, busco, em
meu doutorado, compreender, nesse contraponto entre o cordel e a mídia, os
silenciamentos e as reiterações produzidos e seu modo de funcionar na relação com o
social. Nesse movimento entre o que é reiterado e o que é silenciado está um ponto
importante para a compreensão da “naturalização do comum”. Para a constituição do
corpus da pesquisa, selecionei reportagens jornalísticas, especificamente da mídia
impressa, que apresentam assuntos que tiveram grande repercussão no período de
julho de 2010 a julho de 2011. Assim, tendo como base as reportagens, selecionei
cordéis que tratam dos assuntos das notícias selecionadas. Em relação aos folhetos,
ainda selecionaremos mais de um exemplar sobre um mesmo assunto tratado na
Linguística
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mídia, para realizar o contraponto com as reportagens. Para o desenvolvimento do
trabalho, as análises serão feitas com base no dispositivo teórico-analítico da Análise
de Discurso de perspectiva materialista, fundada por Michel Pêcheux, na década de 60,
que propôs pensar sobre a linguagem rejeitando as evidências dos sentidos e os
lugares já-estabilizados e, para esta reflexão, apresenta o trabalho com a
materialidade da língua, no entremeio da trilogia de conhecimento composta por
língua/ materialismo histórico/inconsciente, levando em conta a contradição e o
confronto entre teoria e sua prática analítica. Para a compreensão do funcionamento
dos discursos da mídia impressa e dos discursos que circulam nos versos de cordéis
será fundamental o conceito de condição de produção, pois é relevante observar
discursos em diferentes materialidades e como esses discursos (se) significam em
relação às especificidades de cada suporte. Para a compreensão da discursividade de
dizeres que fazem parte do senso comum é fundamental conceitos como
interdiscurso, pré-construído, em que o interdiscurso incorpora os elementos do ‘pré-
construído’, definido por Pêcheux (1975) como sendo “o que remete a uma construção
anterior, exterior, mas sempre independente, em oposição ao que é ‘construído’ pelo
enunciado” (p.99). Ou seja, entendo ‘pré-construído’ como sendo os sentidos que
sustentam uma determinada discursividade, fazendo parte da instância da memória
discursiva. O conceito de ‘pré-construído’ será fundamental em nossas análises para a
compreensão dos efeitos de sentidos produzidos pelo silenciamento e pela reiteração
dos dizeres que fazem parte do senso comum. Além desses conceitos, será também
relevante as noções de paráfrase e paráfrase e polissemia, já que o senso comum,
segundo Geertz (1983), coloca os dizeres de maneira literal, sendo apenas aquilo e não
outra coisa, ou seja, os sentidos que constituem o senso comum não tendem para o
deslizamento, para o deslocamento (polissemia) e sim para a estabilidade, para a
repetição (paráfrase). Assim, toda a discussão por nós desenvolvida sobre a reiteração
nos cordéis vem ao encontro desse posicionamento de Geertz. Outro ponto teórico
importante para a análise deste meu percurso são as questões sobre o silêncio,
pensadas discursivamente. Segundo Orlandi (2007), há várias formas do silêncio: (i) o
silêncio fundador, que dá condições para que os sentidos signifiquem e (ii) a política do
silêncio, que é subdvidida em silêncio constitutivo (para dizer é preciso não dizer) e o
silêncio local, relacionado à censura. Pensando na questão do que é silenciado nos
dizeres do senso comum, considero como fundamental para as análises a política do
silêncio, pelo fato de que os dizeres do senso comum sempre trazem em seu
funcionamento coerções constitutivas das relações sociais. Estas reflexões acerca do
senso comum tem como ponto principal a busca pela compreensão da relação entre o
que é silenciado e o que é reafirmado nos dizeres do senso comum, o que se mostra
como uma análise relevante pelo fato de nos dar a possibilidade de discutir o político
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no social, especificamente a sociedade em suas relações de forças no que diz respeito
a quem tem direito de dizer o quê. Busco, assim, compreender como se constituem os
sujeitos no meio do que já está cristalizado, estabilizado em nossa sociedade, por meio
do contraponto entre os dizeres do cordel e da mídia impressa. Isso me leva a indagar
sobre as vozes sociais que formulam os discursos sobre o senso comum. Será que os
discursos considerados como parte do senso comum são comuns a todos? O que seria
o comum? O que é reafirmado por aquilo que é visto como sendo da instância do
comum? O que é apagado nos dizeres do senso comum? Quem são ‘todos’? Estas
questões justificam a importância de compreender, em nossa sociedade atual, os
discursos tomados pela grande maioria como sendo de conhecimento de todos, como
parte de uma “convenção social”.
Guilherme Adorno de Oliveira
Universidade Estadual de Campinas
OS DISCURSOS SOBRE A INDIVIDUALIDADE NA COMPOSIÇÃO MATERIAL DOS VLOGS
Depois do lançamento da plataforma virtual YouTube, a circulação de vídeos ganhou
uma dimensão diferente. Com a possibilidade de reunir inúmeros audiovisuais em um
só endereço eletrônico, em pouco o tempo o YouTube potencializou o acesso de
usuários e foi comprado pela multinacional americana Google. Em 2010, um formato
de produção ganhou grande visibilidade no Brasil: o vlog, geralmente caracterizado
como o vídeo em que uma pessoa fala, sobre um assunto qualquer, de frente para
uma câmera parada, muito semelhante aos blogs em termos de temáticas e
conteúdos. Ao ter como material os vlogs, minha pesquisa embarca na corrente de
propostas sobre diferentes textualidades nos trabalhos em Análise de Discurso. Tal
como teorizado por Eni Orlandi na disciplina fundada por Michel Pêcheux, formulação,
circulação e constituição são três instâncias indissociáveis do discurso. Do objeto
teórico há o desdobramento material, impondo os desafios de análise. Os vlogs,
apresentando uma composição própria de distintas materialidades significantes,
conceitos tomados dos trabalhos de Suzy Lagazzi, põem em circulação, no espaço
digital, dizeres de pessoas nem sempre conhecidas pelos usuários da Internet. Há um
gesto de tornar público formulações que, antes do envio do vídeo à plataforma, eram
conhecidas apenas no espaço/tempo de sua primeira enunciação. Sujeito
individualizado, o vlogueiro (nome que se dá ao produtor do vlog) enuncia sobre fatos
cotidianos, notícias da mídia ou dicas de fazeres específicos, muitas vezes, marcando
opiniões a partir do que considera como sendo vivências particulares. Nos
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tateamentos iniciais do material, olhar para o que se mostra como sendo
individualidade tornou-se uma base de sustentação para explorar analiticamente e
construir o objeto específico de estudo. Com o objetivo geral de analisar o(s)
discurso(s) sobre a /da individualidade em vlogs brasileiros, faço a seguinte pergunta:
que gestos de interpretação sobre a individualidade são suscitados no encontro entre
a formulação significante no espaço digital de leitura do vlog e o sujeito que publiciza o
que é representado como particular? Com tal questionamento, alguns
desencadeamentos são possíveis. Buscando escapar da evidência do termo
individualidade, comecei a percorrer alguns dicionários desde o século XVIII até os
mais recentes deste início da segunda década do século XXI. Com o parâmetro do
trabalho de Claudine Haroche sobre as gramáticas na passagem da forma-sujeito
religiosa para a forma-sujeito jurídica, já pude compreender algumas relações que os
efeitos de sentido de individualidade têm com as determinações históricas do sujeito
capitalista, isto é, o sujeito de direito. Em paralelo, trago as contribuições da teorização
de Eni Orlandi, referenciando Louis Althusser, Michel Pêcheux e Michel Foucault, sobre
o processo de subjetivação, tendo como parte constitutiva a individuação dos sujeitos
ao se identificarem a certos sentidos e não outros. Apoiado no objetivo de
compreender o modo como individualidade foi sendo significado na espessura
temporal do arquivo dicionarístico, minhas leituras se guiaram na passagem de um
verbete a outro. O batimento entre descrição e interpretação me trouxe algumas
compreensões quanto aos processos que sustentam os lugares de exterioridade e
interioridade nos verbetes sujeito e indivíduo, textualizações do político que também
fazem parte da significação de individualidade. Afetados pela memória dos enunciados
definidores do século XVIII, os exemplos de sujeito e indivíduo apagam a determinação
histórica-ideológica nos dizeres do instrumento linguístico em análise: há uma
insistência em visibilizar a indeterminação para não textualizar a própria condição
política de ser sujeito (de linguagem, inconsciente, ideológico). A historicidade dos
verbetes possibilita confrontar os vlogs na medida em que estabelecem um
contraponto de análise. A cadeia significante na história produz efeitos de sentidos ao
simbolizar, significando no instante do acontecimento da formulação. Na tentativa de
ser consequente com as contribuições de Suzy Lagazzi, tenho o interesse de estudar os
modos significantes sob os quais os gestos de interpretação são formulados nos
videologs e compreender a estruturação própria do videolog ao conjugar a formulação
significante e o espaço digital para que o vídeo possa ser visto pelo usuário, impondo
restrições de leitura. A imbricação material de uma composição textual funciona pelo
entremeio das materialidades, na contradição que dá margens à interpretação. Por
outro lado, possibilitar que diferentes interpretações funcionem também pela
contradição, expondo o sujeito às palavras, às imagens, aos sons, enfim aos
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significantes, se dá pela abertura à equivocidade. Trabalhar a equivocidade da língua
está relacionado com a concepção do texto como um espaço de autoria. Falar de
gestos de interpretação e de equivocidade é, portanto, também falar de autoria. A
partir das considerações anteriores, traço ainda outro objetivo específico para minha
tese: discutir o movimento entre sujeito e autoria na formulação dos vlogs. Na maneira
como é entendida discursivamente, a autoria é uma das possibilidades para que o
confronto se realize nos e para os sujeitos. Mais uma vez, Suzy Lagazzi alerta para um
ponto importante quando se propõe o trabalho com um objeto de análise composto
por diferentes textualidades: a materialidade significante se torna relevante nas
relações possíveis de serem traçadas no percurso analítico, ao ancorar simbolicamente
os processos de identificação dos sujeitos aos sentidos. O espaço de autoria é um lugar
de trabalhar o equívoco, o confronto e a contradição neste liame entre sujeito, história
e significante.
Harley Fabiano das Neves Toniette
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CONCORDÂNCIA COM SINTAGMAS NÃO ARGUMENTAIS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Este trabalho analisa sentenças do português brasileiro (PB) em que um sintagma não-
argumental estabelece concordância com a flexão verbal a partir da Teoria de
Princípios e Parâmetros em sua versão minimalista (Chomsky 1995, 2000, 2001, 2004,
2008), dos trabalhos de Holmberg (2010) e Holmberg, Nayadu & Sheehan (2009) em
torno do parâmetro pro-drop, e de Ouali (2008), para a possibilidade de
compartilhamento de traços não interpretáveis entre os domínios de
C(omplementizador) e T(empo). Parte-se da hipótese de que a gramaticalidade dessas
construções está atrelada, no português brasileiro (PB), a um conjunto de
particularidades envolvendo especificidades do conjunto de traços não-interpretáveis
situados nesses dois domínios, afetando as propriedades de posições situadas entre os
dois núcleos em ambas as variedades. Como complemento, adota-se o estatuto do PB
como língua de proeminência de tópico (ver Negrão, 1999, entre outros),
considerando que este fator tem sido apontado como o responsável pela
gramaticalidade de construções como Meus olhos estão saindo água e Esses relógios
caíram o ponteiro. Uma observação mais apurada mostra que, ao contrário do que
acontece no português europeu, o português brasileiro (PB) licencia construções com
um constituinte aparentemente não-argumental realizado em posição pré-verbal
concordando com o verbo – ver (1) a (4). Nota-se que o sintagma que estabelece
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relação de concordância com o verbo - ver (a) - equivale, nas paráfrases -ver (b) - a um
modificador interno a um sintagma nominal - ver (1) e (2) - ou a um termo em função
adverbial - ver (3) e (4):
(1) a. Meus dois carros furaram o pneu da frente.
b. O pneu da frente dos meus dois carros furou. (adaptado de Pontes 1987: 36).
(2) a. Aquelas calças estão soltando o botão.
b. O botão daquelas calças está soltando. (extraído de Avelar & Galves 2010).
(3) a. Esses sapatos doem meu pé.
b. Meu pé dói com esses sapatos. (adaptado de Pontes 1987: 37).
(4) a. Essas cidades chovem muito.
b. Chove muito nessas cidades. (extraído de Avelar & Galves 2010).
Costa (2010) aponta para o fato de que sentenças nas quais um sintagma não-
argumental concorda com o verbo não são detectadas no português europeu (PE),
embora esta variedade licencie, de forma mais restrita, sintagmas não-argumentais em
posição pré-verbal. É apartir desse ponto que se defende ser possível trabalhar a
hipótese de que a gramaticalidade dessas construções possa estar relacionada, de
alguma forma, a propriedades do parâmetro pro-drop, uma vez que este parâmetro é
tido como responsável por vários contrastes envolvendo a posição de sujeito nas duas
variedades do português. Dessa maneira, este trabalho busca, a partir da descrição e
análise do comportamento de construções como as exemplificadas em (1)-(4),
apresentar uma proposta que derive e explique o desencadeamento da concordância
com sintagmas não-argumentais no português brasileiro, e seqüencialmente, qual (ou
quais) motivos impediriam o desencadeamento desse fenômeno no português
europeu. Os sintagmas que estabelecem relação de concordância nas construções de
(1) a (4) analisadas por este trabalho serão chamados, doravante, de sintagmas não-
argumentais (ou também não-argumentos), já que correspondem a termos com
função geralmente não-argumental, tais como adjuntos adnominais e adverbiais em
paráfrases dessas mesmas construções. Como desdobramento do trabalho, está sendo
verificado se a proposta estabelecida para as construções apresentadas de (1) a (4)
pode ser estendida para outras construções, tais como as que envolvem
hiperalçamento e construções em que há a interpretação passiva para verbos que
mantém a morfologia da voz ativa, uma vez que tais construções colocam questões
relevantes para o andamento do que será apresentado por este trabalho. Em termos
gerais, este trabalho parte da hipótese de que a possibilidade de concordância com
sintagmas não argumentais no PB é possível graças a uma diferença de organização
nos traços não interpretáveis no complexo C-T nas duas variedades. Em termos
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específicos, tomando um dos pressupostos teóricos adotados, haveria uma diferença
inicial entre o estatuto do PB e do PE em relação ao parâmetro pro-drop, estanto o PB
enquadrado como língua parcialmente pro-drop, e o PE como língua canonicamente
pro-drop (Holmberg, 2010). Essa diferença se estruturaria, entre outros pontos, na
ideia de que as línguas canonicamente pro-drop comportariam um traço-D em T
(Holmberg (2010) postula que o traço-D é um codificador de informações sobre
referencialidade), enquanto que as línguas parcialmente pro-drop não trariam esse
traço em T. Partindo deste contraste, o trabalho aqui apresentado argumenta que o
português brasileiro não traria o traço-D, dadas as condições estipuladas por Holmerg
(2010), mas comportaria este traço em C. Além desse pressuposto, este trabalho
estipula dois tipos de relações distintas entre a organização dos traços não
interpretáveis no complexo C-T entre o PB e o PE, que organizam, entre outras coisas,
a maneira na qual os traços não interpretáveis e suas relações estão dispostos em
ambas as variedades. A tabela a seguir sintetiza e contrasta as propriedades que
compõem o completo C-T nas duas variedades do português - PB e PE – de acordo com
os pressupostos adotados por este trabalho:
Português Brasileiro Português Europeu
Default: Compartilhamento de traços não
interpretáveis (de acordo com o trabalho
de Ouali (2008))
Default: Transferência de traços não
interpretáveis (de acordo com o trabalho
de Ouali (2008))
Traço-D permanece em C, atuando como
uma sonda (μD). Pode ser valorado
tardiamente nas orações do tipo matriz-
encaixada.
Traço-D transferido para T, dependente da
valoração dos traços-φ. Deve ser valorado
tão logo quanto possível.
O requisito dos traços não interpretáveis
pode ser procrastinado na ausência de
uma fase em vP
O requisito dos traços não interpretáveis
deve ser atendido em primeira mão,
independentemente da presença ou
ausência de uma fase em vP
EPP de T φ-independente (pode
desencadear o aparecimento de SpecTP
para ser valorado independentemente dos
traços-φ)
EPP de T φ-dependente (valorado como
resultado da valoração dos traços-φ)
Se as hipóteses estipuladas por este trabalho estiverem corretas, acredita-se que um
sistema de organização organizado dessa maneira pode ser capaz de demonstrar, em
termos de diferenças macro e microparamétricas, quais são os fatores envolvidos na
composição das oposições sintáticas existentes entre PB e PE, entre outras coisas.
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Helio de Oliveira
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SIMULACROS DA EDUCAÇÃO (A DISTÂNCIA)
Esta comunicação apresenta os resultados parciais de uma pesquisa em
desenvolvimento cujo objetivo é analisar as ocorrências do termo “educação a
distância” – e suas diversas variantes –, embasando-se na noção de fórmula conforme
proposta por Alice Krieg-Planque (2003, 2006, 2009, 2010). O corpus, organizado a
partir dos percursos (circulação) do termo citado, é constituído por textos de
diferentes gêneros: artigos científicos na área de educação, mídia impressa, online e
televisionada, além de documentos oficiais do MEC – Ministério da Educação. No
recorte aqui apresentado, destaca-se o caráter polêmico da fórmula – uma de suas
principais características ao lado do caráter cristalizado, da dimensão discursiva e do
funcionamento como referente social. É nessa dimensão polêmica que a fórmula se
torna um “lugar” privilegiado para “compreender a forma como os diversos atores
sociais organizam, por meio dos discursos, as relações de poder e de opinião” (KRIEG-
PLANQUE, 2010, p. 09). Considerando as manifestações pró e contra a “educação a
distância” (mas conhecida pela abreviação EAD), é acirrada a discussão em torno do
valor pedagógico e financeiro das diferentes formas de interação entre educação e
tecnologia em modalidades não presenciais. De acordo com documentos oficiais, a
educação a distância no Brasil tem, desde 2003, um crescimento de matrículas maior
do que o ensino presencial e é supostamente usada como uma ferramenta de inclusão
no ensino superior, além de estar se firmando inclusive dentro dos cursos presenciais
mais tradicionais, que podem oferecer, legalmente, vinte por cento dos seus
conteúdos a distância. Por outro lado, apesar do crescimento e do suposto sucesso, a
EAD ainda é alvo de fortes críticas e protestos evolvendo instituições de âmbito
nacional, servindo como exemplo a recente campanha “anti-EAD” promovida pelo
Conselho Federal de Serviço Social com apoio do ANDES (Associação Nacional dos
Docentes Em Ensino Superior) e que foi intitulada “Educação não é fast-food! Diga não
para a graduação a distância em Serviço Social”. Na materialidade discursiva que os
textos do corpus representam, a EAD pode ser reformulada tanto como “novo
paradigma da educação” e “possibilidade educacional fantástica”, como “canoa
furada”, “conto do vigário” e “enrolação a distância”. Todas essas reformulações
indicam que o termo “educação a distância” parece funcionar como um referente
social, ou seja, ele significa alguma coisa (mas não a mesma coisa, e isso o torna objeto
de polêmica) para todos num determinado momento. Isso também significa que o
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termo circula, que as pessoas falam dele, que seu lugar de surgimento se diversifica,
que se torna um objeto partilhado do debate (KRIEG-PLANQUE, 2010, p. 54). Tendo em
vista o funcionamento específico da polêmica, isto é, os mecanismos discursivos
envolvidos no processo de produção de sentidos em torno da (não) aceitação da
educação a distância como campo/espaço de ensino e aprendizagem, buscamos apoio
teórico adicional no conceito de interincompreensão constitutiva conforme proposto
por Maingueneau (1984, 1987, 2008). Essa aproximação da noção de fórmula com os
trabalhos de Maingueneau nos permitiu observar em minúcias um dos efeitos da
polêmica – a produção de simulacros a partir das restrições semânticas de ambos os
discursos (contra e a favor da EAD). Segundo Maingueneau (1984, p. 64), a relação
polêmica “baseia-se numa dupla bipartição: cada pólo discursivo recusa o outro, como
derivando de seu próprio registro negativo, de maneira a melhor reafirmar a validade
de seu registro positivo”. Isso significa que, a partir de cada sistema de restrições
semânticas, são definidos dois conjuntos de categorias semânticas opostas: o conjunto
de dos semas reivindicados pelo discurso (os semas positivos) e o conjunto dos
rejeitados por ele (os semas negativos). Os semas são aqui entendidos como unidades
de sentido que refletem, segundo Maingueneau, “a exploração sistemática das
possibilidades de um núcleo semântico” (1984, p. 62). Consequentemente, quando o
espaço discursivo é considerado como uma rede de interação semântica, define-se
“um processo de interincompreensão generalizada, a própria condição de
possibilidade das diversas posições enunciativas” (op.cit., p. 99). Assim, não há
dissociação entre enunciar conforme com as regras de sua própria formação discursiva
e “não compreender” o sentido de enunciados do Outro, pois cada posição interpreta
os enunciados de seu Outro traduzindo-os nas categorias do registro negativo de seu
próprio sistema. Evidencia-se, nesse ponto, a produção dos simulacros. Em outras
palavras, o Mesmo só compreende seu Outro através de um simulacro que dele
constrói, de uma espécie de imagem distorcida na qual, o Outro, por sua vez, jamais se
reconhecerá. Também merece destaque um fato surgido na leitura do corpus:
percebemos manifestações dos mesmos discursos pró/contra EAD em outros suportes
que não o puramente verbal: charges, cartoons, fotos etc. Tendo isso em vista,
achamos válido incluir neste trabalho ainda outra noção que Maingueneau
desenvolve, diretamente relacionada à produção de simulacros: a de prática
intersemiótica. Prosseguindo com suas hipóteses, o autor diz que o discurso não deve
ser pensado somente como um conjunto de textos, mas como uma prática discursiva,
através da qual o sistema de restrições semânticas torna os textos comensuráveis com
a “rede institucional” de um “grupo”, que a enunciação ao mesmo tempo supõe e
torna possível (1984, p. 23). Em conformidade com isso, a prática discursiva também
pode ser pensada, de maneira mais abrangente, como uma prática intersemiótica que
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integra produções pertencentes a outros domínios semióticos (pictórico, musical etc.),
dessa forma, “o mesmo sistema de restrições que funda a existência do discurso pode
ser igualmente pertinente para esses outros domínios” (idem). A prática intersemiótica
deve ser considerada, em consequência, como a manifestação de uma mesma
semântica em outros planos que não o estritamente linguístico-textual. Enfim, o
trabalho analisa também algumas imagens que se inserem no discurso contrário à EAD
e imagens características do discurso tipicamente pró EAD, observando que os
mesmos simulacros identificados nos enunciados “reaparecem” aqui em outra
“semiose”.Esta comunicação apresenta os resultados parciais de uma pesquisa em
desenvolvimento cujo objetivo é analisar as ocorrências do termo “educação a
distância” – e suas diversas variantes –, embasando-se na noção de fórmula conforme
proposta por Alice Krieg-Planque (2003, 2006, 2009, 2010). O corpus, organizado a
partir dos percursos (circulação) do termo citado, é constituído por textos de
diferentes gêneros: artigos científicos na área de educação, mídia impressa, online e
televisionada, além de documentos oficiais do MEC – Ministério da Educação. No
recorte aqui apresentado, destaca-se o caráter polêmico da fórmula – uma de suas
principais características ao lado do caráter cristalizado, da dimensão discursiva e do
funcionamento como referente social. É nessa dimensão polêmica que a fórmula se
torna um “lugar” privilegiado para “compreender a forma como os diversos atores
sociais organizam, por meio dos discursos, as relações de poder e de opinião” (KRIEG-
PLANQUE, 2010, p. 09). Considerando as manifestações pró e contra a “educação a
distância” (mas conhecida pela abreviação EAD), é acirrada a discussão em torno do
valor pedagógico e financeiro das diferentes formas de interação entre educação e
tecnologia em modalidades não presenciais. De acordo com documentos oficiais, a
educação a distância no Brasil tem, desde 2003, um crescimento de matrículas maior
do que o ensino presencial e é supostamente usada como uma ferramenta de inclusão
no ensino superior, além de estar se firmando inclusive dentro dos cursos presenciais
mais tradicionais, que podem oferecer, legalmente, vinte por cento dos seus
conteúdos a distância. Por outro lado, apesar do crescimento e do suposto sucesso, a
EAD ainda é alvo de fortes críticas e protestos evolvendo instituições de âmbito
nacional, servindo como exemplo a recente campanha “anti-EAD” promovida pelo
Conselho Federal de Serviço Social com apoio do ANDES (Associação Nacional dos
Docentes Em Ensino Superior) e que foi intitulada “Educação não é fast-food! Diga não
para a graduação a distância em Serviço Social”. Na materialidade discursiva que os
textos do corpus representam, a EAD pode ser reformulada tanto como “novo
paradigma da educação” e “possibilidade educacional fantástica”, como “canoa
furada”, “conto do vigário” e “enrolação a distância”. Todas essas reformulações
indicam que o termo “educação a distância” parece funcionar como um referente
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social, ou seja, ele significa alguma coisa (mas não a mesma coisa, e isso o torna objeto
de polêmica) para todos num determinado momento. Isso também significa que o
termo circula, que as pessoas falam dele, que seu lugar de surgimento se diversifica,
que se torna um objeto partilhado do debate (KRIEG-PLANQUE, 2010, p. 54). Tendo em
vista o funcionamento específico da polêmica, isto é, os mecanismos discursivos
envolvidos no processo de produção de sentidos em torno da (não) aceitação da
educação a distância como campo/espaço de ensino e aprendizagem, buscamos apoio
teórico adicional no conceito de interincompreensão constitutiva conforme proposto
por Maingueneau (1984, 1987, 2008). Essa aproximação da noção de fórmula com os
trabalhos de Maingueneau nos permitiu observar em minúcias um dos efeitos da
polêmica – a produção de simulacros a partir das restrições semânticas de ambos os
discursos (contra e a favor da EAD). Segundo Maingueneau (1984, p. 64), a relação
polêmica “baseia-se numa dupla bipartição: cada pólo discursivo recusa o outro, como
derivando de seu próprio registro negativo, de maneira a melhor reafirmar a validade
de seu registro positivo”. Isso significa que, a partir de cada sistema de restrições
semânticas, são definidos dois conjuntos de categorias semânticas opostas: o conjunto
de dos semas reivindicados pelo discurso (os semas positivos) e o conjunto dos
rejeitados por ele (os semas negativos). Os semas são aqui entendidos como unidades
de sentido que refletem, segundo Maingueneau, “a exploração sistemática das
possibilidades de um núcleo semântico” (1984, p. 62). Consequentemente, quando o
espaço discursivo é considerado como uma rede de interação semântica, define-se
“um processo de interincompreensão generalizada, a própria condição de
possibilidade das diversas posições enunciativas” (op.cit., p. 99). Assim, não há
dissociação entre enunciar conforme com as regras de sua própria formação discursiva
e “não compreender” o sentido de enunciados do Outro, pois cada posição interpreta
os enunciados de seu Outro traduzindo-os nas categorias do registro negativo de seu
próprio sistema. Evidencia-se, nesse ponto, a produção dos simulacros. Em outras
palavras, o Mesmo só compreende seu Outro através de um simulacro que dele
constrói, de uma espécie de imagem distorcida na qual, o Outro, por sua vez, jamais se
reconhecerá. Também merece destaque um fato surgido na leitura do corpus:
percebemos manifestações dos mesmos discursos pró/contra EAD em outros suportes
que não o puramente verbal: charges, cartoons, fotos etc. Tendo isso em vista,
achamos válido incluir neste trabalho ainda outra noção que Maingueneau
desenvolve, diretamente relacionada à produção de simulacros: a de prática
intersemiótica. Prosseguindo com suas hipóteses, o autor diz que o discurso não deve
ser pensado somente como um conjunto de textos, mas como uma prática discursiva,
através da qual o sistema de restrições semânticas torna os textos comensuráveis com
a “rede institucional” de um “grupo”, que a enunciação ao mesmo tempo supõe e
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torna possível (1984, p. 23). Em conformidade com isso, a prática discursiva também
pode ser pensada, de maneira mais abrangente, como uma prática intersemiótica que
integra produções pertencentes a outros domínios semióticos (pictórico, musical etc.),
dessa forma, “o mesmo sistema de restrições que funda a existência do discurso pode
ser igualmente pertinente para esses outros domínios” (idem). A prática intersemiótica
deve ser considerada, em consequência, como a manifestação de uma mesma
semântica em outros planos que não o estritamente linguístico-textual. Enfim, o
trabalho analisa também algumas imagens que se inserem no discurso contrário à EAD
e imagens características do discurso tipicamente pró EAD, observando que os
mesmos simulacros identificados nos enunciados “reaparecem” aqui em outra
“semiose”.
Ivana Pereira Ivo
Universidade Estadual de Campinas
AS FRICATIVAS DO GUARANI-MBYÁ
As pesquisas linguísticas envolvendo línguas do tronco linguístico Tupi sugerem a
existência, no passado, de uma protolíngua que teria sido o ascendente comum da
família linguística Tupi-Guarani que, em algum momento da história pré-colombiana,
teria se desdobrado, gerando duas novas protolínguas que deram origem aos ramos
linguísticos Tupi e Guarani. (COSTA, 2010, p.100). Do Proto-Tupi, a língua conhecida
hoje como Tupi Antigo era a mais falada na costa brasileira no início do período
colonial. Essa língua operava com poucos sons fricativos, o que chamou a atenção dos
estudiosos da época: “Nessa lingoa do Brasil não há f.l.s.z.rr dobrado nem muta com
líquida, vt cra, pra & c. Em lugar de do s. in principio, ou médio dictionis serue, ç. Com
zeura, vt Aço, çatâ”. (ANCHIETA, 1951, p. 1). Costa (2010) elucida que Anchieta não
fazia a distinção entre som e letra e que ele, quando diz que aquela língua não tem “s”,
está, na verdade, se referindo ao som [S] que era o valor fonético da letra “s” no
português da sua época. Foi a partir dessa peculiaridade que os jesuítas afirmaram que
esses povos não tinham nem fé, nem lei, nem rei, em virtude da ausência das “letras”
“f”, “l” e “r forte”. Além de reduzidas, as fricativas registradas no Tupi Antigo sofreram
mudanças no decorrer da história. As variedades da língua guarani faladas nos séculos
XVII e XVIII, segundo Rodrigues (1990), são convencionalmente conhecidas como
Guarani Antigo. Segundo Edelweiss (1947), foram as obras publicadas pelo Jesuíta,
António Ruiz de Montoya que contribuíram para tornar o termo “Guarani” conhecido.
O autor publicou em Madri o “Tesoro de la Lengua Guarani” (1639), a “Arte y
Linguística
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vocabulário de la Lengua Guarani” e o “Catecismo dela Lengua Guarani”(1640) e
conviveu com os guarani na primeira metade do século XVII, nas reduções da Província
do Guairá, hoje região do estado do Paraná. Além dele, Pablo Restivo descreveu o
guarani falado no século XVIII, quando não havia mais reduções, em uma região que
compreendia os territórios entre os rios Uruguai, Paraná e leste do rio Uruguai. Costa
(2010) explica que na literatura a respeito dos ramos Tupi e Guarani, as diferenças
comumente apontadas entre as línguas dos referidos ramos tratam da mudança das
palavras paroxítonas nas línguas Tupi em oxítonas nas línguas Guarani, o que causa a
queda da sílaba átona final das primeiras e a mudança do fonema /s/ do ramo tupi em
/h/ no ramo Guarani, como observado por Edelweiss (1947, p. 100): “[...] o grande
mestre Montoya repetidas vezes havia chamado a atenção para a tendência de
reciprocamente se substituírem o h e o s dento do próprio guarani: “La h y la ç se
Suelen usar uma por la otra” [...]. As descrições do Tupi Antigo apresentam os
seguintes fonemas fricativos para aquela língua: 01. A fricativa alveolar /s/ e sua
variante [S]; 02. A fricativa bilabial /B/. Ao compararmos estas às descrições elaboradas
pelo Pe. Antonio Ruiz de Montoya em “Arte de la lengua guarani” de (1585-1652),
observamos algumas mudanças ocorridas na série das fricativas: 01. Algumas
realizações de /s/ foram convertidas em [h] e outras mantidas como [S]. 02. A fricativa
bilabial /B/ foi mantida. O Guarani-Mbyá, uma das línguas que compõem a família
linguística Tupi-Guarani, falada nas regiões sul e sudeste do Brasil, apresenta um traço
comum às línguas dessa família, que é o de operar com poucos sons fricativos, como
acontecia com o Tupi Antigo. Dados do Mbyá contemporâneo, falado em Paraty, no
estado do Rio de Janeiro, apresentam algumas mudanças na série das fricativas: 01.
Algumas realizações de /h/ do Guarani Antigo são apagadas enquanto outras são
mantidas; 02. As realizações de /S/ são produzidas como africadas [t°s] e [t°S]; 03.
Algumas realizações de /s/ do Tupi Antigo são produzidas como /g/; 04. A fricativa
bilabial /B/ apresenta as variantes [v], [w] e ditongo com [u]. As bases teóricas e
metodológicas do Círculo Linguístico de Praga concebem a língua com um sistema
funcional, passível de mudanças, embora essas não sejam consideradas “ataques
destruidores” lançados ao acaso, de forma independente. [...] “o sistema linguístico,
submetido à mudança, é envolvido num processo de perpétuo remanejamento a fim
de manter essa funcionalidade, num esforço incansável de estabilização”. (FONTAINE,
1978, p.23). Para Jakobson (1931, p. 14), “qualquer mudança deve ser tratada com
referência ao sistema no qual ela acontece”. Assim, após observarmos uma mudança
fônica, algumas perguntas devem ser feitas: algo foi modificado no interior do sistema
fonológico? Foi perdido algum contraste fonológico? Foram adquiridas novas
distinções fonológicas? Houve reestruturação nas oposições particulares? “Cada
unidade fonológica no interior de um sistema deve ser examinada tomando em conta
Linguística
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as suas relações recíprocas com todas as outras unidades do sistema, antes e depois
da mudança fônica considerada”. (JAKOBSON, 1931, p. 14). Os mecanismos criados
pelo sistema para continuar funcionando de forma equilibrada, com harmonia entre os
seus elementos são, conforme Jakobson (1931): defonologização – a supressão de
uma distinção fonológica, fonologização – surgimento de uma distinção fonológica e
refonologização – reorganização de uma distinção fonológica em outra diferente.
Assim, ao observarmos que algumas fricativas do Tupi Antigo são modificadas em
obstruintes (- contínuos) ou em aproximantes em Guarani Mbyá, investigamos a
possibilidade de ter havido um rearranjo nas classes de sons do Mbyá em resposta às
oposições configuradas como relevantes ao sistema. Intentamos investigar se, pelo
fato dos sons fricativos (+ contínuos) não entrarem no jogo das oposições
fundamentais ao funcionamento do sistema, teriam passado a desempenhar outra
função.
Janaina Olsen Rodrigues
Universidade Estadual de Campinas
UM ESTUDO DA CONSTRUÇÃO REFERENCIAL DA HIPERONÍMIA NOS CONTEXTOS
PATOLÓGICOS E NÃO PATOLÓGICOS
Este resumo apresenta os objetivos, uma parte do aparato teórico-metodológico, bem
como os resultados parciais da pesquisa de mestrado em andamento intitulada “Um
estudo da construção referencial da hiperonímia nos contextos patológicos e não
patológicos”, realizada sob orientação da Profª Drª Edwiges Morato no Instituto de
Estudos da Linguagem IEL/ Unicamp. Tendo como principal motivação a necessidade
de um melhor entendimento acerca das relações entre linguagem e cognição, a
referida pesquisa fundamenta-se, do ponto de vista teórico-metodológico, em três
domínios: o da Semântica, o da Linguística Textual e o da Neurolinguística. Sob uma
abordagem sociocognitiva da linguagem, são investigadas e analisadas as estratégias
de construção textual da referência utilizadas por afásicos - sujeitos que apresentam
problemas de linguagem oral e/ou escrita, decorrentes de lesões cerebrais causadas
por acidentes vasculares cerebrais, tumores e traumatismos crânioencefálicos
(MORATO, 2010) -, por indivíduos com Doença de Alzheimer em fase inicial - em que
os problemas mnêmicos associados à ansiedade ou à depressão são constantes- e por
indivíduos sem qualquer comprometimento neurológico - grupo controle. Como
instrumento metodológico, adotou-se um protocolo composto por dezoito conjuntos
de três co-hipônimos cada. Tal escolha teve como intuito focalizar e delimitar o
Linguística
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trabalho linguístico e sócio-cognitivo, bem como o percurso enunciativo realizado
pelos sujeitos ao categorizar e enquadrar os co-hipônimos em um conjunto genérico,
sendo possível verificar, dessa maneira, o processo de referenciação em curso através
dos enquadres cognitivos explicitados pelos próprios participantes. Como ponto de
partida rumo a uma expansão da noção, tem-se a definição de hiponímia como a
relação em que “X é um tipo de Y”, adotando X como hipônimo e Y como hiperônimo.
Em modelos computacionais, ela é representada por “X é um Y” (RUMELHART et al.,
1972) ou pela expressão “X é um membro de Y” (KINTSCH, 1974). Definições clássicas
(aristotélicas) também recaem sobre a hiponímia, como a de genus e differentiae, isto
é, o hiperônimo e as qualidades que distinguem seus hipônimos. Seguindo as
classificações hiperonímicas propostas por Cruse (1986), no protocolo da pesquisa,
foram contempladas com representantes co-hiponímicos as relações de hiperonímia
que atendem à classificação de hiperonímia prototípica (como, por exemplo, o
conjunto "Brasil, México e Paquistão"), de quase-hiperonímia (como o conjunto
"vermelho, rosa e verde"), de para-hiperonímia ("cachorro, gato papagaio", por
exemplo) e de hiperonímia taxonômica (como "sofá, mesa, estante"). Desse modo,
enquanto fenômeno de encadeamento e de coesão, os co-hipônimos, inseridos no
mesmo patamar da hierarquia de elementos semânticos a que pertencem, permitiram,
desempenhando a função de imputs, a retomada referencial através de diferentes
percursos semântico-textuais, nomeadamente a relação de hiperonímia ("vegetais que
se usa muito pra...pra salada" diante dos co-hipônimos "alface, rúcula e agrião), a
relação de meronímia (como, por exemplo, a ativação do item lexical "sala" perante os
co-hipônimos "sofá mesa e estante"), as predicações ("três grandes expoentes da
nossa dramaturgia" para "Tarcísio Meira, Lima Duarte e Tony Ramos") , a ativação de
frames ( como "festa de criança" para os co-hipônimos "quindim, goiabada e
brigadeiro"), as considerações ( "isso eu não entendo muito...de jogo eu não entendo "
para os co-hipônimos "bingo, xadrez e dominó) , as construções metafóricas ( como "a
quadrilha" perante "Lula, FHC e Sarney" ou "um...desastre" para os co-hipônimos
"sogra, cunhado e genro"), etc. Tais estratégias emergentes, analisadas
comparativamente e entre si, tendo em vista os três grupos heterogêneos envolvidos,
constituem o interesse principal da investigação científica em andamento. A
pluralidade de referentes resultantes da aplicação do protocolo também explicita o
papel dos objetos de discurso como elementos dinâmicos, que são inseridos,
mantidos, identificados, retomados, construindo ou reconstruindo, por esta via, os
sentidos no curso da progressão textual (KOCH & MARCUSCHI, 1998; KOCH, 1999,
2002) construída, no caso, na situação de interação estabelecida no processo de coleta
de dados. Ao obter resultados de natureza semântica não hiperonímica, mesmo diante
de um comando condizente com a definição dessa relação semântica e partindo dos
Linguística
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co-hipônimos, considera-se que o referenciar, segundo Marcuschi (2002), é uma
atividade discursiva elaborada em um contexto de interação verbal, sendo fruto de um
processo criativo que tem um lugar central na construção das vivências individuais e
não um simples ato de designação. Desse modo, as estratégias de referenciação,
incluindo o uso de hiperônimos, são construídas discursiva e interativamente, isto é,
dentro de uma rede lexical situada em um sistema sócio-interativo que permite a
produção de sentidos e na qual a relação de hiperonímia, como um recurso
referencial, se insere. Os resultados parciais obtidos até então, explicitados pelas
estratégias emergentes da aplicação do protocolo, também contribuem para a
consideração de que a chave para compreensão da DA e das afasias não está (apenas)
no cérebro ou nas estruturas neurológicas (LEIBING, 2006), visto que, assumindo uma
perspectiva que tem, como conceitos base, a linguagem, a cognição e a interação,
nesta pesquisa, os participantes são concebidos como pessoas que convivem com os
déficits criando estratégias linguísticas e não-linguísticas- sendo as estratégias de
caráter linguístico e sociocognitivo o foco da presente pesquisa. Enfatiza-se, portanto,
o caráter social e pragmático da linguagem e da cognição, estreitando as relações
entre verbal e não verbal, entre linguagem e práticas socioculturais, já que a linguagem
não deve ser vista como a representação dos referentes mundanos, ou como mera
competência de habilidades cognitivas inatas, mas sim como o local em que,
concomitantemente, a exterioridade (o cultural, o social e o histórico) se relaciona com
os processos internos (nossos esquemas mentais) a partir da construção de “versões
públicas do mundo” (MONDADA & DUBOIS, 1995).
José Edicarlos de Aquino
Universidade Estadual de Campinas
AS FILIAÇÕES TEÓRICAS DO PROCESSO DE GRAMATIZAÇÃO BRASILEIRA: UM
PROJETO DE TRABALHO
O objeto do nosso projeto são as filiações teóricas do processo de gramatização
brasileira. Inseridos no campo da História das Ideias Linguísticas, que considera
constitutiva a relação entre história do saber metalinguístico e história da língua,
indicamos como nosso objetivo principal analisar o modo como se constrói uma rede
de filiações teóricas no processo de gramatização brasileira a partir da obra de Júlio
Ribeiro, que recusa a tradição da gramática filosófica estabelecida pelo português
Jerônimo Soares Barbosa e, assim, realiza uma virada epistemológica nos estudos do
português no Brasil, operando “um gesto fundador que constrói uma filiação à qual os
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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gramáticos brasileiros farão referência sistemática” (ORLANDI, 2009 p. 154). A
gramatização é tomada na História das Ideias Linguísticas como um processo de
instrumentação das línguas que altera os espaços de comunicação e a relação dos
falantes com suas línguas, construindo, a partir de um saber sobre a língua, uma
imagem de unidade linguística, de que se servem as nações a partir do Renascimento.
Dessa forma, faz parte do nosso objetivo analisar também a maneira como a
construção de uma rede de filiações teóricas a partir da obra de Júlio Ribeiro
institucionaliza um saber brasileiro sobre a língua e como a institucionalização desse
saber elabora uma identidade linguística e uma identidade nacional brasileira.
Rejeitando a noção de influência, por implicar no juízo de passividade diante do
conhecimento, pensamos as filiações teóricas da gramatização brasileira em termos de
ressignificação de um saber sobre a língua. Nossa hipótese é de que a gramatização
brasileira se constitui na articulação entre a gramática geral e a gramática histórico-
comparativa e na reelaboração das ideias mobilizadas por essas duas grandes teorias
linguísticas. Na história da tradição linguística ocidental, a gramatização aparece como
“o processo que conduz a descrever e a instrumentar uma língua na base de duas
tecnologias, que ainda hoje são os pilares de nosso saber linguístico: a gramática e o
dicionário”, conforme Auroux (1992, p. 65). Nessa perspectiva, os produtos da
gramatização (a gramática, o dicionário e outros escritos sobre a língua) não são
considerados simples representações da atividade linguística dos homens, mas, ao
contrário, verdadeiros instrumentos linguísticos, isto é, objetos técnico-culturais e
sócio-históricos, como resumem Colombat, Fournier e Puech (2010). A segunda
metade do século XIX marca o período inicial do processo de gramatização brasileira
da língua portuguesa, caracterizado pela produção das primeiras gramáticas e
dicionários do português falado no Brasil. É nesse momento que esses instrumentos
linguísticos começam a ser feitos por brasileiros e para brasileiros, o que muda a
relação que os brasileiros têm com a língua que falam e também o conhecimento
sobre a língua que têm. Com efeito, os gramáticos brasileiros do final do século XIX e
início do século XX assumem a posição-autor de um saber sobre a língua que não é o
mero reflexo do saber gramatical português (ORLANDI, 2000). Nesse processo, a
Grammatica Portugueza, de Júlio Ribeiro, lançada em 1881, constitui um evento
interpretativo que vai desencadear fortes reações durante toda a gramatização
brasileira, funcionando como um discurso fundador, no sentido que o dá Orlandi
(1993), isto é, um discurso que funciona como referência básica no imaginário
constitutivo do país e que não se apresenta como já definido, mas antes como uma
categoria que o analista deve delimitar pelo próprio exercício de análise. O papel
fundador da obra de Júlio Ribeiro é atribuído inclusive por seus contemporâneos.
Carlos Eduardo Pereira, por exemplo, no prólogo de sua Gramamatica Expositiva,
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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publicada em 1907, afirma o seguinte: “Depois que Júlio Ribeiro imprimiu novas
direcções aos estudos gramaticaes, romperam-se os velhos moldes, e estabeleceu-se
largo conflicto entre a eschola tradicional e a nova corrente”. Como explica Orlandi
(2000), é justamente o mecanismo de citação que faz de Júlio Ribeiro a referência
primeira na gramatização brasileira da língua portuguesa, o discurso fundador da
história da gramática brasileira. Por essa razão, não se pode deixar de lado as
remissões que foram feitas à obra de Júlio Ribeiro ao longo de processo de
gramatização. Além da Grammatica Portugueza, são também obras de Júlio Ribeiro:
Traços Geraes de Linguistica (1880), Cartas Sertanejas (1885), Holmes Brasileiro ou
Gramática de Puerícia (1886), Procellarias (1887), Questão Grammatical (1887), Nova
Grammmatica da Lingua Latina (1895), Uma Polêmica Célebre (19--). Escreveu ainda
dois romances, Padre Belchior de Pontes (1876-1877) e A Carne (1888), polêmica obra
do naturalismo brasileiro. Todas essas produções são tão importantes quanto a
Grammatica Portugueza para a análise das filiações teóricas do processo de
gramatização brasileira. De fato, de acordo com Orlandi (2009, p. 80), assim como as
gramáticas, as produções dos gramáticos brasileiros em outros domínios “fazem parte
de um processo discursivo mais amplo que tem a ver, nos países de descolonizados,
com a relação dos falantes com sua língua e a visibilidade e legitimidade da mesma”. A
obra de Júlio Ribeiro não foi ainda estudada no seu conjunto nem as filiações teóricas
particulares do processo de gramatização brasileira foram analisadas de forma mais
aprofundada. Ao reunir essa obra e analisá-la, nosso trabalho traz contribuições para a
história do conhecimento metalinguístico no Brasil por tratar das ideias linguísticas em
circulação no país na virada do século XIX para o XX. Ele também suscita uma discussão
de relevância para a história do pensamento sobre a linguagem em geral por colocar
em questão, por exemplo, a ideia muito difundida pela História da Linguística de que a
gramática geral desaparece como paradigma com a emergência do método histórico-
comparativo. A obra de Júlio Ribeiro e as remissões feitas a ela nos mostram que a
tradição da gramática geral, viva no Brasil, continua a animar a reflexão sobre a língua
ainda na virada para século XX.
Juliana Batista Trannin
Universidade Estadual de Campinas
'AS COISA TUDO' NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
O objetivo deste trabalho é descrever as propriedades sintáticas do quantificador tudo
no Português Brasileiro (PB) e comparar com os dialetos europeu e afro-brasileiro. O
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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estudo se fundamenta no quadro teórico da gramática gerativa (CHOMSKY, 1995 e
obras posteriores). Pretende-se discutir o comportamento sintático de "tudo" em
sentenças existenciais e sentenças genéricas e as restrições em relação à flutuação de
"tudo" no PB. Os dados constituem sentenças encontradas na internet, no Twitter e
em blogs, além de sentenças construídas a partir da intuição do falante, por meio de
testes de gramaticalidade. No PB coloquial, além do uso tradicional como
quantificador indefinido, como em (1a), a palavra "tudo" é usada em substituição à
forma flexionada "todos", como em (1b):
(1) a. Os meninos compraram tudo que precisavam.
b. Os meninos tudo chegaram.
Este fenômeno foi originalmente descrito por Godoy (2005). A autora mostra que, na
fala informal, tudo pode aparecer na configuração TDPp (tudo + DP plural), em que a
marcação do plural no DP incide somente no determinante e o verbo pode ou não
apresentar a flexão de plural, como nos exemplos abaixo:
(2) a. Os cara tudo assiste o programa.
b. As menina tudo usa saia curtinha.
(3) a. Eu fui e fiz as coisa tudo.
b. Não sei como vou deixar meus menino tudo aí. (GODOY, 2005, p. 16)
A proposta de Godoy (2005), retomada por Cançado (2006), é a de que "tudo"
existencial é um quantificador universal, pois não contém uma restrição inerente.
Conforme as autoras, o "tudo" existencial parece ser resultado da perda da restrição
inerente da expressão complexa "tudo" indefinido, tornando-se um quantificador
puro. Godoy classifica as ocorrências em dois tipos: "tudo" existencial e "tudo"
genérico. Nas sentenças com leitura existencial, como (2) e (3), a posição canônica do
quantificador é à direita do nome, como nas sentenças em (2)-(3) acima. Quando
"tudo" ocorre no sintagma objeto, por outro lado, a sentença é gramatical, como em
(4). Quando o quantificador é parte do sintagma sujeito da oração, tudo não pode
ocupar a posição à esquerda do nome, como mostra (5).
(4) a. Ele comprou tudo as coisa.
b. Os aluno leram tudo os livro.
(5) a. *Tudo as criança foram pro parque.
b. *Tudo os menino viajaram ontem.
Linguística
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A impossibilidade de ocorrência de "tudo" nesta posição é um dos aspectos que o
diferencia do quantificador "todo". Cançado (2006, p.165) relaciona a
agramaticalidade de tudo+DP ao fato de que, quando há perda da flexão de plural, “o
elemento que se encontra mais à esquerda é que carrega a flexão de número”. Para
Lacerda (2011), entretanto, a agramaticalidade de tudo+DP é explicada pelo fato de
que tudo não tem traços-phi e é, por isso, incapaz de estabelecer concordância com a
flexão verbal em T. Além das construções existenciais, "tudo" pode ocorrer também
em sentenças com sentido genérico, na configuração TN (tudo + nome nu), com verbo
de ligação:
(6) a. Homem é tudo palhaço.
b. Político é tudo corrupto.
Nestas sentenças, segundo Godoy e Cançado, a flutuação não é permitida; a única
posição possível é depois do verbo, à esquerda do nome. O estatuto sintático de
"tudo" genérico permanece uma questão em aberto. Na análise de Vicente (2006), no
PB, o quantificador universal e o DP formariam um constituinte, não podendo ocorrer
em domínios separados. A autora afirma que, na fala coloquial, o quantificador
indefinido "tudo" é uma das formas de "todos", pelo fato de estarem em distribuição
complementar quando “flutuados”. A forma não flexionada disponível do
quantificador só pode ocorrer em casos de movimento de DP:
(7) a. Todos os meninos
b. Os menino tudo/todo
c. *Tudo/todo os menino (VICENTE, 2006, p. 93)
Vicente considera dois tipos de elementos modificados pelo quantificador: lexicais e
pronominais. O primeiro grupo são os elementos como “os alunos”, em (8a). O
segundo, elementos pronominais plurais, como pronomes não-clíticos (“eles”, “nós”,
“vocês”), como em (8b) e pronomes clíticos (“os”, “nós”, “cês”), em (8c):
(8) a. Os alunos todos
b. Eles/Nós/Vocês todos
c. A Heloísa viu cês todos/tudo. (Vicente, 2006, p. 103-104)
No corpus selecionado, encontram-se ocorrências de "tudo" existencial com DP
lexicais, como em (9a,b) e pronominais (9c,d,e):
Linguística
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(9) a. troco meus chocolates tudo por uma cerveja.
b. comprei tudo meus livros da faculdade no sebo.
c. pior que erro tudo eles
d. to brava com vocês tudo.
e. Cês tão tudo loco com esse dia do índio.
Encontram-se também sentenças com "tudo" genérico:
(10) a. Japonês tudo tem cara de vendedor de pastel.
b. Justin Bieber não quis tirar foto com o restart pq mulher é tudo invejosa
Além disso, verifica-se ocorrências nas configurações tudo + DP singular e tudo + nome
nu:
(11) a. (...) e iam jogar o refri tudo fora kaka
b. Quebrei tudo o braço do menino.
c. Comi sopa tudo...
Parece que "tudo" pode possuir diferentes traços e combinar com um NP ou um DP,
gerando diferentes interpretações, assim como o quantificador "todo", conforme
Müller, Negrão & Gomes (2007). Ao contrário dos exemplos em (9) que têm leitura
quantificacional, as sentenças em (11) teriam uma leitura adverbial, em que "tudo"
significaria "inteiro". As sentenças serão classificadas e analisadas em relação à posição
do quantificador e ao tipo de elemento que eles modificam. Serão investigadas as
restrições de flutuação em sentenças transitivas, inacusativas, inergativas e passivas,
em comparação aos resultados obtidos por Godoy e Cançado. O fenômeno descrito
aqui é interessante pelo fato de "tudo" ser invariável, ou seja, não possuir flexão de
número nem de gênero. O PB falado perdeu a flexão de número, mas ainda conserva
as marcas de gênero. Pode-se pensar na inserção deste fenômeno em um processo
maior de perda da marcação de plural no PB falado e no enfraquecimento do traço de
gênero.
Linguística
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Karen Alves da Silva
Universidade Estadual de Campinas
SAUSSURE E A BUSCA SILENCIOSA PELA EPISTEMOLOGIA DA LINGUAGEM
O trabalho de Ferdinand de Saussure foi marcado pela busca incessante do mestre por
encontrar uma metodologia que pudesse explicar o fenômeno linguístico. Nessa seara
científica, Saussure deixou transparecer seu perfeccionismo ao priorizar a qualidade
dos dados e a análise rigorosa do fenômeno linguístico. Desde o Mémoire sur le
système primitif des voyelles dans les langues indo-européennes, o jovem linguista já
demonstrava essas preocupações ao elaborar um trabalho bastante maduro sobre o
sistema das vogais nas línguas indo-europeias. Observamos precocemente em
Saussure os traços que o definirão durante a sua vida: "Ao amar a perfeição,
desafiando a si mesmo, ele nunca estava satisfeito com os resultados obtidos e
objetivava sempre ir além" (Muret apud Fehr, 2000, p. 35; trad. nossa). Mais do que
isso, como nos alerta Muret (op.cit.), "constantemente sua imaginação inquieta e sua
insaciável curiosidade o guiavam para novos problemas e o arrebatavam para novos
horizontes. (...).". Com este espírito e profundamente incomodado com prática de seus
contemporâneos, o mestre genebrino colocou-se não somente em uma posição de
crítica, mas buscou aperfeiçoar e modificar a metodologia até então adotada. Diante
da ausência de uma só "idéia clara" (Saussure apud Starobinski, 1974, p.11) no âmbito
dos estudos linguísticos, ele se viu frente à tarefa de cunhar novas terminologias e
conceitos para esses estudos. É a essa tarefa que ele se dedicou desde 1880. A
teorização saussuriana compareceu, no curso histórico dos estudos da linguagem,
como uma verdadeira revolução científica, já que alterou o modo como se concebia e
se praticava esses estudos sobre linguagem. Todavia, com uma metodologia marcada
pelo perfeccionismo e pelo rigor herdado da tradição francesa, o mestre silenciou
sobre as suas inovadoras formulações provavelmente em razão das intensas
reformulações a que submetida a teorização. Encontramos evidências e
desenvolvimentos das reflexões de Saussure sobre a língua e sobre a linguagem nas
três conferências por ele ministradas na Universidade de Genebra, em novembro de
1891. Todavia, apesar de mais bem sistematizadas, elas são um fragmento do universo
de uma teoria que, pelas mãos de Saussure, foi pouco transmitida; segundo Arrivé
(2010, p. 20): "foi possível dizer (...) que ele [Saussure] não publicou o que escreveu e
não escreveu o que foi publicado em seu nome". Essa intensa reconstrução e o
consequente silêncio estavam ligados, como aponta Benveniste, a um "drama de
pensamento": era preciso modificar o que se fazia no tocante ao estudo da linguagem
para garantir uma teoria que efetivamente jogasse luzes sobre o fenômeno linguístico.
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Nas palavras de Benveniste (1988, p. 41): "O que, então, o impedia de publicar?
Começamos a sabê-lo. (...). Saussure afasta-se da sua época na mesma medida em se
tornava pouco a pouco senhor da sua própria verdade, pois essa verdade o fazia
rejeitar tudo o que então se ensinava a respeito da linguagem". O deslocamento
proposto pelo mestre genebrino implicava em deixar as análises baseadas na diacronia
da língua e nas relações histórico-genéticas com um protótipo de língua ancestral, e
importava compreender o fenômeno lingüístico a partir de uma abordagem sincrônica
e sistemática. Contudo, romper com a forma de se produzir ciência é uma tarefa
árdua, já que resulta em não aceitação do trabalho e em críticas. Com efeito, o
trabalho inovador de Saussure só foi conhecido após o surgimento do Curso de
Linguística Geral (1916). Essa obra póstuma, amplamente louvada e questionada pela
tradição que a sucedeu, modificou o andamento dos estudos da linguagem. Se até
Saussure, os desenvolvimentos sobre língua e linguagem eram feitos de forma pouco
organizada, após o Curso, a Linguística tornou-se ciência com objeto e método:
"Ferdinand de Saussure é (...) o homem que reorganizou o estudo sistemático da
linguagem e das línguas de uma maneira tal que ela tornou possíveis os avanços
realizados ao longo do século XX" (Culler apud Fehr, 2000, p. 17, trad. nossa). Nesse
contexto, algumas questões podem ser levantadas: será que os contemporâneos de
Saussure poderiam compreender e aceitar os deslocamentos propostos pelo mestre
ou ele seria intensamente criticado, assim como foi com o Mémoire? O temor de ser
incompreendido silenciou Saussure? Por outro lado, não seria o rigor do cientista que
não o permitia divulgar a complexidade de sua teorização sem que o trabalho estivesse
finalizado? Quais as marcas desse rigor e as consequências desse silêncio para a obra
do genebrino? Refletimos sobre essas questões no primeiro capítulo de nossa tese de
doutorado. Com efeito, jogar luzes sobre esses questionamentos propiciará melhor
compreensão da complexa obra saussuriana e, consequentemente, nos ajudará a
entender a construção da noção de sujeito falante e a posição desse sujeito na obra de
Saussure, propósitos de nossa tese. No presente trabalho, nosso objetivo é o de
compreender como o rigor metodológico e o silêncio editorial marcaram a
epistemologia saussuriana, bem como as consequências dessas marcas para a
Linguística que sucedeu Saussure. Para tanto, nos apoiamos nos trabalhos de Godel
(1969) Fehr (2000), Bouquet (2000), Milner (2002), Trabant (2005), Kyheng (2008) e
Arrivé (2010), valendo-nos especialmente dos textos e dos pressupostos saussurianos
contidos no Curso e nos Escritos de Linguística Geral (2004). (projeto apoiado pelo
CNPq).
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Laise Aparecida Diogo Vieira
Universidade do Vale do Sapucaí
(EN)CENA: A REPRESENTAÇÃO, O REAL DA INTERPRETAÇÃO
A campainha toca. Uma, duas, três vezes. O silêncio se instaura. Uma interpretação,
entre as possíveis, realiza-se. Bem-vindo, espect-ator dessas escutas! O não dito que
significa na cena, o acontecimento. Esse trabalho tem como base dois elementos
fundamentais: o silêncio e a interpretação. A partir desses pontos, visamos ao
estabelecimento da sua relação de entremeio, apontando para a análise do que
estamos denominando uma discursividade cênica, no teatro de Beckett. Por meio da
leitura do romance O inominável (2009), de Samuel Beckett, e de suas obras teatrais,
entre elas, Esperando Godot (2010) e Fim de Partida (2010), podemos refletir sobre a
desconstrução da narrativa padrão. Nessas obras, o leitor, o artista e o espectador,
inversamente seduzidos pela impossibilidade de expressar o que já foi dito, deparam-
se com o que há de mais cru, sensível e desnudo universo, povoado por personagens
que falham, que duvidam, que se vêem impossibilitados de seguir e que, no entanto,
seguem: “(...) é preciso continuar, não posso continuar, vou continuar.” (BECKETT in O
inominável, p. 185). Quanto à narratividade presente na obra e estilo “beckettiano”,
temos na área de artes e de estudos literários pesquisas que refletem sobre a palavra e
a não-palavra, o dito e o mal-dito, o visto e o mal-visto. Surge na perspectiva da
Análise de Discurso, a busca por trilhar o campo da discursividade cênica. Em que
consiste o ato de interpretar “Samuel Beckett”, ou ainda servir-se de seus textos na
constituição de um espetáculo? Ao considerarmos essa atuação dramática como um
dos nossos objetos de pesquisa, questionamos a que se refere o processo de
interpretação. É nessa perspectiva que se tornam fundamentais os elementos
constitutivos de encenação, entre eles, o silêncio. Tendo como base a obra de Eni
Orlandi, As formas do silêncio: no movimento dos sentidos, e textos do autor Samuel
Beckett, buscamos com esse trabalho contribuir na reflexão do tema da representação
no teatro denominado pós-dramático. Representação esta, que parece se instaurar
num processo de (des)construção de sentidos pelos atores-intérpretes e que, neste
ato, presentificam-se na cena. Nesse movimento, outras possibilidades significativas se
geram por meio dos espectadores, também intérpretes. No entremeio dessa
intensificação de relações e sentidos, pretendemos também refletir sobre a prática
cênica, ao considerar o teatro - assim como a dança, já analisada por Orlandi (2011) -,
um objeto em sua materialidade discursiva, pertencente a uma conjuntura histórica,
com suas formas de assujeitamento e significação. No que se refere ao acontecimento
da interpretação, consideramos como uma provocação nessa análise o fato de, no ato
Linguística
105
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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de representar, encontrar-se a ideia da presentificação, o de tornar-se presente, numa
linguagem real, viva, em sua forma encarnada, em que “o corpo passa da invisibilidade
para a significação” (ORLANDI, 2012, p.97). O representar assume, nesse sentido, o ato
de estar ali, naquele momento presente, que se instaura a partir de um silêncio, de um
não gesto, de um não sentido, que se sente, e se funde o interpretável. Aliás,
lembremos que, pelo viés da Análise de Discurso, repetir não é reproduzir, mas
retomar. É por meio da obra Interpretação; autoria, leitura e efeitos do trabalho
simbólico (2007), de Orlandi, que buscaremos os deslocamentos possíveis no que
tange aos aspectos da interpretação e da sua relação na produção de efeitos de
sentidos. Para esse estudo, inquieta-nos algumas questões fundamentais sobre “o que
é interpretar?”, “quem é esse intérprete, que representa, mas não é o mesmo?”.
Nessa perspectiva, outra obra que relacionamos à práxis de se pensar os efeitos de
sentidos e a significação destes é o acima citado As formas do silêncio: no movimento
dos sentidos (1995), da mesma pesquisadora, buscando reforçar a relação entre
silêncio e a interpretação dramática. Por meio da Análise do Discurso, buscamos,
assim, compreender o funcionamento de elementos na composição da discursividade
cênica, tais como, a relação interpretação – texto – corpo – artistas – público – teatro,
como espaço –, em um processo de produção de sentidos. A obra O Discurso:
estrutura ou acontecimento (2002), de Pêcheux, vem contribuir na reflexão da
possibilidade da “forma encarnada”, ao considerarmos o teatro em sua cena
presentificada, instaurada. Além disso, essa obra é essencial para a compreensão de
outros conceitos dos estudos das ciências da linguagem, que certamente deverão ser
aprofundados ao longo da pesquisa e conforme o andamento da própria análise. Essa
investigação poderá se fazer, inclusive, por meio da resignificação de categorias
teatrais já existentes, entre elas, “teatro pós-dramático”, “teatro do absurdo” e “ação
dramática”. Categorias estas, que, em nossa hipótese, permitem furo(s), deslize(s) ao
se tratar do estilo beckettiano. E assim, tomados e retomados pelas formas de uma
linguagem que contemplam o inacabado, optamos, nesse percurso, por continuar num
movimento que se faz no gesto de (des)construção e fragmentação e, a partir dele,
tocar a iminência de objetos significativos, que sensibilizam o artista, o homem, e que
nos fazem reafirmar as palavras de Luis Jouvet: “não há nada mais falso, mais fútil,
mais vão, não há nada mais necessário que o teatro.”
Linguística
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Lara Medeiros Borges Pereira
Universidade Estadual de Campinas
SOBRE A FEMINILIDADE E O EROTISMO EM UM DIÁLOGO ENTRE FREUD E LOU
ANDREAS-SALOMÉ
A escuta das mulheres histéricas, imersas na repressora sociedade do século XIX,
permite que Freud realize as primeiras formulações acerca da teoria e prática da
psicanálise, concebendo a histeria como um sintoma psíquico com um sentido a ser
decifrado. Este movimento, por oposição ao de mera observação e diagnóstico da
paciente, como vigente na época, tem importância fundamental no processo de
retirada da histeria do âmbito da “loucura” ou da suposição corrente de que seus
sintomas fossem resultantes de uma farsa ou fingimento. Freud inova, ainda, ao
afirmar que o sintoma histérico ocorre por intermédio do inconsciente, e não pela
intenção consciente da histérica. A escuta das mulheres histéricas por Freud
proporciona, por conseguinte, um novo olhar sobre a temática da sexualidade
feminina. A problematização do feminino em sua obra surge a partir de 1905, em "Três
ensaios sobre a teoria da sexualidade", texto no qual ele introduz a ideia de que existe
uma sexualidade infantil, trazendo à tona questões bastante polêmicas sobre a
sexualidade do menino e da menina. Traçando uma breve cronologia dos escritos de
Freud sobre a mulher e seu erotismo, podemos observar que a questão se apresenta
pela primeira vez a ele, ademais de em "Três ensaios...", em "O caso Dora" (1905), que
o faz refletir sobre como uma mulher escolhe seu objeto amoroso, além de questões
sobre a transferência e a contratransferência. Em 1919 ele escreve "Uma criança é
espancada", abordando a gênese da perversão. Aqui, Freud começa a articular a
posição feminina com o masoquismo a partir da análise de sua filha Anna, realizada
com o auxílio de Lou Andreas-Salomé. Em 1920 escreve "A psicogênese de um caso de
homossexualismo numa mulher", em que trata da escolha homossexual de um objeto
amoroso, indagando-se sobre a razão da homossexualidade feminina e obtendo como
uma de suas conclusões que o objeto de amor da menina também é a mãe. A questão
da feminilidade, porém, ao mesmo tempo em que assume um lugar importante no
desenvolvimento da teoria psicanalítica, também é alvo de impasses, críticas e
reavaliações para Freud. Ao longo de sua obra, no que tange à condição da mulher e
da feminilidade, ele é muitas vezes apontado como conservador e até mesmo
misógino, dada a primazia que o elemento fálico e a masculinidade assumiam em sua
teoria, posição esta que ele revê a partir de 1923. De toda forma, tais questões foram
cruciais para promover diversas reflexões que possibilitaram que, mais tarde, a
discussão sobre a sexualidade feminina tivesse maior visibilidade em diversos âmbitos
Linguística
107
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da sociedade. Um interessante diálogo sobre o tema da sexualidade e do erotismo
femininos foi estabelecido entre Freud e uma de suas principais admiradoras, amigas e
discípulas: Lou Andreas-Salomé. Esta, sem dúvida, é uma das personalidades femininas
mais proeminentes na filosofia e literatura dos séculos XIX-XX, embora poucos estudos
tenham sido realizados sobre sua vida e obra, principalmente acerca dos frutos de seu
encontro pessoal e teórico com Freud. As publicações de Lou Salomé sobre a teoria
psicanalítica, em geral, são escassas, e consistem principalmente de releituras em
linguagem psicanalítica de questões que já lhe interessavam antes, aprimoradas pelo
conhecimento recém-adquirido. Entretanto, ao longo dos 25 anos em que estudou e
praticou a psicanálise, Lou se destaca como a grande interlocutora de Freud e da
metapsicologia freudiana, bem como de seus próprios pacientes. Suas questões se
centram, sobretudo, na temática da sexualidade feminina, no amor e nas questões de
narcisismo e diferença sexual. Como aponta Peters (1962/1986), sua principal
contribuição para a psicanálise é a afirmação de que o fenômeno do narcisismo inclui
sempre o amor por si próprio e a submissão, temática esta abordada primeiramente
em suas obras "Reflexões sobre o problema do amor" e "O Erotismo", e que também
se fará presente em diversas de suas obras literárias, ademais de merecer um artigo
inteiramente dedicado a ela em 1921, "Narcisismo como orientação dual". Em "Sobre
o feminino", de 1914, uma resposta aos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade de
Freud", Lou reflete mais uma vez sobre a natureza feminina e a diferença entre os
sexos. Neste ensaio ela traça um novo percurso para o desenvolvimento da menina,
reinterpretando a puberdade como um momento em que a menina, em seu próprio
momento de maturação, é enviada de volta a si mesma, para um “eu” que, para a
autora, é a fusão original com tudo. Neste retorno a si, as pulsões sexuais e as pulsões
do ego da mulher se unem, por oposição ao que acontece no homem, em que elas
estão separadas e em conflito. Portanto, a mulher estaria em harmonia, como um ser
abençoado e indivisível. É válido apontar que Freud adiciona uma nota de rodapé em
"Três ensaios sobre a teoria da sexualidade" em 1920 acerca dos acréscimos realizados
pelo ensaio "Anal e Sexual" (1916) de Lou Salomé, o qual recebeu grandes elogios por
parte de Freud, que também o citou na "Conferência XX: A Vida Sexual dos Seres
Humanos" (1916-1917). Na nota, Freud qualifica esta obra da colega como "[...] um
trabalho que aprofunda extraordinariamente nossa compreensão da importância do
erotismo anal [...]" (FREUD: 1920/2006: 176). Em "Narcisismo como orientação dual"
Lou realiza um interessante estudo sobre a importância do erotismo anal nas primeiras
fases da vida da criança, importância esta que, como ressaltam Appignanesi e
Forrester (op. cit.), possui uma inflexão metafísica além e acima da inflexão
psicanalítica habitual. Neste ensaio, a psicanalista concebe o narcisismo não apenas
como o primeiro estágio da vida infantil, mas também como o complemento libidinal
Linguística
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do egoísmo, ou seja, um amor próprio primário que se estende ao longo da vida e é
muito mais generalizado e onipresente que o de Freud. Dado este panorama, este
trabalho pretende investigar aprofundadamente de que forma se deu a aproximação
entre as ideias de Freud e Lou Salomé, bem como as descobertas, reconstruções e
reformulações que tal contato possibilitou para o desenvolvimento de uma teoria
sobre o erotismo e a sexualidade feminina nas obras de ambos os autores.
Larissa Picinato Mazuchelli
Universidade Estadual de Campinas
O EFEITO DAS PRÁTICAS SOCIAIS COM A LINGUAGEM NO CASO DO SUJEITO AJ
Ao retomarmos brevemente a história da afasiologia, observamos que a linguagem
oral, até o século XIX, era reduzida a um ato motor e a escrita era vista unicamente
como simulacro da fala (cf. Santana, 2002). Essas concepções ainda estão presentes,
contudo, na literatura neurolinguística tradicional, que não apenas dicotomiza a
relação entre oralidade e escrita, mas parte das características de uma escrita
normativa padrão para avaliar a linguagem de sujeitos afásicos, geralmente de forma
superficial e com a consequente patologização de fenômenos que caracterizam
processos normais. A posição da Neurolinguística de orientação enunciativo-discursiva
(doravante, ND), em contrapartida, coloca no centro da teoria e prática terapêuticas o
sujeito enquanto atuante com e sobre a linguagem. Nela, a linguagem é um fenômeno
sócio-histórico, uma atividade humana tomada como lugar de interação e interlocução
de sujeitos, indeterminada, incompleta e passível de (re)interpretação, em que tanto o
sujeito quanto ela própria se constituem em um movimento dinâmico (cf. Franchi,
1977; Coudry, 1986/1988, Geraldi, 1990). Além disso, fundamentamos nossa discussão
nos trabalhos de Luria (1981, 1990, 1991), sobretudo na concepção de cérebro como
um Sistema Funcional Complexo (doravante, SFC), que orienta a ND: um cérebro
dinâmico, plástico e produto da evolução sócio-histórica do homem, e em alguns
conceitos importantes para a compreensão do quadro do sujeito desta pesquisa: os
conceitos de neuroplasticidade, de maneira geral compreendido como a capacidade
do cérebro de se reorganizar funcionalmente (Annunciato, 1995), e de reserva
cognitiva, aqui concebido como a capacidade cerebral de reagir a um prejuízo das
funções cognitivas superiores através do recrutamento de redes cerebrais, o que
reflete o uso de estratégias cognitivas alternativas (Stern, 2002). Esses conceitos são
relevantes, pois nos permitem justificar as variações individuais de alguns processos
linguístico-cognitivos nas afasias, e até mesmo na condição não patológica, explicando,
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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ainda que não completamente, como sujeitos com níveis distintos de letramento, por
exemplo, podem criar estratégias diferentes para driblar dificuldades impostas pelas
alterações de linguagem. Vale a pena ressaltar que essas estratégias não estão
diretamente relacionadas às experiências puramente escolares, como muitas vezes se
afirma, mas dizem respeito à relação que esses sujeitos estabelecem com os processos
de significação, ou com os signos (cf. Vygotsky, 1986). Nesse sentido, essas
considerações nos permitem colocar em cheque tanto diagnósticos quanto
prognósticos deterministas, relativos às alterações de linguagem. Considerando essa
fundamentação teórica, o objetivo deste trabalho é apresentar algumas reflexões
sobre o efeito das práticas sociais com a linguagem no caso de uma afasia progressiva,
assim caracterizada uma vez que prevalecem, no quadro, os traços que dão indício a
um agravamento dos sinais (sintomas) reconhecidamente relacionados ao chamado
“declínio cognitivo”, na literatura neuropsicológica. Dito de outro modo, nosso
objetivo é refletir, por meio de uma análise qualitativa dos dados (cf. Vygotsky, 1986)
que emergiram em situações dialógicas nas sessões individuais e no Grupo III do CCA,
sobre o efeito das práticas com a linguagem no “desenvolvimento” do quadro – e aqui
nos referimos a uma inesperada “estabilização” que foi se revelando ao longo dos dois
anos de acompanhamento. Trata-se, portanto, de uma reflexão ancorada no estudo de
caso do sujeito AJ – do sexo masculino, que tem 76 anos de idade, é brasileiro, casado,
economista e frequenta o Grupo III do CCA desde agosto de 2006. A partir da análise
dos dados obtidos nas sessões individuais e em grupo, observamos como a prática
social com a linguagem, com as atividades de leitura e escrita, por exemplo, e,
sobretudo, o alto nível de letramento de AJ, foram importantes para que o sujeito
pudesse se manter na língua(gem) e nas relações sociais, atuando, ainda que sob o
impacto da afasia e do severo comprometimento cognitivo, como sujeito de
linguagem. Procuramos discutir, em linhas gerais, como o trabalho com as
modalidades orais e escritas pode ser incorporado na prática de avaliação e
acompanhamento de sujeitos com alterações de linguagem, uma vez que a prática
social com a linguagem pode alterar, por exemplo, a “atitude de atenção” (Vygotsky,
1926), que por sua vez altera as funções psicológicas superiores. Nesse sentido, uma
discussão importante inserida na reflexão sobre o quadro de AJ diz respeito à
dicotomia entre oralidade e escrita que, segundo Corrêa (2006), baseado na teoria de
Bakhtin (1929/2003), tem sido vista por alguns como um recurso metodológico, em
que uma dimensão entre posições tidas como prototípicas de um ou de outro geram a
ideia de um “continuum de gêneros textuais”. Ao se opor a essa posição frente à
relação, o autor faz um retorno à perspectiva de Bakhtin para evidenciar a necessidade
de não fixarmos e neutralizarmos a característica determinante da noção bakhtiniana
de gêneros do discurso: sua instabilidade relativa. A discussão proposta por Corrêa é
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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interessante para os estudos pelos quais a ND se interessa por nos permitir, ao não
visar um “produto final” e não sedimentar a instabilidade relativa característica dos
gêneros, melhor compreender a relação de gêneros em diferentes tipos de
materializações (oral ou escrita) e, portanto, de recursos linguísticos utilizados nos
processos de (re)organização linguístico-cognitiva. A noção de relações intergenéricas
(Bakhtin, 1929/2003) pode ser vista como um caminho para melhor compreendermos
tanto a relação entre os elementos linguísticos mais estáveis em determinado gênero e
sua relação com outros gêneros utilizados em sua produção, como os processos de
(re)organização linguístico-cognitivo de sujeitos com lesões cerebrais. Acreditamos que
o estudo do caso de AJ dá visibilidade a esse processo e contribui tanto para o
desenvolvimento teórico acerca do funcionamento da linguagem nas patologias,
quanto para o acompanhamento terapêutico de sujeitos com comprometimentos
linguístico-cognitivos. Por fim, buscamos avaliar caminhos para novas pesquisas sobre
o tema e ressaltar como a pesquisa neurolinguística pode se beneficiar teórica e
metodologicamente ao assumir uma postura ética (cf. Bakhtin) que inclui o outro em
suas discussões. O olhar para o sujeito que busca ser entendido no processo
terapêutico com sujeitos como AJ – para quem a escrita passou a ser lugar de
(re)encontros –, é em grande medida um olhar ético que possibilita uma relação outra
entre pesquisador/pesquisado.
Laura Maria Mingotti Muller
Universidade Estadual de Campinas
SUJEITOS, HISTÓRIAS E RÓTULOS: A LEITURA E A ESCRITA DE DIAGNOSTICADOS DE
DISLEXIA
Patologias relacionadas ao processo de aquisição da escrita têm cada vez mais tido
repercussão social, o que pode ser visto pelo aumento expressivo de crianças e jovens
diagnosticados e pela crescente circulação de informações sobre essas patologias.
Exemplo disso é a incidência da Dislexia: de acordo com órgãos oficiais como a
Associação Brasileira de Dislexia, entre 5% e 17% da população mundial seria
composta por indivíduos disléxicos, número bastante expressivo para uma patologia.
Considerar que em uma sala de aula de quarenta alunos, pelo menos duas crianças
apresentam um transtorno na leitura e na escrita é alarmante, e tem repercutido em
diversos segmentos da sociedade: politicamente, vários projetos de lei que obrigariam
as escolas a oferecerem atendimentos específicos para os diagnosticados com dislexia
têm sido propostos em todo o país. Economicamente, diversos profissionais como
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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médicos, fonoaudiólogos, psicopedagogos e psicólogos têm se beneficiado com esse
novo público. Socialmente, a família e as escolas passam a atribuir ao biológico a razão
pelo fracasso no processo de ensino-aprendizagem, isentando-se da responsabilidade
(Moysés e Collares, 1992). A pesquisa de Mestrado em andamento “Crianças e jovens
diagnosticados de Dislexia: o que seus dados de escrita revelam?” apoiada pela
Fapesp, propõe o enfrentamento desse excesso de medicalização, principalmente pelo
diagnóstico de Dislexia Específica de Desenvolvimento. Para isso são discutidos os
casos de cinco sujeitos diagnosticados que estão ou estiveram em acompanhamento
longitudinal comigo sob a supervisão da Profa Dra Maria Irma Hadler Coudry e da
Profa Dra Sonia Sellin Bordin, no Centro de Convivência de Linguagens (CCazinho)
situado no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas.
A discussão desses casos e a análise de seus dados buscam: compreender o que os
sujeitos sabem, pensam e quais hipóteses constroem sobre a escrita imersas em sua
função social. Para isso, são utilizados materiais, escritos por esses sujeitos, que (i)
mostrem a relação entre fala, leitura e escrita tanto em seus acertos como nos “erros
produtivos”, que fazem, como sujeitos da linguagem, lugar de reflexão, conduzido
pelos cuidadores/mediadores, (ii) apresentem as marcas nos dados de escrita que
haviam sido interpretadas como sintomas de uma (suposta) patologia, como a
literatura sobre Dislexia descreve – tais como as substituições, inversões, omissões e
junções de letras, a segmentação não convencional, a escrita em espelho, a adição de
letras ou sílabas e a confusão de letras foneticamente semelhantes – as
reinterpretando como hipóteses naturais do processo de aquisição da escrita.
Pretende-se, por essa discussão, descaracterizar a patologia, como a Neurolinguística
Discursiva tem proposto. Secundariamente, e de forma a compreender a
contemporaneidade, a pesquisa considera os mecanismos pelos quais um diagnóstico
adquire sentido na história dos sujeitos, na escola, nas diversas avaliações clínicas e na
família e quais outros problemas ele encobre, a ponto de dificultar, e mesmo impedir,
a entrada desses sujeitos no mundo das letras. O diagnóstico é entendido pela
Neurolinguística Discursiva como um dispositivo (Agamben, 2008) que captura os
sujeitos, orienta e determina os discursos e o modo de agir da escola, da família e do
sujeito, destacadamente no que diz respeito à leitura e à escrita. Estrategicamente, o
diagnóstico de Dislexia desloca para os corpos dos sujeitos questões sociais e
desresponsabiliza a sociedade pelo crescente fracasso no ensino de leitura e escrita
que vivemos hoje. Para tanto, são especialmente relevantes: os laudos das avaliações
clínicas, os cadernos escolares e o que falam os pais, a escola e o sujeito sobre sua
suposta patologia. Esta discussão se insere no quadro teórico e metodológico da
Neurolinguística Discursiva que, desde a década de 80 (Coudry, 1988), vem integrando
– para estudar patologias e supostas patologias - um conjunto de autores que
Linguística
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comungam uma concepção de linguagem, de sujeito e de cérebro/mente. Sendo uma
Neurolinguística de abordagem discursiva, ela tem como ponto de partida teórico a
interlocução. Assim, tanto a avaliação, acompanhamento longitudinal e análise de
dados, levam em conta: "as relações que nela se estabelecem entre sujeitos falantes
de uma língua, dependentes das histórias particulares de cada um; as condições em
que se dão a produção e interpretação do que se diz; as circunstâncias histórico-
culturais que condicionam o conhecimento compartilhado e o jogo de imagens que se
estabelece entre interlocutores" (COUDRY & FREIRE, 2011, p. 23-24). Fundamenta-se
em quatro pilares: uma concepção de linguagem abrangente/pública e uma concepção
de sujeito histórico, não idealizado, constituído na e pela linguagem, baseada em
Franchi (1977); uma concepção histórica e funcional de cérebro formulada por
Vygotsky (1926; 1934), Luria (1979) e Freud (1891) e, por fim, uma metodologia
heurística ancorada no conceito de dado-achado, proposta por Coudry (1996),
compatível com o Paradigma Indiciário proposto por Ginzburg (1989) e introduzido por
Abaurre et. alli. (1997) nas pesquisas sobre aquisição da escrita. Sujeito, língua e
cérebro são entendidos como construtos humanos socioculturais. A utilização desse
aporte teórico tem possibilitado a pesquisa um olhar técnico diferente relativo ao
processo de aquisição e uso da escrita daquele comumente utilizado por áreas como a
Psicologia, a Psicopedagogia, a Fonoaudiologia e principalmente a Medicina. Tais áreas
tendem a desconsiderar fatores históricos, sociais e intersubjetivos e privilegiam a
linguagem como consequência do processo de maturação orgânica. Essa possibilidade
tem permitido que se discuta o que é da ordem do normal e do patológico em relação
às dificuldades enfrentadas pelo sujeitos em sua entrada no mundo das letras; e dá
visibilidade a dispositivos que transformam problemas sociais, enfrentados
principalmente pela escola e pela família em problemas individuais inerentes ao
sujeito.
Luciana Ribeiro de Souza
Universidade Presbiteriana Mackenzie
O ESTABELECIMENTO DA CADEIA REFERENCIAL: UMA ANÁLISE EM DIFERENTES
SEQUÊNCIAS TEXTUAIS DO ROMANCE LUCÍOLA
Este trabalho é resultado dos estudos realizados para o projeto de Mestrado "O
estabelecimento da cadeia referencial em português: uma análise em diferentes
sequências textuais", financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (FAPESP). Considerando a importante função dos referenciadores textuais
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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no processo da construção e organização do enunciado, não só por manterem a
coesão e a coerência, como também por produzirem os efeitos de sentido da
enunciação, o projeto maior tem como objetivo a verificação do modo de
estabelecimento da cadeia referencial em português, visto em relação a parâmetros
discursivos de produção. O córpus de análise da dissertação se compõe de trechos de
romances brasileiros, de diferentes épocas (a saber: Romantismo, Realismo,
Modernismo e Contemporaneidade. Sendo duas obras de cada escola literária). A
seleção das obras para exame tem sido feita a partir de leituras teóricas e de consulta
às próprias obras do tipo escolhido para que seja possibilitada uma inserção segura no
aparato de análise. Por meio de uma incursão nas diferentes sequências textuais,
busca-se examinar, na formação da cadeia referencial endofórica, a inter-relação entre
a referenciação expressa por pronomes pessoais e possessivos e a referenciação
expressa por demonstrativos (em tríade) e por advérbios pronominais (em tríade
correlata), a fim de verificar a diluição de limites entre os pontos referenciais
aparentemente fixos e inequívocos que os esquemas tripartidos sugerem. Nesse
processo, além da diferenciação por tipo textual, observam-se os diferentes
preenchimentos fóricos (e anáfora ou de catáfora, com suas subespécies): sintagma
nominal, pronome, ou zero. Busca-se ainda uma interpretação semântica e pragmática
da relação que existe entre o modo de preenchimento dessas casas e os diversos
processos intervenientes no modo de criação e manutenção da rede referencial
textual: os modos de permitir acessar e identificar os objetos de discurso que povoam
o texto; o jogo entre referenciação textual e referenciação tópica para estabelecer o
fluxo informativo; os modos de estabelecer correferenciação na cadeia de
referenciações. Por fim, busca-se interpretar discursivamente a criação de efeitos
retóricos (e seus desdobramentos), ligados à inserção de novas rotulações, ou à
manutenção das categorizações (por sintagmas nominais ou por pronomes, na
sequenciação referencial). Fornecem suporte geral para a pesquisa as bases teóricas
funcionalistas de Halliday (1994), Dik (1997), Givón (1984; 1995), Coseriu (1979, 1992)
e Beaugrande (1993), explicitados em Neves (2007; 2010). Trata-se de uma teoria que
se liga aos fins a que servem as unidades linguísticas, ocupa-se das funções dos meios
linguísticos de expressão, e entende a gramática como uma integração dos
componentes sintático, semântico e pragmático (este visto como componente direto
da produção discursiva). Quanto à teoria da enunciação nos serviram de base
Benveniste (1966) e Fiorin (1996). No que se refere aos mecanismos de coesão,
serviram de suporte principal ao direcionamento e à execução das análises: Halliday;
Hasan (1976) e Halliday (1994), tanto para o embasamento teórico-metodológico
quanto para o geral da proposta. Para as análises em português, recorremos, entre
outros, a Antunes (1996; 2005), Koch (1997; 1999; 2002; 2010) e Koch; Travaglia
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
(1989). Os primeiros estudos, em andamento, estão fixados no romance Lucíola, de
José de Alencar, 2002. O Romantismo brasileiro foi um dos primeiros movimentos
literários do país a enfatizar o nacionalismo. Embora a maioria dos autores românticos,
por terem estudado na Europa, tenha em seus trabalhos características do
romantismo português, procurou-se, em geral, expressar uma literatura com
elementos típicos do Brasil. Nesse contexto, Alencar é um dos mais representativos
nomes, pois escreveu sobre todos os temas da época (indianismo, regionalismo,
urbanismo e romance histórico), em diferentes textos. A opção por Lucíola, romance
urbano, escrito em 1862, respeitou, além da importância do autor, a aproximação
temática com uma obra modernista já selecionada, mas que ainda não está em fase de
análise, Amar, verbo intransitivo: idílio, de Mário de Andrade, escrita em 1927. O que
se propõe não é chegar, necessariamente, a conclusões ligadas as orientações
estéticas das escolas, mas verificar o jogo enuncivo-enunciativo que se monta na
cadeia referencial, segundo a diferença de sequências textuais (narrativa, descritiva,
dissertativa e injuntiva). A obra de Alencar é narrada em primeira pessoa, portanto,
muitas vezes, nos textos em estudo, verificou-se a presença de referentes de primeira
e segunda pessoa, elementos que remetem para fora do texto (referência exofórica).
Essas não se encaixam na diretriz do trabalho, pois o que se propõe é analisar os
referentes textuais (endofóricos). Por aí, observou-se que o uso de cada entidade
fórica, em sequências de todos os tipos (narrativo, injuntivo, etc.), gera um sentido que
se justifica no contexto da produção discursiva. Dessa maneira, um termo fórico, pode,
inclusive, de acordo com a intenção do enunciador, repetir-se na teia referencial para
produzir sentidos diferentes, como se pôde verificar em análises já realizadas. Nesta
apresentação, a atenção se concentrará nas marcas de referenciação demonstrativa
verificadas em sequências textuais dos tipos narrativo e dissertativo, tendo sido
verificado o maciço recurso ao uso do artigo definido, uma referenciação
demonstrativa de interpretação muito menos direta e muito mais elaborada do que a
que se manifesta no uso dos pronomes demonstrativos, na sua tripartição. Identificar
cada um dos elementos que compõe a cadeia referencial do enunciado é identificar
não só uma organização lógica, para construção do sentido, como também, em
algumas estruturas do texto, a flexibilidade das regras gramaticais impostas como
estanques. Isso permite uma reflexão sobre as várias possibilidades de uso da língua
no processo de interação verbal, um dos desideratos dos exames de linha
funcionalista.
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
Manuela Ayres Batista Benedicto
Universidade Estadual de Campinas
A LÍNGUA DE QUINTILIANO - UM RECORTE TEMÁTICO (INST. ORAT. VIII, I, 1 - III, 37)
No estudo da ars rhetorica (arte/ciência retórica), também conhecida entre os
romanos como ars dicendi (arte/ciência do dizer), a linguagem era o meio através do
qual o orador mobilizava o público com seu discurso. Segundo esse conceito, a palavra
era, portanto, o instrumento de persuasão do orador, o qual deveria manejá-la bem
para produzir nos ouvintes os efeitos desejados. A elocução, parte da Retórica que se
relaciona com as palavras, segundo Quintiliano, mestre de Retórica do século I,
envolve três “virtudes” que regem o uso da linguagem por parte do orador, a fim de
que este preserve em seu discurso o “dizer bem” característico da arte retórica: a
pureza (Latinitas), a clareza (perspicuitas) e o ornamento (ornatus). O autor, em sua
Institutio oratoria, apela para um emprego de palavras que privilegie as que sejam
latinas (“puras”), claras e ornamentadas (VIII, I, 1). É justamente sobre as propriedades
de cada virtude em palavras isoladas ou agrupadas em expressões que o autor se
alonga nos três primeiros capítulos de seu oitavo livro. O capítulo I do Livro VIII
estabelece, logo no primeiro parágrafo, uma correspondência direta entre o conceito
de elocução e suas virtudes, afirmando que, em palavras isoladas ou unidas, deve-se
buscar que sejam puras (Latina), claras (perspicua), adornadas (ornata) e corretas
(emendata). A “pureza”, na visão do autor, está relacionada ao fato de serem as
palavras latinas não apenas no que diz respeito às regras gramaticais da língua, as
quais devem ser seguidas, mas ainda na oposição a palavras não romanas ou
estrangeiras. Para os oradores da época, o latim próprio da cidade de Roma não só era
considerado a única forma de língua apropriada à arte retórica, como também parecia
superior a quaisquer outras manifestações que pudesse haver nos arredores ou no
campo, as quais soavam como estranhas e rudes. No capítulo II, em que elucida o
conceito de clareza, afirma que essa virtude se define por referir-se principalmente às
palavras e que seu primeiro sentido consiste na denominação própria de cada coisa.
Contra a clareza depõem a obscenidade (uerba obscena) e os termos chulos (sordida) e
baixos (humilia), o que, no entanto, não significa que a linguagem corrente, que muitos
acreditam ser “inferior”, deva ser evitada, pois tal impressão pode induzir a outra falta
– a de criar um discurso por demais afetado e incompreensível. A linguagem corrente
deve ser empregada justamente para garantir que o discurso cumpra no público
ouvinte as tarefas próprias do ofício oratório de ensinar, comover e deleitar, estando
desaconselhado apenas o palavreado mais chulo presente nessa forma de língua. Por
outro lado, Quintiliano também faz ressalvas quanto ao uso de uma linguagem muito
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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figurada, que exceda os limites da compreensão. Não se deve, pois, ser impreciso nem
tampouco abusar do sentido figurado das palavras, afastando-se muito de sua
denominação própria. No terceiro capítulo, o mestre de retórica passa a versar sobre a
parte da eloquência (dicendi pars) por meio da qual o orador, segundo ele, mais
alcança mérito: o ornatus, ou ornamento. Ora, Quintiliano afirma que de nenhuma
outra maneira é mais recompensado o orador, senão pelo uso adequado das palavras
e por sua escolha elegante (III, 2). Tendo já defendido no capítulo I, como
características fundamentais a serem preservadas pelo orador, quando de sua escolha
vocabular, que as palavras sejam latinas (Latina), claras (perspicua) e ornamentadas
(ornata), Quintiliano ressalta nesse momento que, dessas propriedades, a última é a
mais destacável. Em razão de sua grande preocupação com o inventário lexical dos
praticantes da arte retórica, Quintiliano apresenta no capítulo III, entre outras coisas,
suas considerações acerca do vocabulário de que deve servir-se o orador, enumerando
e discutindo aspectos lexicais que concernem à exposição do ornamento. Nosso autor
ainda retoma as advertências do capítulo anterior quanto aos arcaísmos ao tratar da
elegância, para insistir que nem todas as palavras que deixaram de ser empregadas
usualmente são recuperadas sem que haja prejuízo na compreensão da fala, do que se
pode inferir que os arcaísmos não servem em sua totalidade como recurso ao
ornamento do discurso. Quintiliano faz questão de lembrar que o traço arcaico deve
ser usado com moderação e não devem ser as palavras trazidas de volta dos lugares
mais obscuros do passado. A antiguidade das palavras nem sempre serve como fator
de embelezamento do discurso, e sim, muitas vezes, é capaz de torná-lo pesado e
incompreensível, quando em determinados casos a associação entre palavra e
referente se houver perdido ao longo dos anos. No mesmo capítulo, Quintiliano ainda
faz menção do uso de palavras novas, ou neologismos (uerba noua), opinando que tais
formas são legítimas no discurso contanto que já tenham sido suavizadas pelo uso e
não pareçam tão estranhas aos ouvidos. Além disso, o processo de criação de
neologismos tem em Quintiliano um defensor, pois, contrário aos que afirmam que ao
orador não é permitido inventar termos novos, o mestre de retórica defende tal
exercício como forma de enriquecimento da língua. Sobre os opositores, justifica que,
ao desconsiderarem a possibilidade de novas palavras serem incorporadas à língua,
são os próprios latinos os mais prejudicados, visto que atuam como “juízes iníquos”
contra si mesmos, condenando-se a padecer com a pobreza de sua linguagem (III, 33).
Para nosso autor, portanto, o desprezo por novas palavras resulta na “pobreza” da
língua, pois a impede de incorporar novas formações lexicais e, com isso, ampliar seus
domínios. Os três primeiros capítulos de sua obra retórica evidenciam o conceito de
Quintiliano sobre o emprego das palavras e mostram que, no esforço por preservar a
linguagem oratória sob os princípios da elocução, o mestre possuía uma percepção da
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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variabilidade da linguagem que o fazia selecionar, entre as possibilidades, aquilo que
era coerente com o discurso oratório.
Maria Judith Ismael Righi Gomes
Universidade Estadual de Campinas
O PAPEL DA LINGUAGEM NA FORMAÇÃO DE CONCEITOS
Este trabalho tem por objetivo refletir sobre o papel da linguagem na formação de
conceitos em um criança (RB) com hidrocefalia e agenesia do corpo caloso, em
acompanhamento longitudinal no Centro de Convivência de Linguagens, CCAzinho/IEL,
UNICAMP, realizado desde 2009 por mim e pela graduanda em Física, Maíra
Lavalhegas Hallack. Em virtude desse quadro neurológico, RB apresenta uma fala
descontextualizada e vazia de significado porque, embora tenha o domínio da sintaxe,
as palavras remetem a outras palavras sem apoio do que representam no mundo real.
O quadro teórico que embasa os estudos da Neurolinguística Discursiva e que orienta
os trabalho realizados no CCazinho assume a linguagem como um complexo de
códigos formado no curso da história social. Coudry e Freire (2005) em seu trabalho
sobre cérebro e linguagem destacam que esse caráter social e interativo é próprio da
linguagem e que é pela multiplicidade de interações sociais que se estabelecem
através dela que cada um se constitui como sujeito de seu ambiente e aprende, uma
vez que a linguagem, em situações interativas transforma esse sujeito. A aprendizagem
de conceitos que relacionam a linguagem ao mundo real não é um fenômeno já
programado na memória genética da espécie humana, mas se constitui em uma
possibilidade que é realizada pela influência do contexto social, caracterizado pela
linguagem, em que os sujeitos crescem e se desenvolvem (Mecacci, 1987). Nesta
perspectiva discursiva, que toma por princípio a interlocução, considerando a relação
entre os falantes na situação sócio-histórica em que se encontram porque determinam
as condições de produção e interpretação do que se diz (Coudry e Freire, 2010), o
CCAzinho pode atender às necessidades de RB, já que, suas dificuldades mais
importantes se relacionavam às possibilidades de manter uma interação significativa o
que a impedia de se incluir, de forma participativa, nos diversos meios sociais a que
pertence, especialmente na escola. A reflexão, bem com a orientação do
acompanhamento realizado, se baseia nos trabalhos de Freud (1891 e 1895) em que
descreve as possibilidades encontradas pelo Sistema Nervoso na aquisição da
linguagem, através das conexões e representações resultantes das atividades cerebrais
marcadas pelo contexto sociohistórico constituindo, assim, o sujeito através das
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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associações entre as representações de palavras e as representações de objeto, uma
vez que, neste caso, sente-se falta da relação entre a representação de palavra e a
representação de objeto. De acordo com esse autor, quando essa associação acontece
aparece a unidade linguística, a linguagem com o significado, o sentido. A
representação de objeto se faz por um complexo de associações visuais, acústicas,
cinestésicas e outras representações, que podem incluir algumas de conteúdo afetivo.
Portanto, o que se torna representado já não é o objeto propriamente dito, mas o
conjunto dessas associações. A representação de palavra se faz prioritariamente por
associações sonoras e motoras e em princípio, mais fechadas que a representação de
objeto, prioritariamente visuais, já que ampliam o número de associações que nela
podem ser incluídas. Quando a representação de objeto e a representação da palavra
se conectam possibilitam que o sentido da palavra aconteça, o que, por sua vez,
possibilita a formação do conceito. A contextualização significativa da atividade,
conforme discutido por Coudry (1987),foi importante, já que esta pode atualizar as
facilitações já adquiridas para a representação do objeto que determinará a aquisição
de um conceito. Ao evidenciar estas facilitações, podemos permitir que elas estejam
expostas a novas associações, já que segundo Freud (1895) a representações de objeto
permanecem sempre abertas a novas impressões, que levem o conceito espontâneo,
como esclarece Vygotsky (1934), a um status de conceito científico. De acordo com
este autor, quando um conceito se forma no pensamento do sujeito ele passa a ser
dominado voluntariamente e se incorpora a sua vida consciente e aos seus atos de
vontade. Voltamos ao Freud (1895), que afirma que a fala espontânea depende, é
claro do aprendizado acústico e motor das palavras, mas que os impulsos para esta
fala sempre são oriundos das representações de objeto bem estabelecidas, para que
não se limitem a imitações. Isto é um conhecimento essencial para as práticas
terapêuticas, já que devem excluir processos padronizados e repetitivos em função da
contextualização significativa. O estudo deste caso pode ser utilizado para refletir
sobre a condição precária de formação de conceitos que caracteriza hoje alunos
adolescentes da escola pública, que se mantêm desde as séries iniciais com
dificuldades na fala, leitura e escrita. Embora tais alunos realizem algumas associações
de objeto, em aulas práticas, por exemplo, não conseguem ultrapassar uma condição
inicial em relação à linguagem para formar conceitos científicos em seu processo de
escolarização.
Linguística
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Mariana Fernandes Pereira
Universidade do Vale do Sapucaí
ALGUNS SENTIDOS DO GUARDA CAUSO: CAUSOS NO ESPAÇO ELETRÔNICO
Este trabalho busca pensar, sob a luz da Análise de Discurso de linha francesa, alguns
dos sentidos do blog intitulado “Guarda Causo”. Ele baseia-se em um dos assuntos que
serão tratados na dissertação intitulada “A narrativa tradicional sul mineira e o espaço
eletrônico: um olhar sobre os e-causos”. Embora não seja explicado em lugar algum
por seu autor, o nome do blog traz em si significações importantes: Guarda Causo.
Para considerar como causos os textos apresentados, penso no próprio nome do blog
e no fato de que nos textos, o autor afirma que são causos. O sujeito que escreve esses
causos foi tomado pelo discurso digital, embora se signifique também nas falhas. Ele
não apenas conta causos, mas os escreve e publica no blog. Assim, o ato de contar
causos se ressignifica, a interlocução se modifica e a relação do autor com o leitor
também. Dias (2011), ao tratar da linguagem da internet, afirma que esse
funcionamento passa certamente pela oralidade. É um funcionamento escrito da
língua que inscreve a oralidade: “escritoralidade” tal como define Orlandi. Mesmo que
haja equivalência entre oral e escrito na escrita digital, essa forma de escrita não passa
por uma “representação” do oral, mas pelo “simulacro” da oralidade, no sentido de
criação, e não de imitação. Cria-se uma escrita que dá conta da oralidade. E que tem
uma corpo-oralidade específica: a corpografia. A língua em meio eletrônico não
significa por ser somente escrita ou somente oralidade, mas por se constituir, em certa
medida, por ambas as formas de uma maneira nova. As mudanças emergem quando a
letra passa a significar, principalmente, a voz do sujeito que narra o causo e quando
essas histórias passam a se inscrever na memória metálica, que é entendida por
Orlandi (2006) como sendo a memória que é constituída por um meio eletrônico,
como TV ou computador, no qual os textos são produzidos em outra materialidade
(eletrônica, digital). A escrita é estruturante da interação pela internet, mas há grande
presença da oralidade, marcada de novas formas nesse meio, como os emoticons,
imagens, sinais gráficos, as faltas na pontuação, abreviações, chamados “erros de
digitação” e até novas palavras. Uma característica do ambiente digital é a evidência
do que Dias (2011b) chama de “possibilidade de aperfeiçoamento do sujeito”, uma vez
que pela escritura, o sujeito tem a oportunidade de retocar quando quiser seu texto ou
seu avatar. Haveria, então, uma possibilidade infinita de mudança ou
aperfeiçoamento. Porém, o que observo no Guarda Causo não é a impossibilidade
desses funcionamentos, mas, a não utilização dessas ferramentas em alguns
momentos. Talvez por isso seja possível que se encontrem trechos como: “Pequeno e
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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magro. Euclides é caboclo inteligente e trbalhador. Conhecido pelos mais íntimos
como 'Seu Cride. Ele é o que se pode chamar de "um pé de boi" para no serviço.”
(Causo “Corpo Seco” – grifo meu). É possível se reescrever, é possível apagar e fazer
de novo. Mas o sujeito permite-se aparecer em letras trocadas. Outros sentidos que
emergem do nome Guarda Causo vêm da forma do verbo “guardar”, que dá origem
aos substantivos guarda-roupa e guardanapo, mas vai além desse sentido. Percebo
que o Guarda Causo carrega em si não somente a missão de ser “abrigo, amparo,
cuidado, proteção” aos causos contados, mas que traz também a presença do autor na
forma do guarda e a questão militar – que remete à forma como o autor do blog
levava a vida antes de se aposentar. Essa sentinela cuida e abriga os causos e a forma
que ele encontra para garantir isso é o blog. O movimento de colocar os causos na
internet pode ser uma forma de garantir que essas narrativas estarão a salvo do
esquecimento e da derrota quando competirem com as tecnologias de comunicação,
garantindo que possam funcionar juntas. Isso acontece, pois uma das evidências
produzidas pelo rápido crescimento das tecnologias é a de que o mundo digital tende a
tomar o espaço antes dedicado a outras atividades, fazendo com que elas se extingam.
E outro movimento que acontece, quando se publicam os causos no blog, é o de que
as memórias, ressignificadas em causos passam a ser outra vez ressignificadas nos e-
causos. Ele está contando coisas “que já foram contadas e até escritas, com mais
‘engenho e arte’”, mas a forma como faz isso está carregada de significações. Da
mesma forma que todos os sujeitos, embora capturados pela discursividade do
eletrônico, podem resistir, deslocar sentidos (Dias 2011b) ou ainda, como acrescento,
colocar-se aí de maneira ambígua. Isso porque, embora compartilhe do discurso e
escreva a partir da evidência do virtual ou tecnológico, o sujeito do Guarda Causo o faz
de forma extremamente particular. Uma forma que se significa por sua historicidade,
como “velho coronel” ou “velho aposentado”, duas formas pelas quais ele refere-se a
si mesmo, resistindo à evidência de que o discurso das novas tecnologias seja lugar
exclusivo de tudo o que é novo. Resiste, então, a diversas filiações desse discurso,
desloca sentidos, coloca-se no mundo digital e, por isso, acredito que funcione de
forma ambígua.
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Mariana Pini-Fernandes
Universidade Estadual de Campinas
LATINE LOQUI ELEGANTISSIME: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DEFESA DA LATINIDADE
NO DIÁLOGO BRUTUS
Marco Túlio Cícero é considerado uma das mais importantes autoridades latinas. Disso
podemos deduzir uma constatação simples: que seu saber é socialmente reconhecido
entre os autores que produziram em latim. Essas duas dimensões de Cícero
(autoridade e língua) se apresentam imbricadas em seu diálogo Brutus. Nessa obra, em
que o Arpinate retraça evolutivamente a história dos maiores oradores, é o domínio do
latim que o investe do direito à cidadania entre os mestres da eloquência. Cícero, que
obteve em 63 a.C. o título honorífico de pai da pátria (pater patriae) do Senado
romano, apresenta nesse texto uma defesa da retórica latina que se configura
igualmente como uma defesa do futuro de Roma. É importante termos em mente o
contexto de produção do Brutus: o retórico redigiu sua obra provavelmente nos
primeiros meses do ano 46 a.C., período em que se dá a vitoriosa campanha de César
na África. Esse empreendimento das armas romanas terá fim com a derrota do
exército de Pompeu em Tapso e o suicídio de Catão, sogro e grande amigo de Bruto,
em Útica. Assim, é na situação do fim da República romana e de sua tradição oratória
(que, segundo o retórico, desmoronavam com o triunfo de Júlio César) que Cícero
compõe o Brutus. De acordo com a interpretação do Arpinate, a ditadura de César
representou um período de expressivo declínio da eloquência e, consequentemente,
de seu emprego nas atividades do fórum: em razão do fim da antiga constituição e dos
decretos ditatoriais, que baniam as discussões livres, houve restrição da liberdade
política e numerosos oradores preferiram calar-se em decorrência da guerra civil. O
domínio do ditador significou, portanto, a dissuasão dos debates abertos. A eloquência
perde, dessa forma, muito de sua função. Cícero, que havia dado suporte a Pompeu,
abandona-o e se refugia em Brindisi após a Batalha de Farsália. Paralelamente, as
tendências oratórias estavam passando por profundas transformações, firmavam-se
novas orientações para o aticismo, com maior simplicidade e concisão que sua versão
precedente. Essas novas inclinações conflitavam com a oratória ciceroniana,
caracterizada pela abundância de rebuscamentos da forma – produto de sua herança
asianista. A eloquência de Cícero era acusada, portanto, de ser redundante e prolixa
(copia uerborum) e de estar mais voltada aos efeitos do ritmo e da sonoridade . O
Brutus foi uma oportunidade para que o Arpinate pudesse enfrentar, nas letras, as
adversidades políticas que obstruíam suas ambições republicanas. Esse trabalho
oferece um ponto de vista da história que canoniza a figura de Cícero no interior da
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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cultura latina como télos, isto é, lugar para onde se destinaria toda a oratória romana.
Trata-se de construir um ideal concebido em unidade político-retórica: uma República
feita de discussões públicas. A narração de Brutus se passa em um período
contemporâneo ao autor e seus interlocutores e parece servir como continuação da
obra retórica anterior de Cícero, o De oratore, na tentativa de fornecer um ideal de
eloquência através de um traçado histórico. Assim, a partir de sua narração dos
sucessivos exemplos da tradição retórica, o Brutus apresenta, através da figura do
próprio Arpinate, o ideal de orador. Para que a ambição de se colocar como auge e fim
da cultura romana não o fizesse advogar em causa própria de maneira ingênua, Cícero
escolhe compor seu trabalho a partir de um gênero híbrido: a história da cultura e da
arte oratória latina é apresentada em forma de um diálogo filosófico. O gênero teria
em seu horizonte personagens e eventos conhecidos da audiência, e isso exigiria
verossimilhança; amparado pela tradição do diálogo platônico, a licença da ironia
imbui a própria escolha dos interlocutores do Arpinate na narração. A partir dessa
concepção, o autor pode vincular-se às questões de seu tempo. A obra, que em
princípio pareceria isenta de questões políticas, apresenta-se mobilizada a esse
respeito ao se situar no curso intelectual que é traçar os feitos da oratória romana.
Ora, para Cícero, um grande orador seria superior a generais que não valem nada. É
nosso interesse refletir, portanto, sobre a enorme dignidade que o autor confere à
Latinitas (Latinidade) e a forma como sua discussão se conecta a propósitos políticos,
particularmente no que diz respeito a César. Assim, a Latinitas não deve ser tomada,
na história ciceroniana da retórica, somente em sua concepção estreita: como
geografia (referência ao Lácio), enquanto língua (mera adoção do que chamaríamos,
hoje, um sistema de signos) ou simplesmente na condição de sinônimo para a
natividade romana. O orador de Arpino é um ambicioso político e o conceito de
“latinidade” é uma abstração que inclui e ultrapassa tais fronteiras em direção a seu
horizonte constitutivo, que é a civilização romana. Sendo assim, planejamos analisar
brevemente em nossa apresentação, o modo como, justamente num momento crítico
da cultura romana, Cícero se volta ao passado e aos ancestrais de sua arte para
advogar em favor da latinidade eloquente dos debates públicos republicanos.
Refletiremos sobre as implicações políticas da seleção de exempla do orador ideal
latino. Em decorrência do debate sobre a eloquência e particularmente da Latinitas,
nosso objetivo seria identificar os movimentos relacionados ao que chamaríamos hoje
de “política linguística” da Antiguidade romana no interior da composição do cânone
oratório do Brutus.
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Michelli Alessandra Silva
Universidade Estadual de Campinas
SUJEITOS E LINGUAGEM NA SÍNDROME DO X-FRÁGIL: ENFRENTANDO DISPOSITIVOS
À LUZ DA NEUROLINGUÍSTICA DISCURSIVA
Há um movimento, desde os primeiros estudos com a dissecação de animais, pela
busca de indícios corporais que comprovem o que é observado nas ações e
comportamentos humanos, principalmente para diagnosticar possíveis doenças e suas
curas. O corpo humano, assim, tornou-se objeto de estudo, lugar e prova material das
patologias. Em minha pesquisa de Doutorado (CEP: 988/2010) tenho observado que
esse mesmo movimento vem acontecendo em relação às patologias (as que são de
fato e as que não são) em que a linguagem está envolvida. Uma dessas patologias é a
Síndrome do X-Frágil (que será referida como SXF), doença hereditária ligada ao
cromossomo X, considerada a segunda etiologia genética de retardo mental –
superada somente pela Síndrome de Down. Nota-se que os estudos realizados na área
focalizam, sobretudo, as características clínicas dos portadores da síndrome, porém
constata-se a falta de estudos mais aprofundados sobre seus desdobramentos no que
diz respeito ao desenvolvimento da linguagem, mais especificamente, ao processo de
aquisição e uso da fala/leitura/escrita, o que resulta, quase sempre, em uma
concepção reduzida e equivocada de linguagem na qual são baseadas todas as
condutas escolares e terapêuticas. Outra preocupação reside no fato de que, muitas
vezes, o “tratamento” indicado para a SXF é a associação de terapias multidisciplinares
com psicofármacos (indicados para comorbidades como a Hiperatividade e o Déficit de
Atenção), que alteram a dinâmica cerebral e têm efeitos sobre o processo de
aprendizagem. Neste trabalho apresento uma reflexão sobre o discurso científico
veiculado em diferentes publicações (artigos científicos, textos em sites de associações
e entidades relacionadas à patologia, bem como textos publicados em sites de eventos
e conferências) sobre a SXF. Com base em algumas obras de Foucault, analiso como
essa patologia é descrita pela área médica, especialmente em relação ao
desenvolvimento da linguagem, quais efeitos de poder/saber são produzidos por esse
discurso e suas implicações. Tendo isso vista, acompanho o processo de aquisição e
uso da fala, leitura e escrita de três sujeitos portadores da síndrome - PM (12 anos), AS
(15 anos) e RC (19 anos) - em sessões semanais individuais (1h de duração). PM e AS
também são acompanhados em sessões semanais em grupo (2h de duração), no
Laboratório de Neurolinguística (LABONE/IEL/UNICAMP). Ambos fazem parte do
Centro de Convivência de Linguagens (CCazinho), grupo que tem como proposta
acompanhar e compreender o processo de entrada no mundo da leitura e da escrita
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
de crianças e jovens que receberam um diagnóstico (dificuldades de aprendizagem,
dislexia, problemas no processamento auditivo, deficiência mental), que produz
efeitos negativos em sua escolarização e em sua vida. A metodologia adotada é de
natureza heurística e tem por fundamento o conceito de dado-achado, formulado por
Coudry (1996). Assumem-se também neste estudo os pressupostos teóricos
formulados pela Neurolinguística Discursiva (ND), que se fundamenta na variação
funcional do cérebro determinada pela contextualização histórica dos processos
linguístico-cognitivos (VYGOTSKY, 1987; 1997; 1998; LURIA, 1981), se diferenciam
radicalmente de uma visão de funcionamento cerebral médio e padrão para todos os
falantes de uma língua natural. Na ND, são especialmente articulados a hipótese da
historicidade e indeterminação da linguagem e os conceitos de trabalho e força
criadora, formulados por Franchi (1992). Benveniste (1972) e Jakobson (1972; 1975)
são autores-âncora em relação aos conceitos de (inter)subjetividade e dos níveis de
funcionamento da linguagem. Luria (1981) e Freud (1891) são incorporados por sua
aproximação no que diz respeito ao funcionamento dinâmico e integrado de
cérebro/mente, em que a linguagem está representada em todo o cérebro e não
localizada em suas partes/centros. Também se destacam os conceitos de dispositivo
de Foucault (1994) e contradispositivos de Agamben (2009). Partindo desses
pressupostos, busco identificar as dificuldades linguísticas desses sujeitos de forma a
apontar aquilo que pode ser patológico, o que faz parte do processo normal de
aquisição e uso da fala/leitura/escrita e o que pode estar relacionado a outros fatores.
Algumas análises são apresentadas de forma a contrapor os dados observados com o
discurso determinístico da área médica. Com base no duplo caráter da linguagem
discutido por Jakobson (1975), é possível dizer que PM, AS e RG têm dificuldades em
combinar, ordenar signos linguísticos ou entidades linguísticas mais simples em
unidades mais complexas – em PM isso é mais aparente na fala, e em AS e RG isso é
mais aparente na escrita. Em relação à fala de PM as palavras dotadas de funções
puramente gramaticais são raras, dando lugar a um estilo “telegráfico” de fala; dessa
forma, fica limitado ao grupo da substituição, isto é, quando o contexto é falho, usa as
similitudes. Em relação à escrita, AS e RG têm dificuldade para (de)compor a palavra
em seus elementos fonológicos; dificuldade em relação ao domínio da construção da
palavra, o que afeta a ordem dos fonemas e suas combinações. No entanto, o que se
verifica é que há um trabalho integrado do cérebro e da linguagem desses sujeitos nas
atividades que lhes são propostas; e, em situações de interação, o papel do outro
mostrou ser de extrema relevância para que essas dificuldades fossem ultrapassadas –
fato que tem corroborado com as contribuições de Vygotsky (1997) sobre a
importância da mediação do outro e da linguagem para que a criança penetre num
universo de significações. Ressalta-se a importância de olhar o sujeito para além da
Linguística
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patologia, focalizando sua relação com a linguagem em sua história de vida e sua
relação com o mundo e o tempo em que vive; uma forma de enfrentar os dispositivos
que determinam o que é e o que não é doença. Uma forma de enxergar possibilidades
para além dos déficits e transtornos estabelecidos de antemão, para que as condutas
terapêuticas e escolares não mantenham esses sujeitos no lugar do não sentido, no
lugar da impossibilidade de aprender.
Natália Luísa Ferrari
Universidade Estadual de Campinas
O PERCURSO METAFÓRICO DOS DÊITICOS DISCURSIVOS NA FALA DE SUJEITOS
AFÁSICOS E NÃO AFÁSICOS
A presente pesquisa de Mestrado intitula-se “O percurso metafórico dos dêiticos
discursivos na fala de sujeitos afásicos e não afásicos” e realiza-se sob orientação da
Profª Drª Edwiges Maria Morato, com financiamento da agência CAPES. Essa pesquisa
consiste no desdobramento de uma Iniciação Científica acerca das funções referenciais
do dêitico espacial (nº do processo: 111049/2012-5 CNPq), na qual foi realizada a
constituição e análise de um corpus de dados conversacionais entre afásicos – sujeitos
que apresentam problemas de linguagem oral e/ou escrita, decorrentes de lesões
cerebrais causadas por acidentes vasculares cerebrais, tumores e traumatismos
crânioencefálicos (MORATO, 2010) – e não afásicos extraídos das reuniões do Centro
de Convivência de Afásicos, situado no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL –
UNICAMP). Para a constituição do corpus, que também será utilizado em nossa
pesquisa de Mestrado, procedemos à transcrição de ocorrências dêiticas espaciais a
partir dos registros audiovisuais de 22 encontros do CCA, o que perfaz um total de 44
horas. Tais registros pertencem ao Aphasiacervus, acervo de dados linguístico-
interacionais, que constituem os corpora de pesquisas coordenados pela Profª Drª
Edwiges Maria Morato junto ao grupo do CCA pelo qual é responsável. As ocorrências
dêiticas que analisamos evidenciaram o caráter multifuncional do fenômeno, o que
expande e questiona arrazoados de autores do campo da Afasiologia, como Lesser e
Milroy (1996) e Ahlsén (2006), para os quais os dêiticos compareceriam no contexto da
afasia essencialmente como uma espécie de estratégia compensatória para a
deficiência metalinguística desses sujeitos. Em nossa pesquisa, adotamos a concepção
de dêixis trazida por Marcuschi (1997), para o qual o fenômeno, presente em todas as
línguas naturais, tem uma função contextualizadora da fala e da escrita, fazendo
diversas exigências ao conhecimento partilhado pelos falantes. O autor também faz
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menção à chamada dêixis discursiva (doravante DD) – para a qual voltamos nosso
interesse na pesquisa de Mestrado – responsável pela criação de uma perspectiva
comum aos interactantes no texto, concebido como um espaço onde se localizam
conteúdos e proposições às quais se refere. Marcuschi (1997) considera esse uso
dêitico como uma estratégia de monitoração cognitiva da qual os falantes lançam mão
no curso da interação. Ainda sobre a DD, Cavalcante (2000) pontua que o fenômeno
envolve uma metaforização do espaço dêitico através da transposição das
coordenadas do ambiente físico da conversação para o texto. A autora também faz
menção ao fato de os dêiticos espaciais de função discursiva apresentarem,
metaforicamente, um sentido temporal – fato já observado por outros autores no
campo da Linguística, como Lyons (1975) e Levinson (1983) – sendo seu ponto de
referência o momento de sua inserção no texto para a focalização da atenção dos
interactantes. Dessa forma, podemos observar diferentes graus de metaforicidade no
estabelecimento da dêixis discursiva. Em nossa pesquisa de Iniciação Científica, a fim
de abarcar as diferentes funções referenciais dos dêiticos espaciais encontrados,
classificamos as ocorrências de nosso corpus em 1) prototípico, 2) discursivo e 3)
metafórico (FRAGOSO, 2003). Com relação ao caráter meramente compensatório
atribuído ao uso dêitico por parte de afásicos, as ocorrências que observamos
revelaram seu caráter referencial, bem como sua contribuição para a coesão,
seqüencialidade, organização do tópico conversacional e estruturação do evento
comunicativo de indivíduos afásicos e não afásicos. Consideramos que o uso dêitico
por parte de sujeitos afásicos e não afásicos observado em nossa pesquisa revela o
caráter intersubjetivo – pelo compartilhamento de sua prática pelos interactantes – e
perspectivo de sua fala – pelas diferentes propostas de sentido que um mesmo
elemento dêitico pode cumprir a depender da perspectiva da interação em andamento
(TOMASELLO, 2003). Em nossa pesquisa de Mestrado, procederemos ao
aprofundamento da análise dos contextos de emergência dos dêiticos que
classificamos como discursivos e metafóricos na fala de ambas as populações
focalizadas em nossa pesquisa. Essa análise nos permitirá uma melhor percepção do
percurso metafórico de tais dêiticos, tanto pela concepção do texto como um espaço
onde se localizam conteúdos e proposições, quanto pelo licenciamento de uma ideia
de tempo através do sentido de espaço das ocorrências presentes em nosso corpus de
pesquisa. Uma vez que os dêiticos são concebidos, no âmbito de nossa pesquisa, como
elementos contextualizadores da linguagem, o fenômeno, a nosso ver, evidencia a
participação do contexto na explicação do sentido. Autores como Hanks (2006) e Van
Dijk (2012) consideram a construção da categoria do contexto a partir dos julgamentos
de relevância por parte dos interactantes. Pensamos que essa característica atribuída
ao contexto nos auxiliará na análise da emergência dos dêiticos discursivos, que
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constroem ou invocam seu cenário de relevância (HANKS, 2008) a partir da focalização
de determinados conteúdos e proposições na criação de um foco de atenção comum
no texto. Como mencionamos anteriormente, existem diferentes graus de
metaforicidade no percurso realizado pelos dêiticos espaciais no estabelecimento de
sua função discursiva que buscamos investigar. Dessa forma, as tarefas às quais
pretendemos nos dedicar na pesquisa de Mestrado são: i) aprofundamento acerca do
percurso metafórico e os diferentes graus de metaforicidade apresentados pelos
dêiticos encontrados na fala de sujeitos afásicos e não afásicos e classificados como
discursivos e metafóricos, bem como ii) uma melhor percepção, entendimento e
qualificação das funções referenciais desses elementos na produção e interpretação de
sentidos nas situações conversacionais focalizadas. Em nossa pesquisa, que será
realizada a partir de uma perspectiva sociocognitiva, procuraremos considerar
aspectos linguísticos e cognitivos da significação em seus contextos pragmáticos e
interacionais, assim como nos mostram os trabalhos de Marcuschi (1997), Moura
(2002), Vereza (2007) e Morato (2008). É importante ressaltar que buscamos explicar a
questão da referência dêitica não apenas pela sua importância dentro dos contextos
de afasia, mas principalmente pelo fato de o caráter referencial da dêixis colocar-se
como uma questão fundamental para os estudos linguísticos.
Nayara da Silva Camargo
Universidade Estadual de Campinas
MORFOSSINTAXE DA LÍNGUA TAPAYÚNA: ALGUNS PONTOS PARA DISCUSSÃO
A língua Tapayúna pertence à família Jê (Macro-Jê). É falada por um povo de mesmo
nome e estão localizados na aldeia Kawêrêtxikô às margens do rio Xingu na Terra
Indígena Kapôt-Jarina. No mestrado foram analisados alguns aspectos fonológicos da
língua, nesta análise, propus os seguintes fonemas: 10 fonemas vocálicos orais (/i/, /˝/,
/u/, /e/, /´/, /e/, /o/, /E/, /ø/, /O/, /a/) e 06 fonemas vocálicos nasais (/î/, / )̋/, /û/, /ê/,
/ô/, /å)/). A língua apresenta 15 fonemas consonantais, que são: (/t/, /Ê/, /tS/, /j/, /h/,
/hw/, /kw/, /N/, //, /n/, /tw/, /m/, /w/, /|/, /k/). Na pesquisa de doutorado pretendo
expor a descrição de alguns Aspectos da Morfossintaxe da língua Tapayúna.
Procuramos descrever a língua Tapayúna através de uma visão Tipológica – Funcional,
tendo em vista descrever, grosso modo, “a forma e a função” dos termos encontrados
na língua em questão. Aspéctos morfológicos: Até o momento, foram identificadas, as
seguintes classes gramaticais da língua Tapayúna. Nomes: através de critérios
morfológicos percebemos que os nomes na língua (i) recebem traço [+ humano]; (ii)
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admitem sufixos tais como: {-je (plural); -re (diminutivo); -txi (aumentativo)}. Por
exemplo: (01) ntàjtxi ‘pica-pau grande (espécie)’ cf. ntàj� ‘pica-pau’. De acordo com
critérios sintáticos o nome pode ocorrer (i) como núcleo de locução nominal (LN) nas
posições de sujeito e de objeto; (ii) como objeto de sujeito de posposições e locuções
posposicionais; (iii) predicado de orações não verbais. Seguem os exemplos: (02)1 kôk
na itha we re tyry/“o vento está soprando forte”. Categorias de Posse: manifestam-
se morfológica e sintaticamente: Nomes não possuídos: esses nomes não ocorrem
como núcleo de Locução Genitiva, por exemplo: (03) na/“chuva”. Nomes
inalienávelmente possuídos: ocorrem com seu possuidor. (04) i-krã/“minha cabeça”.
Nomes alienávelmente possuidos: segundo SANTOS (1997) os nomes alienavelmente
possuídos ocorrem com a presença de morfema {o} “posse” o qual é localizado entre o
termo que exprime o item possuído e aquele que manifesta o possuidor. É codificado
pelos mesmos recursos usados na posse de nomes inalienáveis. Formação de nomes:
Os nomes podem ser formadas a partir de vários critério: nome + adjetivos, nome +
verbo, por exemplo: (05) nome + adjetivos: nkere “tio” + tûwû “velho” = ngeretûwû
/“avô”; (06) nome + verbo: hwîtô “folha” + tôgô “pintar” = hwîtôtôk /“escrever; folha
de A4”. Pronomes: até o momento encontramos os pronomes “dependentes”, aqueles
que estão fixos em nomes e verbos e os pronomes independentes, aqueles que
ocupam lugar do nome ou do LN dentro da sentença. Os pronomes dependentes são:
1ps=i-; 2ps=a-; 3ps=º. Os pronomes independentes saão: 1ps= wa; 2ps=ga; 3ps=itha;
1pp = goa /gowa; 2pp= ajka; 3pp=ithaje. Demonstrativo: Os demonstrativos refletem
diferentes graus de proximidade em relação ao falante e ao ouvinte. Próximo ao
falante: itha (singular), itha-je (plural); Próximo ao ouvinte: atha (singular), atha-je
(plural); Afastado do falante e do ouvinte: nira (singular), nira-je (plural). Adjetivos:
assim como no Kinsêdjê (Suyá), no Tapayúna os adjetivos também podem receber
marca de pronomes, eles ocorrem também codificando o possuidor junto a nomes,
junto ao sujeito com verbos em forma longa, junto a objetos de verbos e junto a
posposições. Exemplo: (07) i-kankro/“meu sangue é vermelho”. Verbos: Funcionam,
prototipicamente, como predicado. Suas principais formas são os verbos Transitivos
(permite 2 argumento: sujeito e objeto) e Intransitivo (permite 1 argumento). O
Tapayúna possui tipos de formas verbais, porém essas formas ainda não estão
completamente fechadas. Segundo Santos (1997), o Suyá apresenta dois tipos de
verbos: aqueles com duas formas (FA e FB) e outros que não sofrem alteração (de
acordo com o autor, estes estão em menor número). Os verbos tipo FA podem ocorrer
(i) com negação; (ii) com futuro –mã (final de frase) e (iii) aspecto progressivos. Já os
1 Por motivos estruturais do resumo, os exemplos contam apenas com a frase na língua e a tradução livre. Estes estão separados por (/).
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do tipo FB ocorrem (i) sem negação (ii) no tempo não-futuro e (i) aspecto não
progressivo. Seguem alguns exemplos: (08) tEw itha thê/“o peixe está
nadando”, (09) i-nkrere kêrê/ “eu não canto”; (10) nkàtyrej itha nkere/“esta
criança menino está cantando”, (11) wa nkre/“eu cantei”. Partículas: wã (futuro –
final de frase), ra / na (marca de sujeito / Tópico), progressivo: verbo FA+ro+verbo
posposicional, habitual: wêri. Por exemplo: (12) itha tûkhre ja hogo/“ele furou a
orelha”; (13) itha ra khà khã ta/ “ele cortou a pele”; (14) rowtxi ra nko roj
kõ/“onça está bebendo água”; (15) i-kõno katàkà wêri/“meu joelho é ruim; o joelho
dolorido (sempre)”. Advérbio: não recebe marca em seu radical, pode vir tanto no
início quanto no final da frase. Os advérbios encontrados até o momento são: nîhaj
(longe), guwêj (muito), a-hwere (mal), tot (perto), wãkatxi (longe), kã (locativo), katxi
(muito). (16) ajankrotxi kuwêj/ “tem muita poeira”. Posposição: até o momento
encontramos as seguintes posposições: kot (comitativo), kã (locativo). Aspectos
Sintáticos: Subconstituintes das orações: as orações podem conter vários
subconstituintes que podem ser identificados, em parte, pelo tópico (-na ~ -n) e pela
partícula de marcação de sujeito {ra}. Locuções nominais: pode ser um nome; um
pronome independente; demonstrativo de pessoa. Locução Genitiva: nomes
possuíveis das classes alienáveis ou inalienáveis com modificador ou com pronomes
dependentes. Outros modificdores: adjetivo; demonstrativo. Locução verbal: verbo +
modificador. Orações independentes: Orações verbais: intransitivas (SV-1argumento),
intransitivas estendidas (OBL.), transitivas (AOV-2 argumentos), transitivas estendidas
(OBL.). Orações não verbais: identificadoras, equativas, existenciais, possessivas, As
orações intransitivas: (SV). As Orações Transitivas: (AOV). Orações Nominais:
indentificadoras, equativas, locativas / Existenciais, possessivas. As interrogativas:
palavras interrogativas: nhûm “quem”. (17) wa nrã/“eu cantei”; (18) itha tûkhre ja
hôgô/ “ele furou a orelha”; (19) nhûm na kûwa/“quem está ouvindo?”. A intenção
deste trabalho é expor pontos da pesquisa, a qual está em andamento, e angariar
auxílio na descrição da língua Tapayúna.
Linguística
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Nordélia Costa Neiva
Universidade Federal da Bahia
O TRATAMENTO DA COERÊNCIA TEXTUAL NOS LIVROS DIDÁTICOS: ANÁLISE DE
DADOS
A coerência textual apresenta-se como um princípio de interpretabilidade do discurso,
conforme Charolles 1983 (Apud KOCH ; ELIAS, 2008). Assim, pode-se conceber a
coerência textual como um processo de produção de sentidos em que interagem
autor-texto-leitor, no dizer de Koch e Elias (2008, p. 186), que salientam: “[...] a
coerência não está no texto, mas constrói-se a partir dele.”. A construção da coerência
envolve, desse modo, conhecimentos variados, tais como linguísticos, enciclopédicos,
socioculturais, dentre outros. Dessa forma, chaga-se à formulação da hipótese que
orienta este trabalho, qual seja: a de que o tratamento da coerência textual nos livros
didáticos não evoluiu, acompanhando as teorias que tratam do texto. O trabalho que
ora se apresenta tem como objetivo analisar a abordagem dos livros didáticos de
língua portuguesa no que tange ao tratamento da coerência nas atividades de
compreensão textual, buscando estabelecer uma relação entre a proposta do manual
do professor e o que efetivamente ocorre na elaboração das questões de
compreensão textual. O corpus básico a ser analisado compõe-se de uma amostra de
atividades de compreensão textual, retirada de livros de língua portuguesa do Ensino
Fundamental II, especificamente o 8º e o 9º anos, visto que nesses segmentos
conseguimos visualizar uma maior diversidade dos gêneros discursivos. Selecionamos,
assim, para a presente pesquisa, as coleções: Português Linguagens, de William
Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, Diálogo: Língua Portuguesa, de Eliana
Santos Beltrão e Tereza Gordilho e Projeto Radix: raiz do conhecimento, de Ernani
Terra e Floriana Toscano Cavallete.Utilizamos, como se pode visualizar no final de cada
exemplo, uma chave de codificação para facilitar a localização da pergunta, no livro ou
nos anexos. A proposta de construção desta pesquisa está pautada nos princípios
teóricos da Linguística Textual (doravante LT), linha de pesquisa que surge nos anos 60
do século XX, na Alemanha, especificamente, na perspectiva de seu quarto momento,
denominado por Heine (2008, 2010, 2011) de fase bakhtiniana, tomando como base
teórica, algumas das reflexões de Bakhtin, na medida em que esse filósofo considera a
enunciação como o traço eminentemente social e não individual, valorizando a palavra
como “motor que veicula, de forma privilegiada, a ideologia” (BAKHTIN, 1997, p.17).
Preconiza-se, conforme Heine (2012, no prelo), um sujeito dialógico, que embora
esteja marcado pela história, age de modo ativo no processo de enunciação. Procedeu-
se, para a análise que ora se apresenta, a um levantamento da concepção de coerência
Linguística
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nas atividades de compreensão textual, montando um quadro comparativo de
perguntas classificadas, conforme Marcuschi (2008, p. 271) e Heine (2011), em: cópias,
inferenciais, metalinguísticas, mistas, e perguntas que exigem respostas pessoais. As
duas primeiras foram tomadas diretamente de Marcuschi (2001); as duas últimas
foram retomadas de Heine (2011). Reitere-se, que, para melhor aplicação a essa
pesquisa, realizou-se uma ampliação da definição das perguntas do tipo
Metalinguística em Marcuschi (2001) e em Heine (2011), promovendo, assim, uma
adaptação do quadro de tipologia de questões a serem utilizadas para a presente
pesquisa. Utilizamos, como se pode visualizar no final de cada exemplo, uma chave de
codificação para facilitar a localização da pergunta. As questões de Cópia, doravante
(C), possuem um número elevado, mas as questões de Inferência (I) também
demonstraram avanço significativo. Tal procedimento chama a atenção para o fato de
que, sabendo que o uso relevante de C conduz a um tratamento da coerência como
propriedade a ser retirada do texto e que as questões de cunho inferencial parecem
promover a oportunidade de um tratamento da coerência como princípio de
interpretabilidade discursiva, nos termos de Charrolles (1987), a análise desses
extremos permite delinear um quadro desse fenômeno nos livros didáticos das
primeiras décadas do século XXI e estabelecer uma comparação com resultados da
pesquisa do grande mestre Marcuschi, no final do século XX (1996). As questões
Metalinguísticas (Metaling) mostram que a compreensão textual ainda se prende
muito aos aspectos gramaticais, que têm sua importância, mas não são únicos. As
Perguntas que exigem respostas pessoais( Pps) nos ajudam a refletir acerca do
posicionamento do aluno diante da interpretação textual, chamando a atenção para o
fato de que, como salienta Marcuschi (1996, p.69), “o aluno escreve sua opinião
individualmente e tudo fica como está”, ou seja , a interpretação exigida do aluno não
estabelece um liame com a abordagem textual. Finalmente, as Mistas (M) nos trazem
a oportunidade de entrever um processo de mudança de postura que, reconhecemos,
“é lenta e gradual”, visto que deixa transparecer o desejo de portar-se de aordo com
os padrões de exigência da proposta do livro. Foram analisadas 778 perguntas, das
quais 32% foram Inferenciais, 28% Metalinguísticas, 27% de cópias, 10% Perguntas que
exigem respostas pessoais e 3% de Mistas. Observando a questão da coerência textual,
podem-se visualizar os indícios de avanço, ao se fazer uma comparação com os dados
de Marcuschi (1996), especificamente nos extremos com que estamos trabalhando, a
saber: Cópia e Inferencias. O referido linguista obteve, em sua análise, 60% de Cópias e
5% de perguntas que apresentam um caráter inferencial, ao passo que, nessa
pesquisa, computaram-se 27% de cópias e 32% de inferências. Ressalte-se que a
mudança mostrou-se relevante em termos percentuais, mas não foi tão relevante no
que diz respeito aos aspectos qualitativos.
Linguística
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Osvaldo Cunha Neto
Universidade Estadual de Campinas
VIDAS DOS SOFISTAS DE FILOSTRATO: SEGUNDA SOFÍSTICA E A REVANCHE CONTRA
A FILOSOFIA.
Apesar do parentesco etimológico comum, os termos “filosofia”, “sofística”, “filósofo”
e “sofista” sempre foram alvo de contendas ideológicas, sobretudo no século IV a. C.,
com Platão, Aristóteles e Isócrates. Não obstante, não devemos nos esquecer de que
foram justamente esses “filósofos” os responsáveis por delimitar e conceituar esses
termos, de modo que, assim como observamos que há nas teorias filosóficas
posicionamentos parciais e pessoais a respeito de diversas questões, também não
estaríamos isentos de encontrar posturas parecidas em relação ao esforço de
conceituar deste ou daquele modo os termos centrais ao exercício da reflexão e
prática “filosófica”. Dentre os precursores desse posicionamento parcial que acabou
por pejorar o próprio significado dos termos “sofística” e “sofista”, Aristóteles é, sem
dúvida, um dos mais contundentes e respeitados – segundo ele, “a sofística trata-se de
um saber aparente mas não real” (Metafísica, 1004 b, 25). Com um status intelectual
consideravelmente menor do que Aristóteles, Filostrato, no século III d. C., em sua
obra Vidas dos Sofistas, responde à proposição de Aristóteles e escreve sobre “os que
praticaram filosofia achando que praticavam a sofística e sobre aqueles que
legitimamente foram chamados de sofistas”; deste modo, Filostrato inverte a
proposição de Aristóteles, submetendo a filosofia à sofística (Cote 2006, p. 26). A rigor,
as primeiras ocorrências dos termos filosofia, sofística, filósofo e sofista são verificadas
no século VI a. C. e referidas a Píndaro e Pitágoras. Em seguida, observamos de
maneira mais explicita a dinâmica desses termos relacionados entre si nas
logomaquias que Platão registra em seus diálogos entre Sócrates, Górgias, Protágoras,
Pródico, Eutidemo, e também nos textos de Isócrates e de Aristóteles, durante o
período que poderia ser chamado de “primeira sofística”, ou de “Iluminismo grego”.
Contudo, da maneira como entendemos, Filostrato reacende este “diálogo” e nos dá a
oportunidade de concluir, na Antiguidade, o panorama geral de significação dos
termos “sofística” e “filosofia” –– de quebra, Filostrato inaugura o termo “segunda
sofística”. De acordo com Filostrato, nas Vidas dos sofistas, obra ainda não traduzida
integralmente para a língua portuguesa, enquanto a primeira sofística caracteriza-se
por ser uma “retórica filosófica” fundada por Górgias e que privilegiava a concepção
individual de cada sofista (dóxa), a segunda sofística teria sido fundada por Ésquines e
tinha o foco mais voltado à arte (téchnē). “Assim, a antiga sofística, assumindo
questões de cunho filosófico, discorria sobre elas em volume e extensão, pois refletia
Linguística
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sobre a coragem, justiça, sobre os heróis e deuses e como se formou a concepção do
cosmo. Mas a [sofística] que se seguiu a esta não deve ser chamada de nova, pois
[também] é antiga e [deve], preferivelmente, ser chamada de “segunda”; [ela] esboça
e define [arquétipos] de pobres, de ricos, de aristocratas e de tiranos que a história
adota [como modelos]. Na Tessália, Górgias de Leôncio fundou a mais antiga e
Ésquines de Atrometo, a segunda (...). Os adeptos [de Ésquines] tratavam da arte e os
de Górgias, de suas próprias concepções” (Vidas, 480, linha 18, tradução minha). Uma
vez que Filostrato estabeleceu a terminologia “segunda sofística”, ele torna-se,
necessariamente, o ponto de partida de todos aqueles que almejam estudar o
“fenômeno”. Mesmo para os que eventualmente não venham a concordar com sua
argumentação, é com ele que, primeiramente, devem dialogar. A importância de
estudar (e traduzir) Filostrato é, portanto, primordial, um pré-requisito para o estudo
de todos os outros “deuterosofistas”. Além disso, Filostrato é também uma fonte
histórica ímpar; “quase a metade dos sofistas do seu inventário seriam desconhecidos
se não fossem suas informações; a arqueologia tem acrescentado dados sobre esses
personagens que foram salvos do esquecimento graças a Filostrato, que se revela
veraz” (Soria 1999, p. 11). Neste sentido, também é nosso objetivo realizar uma
tradução comentada das Vidas, que será anexada à tese de doutorado. Para esta
finalidade, dispomos do texto estabelecido por Kayser em 1844, o qual mantém a
paginação Olearius desde 1709, com 149 páginas, e registra poucas divergências no
aparato crítico, sobretudo quando Kayser menciona Cobet. Ademais, Soria (1999, p.
55) garante que a edição de Kayser supera todas as anteriores. Em suma, nossos
principais objetivos com o presente projeto são: 1) Realizar uma pesquisa para explicar
como os termos “filosofia”, “filósofo”, “sofística” e “sofista” ganharam diferentes
significados desde sua origem até Filostrato e o início da segunda sofística. a) Fazer um
levantamento das principais ocorrências dos termos em questão e de seus respectivos
significados, desde sua origem até Filostrato (séc. III d.C.); b) analisar a relação entre os
termos “filosofia”/“sofística”, “filósofo”/“sofista” e levantar hipóteses para explicar os
contextos em que os termos são usados como sinônimos, ou não, e em quais autores;
c) estabelecer generalizações para caracterizar possíveis diferenças entre os termos e
levantar hipóteses sobre os significados mais justificáveis (do ponto de vista conceitual
e histórico); 2) Traduzir a obra Vidas dos Sofistas de Filostrato destacando nas notas: a)
a legitimidade da terminologia “segunda sofística”; b) o rigor histórico de Filostrato a
partir do confronto com outras fontes (quando houver); c) semelhanças e diferenças
entre o conteúdo intelectual e argumentativo dos “sofistas” em relação ao conteúdo
intelectual e argumentativo dos “filósofos”.
Linguística
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Priscila Hanako Ishy
Universidade Estadual de Campinas
UMA ANÁLISE AUTOSSEGMENTAL DE PROCESSOS FONOLÓGICOS NA LÍNGUA
KANAMARI
Essa apresentação visa demonstrar parte da pesquisa de mestrado realizada sobre a
fonologia da língua Kanamari. O objetivo da pesquisa foi descrever a língua Kanamari
em seus aspectos fonéticos e fonêmicos e analisá-la fonologicamente baseado na
Fonologia Não-Linear, nas suas vertentes autossegmental e métrica. Nesse resumo são
apresentadas algumas etapas cumpridas e parte dos resultados desse estudo. A língua
Kanamari é falada pela etnia de mesmo nome que habita a região sudoeste do estado
do Amazonas, com aldeias em territórios indígenas localizados ao longo dos rios
Japurá, Juruá, Xeruã, Itucumã, Jutaí, Tarauaca, Itacoaí, Javari e Jandiatuba. Segundo
dados do censo feito pela FUNASA em 2010, o número total de índios Kanamari é de
3.167. A família linguística a que pertence essa língua é denominada Katukina. Trata-se
de uma pequena família, composta tradicionalmente por quatro línguas: Katawixi,
Kanamari, Katukina do Biá, e Tsomwuk Djapa. Entretanto, atualmente, acredita-se que
a primeira já esteja extinta e as demais são dialetos de uma única língua. Apesar disso,
nos concentramos no estudo do Kanamari, sem nos preocupar em classificá-lo em
língua ou dialeto. Nossa pesquisa de campo concentrou-se na região do Rio Juruá, mais
especificamente no município de Eirunepé e na aldeia do Igarapé Mamori. Durante
essa etapa, coletamos dados por meio de questionários compostos por listas de
palavras e sentenças. Na maioria das vezes as gravações dos dados foram feitas com
uma ou duas pessoas e em alguns poucos casos com mais de duas, todos indígenas
Kanamari bilíngues. Após a gravação dos dados, iniciamos a transcrição dos mesmos e
partimos para a descrição fonética. A transcrição dos dados foi feita em símbolos do
IPA, os dados fonéticos foram processados e todos os fones organizados em tabelas. A
partir disso, deu-se procedimento à análise fonológica dos segmentos. Essa análise dos
dados foi feita conforme os procedimentos clássicos da análise fonêmica, o que nos
permitiu, inicialmente, identificar os elementos funcionais do Kanamari e sua
distribuição no sistema da língua. Os procedimentos utilizados foram contraste em
ambiente idêntico e contraste em ambiente análogo, concretizados por meio de pares
(ou grupo) de palavras, com significados diferentes, que se diferenciem em apenas um
segmento foneticamente semelhante, isto é, pares mínimos, ou por meio de pares de
palavras que se diferenciem em mais de um segmento, mas que sejam foneticamente
similares, denominados pares análogos. O objetivo desses procedimentos é definir
quais segmentos são contrastivos, formando unidades fonológicas diferentes, ou quais
Linguística
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são variantes de uma mesma unidade fonológica, denominados alofones. Por meio da
análise fonêmica é possível também determinar quais desses alofones ocorrem em
distribuição complementar e quais estão em variação livre. Em conformidade com
essas ponderações, definimos os sons distintivos (fonemas) da língua Kanamari, bem
como seus alofones, por meio de pares mínimos e análogos e observamos algumas
regras fonológicas existentes no sistema dessa língua. Apresentamos também uma
abordagem de alguns aspectos da fonologia Kanamari com base nos pressupostos da
fonologia Não-Linear nas suas manifestações subteóricas da Fonologia Autossegmental
(Clements e Hume, 1995; Goldsmith, 1990, 1995; Kenstowicks, 1994) e Métrica (Hayes,
1995). Focalizamos, sobretudo, alguns processos fonológicos, a organização da sílaba,
o comportamento do acento e o alongamento de vogais. Para essa apresentação, no
entanto, nos limitamos à análise dos processos fonológicos. O modelo autossegmental
difere-se do modelo fonêmico e do modelo gerativo por considerar mais de uma
camada de segmentos (Goldsmith, 1990). Portanto, a característica principal desse
modelo é a interpretação hierárquica dos traços fonológicos, que pode estar em um
domínio maior ou menor do que o segmento. Cada traço age independentemente dos
outros, e essa característica permite que as regras fonológicas sejam representadas de
forma lógica. Clements and Hume (1995) propõem uma representação da organização
interna dos traços de cada segmento. Essa representação, conhecida como Geometria
de Traços, é composta por nós organizados hierarquicamente. Os nós finais compõem
os traços fonológicos e os nós intermediários caracterizam as classes de traços. Esse
modelo fonológico contribuiu na percepção de que os processos fonológicos não
ocorrem desordenadamente nas línguas, ao demonstrar um modelo baseado em
capacidade físicas e cognitivas do ser humano (Clements and Hume, 1995). Diante
disso, analisamos e representamos o processo fonológico de assimilação, identificado
em Kanamari, conforme os fundamentos da Fonologia Autossegmental e por meio da
Geometria de Traços. Esse processo ocorre de duas formas, por assimilação de
nasalidade e de vozeamento. A nasalização vocálica ocorre quando uma vogal oral
precede a consoante nasal velar /ŋ/, resultando em uma vogal nasal. No sistema
fonológico Kanamari, as vogais que ocorrem antecedentes ao som /ŋ/ são /a/, /ɪ/ e
/o/. Assim, esses três sons vocálicos são encontrados em suas formas nasais quando
antecedem a consoante nasal velar. Por meio da análise autossegmental, percebe-se
que o nó Raiz do primeiro segmento assimila o traço [+nasal] do segmento seguinte, o
que o transforma em [+ nasal] também. No caso de um som surdo assimilar o traço
sonoro de um segmento vizinho, ocorre a assimilação de vozeamento. Em Kanamari,
esse processo ocorre com a obstruínte surda /k/ em posição final de morfema, seguido
por um segmento sonoro. Nesse processo, notamos que o nó Laríngeo do segmento
/k/ assimila o traço [+sonoro] do segmento seguinte. Assim, o segmento realiza-se na
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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forma sonora. Para nossa apresentação, portanto, propomos apresentar essas etapas
da pesquisa mais detalhadamente e demonstrar por meio da Fonologia
Autossegmental e da Geometria de Traços a análise dos processos fonológicos
encontrados na língua Kanamari.
Priscilla Barbosa Ribeiro
Universidade de São Paulo
A ORDEM DE CONSTITUINTES SENTENCIAIS NA ESCOLA REPUBLICANA PAULISTA
A ordem de constituintes sentenciais no português do Brasil tem sido objeto de estudo
em recorte sincrônico e diacrônico e sob diferentes perspectivas teóricas. Um dos
resultados mais intrigantes foi a descoberta da correlação entre a colocação do sujeito
e a do clítico de maneira que a gramática que favorece a posição pós-verbal do sujeito
tende a favorecer o emprego da ênclise. A interdependência desses fatos linguísticos
revelou-se pela significativa redução da ordem verbo-sujeito (VS) (Berlinck, 1989;
Torres Morais, 1993) e de estruturas enclíticas no PB (Cyrino, 1993; Pagotto, 1993,
entre outros), atualmente restritas a contextos estruturais específicos, adquiridos
principalmente por meio da escolarização. Neste trabalho, a posição do sujeito e do
clítico será analisada em textos produzidos pela escola, justamente em período
relevante na mudança da ordem dos constituintes sentenciais. Pautando-nos no
contexto sociohistórico e cultural de São Paulo no início do século XX e
particularmente no âmbito educacional, focalizaremos a Escola Normal da Capital (EN),
que, embora atendesse alunos e alunas, se consolidava na formação de educadoras; e
o Ginásio do Estado de São Paulo (GE), voltado à preparação de jovens rapazes para o
estudo superior. Analisando as produções textuais de professores e dirigentes dessas
duas instituições, notadamente em atas produzidas em âmbito interno, visamos
identificar propriedades linguísticas vinculadas a cada instituição, considerando as
diferenças de formação de seus sujeitos e a distinção de gênero existente na base de
sua estrutura. A análise incide sobre os anos de 1901 a 1920, momento que apresenta
unidade histórica com o período final do século XIX (cf. Hobsbawn, 1995), no sentido
de que esta época foi marcada por concepções e práticas que se estenderam para
além das marcas do calendário. Ainda que se trate, formalmente, do século XX, o
período recortado apresentou-se, em muitos aspectos, semelhante ao século
precedente. Designado como “o tempo das certezas” (Costa e Schwarcz, 2007), o
século XIX caracterizou-se pela confiança em verdades absolutas, por modelos
dicotômicos de certo e errado, e por pautar-se em rígidos princípios morais (p.14).
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Esse espírito de época teria se alterado somente com o advento da Primeira Guerra
Mundial, em 1914, a partir da qual valores e concepções então vigentes se
reformularam de forma mais significativa. Contudo, essa periodização não pode ser
tomada de forma estritamente pontual, visto que as mudanças que a definem
repercutem de modos e em velocidades diferentes nos espaços que atingem. Na
educação paulista, a historiografia identifica para o período a concretização de
iniciativas republicanas gestadas na Monarquia. Tomado por grande “entusiasmo pela
educação” (Nagle, 1974), esse momento apresentou inúmeros debates e ações na área
educacional e se estendeu até cerca de 1920, quando deu lugar a uma nova fase na
história da pedagogia, a Escola Nova, fruto de novos modos de se conceber e praticar o
ensino (Hilsdorf, 2007, p.57; Saviani, 2008, p.177). Esse “entusiasmo pela educação”
foi convergente às necessidades do novo regime que, instaurado por um golpe militar,
precisou ganhar espaço no imaginário da população (Carvalho, 2007) e utilizou a
instrução pública como um de seus meios de propaganda. Assim, a República difunde
seu ideário entre alunos e professores por meio dos conteúdos e práticas escolares; e
junto a toda a população, constrói para si uma imagem associada às noções de
instrução, progresso e civilização, materializada, entre outros exemplos, nos edifícios
escolares que inaugurou (Wolff, 2010; Monarcha, 1999). Enfatizando como era
precário o ensino público durante a monarquia, a República busca se contrapor a uma
imagem decadente do regime monárquico que, mesmo que escapasse, em parte, à
realidade, era a imagem que os reformistas se empenharam em divulgar. No
movimento da propaganda republicana na educação destacaram-se a Escola Normal
da Capital, criada ainda no regime monárquico (1880), e o Ginásio do Estado de São
Paulo, uma inovação republicana (1894), considerados representantes da “mais alta
excelência escolar” da época (Perosa, 2004, p.75) e tomados como difusores e
símbolos do ideário republicano. Essa estratégia para consolidação do regime político
acarretou e fundamentou-se, entre outros processos, na mitificação dessas instituições
educacionais e do ensino público. Adotando a EN como carro-chefe da reforma e
primeiro núcleo de suas ações efetivas, o discurso republicano propunha libertá-la de
um passado ligado à Monarquia e ao catolicismo para transformá-la em instrumento
de progresso, no caminho para a evolução da sociedade paulistana rumo à civilização -
conforme o pensar da época (Hilsdorf, 2003, p.60). Nesse momento, de feminização do
magistério e consolidação da classe normalista, é inaugurado o Ginásio do Estado de
São Paulo, que se instala no antigo edifício da EN em setembro de 1894. A instituição
passa a figurar ao lado da Escola Normal e entre as célebres escolas da capital no
imaginário paulista, efeito de um discurso de exaltação e construção social de uma
imagem de qualidade do ensino público empreendido pelo propagandismo
republicano. Esse contexto de formação de um imaginário político pró-república e de
Linguística
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oposições diversas - individual e social, feminino e masculino, Escola Normal e Ginásio
do Estado – apresenta marcas que tendem a transparecer nas relações entre língua e
sociedade. Assim, buscaremos analisar as posições do sujeito e do clítico e sua variação
no ambiente das duas instituições escolares considerando o fato linguístico em seu
contexto de produção e tendo em vista as relações pedagógicas, políticas e valores
socioculturais nele implicados.
Rafaela Defendi Mariano
Universidade Estadual de Campinas
ANALISANDO A GESTÃO TÓPICA EM ALGUMAS INTERAÇÕES DO PROGRAMA
“MANOS E MINAS”: REFLEXÕES INICIAIS PARA A TIPIFICAÇÃO DOS REGISTROS ORAIS
DOS MANOS
Este trabalho tem como objetivo principal elaborar algumas reflexões iniciais a
respeito da importância dos recursos do nível textual para a tipificação dos registros
dos manos. Consideramos, neste trabalho, que o registro é uma “regularidade social”
(Agha, 2007), ou seja, as escolhas linguísticas e textuais-discursivas que o caracterizam
pressupõem reflexão e atividades de avaliação. Para o autor, deve-se considerar na
formação dos registros “o tratamento do nível textual-discursivo, trabalhando com a
análise dos enunciados produzidos no interior de textos e/ou gêneros”. Para tanto,
procedemos à análise da gestão do tópico discursivo (Jubran et al. , 2002) em
interações entre apresentador e entrevistado na plateia e nas entrevistas com
moradores da periferia em reportagens externas do programa de auditório “Manos e
Minas”, veiculado pela TV Cultura do Estado de São Paulo. Em trabalhos anteriores,
nossas análises estiveram voltadas para a questão do estilo de fala de um sujeito
pertencente ao grupo social de moradores da periferia da grande São Paulo (Mariano,
2011a). Mais especificamente, descrevemos e analisamos as diferenças estilísticas
resultantes das manipulações estratégicas, por parte do rapper Mano Brown, de
recursos linguístico-discursivos em quatro diferentes situações comunicativas. Nossa
hipótese era a de que sendo o design de audiência (Bell, 2001) o fator condicionante
da variação estilística, dois fenômenos se apresentam como os principais loci de
observação dessa variação: a gestão do tópico discursivo e o uso dos marcadores
discursivos. Em nossa análise, observamos um uso diferenciado dos marcadores
discursivos em todas as situações comunicativas, o que nos revela o monitoramento
estilístico por parte de Mano Brown tanto no sentido de adequar sua linguagem à
audiência (design de audiência (Bell, 2001)) como no sentido de elaborar/marcar uma
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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determinada identidade social relacionada tanto à classe social como ao
pertencimento a uma determinada comunidade, a dos moradores da periferia de São
Paulo (design de referência (Bell, 2001)). Em relação às nossas análises a respeito da
gestão do tópico discursivo, observamos que nas diferentes situações comunicativas
(com suas diferentes audiências), o rapper não apenas instaura diferentes tópicos para
cada uma das situações como também os organiza de forma diferenciada, mostrando
assim que o estilo se revela não apenas por meio de marcas estritamente linguísticas,
mas também pela manipulação de recursos do nível textual. Acreditamos que, assim
como aponta essa conclusão sobre a importância da análise dos recursos do nível
textual para a compreensão da manipulação do estilo, a gestão do tópico discursivo se
mostrará imprescindível na construção dos registros. Consideramos que os conceitos
de registro e estilo podem ser articulados, como postula Bentes (2009), já que “os
registros constituem-se em modelos reflexivos de avaliação e de uso apenas
parcialmente compartilhados pelos sujeitos e os estilos apresentam uma natureza
mais individual e estratégica”. O registro, porém, como já dissemos, é uma
“regularidade social” (Agha, 2007). As análises da fala de um sujeito não são
suficientes, então, para caracterizá-lo (Agha, 2007 apud Bentes e Granato, 2011).
Portanto, a análise de diferentes interações entre diferentes sujeitos no Programa
“Manos e Minas” possibilitará o levantamento dos registros, no nível textual, dos
manos. O programa “Manos e Minas” caracteriza-se pelo objetivo de “trazer ‘a voz da
periferia’ à mídia televisiva” e também pela divulgação e valorização do conhecimento
sobre essa realidade do ponto de vista dos próprios sujeitos que participam e
promovem práticas sociais, culturais, literárias e musicais vinculadas tanto às
comunidades da periferia quanto ao universo do movimento hip-hop (Granato, 2011).
Nossa análise da organização tópica juntamente com a análise em termos de conteúdo
dos tópicos discursivos instaurados propiciará, então, a nosso ver, a compreensão do
impacto dessa categoria textual na caracterização dos registros dos manos e o
levantamento da formação dos registros do grupo social em questão. Consideramos,
portanto, que o conceito de tópico discursivo não envolve apenas a noção de
conteúdo, visto que “aquilo de que se fala” não pode ser desvinculado do “como se
fala” (Maynard, 1980 apud Jubran et al., 2002). Podemos afirmar que o novo conceito,
proposto pelo Grupo de Organização Textual Interativa da Gramática do Português
Falado (Jubran et al., 2002), propõe uma nova forma de identificação que permite um
menor grau de subjetividade e melhor operacionalização. Segundo Pinheiro (2006,
p.44) “os traços de concernência e relevância que precisam a centração, uma das
características do tópico, segundo Jubran et al. (1992), se apresentam como um
critério a partir do qual o tópico pode ser identificado e depreendido”, o que permite
assim mais segurança e objetividade na delimitação da categoria. Inicialmente, o que
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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nos chamou a atenção no levantamento feito por Granato (2011) dos tópicos
discursivos desenvolvidos em três amostras do programa “Manos e Minas” foi a
exclusividade dos mesmos no cenário midiático nacional. A autora observou, por
exemplo, o desenvolvimento dos seguintes tópicos: realidade da periferia do país,
atividade cultural na periferia, projeto social e/ou educacional e elementos do hip-hop.
Além da exclusividade dos tópicos discursivos, outro fato que nos chamou a atenção
foi a instauração de tópicos discursivos por parte dos moradores da periferia
entrevistados na plateia que nem sempre vão ao encontro do tópico instaurado pelo
apresentador/repórter em suas perguntas. Em nosso trabalho anterior (Mariano,
2011b) no qual produzimos análises da gestão do tópico discursivo em duas
entrevistas e em uma reportagem do programa, observamos que um dos
entrevistados não expande o tópico instaurado pelo apresentador Rappin’ Hood, ao
contrário da ação do segundo entrevistado. Essa diferenciação na gestão do tópico
discursivo de sujeitos do mesmo grupo social no mesmo contexto, observada em
nossas análise iniciais, permitem-nos confirmar, então, a postulação de Agha (2007) da
não-homogeneidade do registro em um grupo. O autor conclui que quando se analisa
um determinado grupo social, encontra-se sempre um fracionamento ou uma
fragmentação desse grupo em outros, o que se denomina fracionamento sociológico.
Assim, pode-se concluir que, ao se estudar as práticas de linguagem de determinado
grupo social, percebe-se a diferenciação identitária interna ao próprio grupo (BENTES,
2009).
Rafahel Jean Parintins Lima
Universidade Estadual de Campinas
MARCO TEÓRICO-METODOLÓGICO PARA O ESTUDO DE IDENTIDADES SOCIAIS DE
PESSOAS COM AFASIA
O objetivo deste trabalho é apresentar os direcionamentos teórico-metodológicos da
minha pesquisa de Mestrado em Linguística, que procura discutir o conceito de
identidade social no âmbito de pessoas com afasia. Levo em consideração aqui a
discussão encontrada nos fundamentos da sociolinguística e na sociologia de base
bourdieusiana (1996). Particularmente sobre afasia enquanto questão social,
considero Morato (2001; 2010). A partir da discussão sobre identidade social, que leva
em consideração tanto os aspectos sócio-históricos de construção do sujeito quanto o
seu papel enquanto ator social, postura derivada de Marcuschi (2008), procurarei
encontrar indícios da medida pela qual as identidades sociais de pessoas com afasia
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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são construídas discursivamente. Tal forma de encarar as identidades sociais possui
semelhança em Lopes (2002). Nesse sentido, descrevo aqui a intervenção
metodológica para os fins de concretização do objetivo da pesquisa de mestrado. A
metodologia se pautará em entrevistas semi-dirigidas com pessoas com e sem afasia
mediadas, se necessário, por acompanhantes, tais como seus amigos e parentes, ou
pesquisadores do CCA que participam das atividades do Centro de Convivência de
Afásicos (CCA) do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de
Campinas (IEL/UNICAMP). Tais entrevistas serão registradas em vídeo e procurarão
focar aspectos da história de vida dos sujeitos e de suas atividades cotidianas atuais.
Procurarei contextualizar essa investigação das identidades sociais no âmbito da
revisitação da problemática sócio-histórica de como a pessoa com afasia é encarada na
sociedade ocidental (MORATO, 2010). As entrevistas serão antecedidas pela
observação participante de atividades do CCA a fim de conhecer in loco seus
participantes e a dinâmica do Centro de Convivência e de delimitar quais e quantos
sujeitos serão entrevistados, quantas sessões de entrevistas serão feitas, a duração
média de cada sessão, que perguntas poderão ser utilizadas e o delineamento do
método da entrevista. A participação nas atividades do Centro, supervisionada pela
minha orientadora, também pretende iluminar a decisão metodológica sobre em que
medida existe a necessidade de acompanhar os sujeitos com afasia em seu cotidiano,
bem como de entrevistar pessoas que foram ou são próximas desses sujeitos em
termos de família, de laços de amizade ou outro tipo de relacionamento social.
Imprevistos são esperados, como a possível não concretização da entrevista tal como
planejada, como observa De Fina (2011) em uma de suas pesquisas, embora o roteiro
geral seja de suma importância para entrevistas como método de obtenção de dados
(ALBERTI, 2004). A identidade social, que é o que investigo nas pessoas com afasia,
está presente nos estudos sociolinguísticos desde antes do estabelecimento histórico
destes como área da pesquisa linguística, nos anos 60. As identidades sociais, na
sociolinguística laboviana, são indicadas pelas categorias sociais nas quais os indivíduos
se enquadram. As categorias classe social, sexo, idade e origem geográfica são as
responsáveis pela definição social do indivíduo (BRIGHT, 1974). No entanto, tais
categorias têm sido rediscutidas não só por teóricos do discurso como Van Dijk (2011)
como pelos próprios sociolinguistas mesmo naquela época, como Gumperz (1982),
que também já criticava a tomada dessas categorias como tipos para o estudo
sociolinguístico, porque tomadas a priori e não problematizadas. Gumperz, no
entanto, não se dedica a descrever as identidades sociais, mas sim analisar como
práticas comunicativas diferentes se comportam e entram em choque quando
colocadas no mesmo espaço sócio-cultural. Atualmente essas categorias continuam
sendo discutidas, já que fundaram o pensamento sociolinguístico que ficou conhecido
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
como variacionista. Discussões desse tipo se encontram em Eckert (2005) e em
Woolard (2008), que assinalam a importância de considerar a relevância que os
interlocutores dão às categorias sociais na interação e não a relação direta entre língua
e categoria. À bem da verdade, mesmo Labov (1963) já encontrava indícios dessa
relação não totalmente direta, quando do seu estudo de Martha’s Vineyard. Mas o que
deve ser pensada, na verdade, é a natureza dessas categorias. Afinal, o conceito de
classe social, por exemplo, não é dado, ingênuo, sempiterno. É uma categoria sócio-
historicamente construída. Souza (2009), por exemplo, pautado em uma sociologia
bourdieusiana, prefere lidar com classe social não como relacionada à faixa de renda,
mas sim às condições culturais e sociais, isto é, simbólicas, que efetivam o
pertencimento de classe. Já quanto à categoria de gênero, a discussão é igualmente de
desconstrução, mas não necessariamente por conta da emersão da “sexualidade” ou
“identidade sexual”. Foucault (1985) estabeleceu que uma dessas identidades, a
homossexualidade, foi inventada no século XIX como definindo os sujeitos marcados
por características mais reconhecíveis do que descritíveis. Mas a sexualidade não se
confunde com o gênero (OSTERMANN; FONTANA, 2010), pois a identidade de gênero
diz respeito à construção social de si como mulher ou homem, independente da
direção que o erotismo toma e do sexo biológico. Lívia e Hall (1997) afirmam que os
critérios de sexualidade foram confundidos com os de gênero em muitas pesquisas
sociolinguísticas, o que provocou a escassez dos estudos sociolinguísticos da
sexualidade. O afásico, particularmente o que tem a sua fala alterada, é visto como
aquele que possui dificuldades justamente com o que a cultura ocidental considera
como sagrado: a linguagem (MORATO, 2010). Antes de ser categorizado em seu
gênero, idade e profissão, o afásico é classificado pelas características de sua afasia.
Morato (2010) observa que a afasia também é uma questão social, e não apenas
neurológica e estritamente linguística, dentre outras razões porque é no social que o
senso comum vê a linguagem como a expressão de saúde psicológica e de
racionalidade. Saúde psicológica no sentido dado por Foucault (1975), como
estabelecedora do que hoje chamamos de doença mental, isto é, loucura. Assim, a
afasia passa a ser igualada, no dia a dia, a doença mental e os afásicos passam a ser
estigmatizados socialmente: doença como conjunto de sintomas, isto é, signos
patológicos (FOUCAULT, 1977). É, enfim, dentro desse contexto teórico que pretendo
pesquisar a identidade social de pessoas com afasia, ou seja, o estatuto social
reservado a esses sujeitos na sociedade.
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Rogério Luid Modesto dos Santos
Universidade Estadual de Campinas
A RESISTÊNCIA NOS MOVIMENTOS DO MOVIMENTO
A cidade demanda interpretação: ela (se/nos) significa. Tomamos esta formulação,
cuja constituição se dá no âmbito de uma reflexão teórica que relaciona a linguagem e
o espaço urbano para situarmos o objetivo de nosso trabalho. Entendendo, como nos
diz Orlandi (2004, p. 11), que o corpo social e o corpo urbano são um só e, sendo
assim, os sujeitos, vivendo como sujeitos-urbanos, são injungidos a interpretar a
cidade, atribuir-lhe sentido, buscamos o funcionamento do discurso dos sujeitos que,
da posição de mobilizados/organizados em movimentos, reivindicam uma outra
cidade. Nesse sentido, interessa-nos o dizer constituído na discursividade de dois
movimentos de reivindicação urbana, denominados "Movimento Desocupa" e o
"Movimento Ocupa Salvador" que atuam na cidade de Salvador-Bahia. Com esta
pesquisa, propomos questionar os modos pelos quais os movimentos sociais, mais
especificamente os movimentos sociais urbanos, situam a resistência na significação
da cidade e dos sujeitos citadinos. Desse modo, como base no dispositivo teórico da
Análise do Discurso de orientação materialista, buscamos entender o que, para esse
tipo de movimento, significa resistir e como isso está relacionado com o próprio
espaço urbano e os sujeitos que nele vivem. De nossa perspectiva teórica, percebemos
a resistência a partir de três aspectos fundamentais: i) a resistência não está no sujeito,
logo não representa uma saída da ideologia; ii) a resistência não se dá numa relação
pura de oposição; iii) a resistência se dá no simbólico. Dito de forma mais pontuada,
dizemos que a resistência, pensada a partir do projeto teórico materialista de Michel
Pêcheux, está sustentada nas falhas e furos que constituem o processo de interpelação
ideológica. Ela tem a ver com o embate de sentidos, a contradição, a incompletude dos
processos discursivos em que há sempre a possibilidade de outros sentidos
produzirem outras identificações no/para o sujeito. A contradição que se constitui
nos/pelos furos da interpelação ideológica põe outros sentidos em circulação. E isso
nos serve para considerar que a resistência não está no sujeito (isto é, em sua vontade
de resistir), mas no simbólico, na relação língua-história, na medida em que a
resistência está no embate de sentidos que, produzidos da falha, identificam os
sujeitos. No que tange aos movimentos sociais, de um modo geral, podemos dizer que
eles caracterizam-se por construírem para si um lugar de oposição ao poder (político)
vigente e fundamentarem seu dizer na evidência (no pré-construído) da eficácia da
sociedade civil organizada, na evidência da cidadania e da mobilização social. Os
movimentos sociais significam a cidade e os próprios sujeitos citadinos a partir da
Linguística
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evidência de que problemas urbanos existem e do fato de que a sociedade civil precisa
estar organizada para reivindicar a resolução desses problemas. Em outras palavras, os
movimentos sociais, colocando-se contra algo/alguém para defender suas causas,
investem na evidência (evidência que é um trabalho da ideologia) de que é possível
mudar uma realidade pela mobilização social. Os movimentos sobre os quais nos
debruçamos em nossa pesquisa de mestrado, de modo mais específico, inserido nessa
discursividade, tem a cidade de Salvador como lugar e motivo de luta, imprimindo um
caráter de resistência às suas causas. Contudo, a partir das primeiras análises
discursivas que realizamos no âmbito de nossa pesquisa, chegamos à conclusão de que
se realmente há resistência, ela está colocada na contradição que toma corpo na luta
pela mudança e contra a mudança, já que os movimentos sociais urbanos, mesmo que
construindo pra si um lugar de oposição a um poder político, muitas vezes, pela
recorrência a um discursividade de ordem técnica/urbanista e jurídica, ratificam o
discurso daqueles que pretendem antagonizar. E, nesse contexto, percebemos os
movimentos do movimento que compõe o jogo que se dá ora na ratificação, ora na
oposição dos sentidos que envolvem as causas pelas quais os movimentos se
movimentam. Com base nessas questões, e também, entendendo que, conforme
salienta Lagazzi (1998, p.16), “o contraponto do poder não é a submissão, mas a
resistência” é que propomos, com nossa comunicação, apresentar uma reflexão acerca
do funcionamento do discurso do "Movimento Desocupa" e do "Movimento Ocupa
Salvador "que se significam como de resistência popular. Buscamos entender como,
nestes movimentos de reivindicação social no espaço da cidade, há a circulação e
manifestação de uma espécie de discursividade resistente. Nosso corpus constitui-se a
partir das diversas materialidades (textos, imagens, vídeos) produzidas no âmbito dos
supracitados movimentos os quais em sua maioria estão disponibilizados no espaço
virtual da internet.Tomando como corpus os discursos do "Movimento Desocupa" e do
"Movimento Ocupa Salvador", nosso objetivo para a comunicação neste seminário é
trazer os questionamentos que nos colocamos a partir de nossas primeiras análises.
Desse modo, queremos apresentar o andamento de nossa pesquisa pela apresentação
e reflexão das seguintes questões: i) Uma vez que parece haver uma concordância nos
objetivos finais do Estado e dos movimentos "Desocupa" e "Ocupa Salvador",
podemos falar em deslocamento?; ii) Resistir de fato é necessariamente sempre
deslocar?; iii) Há falhas na sobredeterminação do jurídico e do urbanístico no social?;
iv) De fato reivindica-se uma outra cidade?
Linguística
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Simone Michelle Silvestre
Universidade Estadual de Campinas
SILENCIAMENTO NA NOMEAÇÃO DAS LÍNGUAS DE TIMOR-LESTE
Sob a filiação da Análise de Discurso Francesa, de perspectiva materialista histórica, a
pesquisa de doutorado Política de Línguas em Timor-Leste: passado, presente e futuro
na constituição do Estado-Nação visa a análise das políticas de línguas im(postas) em
diferentes momentos na história de Timor-Leste. Mais, especificamente, investigar, em
um conjunto de sequências discursivas produzidas em três momentos distintos,
(período da colonização portuguesa (1515 a 1975), período da ocupação indonésia e
resistência timorense (1975 a 1999) e o momento do pós-independência (2002) até os
dias atuais), os discursos postos em circulação nas relações de contato e conflito entre
o português, o tétum, as línguas nacionais, a bahasa indonésia e, mais recentemente, a
língua inglesa, marcando diferentes posições no processo de (des)colonização
linguística do país. É importante destacar que concebemos a questão da Política de
Línguas, a partir do que propõe Orlandi (2007), enquanto processo capaz de conferir à
língua um sentido político, ou seja, essa passa a ser compreendida como uma questão
política. Não há a possibilidade de uma língua já não vir afetada desde sempre pelo
político. De acordo com o que defende Orlandi (2007, p.8), “uma língua é um corpo
simbólico-político que faz parte das relações entre sujeitos na sua vida social e
histórica. Assim quando pensamos em política de línguas já pensamos de imediato nas
formas sociais sendo significadas por e para sujeitos históricos e simbólicos, em suas
formas de existência, de experiência, no espaço político de seus sentidos”. Para esta
comunicação, e levando-se em conta que a pesquisa está na fase introdutória,
pretende-se analisar, do ponto de vista discursivo, sequências de dois documentos que
marcam posições sobre a política de línguas da atualidade. São eles: a proposta dos
assessores do Ministério da Educação/Unesco-Unicef de Timor-Leste, nomeado
‘Política Nacional de Educação Multilíngue baseada na Língua Materna’ (projeto piloto
em execução em três escolas localizadas em áreas distantes da capital do país) e o
Projecto de Resolução - ‘A importância da promoção e do ensino nas línguas oficiais
para a unidade e coesão nacionais e para consolidação de uma identidade própria e
original no mundo’ - elaborado por seis deputados do Parlamento Nacional em
resposta ao projeto piloto do Ministério da Educação. Enquanto que os representantes
do Parlamento Nacional defendem o ensino e a promoção do Português ao lado da
língua Tétum, os assessores do Ministério da Educação demandam esforços e
investimentos no ensino das línguas maternas. A partir do primeiro exercício de
análise, chamou-nos a atenção o fato de a mesma língua receber nomeações
Linguística
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diferentes nos dois documentos e/ou estar associada a designações diversas,
silenciando-se nomes e sentidos outros associados às tais línguas. Na análise
discursiva, adotou-se a noção de silenciamento ou política do silêncio, que, segundo
Orlandi (2007 [1992]), desdobra-se em silêncio constitutivo, e, por sua vez, nos indica
que para dizer é preciso não dizer (se diz ‘x’ para não [deixar] dizer ‘y’), e no silêncio
local, que se refere à censura propriamente, ou aquilo que é probido dizer em uma
certa conjuntura. Sendo que, para as sequências que dispomos, é o silêncio
constitutivo que nos interessa. A partir de tal conceito, pretende-se compreender
quais são os silenciamentos produzidos no ato de nomeação das línguas nos dois
documentos e os sentidos que as designações conferidas as mesmas produzem,
configurando uma memória para as línguas. Em um primeiro gesto de análise, foi
possível perceber nas sequências da Política de Línguas para Timor-Leste, e levando-se
em conta a relação entre as línguas afetando a história e esta afetando a língua, que as
línguas e seus falantes encontram-se sempre em constante estado de conflito, uma
vez que elas sobrepõem-se umas as outras. No caso do discurso dos deputados do
Parlamento Nacional, apenas a promoção e o ensino das línguas oficiais (o tétum e o
português) serão capazes de manter a coesão e a identidade nacional de todo e
qualquer timorense. As línguas locais marcam a diferença entre os grupos de falantes e
promovê-las seria perturbar a suposta paz estabelecida e marcar a desorganização do
Estado de Direito. Já o inglês e o malaio aparecem na posição de línguas oficiais dos
países vizinhos, a Austrália e a Indonésia, línguas estrangeiras com força de decisão
política e econômica e com poder de se (im)porem, anulando outras línguas, no caso
de Timor-Leste, o português. Já o discurso do Ministério da Educação vem marcado
pela valorização e ensino das línguas maternas dos diferentes grupos. Apenas a partir
delas, as crianças timorenses serão capazes de aprender a ler e a escrever,
transferindo tais competências para a aprendizagem das línguas oficiais. O inglês e o
malaio, enquanto línguas internacionais da economia global, também merecem espaço
e situações de aprendizagem nas escolas de Timor-Leste. Porém, com todos esses
dizeres, é importante lembrar que o espaço de coexistência das línguas e seus falantes,
segundo Guimarães (2005), é marcado sempre pelo “litígio que distribui
desigualmente o direito a dizer”, além de algumas relações entre o real das línguas e
seus falantes aparecerem, não deixando de mencionar que sempre haverá o
silenciamento de sentidos que não estão autorizados a serem ditos no discurso por
aqueles que enunciam, especialmente quando se trata do discurso oficial, quase
sempre estabilizado.
Linguística
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Talita Janine Juliani
Universidade Estadual de Campinas
VESTÍGIOS DE OVÍDIO: A BIOGRAFIA DE SAFO EM SOBRE AS MULHERES FAMOSAS
(1361-1362) DE GIOVANNI BOCCACCIO
Em Sobre as mulheres famosas (De Claris Mulieribus), um catálogo de biografias
femininas escrito entre os anos de 1361-1362, o autor Giovanni Boccaccio (1313-1375)
explora o universo mítico greco-romano, retratando a vida de personagens notáveis
(clarae) da Antiguidade. Ampla parte dos estudos sobre a obra é marcada por um viés
dicotômico, que oscila entre apontar um caráter moralista (cristão) ou “meramente”
literário nas biografias. A esse tipo de reflexão associam-se eruditas “pesquisas de
fontes” (Quellenforschungen) do catálogo, e a tendência de se privilegiar a busca por
semelhanças entre o texto boccacciano com outros a ele associáveis é, segundo
pudemos observar até o presente momento, o que vinha sendo prioritariamente feito
ao se tratar da Antiguidade nos estudos do De Claris Mulieribus até o século XX (cf.,
por exemplo, Torreta, 1902). Tal empenho proporcionou às pesquisas acerca de Sobre
mulheres famosas de Giovanni Boccaccio um conjunto amplo de paralelos na literatura
antiga, muito úteis para uma tarefa ainda a se empreender, uma vez que esses
paralelos nos ajudam a mapear grande parte das associações da obra em apreço com
obras de autores da Antiguidade. Além disso, despertou nossa atenção, em especial,
para a relação entre os textos do poeta romano Ovídio (43 a. C. – 17 d. C.), e o De
Claris Mulieribus do autor certaldense. O objetivo central da pesquisa a que se propõe
nosso projeto é direcionar tais apontamentos a respeito de textos ovidianos e da obra
de Boccaccio no sentido de uma investigação sobre o modo como, em Sobre as
mulheres famosas, se apresenta a poesia de Ovídio, e, sobretudo, proceder a um
exame que ainda não foi, ao que pudemos constatar, realizado: explorar efeitos de
sentido de tal presença no catálogo de mulheres de Giovanni Boccaccio. À medida que
valoriza a originalidade no processo de imitação criativa, a perspectiva intertextual
contribui para estender o sentido de “original” como uma característica não exclusiva
do modelo ou fonte, sem estabelecer necessariamente uma hierarquia entre a “fonte”
e sua imitação. Quando aqui referimo-nos ao termo “fonte”, este é compreendido no
âmbito de seu sentido figurado, i.e. como texto a partir de que algo (uma história, uma
informação, um recurso linguístico) provém. Sabe-se que o termo foi empregado por
Pasquali (1968) no contexto de estudos que valorizam a imitatio auctorum antiga,
tendo sido adotado, com adaptações metodológicas, por estudiosos como Conte
(1986) e Barchiesi (1984; 1997). Dessa forma, uma abordagem mais sistemática,
direcionada à busca pelo sentido da presença e efeito de um texto em outro texto,
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como é a intertextual (ainda que não encontrada por nós em nenhuma referência
bibliográfica relacionada especificamente ao De Claris Mulieribus), nos pareceu
potencialmente proveitosa para a apreciação do texto antigo em Boccaccio. Portanto,
ao nos voltarmos a algumas passagens boccaccianas em que são apontados paralelos
com textos do autor romano, nossa proposta é de precisamente identificar se e de que
modo os excertos do texto de Boccaccio ecoam as obras ovidianas, justamente para,
num diálogo com estas, gerar junto ao leitor do De Claris Mulieribus novas
significações. Assim, no cotejo dos textos latinos respectivos, teorias de linha
intertextual aplicadas aos estudos clássicos (sobre isso cf. Vasconcellos, 2001 e 2012)
vão guiar nossa interpretação das passagens selecionadas, bem como a busca por uma
compreensão mais profunda do modo como na obra de Boccaccio em apreço se dão,
por exemplo, as relações entre moralidade e literatura. A leitura apenas pautada pela
questão da moral ou amoral boccacciana em De Claris Mulieribus (cf. Cerbo, 2001;
Morse, 1996), como mencionado logo no início desta exposição, parece já não dar
conta dos estudos sobre tal texto do autor certaldense. Isso porque a própria obra –
aparentemente –, ao remontar à Antiguidade, nem sempre o faz com efeito primordial
de alcançar uma moral cristã, como observam Hardie e Barchiesi (2010) em relação ao
texto de Decameron, a mais conhecida obra vernácula de Boccaccio. A nosso ver,
também em Sobre as mulheres famosas, a inegável presença do vetor cristão que em
várias ocasiões pode ser observado nas biografias não encobriria outras nuanças e
aspectos do seu texto, elementos merecedores de um olhar mais aprofundado. Nossa
hipótese, amparada em resultados da pesquisa de Mestrado (2011), é de que será
profícuo observar o modo como se apresentam, já em Ovídio, as relações entre moral,
poesia e retórica (Cardoso, 2005; Schiesaro, 2003), as quais se refletem na complexa
constituição de ethos do autor, recentemente associada à constituição que apresenta
Boccaccio em outras de suas obras (cf. ainda mais uma vez Barchiesi; Hardie, 2010). Na
presente comunicação, a título de exemplificação do cotejo de passagens das obras
em apreço, nossa atenção se direcionará a alguns excertos da epístola poética de Safo
(séc. VII a. C), transmitida como a de número XV nas Heróides (Heroides ou Heroidum
epistulae) de Ovídio, e à biografia da poetisa (capítulo XLVII) em De Claris Mulieribus.
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Valquiria Botega de Lima
Universidade Estadual de Campinas
MULHER(ES) URBANA(S) E SENTIDOS MIDIATIZADOS: UMA ANÁLISE DISCURSIVA
Nosso objetivo nesse momento de reflexão é apresentar, sob a forma de um resumo,
os direcionamentos principais de nossa tese, cujo andamento se encontra em estado
inicial. Interessa-nos tomar como ponto norteador que as relações que os sujeitos
estabelecem entre si são relações de sentido. A Análise de Discurso de base
pêcheutiana (AD), teoria a qual nos filiamos, procura compreender como essas
relações funcionam produzindo seus efeitos, suas significações. Para estudar os modos
de funcionamento dos sentidos na relação com os sujeitos, escolhemos como objeto
de estudo a mulher urbana. Esse é o ponto de partida que nos guiará no processo de
escrita da tese. Nessa medida, temos acompanhado que as questões que envolvem o
universo feminino e a própria mulher possuem representativo destaque no campo
televisivo. Junto a isso, temos visto que o universo urbano, bem como, a cidade
adquirem visibilidade ao serem conjugados com a mulher que aparece midiatizada. A
televisão, na conjuntura contemporânea, tem tornado visível a existência de uma
relação da mulher com a cidade e esse espaço tem aparecido como lugar de
oportunidades. A partir daí, podemos dizer que a cidade se apresenta como o lugar do
possível, o lugar que publiciza as relações que as mulheres estabelecem entre si e com
o mundo que as rodeia. Pensar a mulher na cidade é pensá-la como pertencente a um
espaço cujo significado principal é o de ser público e aberto, por sua vez, contrário ao
privado, àquilo que se restringe e se fecha. Com isso, é possível afirmar que o estar na
cidade pode ser encarado como um modo de existência do feminino, um modo de
subjetivar-se. Tendo isso em vista, buscamos compreender como, na leitura produzida
pela mídia, a mulher urbana se subjetiva, e, consequentemente, se significa no espaço
da cidade. Para trabalhar com essa questão, nós a levaremos ao ambiente escolar,
ambiente cuja característica de base é a de ser um lugar de interpretação (ORLANDI,
2003). Além do mais, segundo a autora citada, a Escola também faz parte da cidade,
em decorrência disso pratica urbanidade. Nessa perspectiva, reconhecendo que há um
laço entre o sujeito escolar e a cidade, procuramos investigar quais efeitos de sentido
são produzidos na leitura que o estudante (sujeito-aluno) faz da mídia televisiva. Mais
especificamente, estamos tratando de um dos pilares do pensamento discursivo que é
a questão da injunção à interpretação, injunção que implica colocar o sujeito na
condição de “sujeito de sentido”, porque o significar é elemento constitutivo do ser
humano, tomado, por sinal, como animal simbólico. Para realizar a pesquisa,
escolheremos entre uma ou duas Escolas localizadas na periferia de Campinas-SP e
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promoveremos discussões (via oficinas) com alunos do Ensino Médio. Nosso arquivo é
composto pelas séries televisivas Aline, Antônia e Alice. As duas primeiras foram
produzidas e exibidas pelo canal de TV aberta Rede Globo e a terceira pelo canal de TV
por assinatura HBO Brasil. Nosso propósito não é o de trabalhar com a totalidade das
séries, mas sim, em virtude do princípio metodológico da AD, selecionar e recortar
trechos dos episódios que abordem, de alguma forma, a relação entre mulher e
cidade. Outro ponto norteador da pesquisa consiste em pensar a mulher sob a ótica do
plural. Por conseguinte, para sustentar e garantir esse raciocínio, nos valemos da
reflexão feita por Pêcheux (2011) acerca dos objetos paradoxais. Assim, olhamos o
objeto mulher urbana como paradoxal, porque traz em si mesmo a marca do
contraditório que o constitui, de tal maneira que não há como produzir um efeito
interpretativo focado somente no homogêneo. Algumas questões se revelam
operantes para o exercício de análise, perguntamos então: qual (is) visão (ões) de
cidade é (são) produzida (s) pelas narrativas seriadas? A par das especificidades de
cada mulher urbana dessas séries, quais as semelhanças e diferenças entre os modos
pelos quais são discursivizadas? A cidade de São Paulo, cenário urbano de todas as
séries, se significa, também ou não, como uma das protagonistas da narrativa,
tornando um elemento significativo junto à (s) mulher (es) urbana (s)? A propósito da
etapa de análise, é importante dizer que não somente as séries serão objeto de
estudo, mas também os textos produzidos pelos alunos em virtude das discussões e
reflexões que serão promovidas. O estudo das séries, por consequência, nos leva a
pensar na circulação de sentidos que está organizada na visão polarizante estabelecida
entre os espaços de significação centro e periferia. Sendo assim, propomo-nos, ainda,
a refletir sobre um recorte inicial feito de nosso arquivo de pesquisa que busca
mostrar a construção e disseminação de sentidos homogeneizantes em torno do que
se entende por centro e periferia. Diante da pergunta: Qual (ais) visão (ões) de urbano
é (são) produzida (s) pelas séries? é possível chegar a um imaginário social de que o
centro é o lugar da novidade, do avanço, em contrapartida a periferia é o lugar da falta
de oportunidade. Além do mais, esse jogo opositivo traz uma visão padronizada na
medida em que coloca como protagonistas do espaço central mulheres de cor branca,
enquanto que as protagonistas do espaço periférico são mulheres de cor negra.
Linguística
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Vanderlei Martins Ribeiro de Miranda
Universidade Federal de Minas Gerais
OS CAMINHOS DA ESTRADA REAL: O LÉXICO RURAL DO MUNICÍPIO DE SABINÓPOLIS-
MG
O presente resumo aborda o estudo do léxico rural do município de Sabinópolis-MG,
tendo como base o projeto de Mestrado em andamento intitulado "Léxico e cultura:
um estudo linguístico na área rural do município de Sabinópolis-MG", projeto este sob
a orientação da Prof. Maria Cândida Trindade da Costa Seabra. Dessa forma, nosso
intuito é recolher lexias que nos permitam verificar casos de variação linguística entre
a língua padrão e o léxico rural do município em questão. Além disso, nossa intenção é
relacionar aspectos linguísticos com aspectos extralinguísticos, tendo em vista o
desenvolvimento de uma pesquisa que possa articular as questões lexicológicas com
aspectos culturais, sociais e históricos dessa região de Minas Gerais. Sobre este último
aspecto, a questão histórica, é de se considerar que o território onde se encontra hoje
a cidade de Sabinópolis fazia parte, no passado, de umas das mais antigas regiões de
Minas Gerais, a comarca do Serro Frio, e atualmente faz parte da região da Estrada
Real. Daí nosso interesse em estudar o léxico dessa região, tendo em vista que, por ser
uma região muito antiga, poderíamos encontrar aí vestígios de traços linguísticos que
nos revelassem aspectos importantes do português dos séculos XVI, XVII e XVIII, e que
se encontraria hoje em desuso, persistindo apenas em algumas regiões rurais.
Considerando ainda essa hipótese, deve-se atentar também para a possível influência
do português arcaico trazido pelos bandeirantes para essa região de Minas Gerais.
Sendo assim, a rota das bandeiras representa um marco decisivo no tocante à história
da língua portuguesa em território mineiro, sendo o estudo dessas rotas de suma
importância para os estudos linguísticos atuais, sobremaneira no que tange à pesquisa
dialetológica. Além disso, estudar a região de Sabinópolis nos parece bastante
importante pelo fato de que, por ser uma região de formação cultural, social e
linguística bastante heterogênea, tendo em vista os diversos grupos sociais que
estiveram presentes nos primórdios da chamada região cultural da mineração em
Minas Gerais – baianos, portugueses, paulistas, pernambucanos, negros e índios,
temos um léxico multicultural, rico “em termos do mundo rural”, da natureza, da
heterogeneidade social e, ainda, de vocábulos do universo da mineração,
demonstrando dessa forma a importância que essa atividade exerceu na formação
cultural e social do Estado de Minas Gerais. É consenso entre estudiosos que, por ser o
léxico a área da língua que mais reflete a cultura de uma sociedade, é por meio dele
que podemos conhecer traços importantes da língua, da cultura e da sociedade dos
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séculos XVIII e XIX em Minas Gerais. Uma forte justificativa, também, para a realização
desse trabalho é o fato de haver pouquíssimas pesquisas na área de lexicologia relativa
à região do Serro e da Estrada Real, realizadas na UFMG – temos conhecimento apenas
da dissertação de mestrado em andamento de Cassiane Josefina de Freitas, intitulada
"O léxico na Serra do Cipó". Para coletar e descrever o léxico dos entrevistados de
Sabinópolis e realizar posterior análise sincrônica e diacrônica, a fim de verificar a
questão da variação e mudança linguística como, também, casos de retenção,
apoiaremos nas teorias da Sociolinguística e da Linguística Histórica – em Labov (1972,
1982, 1994), Tarallo (1985) e ainda na questão das redes sociais proposta por Milroy
(1992). Por ora, no andamento do nosso trabalho, podemos dizer que já recolhemos
um número significativo de lexias que revelam aspectos interessantes da cultura,
história e vida social da região estudada, antecipando assim, algumas hipóteses que
levantamos no início de nossa pesquisa. Partindo da metodologia sugerida por Labov
(1982), foram feitas entrevistas orais com 10 moradores da zona rural de Sabinópolis.
Após a transcrição de tais entrevistas, será feito o levantamento do léxico que melhor
reflita a cultura local e posterior análise diacrônica das formas encontradas. Será feita
também pesquisa em dicionários para se verificar a existência ou não das lexias na
língua portuguesa no período compreendido entre os séculos XVIII e XX. A realização
das entrevistas não constou de um questionário com perguntas previamente
estabelecidas, mas por meio de uma conversa informal foi seguido um roteiro mais ou
menos pré-definido que abordaram assuntos relativos à vida no campo, aos hábitos e
costumes, a vida social e religiosa, assim como a sua cultura e historia locais. A escolha
dos informantes foi baseada nas normas estabelecidas pelo projeto ‘Pelas trilhas de
Minas: as bandeiras e a língua nas Gerais’, projeto da Faculdade de Letras da UFMG,
coordenado pela Professora Doutora Maria Antonieta Mendonça de Amarante Cohen
e desenvolvido entre os anos de 2003 e 2006. As normas preveem que, em condições
ideais, o falante deve: a) ter idade igual ou superior a setenta anos; b) ser oriundo
preferencialmente de localidades rurais; c) ter nascido ou passado a maior parte de
sua vida na região que está sendo estudada, e d) ter baixo grau de escolaridade ou ser
analfabeto. A escolha de tais informantes deve-se ao fato de o vocabulário usado por
pessoas enquadradas nesse perfil tender a mostrar um léxico mais próximo ao
vernacular, além de revelar possíveis retenções linguísticas. Para a transcrição das
entrevistas foi adotada também a metodologia proposta pelo já mencionado projeto
“Pelas Trilhas de Minas: As bandeiras e a língua nas Gerais”. Sendo assim, a nossa
pesquisa se caracteriza por realizar um estudo linguístico com enfoque no léxico, no
município de Sabinópolis / MG, tendo como suporte o tripé: léxico, história e cultura,
tendo como principais objetivos os seguintes: i. fazer levantamento do vocabulário
encontrado na região, por meio de entrevistas orais; ii. realizar estudo linguístico-
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cultural na região de Sabinópolis, tendo como enfoque a rede semântica do mundo
rural; iii. realizar a descrição de tal vocabulário coletado nas entrevistas; iv. organizar
um glossário com as lexias encontradas; v. selecionar aspectos socioculturais da região
estudada a contribuírem na futura análise do corpus; vi. buscar vestígios de
vocabulários do século XVIII e XIX que possam ser casos de retenções linguísticas; vii.
contribuir, por meio do material coletado, para a criação de um banco de dados que
auxiliará futuras pesquisas linguísticas e culturais na região.
Vera Lucia da Silva
Universidade Estadual de Campinas
CARTAS MANUSCRITAS: SUJEITO DE DIREITO NA LÍNGUA E NA HISTÓRIA
A pesquisa que desenvolvo, em nível de doutorado, tem sua materialidade produzida
em um cenário institucional repressor em que sujeitos, na posição de presidiários,
cumprem pena privativa de liberdade. A Análise de Discurso francesa que tem como
seu fundador Michel Pêcheux é o pilar teórico que me instiga e também me desafia a
trabalhar analiticamente com um arquivo de cartas produzidas na prisão e enviadas
para destinatários diversos que estão na sociedade extramuro. A pergunta norteadora
da pesquisa sobre como esses sujeitos de direito se significam na/pela língua,
materializada na produção de correspondências, me direciona a fazer um percurso
teórico, histórico e analítico, a partir da hipótese de que esses sujeitos de direito,
ideologicamente interpelados, se submetem, mas também resistem na constituição
dessa forma-sujeito histórica capitalista que se concretiza historicamente a partir da
Revolução Francesa (HAROCHE, 1992). Pensar a transição do sistema feudal para o
capitalista me auxilia a compreender como esse sujeito de direito passa a ser
necessariamente construído no novo modo de produção, passando a gerir as
condições sociais, econômicas e políticas da sociedade e que se manifestam no
discurso produzido por esses sujeitos individuados pelo Estado (Orlandi, 2002, 2010,
2011), através de suas instituições. O objetivo é traçar um percurso analítico, através
dos dizeres interpretados enquanto logicamente estabilizados, mas com pontos de
deriva que possibilitam interpretações (PÊCHEUX, 1983) nos possíveis efeitos de
sentidos produzidos pela constituição, formulação e circulação (ORLANDI, 2001) dessas
correspondências nas diversas posições-sujeitos que significam o presidiário pela
materialidade da língua na escrita. Conforme a Constituição Federal de 1988 (CF/88),
esse jeito de se comunicar (ou não) é instituído como um direito, embora não
absoluto, diante do enunciado que assegura a (in)violabilidade da correspondência. No
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entanto, diante de penitenciárias “devassáveis por celulares” (ORLANDI, 2004), a carta,
com todos os empecilhos burocráticos que sobre ela recai, como a demora em
despachar, a censura que controla, devassa e invade a privacidade/intimidade daquele
que a escreve e até a impede em transpor os muros da prisão, está assegurada na Lei
de Execuções Penais de 1984 (LEP/84) como um direito da pessoa presa, desde que
“não comprometa a moral e os bons costumes” (Art. 41, § XV). É nessa produção
escrita de agentes de violência que estão com o seu direito de “ir e vir” suspensos e,
por conta disso, com uma série de regras produzidas e impostas pelo Aparelho
Repressor do Estado – ARE (ALTHUSSER, 2008) que estou desenvolvendo uma análise
discursiva das regularidades que compõem esse material linguístico, dentro do limite
do que pode e deve ser feito com a folha, ainda em branco e, particularmente, da
minha situação diante de duas posições que se sobrepõe: a de funcionária e
pesquisadora. Mas não há ritual que não falhe (PÊCHEUX, 2009) e, diante do espectro
da Era do Chumbo, esses escritores resistem/subvertem, se materializam
(corporificam) no papel e, pela língua, transpõem os muros da prisão. Se não há como
resistir ao processo de interpelação; há como resistir pelas possíveis brechas e
rupturas da falha da língua na história, a esses modos de individuação (ORLANDI,
2010). Como o homem é um sujeito condenado à interpretação, não perderei de vista
a afirmação de Pêcheux (2009) de que o sentido não está na palavra literal, mas na
posição do sujeito que a diz ou escreve. Estas chegam abertas nas mãos dos agentes
do Estado, ou seja, diante da intimidade exposta, o preso cria seus mecanismos de
defesa, ora silenciando, ora usando outras palavras com sentidos criados
situacionalmente para esta situação específica. Nesse caso, a vigilância é mútua: o
agente vigia o preso; o preso vigia o agente. O agente é prejudicado pela rotina; o
preso é beneficiado por ela. Essa luta em que a norma e a lei se embatem, mas
também se imbricam, produz uma política de consenso entre a instituição e o
presidiário, enquanto sujeito jurídico requalificado pela punição e não mais pela
concretização da vingança do rei em forma de suplício (FOUCAULT, 2006). A vingança
tornou-se (in)tolerável, pois a partir da Revolução Francesa, a transparência, a
completude e a tentativa de estabelecimento de sentidos homogêneos e unívocos
pelas legislações são marcas de um novo modelo de funcionamento social. Como
afirma Haroche (1992), os agentes não são sujeitos livres, pois agem em e sob as
determinações das formas de existência histórica das relações sociais jurídico-
ideológicas que impõe a todo indivíduo a forma de sujeito. O assujeitamento, ligado à
ambiguidade do termo – livre e responsável, passivo e submisso – exprime a ficção de
liberdade e de sua vontade própria, ou seja, ele é determinado, mas, para agir, deve
ter a ilusão de ser livre mesmo quando se submete. A partir das questões
apresentadas, a análise da língua – equívoca, imaginária e opaca – formulada na
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escrita desses indivíduos em posição discursiva de presidiário, o sujeito diz o que diz,
se assume como autor, se representa como origem do que diz com suas necessidades,
sentimentos e expectativas. Sujeito determinado pela exterioridade, mas na forma-
sujeito histórica capitalista, ele é constituído pela ambiguidade de determinar o que
diz (ORLANDI, 2001) e é sobre esses dizeres escritos que pautarei minha análise sem
me desprender do discurso enquanto um processo contínuo que não se esgota em
nenhuma situação particular.
Victor Cavalcanti Mariano Universidade Federal da Bahia
DPS SEM DETERMINANTE NO BRASIL: O CASO DE HELVÉCIA
O processo de formação do português brasileiro (PB) sempre intrigou pesquisadores
que querem entender as diferenças entre o português falado no Brasil e o falado na
Europa (português europeu, PE). Das propostas que visam explicar as diferenças
sintáticas encontradas entre o PB e o PE, duas se destacam: uma que defende que o
contato entre línguas e o aprendizado defectivo do português pelos escravos é o
principal caracterizador do processo de formação do PB (LUCCHESI, 2003; 2009a;
2009b); outra que defende que o contato entre línguas acelerou um processo de
deriva secular do português no Brasil e que esse processo estaria somente no início na
Europa (NARO, SCHERRE, 2007). As diferenças entre o PB e o PE se concentram, na
sintaxe, principalmente, nas variações de concordância nominal e verbal. Embora essas
sejam as diferenças que mais chamam atenção, outra diferença sintática entre estas
variedades do português é percebida e pode lançar luz sobre a questão da formação
do PB: a ocorrência de DPs nus na posição de sujeito. Segundo Ribeiro e Cyrino (2010,
n/p), “conforme apontado em diversos trabalhos, nus singulares não são possíveis em
posição de sujeito em línguas como o espanhol, a menos que sejam prosodicamente
marcados”. Nas línguas românicas e germânicas que possuem artigos, a realização de
DPs nus é restrita, sendo incomum a presença de DPs nus singulares na posição de
sujeito com leitura existencial (i.e., em que indicar a existência do objeto referenciado
no discurso é o foco da sentença) ou genérica (i.e., em que o foco da sentença é
generalizar o objeto referenciado). Os exemplos abaixo ilustram tais fatos:
(1) Português brasileiro
a. Cachorro gosta de gente. (Genérico) (SCHMITT, MUNN, 1999, p. 7)
b. Mulher esteve discutindo política (Existencial) (SCHMITT, MUNN, 1999, p. 8)
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(2) Português europeu
a. *Cachorro gosta de gente. (Genérico) (SCHMITT, MUNN, 1999, p. 7)
b. *Mulher esteve discutindo política (Existencial) (SCHMITT, MUNN, 1999, p. 8)
(3) Inglês
a. *Child is intelligent. (Genérico) (SCHIMITT, MUNN, 1999, p. 1)
b. *Child arrived. (Existencial) (SCHIMITT, MUNN, 1999, p. 1)
O que intriga na realização de DPs nus na posição de sujeito no PB é o fato de que eles
são característicos dos idiomas crioulos, mesmo quando estes possuem artigos
definidos e indefinidos. Como pode ser observado nos exemplos abaixo, retirados do
crioulo de Cabo Verde (BAPTISTA, 2007):
(4) a. Amigu ka ta faze keli. (Genérico) (p. 77)
Amigo NEG TMA fazer isso
“Amigos não fazem isso.”
b. Nu tenha xefri ki ta leba libru ku nos. (Existencial) (p. 77)
Nós ter chefe COMP TMA levar livro com nos.
“Nós tínhamos um chefe que pegava livro conosco.”
Além dessas realizações, as línguas crioulas atestam a ocorrência de DPs nus contáveis
com referência específica na posição de sujeito da sentença, ou seja, DPs nus em que o
nome faz referência a objetos específicos no mundo. Nestes casos, é esperado que, em
línguas que possuem artigos, o nome seja acompanhado pelo artigo definido. Nas
línguas crioulas, chama atenção também o fato de os nomes nus singulares poderem
ter interpretação de singular ou de plural. A realização de nomes sem artigo, com
leitura referencial / específica, pode ser observada nos exemplos de Bapstisa (2007) do
crioulo de Cabo Verde:
(5) a. Mudjer gosta d’el, fi ka ku el ala.- Interpretação Singular (p. 77)
Mulher gostar de ele ficar com ele lá.
“Mulher gosta dele e de ficar com ele lá.”
b. Kaza di es aldeia e baratu. – Interpretação Plural (p. 71)
Casa de essa aldeia ser barato.
“As casas dessa aldeia são baratas.”
Tendo em vista o que foi dito acima, é interessante observar o fato de o PB permitir a
realização de DPs nus singulares em contextos em que praticamente só as línguas
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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crioulas permitem, como nominais com leitura genérica ou existencial na posição de
sujeito sentencial. É ainda mais relevante a observação de que, em algumas variedades
do PB, notadamente aquelas faladas por brasileiros afrodescendentes que vivem em
comunidades rurais isoladas, é comum encontrar registros de ocorrências de DPs nus
com leitura referencial / específica, como os encontrados nos inquéritos de Helvécia
no curso do meu mestrado. Tal fato pode ser evidenciado através dos exemplos
abaixo, retirados do inquérito HV-15:
(6) a. E nasceu, e criô, casô... tá no lugá, marido morreu...
b. Mar Bento já ficô com medo, pensava que... que onça ia...levantá. e ele foi de
fofotano, assim...que aí, mair na frente, pegô o picado, ó... Pisô pra fora, e chamô a
gente de ir pra lá e...
Assim, o estudo aqui realizado, analisa os inquéritos HV-15 e HV-16 do corpus do
Português Afro-brasileiro, acervo do Projeto Vertentes do Português Popular do
Interior do Estado da Bahia, coordenado pelo Prof. Dr. Dante Lucchesi da Universidade
Federal da Bahia, com base no Programa Minimalista da Gramática Gerativa
(CHOMSKY, 1995), a fim de descrever os contextos sintático-semânticos em que não
ocorrem determinantes antes dos nominais nos corpora estudados. Além disso, busca-
se também fazer a análise dos contextos em que o determinante ocorre antes dos
nominais, a fim de que se possa fazer um esboço da estrutura dos DPs na fala das
habitantes de Helvécia.
Wellington da Silva
Universidade Estadual de Campinas
ANÁLISE FONÉTICO-ACÚSTICA DA EXPRESSIVIDADE DE EMOÇÕES EM DEPOIMENTOS
REAIS.
As emoções humanas podem ser expressas de várias formas. Apesar de serem as
expressões faciais mais investigadas, a expressão das emoções pela fala recebeu muita
atenção nas últimas décadas, em parte por causa do desenvolvimento de meios de
comunicação como o rádio e o telefone e, mais recentemente, de sistemas de síntese
de fala e de reconhecimento automático do falante. O termo “emoção” pode ser
facilmente confundido com outros afetos (como as atitudes). Desse modo, é
importante deixar claro a noção de “emoção” adotada neste trabalho. William James,
em seu clássico artigo de 1884 “What is an emotion?” (publicado no periódico Mind),
Linguística
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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define emoção como a experiência que temos das diversas alterações corporais que
sofremos ao presenciar certo evento no ambiente. Ao fenômeno de presenciar um
evento no ambiente deu-se, posteriormente, o nome de avaliação (appraisal). De
acordo com essa visão, o processo de avaliação informa ao organismo as
características do ambiente, deixando-o apto a agir sobre elas. Segundo Scherer
(“Psychological models of emotion”, 2000) as emoções diferem dos demais estados
afetivos por serem intensas e de curta duração, caracterizadas por um alto grau de
sincronismo de quase todos os subsistemas do organismo, produzidas através de uma
avaliação cognitiva do organismo sobre eventos externos e internos e também por se
alterarem rapidamente. Scherer desenvolveu um modelo teórico para explicar como o
processo de avaliação opera: o modelo de processos componenciais. Essa teoria
postula que os diversos subsistemas de processamento de informação do organismo
(cognitivo, motivacional, fisiológico e motor) continuamente checam estímulos
internos e externos através de critérios definidos, os SECs (Stimulus Evaluation
Checks), os quais ocorrem em uma ordem fixa. O autor especifica os seguintes SECs:
verificação de novidade, verificação de prazer intrínseco, verificação da relevância do
estímulo para as metas/necessidades do organismo, verificação do potencial de
controle do organismo sobre o evento e verificação da compatibilidade do evento com
normas sociais e internas ao organismo. Os resultados dos SECs terão influência no
sistema nervoso somático e no sistema nervoso autônomo do organismo. Este último
tem um efeito direto na fala, já que é responsável por controlar a respiração e a
salivação. O sistema nervoso somático, por sua vez, está relacionado com o controle
voluntário dos músculos. Os efeitos dos SECs no corpo alteram alguns parâmetros
acústicos da voz. As pesquisas sobre fala expressiva buscam, portanto, descobrir quais
parâmetros acústicos caracterizam cada emoção (assumindo que as emoções possuem
padrões específicos de mudanças nos parâmetros), bem como quais parâmetros são
usados pelos ouvintes para inferir o estado emotivo do falante. Os parâmetros mais
investigados na literatura são aqueles relativos à vibração das pregas vocais
(frequência fundamental), ao tempo (taxa de elocução e duração de enunciados e
pausas), à intensidade (quantidade de energia no sinal de fala) e à qualidade de voz
(distribuição da energia no espectro de frequência). É assumido que cada emoção é
constituída por um conjunto de dimensões ou primitivos emocionais. As dimensões
mais estudadas são: ativação, valência e dominância. A ativação diz respeito ao grau
de atividade do organismo, indo de calmo a agitado. Por sua vez, a valência tem a ver
com o grau de prazer que o evento oferece, sendo as emoções comumente
distinguidas nessa dimensão em positivas ou negativas. Por fim, a dominância refere-
se à possibilidade do organismo em lidar com a situação. A alternativa de se usar
dimensões evita o problema da confusão que pode ocorrer com os itens lexicais,
Linguística
159
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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sobretudo para emoções da mesma família (por exemplo, medo, pânico e ansiedade
são considerados como sendo da mesma família). A presente pesquisa tem por
objetivo determinar quais medidas acústicas melhor discriminam (e identificam) as
emoções expressas em trechos de fala extraídos de depoimentos reais e em que grau
elas são afetadas pelo estado emotivo do falante. Também será investigada a relação
entre as respostas dos sujeitos em testes de percepção e os valores obtidos para os
parâmetros acústicos medidos, com a finalidade de investigar em quais “pistas
acústicas” os sujeitos se baseiam para identificar o estado emocional do falante pela
sua voz. Os trechos de fala a serem utilizados serão extraídos de depoimentos reais,
contidos no filme nacional de estilo documentário “Jogo de cena”, que foi dirigido por
Eduardo Coutinho e estreou em 2007. Serão conduzidos dois tipos de teste de
percepção: usando itens lexicais emotivos e usando dimensões emocionais. No
primeiro, serão apresentados aos juízes os trechos de fala e estes deverão selecionar
um item lexical daqueles apresentados para “nomear” a emoção sentida pelo falante
do trecho. No segundo tipo, após ouvirem cada trecho de fala, os juízes deverão
classificar cada primitivo emocional em uma escala graduada de 1 a 5, podendo
escolher valores intermediários, de acordo com o grau do primitivo que o falante do
trecho apresentou. Desse modo, será possível investigar qual das duas alternativas
(itens lexicais afetivos stricto sensu ou dimensões) resulta em uma porcentagem de
reconhecimento das emoções maior pelos juízes e se as dimensões são interessantes
para descrever estados emocionais. As classes de parâmetros a serem medidas são:
frequência fundamental (f0), primeira derivada de f0 (df0), intensidade, inclinação
espectral (SpTt: spectral tilt) e Espectro Médio de Longo Termo (LTAS). Dessas classes
serão medidos os seguintes descritores estatísticos: f0: mediana, interquartil,
semiamplitude, quartil 0,995 e assimetria (skewness); df0: média, desvio-padrão e
assimetria; intensidade: assimetria; SpTt: média, desvio-padrão e assimetria; LTAS:
desvio-padrão. Essa etapa será realizada automaticamente por meio de um script para
o programa PRAAT (http://www.praat.org) implementado por Barbosa (2009). A
coerência entre as respostas dos juízes obtidas com o teste de percepção será avaliada
através do teste estatístico “Inter-Rater-Reliability”. As dimensões serão submetidas a
uma análise de PCA (Principal Component Analysis), a fim de reduzir o número de
dimensões para apenas as mais expressivas. Finalmente, os fatores de PCA serão
correlacionados com os valores obtidos para os parâmetros acústicos, através da
análise de regressões múltiplas.
Linguística Aplicada
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Adolfo Tanzi Neto
Universidade Estadual de Campinas
NOVOS ESPAÇOS E TEMPOS E AS CONTRIBUIÇÕES DO CONCEITO DE CRONOTOPIA E
REMEDIAÇÃO
Desde o início da evolução da internet, são frequentes as discussões sobre as questões
de participação dos usuários nos meios tecnológicos. Wikipedia, YouTube, Twitter,
Facebook, Tumblr são sites que protagonizam esse cenário: usuários de diferentes
partes do mundo colaborativamente discutem diferentes temas; constroem novos
espaços de socialização; debatem sobre política, ética, sociedade; dividem
experiências, conhecimentos etc. Entretanto, o grande entrave tem sido quando
tentamos levar essa colaboratividade/participação para o campo da educação.
Acreditamos que um novo olhar deva ser colocado sobre essas questões, a simples
transposição didática do presencial para o digital não nos parece ser suficiente, sendo
assim, acreditamos que as contribuições dos estudos cronotópicos e remediação
possam nos levar a novas reflexões para a educação mediada por novas tecnologias.
Novas ferramentas são constantemente disponibilizadas para professores no mercado
das tecnologias digitais educacionais, sendo elas chats escolares, ambientes virtuais de
aprendizagem, wikis para escrita colaborativa, redes sociais educacionais etc., todas
com o objetivo maior de que o usuário participe, colabore, compartilhe e construa
conhecimento. Percebemos, hoje, uma grande frustração por parte dos professores ao
propor o uso de ferramentas tecnológicas da web nos ambientes escolares devido à
falta de interesse de participação dos alunos, seja em fóruns de bate-papo,
ferramentas colaborativas ou ambientes virtuais de aprendizagem. O fato é que, na
maioria dos casos, a interação do aluno com o objeto de estudo na web não se dá com
tanta facilidade como se é esperado por esses educadores. Nesse sentido, vem bem a
propósito as considerações de Lemke (2004) de que as práticas culturais e normas da
sociedade e o modo como isso está imbuído no hábito de nossos corpos, nossa
disposição para ação, as ferramentas que nos são providas e as arquiteturas que nos
vivemos tendem a convencionalizar, se não transformar em rotina, as formas nas quais
nós agimos em diferentes lugares, nos movemos de lugar pra lugar, de contexto a
contexto no curso do dia, da semana, ou mais, e fazemos uso do lugar e
experimentamos espaço e tempo no cruzamento desses contextos.Para o autor,
nossas práticas culturais tendem a convencionalizar certas ações, dessa forma,
acreditamos que, no campo educacional, muitos profissionais e escolas estão apenas
fazendo uma convencionalização de um ambiente escolar tradicional para o digital,
partindo-se de um deslumbramento de ferramentas e equipamentos disponíveis no
Linguística Aplicada
161
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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mercado atual. Diante disso, é pertinente olhar para esses contextos de aprendizagem
na web sob novas perspectivas. Para tanto, as contribuições dos estudos cronotópicos
e das questões de remediação são de grande valia para explorar essa problemática.
Bakhtin escreve sobre as questões de cronotopia, mencionando a Ágora na clássica
Atenas, os salões e bulevares de Paris do século XIX como arenas para discursos orais e
escritos. Sendo assim, na contemporaneidade a Ágora, os salões e os bulevares
parisienses se dão nos meios tecnológicos em ambientes virtuais, onde hoje são as
nossas arenas para discursos orais e escritos, ou seja, foram o que chamaremos de
remediados por meios tecnológicos. Para Bolter e Grusin (2000), os novos meios
tecnológicos reusam meios e espaços anteriores. Como a pintura para a fotografia, o
romance para o cinema, o telefone para a teleconferência, a imprensa para o
hipertexto eletrônico, com esse reuso, uma nova redefinição do meio se faz
necessária, mas não há, necessariamente, uma conexão entre elas, essa conexão
poderá acontecer se o leitor ou expectador conhecer as duas versões, por exemplo, a
leitura de um livro com o filme do mesmo no cinema, as características de uma pintura
para a sua fotografia, etc. Para tanto, a representação de um meio para outro é o que
os autores chamam de remediação, que é parte característica dos novos meios digitais.
É inquestionável a intensa interatividade nos meios digitais, temos grandes sites onde
milhões de internautas discutem um tema, mudam a política de um país, transformam
a cultura de um povo, desenvolvem novas ferramentas de acesso e de uso para as
redes, etc. Se olharmos para a educação nos meios tecnológicos e em seus atos de
remediação até o momento, percebemos que houve apenas uma transposição do
ambiente escolar presencial para o virtual. Bostad (2004) aponta para a eminente
necessidade de se pensar na educação mediada pelos meios tecnológicos, já que,
devido as TICs, nossas falas aparecem de novas formas, discurso eletrônico, por
exemplo, que gera novos objetos ou significantes de interpretação ambos para
pesquisar, para se comunicar em organizações ou para comunicações do dia a dia.
Entretanto, temos que lidar com uma demanda cada vez mais complexa. Nosso
mundo, como essa nova dimensão eletrônica, se torna a cada dia um ambiente mais
complexo, ou semiosférico em Lotman (1990) num senso de novos símbolos ou signos.
Esse mundo de novos signos demanda do indivíduo uma grande capacidade para lidar
com esses símbolos, o que deva ser letramento ou até mesmo a uma competência
interpretativa. Em ambas as instituições, trabalho e escola, temos experenciado uma
mudança de atividades face à face para atividades baseadas em símbolos em telas de
computador que (co)manipulam as normas, criando uma grande demanda de
participação do indivíduo nas habilidades de leitura e escrita. Para Lemke (2004), o
entendimento dos cronotopos é essencial para o design de ambientes educacionais e
mídias educacionais interativas, só assim teremos um cronotopo novo para um
Linguística Aplicada
162
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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homem novo – o da contemporaneidade que está inserido e novas formas de relações
humanas. Devemos lembrar que as Ágoras da clássica Atenas e os boulevards da Paris
dos século XIX foram hoje remediados por meios tecnológicos que criaram novos
cronotopos. Devemos repensar nos atos de remediação educacional para que o
mesmo aconteça na educação mediada pela tecnologia, pois estamos em uma nova
temporalidade e que deverá estabelecer diferentes transformações, uma renovação
dos sentidos do passado e a criação de sentidos futuros, que agora se inscrevem em
um novo espaço-tempo aberto às novas e constantes transformações.
Ana Elisa Toledo Lima Nascimento
Universidade Estadual de Campinas
AOS OLHOS DOS OUTROS: MUNDO ATRAVÉS DAS LENTES MIDIÁTICAS.
A TRADUÇÃO EM RELATO MIDIÁTICO
Na atual conjuntura tecnológica, fatos selecionados e noticiados vêm ganhando novas
formas de reprodução. Em vez de utilizar um único meio, multiplataformas midiáticas
são empregadas para a divulgação de acontecimentos e para a ampliação do público
receptor. No entanto, há de se considerar que cada um desses suportes sofre não
apenas influências de fatores externos – como situação histórico-social e contexto
geográfico-cultural –, mas também internos –critérios de noticiabilidade e linha
editorial. A ação desses fatores de influência reflete-se tanto na seleção das notícias,
nas abordagens e enfoques, quanto nas edições e traduções dos textos jornalísticos de
diferentes meios de comunicação. Em seu livroTranslation in Global News, Susan
Bassnett (2009) chama a atenção para o fato de que, muitas vezes, não paramos para
refletir a respeito do longo caminho que se pode mapear entre a ocorrência de um
fato e sua chegada até nós; situação que deveria merecer toda a nossa atenção.
Segundo afirma Armand Mattelart (2005), em Diversidade Cultural e Mundialização,
quando em um cenário no qual tudo parece ter uma relação essencial com o mundial –
a economia, o direito, as normas, as finanças, as comunicações, as redes associativas,
as ciências, as letras e as artes – o movimento para incluir as sociedades em tal relação
parece tão irresistível que se torna espelho de uma consciência universal, articulada
em outros níveis geográficos, e que acabam por resultar em uma tensão não somente
entre o global e o local, mas a partir de um global que já se apresenta fragmentado e
no qual a tradução – considerando a multiplicidade de línguas e a posição de língua
franca assumida pelo inglês – passou a ocupar o posto de “mediador chave da
comunicação global” (BASSNETT, 2009, p.18). Pelas línguas de tradução transitam não
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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apenas informações e acontecimentos, mas também (e principalmente) mitos, contos,
histórias e culturas. O presente trabalho tem como objetivo estudar a relação
globalização-tradução, abordando o modo como o fenômeno global vem interferindo
nos estudos de tradução, em especial seu funcionamento mais atual no ambiente
midiático. Em nosso estudo, partimos da constatação da existência de um filtro entre
um acontecimento e seu relato na imprensa (diversas formas de narrar o “fato ”), de
modo que a leitura que recebemos dele é, a exemplo das diversas traduções de um
mesmo texto, apenas uma entre muitas que um “mesmo” fato noticioso pode receber.
Assim, no intuito de melhor entendermos o posicionamento de cada mass media
diante dos eventos noticiados, bem como suas ideologias, propormo-nos a estudar as
linhas editoriais e sua influência na divulgação das traduções, através de entrevistas
com profissionais do meio midiático, sendo um dos focos de nosso questionamento a
formação dos profissionais responsáveis pelo processo tradutório. O estudo das
traduções será realizado com base em conceitos formulados por teóricos das linhas
pós-estruturalista como Rosemary Arrojo (1993, 1998, 2000 e outros), Lawrence
Venuti (1995, 1998, 2000, 2002, 2008); e no que Susan Bassnett (2009) chamou de
“escuta local”; escuta que para a maior parte dos brasileiros passou por uma tradução
não diretamente do inglês para o português, mas filtrada também pelas linhas
editoriais dos meios de comunicação. A percepção do envolvimento de parâmetros
culturais durante o processo de tradução de notícias entre fronteiras internacionais faz
com que enxerguemos que mais importante do que discutir o uso de estratégias de
domesticação ou estrangeirização (tradução que se mostra familiar para o leitor ou
que exige dele um esforço para se aproximar do estrangeiro) é compreender a visão
que um país (fonte) tem do outro (alvo), de sua cultura, costumes e valores; é a
“preocupação em entender o ‘outro’” (DENZIN & LINCOLN, 2006, p.15). Diante desse
panorama e ciente do papel exercido pelo jornalismo como organizador de perfis
culturais da sociedade, acreditamos ser importante (mais) uma reflexão sobre a
responsabilidade do tradutor no cumprimento de sua tarefa. Todo ato tradutório
implica uma escolha, uma preferência por essa ou aquela palavra, expressão ou verbo.
No entanto, quando o tradutor opta por um termo em detrimento de outro, omite um
relato que julga irrelevante ou adapta parte de uma notícia, ele talvez não tenha
consciência das possíveis consequências de suas escolhas tradutórias ou,
simplesmente, não entenda toda a responsabilidade embutida em sua tarefa.
Primeiramente, ele está lidando com a língua de um povo a qual, mais que um sistema
gramatical pertencente a um grupo de indivíduos e parte integrante da identidade de
uma comunidade, é a expressão de seus valores e de seu espírito (BURKE, Peter, 1993,
p. 10). Em segundo lugar, a tradução procede de acordo com um double-bindque lhe
concede o potencial de produzir efeitos sociais de amplo alcance, e possui um enorme
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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poder de construir representações de culturas estrangeiras (VENUTI, 2000, p.173-174).
Em trabalho mais recente, Venuti chama a atenção para o fato de que “a recepção de
uma tradução, como de qualquer produto cultural, não pode ser completamente
controlada, até porque o público tende a ser fragmentado em diversos camadas
culturais caracterizados por valores diferentes e mesmo conflitantes” (2008, p. 22).
Assim, talvez devêssemos considerar que mais que a transmissão dos fatos noticiados,
“o que emerge quando começamos a observar as maneiras como as notícias são
traduzidas mostra-nos que a tradução é muito mais que isso” (BASSNETT, 2009, p. 1).
Andrea Barros Carvalho de Oliveira
Universidade Estadual de Campinas
O IMPACTO DO ENEM NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE
O EFEITO RETROATIVO
As políticas educacionais brasileiras são elaboradas por instâncias superiores como
ministérios, secretarias estaduais e municipais ou órgãos ligados a estes sem a
participação dos demais envolvidos no processo educacional: professores, estudantes,
coordenadores, diretores e pais (Garcez, 2011). As decisões tomadas na esfera política
geralmente resultam em reformas educacionais, planos e resoluções com força de lei
que chegam à escola pública de maneira impositiva em forma de programas a serem
aplicados pelos professores. Dentro deste caráter intervencionista das políticas
educacionais, deu-se a criação e a utilização, em larga escala, de exames externos
como a Prova Brasil, a Provinha Brasil, o Saeb, o Enem e o Enade, cujos resultados são
utilizados na avaliação da educação básica e do ensino superior e orientam a adoção
de novas ações governamentais para a educação (http://portal.mec.gov.br, acesso em
16-08-2011). No caso do Enem, criado na década de 90 como parte da reforma
educacional do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, propôs-se
inicialmente um exame de caráter voluntário cuja finalidade era fornecer dados ao
governo sobre a situação do ensino médio (Lima, 2005). Atualmente, no entanto, o
exame vem ganhando maior notoriedade e importância no cenário educacional com a
adesão crescente de candidatos alavancada por medidas adotadas pelo MEC. Desde
2009, o Enem passou a ser usado com as seguintes finalidades: a) como condição
imprescindível para pleitear bolsa de estudos no Pro Uni; b) como forma de seleção
única em 51 instituições de ensino superior públicas através do Sistema de Seleção
Unificada (SISU); c) como prova de conclusão do Ensino Médio para estudantes
maiores de 18 anos matriculados no EJA (Educação de Jovens e Adultos); d) como item
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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obrigatório para solicitação de FIES (Financiamento do Ensino Superior)
(http://portal.mec.gov.br, acesso em 16-08-2011). Além disto, as Instituições de
Ensino Superior (IES) públicas e privadas vem sendo incentivadas pelo MEC a adotar o
Enem como substituto ou como componente de seu processo seletivo. Desta forma,
notamos que na atual política educacional do governo federal há um empenho em
transformar o Enem em um exame de entrada unificado para as instituições de ensino
superior públicas e privadas. O objetivo deste trabalho é realizar um levantamento
acerca da expectativa de acesso ao ensino superior por parte de alunos egressos das
escolas públicas e, sobretudo, investigar a existência e a natureza de um possível efeito
retroativo (Alderson e Wall, 1993) do Enem nas práticas educacionais que o precedem,
neste caso, especificamente no ensino de língua inglesa na escola pública. Neste
sentido, nos interessa saber se o exame exerce algum tipo de influência nas crenças de
professores e estudantes sobre o ensino e a aprendizagem de língua estrangeira e se
têm ocorrido mudanças nas práticas de ensino de língua inglesa no ensino médio
visando a uma preparação para o exame. O efeito retroativo é um fenômeno complexo
cuja “natureza e abrangência são controladas por uma ampla gama de fatores
educacionais, individuais e sociais. Fatores que também incluem o contexto político
em que um dado teste foi introduzido, o conhecimento, atitudes e crenças dos
professores, diretores, o papel dos elaboradores do teste, as relações entre os
participantes e os recursos disponíveis” (Chapelle e Brindley , 2002, p.280). O ensino é
um fenômeno multifacetado uma vez que compreende as dimensões social, ética e
política, além de ser diretamente influenciado por características individuais dos
participantes tais como fatores afetivos, cognitivos, atitudes e crenças. Santos Guerra
(2003, p.18) afirma que a avaliação deve sempre levar em conta “as condições em que
se produz a formação, não podendo ser considerada como um fenômeno alheio,
sobreposto, acrescentado e descontextualizado”. Ademais, avaliar é também um
fenômeno moral na medida em que suas repercussões terão sempre um impacto e
consequências para os avaliados, para as instituições e para a sociedade. Para atender
aos objetivos propostos, realizaremos uma pesquisa exploratória de cunho etnográfico
recorrendo à observação de aulas e ao uso de questionários e entrevistas com
professores e estudantes de escolas públicas do estado de São Paulo. Também
procederemos a uma análise do conteúdo das questões de língua inglesa do Enem e de
seus pressupostos teóricos tomando como base sua adequação aos objetivos
educacionais para o ensino médio estabelecidos nos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio. Outros estudos sobre a avaliação em língua
estrangeira, especificamente sobre exames de entrada, já foram realizados no
contexto brasileiro (Gimenez 1999; Scaramucci, 1997, 1999, 2002; Correia, 2003;
Retorta, 2007; entre outros). Entretanto, nenhum estudo, até onde sabemos, enfocou
Linguística Aplicada
166
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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o Enem e sua relação com o ensino de língua inglesa na escola pública. Entendemos
que existam outras contingências além dos exames externos atuando sobre o trabalho
dos professores de língua inglesa na escola pública. Entretanto, mesmo em face de
dificuldades e de limitações, o ensino de língua inglesa na escola pública, na maioria
das vezes, é a única fonte de instrução e de contato com esta LE para uma vasta
parcela da população estudantil brasileira. Entendemos que Linguística Aplicada (LA) é
uma ciência que se propõe a pesquisar e a teorizar a linguagem de forma
contextualizada e situada, e por isso, ela tem uma função preponderante no
entendimento e na busca de respostas pedagógicas para o ensino de LI na escola
pública. Neste sentido, Rojo (2006, p.258) indica que, no fazer atual da LA brasileira, já
superamos um momento de aplicar teorias emprestadas para testá-las; o nosso foco
passa a ser nos “problemas com relevância social suficiente para exigirem respostas
teóricas que tragam ganhos a práticas sociais e a seus participantes, no sentido de uma
melhor qualidade de vida”.
Cristina Fontes de Paula Costa
Universidade Estadual de Campinas
O GÊNERO RESUMO NA UNIVERSIDADE: POSSÍVEIS DIÁLOGOS
Este trabalho prevê a análise de resumos produzidos por alunos de primeiro ano de
diversos cursos de graduação que, por dificuldades em leitura e escrita, participaram
das oficinas do Programa de Apoio à Aprendizagem (PROAP), de uma Universidade
particular de Campinas. São analisados os resumos produzidos no primeiro dia das
oficinas, aplicados sem explicação prévia do gênero, procurando-se detectar, através
de indícios, diálogos entres os resumos e o texto-base e outros gêneros e discursos. À
luz dos conceitos de gêneros do discurso e dialogismo de Bakhtin (1990, 1992), o que
se nota é que “a orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo o
discurso (...). Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso
se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de
uma interação viva e tensa.” (BAKHTIN, 1990, p. 88). Consideramos, a partir de Bakhtin
(1992), que todo enunciado é uma resposta ativa a outros e, portanto, o resumo seria
uma resposta ao texto base e a outros textos/discursos. A metodologia usada é o
paradigma indiciário, “capacidade de, a partir de dados aparentemente
negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável
diretamente” (GINZBURG, 1989, p. 152), apropriado para analisar a complexa relação
entre sujeito e linguagem. Com um olhar de Sherlock Holmes para o texto, buscamos
Linguística Aplicada
167
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por pistas, singularidades que nos apontem para os possíveis diálogos. Além disso,
adotamos o olhar do pesquisador enquanto decifrador, que não vai ao texto sem
nenhuma questão a ser respondida, sem nenhuma hipótese, já que “as pistas
linguísticas não se oferecem espontaneamente ao desejo do analista.” (CORRÊA, 1997,
p. 5). As hipóteses, portanto, foram sendo construídas a partir de nossa visão de
linguagem, de nossos pressupostos teóricos. Não vamos ao texto, contudo, com um
olhar verificador, já que as hipóteses também vão sendo construídas a partir dos
dados, o que seria, segundo Fiad (2006), uma vantagem de se utilizar o paradigma
indiciário, que possibilitaria trabalhar “com os fenômenos ‘anormais’ mais do que com
a norma, com a possibilidade de ir em busca de explicações mais do que tentar
encontrar evidências para explicações já existentes.” (FIAD, 2006, p. 154). Como
pressupostos teóricos, utilizamos o conceito de letramento, dentro dos Novos Estudos
do Letramento (STREET, 2003), que o consideram “práticas, social e culturamente
determinadas” (KLEIMAN, 1995, p. 21). Utilizamos também o conceito de letramentos
acadêmicos, criado também no contexto dos Novos Estudos, que veem o contexto da
universidade como um meio constituído por várias práticas, permeadas por relações
de poder e de identidade (LEA, STREET, 2006). As pesquisas sobre letramento
acadêmico reconhecem, portanto, a complexidade das práticas de escrita nas
universidades, não julgando-as como “boas” ou “más”, o que também não é o objetivo
deste trabalho. Consideramos também pesquisas sobre o gênero resumo, sobretudo
Machado, Lousada e Abreu-Tardelli (2005) e Silva e da Mata (2002). Estas pesquisas
descrevem resumos de várias esferas, como o resumo de novelas, boxes de
reportagens, sinopse de filmes, orelha de livros etc., distinguindo esses resumos do
resumo escolar, tido como um instrumento de avaliação de leitura e escrita. As
discussões do resumo na esfera escolar apontam como suas principais características o
desejo de neutralidade e objetividade e, portanto, a importância da demarcação da
voz do autor (gerenciamento de vozes, segundo Machado, Lousada e Abreu-Tardelli,
2005) e o professor como único interlocutor. Primeiramente, é feita uma discussão
acerca do texto base, “Uma ecologia espiritual”, de Marcelo Gleiser, publicado na
Folha de São Paulo, caderno Ciência, em 15/08/2010. Podemos perceber vários
diálogos, como o diálogo com a ciência, com os discursos cristalizados que veem a
ciência e a religião como coisas opostas, com os discursos de preservação do meio
ambiente. Esses diálogos tornariam mais complexa a produção dos resumos, já que os
alunos teriam que lidar com várias vozes. Indo para a análise, procuramos identificar
quais as características do resumo produzido naquela situação, observando como os
alunos lidaram com o gênero. Analisamos a forma como o aluno se coloca no texto, se
ele se põe como autor da discussão e como ele lida com a voz do autor, a sua própria e
outras vozes presentes no texto base, como já discutido anteriormente. Com um olhar
Linguística Aplicada
168
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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indiciário para os dados, pudemos identificar um diálogo predominante: o diálogo com
a instituição escolar e suas práticas tradicionais de leitura e escrita, sobretudo com os
gêneros redação escolar, a partir do uso de argumentos do senso comum (PÉCORA,
1992) e uso do texto base como coletânea, e o gênero resumo escolar, a partir da
cópia e da leitura orientada para partes do texto, a fim de detectar as ideias principais.
A partir da análise podemos, portanto, tecer algumas considerações: os alunos fazem
diferentes diálogos, baseados em diferentes leituras, e se apegam a diferentes partes
do texto, guiados por suas leituras, experiências e conhecimentos precedentes (KOCH
& ELIAS, 2006). Os alunos produtores dos resumos analisados respondem à instituição
escolar, às suas práticas de leitura e escrita e a seus gêneros e isso faz com que essa
seja a concepção de resumos deles nessa situação. Assim, o diálogo predominante
com as práticas escolares remete ao momento histórico dos alunos, ingressantes na
universidade, que não se desvencilham de uma hora para outra de práticas anteriores,
já que estas são constituintes do próprio sujeito.
Cynthia Agra de Brito Neves
Universidade Estadual de Campinas
OS GÊNEROS POÉTICOS NA SALA DE AULA: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O
BRASIL E A FRANÇA
A tese de doutorado em andamento, em seu primeiro capítulo, faz uma pesquisa
histórico-comparativa a fim de contextualizar as raízes do ensino de língua portuguesa
no Brasil e do ensino de língua francesa na França, atentando para o momento em que
o ensino de Literatura se topicaliza como disciplina específica dentro do ensino das
línguas. O objetivo nesse primeiro momento é identificar heranças e influências da
pedagogia francesa na formação do nosso ensino, sobretudo em meados do século
XIX. O segundo capítulo direciona o olhar para o ensino de poesias na
contemporaneidade, discutindo, antes de tudo, a definição – polêmica, por excelência
– de “gêneros poéticos”: que variações são consideradas poéticas, que “gêneros” são
considerados hoje “poéticos” (sempre no plural) e, como tais, trabalhados nas escolas
de Ensino Médio no Brasil e na França. Para tecer essa discussão teórica, tomaremos
como referenciais Bakhtin (1997), Baroni e Macé (2006), Macé (2004), Genette, Jauss,
Schaeffer, Scholes, Stempel e Viëtor (1986). O terceiro capítulo investiga a presença
dos assim considerados “gêneros poéticos” em documentos oficiais estabelecidos pelo
Ministério da Educação de ambos os países. Nessa etapa, pretende-se apresentar as
políticas públicas que regem o Ensino Médio no Brasil e o Lycée na França, isto é,
Linguística Aplicada
169
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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apresentar os respectivos currículos oficiais. É objetivo desse capítulo, também,
explicar as avaliações do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e do Baccalauréat
(BAC) – exames nacionais aplicados no final do Ensino Médio brasileiro e no final do
segundo ("le première") e do terceiro anos ("le terminale") do Lycée francês –,
contextualizar o nascimento desses exames e sua atual constituição, atentando para a
forma como essas provas se propõem a avaliar aquilo que é determinado pelos
currículos nacionais de ambos os países. A ideia é observar e comparar como os
exames BAC e ENEM dos últimos dois anos tratam os gêneros poéticos. No quarto
capítulo, dá-se a vez aos procedimentos metodológicos da pesquisa de campo
realizada ao longo de 2011 em salas de aula de dois Lycées de Grenoble, na França.
Como pesquisadora-observadora, acompanhei atividades que envolviam a circulação
dos gêneros poéticos em classes do Ensino Médio francês, a fim de estabelecer
comparações com as dinâmicas realizadas e também observadas em dois colégios do
interior de São Paulo no Brasil ao longo de 2010 e 2012. Aplica-se, portanto, uma
metodologia de geração de registros e análise crítica dos dados (MOITA LOPES, 1999,
2002, 2003) uma vez que se trata de uma pesquisa qualitativa, de cunho subjetivista e
interpretativo, baseada em observações da pesquisadora em sala de aula e no uso da
triangulação (observações, documentos, entrevistas). Mais especificamente, a
pesquisa focaliza os seguintes aspectos: i) a formação ideológica do ensino no Brasil e
na França; ii) a questão do sujeito aluno-leitor-receptor do poético cá e lá; iii) os
interdiscursos: o que dizem os professores sobre o poético em sala de aula, o que
dizem sobre os currículos oficiais e o que dizem em classe sobre o BAC e ENEM, ou
melhor, como esses exames são apresentados e trabalhados com os alunos, com foco
também na forma como estes recepcionam as poesias e como se relacionam – seja
através da leitura ou da escrita – com os gêneros poéticos. O quinto capítulo dedica-se
à descrição e à análise dos dados. "Entre les murs" dos Lycées franceses, foi possível
constatar algumas semelhanças com as nossas práticas pedagógicas como, por
exemplo, o excesso de apelo a critérios formais e a busca pelas figuras de estilo nas
análises poéticas realizadas em sala de aula ou propostas pelos livros didáticos
franceses e brasileiros, tal como criticam Petit (2002) e Fontes (1999),
respectivamente. Na conclusão de Rouxel (2004), o Lycée transformou a leitura em
uma prática formal, dissecante, longe de desenvolver a sensibilidade dos alunos. Em
território francês, a avaliação da leitura poética em voz alta ("lecture expressive"), bem
como a produção de um tipo de texto chamado "commentaire composée" – ambas
exigências do BAC – também contribuem para distanciar os alunos do “prazer do
texto” poético (BARTHES, 2006). Na contramão desse sistema institucional poderoso e
controlador de discursos (FOUCAULT, 2006) – como tem se constituído a escola ainda
em pleno século XXI –, os alunos tentam, no limite, escapar aos ditames desse exame
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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nacional que, por sua vez, moldam o ensino-aprendizagem da língua e literatura
francesas, assim como o ENEM brasileiro em território nacional. Nesse sentido, ousam,
desafiam e surpreendem os docentes. Em algumas dessas dinâmicas, de que participei
como professora-pesquisadora no Brasil e na França, foi possível perceber que os
alunos se constroem como sujeitos leitores de uma leitura subjetiva, singular,
individualizada e, assim, fugem à convenção escolar que, em geral, oprime ou
marginaliza esse tipo de leitura subjetiva."Les poésies", "l’école" ( MARTIN, M. C.;
MARTIN, S., 1997), dois territórios, aparentemente tão avessos, podem conjugar-se em
razão desse sujeito-leitor-aluno – o que também foi testemunhado em sala de aula de
literatura francesa durante a leitura das poesias de "À lumière d’hiver", de Philippe
Jaccottet. Ao tematizar a morte de maneira tão intensa e tão sensível, aquelas poesias
emocionaram visivelmente duas alunas presentes na sala de aula, cujos pais estavam
muito doentes. Ambas e cada qual na sua dor (se) leram, (se) disseram, (se)
escreveram nas poesias de Jaccottet; uma leitura capaz de nos "toucher" o corpo e,
por extensão, a alma (NANCY, 2006). A caminho das considerações finais, conclui-se
parcialmente que, promover a leitura literária, poética, subjetiva seja um desafio para
os professores e um desafio possível de se realizar na escola, tanto no Brasil quanto na
França. Na esteira de nosso crítico Antonio Candido (1995), enfatiza-se ainda que esse
exercício de leitura constitui um “dever” da escola e um “direito humano” do cidadão-
aluno-leitor, sobretudo no momento atual, em que as demandas dos alunos exigem de
nós, professores, uma disposição a negociar os saberes – indo além do saber que se
deve, sim, conservar, mas também conduzindo a um "savoir-faire" – e por que não? –
a uma "poiésis".
Dáfnie Paulino da Silva
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
PRÁTICAS DE LETRAMENTO EM MUD
Em nossa dissertação, temos por escopo examinar as práticas de letramento que
ocorrem no interior do jogo de construção colaborativa MUD Valinor, um projeto de
fãs da obra de J. R. R. Tolkien. O presente trabalho aplica a metodologia do estudo de
caso e utiliza como fonte de dados um corpus coletado no servidor do jogo, além de
textos e depoimentos acumulados na comunidade.A princípio, para compreender as
práticas de MUD, abordaremos o panorama tecnológico que as fomenta e torna
possível um objeto como o Multi User Dungeon. As novas tecnologias de linguagem
são parte de uma cultura emergente, que constitui e engloba novas práticas letradas
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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que estão em conexão com eventos mais amplos: cultura de convergência e narrativa
transmídia, cultura colaborativa, inteligência coletiva e produsagem. Nesse cenário, os
novos letramentos estão relacionados a um conjunto de fatores históricos,
institucionais, culturais, a uma nova mentalidade na qual a participação tem um papel
preponderante (um novo ethos), e estão associados a uma interação ativa que se
tornou possível graças ao potencial das novas tecnologias digitais. Com as novas
tecnologias e formas de interação, surgem novas configurações sociais e novos
modelos de participação, como a produsagem. A produsagem é uma prática na qual a
figura do usuário-consumidor se hibridiza à figura do produtor (BRUNS, 2007), dando
origem ao produsuário, um sujeito emponderado que usa a tecnologia para acionar
práticas comunicativas, interagir com a indústria de entretenimento, produzir
significação e ser parte de fenômenos como a inovação ascendente. Embora criado na
década de oitenta, o MUD integra a essência desse cenário. O MUD Valinor consiste
em um jogo multiusuários, de RPG, em plataforma textual. No jogo, os usuários são
modificadores e construtores do ambiente, participando em uma hierarquia alternada
para o desenvolvimento e manutenção da plataforma. O MUD envolve uma dinâmica
social semelhante às plataformas colaborativas, com um sistema de governança,
convenções e práticas características quando o jogador interage com esse ambiente.
Mediante a complexidade do objetivo, desmembramos nosso escopo em três
perguntas de pesquisa que se completam: (1) Como funciona a dinâmica social no
espaço de afinidade que se apóia no MUD Valinor? (2) Quais as principais
características de letramentos de fãs em tal espaço? E (3) Quais são os gêneros
discursivos mais centrais para a prática desses letramentos e quais suas características
específicas? Ao longo da primeira questão, examinamos como o MUD Valinor
apresenta construções sociais complexas e pode funcionar como espaço de afinidade
ou comportar pequenas comunidades virtuais. No interior do jogo, os jogadores
reproduzem hierarquias e posturas do mundo real ou criam novas condutas; formam-
se nichos, há grupos populares e grupos excluídos. Deste modo, há formações sociais
que não podemos estudar em sua totalidade, mas que se revelam fundamentais para
entender a dinâmica social e sua relação com as práticas de letramento em curso, e
consequentes gêneros que emergem de tais práticas. O ambiente social dos MUD’s é
formado por dois grupos típicos: administradores (imortais) e jogadores (mortais).
Apesar da divisão inicial, existe uma responsabilidade compartilhada, uma forte
interação e fluxo entre os dois grupos. A equipe é formada tanto por administradores
(imortais) quanto jogadores (mortais), que discutem implementações e problemas do
jogo, ou atuam na construção de áreas, e gerenciamento de outros setores do projeto.
Assume-se que jogador mortal pode ter igual autoridade e conhecimento para
solucionar problemas, o conhecimento funciona em uma base todos-todos. O saber é
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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compartilhado e concorre para a existência de um sistema heterárquico e governança
compartilhada. Este aspecto participativo, construtivista e criativo é intrínseco à
experiência ‘mudiana’ (MURAY, 2005). Portanto, existe uma colaboração mútua e a
ocorrência de papéis fluídos; a sobrevivência e crescimento do jogo dependem de um
cenário que reúne funções, dimensões, habilidades, papéis e letramentos. Em suma,
um organismo colaborativo múltiplo em que os usuários migram continuamente entre
habilidades, alternando o poder. Na segunda questão de pesquisa, passa-se a estudar
os letramentos de fãs no MUD. Segundo Lankshear & Knobel (2007), temos a
perspectiva de letramentos como maneiras socialmente reconhecidas de gerar,
comunicar e negociar conteúdo significativo por meio de textos codificados em
contextos de participação no discurso. Associando essa perspectiva a de Lemke (2010),
acreditamos que os objetos (como o MUD) são parte constitutiva dos letramentos,
assim como os sujeitos, estratégias e práticas envolvidas. A partir desse aporte teórico,
foram estabelecidas categorias descritivas para as atividades típicas dos participantes
da comunidade; notamos que letramentos de fãs convivem com letramentos do jogo e
letramentos externos que se agregam à prática do prosuário mudiano. Identificamos
um conjunto de letramentos que abarca letramento em jogos, letramento em
produção textual, em literatura tolkieniana, letramento em programação e outros mais
variados. Alguns são típicos da construção colaborativa e outros externos, trazidos da
experiência de vida real dos jogadores. Observamos que os letramentos dos usuários
corroboram para papéis líquidos, funções e em todo sistema que torna possível a
existência do jogo. Na terceira questão de nossa pesquisa, objetiva-se verificar quais
são os gêneros discursivos / textuais centrais das práticas já mencionadas. Aplica-se a
teoria do russo Mikhail M. Bakhtin para estabelecer e distinguir gêneros específicos de
MUDs (ou seja, gêneros mudianos), e avaliar como esses gêneros se constituem e
processam suas funções vinculados à esfera de atividade do jogo. Utilizamos a teoria
para examinar a situação de produção dos enunciados, e compreender como esse
fator contextual é intrínseco ao conteúdo, construção composicional e estilo dos
referido enunciados. O que buscamos é uma análise dos gêneros textuais mais centrais
à prática dos letramentos de MUD, apresentando-os, examinando suas características
específicas enquanto gêneros digitais, para, ao final, refletir acerca das subversões e
renovações que acontecem quando os sujeitos (jogadores) têm liberdade para se
apropriar deles. Por fim, a presente dissertação pretende propor uma discussão sobre
as implicações dessas práticas letradas para o estudo de novos letramentos, além de
possíveis implicações e aplicabilidade de sistemas colaborativos com fins educacionais.
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Débora Secolim Coser
Universidade Estadual de Campinas
GALANET VERSUS BUSUU: AS DIFERENTES MEDIAÇÕES EM DUAS COMUNIDADES DE
APRENDIZAGEM COLABORATIVA
Esta pesquisa de mestrado em andamento pelo departamento de Linguística Aplicada
da Unicamp objetiva investigar comparativamente os efeitos das mediações
pedagógica, tecnológica e político-institucional na aprendizagem colaborativa tal qual
acontece nas comunidades virtuais de aprendizagem de línguas Galanet e Busuu e
como essas mediações influem na maneira como a colaboração é feita e nos
resultados alcançados pelos participantes. O Galanet é uma plataforma digital que
permite aos falantes de diferentes línguas românicas praticarem a intercompreensão,
uma forma de comunicação plurilíngue em que cada um compreende as línguas dos
outros e se exprime na(s) língua(s) românica(s) que conhece, desenvolvendo, assim,
em diversos níveis, o conhecimento destas línguas de modo colaborativo. Já o Busuu é
uma rede social criada por leigos na pedagogia de ensino/aprendizagem de línguas,
que proporciona unidades de aprendizagem para os seus usuários nas mais diversas
línguas. Os usuários da plataforma escolhem as línguas que desejam aprender,
trabalham nas unidades no seu próprio ritmo e recebem feedback sobre suas tarefas
por nativos da língua alvo, ou ainda conectam-se via chat com estes nativos para
aprender colaborativamente praticando ou não a intercompreensão. As mediações
aqui referidas caracterizam-se pela intervenção de um conjunto de elementos, sejam
eles simbólicos ou concretos, humanos, técnicos, políticos, ou de outra natureza, que
intervêm na relação entre os aprendizes que participam de qualquer comunidade
virtual de aprendizagem de línguas. Por mediação tecnológica, entende-se o conjunto
de recursos digitais, como os programas de computador, e os efeitos dos eventos
comunicativos que podem ser atribuídos ao fato das interações ocorrerem via
computador. Por mediação pedagógica, entende-se a segmentação dos discursos por
meio de um dos participantes do chat para moldar uma conversa em função do tempo,
tema ou objetivos estipulados para aquela interação, ou as sequências de reparo para
tentar resolver problemas de compreensão e dar continuidade aos objetivos da tarefa.
A mediação pedagógica faz com que se estabeleça um contrato didático nas interações
que visam o ensino/aprendizagem de línguas. Por fim, a mediação político-institucional
corresponde ao conjunto de acordos, normas, diretrizes, princípios, regulamentos,
inclusive os relativos ao uso das línguas nas interações, e objetivos pedagógicos aos
quais o site se destina, fundamentados de acordo com o panorama sócio-histórico no
qual a criação dos sites está inserida. Fundamentada teoricamente nos conceitos
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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bakhtinianos de dialogismo, plurilinguismo, intercompreensão e gênero discursivo, nas
ferramentas de Análise do Discurso Mediado por Computador propostas por Suzan
Herring e estudos sobre aprendizagem colaborativa de autores como Dillenbourg e
Schneider, Gava e Menezes e Swain, a pesquisa adota como estratégia metodológica
descrever o funcionamento dos gêneros que dão suporte à colaboração nesses dois
contextos – o Chat Pedagógico Plurilíngue (CPP) no Galanet e do Chat Colaborativo em
Duplas (CCD) no Busuu – relacionando-os com as principais teorias sobre a
aprendizagem colaborativa online presentemente disponíveis na literatura, a fim de
responder duas perguntas de pesquisa: (I) quais são as principais semelhanças e
diferenças entre os gêneros Chat Pedagógico Plurilíngue do Galanet e Chat
Colaborativo em Duplas do Busuu? e (II) que relações podem ser estabelecidas entre
as diferenças encontradas como parte da resposta 1 e os tipos de mediação
pedagógica, tecnológica e político-institucional em cada um dos casos? O Busuu foi
estrategicamente escolhido para a comparação por contemplar variáveis, como os
tipos de mediação, muito diferentes do Galanet. Enquanto o Busuu é aberto via
cadastro, desenvolvido por leigos em pedagogia de línguas e composto por um público
diversificado em nível de instrução e idade que interage em duplas sem o
monitoramento de tutores, o Galanet é acessível apenas por convidades, abriga chats
em grupos compostos por universitários, estudantes e professores, monitorados por
esses últimos. Além disso, diferenciam-se Busuu e Galanet principalmente em seus
objetivos políticos: enquanto o segundo visa promover a prática de intercompreensão
aproximando falantes de línguas românicas, o primeiro se apresenta como uma
alternativa às escolas de línguas. Tem-se por hipótese que essas diferenças de
mediação se manifestam nos três constituintes dos gêneros (conteúdo temático,
construção composicional e estilo). O corpus da pesquisa é constituído de arquivos de
registro de chats colhidos dos sites em questão, e documentos fornecidos pelos
próprios sítios nos quais estão expressos os princípios pedagógicos e político-
institucionais que os norteiam. No momento, a pesquisa encontra-se no estágio de
revisões bibliográficas no que tange a metodologia de pesquisa. Os entraves da
pesquisa centram-se, no momento, na dificuldade de encontrar sujeitos dispostos a
participar do Busuu, mas já há um sujeito que sinalizou positivamente para fazer parte
da pesquisa, além das intenções da pesquisadora de agir como sujeito-participante. Os
logs dos chats colhidos serão submetidos a estratificadores e marcadores formulados
com base no método de Herring, e as amostras serão submetidas à comparação do
perfil do novo espaço online com interações analisadas do Galanet que foram
previamente coletados e analisados durante uma pesquisa de Iniciação Científica
realizada no período de graduação da pesquisadora. Assim como foi feito com um
corpus limitado dos chats do Galanet na IC, os critérios usados para a seleção dos logs
Linguística Aplicada
175
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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a serem analisados serão: (i) emergência de temas afetos às perguntas de pesquisa:
língua(s), aprender-ensinar línguas, mediação tecnológica, referências à organização
pedagógica ou objetivos pedagógicos dos eventos; (ii) emergência de problemas de
intercompreensão; (iii) existência de alterações na forma canônica da escrita e/ou
ocorrência de refuncionalizações dos sinais gráficos para a expressão de afetividade,
apreciação valorativa etc; (iv) existência de alterações importantes na estrutura
interacional típica dos episódios constitutivos do corpus. O corpus proveniente das
análises das duas plataformas serão complementadas com entrevista com os
participantes dos chats e com a observação participante da pesquisadora nas
plataformas. Após a coleta de dados será possível descrever o gênero chat do Busuu, a
partir dos termos de sua constituição e, posteriormente, comparar o CCD no Busuu
com o CPP do Galanet a partir dos traços distintivos entre as plataformas em ambos os
sites. Como próximo passo a pesquisadora centra-se no aprofundamento das teorias
sobre o conceito de mediação para diferentes autores, de modo a escrever um
capítulo de sua dissertação que reúna tais definições.
Eli Gomes Castanho
Universidade Estadual de Campinas
PRÁTICAS DE LETRAMENTO PARA INTERCULTURALIDADE: IDENTIDADES POLÊMICAS
EM SALA DE AULA.
O projeto de tese em questão tem como objeto de estudo minha prática como
professor de Língua Portuguesa e Literatura no ensino médio integrado ao técnico, no
Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, campus Ponta Porã, em situações de ensino-
aprendizagem onde são tratados tópicos que permitam apreender a representação
que os estudantes constroem sobre as identidades presentificadas naquele contexto
de fronteira do Brasil com o Paraguai. Contexto esse que, conforme Cavalcanti (1999),
pode ser tipificado como contexto sociolinguisticamente complexo. Acredito que a
complexidade do contexto fronteiriço não se deve reduzir à diversidade linguística,
que é seu traço mais aparente; ao contrário, há gestos implícitos que também
demarcam territórios e sinalizam para conflitos identitários permeados pela
linguagem. Nesse sentido, postulo que há identidades que, pela simples existência,
sinalizam para a produção de discursos polêmicos. Logo, vale categorizar algumas
dessas identidades como identidades polêmicas, exatamente por provocarem
discursos de afirmação ou refutação sobre as identidades. Sendo assim, ainda que
implicitamente, ao tratar dessas questões identitárias, de maneira inevitável, se dirá
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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‘sou isso, não sou aquilo’. Para tanto, elegi, como exemplos dessas identidades
polêmicas na complexidade do contexto da fronteira, o indígena, o paraguaio e o
assentado. O primeiro em razão da herança guarani, que resiste na região da
fronteira; o segundo, o estrangeiro com quem os direitos, algumas vezes, são
divididos; o terceiro, pela presença massiva na cidade onde se encontra o maior
assentamento de reforma agrária da América Latina e que se tornam invisíveis ante o
império do agronegócio. No uso corriqueiro da linguagem, espaços são disputados e
imagens (re)construídas sobre essas identidades e, portanto, cabe à escola promover a
reflexão sobre como se dá esse processo de construção e as relações de poder aí
imbricadas. Nesse sentido, as aulas de língua portuguesa podem e devem promover
eventos de letramento que (re)posicionem as representações sobre as identidades
polêmicas da fronteira com vistas à construção de um currículo multiculturalista
crítico, conforme sugere Silva (2004, p.89), para quem “a diferença, mais do que
tolerada ou respeitada, é colocada permanentemente em questão”. Faz sentido, ainda
mais no contexto sociolinguisticamente complexo da fronteira, a proposta de Maher
(2007) de uma educação intercultural que invista no estabelecimento do diálogo, na
capacidade de resolução do conflito intercultural e no preparo para a convivência com
o outro, com o diferente. Ainda para a autora, esse desafio de viver com o diferente
não deve ser exclusividade das políticas públicas de educação indígena, foco do seu
trabalho, antes, o desafio de incluir a interculturalidade no currículo deve ser
preocupação de outros contextos de escolarização, o que chama de educação do
entorno. De pouco adiantariam práticas de politização e fortalecimento dos
minorizados se o entorno eximir-se do debate intercultural. A tese que proponho quer
colocar à prova como as aulas de língua materna podem contribuir para, de fato, se
fazer uma educação intercultural, bem como indicar os muitos percalços encontrados
quando se escolhe esse percurso. Dessa forma, o objetivo geral da tese será, a partir
da investigação da própria prática, bem como da elaboração, execução e reflexão
sobre eventos de letramento pensados para pôr em debate questões identitárias,
contribuir para a consolidação de uma educação intercultural que sinalize para a
construção de currículos multiculturalistas críticos, não só de instituições de fronteira,
como também do entorno, já que a pluralidade cultural não é exclusividade dos
contextos sociolinguisticamente complexos, sobretudo nestes tempos de globalização
da cultura, em que tendem a se dissolver os espaços cerceados. Para cumprir o
objetivo, tenho optado, além da literatura advinda dos estudos em Linguística Aplicada
focados na questão da diversidade cultural, leituras como as dos estudos culturais
acerca da construção da identidade na contemporaneidade. Na esteira dos estudos de
Maher (2007:265), também opto pelo termo interculturalidade em vez de
multiculturalismo, exatamente para evitar o tratamento banalizado que o termo tem
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
recebido e também porque o termo interculturalidade evoca, mais prontamente, a
relação entre culturas, que é o que realmente importa. A fim de apreender as imagens
que os estudantes, nos eventos de letramento, constroem do paraguaio, do indígena e
do assentado, recorreremos à categoria ethos discursivo, proposta por Dominique
Maingueneau, já que os sujeitos podem deixar entrever um mundo ético, embasados
em estereótipos, sobre o que vem a ser essas identidades polêmicas. Para a
constituição do corpus, serão elaboradas sequências didáticas que privilegiem o
trabalho com o gênero artigo de opinião e a gravação da aplicação dos módulos
pensados para tratar dos temas é que servirá de base para a discussão da tese. No
entanto, cabe frisar que nosso objeto de estudo não é apropriação do gênero escrito,
mas as vozes que, por meio das oficinas previstas, emergem na sala de aula e no artigo
de opinião, produto final das oficinas. Além disso, será interessante confrontar os
posicionamentos revelados na modalidade oral e a sua sustentação ou mudança na
modalidade escrita uma vez que o espaço democrático e descontraído da sala de aula
e o espaço em branco do papel podem sofrem coerções diferentes que regulam o que
pode e o que não pode ser dito, configurando-se, nos termos da Análise do Discurso de
Maingueneau, um sistema de restrições, que ele chama de Semântica Global. Por fim,
espera-se que o projeto de intervenção, por meio das oficinas da sequência didática,
possa contribuir para (re)posicionar e desestabilizar discursos cristalizados na
complexidade da fronteira sobre o que significa ser paraguaio, ser índio e ser
assentado.
Eliane Feitoza Oliveira
Universidade Estadual de Campinas
A APROPRIAÇÃO DE DIMENSÕES LINGUÍSTICAS QUE FICAM OCULTAS NO PROCESSO
DE LETRAMENTO ACADÊMICO
O objetivo desta comunicação é o de trazer para discussão o projeto de doutorado
desta pesquisadora. Assim, cabe apresentar, de forma breve, alguns pressupostos que
guiam esse projeto. O objetivo geral do projeto é o de analisar as mudanças na escrita
de alunos universitários, no que concerne à apropriação de mecanismos linguístico-
discursivos que marcam o gerenciamento de vozes em gêneros acadêmicos. Para tal,
foram recolhidos, de meados de 2009 até o início de 2012, as resenhas produzidas por
3 alunos ao longo do período da graduação no curso de Letras de uma universidade
particular da cidade de São Paulo. Além das resenhas, recolhemos o Trabalho de
Conclusão de Curso, artigo científico, desses alunos. A escolha desses dois gêneros
Linguística Aplicada
178
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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como corpus significativo para este estudo deu-se não só pelo seu caráter polifônico e
pelo fato de a resenha integrar o artigo científico, mas por outros dois motivos, a
saber: no contexto de ensino no qual estamos inseridos, a produção de resenha crítica
é muito solicitada desde o início do curso, ou seja, na graduação, a resenha marca a
escrita inicial, e a produção do TCC (artigo científico) caracteriza a escrita final.
Acredita-se que, através desses gêneros, e de outros instrumentos de pesquisa (diários
de campo, entrevistas semiestruturadas, observação e gravação de aulas), será
possível investigar e analisar o processo de apropriação dessas unidades. Assim, e a
partir da hipótese de que a aquisição da escrita acadêmica se integra aos gêneros
como um comportamento a ser aprendido e continuamente desenvolvido, os objetivos
específicos deste projeto são: identificar, classificar, analisar os mecanismos
linguístico-discursivos, que dividem as responsabilidades enunciativas, mais
recorrentes nos textos dos alunos, através da comparação desses textos, a fim de
identificar as mudanças na escrita dos estudantes ao longo do curso; observar como
os alunos incorporam esses mecanismos aos seus textos; analisar de que modo a seção
teórica do artigo científico reflete a apropriação desses mecanismos, uma vez que esse
gênero permite, entre outras coisas, que o aluno materialize os conhecimentos
adquiridos sobre a escrita acadêmica ao longo do curso; observar a prática do
professor, ao orientar a escrita do TCC, à luz do conceito de prática do mistério.
Tomamos como opção teórica para entender o processo de apropriação de
mecanismos que marcam o gerenciamento de vozes em gêneros acadêmicos, além de
alguns pressupostos teóricos da Linguística Textual, Linguística Funcional e da Teoria
da Enunciação de Bakhtin, a área dos Letramentos Acadêmicos, pelo fato dessa área
propor um modelo de ensino superior no qual sejam mantidas as peculiaridades do
discurso acadêmico sem, no entanto, desconsiderar as singularidades dos alunos e sua
cultura individual, linguística e histórica (LEA E STREET, 1998), bem como as relações
de poder que permeiam esse nível de ensino. Desse modo, tanto os objetivos quanto
as perguntas de pesquisa foram formuladas a partir da premissa de que na instância
acadêmica circulam textos cujos padrões globais de organização e padrões linguístico-
discursivos que os materializam se diferenciam daqueles que circulam em outros
contextos de ensino, uma vez que cada comunidade discursiva possui normas e
convenções particulares para a produção e a divulgação do conhecimento
(BAZERMAN, 2006). Sendo assim, pode-se dizer que a participação dos universitários
nas diferentes práticas letradas de determinada área possibilita não só a construção do
conhecimento sobre essa área, mas sobre os gêneros privilegiados nela. Machado e
Cristovão (2006) acreditam que o ensino dos gêneros acadêmicos deve abranger os
seguintes aspectos: condições de produção; construção composicional (plano global)
que organiza os seus conteúdos; e estilo particular – ou seja, mecanismos linguístico-
Linguística Aplicada
179
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
discursivos (unidades de linguagem que marcam as posições enunciativas do
enunciador e de outras vozes), sequências textuais, mecanismos de coesão e conexão
e características lexicais predominantes em cada gênero. Para as autoras, o ensino
desses aspectos garante que os universitários se apropriem dos gêneros e passem a
considerá-los úteis para o seu fazer acadêmico. Porém, com base em nossa experiência
docente no curso de Letras, pode-se dizer que os professores, ao adotarem
determinado gênero como objeto de ensino e avaliação, abordam apenas algumas
características das condições de produção e do plano global. Já as unidades de
linguagem que marcam o gerenciamento de vozes em gêneros acadêmicos ficam como
dimensões escondidas para os alunos (STREET, 2009) – o que dificulta a apropriação da
escrita de gêneros acadêmicos. Sendo assim, acreditamos que, para que o aluno
adquira a condição letrada exigida pela universidade, ele precisa entender/dominar as
práticas linguísticas e discursivas privilegiadas nesse contexto, que, por sua vez, implica
o desenvolvimento de competências para lidar com o saber dizer e o saber fazer
(letramento acadêmico). Para que essas competências sejam desenvolvidas, os
professores devem auxiliar os alunos na reflexão sobre o fato de que a neutralidade, a
transparência, a racionalidade e a objetividade requeridas no discurso acadêmico –
representado pela escrita acadêmica (SIGNORINI, 1995) – fazem um movimento que
passa pela incorporação de novas vozes e outros discursos e pela remissão às vozes e
aos discursos legitimados na academia para, então, chegar à produção ou à
reprodução do conhecimento e do saber científicos através dos gêneros típicos dessa
esfera. Todavia, temos clareza de que não é apenas o desenvolvimento de habilidades
metalinguísticas que está envolvido no processo de letramento acadêmico. Para alguns
professores, os alunos precisam adquirir os valores e as convenções do discurso
acadêmico, historicamente associado aos valores e interesses da classe hegemônica,
bem como aos interesses institucionais, a fim de se inserirem nas práticas escriturais
da universidade, conforme aponta Canagarajah (1999). Neste processo de inserção, o
problema reside, entre outras coisas, quanto os professores esperam que os textos
dos alunos estejam em perfeita conformidade com as convenções textuais do discurso
acadêmico, deixando à margem reflexões sobre como os estudantes lidam com
discursos concorrentes e práticas letradas desconhecidas para ter voz no processo de
letramento acadêmico, visto os seus discursos e as suas práticas escriturais serem
múltiplas, híbridas e sobrepostas, portanto, diferentes do discurso exigido pela
academia (CANAGARAJAH, 1999).
Linguística Aplicada
180
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
Elisa Oliveira Câmara
Universidade Estadual de Campinas
A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE DA PARATRADUÇÃO - ANÁLISE DE ELEMENTOS
PARATEXTUAIS
No atual mundo globalizado, poliglota e policultural em que vivemos, cada vez mais a
tradução vem sendo transformada, enquanto disciplina e enquanto prática, em uma
área fortemente relacionada aos aspectos políticos, ideológicos, culturais, sociais,
históricos, estéticos, e a tantos outros aspectos que caracterizam as sociedades
falantes dos idiomas envolvidos no processo tradutório. Segundo Nouss (apud
Baltrusch, 2008), ao adquirir essa dimensão transdisciplinar, a tradução e a
tradutologia estariam vivendo o chamado "translative turn" – paralelo que o autor
traça com o já superado "linguistic turn". Tendo em vista essa multiplicidade linguística
e cultural, surge o recente conceito de paratradução, proposto por pesquisadores do
"Grupo de Investigación Traducción & Paratraducción", da Universidade de Vigo,
visando uma investigação transdisciplinar na tradução que estude tanto os elementos
e processos textuais quanto os paratextuais, presentes em toda tradução. Trata-se de
analisar não somente os aspectos linguísticos e literários da tradução, mas também os
aspectos semióticos, culturais, antropológicos, filosóficos, éticos, ideológicos, políticos
e econômicos, sempre implícitos no ato nunca inocente de traduzir (site do "Grupo de
Investigación T&P"). O conceito de paratradução é criado à luz da noção de paratexto,
proposta por Genette (1981), que define os paratextos como tudo aquilo o que
acompanha, cerca, prolonga, envolve o texto, sendo verbal ou não. Para resumir, tudo
aquilo que apresenta o texto, “no sentido habitual do verbo, mas também em seu
sentido mais forte: para torná-lo presente, para garantir sua presença no mundo, sua
‘recepção’ e seu consumo (...)” (GENETTE, 2009:9). Segundo Vilariño (apud Baltrusch,
2008), um dos fundadores e investigador titular do Grupo T&P, a paratradução é uma
atividade de descrição de tudo o que cerca a atividade da tradução e, portanto,
relacionada aos elementos paratextuais, ou seja, a capa de uma publicação, a
disposição e ortotipografia do título, bem como de outros elementos da capa,
contracapa, folha de rosto, orelhas, quaisquer imagens contidas no livro e tudo mais o
que é apresentado visualmente ao leitor – em suma, “todo texto que se agrega a um
texto base” (Genette apud Alves, 2011). Embora o paratexto seja tratado por Genette
especificamente em relação à obra literária, definida pelo autor como uma “sequência
mais ou menos longa de enunciados verbais mais ou menos cheios de significação”
(GENETTE, 2009:9), o Grupo T&P leva o conceito a outras linhas de investigação, que
relacionam a paratradução à filosofia, à migração, à mestiçagem, à imagem e também
Linguística Aplicada
181
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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à literatura, entre outras. Segundo Frías (2007), outro fundador e investigador
principal do Grupo, o conceito de paratradução foi criado para analisar o espaço e o
tempo de tradução de todo paratexto presente no texto traduzido, não apenas na
forma de livro, mas também em qualquer outra produção editorial possível na era
digital. Assim sendo, se, como Genette (2009) afirma, não existe e nem jamais existiu
um texto sem paratexto, também se pode dizer que não há tradução sem sua
correspondente paratradução (Frías, 2007). Levando-se em conta essas considerações,
e pensando no fato de que os paratextos das obras literárias alimentam as
expectativas do leitor em relação ao texto, pretende-se investigar de que modo a
prática da paratradução influencia a leitura do público-alvo e qual o impacto que ela
causa no leitor, no sentido de interpretar quaisquer referências simbólicas, culturais,
políticas, ideológicas que possam estar representadas pelo paratexto. Deseja-se
analisar se, por meio da paratradução, o posicionamento ideológico, político ou
cultural do tradutor em relação ao texto pode ser fundamental para possibilitar
interpretações bem-informadas por parte do leitor e, do mesmo modo, se sua falta
pode prejudicar a interpretação ou o interesse do público pela obra. Para isso,
pretende-se analisar elementos paratextuais de obras traduzidas em comparação com
as originais, com o propósito de investigar qual a pertinência da prática da
paratradução e da importância de que o tradutor conquiste seu espaço frente às
editoras para que possa realizar essa prática. A análise consistirá mais precisamente
da(s) capa(s) da(s) obra(s) selecionada(s), considerando a ortotipografia do título e as
ilustrações da capa, mas também será dada relevância a outros tipos de paratextos,
como orelhas, a tradução do título e a disposição de todos os elementos paratextuais
presentes na capa da obra e, a depender da obra selecionada, as demais ilustrações do
livro – aspectos estes que em sua maioria influenciam a percepção do leitor ao ter o
primeiro contato com a obra. Tais análises serão respaldadas por teorias de autores
como Venuti (1995), que discute a situação de invisibilidade do tradutor, cujas ideias
parecem adequadas a um dos propósitos do presente estudo de defender a
visibilidade do tradutor em suas práticas paratradutórias, Lefevere, que apresenta
ideias sobre reescrita e manipulação do texto (Martins, 2010), tendo-se em conta que,
se a tradução é uma atividade de reescrita e, consequentemente, de manipulação,
assim também é a paratradução em relação aos elementos que cercam o texto.
Também será recorrido aos estudos de Genette (2009) sobre paratextos editoriais,
visto que o autor é responsável pela proposta do conceito de paratexto, que serve de
base para a criação do conceito de paratradução pelo Grupo T&P, e principalmente, as
análises serão realizadas à luz dos estudos de investigadores do Grupo T&P, como
Frías, Vilariño e Nouss.
Linguística Aplicada
182
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
Fabiana Panhosi Marsaro
Universidade Estadual de Campinas
AUTOR, EDITOR E DESIGNERS: UMA AUTORIA MÚLTIPLA DO LIVRO DIDÁTICO DE
LÍNGUA PORTUGUESA?
Neste trabalho, discutiremos uma das questões que se colocam em nossa pesquisa de
mestrado na área de Lingústica Aplicada, intitulada “Para além da letra: projeto
gráfico-editorial de livros didáticos de língua portuguesa”, em andamento: a (múltipla)
autoria do livro didático de língua portuguesa (doravante LDP) com relação a alguns
agentes que participam de sua produção, a saber, autor, editor e designer. Na referida
pesquisa, tomamos o LDP como um gênero secundário do discurso, “historicamente
datado, que vem atender a interesses de uma esfera de produção e de circulação e
que, desta situação histórica de produção, retira seus temas, formas de composição e
estilo” (BUNZEN; ROJO, 2005, p. 1), de acordo com a teoria de gêneros do Círculo de
Bakhtin. Também entendemos o LDP como objeto híbrido e complexo, ao mesmo
tempo produto comercial e fonte de lucro para grandes editoras e instrumento de
ensino-aprendizagem distribuído a milhões de professores e alunos brasileiros
trienalmente pelo Governo Federal, por meio do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD). Para analisar essa configuração bastante específica do LDP precisamos
entender seus processos de produção, igualmente complexos, que reúnem diversos
agentes em várias esferas. Nesse contexto, a autoria do LDP se torna importante
objeto de reflexão. A teoria bakhtiniana nos permite entender a autoria como uma
categoria sócio-discursiva, nas palavras de Alves Filho, uma categoria em que “a
dimensão textual e a dimensão social se encontram e se co-constituem” (ALVES FILHO,
2006, p. 78). Segundo Faraco (2005, p. 41-42), reformulando a definição de Bakhtin, “a
função estético-formal de autor-criador é [...] uma posição axiológica” que, por sua
vez, “é um modo de ver o mundo, um princípio ativo de ver que guia a construção do
objeto estético e direciona o olhar do leitor”. Dessa forma, a partir de Bakhtin,
entendemos que a autoria não se caracteriza necessariamente pela invenção de algo
novo, mas pela maneira singular como o autor organiza, segundo sua ideologia, a
linguagem o e os acontecimentos da vida. Nessa perspectiva, para produzir um LDP, o
autor assume uma postura ideológica que acaba por definir a proposta pedagógica da
obra. A partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais e de outros referenciais, ele
seleciona objetos de ensino e define a maneira como vai ensiná-los, lidando com
diversas vozes, que, entendidas conforme o conceito de Bakhtin 1988 [1934-35/1975],
são diversos pontos de vista sobre o mundo, isto é, diferentes ideologias interpretadas
verbalmente, seja na linha teórica adotada, nos textos da coletânea ou nos tipos de
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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exercício propostos. Ao reorganizar essas vozes diversas, fazendo com que, no produto
final, a ideologia predominante seja a sua e, consequentemente, da sua visão e
proposta pedagógica para o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa, o autor dá ao
LDP o acabamento estético que é próprio de sua função. Como argumenta Bragança
(2005, p. 222), porém, “todos os livros são produto da ação combinada do autor e do
editor. Às vezes gestados mais pelo autor, outras vezes criados pelo editor”. Para o
autor (2005, p. 224) esse controle do editor no processo de criação de uma obra
começa no fato de que a existência de um livro depende, antes de tudo, da decisão
editorial de publicar ou não um original, tomada a partir de critérios e motivações que
podem não ser as mesmas do autor. Vale lembrar que essa relação por vezes
conflituosa entre autor e editor não se restringe ao processo de produção do LDP. Os
trabalhos de Roger Chartier (1945/1999, 1981/2001) mostram que na história do livro,
de maneira geral, a figura do editor, longe se ser neutra, aparece sempre em tensão
com a do autor, uma vez que, como argumenta o autor, “um processo de leitura [pode
ser] ajudado ou derrotado pelas próprias formas dos materiais que lhe é dado ler”
(CHARTIER, 2001, p. 96). No LDP, especificamente, outro elemento se soma à equação:
o designer, pois como Choppin (2004) observa as características “formais” dos livros
didáticos, ou seja, sua organização interna e configuração visual, são bastante
específicas desse tipo de material e “a tipografia e a paginação fazem parte do discurso
didático de um livro usado em sala de aula tanto quanto o texto ou as ilustrações”
(CHOPPIN, 2004, p. 559). Bunzen e Rojo (data) caracterizam a autoria do LDP um
processo de negociação entre autores e editores: “os autores e editores de LDP
selecionam/negociam determinados objetos de ensino e elaboram um livro didático,
com capítulos e/ou unidades didáticas, para ensiná-los” (BUNZEN; ROJO, 2005, p. 16).
Considerando as tensões que constituem a esfera editorial, entretanto, uma hipótese
que levantamos é de que o LDP, mais do que fruto de uma negociação, é elaborado em
um processo de múltipla autoria. Autor(es), editor(es) e designer(s), mesmo que em
diferentes proporções, acabam tendo influência direta na estrutura composicional,
acabamento e estilo do LDP, componentes indissociáveis no todo do gênero, como
postula Bakhtin (data). As motivações desses agentes na produção do LDP seriam
estritamente pedagógicas, visando à produção de materiais de qualidade para a
educação básica? Considerando o perfil determinado para a coleção, seu público-alvo,
ou mesmo questões de ordem mais prática, como custos de copyright e impressão, o
editor pode intervir na seleção dos textos da coletânea, por exemplo, reorganizando a
orquestração autoral anterior do LDP. Da mesma forma, ao escolher imagens ou
produzir ilustrações, o designer pode comprimir a proposta pedagógica do autor em
um projeto gráfico não condizente. Neste trabalho pretendemos, portanto, através da
discussão teórica e apresentação de dados, refletir sobre a autoria do LDP e o papel de
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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autor, editor e designer em seu processo de produção, uma vez que essa problemática
coloca em xeque a relação entre as exigências do mercado editorial e os propósitos
pedagógicos do LDP.
Francine Eloisa dos Santos
Universidade Estadual de Campinas
LETRAMENTO MULTICULTURAL: UMA ANÁLISE DO CURRÍCULO OFICIAL DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Esta pesquisa tem por objetivo investigar e produzir reflexões acerca das práticas de
letramento multicultural, aquele que aborda “os produtos culturais letrados tanto da
cultura escolar e da dominante, como das diferentes culturas locais e populares com as
quais alunos e professores estão envolvidos” (ROJO, 2009, p.120) na escola pública.
Considerando a cultura dominante como Max Weber que diz que é aquela que tem
“tendência profunda à uniformização da vida, que em nossos dias se manifesta através
do interesse do capitalismo pela padronização da produção” (em GRIGNON, apud
SILVA, 1995, p.178), a cultura dominante seria, então, aquela em que predomina a
língua escrita sobre a falada, as línguas nacionais e internacionais escritas, a literatura,
as leis e regulamentos, a acumulação e concentração de saberes e a moeda e o
mercado cada vez mais amplo (GRIGNON, apud SILVA, 1995, p. 179). Partimos, então,
da hipótese de que os letramentos voltados para essa cultura são a abordagem do
material da disciplina de Língua Portuguesa proposto pela Secretaria de Educação do
Estado de São Paulo em 2007/2008 (Cadernos do Professor e do Aluno) e nos
perguntamos se haveria, na sala de aula da escola pública, espaço para os letramentos
multiculturais, por acreditarmos que esse tipo de letramento poderia contribuir com a
formação crítica e global do aluno. A indagação para a realização dessa pesquisa surgiu
quando iniciei minha prática docente como professora de uma escola pública da rede
estadual, em uma instituição da periferia de Campinas, onde deparei-me com vários
tipos de dificuldades, entre elas, o choque cultural existente entre a realidade dos
alunos e a realidade exposta no material didático fornecido e publicado pela Secretaria
de Educação do Estado de São Paulo (Cadernos do Professor e o Aluno). O material foi
implementado no ano de 2008 em todas as escolas da rede estadual de São Paulo
como forma de padronizar o ensino público: a Proposta Curricular, que complementa e
amplia as Diretrizes e os Parâmetros Curriculares Nacionais, incorpora as propostas
didáticas vivenciadas pelos professores em suas práticas docentes e visa ao efetivo
funcionamento das escolas estaduais em uma rede de ensino (SECRETARIA DA
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2010). A discrepância entre a cultura
dominante e a escolar, esta unida às culturas local e popular, despertou em mim
alguns questionamentos quanto à eficácia da utilização desse material com o tipo de
aprendiz presente nas escolas públicas estaduais. Considerando que as culturas
nascem de relações sociais que são sempre relações desiguais, desde o início existe
então uma hierarquia de fato entre as culturas que resultam da hierarquia social.
Pensar que não há hierarquias entre as culturas seria supor que as culturas existem
independentemente umas das outras, sem relação umas com as outras, o que não
corresponde à realidade (CUCHE, 2002, p.143). Estaria no material didático,
efetivamente, presente apenas a cultura dominante, ou nele há algo de novo? Caso se
confirme a primeira hipótese, as práticas de letramentos podem ser eficazes mesmo
em contexto em que a divergência cultural é a realidade? Quais são as implicações
para a prática pedagógica? Como o professor pode subverter/complementar o
material didático e a prática pedagógica para contemplar as culturas escolar, popular e
local, propiciando maior eficácia às práticas dos letramentos? Segundo Cuche (2002)
“em um dado espaço social, existe sempre uma hierarquia cultural. Karl Marx, assim
como Max Weber não se enganaram ao afirmar que a cultura da classe dominante é
sempre a cultura dominante, a força relativa de diferentes culturas em competição
depende diretamente da força social relativa dos grupos que as sustentam. Falar de
cultura “dominante” ou de cultura “dominada” é então recorrer a metáforas; na
realidade o que existe são grupos sociais que estão em relação de dominação ou de
subordinação uns com os outros” (p.145), portanto, é isso o que estamos analisando
nesta pesquisa. Para realizar essa pesquisa, utilizo com recurso uma metodologia
híbrida de análise bibliográfica e documental, investigando os letramentos possíveis
que integram as propostas pedagógicas presentes nos Cadernos do Professor e do
Aluno de Língua Portuguesa, volumes 1, 2, 3 e 4, das séries do Ensino Fundamental
Ciclo 2, publicados pela Secretaria do Estado de São Paulo no ano de 2009. Para tal,
procederei ao exame dos gêneros textuais, das temáticas abordadas e das tarefas e/ou
atividades contemplados neste material didático. Além disso, também estou
constatando a reação dos alunos ao se depararem com alguns textos presentes no
material, assistindo a aulas de outros professores. Como pesquisa documental e
bibliográfica entendemos que em geral a pesquisa documental realiza-se sobre
materiais que se encontram elaborados. São fontes acabadas que não receberam
ainda um tratamento analítico ou, se isso aconteceu, ainda podem oferecer
contribuições de reforço, ou podem ainda receber uma nova reformulação de acordo
com objetivos da pesquisa (FERRARI, 1974, p.228). Esse tipo de pesquisa, muitas vezes
acaba sendo confundida com a pesquisa bibliográfica, porém, há distinções
importantes a serem feitas entre os dois tipos de pesquisa. Primeiramente, quando se
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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considera a diferença na natureza das fontes, a pesquisa bibliográfica trabalha com
fontes secundárias de pesquisa, de diferentes autores que tratam de um mesmo tema.
Fontes secundárias de pesquisa são textos já consagrados, que já tiveram algum tipo
de trabalho realizado com eles. Já a pesquisa documental trabalha com fontes
primárias, materiais “brutos”, que ainda não tiveram um tratamento, um trabalho
realizado com eles, são provenientes dos próprios órgãos, entidades ou empresas (SÁ-
SILVA, 2009). A pesquisa bibliográfica, ainda, é aquela de natureza teórica, em que se
busca o embasamento teórico da pesquisa, é parte obrigatória da pesquisa, pois é por
meio dela que se toma conhecimento da produção científica existente, pois explicam
um problema a partir de referenciais teóricos já publicados. Enquanto a pesquisa
documental utiliza trabalhos que ainda não tiveram um tratamento analítico ou
interpretativo, a pesquisa bibliográfica visa selecionar, tratar e interpretar a
informação desse tipo de documento, buscando extrair algum sentido dele (SÁ-SILVA,
2009).
Gabriela Claudino Grande
Universidade Estadual de Campinas
METODOLOGIA PARA INVESTIGAÇÃO DO QUADRO INTERATIVO E SUA CONSTRUÇÃO
ENQUANTO RECURSO DIDÁTICO PARA O ENSINO DE UMA LÍNGUA ESTRANGEIRA
Os aspectos metodológicos desta pesquisa de mestrado abordaram o contexto, os
sujeitos e dos instrumentos utilizados para a geração de registros. Assim, justifica-se o
uso do quadro interativo (QI) como um dos objetos de estudo e, em especial, das
ferramentas da internet. Por fim, o delineamento e os “tipos” de metodologia que se
inserem no campo aplicado dos estudos de linguagem e tecnologias são discutidos.
Dessa forma, esta pesquisa qualitativa pretende contribuir para a reflexão de
professores de língua quanto à sua prática de sala de aula, em um contexto sócio-
histórico que tem exigido a imersão das tecnologias de informação e comunicação
(TICs) nas atividades de ensino, identificando práticas e usos do quadro interativo que
parecem revelar novas práticas educacionais de ensino de língua estrangeira,
impactadas pelo uso das ferramentas da internet. Para isso busco responder a
seguinte pergunta: Como o quadro interativo de conexão sem fio se constrói como
recurso didático em sala de aula no ensino de inglês, como língua estrangeira? Passei a
visitar escolas de inglês e de ensino fundamental e médio de Sorocaba, cidade onde
atualmente moro, que dispusessem do quadro interativo em suas aulas. Após algumas
frustrantes recusas, encontrei uma escola de inglês. O dono da escola se mostrou
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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bastante interessado e até mesmo contribuiu com ideias para o projeto; ele autorizou
não apenas assistir as suas aulas, como também filmá-las e interagir com os alunos
como e quando achasse necessário. Estabelecemos dias e horários para assistir às
aulas. Os alunos, juntamente com o professor, responderam a um questionário e
assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Por três meses – maio,
junho e julho de 2012 - passei a fazer parte dessa turma. Durante a aula, meu papel se
restringiu a anotações, filmagens e fotografias, entretanto, estabeleci uma relação de
amizade, tanto com os alunos quanto com o professor que participava ativamente de
meus diários. Dos sujeitos participantes, situo-me como partícipe, uma vez que assisto
às aulas e a posteriori discuto meus diários com o professor e, este, por vezes, faz
modificações em suas aulas ou passa a ter novas perspectivas até mesmo quanto a
aspectos físicos do local onde leciona. Os instrumentos utilizados são: os diários,
durante as aulas, nos quais descrevo não só os usos do quadro interativo, como
também impressões contextuais e até mesmo ideias para aprimoramento das aulas;
discussões documentadas dos diários, em que o professor emite opiniões e
explicações quanto ao que escrevi no próprio diário; as filmagens, dando enfoque no
professor e no quadro interativo; um questionário para entender um pouco mais sobre
os alunos; e o termo de consentimento livre e esclarecido. Longe de buscar verdades
racionalistas, aceitando o fato de que a ciência e as verdades se encontram em eterna
transição (MATALLO, 1989), buscamos reconhecer algo construído na interpretação de
práticas sociais e nos usos em particular do QI. Entendemos, como Lemke (1994), que
precisamos pensar como as novas tecnologias da informação, nesse caso, o quadro
interativo e no uso da internet em sala de aula, podem transformar hábitos
institucionais de ensinar e aprender. Por se tratar de um contexto específico que
revela novos usos (Barone, 2004), a pesquisa é classificada como estudo de caso, pois
é descritiva, particular, inclui um número reduzido de sujeitos, singular, reflexivo e,
inicialmente, apresenta novos usos do quadro interativo e da internet. Segundo Yin
(2010), o estudo de caso enfoca um fenômeno contemporâneo no contexto da vida
real, como é o caso do quadro interativo nessa escola, “especialmente quando os
limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (YIN, 2010).
Apesar de não possuir algumas das últimas características citadas, ao longo das
observações na turma piloto, o estudo foi se constituindo e tomando características de
uma pesquisa-ação. Segundo Greenwood & Levin (2006/2003), nesse tipo de pesquisa,
os colaboradores trabalham em conjunto com os pesquisadores na definição e
elaboração de questões de pesquisa, no aprendizado, na condução da pesquisa, na
interpretação e na aplicação do que é aprendido para uma produção de mudança
social ignorando fronteiras disciplinares. Dessa forma, procurei trabalhar em conjunto
e, de maneira democrática, conduzi essa investigação. Assim, todos os diários são
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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discutidos com o professor e as interações resultaram em alguns impactos diretos não
somente em sua prática, mas também na mudança de algumas perspectivas.
Poderíamos, então, presumir que houve uma “co-produção de conhecimentos entre
participantes e os pesquisadores por meio de processos comunicativos colaborativos
nos quais todas as contribuições dos partipantes são levadas a sério.”(Greenwood &
Levin, 2006/2003). Além dessas duas metodologias supracitadas, esta pesquisa tem
um cunho etnográfico interpretativista. Etnográfico haja vista a imersão de longo prazo
prevista em ambientes naturais, não em laboratórios, e o fato da visão dos
participantes ter sido considerada para a investigação feita e as interações terem
ocorrido face a face. Houve também a consideração do contexto. Assim como para
Purcell-Gates (2004), para mim, a pesquisa etnográfica não foi desenhada para obter
generalizações estatísticas dos resultados, também como é no estudo de caso. A
pesquisa etnográfica provê "insights" sobre assuntos preocupantes, como é o caso das
novas tecnologias, das possibilidades que o quadro interativo oferece e, em
particular,d os recursos que a internet proporciona para seus usuários.
Interpretativista, pois, conforme afirma Schwandt (2006), considero a ação humana
significativa; me preocupo com um compromisso ético na forma de respeito em
relação à experiência de vida dos sujeitos e, a partir de um ponto de vista
epistemológico, procuro enfatizar a contribuição da subjetividade humana, tentando,
assim, compreender o significado subjetivo da ação partindo de um ponto de vista
situado histórico e culturalmente. Por meio desses métodos, procuro desenvolver a
minha visão, enquanto pesquisadora, como "bricoleur" (DENZIN & LINCOLN, 2006),
que utiliza estratégias, métodos e materiais para gerenciar a pesquisa, reunindo,
quando necessário, novas ferramentas e técnicas que sejam congruentes com a
pesquisa.
Helena Regina Esteves de Camargo
Universidade Estadual de Campinas
BBM: UMA RELAÇÃO ENTRE TECNOLOGIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E CLASSE SOCIAL.
O presente trabalho pretende investigar a relação entre a tecnologia Blackberry, o
idioma inglês e a classe alta da cidade de São Paulo. As hipóteses que sugeriram essa
relação surgiram durante minhas aulas de inglês como língua estrangeira (doravante
LE), em um grupo de cinco adolescentes, em que todos têm o aparelho Blackberry e
escolhem usar o inglês, em vez de português, sua língua materna, para comunicarem-
se por mensagens instantâneas por meio do aplicativo BBM. Ao listar as diferentes
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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funcionalidades que disponibilizam para o usuário uma variedade de recursos
semióticos além do alfabeto, entendemos, nos termos de Street (2006), que as
práticas no BBM são multimodais ou de multiletramentos e, como todo letramento,
não são neutras, pois estão relacionadas a práticas e eventos sociais de leitura e
escrita (BUZATO, 2007; KLEIMAN, 1995; STREET, 2006; LEMKE, 2010; LANKSHEAR,
2007; SOARES, 2002). Dessa forma, letramentos podem muito bem refletir a
identidade que os indivíduos constroem em relação à sua classe social, raça, idade etc,
pois são as "maneiras socialmente reconhecidas de usar a língua, gestos e outras
semióticas, bem como maneiras de pensar, crer, sentir, atribuir valor, atuar/agir e
interagir em relação a pessoas e coisas, a fim de sermos identificados e reconhecidos
como membros de um grupo socialmente significativo"(GEE, 1991, 1996, 1998, apud
LANKSHEAR, 2007, p.3, tradução minha) que revelam quem somos aos nossos olhos e
aos da sociedade. É assim que Gee (1991, 1996, 1998) define Discurso, com “d”
maiúsculo, e faz uma distinção entre nosso Discurso primário e nossos outros
Discursos secundários, em que este se refere à participação que tomamos em grupos
externos e instituições, como escolas, clubes, trabalho, classe social etc., e aquele se
refere a como aprendemos a ser e agir como pessoas como nós o fazem. Portanto,
podemos olhar as práticas de letramento dentro do contexto “classe social alta” como
um reflexo do construto de um Discurso secundário, ou seja, uma identidade. Para
gerar evidências de como os adolescentes marcam sua identidade como membros da
classe alta ao usarem inglês no BBM, os cinco alunos do grupo, com idades entre 13 e
14 anos, responderam a um questionário semiaberto com as seguintes perguntas: 1)
Para quem escreve mensagens no BBM? 2) Em que idioma(s) escreve suas mensagens
no BBM? 3) Tem preferência por algum? Qual? 4) Usa o mesmo idioma para escrever
mensagens para todas as pessoas? Se não, com quem usa o inglês? 5) Liste alguns
fatores que te fazem preferir usar o inglês ao escrever as mensagens. Para preservar a
privacidade dos alunos e da escola, seus nomes foram ocultados e, por serem menores
de idade, os pais dos alunos assinaram um termo de consentimento esclarecido para
que eles pudessem participar da pesquisa. As respostas dos alunos mostram que a
interação no BBM acontece entre pessoas da mesma classe social, que se conhecem
pessoalmente, o que por si só já promove certa exclusividade. Também fica
evidenciado o apreço que esses alunos têm pelo aprendizado de uma LE, pois alguns
alunos responderam que usam o idioma inglês para praticar e aprimorar sua
desenvoltura nele. Alguns alunos mencionaram que todos os seus contatos entendem
inglês, mostrando que é uma língua difundida e aceita dentro de sua classe social e,
portanto, não deve ser utilizada para excluir algum contato ou manter privacidade
dele. Por fim, alguns alunos responderam que preferem usar o inglês simplesmente
porque é mais chique e exclusivo, características que também são conferidas à classe
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
alta. Entendemos que ter competência em inglês no Brasil é característica de uma
classe privilegiada, pois não podemos considerar que o ensino público ou mesmo as
escolas privadas regulares incentivem a aquisição de uma LE da mesma forma que
cursos de idiomas o fazem. Dessa maneira, para aprender a comunicar-se bem em
inglês, é necessário dispor de dinheiro. Considerando que a escola de idiomas
frequentada por esses adolescentes é elitista (haja vista sua localização, mensalidade,
seus estabelecimentos e profissionais), para aprender inglês lá, é necessário dispor de
muito dinheiro, o que caracteriza uma condição exclusiva e diferente da maioria da
população brasileira. Outro traço dessa condição é o próprio Blackberry, pois tem um
custo alto se comparado a outros aparelhos. O custo sempre é uma forma de exclusão,
portanto, o fato de a comunicação via BBM só ser possível entre usuários de
Blackberry limita bastante o número de pessoas que podem fazer parte dessas
atividades e, consequentemente, das redes sociais dessas pessoas. Os adolescentes
criam um espaço cujo acesso se faz restrito àqueles que compartilham tanto da LE
quanto da tecnologia Blackberry. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que marca uma
posição social de prestígio, o uso do BBM em inglês exclui da comunicação todos os
que não compartilham do acesso a essa tecnologia e à língua inglesa, criando assim
também um espaço restrito e não oficial de afirmação identitária. Somando a condição
financeira necessária para dominar o inglês e ter um Blackberry, a importância que
esses alunos conferem ao aprendizado de línguas e a adjetivação de exclusivo,
diferente e chique dada ao inglês, podemos inferir qual é o Discurso secundário
enquanto membros da classe social alta de São Paulo construído por esses
adolescentes, ou seja, como se identificam e são reconhecidos em suas práticas dentro
dela: pessoas exclusivas, diferentes, cultas e chiques. Por fim, este trabalho acaba
revelando, de modo muito sucinto, como o letramento vai além da escrita, leitura e
suas competências. Ao estar atrelado às práticas sociais, políticas, culturais e históricas
do contexto em que os participantes usam leitura e escrita (nas suas diversas
modalidades), o letramento pode revelar qual é posição em que os indivíduos se
colocam na sociedade e como a sociedade os percebe.
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
Janaína Fernandes Possati
Universidade Estadual de Campinas
A “REESCRITA DIALÓGICA”: INVESTIGANDO A REESCRITA SOB UMA PERSPECTIVA DA
HETEROGENEIDADE DA ESCRITA
Pretende-se apresentar no seminário uma parte das análises da pesquisa, em
andamento no Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, que tem por objetivo
compreender como a reescrita de um texto, realizada num contexto escolar,
apresenta-se como ato dialógico, ou seja, assume a forma de resposta ativa, de réplica
a enunciados e enunciadores anteriores. Em nosso trabalho, visamos abordar o ato de
reescrever um texto para, posteriormente, entendê-lo como um ato dialógico. Para
auxiliar nesse entendimento, utilizaremos o conceito de heterogeneidade da escrita,
conforme concebido por Corrêa (2004). Para Fiad (2009), o termo reescrita poderia ser
compreendido como um processo “realizado pelo autor do texto, quando retorna
sobre seu próprio escrito e realiza algumas operações com a linguagem, que fazem
com que o texto se modifique (...).”. Porém, como conceber esse ato de reflexão, de
retorno ao texto, numa perspectiva dialógica? De acordo com os Parâmetros
Curriculares Nacionais de terceiro e quarto Ciclos do Ensino Fundamental, o conceito
de reescrita – abordado como refacção textual – “permite que o aluno se distancie de
seu próprio texto, de maneira a poder atuar sobre ele criticamente.” (BRASIL 1998, p.
77). Esse seria o momento em que o estudante poderia refletir sobre sua escrita,
visando aprimorá-la. Para abordarmos essa questão, partirmos da concepção dialógica
da linguagem de Bakhtin, segundo a qual um enunciado da língua – construído na
“alternância dos sujeitos do discurso” – seria “pleno de ecos e ressonâncias de outros
enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação
discursiva.”, devendo, assim, “ser visto antes de tudo como uma resposta aos
enunciados precedentes de um determinado campo (...).” (BAKHTIN, 2003, p. 275 e
297, ênfase do autor). Deste modo, ao compreendermos que qualquer amostra de
utilização da linguagem, seja na modalidade oral ou escrita, precisaria considerar o
caráter dialógico e situacional da língua (BAKHTIN, 1995), compreendemos que a
reescrita de um texto poderia aparecer como uma resposta a um enunciado, a um
enunciador anterior. A fim de tentar explicar o dialogismo presente na reescrita,
tomamos por base o conceito de heterogeneidade da escrita, concebido por Corrêa
(2004, p. 9) como sendo um “encontro entre as práticas sociais do oral/falado e do
letrado/escrito (...)”, concepção que considera, como elementos centrais: “a circulação
dialógica do escrevente – que pressupõe, com Bakhtin, o princípio dialógico da
linguagem – e a imagem que o escrevente faz da escrita, tomada como parte de um
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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imaginário socialmente partilhado, modo de recuperar a presença das práticas sociais
na produção discursiva dos seus agentes.” (CORRÊA, 2004, p. 9). Em nossa pesquisa,
adotamos a perspectiva que, ao relacionar a oralidade à escrita, coloca em contato
“uma prática social do campo das práticas orais” – relacionada à enunciação oral – e
“uma prática social do campo dos fatos lingüísticos” – relacionada à enunciação
escrita. Pretendemos, “com essa aproximação, chamar a atenção para a convivência
de marcas lingüísticas dessas práticas nos vários eventos discursivos, inclusive nos
diversos gêneros escritos produzidos (...)” (CORRÊA, 2001, p. 143-144), o que nos
permite assumir que a “relação entre oralidade e escrita” impõe ao texto escrito um
modo de enunciação heterogeneamente constitutivo, e a análise e compreensão dessa
heterogeneidade constitutiva auxiliam na compreensão da “relação sujeito/linguagem
a partir da consideração do texto escrito” (CORRÊA, 2004, p. XI). A partir dessas
concepções, Corrêa estipula três eixos que marcariam a heterogeneidade da escrita: o
primeiro seria “o eixo da representação que o escrevente faz da gênese da escrita”; o
segundo, “o eixo da representação que o escrevente faz da escrita como código
institucionalizado” e o terceiro, “o eixo da representação da escrita em sua relação
com o já falado/ouvido e o já escrito/lido”. (CORRÊA, 1998, p. 72-73). São esses três
eixos que nos auxiliam na busca e identificação do modo heterogêneo pelo qual cada
escrevente dos textos analisados constituiu sua reescrita. Consideramos que esses
eixos são instituídos no dialogismo que ocorre na reescrita, uma vez que os alunos
dialogam em suas reescritas orientados pelas representações que foram sendo
construídas por eles no decorrer de suas vidas e no diálogo com outros enunciados e
enunciadores, em práticas orais e escritas. Deste modo, analisamos textos
provenientes das Oficinas de Leitura e Escrita realizadas pela pesquisadora em um
colégio da cidade de Campinas. Sendo responsável pela organização e realização das
Oficinas, a pesquisadora, que também assumiu o papel de professora, apresenta-se
como um dos sujeitos dessa pesquisa, junto com os 11 alunos do 1º ano do Ensino
Médio, que participaram das atividades realizadas nas Oficinas desenvolvidas durante
o 2º semestre de 2011. Consideramos importante explicar quem são os sujeitos dessa
pesquisa, pois serão eles os participantes de destaque no ato comunicativo instituído
na situação das Oficinas – principalmente, nas reescritas realizadas –, constituindo-se
como fundamentais para o entendimento da reescrita como réplica. No seminário,
apresentaremos a análise de trechos de alguns dos textos, e de suas consequentes
reescritas, produzidos pelos alunos participantes das Oficinas. Nessas produções,
procuramos por indícios que revelassem como as sugestões da professora, em relação
a cada texto, influenciaram a sua reescrita, além de atentarmos para outros fatores,
relacionados aos três eixos da heterogeneidade da escrita (CORRÊA, 2004), que
também podem ter modificado a segunda versão dos textos – como o diálogo
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
instaurado pelo aluno com a imagem que tem da gênese da (sua) escrita (1º eixo), o
diálogo instaurado pelo aluno com a imagem que tem do que seria o código escrito
institucionalizado (2º eixo) e o diálogo instaurado pelo aluno com a imagem que tem
do que seria a exterioridade (outros textos, outros enunciadores) na constituição de
seu próprio texto (3º eixo). Como método de análise e de busca dos indícios que
revelassem o trabalho do sujeito com a linguagem nos três eixos, adotamos o
paradigma indiciário, conforme estudos de Ginzburg (2003) e trabalhos realizados por
Abaurre et al (1997). Ao adotarmos esse método para analisar os textos dos alunos,
buscamos “inferir as causas a partir dos efeitos.” (GINZBURG, 1989, p. 153), visando
compreender, numa perspectiva dialógica, o porquê de determinada expressão ou
construção estar presente (ou ausente) nas reescritas textuais.
Juliana Cristina Fernandes Pereira
Universidade Estadual de Campinas
(RE)VISÃO: UM OLHAR CRÍTICO NO CONTEXTO DOS ESTUDOS DA TRADUÇÃO
O presente projeto de mestrado, cujo enfoque é o trabalho do revisor textual no
contexto da tradução técnica e literária, tem por objetivo examinar de forma
aprofundada o cotidiano do revisor de textos, no que diz respeito as suas práticas,
normas impostas, liberdade de atuação e autoria. Outras questões que serão
discutidas no decorrer deste projeto são: hierarquia autor-tradutor-revisor (fidelidade
ao original versus status da profissão); o que privilegiar durante a revisão textual; grau
de interferência, benefícios/malefícios trazidos pelo emprego de ferramentas
tecnológicas de auxílio à tradução/revisão; e possibilidade de emprego do conceito de
autoria no processo de revisão. É sabido que, embora invisível para muitos segmentos
da sociedade, muito além de possibilitar o intercâmbio cultural, por meio da
disseminação do acesso a obras de autores estrangeiros, o tradutor é uma peça
fundamental que viabiliza a comercialização de sistemas de software, soluções e
outros produtos entre grandes organizações (internacionalização e localização de
software), tendo em vista a necessidade crescente das empresas em expandir seus
negócios e divulgar seus produtos. Não menos importante é sua participação em
eventos mundiais, como, por exemplo, a Copa do Mundo, e em atividades político-
diplomáticas e turísticas. Algumas obras literárias ilustram bem os dois extremos,
invisibilidade e importância do tradutor/revisor/intérprete, como é o caso de “História
do cerco de Lisboa”, de José Saramago (1998); “O tradutor cleptomaníaco”, conto do
escritor húngaro Dezsö Kosztolányi (1996); e “O intérprete de males”, conto da
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
escritora indiana Jhumpa Lahiri (2001). A obra de Saramago reflete a visão dominante
de que aqueles que exercem atividades relacionadas ao texto – com exceção dos
autores, é claro – são destituídos de criatividade e de reconhecimento público. Merece
destaque a questão da hierarquia sagrada, presente no senso comum, entre autor e
revisor, que pode facilmente estender-se às relações autor tradutor/orador-intérprete
(casos estes em que também tal hierarquia vem sendo questionada). O personagem
principal, o revisor Raimundo Silva, é tido inicialmente como um escritor frustrado,
que trabalha como revisor e é mal remunerado. Em um determinado momento, o
revisor cede ao mais íntimo instinto e realiza um ato subversivo: acrescenta um “não”
a uma das partes do texto que está revisando, original que até então era considerado
intocável, imutável, divino. Tendo em vista o conceito de tradução intralingual
proposto por Jakobson (no sentido de que qualquer intervenção no texto é
considerada tradução), a atitude subversiva de Raimundo abre espaço para uma
discussão mais ampla, uma vez que contraria totalmente a visão essencialista de
linguagem, na qual o processo de tradução é visto como uma espécie de transporte de
carga, em que texto fonte e texto-alvo são considerados textos objetivos e claros,
facilmente “transportáveis” de uma língua para outra (ARROJO, 2000) e que devem
reproduzir totalmente a ideia do texto original, toda sua fluência e naturalidade e
apresentar o mesmo estilo empregado, refletindo as mesmas diretrizes estabelecidas
para o trabalho do tradutor. Vale ressaltar que esse estereótipo de inferioridade
atribuído aos trabalhadores textuais e a divinização do original também estão
presentes no conto “O tradutor cleptomaníaco”. Nesse conto, Gallus, personagem
principal, é a personificação do tradutor cleptomaníaco, que realiza infinitas
engenhosidades no texto, mas omite em sua tradução diversos objetos presentes no
texto-fonte – embora a qualidade textual da tradução fosse superior a do original, a
diferença na quantidade de objetos tinha um peso muito maior (questão da
fidelidade). Diferentemente dos dois personagens apresentados, no conto de Jhumpa
Lahiri, “O intérprete de males”, o protagonista representa não mais o estereótipo
daquele que transporta o significado, mas assume a postura de um sujeito que
transforma, modifica, atribui sentido à tradução. Sr. Kapasi é um indiano que, quando
jovem, estudara várias línguas e cujo sonho era tornar-se intérprete e trabalhar com
diplomatas e autoridades. Em sua vida adulta, em decorrência das adversidades,
passou a trabalhar como intérprete em um consultório – traduzia os males dos
pacientes para que o médico pudesse tratá-los – e nas folgas trabalhava como guia
turístico. Com base no que foi desenvolvido até agora, o próximo passo será propor
uma reflexão profunda nos contextos corporativo e acadêmico mais direcionada ao
processo de tradução/revisão técnica, que até então tem sido pouco explorado pelos
pesquisadores se comparado ao processo de tradução/revisão literária. Algumas das
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
questões a serem discutidas são: a revisão deve privilegiar e limitar-se a aspectos
gramaticais e ortográficos? O que se espera de uma revisão exemplar neste contexto?
O que o revisor, ele próprio, espera de si? Seria o revisor, em certa medida, autor do
texto? Em se tratando de autoria e sacralidade do original, por exemplo, sabe-se que o
ambiente de tradução técnica possibilita uma maior flexibilidade para os trabalhadores
textuais, se comparado à tradução literária. Embora a liberdade não seja total (e talvez
tal liberdade nunca possa ser total), o mundo da tradução corporativa oferece uma
gama de informações e dados a serem explorados à luz de teorias da tradução. Não
que se queira, com este trabalho, aplicar a teoria desenvolvida à prática dos
trabalhadores textuais, pois é impossível fugir às dicotomias tradicionais, mas sem
dúvida auxiliará esses trabalhadores a alcançarem o status merecido, comprovado
pelas teorias pós-estruturalistas, como sujeitos e coautores dos textos que manipulam.
Kátia Cristina de Oliveira
Universidade de Brasília
RADIOGRAFANDO A CULTURA DE APRENDER LÍNGUA ESTRANGEIRA (INGLÊS) DE
ALUNOS INGRESSANTES E EGRESSOS DO ENSINO FUNDAMENTAL II
Esta pesquisa insere-se no contexto de ensino de língua estrangeira em uma escola
militar situada no Distrito Federal e tem por objetivo caracterizar a cultura de aprender
língua estrangeira (inglês) de alunos ingressantes e egressos do ensino fundamental II.
No processo de ensino e aprendizagem de LE, a abordagem de ensinar ou a cultura de
ensinar do professor não é a única força responsável pelo sucesso do mesmo.
Devemos nos atentar também para a existência e importância da abordagem de
aprender ou da cultura de aprender do aluno (cf. BARCELOS, 1995). Há, ainda, as
abordagens/culturas de terceiros, conforme postulado por Silva (2005, p.77). Um
terceiro pode ser um diretor, coordenador, os órgãos do governo responsáveis por
elaborar leis e diretrizes para a educação no país, os autores do livro didático, entre
outros. Não podemos nos esquecer, também, de que, entre os terceiros, estão os pais
dos alunos, que, com suas posturas, exercem grande influência na vida escolar de seus
filhos. A filosofia, a abordagem ou a cultura que vai reger o processo de ensino-
aprendizagem de LE fazem parte de uma possível equação, resultante do embate das
forças (abordagens) as quais mencionei acima. É possível que a abordagem
predominante seja uma combinação dessas forças estabelecida por meio de uma
negociação, geralmente tácita, entre as partes envolvidas. O agente mais poderoso
tem maiores probabilidades de ver sua abordagem respeitada e acatada. A equação de
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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abordagem que prevalecer movimentará o ensino e a aprendizagem na prática.
(ALMEIDA FILHO, 2011). Conforme Barcelos (1995), a relevância de se estudar sobre a
cultura de aprender LE reside no fato de que ela pode nos mostrar a existência de
possíveis divergências entre o que os alunos esperam das aulas e do ensino e de como
os professores esperam que os alunos ajam para aprender o que é ensinado, ou seja,
ela pode evidenciar um conflito entre as expectativas dos alunos e as expectativas dos
professores a respeito do processo de ensino-aprendizagem de LE. Além disso,
professores e alunos podem ajustar suas atitudes, de acordo com o que é evidenciado
pela cultura de aprender, de modo a obter melhores rendimentos de ambas as partes
envolvidas: professores e alunos podem, então, alcançar melhores resultados e tornar
o processo de ensino-aprendizagem de língua mais satisfatório e bem sucedido. Em
busca de crescimento pessoal e tendo em vista (re)construir uma práxis mais crítica e
reflexiva (GIMENEZ E GOES, 2010; SILVA, 2010; GIL E VIEIRA ABRAHÃO, 2008; ALMEIDA
FILHO, 1999), paradigma este mais condizente com a contemporaneidade, a presente
pesquisa visa investigar a cultura de aprender língua estrangeira de alunos do ensino
fundamental II, em um lócus de ensino e de pesquisa em que, no presente momento,
atuo como professora e pesquisadora de língua(gem). Para tal intento, investigo, neste
estudo empírico, as características da cultura de aprender língua estrangeira de alunos
do Ensino Fundamental II. Feita a caracterização da cultura de aprender LE, verifico
como a cultura de aprender dos alunos ingressantes, se relaciona com a cultura de
aprender dos alunos egressos. As perguntas que nortearão a pesquisa são: 1.Como se
caracteriza a cultura de aprender LE (inglês) de alunos ingressantes (6º ano) e egressos
(1º ano) do Ensino Fundamental II? A caracterização da cultura de aprender será feita
através da consideração de aspectos que serão observados com o auxílio das sub-
perguntas: 1.1. Como se (re)constrói a cultura de aprender língua estrangeira dos
participantes da pesquisa? 1.2. O que os alunos dizem ser necessário fazer para
aprender inglês? 1.3. O que eles fazem para aprender inglês? 2. Como a cultura de
aprender dos alunos ingressantes se relaciona com a cultura de aprender dos alunos
egressos? A fundamentação teórica que orientará a análise dos dados contempla
tópicos como: Educação Linguística, com menção à Lei de Diretrizes e Bases Nacional
(LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Fundamental II (PCN-LE), o
Regulamento dos Colégios Militares (BORGES, 2003; MIRANDA, 2005; ROCHA, 2006;
LEFFA, 1999); abordagens do ensino de língua estrangeira (ALMEIDA FILHO, 2008),
cultura de aprender (BARCELOS, 1995), cultura de ensinar (FEIMAN-NEMSER &
FLODEN, 1986) e cultura de avaliar (SCARAMUCCI, 1997; ALMEIDA FILHO, 2008);
crenças: faces e interfaces, nessa seção discorro sobre crenças, mitos, pressupostos e
concepções (CARMAGNANI, 1993; BARCELOS, 1995, 2001, 2004; CARVALHO, 2000;
PERINA, 2003; SILVA, 2005, 2010;), e finalizo o capítulo teórico falando acerca dos
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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estudos empíricos sobre cultura de aprender mais representativos no cenário
brasileiro atual. Para atingir o objetivo proposto, será realizada uma pesquisa
qualitativa-interpretativista de cunho etnográfico (FETTERMAN, 1998; FREEBODY,
2003; CHIZZOTTI, 2006; NUNAN, 2007; ANDRÉ, 2010). A pesquisa terá seus registros
coletados em uma escola militar situada Distrito Federal, onde eu atuo com professora
de LE (inglês) há dez anos. Os participantes primários desta pesquisa serão os alunos
de uma turma de 6º ano do EF II e os alunos de uma turma do 1º ano do EM, alunos
egressos do EF II. Os participantes secundários são as duas professoras de inglês das
respectivas turmas e os pais dos alunos mencionados anteriormente. A coleta de
registros será feita por meio de questionários, entrevistas, narrativas visuais
(desenhos), observações de aulas e notas de campo. A análise de dados será feita pela
triangulação dos registros coletados através dos diferentes instrumentos de pesquisa.
No final desse estudo, espero poder oferecer sugestões visando à harmonização e ao
sucesso do processo de ensino-aprendizagem de LE assim como obter crescimento
pessoal e uma prática mais crítica e reflexiva.
Letícia Yukari Iwasaki Kushida
Universidade Estadual de Campinas
REFLEXÕES SOBRE O ATO TRADUTÓRIO NA TRADUÇÃO DE FLOWERS FOR ALGERNON
Neste projeto, uma das principais questões que procuro abordar nos Estudos da
Tradução é a tendência ainda vigente a postular a tradução entre duas línguas como
tradução propriamente dita e, consequentemente, como representação do que ocorre
em um processo tradutório. A tendência desse regime tem suas raízes na taxonomia
proposta por Roman Jakobson (1971) que, numa tentativa de restringir a instabilidade
constitutiva do significado de “lingua(gem)”, propôs a classificação da tradução em
três categorias estruturais que tiveram repercussões e receptividade diferentes nas
mais diversas áreas que cruzam o campo dos Estudos da Tradução. A contribuição de
Jakobson, embora tenha grande importância no desenvolvimento das reflexões sobre
a questão, hoje deve ser revista quanto ao emprego de seu conceito de tradução
interlingual ou “tradução propriamente dita”, uma vez que leva à suposição de que as
línguas poderiam ser tomadas como “ilhas”, unidades distintas demarcadas
geograficamente, além de prescrever e indicar as formas de representar e apreender o
que se realiza de maneira “perlocucionária”, nos termos da teoria dos atos de fala de J.
L. Austin (1967), quando se traduz. Esse regime convencional da tradução acaba
limitando a visão que se tem da posição do tradutor apenas àquela de colocar-se entre
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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uma língua nativa e outra estrangeira para operar a transferência da mensagem, sem
considerar quem é e onde está o agente do ato tradutório tanto em relação ao texto
de origem quanto ao texto traduzido, o que tacitamente tem levado ao apagamento
da figura do tradutor e ao idealismo da tradução como reprodução transparente.
Levando em consideração o que F. Schleiermacher (1838) já reconhecia sobre a língua
no século XIX e que R. Barthes (1978) complementou ao destacar o poderoso papel da
língua como inerente ao meio social (e, sendo assim, é modificada e modifica de
acordo com as transformações sociopolíticas), partimos do princípio de que a tradução
envolve imperativos morais tanto para o tradutor quanto para o leitor (público alvo) da
tradução, e sempre pode ser vista, em maior ou menor grau, como uma manobra
política de antagonismo social. Este trabalho propõe uma tradução do romance de
ficção científica Flowers for Algernon (1966), do escritor norte-americano Daniel
Keyes, acompanhada de uma análise e de reflexões acerca das questões que emergem
dessa tradução. O romance consiste na história de um narrador-personagem
deficiente intelectual que passa por um experimento cirúrgico para elevar seu
quociente de inteligência, e a decisão por traduzi-lo surge da constatação da ausência
de uma tradução do romance para a língua portuguesa, no Brasil ou em Portugal,
embora a obra tenha repercutido em diversos países e tenha sido traduzida para 27
línguas, ganhando ainda adaptações para o teatro, o cinema e a televisão. Esse espaço
vazio nos abre a oportunidade de contribuir para os estudos da literatura do gênero da
ficção-científica e para os estudos da linguagem e da tradução, visto que o tema do
crepúsculo mental, graças ao avanço da tecnologia na medicina, aponta uma crítica
distópica à relação problemática entre sociedade e linguagem (a ficção da
possibilidade de uma “cura” científica da deficiência intelectual). Além disso, ao
experimentar realizar o processo de reconstrução da narrativa em primeira pessoa,
caracterizada por aspectos textuais reveladores de uma pessoa com dificuldades de
escrita e que apresenta mudanças gradativas na qualidade dessa linguagem, é possível
constatar que uma “segunda voz”, índice de presença discursiva do tradutor, como
observa Hermans (1996), necessariamente ressoa no discurso narrativo traduzido,
aparecendo em maior ou menor grau de acordo com a estratégia de tradução adotada
e a consistência com que foi levada a efeito, seja por acréscimo de informações no
corpo do texto, seja por notas de rodapé, ou até mesmo por omissão de trechos. Por
se tratar de uma obra que aponta para o preconceito social particularmente
centralizado na deficiência intelectual e, consequentemente, no preconceito que
existe no nível linguístico, a concepção de língua(gem) que o tradutor assume se revela
na tradução de termos e expressões sujeitas a passar por discussão no campo do
politicamente correto, considerando a história dessa proposta (transformada em
movimento repressor da liberdade de expressão) nos Estados Unidos, sua influência no
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
Brasil e a maneira como tem sido interpretada em cada país. Nesse sentido, a visão da
tradução como transferência de mensagem de uma língua a outra ou como
reprodução do texto original não se mostra suficiente para uma reflexão sobre o ato
tradutório necessária a este projeto, pelo fato de suprimirem a voz do tradutor e por
contemplarem a tradução como um processo que permite a comunicação monolíngue
entre duas comunidades linguísticas distintas, de modo que é preciso buscar outras
perspectivas que permitam observar a tradução como algo híbrido, como espaço de
encontro e de tensão entre línguas, dando enfoque ao seu caráter aberto. Nesse
sentido, buscamos a proposta de J. Derrida (1985), que reflete sobre a tradução como
ato performativo, com base na teoria dos atos de fala, mas apresentando uma
possibilidade de interpretar a tradução como uma forma de reconciliação entre as
línguas.
Liv Rocha Fernandes
Universidade Estadual de Campinas
A NOVA REDAÇÃO DO VESTIBULAR DA UNICAMP: TRÊS GÊNEROS, TRÊS CONTEXTOS.
Toda mudança traz dúvida e ansiedade. A mudança na prova de vestibular da
Universidade Estadual de Campinas não é exceção. O exame mudou, mas foi a prova
de redação a que mais angústia traz a todos os envolvidos no processo: pais, alunos,
professores e elaboradores de material didático. Isso se dá tanto pelo peso da redação
na nota final (50% do total da prova, quarenta e oito dos noventa e seis pontos da
prova da primeira fase), quanto pela mudança na abordagem à produção escrita. Se
antes a redação seguia o padrão dissertação, narração e descrição comum a muitos
outros exames vestibulares, a mudança trouxe uma proposta baseada em gêneros
discursivos. Ao invés de uma redação, os alunos devem produzir três textos nos
gêneros requisitados pela prova e a coletânea foi extinta. As propostas de escrita têm
um texto-base ao qual o candidato deve se referir. Muito embora se discuta que
outros vestibulares como os da UFPR, a UEM e o da UFG, dentro outros, também
abordem gêneros; e que ainda apenas quatorze por cento da população brasileira
chegue ao ensino superior, uma mudança em prova é, sim, significativa. No contexto
brasileiro, os exames vestibulares são muito importantes visto que há uma crença de
que estudar em uma universidade de renome (ou pública) garantiria um futuro melhor
(SCARAMUCCI, 2002). É compreensível, então, que tenham surgido sistemas de ensino
cuja alegação comercial é “preparar para o vestibular”. Assim como relata Biggs
(1995), as provas guiam “não só o currículo, bem como os métodos de ensino e a
Linguística Aplicada
200
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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abordagem de aprendizagem dos alunos”. Mas pode uma mudança em uma prova
influenciar o ensino? A dissertação, que está em fase final de coleta e análise prévia
dos dados, tem como objetivo investigar o efeito retroativo dessa mudança. Segundo
Scaramucci (2004), entende-se efeito retroativo como “o impacto ou a influência que
exames externos e avaliações em geral e especificamente no ensino e na
aprendizagem, assim como nas percepções e atitudes de professores, alunos e formas
de preparação”. Dessa maneira, iniciou-se um levantamento sobre o material didático,
em que esse efeito retroativo poderia aparecer. A metodologia envolvida é qualitativa
de cunho etnográfico e envolve análise documental (dos materiais), análise das aulas e
entrevista semi-estruturada com os produtores de material. A fundamentação teórica
que norteia o trabalho sobre efeito retroativo traz McNamara, Wall, Messick, Bailey,
Scaramucci, Cheng e Watanabe, quanto à escrita e língua materna, são tomados os
pressupostos de Marcuschi, Soares, Bunzen e Pietri e ainda Bakhtin, Bazerman, Sobral,
Dolz e Schneuwly, Street, Cope e Kalantzis. Foram selecionados três campos distintos
para coletar os dados: um terceiro ano do ensino em escola particular do interior do
estado de São Paulo, um cursinho preparatório para exames vestibulares em uma
grande cidade do interior de São Paulo e um material preparatório para a redação da
UNICAMP de alcance nacional feito por um sistema de ensino. Além dos três campos,
procurou-se saber também sobre o possível impacto no ensino médio público através
de conversa com professores de língua portuguesa e análise de um material de ensino
de português. Diferentemente das escolas particulares citadas, o efeito retroativo na
escola pública nesses campos foi nulo. Embora a análise não esteja concluída, já é
possível, através de uma análise superficial dos dados coletados em campo, dizer que
sim, há efeito retroativo nos três campos, apesar de aparecerem em diferentes níveis.
Também foi possível perceber algumas tendências no ensino de redação,
especialmente relacionado aos vestibulares. Nos campos de ensino médio, ensina-se
em três direções: Exame Nacional do Ensino Médio (também conhecido como ENEM);
UNICAMP e o que ambos os professores chamam de “vestibulares filosóficos”, que
englobam a FUVEST (responsável pelo vestibular da Universidade de São Paulo -USP), a
VUNESP (responsável pelo vestibular da Universidade Estadual de São Paulo - UNESP) e
da PUC (Pontifícia Universidade Católica). O cursinho, por outro lado, ensina redação
em duas frentes, UNICAMP e FUVEST. Quanto à produção de material didático
preparatório, também foi possível perceber que dois movimentos ocorrem: produção
por sistemas de ensino/editoras e produção pelo próprio professor de
português/redação. Ainda não há muitos materiais preparatórios para a redação da
UNICAMP no mercado. Ao que parece, elaboradores de material e editoras ainda os
estão elaborando. Desta forma, cabe aos professores elaborar materiais para as aulas
de redação. Mas o que os materiais preparados para as aulas de redação podem
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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revelar sobre o entendimento do novo modelo da redação do vestibular? Como os
conceitos dos professores/elaboradores sobre linguagem e o construto da prova são
representados nesses materiais? Que aulas são essas e como os alunos estão sendo
preparados? Pretende-se, por triangulação dos dados coletados, - materiais, prova de
redação, dados de aula e entrevistas - refletir sobre essas questões. A análise dos
materiais e das aulas será realizada e um dos contextos será escolhido para uma
análise mais profunda, para triangulação dos dados e para inclusão na dissertação.
Lucas Vinício de Carvalho Maciel
Universidade Estadual de Campinas
DIALOGISMO EM NARRATIVAS: A LITERATURA DE DOSTOIÉVSKI NAS REFLEXÕES DO
CÍRCULO DE BAKHTIN
Neste trabalho, apresentamos as reflexões iniciais de nossa pesquisa de doutorado
"Dialogismo em narrativas", em que investigamos a noção de dialogismo, conforme
proposta por Bakhtin e seus companheiros Medvedev e Voloshinov, para analisar
narrativas compostas no contexto do vestibular da Unicamp. Para realização de nossa
pesquisa, assumimos a posição dos intelectuais do Círculo de Bakhtin que pensam o
dialogismo como um incessante diálogo das vozes que constituem a comunicação. Em
um texto, por exemplo, poderiam ser notadas vozes de diferentes pessoas, de distintos
personagens, de vários textos, de diversos gêneros que, ao se referirem umas às
outras, comporiam o enunciado. Este, por sua vez, ao se constituir, passaria a ser mais
uma voz no diálogo que estabelece a comunicação humana. Essa noção de dialogismo
foi desenvolvida por Bakhtin e seus companheiros em diversos estudos nos quais
discutiram a questão das relações dialógicas que sustentam e permitem a constituição
da linguagem. Um dos objetivos de nossa pesquisa é retomar as reflexões desses
intelectuais russos na tentativa de entender se as discussões presentes em diferentes
textos se completam e se podem nos levar a uma compreensão mais pertinente das
reflexões por eles propostas. Acreditamos que, por esse caminho, poderemos chegar a
um melhor entendimento acerca das concepções de dialogismo e de polifonia, de tal
modo que nos possibilite uma análise mais coerente das relações dialógicas expressas
nas redações narrativas que temos como objeto de análise. Juntamente à leitura dos
textos do Círculo, propomos, como primeira etapa de nossa pesquisa, a leitura e a
análise de algumas obras de Dostoiévski, utilizadas para nos familiarizarmos com o
universo literário desse autor que tanto influenciou os membros do Círculo de Bakhtin
em seus debates. Entre as obras dostoievskianas que examinamos, destacamos “Gente
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Pobre” (1846), “Memórias do subsolo (1864)”, “Crime e castigo” (1866), “O idiota”
(1869), "Os demônios" (1972) e “Os irmãos Karamázov” (1881). A leitura dessas e de
outras obras de Dostoiévski tem nos permitindo: (i) uma leitura mais fundamentada
das obras do Círculo na medida em que temos agora um conhecimento mais profundo
sobre, por exemplo, o enredo das obras e as características de personagens de
Dostoiévski que são citados nos textos de Bakhtin e de seus companheiros; e (ii)
discutir a extensão e a validade de certas colocações dos membros do Círculo a
respeito da literatura dostoievskiana, para que possamos assumir um posicionamento
próprio no contexto das diversas análises da obra de Dostoiévski. Para que se possa
entender o que pretendemos dizer com esse último ponto, é preciso esclarecer que,
para nossa surpresa, durante a realização dessa primeira fase da pesquisa de
doutorado, nos deparamos com várias críticas às análises de Bakhtin, segundo as quais
sua admiração pela literatura dostoievskiana o teria conduzido a “generalizações (...)
exageradas” (ROSENSHIELD, 1978: 271), a “conclusões extremadas” (FRANK, 1976: 87)
ou impossíveis “em seu próprio princípio” (TODOROV, 1984: xxiv). Assim, se, em um
primeiro momento, pensávamos em realizar a leitura das obras de Dostoiévski tão
somente para que pudéssemos empreender uma análise mais contextualizada das
obras do Círculo em que as linhas do romancista russo são referenciadas, vemos,
agora, que será interessante discutir as próprias afirmações de Bakhtin e de seus
companheiros sobre essa literatura. Isso é de grande importância para nossos
objetivos, pois, se concordarmos (mesmo que parcialmente) com as críticas às análises
bakhtinianas, precisaremos repensar o modo como esperamos examinar as relações
dialógicas nas redações dos vestibulandos, interesse último de nossa pesquisa. Desse
modo, se antes nos parecia imperioso discutir os limites entre dialogismo e polifonia,
para ver, por exemplo, se a polifonia ocorre apenas no âmbito de romances ou se pode
acontecer mesmo no contexto das narrativas curtas do vestibular, entendemos, agora,
que, antes disso, é preciso nos colocarmos no cenário das críticas às posições
bakhtinianas. Assim, precisamos previamente decidir se concordamos, por exemplo,
com a rejeição de Todorov à concepção bakhtiniana de polifonia, pois, segundo o
crítico, Bakhtin parece estar confundindo duas coisas. Uma é que as ideias do autor
sejam apresentadas por ele, no interior de um romance, como tão discutíveis como as
de outros pensadores. A outra é que o autor esteja no mesmo plano que suas
personagens. Ora, nada autoriza tal confusão, já que também é o autor que apresenta
tanto suas próprias ideias quanto as das outras personagens. (...) Dostoiévski não é
uma voz entre outras nos seus romances, é o criador único, privilegiado e radicalmente
diferente de todas as suas personagens, uma vez que cada uma delas não é,
justamente, senão uma voz, enquanto Dostoiévski é o criador dessa própria
pluralidade. (TODOROV, 1984: p.xxv). Aceder a essa crítica de Todorov, levar-nos-ia a
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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excluir a própria categoria de “polifonia” como uma das possíveis de ocorrerem nas
redações já que essa concepção, que prevê certa paridade entre autor e personagem,
seria impossível “em seu próprio princípio” (TODOROV, 1984: xxiv). Nesse momento
de nossa pesquisa, contudo, mesmo que estejamos nos inteirando das críticas acerca
de certos posicionamentos bakhtinianos, ainda continuamos concordando com muitas
das posições do Círculo, inclusive com a concepção bakhtiniana de polifonia (BAKHTIN,
1929/1963). Ao lado de pesquisadores como Bezerra (2010), entendemos que a
literatura dostoievskiana traz realmente uma nova concepção de relação autor e
personagens, do que advém a posição bakhtiniana de que Dostoiévski “criou um tipo
inteiramente novo de pensamento artístico, a que chamamos convencionalmente de
tipo polifônico” (BAKHTIN, 1929/1963, p. 1). Ou seja, admitimos que “Bakhtin reitera a
presença indispensável do autor na construção do objeto estético e sua posição
especialíssima na arquitetônica do romance especificamente polifônico” (BEZERRA,
2010, p. xi), sem confundir ou igualar autor e personagens. Assim, no presente estágio
de pesquisa, encontramo-nos analisando a literatura de Dostoiévski, buscando
entender (e discutir) noções bakhtinianas fortemente influenciadas pela literatura do
romancista russo. Isso, supomos, permitirá uma discussão mais adequada quando da
análise das redações narrativas do vestibular Unicamp que compõem nosso corpus de
pesquisa.
Luís Fernando Protásio
Universidade Estadual de Campinas
A TRADUÇÃO ORIGINAL
A aproximação teórico- (no sentido de estabelecimento de uma identificação − ou de
uma conformação) metodológica (no sentido de circunscrição de um método
apropriado para o aludido estabelecimento) dos conceitos de tradução e de identidade
não é, em si, uma novidade dentro dos estudos da tradução, principalmente se tal
aproximação buscar amparo em trabalhos de fôlego mais tradicional que, como os de
Kathryn Woodward (2000) e de Stuart Hall (2005), hospedam-se sob a bandeira dos
chamados estudos culturais e/ou estudos pós-coloniais. Inscrita em uma perspectiva
maniqueísta da história, essa aproximação preludia o que Ricoeur (2011) chama, em
referência a um panfletário texto do helenista francês Marcel Detienne , de
“construção do comparável” o que, por sua vez, produz semelhanças -
“correspondências sem adequação”, “equivalências sem identidade”, são os termos
que Ricoeur usa- sempre transitórias. Semelhanças transitórias porque registradas, de
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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forma irrevogável, no tempo de uma história teleológica conformada em uma teoria
da historiografia. É nesse caminho maniqueísta que as abordagens que entendem a
tradução como construção de identidades têm se perdido nas vias, na história dos
estudos da tradução (história ordinariamente abordada como historiografia, embora
trate-se de coisas distintas), das “pontes”, dos transportes, da partida, do destino, da
chegada, das fontes, das metas, dos alvos e das flechas que povoam exaustivamente a
maioria dos discursos sobre tradução sem, em geral, atingirem o ponto de uma
novidade. É desse caminho que se deve distanciar; são essas pontes, para citar Deleuze
(1997), que se deve ultrapassar. Observado sob tal perspectiva (isto é, sob a
perspectiva dos Estudos Culturais), o diálogo entre a prática da tradução e a
construção de identidades, especialmente no contexto contemporâneo motivado pelo
processo de globalização, aponta para a tradução como um instrumento de afirmação
da identidade, com ênfase na identidade cultural. Eventualmente, todavia, essa
funcionalidade política pode também (ou, redizendo, pode inclusive) servir para
colocar essa identidade sob suspeita, já que questionaria seus limites sobretudo no
que diz respeito à fragmentação que lhe imprime um caráter de ‘espaço da diferença’
(com ênfase, ainda tomando o contexto contemporâneo, mas agora de acordo uma
expectativa mais relevante dentro do campo de uma filosofia da linguagem, nas
implicações e nas imbricações de gênero, de raça e de mestiçagem). Sob uma
perspectiva mais filosófica e de orientação pós-estruturalista, porém, o enfoque desse
diálogo é transferido do eixo afirmação/questionamento da identidade para o eixo
representação/transmissão dessa identidade, uma vez que desloca sua construção
histórico-discursiva como ‘espaço da diferença’ para a problematização dos conceitos
de história, memória, narração e diferença, que lhe são estruturais. Nesse sentido, é o
enfrentamento e a transmissão da diferença (alter, Outro, estranho, estrangeiro,
feminino, etc.) que abrem a possibilidade de um processo de narração (em seu caráter
de invenção ou, ainda, nos termos de Nancy Huston, em sua “espécie fabuladora”
("espèce fabulatrice"). Com efeito, será esse processo de narração que acionará, a um
tempo, a emergência do sujeito (a invenção de sua identidade na língua ao apropriar-
se do lugar vazio do “eu” e entrar no jogo simbólico) e o nascimento do drama
encenado por esse sujeito na língua (a conversão de sua memória em história e,
portanto, em urgência de testemunho). Sob essa perspectiva pós-estruturalista – que
é, aliás, a perspectiva assumida neste trabalho –, o problema da relação estabelecida
entre tradução e identidade começa, assim, a apontar para os conceitos de identidade
narrativa ("identité narrative") (RICOEUR, 1990) e de narração ("Erzählung")
(BENJAMIN, 1987; SELIGMANN-SILVA, 2003, GAGNEBIN, 2009), conceitos esses não
apenas encenados, mas também inscritos no corpo da língua que toma para si a
responsabilidade pela gênese e pela maturação da identidade. Consideradas essas
Linguística Aplicada
205
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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perspectivas, a autotradução (que é, em última análise, uma tradução do eu "je")
surge como uma estratégia de resistência (já que reatualiza a gênese do eu "moi") e
como uma tarefa de manutenção do impulso auto-bio-gráfico. Tal impulso, realizado
como um ritual de alienação do eu mesmo, faz a autotradução aproximar-se de uma
afinidade alegórica já que, de acordo com esse arranjo, restitui o corpo à língua − em
todas as dobras que essa restituição possa assumir. Em outras palavras, realiza a
passagem da coisa em si, idem a si mesma para sua nomeação, seu reconhecimento na
língua e como língua, sua transformação em língua − passagem que justamente
corporifica o delírio (para citar Deleuze) ou a loucura (para lembrar Blanchot) fundados
na "Aufgabe". Considerados esses termos e partindo de um panorama assim
desenhado, não seria arriscado aproximar teórica e metodologicamente (como é a
proposta aqui) as experiências extremas de exílio e de autotradução cultivadas pela
escritora canadense Nancy Huston a um cenário narrativo (e, portanto, ficcional) em
que tradução e identidade funcionam como intérpretes do episódio fundamental (um
episódio, nesse sentido, original, tal qual o entenderá "Agambem") que irá inscrever a
arké do sujeito (e, logo, de sua identidade) na história, seja essa história pensada, no
risco de Walter Benjamin, como processo real ("Geschichte"), como disciplina
("Historie"), como memória ("Gedächtnis"), como rememoração ("Eingedenken") ou
como comemoração ("Erinnerung").
Márcia Andréa Almeida de Oliveira
Universidade Estadual de Campinas
O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: A PRESENTIFICAÇÃO E
ELEMENTARIZAÇÃO DOS OBJETOS DE ENSINO
Este estudo trata dos resultados parciais, obtidos a partir da análise de dados da tese
de doutoramento, que tem por objetivo investigar a apropriação que o professor faz
do Livro Didático de Língua Portuguesa (doravante LDP), integrando três dimensões
essenciais para se compreender o trabalho docente: os objetos de ensino, as
ferramentas do professor e os gestos didáticos. Ele está vinculado ao projeto de
pesquisa “Livro Didático de Língua Portuguesa: Produção, Perfil e Circulação – LD-
Properfil”, coordenado pela professora doutora Roxane Helena Rodrigues Rojo. Tal
projeto tem por objetivo desenvolver: i) a avaliação de livros didáticos de Português e
de Alfabetização no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), desenvolvido pela
Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação (MEC); ii) a assessoria e
consultoria ao MEC para as políticas do livro e da leitura; e iii) a pesquisa da produção,
Linguística Aplicada
206
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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seleção e uso dos LDP, destinados ao ensino fundamental e médio, visando a
descrever as características editoriais, pedagógicas e discursivas dos LDP. Neste
trabalho, para refletirmos sobre o que o professor conhece do processo de avaliação
do LDP, do processo de seleção do material na escola e das diferentes relações que tais
processos suscitam, recorremos às entrevistas das professoras dos 6°, 7°, 8° e 9° anos
do ensino fundamental II de uma escola pública da cidade de Belém, aos questionários
aplicados com as professoras dos 6° e 9° anos e as observações realizadas em sala de
aula. Para isso, buscamos organizar o conteúdo do discurso das professoras a partir
dos componentes do triângulo didático (saber, aluno e professor), proposto por
Chevallard (1991) e repensado por Dabène (1995), relacionando-os à noção de
discurso e compreensão ativa de Bakhtin/Volochínov (2006/1929). Concernente ao
polo de saber, procuramos investigar quais são as apreciações das professoras sobre a
avaliação do LDP realizada pelo MEC, os critérios implementados na seleção e a sua
relação com os saberes didatizados, focalizando a compreensão ativa que elas
manifestam em seu discurso, sobretudo, dos documentos oficiais. No que diz respeito
ao polo do professor, procuramos centrar na relação que as professoras estabelecem
com o LDP, quanto as suas possibilidades e limitações, sem, contudo, perder de vista a
relação do professor com os demais polos do triângulo didático e focando a apreciação
que o professor tem desse instrumento, a fim de compreender essa relação dinâmica e
complexa que é a relação didática. Quanto ao polo do aluno (considerado como parte
integrante e constitutiva do sistema de ensino), buscamos explicitar de que modo eles
exercem influência no uso do LDP, a partir das entrevistas e dos questionários. Isto é,
em que momento as professoras fazem referência aos alunos em suas decisões de usar
ou não o livro e de selecionar os objetos de ensino, as atividades e as tarefas. A partir
da análise dos dados, verificamos que conhecer o processo de avaliação significa
também conhecer um conjunto de textos que são elaborados para auxiliar o professor
nos processos de seleção e uso, os quais podem influenciar o ensino/aprendizagem da
Língua Portuguesa. No entanto, o fato de as professoras não saberem definir esse
processo representa uma falha no PNLD: o distanciamento entre os agentes da esfera
escolar e da esfera das políticas públicas e a falta de uma participação mais ativa dos
professores no processo de transposição didática externa. Percebemos ainda que as
professoras parecem buscar seguir as novas orientações para o ensino, posto que
destacam o trabalho com texto e a integração entre gramática e texto, embora suas
ações de ensino mostrem outra tendência. Nesse caso, há incoerência entre os objetos
priorizados na seleção e aqueles ensinados e mediados pelo LDP. O discurso sobre o
livro deixa também entrever que as apreciações favoráveis ao uso do material advêm,
especialmente, de quem costuma utilizá-lo. A professora que mais pontuou aspectos
positivos sobre o material é justamente aquela que mais o utiliza, demonstrando assim
Linguística Aplicada
207
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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um nível maior de apropriação do que as outras professoras, que não abordam
questões pontuais sobre o manual didático, porque talvez não o conheçam nem o
usem. A partir disso nos questionamos: usar para conhecer ou conhecer para usar?
Ainda com relação à análise, por meio das entrevistas, notamos que as possibilidades
de uso também se relacionam com o fato de o livro não tirar a autonomia do
professor, porquanto ele pode selecionar o que achar mais conveniente para ensinar,
utilizar outros materiais (seja outro LDP, seja gramática) e usá-lo quando sentir
necessidade. Os dados revelam que o professor tem total autonomia para decidir se
vai ou não utilizá-lo e que há uma forte ligação remanescente das professoras
investigadas com o currículo centrado no ensino de gramática, no qual o texto ainda se
faz presente como um pretexto e as práticas de escrita e orais são secundarizadas ou
inexistentes. Os resultados da pesquisa apontam também que, muitas vezes, o
professor não conhece certos assuntos presentes no livro, o que limita o uso desse
instrumento. Para nós, esse pode ser um dos principais fatores que favorece o não uso
do LDP, visto que as propostas atuais baseiam-se no ensino de outros saberes. Vale
mencionar que as mudanças recentes nos objetos de ensino e nas orientações teóricas
exerceram e exercem uma influência significativa na produção dos LDP, entretanto
parecem não exercer na prática das professoras, posto que estas tomam como
limitação a ausência de uma gramática normativa mais pontual e a quantidade de
textos e questões de interpretação. Além disso, os dados de pesquisa revelam que os
alunos exercem uma influencia muito grande no perfil do professor. De um modo
geral, o estudo até aqui feito permite concluir que a prática das professoras reflete não
só o saber advindo de sua formação e de suas experiências de vida, como também o
saber construído ao longo do exercício da prática de ensino.
Mariana Batista de Lima
Universidade Estadual de Campinas
LETRAMENTO ACADÊMICO: A CÓPIA (PLÁGIO) NAS PRÁTICAS DE ESCRITA
ACADÊMICA
Situações de carências e de impasses presentes no ensino do letramento acadêmico,
aos alunos ingressos em cursos de ensino superior, já vêm sendo evidenciadas e
discutidas em estudos de pesquisadores de diversos países (CANAGARAJAH, 1997;
BRAINE, 2002; MARINHO, 2012; OLIVEIRA, 2011; ZAVALA, 2010). Fundamentando-se
no conceito de que todo letramento é situado e corresponde a práticas sociais
(STREET, 1984; 1998), conflitos de identidades muitas vezes são gerados devido às
Linguística Aplicada
208
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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distintas bases culturais de alunos versus docentes acadêmicos, o que pode ser
esclarecido com a noção de que a escrita seria mais do que uma simples técnica,
constituindo-se, portanto, em uma maneira de se ver o mundo (ZAVALA, 2010, p.75).
Ademais, é importante considerar que o texto acadêmico definitivamente não é
neutro, mas sim “vem associado a um tipo de identidade” (ZAVALA, 2010, p. 82).
Assim, não são somente “meros” estilos de textos escritos que estão em jogo, o
problema se recai na intrínseca relação entre letramento e prática social, e é
justamente essa importante relação que parece não estar sendo observada e
considerada o suficiente para que sejam corrigidos e atenuados os desencontros
sofridos pelos alunos universitários no tocante à aquisição do letramento acadêmico.
Numerosos e distintos são os gêneros constituintes do letramento acadêmico, entre
eles os que são lembrados mais prontamente são os escritos (o fichamento, o
relatório, a resenha, o resumo – OLIVEIRA, 2010, p.21), mas ainda há os orais (a aula, a
conferência, a defesa de monografias, de teses; a entrevista, o seminário etc.), esses
que também são aprendidos no ensino superior e, assim como os gêneros escritos,
“oferecem grandes desafios aos alunos” (MARINHO, 2010, p.366). Diante dessas
questões, outras problemáticas podem ser relacionadas aos conflitos propiciados pelos
desencontros de muitos estudantes universitários no momento da aquisição do
letramento acadêmico: a falta de autoria e identidade na execução dos trabalhos
escritos por eles, e, consequentemente, a possível condução ao extremo da utilização
do recurso de pura cópia (plágio) de trabalhos já produzidos e que, atualmente, são
amplamente disponibilizados, sobretudo, na internet. A prática indevida de cópia de
outros textos pode ser analisada a partir de três vieses fundamentais: jurídico, ético e
educacional. Nesta pesquisa, interessa principalmente o caráter educacional, que
inclui graduandos e pós-graduandos e que compete aos prejuízos gerados à qualidade
da formação dos estudantes, adicionados aos problemas de ordem ética e,
possivelmente, jurídica. Mas, apesar de ser necessário considerar questões de ordem
cultural na análise mais adequada do problema da cópia em textos escritos pelos
universitários, as carências educacionais e desencontros identitários não são
apresentados como validação e motivo para tácita aceitação de trabalhos que sejam
exemplos de pura cópia, de plágio. O objetivo é justamente entender o porquê do
problema e não o aceitar como natural e positivo, o que definitivamente ele não é,
uma vez que resulta e representa baixos níveis de qualidade na formação de
graduandos e, por conseguinte, baixa qualidade no desenvolvimento da pesquisa
científica como um todo. Diante dessas questões, neste trabalho se analisam registros
de interações em sala de aula em que alunos (graduandos do curso de Letras de uma
renomada universidade pública brasileira) discutem e apontam o que consideram ser
as principais causas e até mesmo possíveis soluções para os problemas em questão (a
Linguística Aplicada
209
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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saber, deficitário ensino da escrita acadêmica, falta de autoria, identidade e a prática
da cópia em trabalhos escritos). As condições da geração dos registros deste trabalho
se deram por meio da gravação (áudio) de duas aulas de uma disciplina que compõe o
currículo obrigatório do curso. Ainda em andamento, esta pesquisa intenta entrevistar
docentes acadêmicos, da área de Letras, a fim de saber suas opiniões e classificações
acerca do que consideram ou não ser cópia (plágio) em trabalhos escritos acadêmicos,
com foco nos textos de alunos. De antemão, acredita-se que um total consenso não
será encontrado, isso porque já nas leituras realizadas, revisão bibliográfica, é possível
observar algumas controvérsias sobre a questão. No tocante à análise e geração de
registros, seguem-se aqui os preceitos metodológicos de cunho
qualitativo/interpretativista, que pretende opor as ponderações deste estudo aos
critérios de cientificidade positivista que procura justificar análises e respostas pelo
método/critério quantitativo (MOITA LOPES, 1998). Ainda em caráter de
esclarecimento, cabe expor que a noção de Linguística Aplicada, com que se opera
aqui, considera que uma das funções desta área científica é gerar compreensão acerca
dos problemas sociais em que a linguagem se faz central (MOITA LOPES, 2006). Muito
sucintamente, considerando-se o estágio em que se encontra esta pesquisa, pode-se
concluir que a falta de organizado ensino do letramento acadêmico e os modelos dos
trabalhos escritos ensinados durante o ensino fundamental e médio são, na grande
maioria dos casos, fortemente responsáveis pelas deficiências na produção de textos
acadêmicos conforme também apontam os alunos participantes desta pesquisa. Além
disso, o exercício de cópia (plágio), por vezes realizados pelos universitários, deve ser
compreendido como uma denúncia das dificuldades que enfrentam em relação ao
letramento acadêmico, o que pode levá-los ao problema do apagamento enquanto
indivíduos, frente aos padrões culturais hegemônicos vigentes no modelo de
globalização ocidental, ou a algo que ainda pode ser mais grave: “o fracasso ou
abandono escolar” (BEREBLUM, 2003, p. 104). Infelizmente, a trajetória acadêmico-
escolar ainda pode contribuir “para a desautoração (disempowering) de seus egressos”
(KLEIMAN, 2006, p.410). O letramento acadêmico exige pesquisas sobre habilidades e
competências linguísticas, mas também sobre “fundamentos e estratégias que
permitam refazer princípios e crenças que têm levado nossos alunos a uma relação
tímida, deficiente, inadequada e tensa com as práticas acadêmicas letradas”
(MARINHO, 2012, p.368).
Linguística Aplicada
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Marília Curado Valsechi
Universidade Estadual de Campiinas
LETRAMENTO PARA O LOCAL DE TRABALHO DOCENTE: UM ESTUDO DE CASO SOBRE
O ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR
DE LÍNGUA MATERNA
Este trabalho faz parte de nossa pesquisa de doutorado em Linguística Aplicada, em
andamento, cujo projeto intitula-se “Estágio Curricular Supervisionado: uma prática
situada para o letramento profissional do professor”. O interesse por desenvolver
pesquisa na área de formação de professores está ligado à minha trajetória enquanto
pesquisadora e formadora de professores. No mestrado, quando comecei a participar
do grupo Letramento do Professor, desenvolvi uma pesquisa que teve por objeto um
curso de formação continuada, oferecido por meio do programa Teia do Saber – uma
parceria entre a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo e uma instituição de
ensino superior, no caso, o Instituto de Estudos da Linguagem – para professores dos
anos iniciais. Nesse trabalho, verifiquei como se dá o processo de apropriação dos
saberes formadores pelo professor participante com o objetivo maior de investigar a
eficácia do modelo de formação continuada proposto. Atuei também como formadora
de alguns cursos semipresenciais de formação continuada de professores de Educação
Infantil e anos iniciais e, ao trabalhar como professora de futuros professores de língua
portuguesa, no contexto da formação inicial do curso de Letras, mais especificamente,
na disciplina de estágio curricular supervisionado, adquiri um interesse ainda maior
por compreender a prática do estágio na formação do professor, o significado que este
apresenta para os envolvidos, tanto o licenciando quanto a comunidade escolar
(coordenador, professores das unidades concedentes, as escolas), bem como o tipo de
relação que os docentes em formação, ainda no contexto universitário, mantém com
os saberes acadêmicos para a realização da transposição didática (CHEVALLARD, 1998),
na elaboração das aulas a serem ministradas durante o estágio. Dessa forma,
mantenho o interesse do mestrado, que também faz parte de um dos objetivos do
nosso Grupo de pesquisa, em entender “o que está envolvido no processo de
formação (no caso, inicial) do professor a fim de contribuir para uma formação que
resulte na autorização do professor para agir no seu contexto de ação” (KLEIMAN &
MARTINS, 2007), nesse caso, voltado para a formação inicial do professor de língua
materna. Como objetivos específicos, procuro descrever o estágio curricular
supervisionado na formação do professor de língua portuguesa de uma universidade
pública do interior paulista, na qual atuo como professora e supervisora do estágio;
analisar os eventos de letramento de que o estagiário participa, assim como o
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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processo de transposição didática efetuado por estes; investigar os significados que o
estágio apresenta para os participantes para contribuir com reflexões críticas a fim de
fornecer subsídios para a universidade, no que diz respeito à formação inicial docente,
numa perspectiva mais colaborativa e empoderadora do trabalho do professor. A
pesquisa está baseada na metodologia qualitativo-interpretativista, por partilhar de
suas características básicas, ou seja, é naturalística, visto que investiga o fenômeno em
seu “contexto natural”, não experimental, os dados são gerados a partir das práticas
sociais situadas durante a realização dos estágios curriculares supervisionados dos
sujeitos participantes. Também visa à compreensão profunda de seu objeto de estudo,
o estágio curricular supervisionado, enfatizando o ponto de vista dos seus
participantes, em função do qual procuramos refletir sobre os aspectos da realidade
que necessitam ser modificados, no caso, o formato de estágio curricular proposto na
formação inicial da referida instituição. Adotamos a perspectiva interpretativista tal
como designada por Moita Lopes (1994), pois, ao assumirmos o fazer científico como
uma construção de discurso, compreendemos que não há uma interpretação correta
para essa realidade, mas que os significados são construídos/negociados pelos sujeitos
envolvidos na investigação, considerando-se, inclusive, a subjetividade do pesquisador,
razão pela qual ressaltamos nossa trajetória como pesquisadora. Trata-se de um
estudo de caso, pois apresenta uma unidade específica e particular de estudo – a
prática do estágio supervisionado de uma instituição específica – e contempla as
características principais dessa abordagem, segundo Barone (2004): constitui-se de um
desenho de pesquisa descritivo e não-experimental, exige uma rica descrição do
objeto de estudo, procura enriquecer a compreensão do leitor sobre o fenômeno
investigado – contribuindo para a ampliação do conhecimento das comunidades
científicas que têm o estágio supervisionado como objeto de estudo – e utiliza de
abordagem indutiva, tendo em vista que os dados dirigem as compreensões que
emergem do estudo. Os dados a partir dos quais realizaremos a triangulação
correspondem ao projeto político-pedagógico do estágio da instituição universitária e
do planejamento da disciplina de estágio; textos produzidos pelos alunos estagiários,
como os planos de aula, relatórios de estágio, diários reflexivos; também nossos
diários reflexivos, produzidos em função das aulas na universidade; questionários de
avaliação da disciplina de estágio preenchidos pelos licenciandos e entrevistas
realizadas com alguns professores em formação, bem como com alguns agentes da
comunidade escolar. Para a presente comunicação, apresentamos análises iniciais dos
relatórios de estágio produzidos pelos alunos do último ano do curso de Letras.
Fundamentada, principalmente, na concepção bakhtiniana de linguagem e nos Estudos
de Letramento, a pesquisa compreende o estágio supervisionado como uma prática
situada para o local de trabalho do professor, em que o estagiário interage com vários
Linguística Aplicada
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agentes (professor da escola, coordenador, supervisor acadêmico, alunos para os quais
ministrará aulas) e se insere em diversos eventos de letramento (envio de
documentação para a realização do estágio, pesquisa de textos para planejamento das
aulas, elaboração dos planos de aula, e a aula, efetivamente), atribuindo significado a
esses eventos e construindo sua identidade profissional docente.
Marluza da Rosa
Universidade Estadual de Campinas
O DISCURSO UNIVERSITÁRIO-CIENTÍFICO NA CONTEMPORANEIDADE: ALGUNS
APONTAMENTOS
Apresentamos, nesta comunicação, nosso trabalho de tese, em fase final de escrita,
com vistas a alinhavar aspectos pontuados na análise do corpus, bem como a debater
algumas noções teórico-conceituais desenvolvidas. Ancoramos nosso estudo na
perspectiva discursiva, remetendo-nos a sua relação constitutiva com a psicanálise
lacaniana. Nosso olhar para o corpus e para nossa própria articulação teórica é,
também, permeado pelo viés da desconstrução, o qual implica um gesto constante de
reformulação teórico-conceitual. Em nossa pesquisa, propomo-nos a colocar em
discussão o discurso em formulação e circulação no âmbito universitário,
compreendido não apenas como um lócus de observação, mas também de
problematização e de possível transformação de sentidos já-dados, naturalizados ou
reafirmados. Denominamos universitário-científico esse discurso para o qual nos
voltamos, compreendendo-o, metaforicamente, como os bastidores do discurso da
ciência. Ao colocarmos em jogo essa outra cena (LACAN, 2009), raramente mostrada,
quando o discurso da ciência é encenado como discurso da verdade, procuramos
explorar um modo de funcionamento que potencialize a tomada desse discurso pelo
avesso, potencializando, também a desestabilização dos sentidos aí tomados como
evidentes. Se a ciência em cena se encena como um discurso sem sujeito, que tende a
universalidade e que afirma desvendar lógica, objetiva e racionalmente o que dizem
fatos e fenômenos, seu avesso pode ser pensado a partir do que é foracluído nessa
imagem, a saber, a dimensão subjetiva que envolve o acaso, o desejo, a inscrição do
pesquisador ou, nos termos de Lacan (1998, p. 884), o “drama subjetivo do cientista”.
Desse modo, a proposta de uma torção no discurso científico não trata de uma busca
por substituí-lo pelo discurso do senso-comum ou por dizeres taxados como “mera
opinião” ou “sem comprovação científica”. Quando falamos de torção, não falamos de
oposição ou de inversão da hierarquia, movimento por meio do qual o discurso
Linguística Aplicada
213
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científico passaria a assumir o polo contrário ao que comumente assume. Uma torção,
para nós, implica tomar um objeto ou um discurso em seu duplo (direito e avesso,
como na figura topológica da banda de moebius), considerando, também, seu outro
lado: pensar a cena com os bastidores ou pelos bastidores. Sendo assim, se a ciência
parece não falhar ao procurar apresentar respostas a todas as perguntas (ainda que
respostas provisórias), o que buscamos é tomá-la pelo viés em que esse semblante
(LACAN, 2009) pode ser desconstruído, em que essa possibilidade de falha sofre
menos tentativas de tamponamento. A ordem para a qual nos voltamos consiste,
assim, no processo de formação para a pesquisa científica, processo no qual não
apenas o conhecimento, mas também os pesquisadores estão em (trans)formação.
Entendemos que, nessa ordem, situada no âmbito universitário, a ciência não é dada
como pronta, diferindo-se, por exemplo, do modo como é veiculada nos discursos de
divulgação científica. Em outros termos, tomamos como lugar de observação e
problematização não o produto, mas o processo de produção e transmissão de
conhecimentos (a ciência em desenvolvimento). Nesse processo, mais do que os
resultados, importa a inscrição do pesquisador em formação, sua constituição
identitária, inevitavelmente atravessada pela heterogeneidade discursiva que permeia
essa outra cena e que presentifica uma memória de dizeres. Nessa perspectiva,
defendemos a hipótese de que a identidade do pesquisador em formação se constitui
em um movimento tenso de aproximação-afastamento a uma imagem ideal e
espectral, a figura do cientista, definida e reafirmada a partir de uma matriz de
sentidos que pode ser compreendida pela referência à designação ciência moderna.
Para a discussão proposta, tomamos como objeto de estudo o dizer de pesquisadores
em formação de diferentes disciplinas, inscritos em três grandes áreas: ciências
humanas, biológicas e exatas. O corpus foi construído a partir de entrevistas orais
semi-diretivas, gravadas e transcritas. No total, foram vinte e uma entrevistas (sendo
sete de cada área), nas quais os participantes foram instados a falar sobre como viam o
processo de formação em que estavam inseridos e sobre como se viam como
pesquisadores nesse processo. A análise se baseou em regularidades linguístico-
discursivas, presentes em segmentos recortados dos dizeres, os quais obedeceram, em
sua maioria, a uma estrutura narrativa linear, com passado e presente organizados
pelo olhar retroativo de um eu-narrador. Como resultados parciais, podemos apontar
alguns elementos que nos chamaram a atenção. No que concerne ao olhar para si
como pesquisador, notamos, por um lado, a ênfase no eu (dimensão consciente) como
principal responsável pelo desenrolar linear e teleológico de uma história escolar e
acadêmica, o que aponta para o caráter individualista e positivista, característico da
modernidade, que permeia esse dizer. Por outro lado e em contraposição a essa
fantasia de si mesmo, sinalizamos a construção de uma imagem de si mesmo
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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submetida tanto ao olhar e à voz do outro, quanto a um ideal de pesquisador em
constante adiamento, o que, ao mesmo tempo, frustra e alimenta um desejo de vir a
ser. No que diz respeito ao olhar para o processo de formação para a pesquisa, por
meio do qual buscamos problematizar, também, o discurso da ciência como
semblante, salientamos o atravessamento, nos dizeres, do que Lacan (1992) denomina
Discurso Universitário, marcadamente burocrático e com pretensões de completude,
de totalização, de tudo-saber. Além disso, pontuamos o conflito e o mal-estar, também
marcados no fio do discurso (por meio das hesitações e da reiteração de elementos
lexicais, por exemplo), que o pesquisador em formação vivencia na relação com a
constante demanda utilitária, ou seja, com o imperativo para que o conhecimento seja
convertido, não apenas em um resultado, mas em produto (em objeto) utilizável,
comercializável, rentável. Esse mal-estar também se materializa em dizeres que podem
ser interpretados como possíveis gestos de resistência ao excesso de visibilidade
esperado desses produtos – que devem ser positivos, reafirmando a ciência como
semblante daquilo que funciona –, em contraposição à invisibilidade e à vigilância
insistentes à quais se submete o pesquisador nesse processo de formação e de
produção de conhecimento.
Nayara Natalia de Barros
Universidade Estadual de Campinas
A ADEQUAÇÃO DA ESCOLHA METODOLÓGICA PARA A ANÁLISE DE UMA VARIEDADE
DE TEXTOS HIPERDOCUMENTAIS E MULTIMODAIS: O CASO STORIFY
No presente trabalho, pretende-se apresentar o projeto de mestrado da pesquisa
ainda em fase inicial de desenvolvimento “Curadoria na web como apoio para gêneros
e letramentos digitais”, dando destaque para as questões que suscitaram o interesse
por essa investigação e pelas questões que se colocam na escolha de uma metodologia
adequada para a análise do seu objeto específico – a plataforma Storify e os textos
produzidos por ela – com vistas a encontrar respostas coerentes às perguntas de
pesquisa elaboradas no delineamento primário do projeto. Nesta pesquisa, têm-se
duas categorias de objetivo: teóricos e empíricos. Como objetivos teóricos, a
investigação visa à realização de uma discussão aprofundada sobre o alcance do
conceito de gênero digital em geral e, em particular, para tratar de um caso como o
Storify. Como objetivos empíricos, é de interesse do estudo saber como a plataforma
funciona exatamente, de que maneira produz os resultados textuais que fornece aos
usuários e, além disso, buscar conhecer como esses textos estão sendo usados por
Linguística Aplicada
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diferentes grupos, e quais características específicas tais grupos imprimem aos textos
produzidos, revelando, dessa forma, os percursos de apropriação. O objetivo geral da
pesquisa é investigar as formas de uso e diferentes tipos de apropriação tecnológica da
plataforma digital Storify, serviço que permite agregar e reunir em qualquer página da
Internet conteúdos veiculados nas mídias sociais, como YouTube, Flickr, Facebook e
Twitter, intercalando tais informações com textos próprios do usuário. Fundamentada
em concepções problematizadoras do conceito de gênero digital e dos novos
letramentos, combinadamente às teorias ainda iminentes sobre curadoria digital,
pode-se formular a hipótese de que o Storify vai modelizar uma variedade de gêneros
e será interessante averiguar como essa modelização resultará em textos diferentes,
no seio de diferentes letramentos. Nesta pesquisa, parte-se da noção de letramentos
como "práticas socialmente organizadas que utilizam sistemas simbólicos específicos e
tecnologias específicas para propósitos específicos em contextos específicos"
(adaptado de LANKSHEAR & KNOBEL, 2006), mas tenta-se, também, abarcar a
proposta de autores como Buzato (2009) e Leander; Lovvorn (2006), segundo os quais
letramentos digitais podem ser entendidos como redes complexas de letramentos
(práticas sociais) articulados por meio, virtude ou influência das TICs (Tecnologias da
Informação e Comunicação). É possível, nesse sentido, dizer que o Storify é resultado
de uma rede de letramentos (dos engenheiros/programadores, dos participantes das
redes sociais etc) à qual ainda se agregam outros tipos de letramentos, sejam eles
jornalísticos, políticos, publicitários, entre outros, sobretudo combinando diferentes
modalidades e mídias, ainda que o programa sugira a possibilidade de "linearizar" essa
rede, sem eliminar o seu caráter colaborativo, recorrendo, por isso, à noção de
narrativa social. Portanto, considera-se fundamental que a Linguística Aplicada tome
essa novidade como objeto de pesquisas, para que se conheçam suas possibilidades e
características específicas em comparação com outras ferramentas, produzindo, assim,
subsídios para uma apropriação mais produtiva do Storify para o ensino e
aprendizagem de línguas, entre outras aplicações possíveis. Como estratégia
metodológica, o projeto de pesquisa adotou a análise documental qualitativa e
quantitativa de cem textos produzidos via plataforma, a fim de responder às seguintes
perguntas: i) Em que medida as diferentes concepções de gênero digital vigentes na
literatura são capazes de explicar o tipo de texto produzido pelo Storify? ii) O Storify
seria melhor caracterizado como uma plataforma geradora de gêneros narrativos
diversos ou os textos produzidos via Storify constituiriam um (novo) gênero digital
específico? iii) Que características distintivas podem ser observadas nos textos
jornalísticos produzidos via Storify em relação a textos produzidos via Storify em
outras esferas de comunicação social, ou por outros grupos de usuários? iv) Em que
medida essas características revelam marcas de apropriações tecnológicas específicas
Linguística Aplicada
216
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
por grupos específicos?. No entanto, com o decorrer do curso inicial de investigação,
foi percebido que talvez essa não fosse a metodologia mais adequada à análise dos
textos produzidos pela plataforma, por isso, realizou-se um levantamento teórico-
metodológico sobre as possibilidades de três diferentes metodologias, avaliando as
suas potencialidades e limitações quanto à contribuição para a pesquisa e facilitação
de seu desenvolvimento. Nesse sentido, é preciso ainda avaliar qual a combinação
metodológica mais apropriada para o estudo em questão, que ainda está em aberto
devido ao fato de a coleta e organização de dados se constituírem como etapa no devir
da pesquisa. Nesse levantamento sobre as metodologias, foram ponderadas a Análise
Documental (CELLARD, 2008), a Lingüística de Corpus (SARDINHA, 2000) e a Análise de
Conteúdo (BAUER, 2003). Para este processo de investigação, compartilha-se da idéia
de que é válida a defesa de um hibridismo teórico-metodológico na produção de
conhecimento (FABRÍCIO, 2006), para que se possa aproveitar o que as interconexões
das disciplinas têm a oferecer e a trazer como enriquecimento para o trabalho de
pesquisa. Nesta fase da pesquisa, entendemos que a metodologia é reflexo das
perguntas e dos pressupostos da investigação, por isso listamos algumas perguntas
que cada uma dessas metodologias permitiria responder, colocando-as lado a lado
para um debate sobre quais delas seriam mais instigantes e teriam mais implicações,
no sentido de que refletem o momento em que se encontra o andamento da tese e o
problema sobre o qual se debruça a pesquisadora.
Rita Elena Melian Zamora
Universidade Estadual de Campinas
A CONFECÇÃO DE DICIONÁRIOS MULTILÍNGUES ESPECIALIZADOS: VEÍCULOS DE
PESQUISA, CRIAÇÃO E DIFUSÃO DO CONHECIMENTO.
O mundo de hoje cresce vertiginosamente; o desenvolvimento das tecnologias facilita
o rápido avanço das ciências e estas, por sua vez, desenvolvem sua natureza inter e
transdisciplinar, com limites cada vez mais flexíveis. O desenvolvimento da sociedade e
o crescente intercâmbio econômico, social, cultural e científico-técnico nos impõem
uma realidade na qual se precisa de maior quantidade de meios de comunicação para
a transmissão de conhecimento. Assim sendo, essa nova realidade, com certeza,
motiva e exige um estudo mais profundo das linguagens especializadas. Diante dessa
nova realidade no âmbito da comunicação especializada, se impõe o papel do tradutor.
Traduzir conhecimento especializado é uma atividade prática que se enfrenta em
relação a problemas de terminologia e a disparidades entre línguas, devendo o
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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tradutor sempre procurar a melhor solução real comunicativa e considerar a
necessidade de precisão e univocidade. Com essa motivação inicial, está sendo
desenvolvida a presente pesquisa no campo da Terminografia, ciência encarregada do
estudo, descrição ou normalização da linguagem das ciências. O trabalho visa a criar
um instrumento terminográfico, especificamente, um dicionário digital trilíngue no
campo de Redes de Computadores, em que seja descrita a terminologia da área.
Partindo da análise de textos comparáveis em inglês, espanhol e português, são
descritas e propostas hipóteses de equivalência. Nesse sentido, a proposta de
equivalências facilitaria a comunicação profissional interlinguística na área e o trabalho
de tradução técnico-científica, essencial para a divulgação em outras línguas de
conhecimentos gerados a partir dos avanços tecnológicos. O dicionário, ao ser
elaborado em forma de árvore conceitual, poderia ser utilizado como ferramenta de
estudo ou material didático que permita a aproximação do universo conceitual de
Redes de Computadores. A comunicação especializada atual, a maneira como as
ciências dialogam e evoluem, exige o seguimento de uma base teórico-metodológica
flexível e explicativa que dê conta da analise e descrição desta realidade e que reúna
as condições essenciais que façam possível analisar, identificar, recopilar e estruturar a
terminologia dos diferentes campos do saber. Assim, a atual pesquisa baseia-se no
referente teórico-metodológico da Teoria Comunicativa da Terminologia e no modelo
proposto por Alpízar Castillo (1997), no livro "Como hacer um diccionario científico
técnico". A metodologia adotada, através do estudo descritivo da análise de termos
nos contextos de uso, tem permitido desenvolver um instrumento terminográfico que
corresponda às necessidades reais da comunicação especializada no campo
pesquisado. A pesquisa tem permitido refletir sobre aspectos relacionados à
nomeação diante das disparidades linguísticas. Atualmente, as virtudes ou
imperfeições da sociedade globalizada têm feito com que a acumulação de poder
também determine a maneira como a ciência é feita, desenvolvida e difundida. Nesse
sentido, no plano da comunicação especializada, vamos ver que certas línguas acabam
tendo voz mais forte como meio global de comunicação. Muitos dos novos termos
provém de países que dominam os recursos necessários para o desenvolvimento de
pesquisas de ponta. Assim, o inglês tem se expandido como meio global de
comunicação e, na maioria dos casos, dita o caminho das ciências. A aparição de um
sem-número de conceitos nas línguas mais fortes terminologicamente, ao serem
internacionalizados, precisam ser designados em outras línguas. No desvendar desse
fenômeno, não podemos obviar que as culturas científicas são diferentes, também
variam com a cultura e a história da língua. Portanto, poderíamos dizer que nem todas
as culturas científicas têm o mesmo grau de permeabilidade linguística, de variação
lexical, de idiomaticidade. Tendo isso em vista, podemos afirmar que o panorama das
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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linguagens especializadas precisa de maior reflexão, precisa ser indagado mais
cuidadosamente. Ancorados nesta perspectiva, podemos afirmar que a tradução
especializada, muitas vezes menosprezada, representa, em verdade, um dos maiores
desafios dentro da profissão. A nova realidade da comunicação especializada demanda
uma evolução no tradutor, que, cada vez mais, recebe maiores exigências na hora de
atingir uma comunicação efetiva e precisa. Para isso, é fundamental que o profissional
conheça problemas fundamentais que a terminologia científica estabelece. A
aproximação da tradução da pratica terminológica pode ser um caminho para
entender o comportamento da linguagem das ciências. Ver a competência
tradutológica e o ensino da tradução em consonância com o proceder da ciência da
Terminologia e Terminografia pode ser um caminho para formar profissionais mais
completos e capazes de dar solução a problemas tradutológicos, baseados na
Terminologia e seu proceder metodológico.
Samira Abdel Jalil
Universidade Estadual de Campinas
POLÍTICAS LINGUÍSTICAS FAMILIARES E A COMUNIDADE ÁRABE DE FOZ DO IGUAÇU:
UM PROJETO DE PESQUISA EM ANDAMENTO
O objetivo desta comunicação é apresentar os dados preliminares do projeto de
pesquisa políticas linguísticas e identitárias familiares em contexto de imigração árabe
em Foz do Iguaçu. O projeto de pequisa em andamento está focado na compreensão
das políticas linguísticas familiares de transmissão e manutenção (ou não) da língua
árabe, bem como das representações que emergem no discurso desse grupo em sua
comunidade de fala. Sabe-se que a trajetória linguística brasileira e as políticas de
colonização portuguesa sempre enfatizaram a promoção do monolinguismo em
Português na Colônia, apesar da diversidade de línguas existentes no país. Esse
desfavorecimento das línguas, sejam elas autóctones ou alóctones, sempre
acompanhou o cotidiano brasileiro de forma a promover certa unidade nacional por
meio do uso de uma única língua principal de comunicação, à custa do apagamento de
minorias linguísticas. A oficialização do Português como língua nacional e a
consequente proibição do uso das outras línguas aqui faladas a partir de 1757 com o
estabelecimento do Diretório dos Índios pelo Marquês de Pombal deram abertura a
uma política opressora dos direitos linguísticos da maioria da população aqui
residente. Com isso, apesar da evidente diversidade cultural e linguística da sociedade
brasileira, no geral, a percepção é de que o Brasil é um país monolíngue, cuja única
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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língua hegemônica e legítima de comunicação é o Português, a língua de herança do
período colonial. (MARIANI, 2004, pp. 22-23). Dado o contexto atual da presença de
mais de 200 línguas no país, sendo aproximadamente 180 línguas indígenas ou
autóctones e 30 línguas alóctones ou de imigração (OLIVEIRA, 2003, p. 7), as políticas
linguísticas explícitas ou veladas adotadas no país devem ir de encontro a essas
políticas homogeneizantes restritivas, que têm servido tão somente como cenário para
a manutenção de políticas linguísticas que depõem contra o caráter plural das
interações no século XXI. Levando em consideração o contexto acima, bem como a
noção de que a sobrevivência de línguas minoritarizadas tem relação direta com o
estabelecimento de políticas linguísticas familiares e consequente planificação em sua
comunidade de fala, este estudo tem como objetivo promover uma reflexão acerca da
transmissão e da manutenção de uma língua de imigrante, no caso, o árabe, em sua
comunidade de fala na cidade de Foz do Iguaçu, na Unidade Federativa do Paraná,
cidade em que a presença dos árabes pode ser fortemente percebida em números e
no uso da língua de herança em diversos contextos de comunicação. A cidade de Foz
do Iguaçu é conhecida pela diversidade de línguas e culturas em circulação. De acordo
com os dados apresentados por Zamberlan e Corso (2006), previamente levantados
pelo Sistema Nacional de Cadastramento e Registro de Estrangeiros (SINCRE) da Polícia
Federal. Foz do Iguaçu congrega mais de 70 etnias diferentes. Ainda nesse texto,
Zamberlan e Corso mostram que Foz possui 19.05% do número de imigrantes
residentes em todo o Estado (IBGE, 2002). A descrição de tal contexto, assim como sua
correspondente análise, podem contribuir para uma compreensão mais ampla das
interações estabelecidas em comunidades de imigrantes. Além disso, pode-se, por
meio desta pesquisa, buscar produzir novos significados e saberes sobre a realidade
social da coletividade em questão. Ao se conhecer melhor as políticas linguísticas no
nível micro nessa comunidade, pode-se auxiliar, também, as famílias de imigrantes em
geral no planejamento de práticas linguísticas familiares e comunitárias que sejam
favoráveis à transmissão e à manutenção da língua de herança. Epistemologicamente,
pode-se dizer que, por este estudo focar na linguagem como prática social, está em
sintonia com as pesquisas contemporâneas em Linguística Aplicada e em Política
Linguística Crítica. Busca-se, portanto, questionar a visão de sujeito social homogêneo
e descorporificado de suas práticas discursivas, ao mesmo tempo em que se valoriza a
visão de sujeito social heterogêneo que pode transitar nas práticas discursivas das
comunidades linguísticas nas quais está inserido. Com relação à metodologia de
pesquisa, este projeto propõe-se a gerar seus dados com base numa abordagem
qualitativa, pois esta “é de particular relevância ao estudo das relações sociais devido à
pluralização das esferas da vida” (FLICK, 2009, p. 20). Assim, serão feitas entrevistas
semi-estruturadas para melhor direcionar, tematicamente falando, os tópicos
Linguística Aplicada
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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específicos a serem tratados. As entrevistas serão realizadas com seis famílias da
comunidade, sendo três delas endogâmicas e três delas exogâmicas, com foco na
investigação das políticas familiares de transmissão e/ou manutenção da língua árabe
da primeira para a segunda geração. Para atingir os objetivos acima, as perguntas que
orientam esta pesquisa são: 1. Quais são as percepções dos sujeitos acerca das
políticas linguísticas familiares de transmissão e/ou manutenção da língua de
herança?; 2. Quais são as representações construídas acerca da língua de herança e de
seu uso? Ou seja, como os sujeitos de pesquisa enxergam o uso da língua árabe em
relação à suas origens e identidade no contexto plurilíngue de Foz do Iguaçu? ; 3. As
representações construídas acerca das línguas do repertório verbal dos participantes
influenciam favoravelmente a transmissão e a manutenção da língua árabe na família?;
4. Há diferenças no processo de transmissão e/ou manutenção quando o casal da
primeira geração é exogâmico? Se sim, quais? ; 5. Como a identidade grupal se
configura e é representada e negociada nas práticas discursivas? Com os dados
gerados a partir dessas perguntas, pretende-se produzir conhecimento e refletir sobre
as representações construídas acerca das identidades linguísticas dos referidos
participantes, com vistas à promoção, num momento futuro, de um planejamento de
políticas linguísticas familiares junto às novas gerações da comunidade de fala árabe
de Foz do Iguaçu. Sem que se tenha uma compreensão acerca dessa problemática, não
há como estabelecer políticas linguísticas familiares na comunidade que sejam
verdadeiramente favoráveis à continuidade do uso da língua árabe.
Sandra Francisca da Silva
Universidade Estadual de Campinas
A REPRESENTAÇÃO DA POBREZA NA TRADUÇÃO PARA ESPANHOLA DA OBRA VIDAS
SECAS DE GRACILIANO RAMOS
O objetivo desta pesquisa é analisar o discurso da tradução literária do romance
moderno brasileiro Vidas Secas de Graciliano Ramos. Inicia-se este estudo pela
perspectiva do processo tradutório da referida obra traduzida para o espanhol pela
tradutora argentina Florencia Garramuño. O embasamento teórico para esta análise
parte das seguintes teorias: Análise do Discurso de linha francesa, Interpretação e
Estudos da Tradução e o grau de correspondência dos sentidos entre o texto de
partida e de chegada, além de inquirir como a representação da pobreza é transferida
para a cultura do outro pelo viés do tradutor. Buscamos estudar à luz da diferença
marcada pela tradução, bem como a heterogeneidade discursiva, as relações de poder
Linguística Aplicada
221
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
e resistência que envolvem as personagens da obra. Pretende-se, ainda, explicar e
discutir as problemáticas referentes à interpretação tradutória do texto de partida
para a língua do outro, a espanhola. Propomos, também, interrogar o processo de
leitura e a relação estabelecida entre a interpretação e os enunciados traduzidos.
Compreendemos, portanto, que a tradução está marcada pela impossibilidade de
traduzibilidade da língua “original” e, ainda, como ressalta Walter Benjamin em A
tarefa do tradutor (2008, p.27), “se é que a tradução é uma forma, então a
traduzibilidade de determinadas obras é algo que se encontra e localiza na sua própria
essência”, numa prática em que nem mesmo o autor é senhor de seu texto. Com o
intuito de discutir as relações de força presentes nos discursos das personagens na
tradução, recorremos à memória discursiva como representação dos sentidos, uma vez
que os valores sociais, culturais do tradutor direcionam as escolhas do dizer do ato
tradutório. A questão norteadora para este projeto refere-se à minha formação
profissional na área de Língua espanhola, Análise de discurso e Estudos da Tradução.
Entendemos que o tradutor ocupe um lugar no entremeio das duas línguas. Pensamos,
a partir dessas concepções, realizar uma investigação sobre a inscrição da língua-
cultura de Vidas Secas (portuguesa), na língua – cultura do outro (espanhola) e, que
por meio dessa tradução nos possibilite a reflexão de indagações como as de Walter
Benjamin (2008, p.25), “Será que uma tradução seja válida em termos dos leitores que
não entendem a obra original?”. A referida obra por pertencer à década de trinta,
pensamos que possa ter sofrido influências ideológicas, das disputas de poder desse
momento histórico e político-social, pois seu contexto é marcado por transformações
políticas, decorrentes da queda da oligarquia cafeeira, acentuando, com isso, a luta de
classes liderada por Getúlio Vargas, que, posteriormente, foi nomeado presidente.
Nessa perspectiva, o tradutor tem uma árdua tarefa de transferir para outra língua
todos esses aspectos que envolvem a cultura brasileira para a “língua-cultura” do
outro. Pensamos também, via (ARROYO, 2005, p. 22), que “traduzir não pode ser
meramente o transporte, ou a transferência, de significados estáveis de uma língua
para outra”, pois, temos um processo de interpretação a cada vez que um texto é lido
e, por isso, o tradutor passa a transformar significados e a produzir sentidos, variáveis
de línguas, que não são fixas, nem estáveis e, portanto, impossíveis de controlar.
Partimos do pressuposto de que a tradução não apresenta uma visão única da língua,
mas que transforma o texto de partida, fazemos a hipótese de que as representações
de pobreza que atravessam a tradução ou a diferença entre elas, devem-se ao entre-
lugar, tanto da língua-cultura de partida como a da língua-cultura de chegada.
Questionamos, então, alguns aspectos que serão abordados nos interstícios da análise:
quais as condições de produção da tradução da tradução da narrativa de Vidas Secas?
Quais os efeitos de sentido presentes na obra e na materialidade linguística que
Linguística Aplicada
222
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
permitem a interpretação de uma crítica contra a exclusão do homem brasileiro da
região nordestina? Quais as vozes e as formações discursivas presentes na tradução
dos ditos e não ditos das personagens? Como a linguagem da obra “original” e da
traduzida articula a pobreza? Como as representações da pobreza irrompem na
materialidade linguística do texto traduzido? Qual a função autor-tradutor nessa
obra?. Temos como objetivos específicos: discutir a construção do imaginário via
tradução e estabelecer o grau de correspondência e afastamento entre as duas
línguas, pelo conceito derridiano de différance, ressaltando, portanto, a prática dessa
diferença. Promover uma reflexão do lugar do sujeito tradutor na busca pela “pureza”
da tradução e em constante angústia de não dizer mais do que o texto “original” diz.
Assumimos, para este estudo, a seguinte indagação foucaultiana (2007, p.114) “Uma
frase fielmente traduzida para uma língua estrangeira forma dois enunciados distintos,
ou apenas um?” Por isso, refletimos sobre a complexidade de delimitação desse
conceito, posto que, cada vez que um discurso é articulado, uma nova enunciação é
formada. Podemos declarar, nessa perspectiva, que o texto original e o traduzido estão
em campos distintos; logo, são compostos por duas enunciações, posicionadas e
datadas, em lugares, e momentos também distintos, impedindo que ela se repita.
Thaís Ribeiro Bueno
Universidade Estadual de Campinas
O MITO DE LA MALINCHE NO ATUAL CONTEXTO DAS PRÁTICAS DE TRADUÇÃO
CULTURAL
"Y del mismo modo que el niño no perdona a su madre que lo abandone para ir en
busca de su padre, el pueblo mexicano no perdona su traición a la Malinche. Ella
encarna lo abierto, lo chingado, frente a nuestros indios, estoicos, impasibles e
cerrados", afirma o escritor mexicano Octavio Paz em seu ensaio “Los Hijos de La
Malinche (2004) ou "Os filhos da Malinche". Em seu texto, com base em eventos
ocorridos no episódio da conquista do México pelos espanhóis, Paz argumenta que a
figura de Malinche, figura indígena central e essencial para o sucesso da empresa de
Cortés, representa a mulher traidora e fraca, aberta ao estrangeiro e dominada por
ele. De fato, essa imagem da índia asteca prevaleceu por muito tempo no imaginário
da construção e da fundação nacional do México, e até hoje o nome de Malinche
irrompe na boca dos mexicanos como xingamento: "hijo de la Malinche" e "hijo de la
chingada" são expressões pejorativas equivalentes e estão, no espanhol mexicano,
entre os piores tipos de ofensa verbal. Da mesma forma, "la chingada" pode assumir
Linguística Aplicada
223
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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diversos significados pejorativos aplicados à mulher (que no Brasil podemos traduzir
como "a puta" e "a cadela"), assim como acontece com a expressão "à la chingada"
(que pode ser traduzida como "ir para o inferno"). É importante e muito interessante
notar, contudo, como essa imagem negativa da figura de La Malinche esteve, durante
toda a história do México, entranhada de outras formas, bem mais complexas, na
representação da cultura mexicana, representando a fraqueza da abertura ao outro
conquistador, antes de ser resgatada e ressignificada por estudos feministas mais
recentes. Para isso, é necessária uma rápida olhada na história de La Malinche. Afirma-
se que La Malinche era uma indígena de origem nahua que fora entregue a Cortés por
um cacique derrotado por ele. Após algum tempo, favorecida por suas habilidades
linguísticas, La Malinche viria a se tornar não apenas amante de Cortés, mas,
sobretudo, sua intérprete. Estando sempre ao lado de Cortés e apoiando seus planos
de conquista, La Malinche foi a responsável, em grande parte, por traduzir para o
espanhol as palavras do imperador Moctezuma, figura soberana reinante na cultura
asteca. Compreendendo, assim, as expectativas dos astecas e sobretudo de
Moctezuma, que via em Cortés o retorno do deus asteca Quetzalcóatl, o conquistador
espanhol tinha grande vantagem estratégica em seus planos de conquista. Além de
reforçar a imagem de Cortés como tirano e de consolidar a conquista espanhola como
um ato histórico de violação/violência, esse episódio histórico também serviu para
construir a figura de La Malinche como mito nacional, cujo elemento central seria a
suposta dupla violação, ideológica e sexual, a que a asteca teria se submetido. Ao
colaborar para os planos de dominação de Cortés, a indígena passou a assumir a
imagem de traidora (fazendo jus ao ditado italiano traduttore, traditore), desprezada e
desprezível, inútil, usada e abusada pelo estrangeiro conquistador. Nesse contexto
histórico, é interessante pensar nas formas pelas quais se pode pensar a figura
ambígua de La Malinche (ou Dona Malina, uma corruptela de “má língua”) e suas
relações com conceitos de identidade, nacionalidade e intercâmbio cultural, sendo que
o embasamento teório e a linha central que norteará essa reflexão residem nos
estudos da tradução de linha pós-estruturalista, bem como autores dos estudos
culturais e algumas feministas chicanas. A hipótese de minha pesquisa é a de que, seja
no contexto da Conquista do México, seja no atual contexto pós-globalização (em que
choque de cultura e identidades e imaginários nacionais híbridos são questões que
estão na ordem do dia), a ideia de tradução como transporte de significados de uma
língua A para uma língua B, de forma fiel e transparente, já não cabe mais. Se o ato
tradutório tiver que ser entendido como ponte, deverá ser, necessariamente, uma
ponte em declive, como forma de destacar a questão desigualdade do acesso às
línguas por falantes de diferentes culturas e o fato de a língua não ser uma ferramenta
neutra utilizada por tais falantes. De certa forma, a articulação de correntes pós-
Linguística Aplicada
224
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
estruturalistas com os estudos da tradução, a partir da década de 1980, veio a ser
bastante adequada ao contexto pós-globalização de relações interculturais e de
literaturas de fronteira. Agora considerada uma possibilidade de abertura de espaços
para o desvelamento de relações de poder político e social, e como a própria re-escrita
do texto original, a tradução passa a subverter as antigas formas de se pensar língua e
texto. Dessa forma, a proposta de minha pesquisa, que busco trazer, resumidamentee,
para este Seminário de Teses em Andamento, é a proposição de alguns
questionamentos. Articulando algumas propostas de políticas linguísticas ao panorama
dos estudos tradução, não poderíamos, de certa forma, entender o ato tradutório
como um exercício dessas propostas pós-modernas? Se a tradução é, como bem ilustra
o episódio-cena de La Malinche, uma abertura ao estrangeiro (uma abertura que
nunca se dá sem uma dose variável de violência e violação), o ato tradutório torna-se
uma leitura especial, uma espécie de reescrita de um texto ou de uma cultura original
que nunca existiram e que não podem ser alcançadas pelo tradutor. Nesse panorama,
a inevitabilidade de uma certa dose de traição ao texto/cultura está diretamente
ligada à abertura, criada de forma violenta, à cultura estrangeira e algum tipo de ética
para com o outro. As relações de poder que existem nos intercâmbios linguísticos e
que se encontram veladas por discursos e ideologias relativos à língua ficam evidentes
nesses movimentos de tradução cultural, e isso é justamente o que torna o texto
traduzido uma leitura tão especial.
Teoria e História Literária
225
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Aline Amsberg de Almeida
Universidade Estadual de Campinas
A VIDA DOS ROBÔS COMO CORPOS HÍBRIDOS EM MINDSCAN
Em Mindscan (2005), o escrito canadense Robert J. Sawyer apresenta a empresa
Immortex, que coloca no mercado uma tecnologia que oferece ao usuário um “corpo
artificial – que seja infinitamente sustentável, infinitamente reparável e infinitamente
atualizável” (SAWYER, 2005, p.14). De acordo com o vice-presidente da empresa,
qualquer pessoa pode fazer a “transferência” de seu corpo orgânico para um corpo
robótico e se tornar um androide, contanto que possa pagar pelo serviço. Assim, Jake
Sullivan, embora ainda em seus 40 anos de idade, decide fazer a transferência, pois
está ciente da possibilidade de ter uma doença degenerativa hereditária, certo de que
um robô não pode sofrer a Síndrome de Katerinsky. Porém, assim que começa sua
nova vida como um androide, em seu novo corpo mecânico, Jake começa a perceber
as particularidades de ser um robô, já que os estados orgânicos como a fome, o
cansaço, o sono, a necessidade de eliminar dejetos foram retiradas do protótipo
daquilo que a Immortex chamou “corpo artificial” (ibidem, p.63). Outras questões
existenciais surgem no caminho de Jake quando passa a viver como um robô. São
questões humanas, pois esse robô também é um ser humano, comparável aos robôs
de Isaac Asimov, que possuem suas próprias crises, como Andrew em “O homem
bicentenário”. Andrew após conseguir juridicamente sua liberdade e deixar de servir
seres humanos, porque se sentia igual a eles em sua existência no mundo, decidiu
também pedir à justiça sua condição humana reconhecida pela lei. Andrew de Asimov
queria ser homem, enquanto Jake de Sawyer queria ser robô. E mais tarde, em
Mindscan, Jake volta a querer ser homem, no mesmo sentido que Andrew, não
organicamente ou biologicamente, mas socialmente. É através do corpo que os
personagens de ambos os autores precisam buscar essa condição humana. Jake é um
corpo que une a organicidade e a tecnologia, pois seu cérebro positrônico é uma
réplica do cérebro orgânico pertencente ao Jake “original”, aquele que decidiu fazer a
transferência para o corpo androide. O corpo híbrido, conceito do qual faço uso para
analisar a obra de Sawyer, é a via pela qual Jake consegue a sua liberdade da doença
humana, manifestação da fragilidade do corpo orgânico. É também a união entre o
tecnológico/informático/mecânico e o orgânico/biológico, de acordo com Bernard
Andrieu em seu artigo sobre a integração dos corpos híbridos, afirmando que o híbrido
é aquele que redefine o esquema corporal, tornando interiores elementos
tecnológicos outrora exteriores. O conceito é inspirado na figura do ciborgue proposta
por Donna Haraway em 1991, mostrando que a tecnologia penetra a pele humana em
Teoria e História Literária
226
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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níveis muito profundos. Hoje, a ficção científica, especialmente publicada no século XXI
explora as extrapolações e implicações dessa penetração tecnológica em níveis ainda
mais profundos não somente da pele, mas também da alma. Os robôs de Isaac Asimov
são humanos ao extremo, social e psicologicamente, encontrando e criando para si
questões existenciais que muitas vezes os fazem entrar em colapso. Jake Sullivan não é
somente herdeiro da fabrica de cerveja Sullivan criada por sua família, mas de certa
maneira também herda e dá continuidade à tradição Asimoviana de conferir
humanidade a autômatos, ou antes, de demonstrar essa humanidade muitas vezes
não reconhecida por seus criadores. O ciborgue blasfema, segundo Donna Haraway
(1991, p. 39), por ser um organismo híbrido e quebrar fronteiras, por ser animal e
máquina. Longe de poder ser entendida como uma visão tecnofóbica do ciborgue, a
visão de Haraway é a demonstração do pós-humano, quando o humano não existe e
não pode ser sem a tecnologia, desde sua concepção como ser vivo até suas mais
avançadas questões éticas. O novo corpo e novo cérebro de Jake operam com
velocidade elétrica e não química, (SAWYER, 2005, p.91) proporcionando ao
personagem novas experiências – pós-humanas – corporais. Quando Jake volta para
sua casa, após ter feito a transferência, percebe que sua cachorra não o reconhece
como Jake, demonstrando agressividade e hostilidade, fazendo-o experimentar uma
rejeição que não consegue ser expressa no corpo: “Meu coração não estava batendo
forte – porque eu não tinha coração. Minha respiração não estava ragged – porque eu
não respirava. Meus olhos não ardiam – porque eu não podia chorar.” (ibidem, p.92).
Donna Haraway apresenta seu mito do ciborgue como uma estratégia pós-modernista
de reescrita do corpo, no âmbito que permite a todos os objetos cientificamente
conhecíveis do mundo serem traduzidos em termos de teoria textual. Nessa via, o
sagrado do corpo é profanado pela tecnologia deixando assim de ser sagrado pois essa
profanação não o destrói mas modifica sua essência e sua ontologia. E somente nesses
termos pode-se falar numa essência do humano quando tratamos do híbrido corpo-
tecnologia, quando ela se permite sofrer mutação deixando de se estimar ou supor
como verdade para se tornar condição mutável do ciborgue. Pois o ciborgue é o eu
desmontado e remontado (HARAWAY, 1991, p.70), remodelado pela biotecnologia e
pela informática. Desse modo, ao enfrentar as novas idiossincrasias de seu corpo, Jake
não deixa de ser humano por não ter coração, ou lágrimas, ou por não respirar ar.
Essas novas regras corporais o obrigam a reaprender sua humanidade e a entender sua
pós-humanidade, na reescrita corporal permitida pela concepção biotecnológica do
corpo como códigos que possibilita a especulação e a extrapolação científica dentro de
literaturas de ficção científica construídas no século XXI, como a literatura de Robert
Sawyer.
Teoria e História Literária
227
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Ana Carolina Sá Teles
Universidade de São Paulo
DUPLO, CISÃO E NARRATIVA EM "O ESPELHO" DE MACHADO DE ASSIS
Esta comunicação integra a pesquisa de Mestrado “Constituição do sujeito e questão
moral em contos de Machado de Assis”, realizada na Faculdade de Filosofia Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Hélio de
Seixas Guimarães, e com financiamento da FAPESP. A pesquisa aborda questões de
constituição do sujeito e a “questão moral” em contos de Machado de Assis,
investigando a relação entre esses temas e uma concepção moderna de personagem e
narrativa curta em literatura brasileira. Na polêmica crítica a O PRIMO BASÍLIO (1878),
por exemplo, Machado realçava a importância da “pessoa moral” dos caracteres e do
drama. Assim, a questão moral é recorrente na obra do autor, desde seu primeiro
romance, RESSURREIÇÃO (1872), e percebemos que em sua segunda fase, ela é
adensada em função da ambiguidade crescente no delineamento das personagens e
das situações. Os seguintes contos são abordados na pesquisa de Mestrado: “O
espelho” e “Verba testamentária”, de PAPÉIS AVULSOS; “Galeria Póstuma” e “Uma
senhora”, de HISTÓRIAS SEM DATA; “Um homem célebre” e “O enfermeiro”, de
VÁRIAS HISTÓRIAS; e “O caso da vara”, de PÁGINAS RECOLHIDAS. Assim, gostaria de
apresentar nesta comunicação para o XVIII SETA considerações sobre “O espelho”
(1882), dentro do quadro geral do trabalho. “O espelho” é um conto paradigmático, ao
considerarmos as questões de constituição do sujeito e de “pessoa moral” em
Machado de Assis, não apenas por ser um dos contos célebres do autor, mas também
pela tematização da identidade em xeque e pela formação de um personagem
reflexivo que desenvolve a auto-análise, rememorando sua vivência por meio da
narração. Ademais, a estrutura do conto, em especial no que diz respeito à cisão do
foco narrativo, lança desafios às convenções realistas do século XIX, como já abordado
por Sandra Guardini Vasconcelos, ao lado do humor como recurso que vai contra as
supostas certezas do cientificismo em voga. Em “Esquema de Machado de Assis”,
Antonio Candido já apontara, entre os problemas fundamentais da obra machadiana, a
questão da identidade e seus desdobramentos em relação ao conto “O espelho”. Em
1930, ademais, teve início “a etapa psicológica da crítica” com interpretações de
Augusto Meyer e Lucia Miguel Pereira, entre outros críticos que passaram a investigar
a “questão moral” em Machado de Assis. Assim, no contexto da recepção da década
de 30, um conto como “O espelho”, que não tinha sido mencionado, até então,
tornou-se canônico. Não por acaso, nesse processo foi central o ensaio homônimo de
Meyer, que enfocou pontos vertiginosos e subterrâneos da obra de Machado de Assis,
Teoria e História Literária
228
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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praticando leituras de desvelamento. Meyer caracterizou a ambiência do conto como
“chiaroscuro subjetivo”, o que podemos depreender justamente desde o primeiro
parágrafo de “O espelho”, pela luminosidade da cena e pela tematização problemática
dos limites. Na abertura do conto, o número de cavalheiros é incerto, havendo a
indicação de indivíduos independentes, mas não a ponto de sabermos o número exato
de personagens na sala. O espaço é intersticial, situado na fronteira entre o mundano
da cidade e o espiritual do céu, assim como a luz de fora funde-se à luz de dentro da
sala. Também a metafísica em questão é apresentada em termos apenas
“parcialmente solenes”, dado que paródicos e genéricos. Existem elementos de cisão
na própria composição do texto. O foco narrativo é divido entre a moldura em terceira
pessoa e o relato de Jacobina em primeira pessoa, de forma propositadamente
precária, em que o final brusco e a saída de cena inusitada do narrador-protagonista
armam o efeito de choque nos leitores do conto. Jacobina, por sua vez, tem a cisão e a
duplicação de sua personalidade tematizada na história, bem como apresenta cisão
em um nível estrutural de sua composição enquanto narrador-personagem. Assim, na
história que Jacobina conta sobre a farda de alferes, ele se encontra dividido,
enfrentando, por um lado, o vazio de sua constituição e, por outro, a inflação de sua
alma exterior ornamental na sociedade brasileira escravocrata do XIX, decidindo, por
fim, ceder de bom grado à cooptação pela aparência, transformando-se no seu duplo,
“o alferes”. Já na composição estrutural do personagem, desenvolvem-se brechas e a
ironia em relação à cooptação. Ou seja, há no conto o contraste entre o tom
humorístico empregado e a gravidade da história contada, como analisou Meyer.
Restam também as motivações recônditas do personagem sob a máscara social, além
de haver, igualmente, a cisão entre o “personagem-tipo” alferes e o narrador-
personagem que, por meio da análise de si e da rememoração, é alçado à categoria de
pessoa. Portanto, nesta comunicação, apresentarei algumas especificidades de “O
espelho”, como as seguintes: breve comentário sobre a principal fortuna crítica do
conto; o duplo como tema e como aspecto da estrutura narrativa; presença de
elementos do “estranho familiar” freudiano no texto; cisão do foco narrativo; cisão da
personalidade, não apenas em relação à composição de Jacobina como personagem,
mas também como um dos narradores do conto, no momento da enunciação, quando
é, então, um capitalista “astuto e cáustico” (ASSIS, 2008, 322).
Teoria e História Literária
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Ana Laura Donegá
Universidade Estadual de Campinas
O ANÔNIMO ***: UM ESCRITOR NACIONAL ENTRE OS COLABORADORES DO NOVO
CORREIO DE MODAS
O Novo Correio de Modas foi impresso no Rio de Janeiro, entre 1852 a 1854, na gráfica
dos irmãos Eduardo e Henrique Laemmert – dois tipógrafos-editores de origem alemã
que, assim como outros estrangeiros do período, decidiram investir no crescente
mercado de livros brasileiro. De periodicidade semanal, a revista tratou de tendências
e novidades de vestuário, apresentando figurinos, moldes e debuxos de bordados para
homens, mulheres e crianças. A prosa ficcional ocupou, ao lado da moda, um local de
prestígio no interior da publicação, que participou do processo de difusão dos folhetins
na corte brasileira, abrindo espaço tanto para composições nacionais quanto para
traduções. Houve grande participação de escritores estrangeiros na seção relativa às
narrativas, composta predominantemente por produções francesas. Como era de
praxe na imprensa desse período, o Novo Correio de Modas não trouxe muitas
informações a respeito de seus colaboradores e redatores. Entre os poucos dados que
conseguimos obter a respeito de sua rede de produção, encontra-se uma crônica,
divulgada no número 17 do segundo semestre de 1852, na qual D. Sallustio festejou a
entrada de “uma hábil pena nacional” no rol dos colaboradores do periódico. De
acordo com o cronista, o novo integrante enviava esporadicamente seus textos para
serem veiculados nas páginas da revista e passaria, a partir de então, a fazer parte
oficialmente de seu corpo editorial. O colaborador optou por manter-se no anonimato,
publicando seus textos com a assinatura de ***. Talvez essa estratégia tenha
resultado do receio de se ver associado às polêmicas opiniões que divulgava no Novo
Correio de Modas. De fato, a medida parece ter sido razoável, porque um de seus
primeiros artigos, chamado “Emancipação das mulheres” , logo provocou revolta.
Nesse texto, divulgado no número 16 desse mesmo semestre, o autor ridicularizou a
entrada do sexo feminino no mercado de trabalho e procurou diversos argumentos
para convencer suas leitoras da inviabilidade da ideia. Defendeu que não seria o
despotismo masculino que levaria as mulheres a se dedicarem à vida doméstica, mas
sim a existência de funções distintas para cada sexo, delimitadas pela própria natureza.
A seu ver, essas diferenças estariam evidentes desde a mais tenra infância, por isso as
meninas prefeririam brincadeiras nas quais pudessem revelar seu pendor natural por
cuidar e acalentar, enquanto os meninos, mais afeitos às aventuras, optariam por se
divertirem com espadas e cavalos. O autor argumentou ainda que o papel social da
mulher seriam os cuidados interiores da casa (isto é, a dedicação ao lar, ao marido e
Teoria e História Literária
230
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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aos filhos), enquanto ao homem caberiam os cuidados exteriores (ou seja, a obtenção
de um emprego e o sustento da família), porque se ambos realizassem as duas tarefas
ao mesmo tempo, ficaria difícil distinguir que papel caberia a cada um. Para
fundamentar seu raciocínio, expôs diversas situações em que as mulheres virariam
motivo de escárnio no mercado de trabalho. Afirmou que elas não poderiam participar
dos negócios (porque o enjôo da gravidez atrapalharia a tomada de decisões), ocupar
postos no exército (visto que a gravidez as impossibilitaria de correr), exercer cargos
parlamentares (já que a doce melodia de suas vozes faria com que não fossem
tomadas a sério), nem mesmo trabalhar em funções liberais, no direito ou na medicina
(porque não poderiam levar seus filhos para os tribunais ou assistir um paciente com
bebês nos braços). Por fim, disse que a existência de diferenças naturais entre homens
e mulheres não motivaria a depreciação de nenhum dos sexos, porque cada qual teria
a sua força, sendo que a feminina residiria na delicadeza: “Dalila e Onfale venceram
Sansão e Hercules; e não foi com a força; foi com a brandura e a meiguice.”
Inconformada com o conteúdo do artigo, Joana Paula Manso de Noronha usou as
páginas do Jornal das Senhoras, no qual trabalhava como redatora, para publicar um
réplica. Em tom irritado, afirmou que os “disparates” propagados por ***
manifestariam ignorância por parte do autor quanto ao tema da liberdade feminina.
Logo após as críticas de redatora, o colaborador do Novo Correio de Modas retomou a
questão da libertação desse sexo, veiculando, no número 18 desse mesmo semestre,
um artigo chamado “Ainda a emancipação das mulheres” . No texto em questão,
tentou se reconciliar com as leitoras, alegando que ainda não havia compreendido
esse “bicho” da “emancipação das mulheres”. De fato, é possível que não dominasse
muito bem o assunto, pois sua tentativa de fazer as pazes com o sexo feminino deve
ter gerado ainda mais revolta. O autor mostrou-se incapaz de conceber um papel
social para o sexo feminino fora do círculo doméstico. Para começar, defendeu que
não acreditava que apenas os homens seriam dotados de inteligência, porque às mães
de família caberiam diversas responsabilidades, incluindo “conservar ou ganhar a
estima do seu marido, e nunca a perder”, “zelar sobre os filhos que a Providência se
digna conceder-lhe”, “tornar-se a si e a sua casa agradável aos estranhos” a fim de
evitar que seu esposo procure “alegres momentos de distração” em outros lares. Mais
adiante, continuou seu raciocínio defendendo a educação feminina, desde que os
conhecimentos adquiridos pelas mulheres visassem à tarefa reservada por Deus para
esse sexo, ou seja, o cuidado do lar. Por isso, desaconselhou-as a partir para trabalhos
relacionados a estudos científicos, ou mesmo à tradução de novelas. Em sua opinião,
seria preferível que elas permanecessem se preocupando unicamente com seus filhos
e maridos, deixando outros assuntos a cargo dos homens. Ainda que tenha se
dedicado a alguns artigos, a maior contribuição do colaborador *** veio de suas
Teoria e História Literária
231
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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narrativas ficcionais. Debruçando-se sobre temas como a família, o papel da mulher e
a escravidão, ele evidenciou mais uma vez sua visão conservadora da sociedade. Em
um período de grande agitação em torno da criação da literatura nacional, é
interessante que uma revista impressa por alemães, composta principalmente por
artigos estrangeiros, tenha reservado desde o início um espaço para a produção
brasileira em suas páginas. Além disso, é intrigante constatar que aspectos da
sociedade carioca Oitocentista podem ser apreendidos por meio da leitura desses
textos.
Bruna Grasiela da Silva Rondinelli
Universidade Estadual de Campinas
MARTINS PENA E O MELODRAMA ROMÂNTICO FRANCÊS NO TEATRO DE SÃO PEDRO
DE ALCÂNTARA
A partir do final da década de 1830, os melodramas românticos e sociais franceses
começaram a aportar no Brasil. Os títulos mais representados no Teatro de São Pedro
de Alcântara, durante os primeiros anos do decênio de 1840, foram: "Trinta Anos ou a
Vida de um Jogador" ("Trente Ans ou la Vie d'un Joueur", 1827), de Victor Ducange; "O
Sineiro de São Paulo" ("Le Sonneur de Saint-Paul", 1838), de Joseph Bouchardy;
"Heloísa e Abelardo" ("Héloïse et Abeilard", 1836), de Auguste Anicet-Bourgeois; e "O
Marinheiro de São Tropez" ("La Dame de Saint-Tropez", 1844), de Adolphe Dennery. O
ator João Caetano dos Santos foi o responsável pela introdução dos melodramas nos
palcos do Rio de Janeiro. Prado (1972, p. 22) constatou que os textos franceses
encenados pelo artista eram traduções portuguesas. Contudo, não deve ser ignorada a
chegada ao Rio de Janeiro, em 1840, de uma companhia dramática francesa, que
trouxe em sua bagagem textos de melodramas ainda não encenados no Brasil. A trupe,
dirigida por Ernest Gervaise, se instalou no Teatro de São Januário para uma
temporada de espetáculos, que duraram até 1843. A plateia fluminense mostrou-se
motivada com a presença do teatro francês na cidade, creditando-lhe a fonte do
desenvolvimento da arte dramática brasileira, como declarou um espectador anônimo
em correspondência publicada pelo jornal "Diário do Rio de Janeiro", em 09 de março
de 1841: "A verdade nos obriga a confessar que o teatro francês no Rio de Janeiro tem
concorrido para importantes reformas no teatro nacional". Se os melodramas eram
exibidos com frequência e agradavam grande parcela do público, a crítica teatral da
época manteve-se dividida na apreciação do gênero. Enquanto alguns aprovavam a
encenação do repertório francês, que enriqueceria os palcos do Rio de Janeiro, outros
Teoria e História Literária
232
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
desaprovavam e condenavam a representação de cenas violentas de assassinatos,
adultérios, vinganças e revoltas populares. Huppes (2000, p. 63-122) analisou a
apropriação de elementos da estética do melodrama pelos dramas de autores
brasileiros do primeiro período romântico, como Gonçalves Dias, Martins Pena e o
franco-brasileiro Luis Antonio Burgain. No caso de Martins Pena, o impacto do
melodrama se estendeu às suas comédias. São de sua autoria 22 peças cômicas;
destas, 18 estrearam entre outubro de 1838 e dezembro de 1846 no Teatro de São
Pedro de Alcântara, em espetáculos beneficentes em favor dos atores. Arêas (1987, p.
196) identificou o diálogo das comédias do autor com a estética do melodrama.
Martins Pena entrou em contato com o repertório de melodramas a partir das récitas
oferecidas pelo Teatro de São Pedro de Alcântara e de seu trabalho como censor do
Conservatório Dramático Brasileiro. Meses antes de escrever e encenar "O Noviço",
analisou para o Conservatório Dramático a peça "Fabio, o Noviço ou A Independência
de Milão", tradução do melodrama romântico "Fabio le Novice" (1841), de Charles
Lafont e Noël Parfait. A peça francesa, que estreou no Teatro de São Pedro de
Alcântara em 13 de abril de 1845, une o tema amoroso e familiar ao político. Seu
enredo histórico, que se passa no século XVI em Milão, narra as peripécias vividas por
Fabio, um noviço que renega a vida religiosa e participa de uma revolta popular que
culmina na independência política da região italiana. "O Noviço", de Martins Pena,
comédia representada pela primeira vez em 10 de agosto de 1845, revisita os lugares-
comuns do gênero melodrama, tais como a perseguição incansável ao herói, a punição
do vilão, o roubo de herança, o reconhecimento final que resolve os nós da trama e
distribui a justiça, punindo o vilão e recompensando os bons. Carlos é constantemente
perseguido ao longo da peça, vítima das artimanhas de seu tio Ambrósio que, a todo
custo, tenta se apoderar de sua herança. Como ocorre no entrecho das peças
francesas, os planos maquiavélicos do vilão fracassam, mas só após o herói sofrer
inúmeras injustiças. Além dos elementos centrais da estética do melodrama, Martins
Pena fez uma comédia que incluiu temas e personagens de "Fabio le Novice".
Aproveitando a boa recepção da peça francesa, recuperou a sua figura principal: um
noviço heróico e órfão. Ao ver Carlos no palco, a plateia do Rio de Janeiro se lembraria
de Fabio. Os dois noviços compartilham algumas características, como a astúcia, a
inclinação para aventuras e o desejo de seguir a carreira militar. Ambos não se
adaptam às doutrinas religiosas, não gostam da vida reclusa e sentem-se inaptos para
o noviciado, o que os levam a escapadelas frequentes do convento. Ao dialogar com o
gênero francês e, especificamente, com a peça de Lafont e Parfait, o dramaturgo
brasileiro satirizou o comportamento extremamente virtuoso do herói do melodrama.
Carlos não é patriótico como o herói de "Fabio le Novice". O noviço brasileiro não
aceita subordinar-se às ordens do Mestre dos noviços, vive discussões acaloradas com
Teoria e História Literária
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o Dom Abade e cogita atear fogo ao convento. O comportamento transgressor de
Carlos - que apresenta as artimanhas do criado da farsa - é inaceitável para o herói
típico do melodrama. Fabio é audacioso, mas não ultrapassa os limites do decoro
social, não age de forma cômica nem planeja ardis contra o vilão que o persegue.
Martins Pena não pretendia somente divertir o público com a sátira de temas,
personagens e recursos do melodrama. Além da paródia, "O Noviço" mostrou aos
espectadores que a falta de justiça social estava enraizada na composição e aplicação
das leis civis do Segundo Império. Nesse sentido, Martins Pena não foi apenas o
comediógrafo responsável por fundar a comédia nacional de costumes - como o
quiseram a maior parte dos críticos teatrais e os historiadores da literatura -, mas
também um autor influente na constituição dos programas teatrais oferecidos pelo
Teatro de São Pedro de Alcântara, espectador de suas récitas e conhecedor de seu
repertório de melodramas. E, sobretudo, um comediógrafo que tinha uma mensagem
social para transmitir à sua plateia. Mensagem que construía, em parte, por meio da
apropriação e nova significação dos recursos e temas dos melodramas sociais,
invertendo-os comicamente para a construção de suas peças, recheadas de cor local.
Bruno Mendes dos Santos
Universidade Estadual de Campinas
MEMÓRIA E TESTEMUNHO NA OBRA DE GÜNTER GRASS
O objetivo da pesquisa é analisar algumas obras do autor alemão Günter Grass (1927-)
– a saber, a Trilogia de Danzig, que engloba os romances “O Tambor” (1959), “Gato e
Rato” (1961) e “Anos de Cão” (1965), e o livro de memórias “Nas Peles da Cebola”
(2006) – tendo em vista os conceitos de memória e testemunho discutidos no âmbito
da Literatura. Grass é um dos mais importantes e controversos escritores alemães do
período pós-guerra. Nascido em 1927, viu durante a sua juventude eclodir a Segunda
Guerra Mundial. Como muitos de seu tempo, foi membro da juventude hitlerista e
alistou-se no exército alemão. Um cidadão pacato, nunca questionou a ideologia
nazista. Após a descoberta dos horrores perpetrados pelos oficiais representantes nos
campos de concentração, reavaliou sua posição, assimilando a culpa coletiva de seu
povo e procurando, a seguir, através da arte, transmitir aos alemães a sua percepção e
pressionar cada cidadão sobrevivente do III Reich a uma verificação da parcela
individual de responsabilidade pelo processo histórico que culminou numa das
maiores tragédias humanas do último século. A partir de sua obra, tornou-se uma das
mais respeitadas autoridades morais da Alemanha no período, sempre presente na
Teoria e História Literária
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mídia e preocupado em manter acesa a memória dos eventos do Nazismo.Sua obra de
ficção é permeada de traços históricos e autobiográficos bastante notórios, que nos
permitem estudá-la pelo viés do conceito de “espaço autobiográfico”, denotado pelo
teórico Philippe Lejeune. Em “O Tambor”, o protagonista Oskar Matzerath é um garoto
nascido com consciência e discernimento, que decide aos três anos de idade não mais
crescer. Leva sempre seu tambor de lata e o toca quando deseja, ainda que em
momentos inapropriados. Nascido e crescido em Danzig (atual Gdansk, na Polônia), no
mesmo bairro que Grass, cercado de tipos humanos que de alguma forma
impressionaram o autor e foram representados na ficção. Observa e narra como
testemunha ocular dos acontecimentos históricos locais, dentro do contexto geral: a
convivência entre alemães, poloneses e judeus, a ascensão de Hitler, a perseguição
antissemita, a invasão nazista, as batalhas na guerra, o contra-ataque russo, a
reconstrução e o restabelecimento econômico e político são retratados como pano de
fundo da evolução de um indivíduo que não se identifica com a população comum e se
mantém à parte, preocupado apenas consigo mesmo; o personagem é, ao mesmo
tempo, um alterego e uma antítese de Grass, já que partiu do mesmo substrato
sociocultural, porém agiu de maneira oposta ao seu criador.Em “Gato e Rato”, o
narrador Pilenz é um jovem alemão comum, também criado no bairro de Grass em
Danzig, colega do excêntrico Mahlke, um outsider que não se submete às autoridades
nazistas e que deseja fazer ouvir sua voz. Quando se vê perseguido pelas autoridades,
por não cumprir suas delegações, pede ajuda a Pilenz (que não se esforça muito), e
acaba desaparecendo num mergulho no mar. O sentimento de culpa pela morte de
Mahlke o persegue, fazendo com que escreva sua versão da história e honre o nome
do amigo.Em “Anos de Cão” aparecem menos referências autobiográficas que
representações dos tipos humanos do período histórico, ressaltando a política racista
de Hitler e a sua influência nos relacionamentos pessoais entre arianos e judeus. Neste
terceiro livro da trilogia, o autor Grass se coloca numa posição testemunhal,
mostrando através das personagens fictícias Amsel e Mater a sua percepção das
relações humanas durante o III Reich.Na produção ficcional, portanto, Grass reorganiza
fatos e personagens reais de maneira tal que leva o leitor a reconhecer a ligação entre
História e Literatura e compreender algumas características humanas comuns que
permitiram, em última instância, o estabelecimento do Nacional-socialismo e sua
máquina de extermínio. Neste sentido, conforme verificaram Theodor Adorno e Max
Horkheimer na “Dialética do Esclarecimento” (1944), o Holocausto não pode ser
caracterizado como uma mera e infeliz fatalidade na história humana, mas sim o ápice
de um processo levado a cabo pelo desenvolvimento técnico progressista.Temos
muitos exemplos de obras notadamente classificadas como testemunhos, ou seja,
aquelas em que uma pessoa passa por um evento traumático, geralmente
Teoria e História Literária
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representativo de um quadro histórico mais amplo, e narra sua visão dos fatos,
descrevendo-as para tentar transmitir a sua experiência, ou pelo menos uma noção
dela. Estas narrativas de testemunho são, via de regra, de teor autobiográfico e o
narrador é, por excelência, um sobrevivente dos fatos narrados e vítima dentro
daquele contexto. “É isto um homem?”, do judeu italiano Primo Levi, sobrevivente de
Auschwitz, é o exemplo mais notório deste tipo de literatura. Grass, pelo contrário,
não era a vítima do sistema, mas um colaborador do governo nazista. Como soldado,
sobreviveu às ações de que participou. A descoberta do genocídio, no entanto, teve
nele, segundo relata, um efeito catártico, transformador. Uma parte da análise teórica
consiste em verificar se é possível classificar como testemunho a narração deste cunho
na voz do opressor e em que termos e condições esta narrativa testemunhal
funcionaria como tentativa de transmissão de uma experiência. Lançando mão do
legado de Grass (seus textos literários, bem como ensaios, entrevistas, depoimentos
ou artigos de opinião e autocrítica) e das produções de seus críticos e estudiosos, bem
como do acervo teórico envolvendo os conceitos de memória e testemunho,
ficcionalidade, filosofia da história e crítica da violência, pretende-se identificar as
intenções, estratégias, métodos e soluções encontradas pelo autor para representação
do período histórico desde o fim da Primeira Guerra Mundial até a era Adenauer,
levando em conta a posição de Grass como sujeito e objeto social, em um dos
ambientes mais representativos da história global no violento século XX.
Caio Maríngoli Marabesi
Universidade Estadual de Campinas
DA ESCRITA DE PRÁTICAS VIVENCIAIS À PRÁTICA DA POESIA ESCRITA: ALGUMAS
QUESTÕES DA TRAJETÓRIA POÉTICA DE WALY SALOMÃO
Waly Salomão publica seu primeiro livro, Me segura qu’eu vou dar um troço, no ano de
1972. Neste momento o autor participa ativamente das discussões sobre a produção
cultural e artística do período logo após a atuação da vanguarda concretista e durante
o surgimento da chamada “geração marginal”. Em relação à poesia, a “geração
mimeógrafo” dos poetas marginais deu a tônica de movimento ou fenômeno literário
que talvez pudesse ser visto como uma proposta coletiva, marca de uma época,
momento, que revelava o esgotamento das experiências de vanguarda (isso tendo no
horizonte, e como modelo de oposição, as propostas que ainda reverberavam do
concretismo) em solo nacional. Associada ao etos do cotidiano, a marca característica
de muitas das obras de poetas como Cacaso, Chacal, Eudoro Augusto seria, além do
Teoria e História Literária
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uso ostensivo de uma linguagem absolutamente corriqueira (pouco afeita ao literário),
a publicação “em suportes frágeis, fora do circuito tradicional”, “marginais”, portanto,
também editorialmente. Waly Salomão, dessa forma, será automaticamente
aproximado a tal tendência, na poesia, pelo dado de geração. Suas obras, no entanto,
apontam para outro tratamento da literatura e da linguagem. Sem esquecer a relação
com a tradição e revelando, ao mesmo tempo, uma disposição para a prospecção, a
obra de Waly Salomão produz um discurso de um sistema em constante abertura.
Nem romper com o passado, na lógica da ruptura nomeada por Octavio Paz referindo-
se às vanguardas da modernidade, como a indicar um novo possível caminho, nem
recuperar, e ali permanecer, lugares topologicamente marcados anteriormente. Como
parte de uma pesquisa maior que visa abordar a trajetória dos trabalhos poéticos
desse autor, partindo de temas caros à discussão sobre a arte na contemporaneidade,
o trabalho aqui proposto tem como objetivo central mostrar como os textos de Waly
Salomão, desde sua primeira publicação até seus últimos livros, editados e publicados
no início dos anos 2000, constroem uma dicção, que também se dá formal e
tematicamente, que busca acolher a diferença, reinventar os lugares já determinados
pela doxa e instaurar uma constante transformação e metamorfose da forma, da
linguagem e dos diversos discursos. Um livro como o referido Me segura qu’eu vou dar
um troço, no caso, poderia, então, ser lido e pensado a partir de uma preocupação
com a forma que, apesar de nunca ser tirada do horizonte, é vista através do
imediatismo dos atos, falas, ações, confissões que o próprio livro incorpora como
matéria de onde se constrói e a partir da qual se elabora. Tal livro em construção,
colocado sempre num porvir, seria menos uma literatura antiliterária, no sentido
apontado por Antonio Candido, como negação da própria possibilidade de se fazer
literatura (questão bem ao gosto das discussões do período), do que a tentativa e o
entendimento da necessidade de se pensar uma outra profundidade, ou, dito de outra
maneira, a contínua tentativa de forma que, a cada passo dado para sua realização, se
impõe a necessidade de reconsiderar seu percurso. A tendência construtiva é
mesclada a uma estética subjetiva, que opta por captar impressões, sensações
momentâneas. Apesar da evidente assimilação dos projetos da modernidade os
trabalhos de Waly não procuram reeditar qualquer experiência anterior, mas desejam
apontar a necessidade das construções abertas, dos trabalhos em progresso. Nesse
primeiro momento, Waly Salomão estabelece um forte diálogo com artistas plásticos,
principalmente Hélio Oiticica e passa a ocupar uma posição singular no campo das
artes no Brasil participando e influenciando as experiências contraculturais dos anos
70 já que propunha um tipo de escrita que resultasse também numa experimentação
pessoal e subjetiva. Assim como Hélio Oiticica, Waly Salomão também estava
interessado em explorar a relação entre prática artística experimental e a experiência
Teoria e História Literária
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de vida. As imagens das viagens e deslocamentos geográficos seriam, assim, a
afirmação não só de uma vontade de experimentar diferentes lugares dentro e fora do
país mas também de poder mover-se livremente pelos mais diversos registros
linguísticos e discursivos. Portanto, a experimentação formal amalgamada a uma
prática de vida e vivências pessoais. Nesse sentido um livro como Algaravias, já nos
anos 90, momento em que as questões da poesia apontam, como parece ser um
consenso da crítica, para uma recuperação do trabalho mais apurado com o verso e
com as formas metrificadas, um livro como Algaravias também seria menos um
retorno ao verso promovido pelo poeta Waly do que a tentativa de se pensar seu
acontecimento, o acontecimento do poema, como abertura, do verso, do sujeito, da
tradição, às vozes externas que os circundam e que, num primeiro momento, parecem
ser ignoradas por tais estruturas para marcar o lugar de onde se afirmam. Do mesmo
modo, as afirmações, nos versos, em Algaravias de um sujeito que “contrabandeia
bárbaros e barbárie em meu bojo”, ou que conclui “agora, entre meu ser e o ser
alheio/a linha de fronteira se rompeu” bem como da contínua retomada dos versos de
um poema por fazer em “Fábrica do poema” indicariam a necessidade de se situar
(seja o poema, a identidade, a história, a tradição, o sujeito) num eterno
deslocamento, sem ponto final ou porto seguro, um lugar que, como foi dito
representaria menos uma experiência da multiplicidade, do que a intensidade de um
lugar que é potencialmente muitos, infinitos e por isso mesmo nenhum, ao mesmo
tempo.
Camila Rodrigues
Universidade de São Paulo
A COLEÇÃO DE ANEDOTAS INFANTIS DE GUIMARÃES ROSA
Procurando por um lugar legítimo para a História na obra de Guimarães Rosa, minha
pesquisa começou a se desenvolver no mestrado (Rodrigues, 2009), no qual descobri
que apesar do tema ter sido abordado, desde os anos 1970, só ganhou força mesmo
cerca de vinte anos depois, quando algumas leituras passaram a se alinhar a novas
concepções de História e então renovados vislumbres da relação temporal presentes
na escrita rosiana começaram a ganhar maior notabilidade - dentre eles, a perspectiva
infantil, que ora escolhi neste doutorado. Nesta pesquisa, no campo da História
Cultural, volto-me para a escritura de Guimarães Rosa, buscando problematizar o
diálogo que esta estabelece com a cultura dos não letrados - como as crianças - que,
no contexto da criação rosiana, pode aparecer sob a máscara do embate entre a forma
Teoria e História Literária
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dos adultos lidarem com a linguagem infantil. Para uma investigação interdisciplinar
como esta, os diálogos mais fecundos são os estabelecidos com historiadores, como
Carlo Ginzburg (2007), e com intérpretes rosianos, como Willi Bolle (2004), porém a
proposta abre-se para várias áreas de averiguação, abarcando os trabalhos sobre
linguagem (Wittgenstein, 1999; Sacks, 2010); aquisição da linguagem infantil (François,
2009); teoria da literatura (Lima, 2006); crítica genética (Willemart, 1999). Ao
considerar a escritura de Guimarães Rosa, estamos partindo da ideia de que li se
manifestam autênticas zonas de passagem, onde a escrita reforça ou enfraquece os
conflitos na tentativa de manter em ação a tensão entre os contrários, como o o oral e
o escrito. Ao manter essa crise constante, a escrita rosiana experimenta alinhavar
temporalidades históricas e recriações ficcionais. Assim, quando sugiro que uma
possível aproximação entre a escritura rosiana e a conversação infantil pode ser
melhor observada se cotejarmos os modos de expressão da criança, que se utilizam de
uma junção simultânea de linguagens para se comunicar, o que é reavivado no
processo de escrita rosiana quando este, partindo da percepção dos ritmos da fala,
também dialoga concomitantemente com várias linguagens. Para Henri Meschonnic
(2006) esta forma de se expressar que aposta em todas as maneiras de propagar
mensagens e fabricar significados é a Oralidade, que só funciona quando a
engrenagem de todas as linguagens atuantes estiver em movimento constante. Se a
Oralidade é um modo de funcionamento, é na escrita que ela encontra seu momento
de potência, porque o material escrito pode reinventar todas as partes que o
constituem, já que é composto por palavras, que são entes simultaneamente visuais e
sonoros, e que produzem sentidos se atuarem em movimento, o que se aproxima da
língua da criança que, em suas buscas por outros sentidos para a estranheza da
realidade, acaba engendrando significados para o mundo. Para refletir sobre isso me
debrucei sobre uma das coisas mais importantes no fabrico da escrita: seu processo de
feitura, onde se potencializa um universo de possibilidades que estou lendo nos
manuscritos disponíveis no IEB/USP. Dentre estas fontes, escolhi os Cadernos de
estudo para a obra de Rosa. Tais cadernos seriam verdadeiros laboratórios de escritura
e foi sobre eles que se centrou minha comunicação no Seta 2011. Lembrando o
questionamento da legitimidade da História proposto claramente por Rosa em seu
livro Tutaméia (Rosa, 1967) e suas consequências para a crítica de sua obra, destaco
que só a partir dos anos 1990 a História começou a ser vista como um tema rosiano,
especialmente com o trabalho de Wille Bolle (2004), que propôs uma aproximação
entre a perspectiva de Rosa e a concepção crítica do historicismo formulada por
Walter Benjamin(1994).Se a indicação de Bolle estiver correta, lembro que a reflexão
pioneira de Benjamin considerou como legítimos os olhar da criança sobre o tempo e a
temporalidade. (Benjamin, 2002). Segundo Giorgio Agamben (2008), para a criança, a
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percepção da diferenciação temporal significa a atuação de outras maneiras de lidar
com a linguagem e, consequentemente, de formular narrativas, já que elas não se
sujeitam a regras, mas reagem performativamente.Se a História é como a vida e tem
vários sentidos a serem procurados no entrelaçamento de entre verdades e
possibilidades, devemos persistir buscando-os, assim como fazem as crianças, quando
ainda não se formataram as sintaxes ou gramáticas determinadas por adultos e
desfrutam da pura vivência do tempo. Seguindo a investigação sobre a possibilidade
de tais dinâmicas infantis aparecerem imbricadas na própria escritura de Rosa, durante
o ano de 2012 descobri novas fontes de pesquisa: outros cadernos rosianos. Estes
estão disponíveis para consulta no acervo pessoal de sua esposa, Aracy Guimarães
Rosa, no IEB/USP. Há também os que estão disponíveis da Fundação Casa de Rui
Barbosa, RJ. Ambos os grupos de cadernos mostraram-se diferentes daqueles originais
do acervo de Rosa, pois nestes, muito mais do que selecionar citações a serem usadas
na obra (eram cadernos de estudo para ela), o autor parece estar usando os cadernos
como blocos de anotações, já que neles vemos uma seleção de textos alheios e
anedotas. Tantas destas tratam do modo de pensar e de falar da criança. É sobre essas
fontes, que são históricas e também literárias, que falarei em minha comunicação.
Clara Carolina Souza Santos
Universidade Estadual de Campinas
BIBLIOTHECAS
No século XIX, livros como “Bibliothecas” apresentam um repertório de obras,
reunindo em um único volume uma variedade de títulos com indicações de leitura
para seus leitores e breves resumos com o conteúdo sucinto dos exemplares referidos.
Com formatação variada, estes livros conhecidos como Bibliothecas serviam no século
XIX para divulgação de determinada coleção de obras e de autores diversos em
territórios diferentes da circulação e impressão primeira daquele volume descrito; em
alguns casos seu formato mais regular - com resumos das narrativas - era apropriado
para publicizar leilões, com indicação de data e local do acontecimento no frontispício
da obra; alguns livreiros conhecidos das Américas e Europa utilizaram esta espécie de
registro para venda e troca de seu acervo em escala transnacional e, em seu uso mais
comum, volumes como Bibliothecas continham indicação de leitura para leitores sobre
bons livros impressos em determinada região, auxiliando, assim, na regulação do gosto
popular de obras literárias e científicas. É interesse geral da tese identificar as espécies
variadas das Bibliothecas em alguns usos específicos para venda, troca, divulgação e
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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difusão de romances, contos, novelas e fábulas; o por quê da alteração a partir do
século XIX de sua formatação regular e como a fixação da escrita deste livro auxilia na
difusão de contos, novelas, romances e fábulas no período novecentista, revelando
aspectos da aceitação social do romance em formato de livro e da configuração do
campo literário no período. Também analisaremos a presença de romances, contos e
novelas nestes exemplares e como estes textos ficcionais são divulgados entre o Brasil
e alguns países na Europa (em especial França, Inglaterra e Alemanha) em
Bibliothecas, identificando quais autores brasileiros estão presentes nesta espécie de
documento. Parte da pesquisa reconstituirá as pessoas envolvidas no processo de
escrita e tradução dos resumos contidos nas Bibliothecas, identificando quais as
traduções de livros romanescos em língua portuguesa, francesa, alemã e inglesa são
referidos nestes volumes, sejam traduções de livros voltadas para um público mais
douto ou para um leitor não letrado, mas de maior poder aquisitivo, pois que nesta
variedade de registro podemos reconhecer o uso de obras ficcionais encadernadas, e,
dentre elas, algumas de valor acessível ao público que lê por divertimento. Em alguns
casos, as Bibliothecas são a reunião de alguns catálogos de livreiros conhecidos na
Europa com conexão em diversas partes do mundo europeu, tendo em seu conteúdo o
título da obra seguido da descrição do exemplar a fim de despertar a curiosidade do
leitor para compra e leitura individual. Em outros casos Bibliothecas assemelham-se a
dicionários de autores e livros, meramente referindo os nomes de um ou de outro em
uma extensa lista enumerativa, com a intenção de demonstrar quais são os títulos à
disposição da comunidade leitora ou, apenas, divulgar a variedade literária da terra
por meio da menção daqueles que lá escrevem. É comum a toda esta espécie de livro o
público-alvo a que se destina esta publicação: pessoas leitoras de obras que circulam
no trânsito entre as Américas, Europa e territórios unificados pelas línguas portuguesa,
francesa, inglesa, alemã e holandesa, sejam estes leitores aqueles que compram livros
em leilões ou aqueles que lêem por divertimento e para instrução. Até o século XVIII a
impressão destas Bibliothecas portáteis busca a super variedade de títulos de
determinado Estado Nacional com o propósito de louvar aquele Império e seus
agentes. Ao longo do século XVIII, com a fundação das Academias Científicas, dos
Institutos Históricos e das Sociedades, registros como Bibliothecas começam a
proliferar nos Estados nação a princípio como um modo de divulgação do saber
produzido nestas associações. Para a tese é fundamental reconhecer estas tramas
entre os agentes brasileiros, luso, ingleses, franceses, alemães, canadenses e
estadosunidenses a fim de reconstituir o trânsito dos romances traduzidos ou não e
que circulam entre as Américas e Europa. A escrita destas Bibliothecas no século XIX
parece ser gestada por esses letrados, que de algum modo galgam cargos
administrativos participando dessas associações e institutos em vias de consolidação,
Teoria e História Literária
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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cujo propósito primeiro seria a construção da imagem do nacional. O dado
interessante desta espécie de obra é que elas parecem ser confeccionadas em
conjunto, num trânsito de via dupla entre as américas e a Europa. O resumo de cada
título descrito no interior de uma Bibliotheca parece ser construído por alguns destes
letrados que ocupam cargos nos Institutos Históricos e Geográficos e é possível que ao
ocupar estes cargos de tradutores de obras impressas em determinado espaço
geográfico algum letrado tenha a incubência de enviar estes resumos traduzidos ou
não para outros institutos históricos ou associações de leitura, como indicam os
regimentos da Bibliotheca Brasileira, por exemplo. Um outro exemplo deste trânsito é
o relato do autor de uma Bibliotheca Americana de 1836, onde se dá notícia de que o
resumo de uma viagem de Bry só foi finalizado devido ao resumo feito nestas
associaçṍes e enviado por um tipógrafo francês para as terras americanas. Esta
comunicação se destina a analisar a ocorrência nestas Bibliothecas de resumos
semelhantes, reconstituindo, assim, a trama entre as pessoas tradutoras nestas
associações e institutos que se proliferam no mundo a partir do século XIX a fim de
divulgar o Nacional em escala mundial. Outro exemplo pode ser confirmado a partir da
análise dos regimentos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que indicam
alguns letrados para o ofício de tradutores, tarefa ainda a ser investigada.
Daniel Essenine Takamatsu Arantes
Universidade Estadual de Campinas
OS CONTOS DA REVISTA BRASILEIRA (1895-1899)
A presente pesquisa se ocupa da investigação dos contos da Revista Brasileira (1895-
1899). Fundada em meados do século XIX, o periódico se notabilizou pela abordagem
de assuntos científicos, políticos, culturais e artísticos. De trajetória irregular, sofreu a
interrupção de sua veiculação por diversas vezes — ao todo, o periódico possuiu oito
fases. Em 1895, dirigida pelo crítico literário José Veríssimo e contando com a
colaboração de importantes figuras do final do século XIX, a revista voltou a circular
pela terceira vez, estendendo suas atividades até o ano de 1899, e reuniu em sua
redação intelectuais como Nina Rodrigues, Oliveira Lima, Joaquim Nabuco, José
Veríssimo, Euclides da Cunha, entre outros. Não obstante, a revista privilegiou a
divulgação literária, que se tornou um de seus principais traços, e se tornou ponto de
encontro dos principais literatos da época. Machado de Assis, Arthur Azevedo, Coelho
Neto, Araripe Júnior, Sílvio Romero são alguns dos nomes que aparecem nas páginas
do periódico, colaborando com textos de ficção e crítica literária. Dentro da produção
Teoria e História Literária
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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ficcional notamos uma forte tendência do periódico em privilegiar a prosa, sobretudo
o gênero conto. Em seu primeiro ano de edição, por exemplo, o periódico publicou os
contos “Uma Escrava”, de Magalhães de Azeredo, “A Dívida”, de Arthur Azevedo, “Fio
Reatado”, de Lucio de Mendonça, “Flor de Lótus”, de Raimundo Correia e “Uma noite”,
de Machado de Assis. O gênero continuou a aparecer com regularidade na publicação
e entre os escritores que publicaram suas short stories no periódico o mineiro Afonso
Arinos ganhou destaque com a veiculação de quatro contos na revista: “Pedro
Barqueiro”, “Joaquim Mironga”, “Assombramento” e “A Cadeirinha”, que seriam
reunidas posteriormente em seu livro Pelo Sertão (1898). Além disso, após a edição do
volume de contos, José Veríssimo dedicou uma resenha editada pela Revista Brasileira
analisando e elogiando o livro do escritor mineiro. Afonso Arinos foi um dos
representantes da tendência das narrativas rurais em prosa, que esteve em voga entre
os escritores de nossa literatura entre o final do século XIX e começo do XX. A tal
tendência literária convencionou-se denominar como regionalista. Nos contos de
Arinos podemos ver uma forte predileção por uma literatura construída a partir de
modelos locais bastante específicos, além da reprodução mais ou menos fiel do
ambiente rural e dos tipos que ali encontramos. Os costumes e linguagens dos
sertanejos, a descrição de latifúndios e de habitantes das zonas rurais, bem como a
própria paisagem do sertão estão entre os elementos principais das short stories do
literato. Ao tomarmos o conjunto da produção ficcional da Revista Brasileira,
verificamos que isso não foi apenas uma tendência trazida por Afonso Arinos para o
periódico. As novelas, “Bodas de Sangue”, de Rodrigo Otávio, e “A Tapera”, de Coelho
Neto, os contos “Uma Escrava”, de Magalhães de Azeredo, “Violento”, de Valdomiro
Silveira, e o romance Dona Guidinha do Poço, de Manoel de Oliveira Paiva, publicados
pela revista, também se aproximam da tendência regionalista do final do século XIX.
Dessa forma, a predileção por esse tipo de publicação literária não se tratava apenas
de um gosto da revista ou do público leitor daquele momento, mas sim parte da linha
editorial ufanista do periódico, que declarava logo em seu “Artigo de Fundo” a
preferência de seus editores por textos que abordassem exclusivamente assuntos
relativos ao país. Essa política editorial, naturalmente, não atingiu apenas a literatura,
mas quase todos os textos lançados pela revista, independente da área (artes, ciências
ou política). Ao observarmos as relações entre imprensa e literatura do final do século
XIX no Brasil que o presente trabalho investiga mais a fundo como esses dois campos
se estabeleceram e se desenvolveram dentro da Revista Brasileira. A reunião de um
grupo seleto de intelectuais e escritores, a ligação com a Academia Brasileira de Letras,
a posição da revista e de seus colaboradores frente ao momento político conturbado
pelo qual passava o país, o papel da produção literária dentro do programa do
periódico, entre outras questões tornam a análise da revista proveitosa e nos auxiliam
Teoria e História Literária
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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a lançar novos olhares sobre a imprensa e a literatura do período. Nesse sentido, é
significativo nos atentarmos para a resposta dada pelo grupo de intelectuais que se
reuniu através da revista e se propôs debater a situação política brasileira após a
instauração do regime republicano, como afirmou em seu “Artigo de Fundo”. Ao
passarmos pelo periódico, notaremos que esse debate esteve direcionado para o
campo jurídico, que não permitiu posições mais incisivas dos colaboradores e a
“neutralidade” acabou dando tom à revista. Outro aspecto interessante para se notar
as relações entre literatura e imprensa é que boa parte dos colaboradores da Revista
Brasileira esteve envolvida na criação da Academia Brasileira de Letras, nascida na
redação do periódico. Todavia, a movimentação política para a fundação do instituto é
divergente da feição assumida pela revista e veremos que essa posição “neutra”, ou
seja, de afastamento dos problemas políticos e sociais, dos colaboradores e,
especialmente, dos literatos, é transformada para a realização do projeto, uma vez que
os idealizadores da Academia Brasileira de Letras procuraram financiamento e a
simpatia do governo de Prudente de Moraes para fundar a instituição.
Erich Soares Nogueira
Universidade Estadual de Campinas
NOTAS TEÓRICAS SOBRE VOZ E LITERATURA.
O doutorado em andamento pesquisa a noção de Vocalidade na obra de Guimarães
Rosa. Nos dois anos anteriores, foram apresentadas as leituras de dois textos rosianos
― Meu �o o Iauaretê (em 2010) e Buriti (em 2011). Neste ano, pretende-se focar
alguns aspectos teóricos sobre a voz, sobre sua relação com a linguagem, de modo
geral, e sua especificidade no texto literário. Em termos teóricos, pode-se por ora
lembrar que Roland Barthes, em “O grão da voz”, já afirmara que a voz é “essa
materialidade do corpo que emana da garganta, espaço onde o metal fônico adquire
consistência e se recorta”; além disso, o autor nos indica que a voz ocupa um lugar
fronteiriço, isto é, ela é fundamentalmente o ponto de “articulação entre o corpo e o
discurso”. Outros teóricos que pensaram sobre a “voz”, como Corrado Bologna (Flatus
Vocis), Giorgio Agamben (A linguagem e a morte) e Adriana Cavarero (A piú voci),
também chamam a atenção para uma especial fronteira em que se situa esse
elemento notadamente humano: a fronteira homem/animal. De modo geral, não
dizemos que os animais têm voz. E, se em alguns estudos lemos a expressão “voz
animal”, será preciso entender que essa voz é sem sentido, podendo expressar dor e
prazer, mas sem ser capaz de abrir-se para ordem do discurso e da significação. A voz
Teoria e História Literária
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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humana, por sua vez, instaura-se justamente a partir de uma superação ou extinção
dessa voz animal. Dizendo de outro modo, dar lugar à linguagem envolve a morte do
animal ou de uma pura voz sem sentido. No entanto, a voz humana é também
memória daquilo que em nós possa ser a animalidade. Na fala, por exemplo, há
inúmeros elementos vocais que estão aquém ou além de um sentido claro e
identificável: como apontará Bologna, nossa voz guardará sempre as marcas corpóreas
do animal que fomos porque sempre “si confonde com il ronzante turbinío delle
pulsazioni corporee, che sfuggono alla coscienza perchè la precedono”. A ideia central,
numa primeira parte da comunicação, é pensar esse lugar fronteiriço ocupado pela
voz, entre a ordem do humano e do animal. Guimarães Rosa é certamente um escritor
que muitas vezes se aproxima, por meio de sua radical experimentação literária e da
caracterização de personagens, dessa fronteira complexa e perigosa. Poderão ser
indicados alguns textos ou passagens de sua obra nas quais essa questão ganha maior
relevo. No campo mais teórico, a comunicação também diferenciará, a partir de Paul
Zumthor, os aspectos que definem a “oralidade” daqueles que compõem a noção de
“vocalidade”. Em termos básicos, no campo da oralidade, a voz é entendida sobretudo
como meio de comunicação da palavra, como seu suporte sonoro; já o campo da
“vocalidade” abre-se para o que é próprio da voz, para todas as suas qualidades
materiais que antecedem e excedem a linguagem. O texto literário será pensado
justamente como esse lugar que excede a linguagem, que busca levar ao limite a
matéria que o compõe. Como resultado mesmo da escritura, as “vozes” do texto
literário podem ter o efeito de desagregar a linguagem, criando-lhe sempre novas
aberturas de sentido e negando-lhe aquela sua função mais normativa, que tende a
revalidar significados únicos, prontos e bem fechados. É importante notar que a voz
não se opõe à escrita, mas sim a libera de uma “clareza parasitária” (Barthes) para
revigorar aquilo que na palavra há de incontrolável. No entanto, saliente-se nesse
processo que, mesmo quando o texto chega ao limite de ser pura presença sonora
(como ocorre, por exemplo, em inúmeras passagens da obra de Guimarães Rosa), a
leitura não sofre, por assim dizer, uma suspensão absoluta do sentido, mas é como
que lançada num fluxo em que a voz “mostrar-se-á como pura intenção de significar,
como puro querer-dizer, no qual alguma coisa se dá à compreensão sem que se
produza ainda um evento determinado de significação” (AGAMBEN, 2006, p.53). Cabe
aqui já apresentarmos a noção de flatus vocis. Partamos da experiência comum,
lembrada por Agamben de se ouvir uma palavra cujo sentido desconhecemos, mas à
qual necessariamente atribuímos o intuito de significar, por ela estar inserida na
ordem do discurso. Essa experiência, como explica Agamben, aponta para uma
“articulação originária” entre voz e linguagem, em que a voz é flatus vocis, ou seja, em
que ela não é mais puro som e não ainda um significado, mas aponta para essa
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possibilidade de significar. Como flatus vocis, a voz é, portanto, indicação de “que a
linguagem tem lugar”. Assim chegamos a uma questão central: não seria este o limite
do trabalho literário, ou seja, esvaziar a linguagem de todas as suas alienações, como
propõe Guimarães Rosa, e instaurar esse lugar em que a linguagem se potencializa
como experiência vocal em incessante “impulso para o querer-dizer”? Se assim for
possível compreendê-la, então ao leitor (e ao crítico) caberia lidar com essa flatus vocis
que é contínua resistência à significação e, na busca de sentidos possíveis e
transitórios, ler sob a inevitável condição de uma escuta não autoritária.
Fabiana Angélica do Nascimento
Universidade Estadual de Campinas
A NOVELA POLE POPPENSPÄLER, DE THEODOR STORM E O TEMA DA OPOSIÇÃO
ENTRE O ARTISTA E O BURGUÊS
A pesquisa que ora se propõe pretende analisar a novela Pole Poppenspäler como uma
novela organizada ao redor do tema da oposição entre o artista e o burguês. Uma tal
análise demandará que se investigue o modo de tratamento do mesmo tema nas
novelas românticas e sua posterior reapropriação por Storm, autor do Realismo
poético, validando-se assim a hipótese de Kunz (1970) segundo a qual as narrativas de
Storm se organizam ao redor de uma oposição de caráter histórico-político. A novela
Pole Poppenspäler, que ainda não possui uma tradução em língua portuguesa, foi
escrita em 1874 para uma revista voltada ao público infanto-juvenil (Deutsche Jugend).
Ela narra a história do velho marionetista de Munique Josef Tendler, cuja filha, Lisei,
casa com o torneiro artístico Paul Paulsen. Os dois jovens se conhecem quando a
família da menina apresenta uma temporada na cidade de Paul. Doze anos depois,
durante a peregrinação de Paul que constitui parte de sua formação profissional, os
jovens se reencontram numa cidade do interior da Alemanha. Josef Tendler é preso
por suspeita de roubo, e Paul ajuda Lisei a tirar seu pai da cadeia. Depois desse
episódio, Paul pede Lisei em casamento, que aceita imediatamente, e os três partem
de volta à cidade de Paul. Apesar do escárnio dos moradores da aldeia por Paul viver
com uma família de artistas mambembes, ele atende ao desejo do velho Tendler em
realizar mais uma apresentação a qual resulta em um grande fiasco. O velho
marionetista não consegue suportar o fracasso e morre. Depois de seu enterro, o
boneco Kasperl, dado por perdido, é lançado por alguém sobre o túmulo, entretanto,
toda essa manifestação de ódio não consegue perturbar a felicidade de Paul e Lisei. Em
Pole Poppenspäler, o conflito gerado pela transição entre duas diferentes
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perspectivas, a do mundo pequeno burguês e a do artista, condensa-se de forma
simbólica, na trajetória dos personagens Tendler, marionetista, artífice e artista
mambembe em oposição a Paul, torneiro artístico, profissão já voltada à produção do
tipo industrial. Ao mesmo tempo está presente a caracterização geográfica e humana
das “pessoas simples” (“kleine Leute”), como camponeses, operários e artesãos.
Também está presente a regionalização geográfica e lingüística, por meio da
representação das paisagens alemãs e ao uso de dialetos, de acordo com o repertório
típico do Realismo poético. Ao contrário das correntes realistas vigentes em outras
partes da Europa, o Realismo poético não queria retratar diretamente a realidade, mas
sim, retratar a realidade a partir de uma “fantasia criadora” na qual as circunstâncias e
relações fossem mais reais do que a própria realidade. Outra característica dessa
estética era deslocar a ação para um tempo que não o do autor – o distanciamento
possibilitava criticar o presente. Mas a crítica não era direta, deveria esconder-se sob a
adequação externa. As descrições tampouco comunicavam sentimentos: o mundo
deveria ser representado sem nenhuma tentativa de explicação e de modo mais
imparcial possível. Para levar a cabo tal intuito, o Realismo poético parece ter
encontrado no gênero novela a sua maior expressão. Na tradição alemã, de acordo
com Benno von Wiese (1957), existem muitas teorias sobre novela, no entanto, ainda
pairam dúvidas sobre tal gênero. Uma definição bastante oportuna é a de Goethe
(Conversações com Eckermann, 29.01.1827): “o que é a novela se não um evento
inaudito”, pois a novela sempre tem a ver com um acontecimento que se condensa ao
longo de uma determinada extensão de tempo e espaço. Entendido como uma
peripécia ou transformação (Wendepunkt), esse acontecimento precipitará a
condensação da ação no conflito. Podemos também considerar a definição de novela
segundo os românticos. Friedrich Schlegel, na obra Nachricht von den poetischen
Werken des Johannes Boccaccio (1801), destacou que a novela é exemplarmente
adequada para representar um estado de ânimo e uma perspectiva subjetivos, assim
como aspectos mais profundos e peculiares desse mesmo estado de maneira indireta e
alegoricamente expressiva. Aqui se torna clara a tensão entre o subjetivo e o objetivo.
Schlegel, embora por um lado tenha observado o caráter social do gênero ao notar
uma “tendência à ironia”, acentua por outro a ‘profundidade’ do sentimento objetivo,
que corresponderia, neste caso, ao indireto e não revelado. Se, por um lado, os
românticos concedem uma amplitude à subjetividade, ao fantástico e à ironia que
favorecem a sociedade e a mistura com o “Märchen”, os realistas concentram-se no
acontecimento como tal para devolver à realidade da natureza e à sociedade o seu
próprio equilíbrio; em ambos os casos a narrativa novelística se desenvolve na
concentração do caso isolado (Einzelfall), cujo significado se forma, na maioria das
vezes, em uma poética simbólica. Expressões como motivo (Leitmotiv), silhueta
Teoria e História Literária
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(Silhouette) ou peripécia (Wendepunkt), servem apenas para parafrasear uma
tendência de estilo que destaca o acontecimento único em sua expressividade
particular que alcança, por meio de seu significado subjetivo, uma validade objetiva, é
o que, em linhas gerais, o Realismo poético busca e se verifica na novela em questão.
É a partir do reconhecimento da presença da representação de dois modos de vida
opostos, do artista e do burguês, e também da tentativa de uma definição de novela
que contribua para justificar a escolha do gênero por toda uma geração de autores, é
que pretendemos localizar a perspectiva de análise da novela de Storm, investigando a
retomada desse tema, romântico, pela geração de autores realistas alemães.
Fernanda Andrade do Nascimento Alves
Universidade Estadual de Campinas
VIOLÊNCIA E PISTOLAGEM EM TRÊS ROMANCES LATINO-AMERICANOS
Como contar o medo nas grandes cidades da América Latina? É essa a pergunta feita
por Susana Rotker na introdução de "Ciudadanías del miedo". Rotker menciona um
importante texto construído com os corpos cidadãos: as cifras de mortos na Colômbia
e no México, dados alarmantes sobre a violência nas grandes cidades. Como contar
fenômenos violentos, como narrar a morte de imigrantes ilegais, de "mulas" no
México? É o questionamento proposto por Rossana Reguillo em seu artigo "Textos
fronterizos". Como narrar a realidade? De outra forma. Estas são a pergunta e a
resposta formuladas por Rafael Lemus em sua forte crítica à narrativa do Norte do
México na revista "Letras Libres", texto que provocou muita polêmica e incitou muitos
respostas, como a do escritor mexicano Eduardo Parra. Como contar? De acordo com
os três exemplos citados, esta parece ser uma indagação que atravessa distintos
discursos críticos que se propõem a refletir sobre a relação entre literatura e violência,
entre literatura e realidade. E a palavra "como" chama aqui a atenção. Contar parece
ser um fato. Conta-se a violência como se houvesse algo que impulsionasse os autores
à narração de acontecimentos violentos. No entanto, a pergunta que se repete é:
como proceder a essa narrativa? Como dar forma ao real, como ordenar o que parece
impossível de ordenar? Talvez nessa tentativa de ordenação e representação haja
fracassos e êxitos. Como contar? A partir de diferentes gêneros, de diferentes pontos
e vista e também de diferentes regiões geográficas. Não é fácil tomar partido:
literatura de mercado, que segue normas editoriais, que quer agradar o público leitor e
que converte o excesso da violência em espetáculo? Ou, ao contrário, literatura
voltada a seu tempo histórico, que não encontra outra saída a não ser abordar uma
Teoria e História Literária
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realidade que compete ao autor? Representação precária da violência? Estetização da
pobreza e da marginalidade? Estas são algumas perguntas que rondam o tema de que
quero tratar nesta comunicação. Meu objetivo é pensar como os gêneros escolhidos
pelos escritores refletem o gesto dirigido ao Outro, como se plasma na forma narrativa
um olhar ao marginal. Em "Para não dizer que não falei do samba", Alba Zaluar (1998,
p. 248) desenvolve uma interpretação significativa para a leitura que quero fazer aqui.
A socióloga comenta como o adjetivo "violento" é usado geralmente para falar do
outro, apontando que, em algumas cidades, "o crime e a violência são como um
artifício ou idioma para pensar o outro". Desse modo, elegi autores que me despertam
muitos interrogantes: questiona-se a qualidade literária de seus escritos, questiona-se
o ponto de vista ético a partir do qual escolhem contar a violência. Trata-se da novela
"O Invasor" (2002), do escritor brasileiro Marçal Aquino, do romance "Rosario Tijeras"
(1999), do colombiano Jorge Franco, e do romance "Un asesino solitario" (1999), do
mexicano Élmer Mendoza. A intenção é verificar como cada autor, desde sua
cartografia literária específica, trabalha o tema da violência e se é possível propor
algum tipo de aproximação entre mundos ficcionais distintos. Não se busca apagar
diferenças e especificidades do problema da violência em cada cidade que constitui o
espaço das narrativas. Mas, considerando as particularidades que configuram o
fenômeno em São Paulo, Medellín e Culiacán e afastando uma vontade
homogeneizadora, é possível considerar que os autores tocam realidades que têm
algumas características comuns, que chamam a atenção para fenômenos que estão se
desenvolvendo em várias partes do continente ao mesmo tempo. Em que coincidem
estes textos? Todos se constituem em torno de um personagem emblemático: um
pistoleiro, um sicário. Embora no Brasil não se utilize o termo sicário para empregado,
como atualmente no México e na Colômbia, a figura do assassino de aluguel está
presente nos três países. Trata-se de uma forma de delinquência muito particular, que
interessa por sua representação literária. Os três romances se localizam no território
do crime. Em "El cuerpo de delito. Un Manual", Josefina Ludmer define a importância
do delito como elemento fundador de relações sociais, culturais e econômicas, como
noção articuladora, "una constelación que articula delincuente y víctima", isto é, que
"articula sujetos: voces, palabras, culturas, creencias y cuerpos determinados. Y que
también articula la ley, la justicia, la verdad, y el estado con esos sujetos", como "una
frontera cultural que separa la cultura de la no cultura, que funda culturas, y que
también separa líneas en el interior de una cultura. Sirve para trazar límites, diferencia
y excluir. Con el delito se construyen conciencias culpables y fábulas de fundación y de
identidad cultural. [...] una frontera móvil, histórica y cambiante (los delitos cambian
con el tiempo), no sólo nos puede servir para diferenciar, separar y excluir, sino
también para relacionar el estado, la política, la sociedad, los sujetos, la cultura y la
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literatura." (LUDMER, 1999, p. 14). Embora o "corpus" com o qual trabalha Ludmer
seja muito distinto do meu, tomo de sua reflexão essa categoria com o intuito de
pensar o delito, a violência como elemento mediador das relações que se estabelecem
nas tramas e no tecido social armado nas três obras, delito que permite a trajetória de
ascensão ou queda dos pistoleiros e que também marca a relação entre "eles" e "nós",
ou seja, as diferenças que se fazem notar entre os personagens oriundos das margens
e aqueles que habitam os bairros elitizados das urbes.
Guaraciara Roberta Loterio
Universidade Estadual de Campinas
VERACIDADE : CONFISSÕES, CORPOS E TESTEMUNHOS NA BERLIM DE WALTER
BENJAMIN
Em Ibiza no ano de 1932, a pedido de um jornal, Walter Benjamin dá início a uma de
suas primeiras tentativas autobiográficas. Esta receberia inicialmente o título de
Crônica Berlinense, discorrendo acerca de suas experiências e perspectivas infantis. De
acordo com Bernard Witte e Susan B. Winnett, esta tentativa autobiográfica
benjaminiana, escrita primeiramente em forma de narrativa contínua, tardiamente
daria origem a coleção de histórias curtas que levaria o nome de Infância em Berlim
por volta de Mil e Novecentos (Witte, Bernard & Winnett, Susan B. Paris – Berlin –
Paris: Personal, Literary, and Social Experience in Walter Benjamin’s Late Works., 1986,
pp. 49-60). Nesse momento, aconselhado por seu amigo Gershom Scholem, Benjamin
parece retirar toda e qualquer referência biográfica de seus escritos, a fim de não
torná-los tão suscetíveis a “mal-entendidos” (Benjamin, Walter. Correspondência,
1993, p. 40). Tal ato abriria espaço para uma leitura histórico-política mais ampla do
século XIX, dirigindo autores como Willi Bolle à ênfase de que Benjamin, assim como
Baudelaire, inauguraria um gênero intitulado "tableau urbano". Este se configuraria
como a narrativa moderna acerca da grande cidade. (Bolle, Willi. Fisionomia da
Metrópole Moderna, 2000). A escritura de Infância em Berlim é marcada por um
período de profunda crise pessoal e profissional para o autor: este se sentia desiludido
e incapaz de encontrar audiência simpática a seus escritos, em meio ao fortalecimento
do regime fascista. Foi precisamente neste período que adquiriu tabletes de morfina e
considerou seriamente acabar com sua vida após o 40º aniversário, em 15 de julho de
1932 [tal resolução, contudo, só viria a cabo em Portbou em 27 de setembro de 1940].
Ao invés do suicídio, Benjamin opta por embarcar no trabalho de reminiscências,
“escavando” suas memórias infantis – fato que soa pouco acidental. Há certa
Teoria e História Literária
250
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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significância nessa revisão, como Benjamin mesmo escreve em uma das cartas
endereçadas à Scholem em 26 de setembro de 1932: “[...] recordações de infância –
que você já terá percebido não tratar-se, de forma alguma, de relatos ao modo de
crônicas e sim de uma ou outra expedição às profundezas da memória [...]”(Benjamin,
Walter. Gesammelte Schriften Vol. II. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1977, p. 1064).
Fruto de um período de crise, os escritos que compõem Infância em Berlim por volta
de 1900 entrelaçariam cacos de uma vida pessoal e imagens fugidias de um século em
ruína. A organização de tais textos é regida pela descontinuidade, sendo que cada
pequeno fragmento remonta uma espécie de fantasmagoria epifânica: a recordação
de momentos da infância vem à luz por meio do momento presente, no qual o autor
evoca a memória. Inspirado pelo modelo de Proust, Benjamin apodera-se de sua
história pessoal à medida a narra. Contudo, diferentemente deste mesmo autor,
apenas é capaz de resgatar os fragmentos de seu passado a partir da abertura de sua
espacialidade, ou seja, através da retirada de traços diretamente biográficos. Em
Infância em Berlim Benjamin assume verdadeiramente sua afirmação de “não utilizar o
‘eu’, exceto em cartas” a fim de fragmentar este mesmo ‘eu’, expandindo a sua
espacialidade e permitindo que esta seja permeada pelos ecos de um século que
sucumbe a uma esfera política instável. Mesmo que Benjamin não aponte
explicitamente, fica claro que a experiência que determina o Gestalt de Infância em
Berlim é a de morte. Como diria Derrida alguns anos mais tarde, Benjamin queima o
‘eu’ e busca capturar a si mesmo dentro da história de todo um século, tornando-se “a
cinza” a fim de denunciar a si, a verdade de si e de toda uma época, efetuando um
gesto “confessional” por meio do rompimento, do “queimar” – e não apagar – a
consistência do eu (Derrida, Jacques. Cinders. Londres: University of Nebraska Press,
1991). Também Gerhard Richter parece enfatizar que o desaparecimento da primeira
pessoa em Infância em Berlim está vinculado a uma nova maneira de se auto-retratar
inaugurada por Benjamin, a qual privilegiaria um "corpus" ante o "corpo" do autor. Tal
corpo, de fato, apenas seria apreendido por Benjamin através de uma escrita
fragmentária do si mesmo, identificado em sua alteridade. (Richter, Gerhard. Walter
Benjamin and the Corpus of Autobiography, 2000). Contrariamente, todavia, Carla
Milani Damião em seu trabalho Sobre o Declínio da Sinceridade: Filosofia e
Autobiografia de Jean-Jacques Rousseau a Walter Benjamin enfatiza que não se deve
vincular Infância em Berlim à escrita autobiográfica. Isto, tendo em vista que Benjamin
não obedeceria à cronologia tradicional dos relatos autobiográficos, cuja a narrativa
segue as etapas: "nascimento-infância-juventude-idade adulta". (Damião, Carla Milani.
Sobre o Declínio da Sinceridade: Filosofia e Autobiografia de Jean-Jacques Rousseau a
Walter Benjamin, 2006). Como Damião, Manuela Günter afirma que Benjamin
efetuaria a construção de um "anti-sujeito", no sentido individual, fazendo sumir o
Teoria e História Literária
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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sujeito-herói-personagem ou o sujeito-narrador, colocando em xeque a esfera
autobiográfica. (Günter, Manuela. Zur Subversion Autobiographischen Schreibens bei
Siegfried Kracauer, Walter Benjamin und Carl Einstein, 1996). Inúmeras conjecturas
permeiam os relatos presentes em Infância em Berlim por volta de 1900, levando
teóricos a se questionarem acerca do caráter pessoal e referencial do sujeito
benjaminiano em tais fragmentos. Para alguns, como Bolle e Richter, ainda que dados
biográficos e a referência direta ao 'eu' sejam suprimidas, existiria na obra traços
autobiográficos. Para outros, como Damião e Günter, não se pode falar em
autobiografia, uma vez que estes mesmos elementos, os quais engajariam aquilo que
se compreende como "pacto autobiográfico", teriam se esvanecido. Em minha
comunicação pretendo discorrer sobre esta controvérsia, tendo como base a maneira
como Benjamin busca desarticular a esfera autobiográfica, rompendo com os aspectos
meramente confessionais de seus escritos. Em seguida, busco denunciar de que modo
tal rompimento possibilita uma abertura para o caráter histórico- testemunhal que
permeará a obra e expandirá as noções daquilo que se compreende por ‘sujeito
benjaminiano’ e ‘autobiografia’ a partir de então.
Guilherme Zubaran de Azevedo
Universidade Federal de Minas Gerais
HISTÓRIA E MEMÓRIA EM GRANDE SERTÃO:VEREDAS E EM A MENINA MORTA
A proposta de trabalho a respeito do romance brasileiro contemporâneo tem como
objeto de pesquisa os relatos romanescos que evidenciam momentos traumáticos da
experiência pretérita do país. O foco da análise se concentra em narrativas tecidas pela
atividade da memória, da rememoração, pelas quais se vislumbram histórias de
sofrimento capazes de desnudar a fragmentação das instituições e dos valores da
cultura nacional. Essa temática se materializa a partir da análise comparativa dos
romances Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa (2006), e A menina morta, de
Cornélio Penna (2009), ambos publicados na década de 1950. Realizar uma
comparação entre estas duas obras se justifica, na medida em que mobilizam, pelo fio
da memória, vivências dolorosas relacionadas com momentos do passado nacional.
Essa proposta de análise tem como fundamento teórico a hipótese, conforme Jaime
Ginzburg (2012), segundo a qual as instituições políticas e sociais brasileiras se
constituem a partir da mobilização de ações violentas. Tal perspectiva constrói um
olhar a respeito da literatura baseado na dicotomia do trauma coletivo - relacionado a
determinado impacto sofrido por um grupo social ou mesmo toda sociedade - e da
Teoria e História Literária
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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melancolia, materializada na precariedade de sujeitos históricos em superar perdas
coletivas. Esses dois elementos configuram um tipo de forma literária marcada por um
descentramento e uma espessura temporal. O evento traumático diz respeito a uma
situação limite, caracterizada por um excesso de realidade que se choca com a
capacidade de percepção ou recepção do sujeito. Esse real traumático, de acordo com
Seligmann-Silva (2003), é compreendido como uma ferida capaz de desestabilizar as
condições da consciência e da memória de um sujeito, cuja enunciação sofre um
processo de limitação, tornando problemática a própria representação da realidade
violenta. Assim, segundo Jaime Ginzburg, o processo de extrema violência provoca
uma dupla desarticulação: de um lado, o próprio sujeito é colocado diante de suas
insuficiências e, de outro, a realidade mirada se torna desordenada. Portanto, há um
elemento lacunar calcado na incapacidade de uma recordação total do fato, visto que
este é da ordem do inenarrável e do indizível, isto é, diante de uma experiência de
extrema violência, a língua se torna insuficiente para representá-la. Há dois aspectos
fundamentais que se relacionam com a problemática da violência e do trauma: a
memória e a forma literária. Em relação ao primeiro elemento, observa-se que os dois
romances – Grande sertão: veredas e A menina morta narram eventos momentos da
vida pretérita do país. No entanto, a historicidade presente nas narrativas não revela o
contexto social de forma totalizante, ou seja, não há uma representação completa da
vida nacional da época; ao contrário, o papel mnemônico repousa na fragilidade, como
explica Jeanne Marie Gagnebin (2006), dos rastros do passado que se articulam num
jogo entre recordar e esquecer. São pequenos relampejos ou intermitências que
revelam experiências do patriarcalismo e do mandonismo que narram situações de
violência e trauma por meio das quais as vozes emudecidas encontram um canal de
enunciação. A forma literária se configura pela desintegração das formas tradicionais
de narrativa. Segundo Walter Benjamin (1994), a desorientação do mundo moderno,
decorrente do declínio da experiência, encontra na finitude da personagem
romanesca, presente em sua trajetória, uma fonte de sentido. Agrega-se a isto a crise
do Realismo, explicada por Adorno (2003), materializado na posição do narrador, cuja
atividade não consegue representar a objetividade épica, o que evidencia o
tratamento da vida sem o domínio das categorias éticas e comportamentais
tradicionais. Esses conceitos romanescos servem como instrumentos de análise dos
romances Grande sertão: veredas e A menina morta. Assim, os narradores dessas
obras, marcados pela crise mimética, se constituem como parâmetro de comparação,
na medida em que absorvem os elementos do mundo social. Essa configuração
romanesca narra as historicidades relativas à formação das estruturas políticas e
sociais brasileiras. Em primeiro lugar, é importante observar a constituição da família
patriarcal. Nesse momento, impõe-se o diálogo com os autores como Sérgio Buarque
Teoria e História Literária
253
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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de Holanda (1976) e Gilberto Freyre (1963). Em Raízes do Brasil, o mundo familiar se
forma no meio rural, no qual a ordem provém da autoridade dos senhores de
engenhos; seu pátrio poder torna-se o sustentáculo do quadro familiar, de modo que o
seu exercício, quase tirânico, consolidou esse sistema a qualquer corrosão externa.
Assim, o familismo marca a vida social do país, fundando os mandonismos locais e
concretizando o predomínio da esfera privada sobre a pública. A ética da cordialidade,
que guia as ações a partir de um fundo emotivo, surge no contexto da grande família
brasileira. A família e o mundo rural constituem o núcleo de A menina morta e Grande
sertão: veredas. Sob esse cenário, forma-se a fazenda do grotão, onde impera o
interdito imposto pelo patriarca para os agregados e escravos; e o sertão rosiano em
que se desenvolve a luta entre os grupos de jagunços e os setores da ordem pública.
Em ambas as obras, o exercício da violência é representado como uma instituição da
vida social nacional, expressada nas cenas de batalhas, na escravidão, na interdição do
outro e na condição precária dos escravos. Esse quadro compõe uma perspectiva da
formação da sociedade brasileira distinta da posição positiva de Gilberto Freyre a
respeito da colonização portuguesa e do patriarcalismo. Há, assim, um contraste entre
as duas obras literárias e o ensaio sociológico de Freyre, no qual aquelas apresentam
as fazendas e as casas grandes como lugares de servidão e violência (BOLLE, 2004;
SANTOS, 2004). Portanto, o trabalho procura problematizar as historicidades
representadas pelos romances Grande Sertão:veredas e as A menina morta a partir
das noções de violência e trauma a fim de evidenciar experiências de grupos sociais
subalternos.
Isabel Cristina Domingues Aguiar
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"
RETRATO DO BRASIL E PAULO PRADO: UM ESCRITOR NO ENTRE-LUGAR
Longe de qualquer pretensão dogmática, Paulo Prado definiu sua obra como ensaística
e reinvidicatória por mostrar o desequilíbrio entre o modelo europeu e a realidade
local a partir de uma visão não unitária ou categórica, fazendo com que sua obra se
distanciasse da crítica cientificista de fins do século XIX. A visão fragmentária de Prado
dialogará com pensadores, poetas de seu tempo e de outros tempos sendo impossível
encaixá-lo em doutrinas e saberes, salvo o posicionamento do autor como intérprete
do Brasil ao lado de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. O autor de Paulística
(1925) e Retrato do Brasil (1928) se empenhava em buscar as raízes da formação da
nacionalidade brasileira atribuindo à cobiça e a luxuria do colonizador português,
Teoria e História Literária
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somado o Romantismo do século XIX, a grande responsabilidade pela degradação do
caráter do povo brasileiro. O objetivo deste artigo é trazer à cena uma reflexão acerca
dos conceitos de cultura e literatura presentes no livro Retrato do Brasil: ensaio sobre
a tristeza brasileira. Interessa-nos observar que maneira o autor vivenciou a tensão
entre a relação centro-periferia, a constatação do atraso e a necessidade de
renovação, que se refletiu no apoio ao movimento modernista de 1922. Para isso, o
fundamento metodológico será o ensaio “O entre-lugar do discurso latino-americano”,
de Silviano Santiago que a partir dos pressupostos dos Estudos Literários e dos Estudos
Culturais desenvolve dois conceitos que aqui nos interessa: a transdisciplinaridade e o
“entre-lugar”. O conceito de transdisciplinar vai ao encontro do aspecto múltiplo
ressaltado na figura de Paulo Prado e é determinante para entender sua obra não
como miscelânea de saberes, mas como forma unitária de analisar, entender e (re)
interpretar a realidade. Já a idéia de entre-lugar é atribuída ao caráter reinvidicatório,
mas não partidário do discurso pradiano que busca um lugar no mundo da cultura, da
literatura, da política, diferente do lugar europeu. A biografia de Paulo Prado nos
mostra o quanto valorizou as artes e cultura em geral. Tendo vivido na Europa a
efervescência intelectual, Prado a julgava como parte decisiva para a mudança de uma
sociedade que se encontrava alheia ao processo de modernização evidenciado em
outros países. Daí, na inovação cultural justifica-se o apoio principalmente financeiro
dado ao grupo modernista de São Paulo. Em Nacional Estrangeiro, Sérgio Miceli
enfatiza a importância do apoio de Paulo Prado para o sucesso do movimento
modernista de 22, já que estamos nos referindo a um respeitado nome da sociedade
aristocrata conservadora da época. Contudo, a adesão do autor ao Modernismo não
institui uma mudança radical e ideológica como ocorreu com outros participantes da
Semana de Arte Moderna, ao contrário, Paulo Prado permaneceu na fronteira entre o
conservadorismo x modernismo, o tradicional x inovador, tanto que conseguiu
escrever o clássico livro Paulística ao mesmo tempo em que iniciava a atividade de
mecenas do movimento. O paradoxo tradicional x moderno está presente na figura de
Paulo Prado, no grupo que financiou e em parte pode explicar a tensão do autor frente
à impossibilidade de modernização. Porém, o objetivo de Paulo Prado vai além da
constatação da desigualdade, em Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira
(1928), encontramos uma reflexão acerca do caráter nacional brasileiro a partir dos
males de sua origem, da herança melancólica unida à cobiça e à luxúria da época
colonial. Longe de uma visão totalitária e superficial Retrato do Brasil é escrito com o
intuito de ser um ensaio interpretativo a mais para o entendimento da formação do
caráter do brasileiro. Retrato do Brasil se compõe de duas partes escritas em
momentos distintos da vida do autor, sendo que a primeira relaciona-se ao ensaio
propriamente dito, o qual se divide em quatro capítulos – A Luxúria, A Cobiça, A
Teoria e História Literária
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Tristeza e O Romantismo – os quais seriam as mazelas que o Brasil acumulou nos
séculos de exploração portuguesa. Posteriormente, Paulo Prado incorpora o Post-
Scriptum ao livro para explicar as pretensões que teve com o ensaio, rebater as críticas
dos defeitos de sua tese e agradecer pelos lapsos apontados e que foram corrigidos
para a nova edição. A tese defendida ao longo do Retrato diz respeito à idéia de que
haveria graves defeitos na formação do brasileiro que, consequentemente,
interferiram na constituição da nacionalidade do país. Segundo Paulo Prado, a
formação do brasileiro a partir do cruzamento de três raças tristes – o português, o
negro e o índio – aliada ao contato com o clima intenso do país criaram um estado
permanente de melancolia excessiva que dificilmente pode ser transpassado. É
possível afirmar que a defesa de Paulo Prado ao caráter não-regionalista de Retrato do
Brasil seja um receio que esta obra seja julgada pelos critérios de Paulística, livro este
que reúne ensaios escritos em meio à agitação modernista de São Paulo e que foram
publicados originalmente pelo autor no jornal O Estado de S. Paulo. O exercício
interpretativo realizado nesse estudo permitiu levantar algumas questões
interessantes da obra Retrato do Brasil, a análise proferida pelo autor e a solução dada
no Post Scriptum, à percepção da inadequação entre o modelo europeu e a realidade
brasileira, a preocupação de Paulo Prado com a tese idéia de um corpo social sofrendo
de uma patologia que lhe impedia de crescer, enfim, todas as questões aqui
posicionadas nos levam a pensar no impasse/ tensão que diversos intelectuais, assim
como Paulo Prado vivenciaram.
Jacimara Vieira dos Santos
Universidade Federal da Bahia
AS NAUS E TERRA PAPAGALLI: DERRISÃO E IRONIA NA DESSACRALIZAÇÃO DA
VEROSSIMILHANÇA
A obra do escritor português António Lobo Antunes é multifacetada e complexa,
assumindo uma relação bastante particular com a gramática e instaurando formas
peculiares de pontuação. Excedendo o plano estrutural da escrita, o autor admite não
se prender às fronteiras dos gêneros literários, e As naus parece comportar
substancialmente essas marcas, além de trazer uma retomada de episódios históricos
numa rede de associações compositivo-ficcionais sob o crivo da paródia e do humor.
José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta têm uma produção literária
marcadamente intertextual e paródica em que o humor aparece como uma categoria
importante que imprime densidade crítica sob as máscaras do riso fácil. Os autores
Teoria e História Literária
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brasileiros trazem em Terra Papagalli, uma paródia do Descobrimento do Brasil,
esfacelando as fragilidades da sua suposta coerência e verdade inscritas na história e,
paralelamente, revelam cronologias superpostas que perfazem intermediações entre o
passado e o presente. Este trabalho procura desenvolver um estudo comparativo
acerca dos romances, examinando a estratégia retórica que nestas composições
literárias movimentam a categoria do real e do verossímil. As naus descreve, nas rotas
propostas por seu narrador, percursos insólitos que ultrapassam a realidade conhecida
e renovam as possibilidades ficcionais, acrescentando-lhe desafiante frescor e
reverberação. Deflagra, por outro lado, olhares que pendem para carnavalizações,
realces burlescos, elementos irônicos que desconsertam e abalam certezas, ordens e
verdades, em oscilantes ondas de humor contido e em maremotos que desordenam os
tempos e a cronologia. Em Terra Papagalli observa-se que a terra representa, também,
o lado telúrico confluindo com o geopolítico. Neste romance a história do Brasil é
contada a partir do prisma de um degredado (Cosme Fernandes), também desfazendo
a megalomania nacional dos grandes nomes e dos grandes homens e, mesmo, de uma
narrativa grandiloqüente. Os romances As naus e Terra Papagalli subvertem, por meio
da linguagem literária, as referencialidades do real e do verossímil, mobilizando a
ironia e a derrisão para conduzir novas formas de apreensão das narrativas históricas.
Desta forma, profanam e dessacralizam os princípios que as fundamentam,
transitando no terreno da ambigüidade que consigna o estatuto do conhecimento
artístico; mais precisamente, do romance. Há uma subjacente incitação à retomada do
passado em ambos os romances que, num certo sentido, contraria o tempo atual,
ocupado em exaltar o agora e pouco afeito a incentivar o conhecimento do passado
para reavaliá-lo. A ressonância advinda do passado é operacionalizada, nas obras
literárias focalizadas, por meio de distensões, intermitências, conexões e
superposições temporais que às vezes aparecem sob forma labiríntica, mas não
perdem o nexo para uma interpretação do presente. Partindo dessas leituras, a dicção
do humor a que alguns autores recorrem descreve caminhos críticos, trilhando a ficção
e a história sob modos ficcionais modernos que instauram um labor imaginativo com
os fantasmas da memória do país. Imagens nonsense, absurdas, fantásticas e
fantasmagóricas surgem em paralelo ao que é concebido como realidade e verdade
histórica, tanto em As naus quanto em Terra Papagalli, desencadeadas por contornos
burlescos, grotescos, risíveis, caricaturais, cômicos e irônicos conforme se
particularizam em cada obra, enquanto desafiam a ordem natural das coisas conforme
postulada pelo real. Ao focalizarem-se os percursos narrativos de António Lobo
Antunes em As naus; e dos autores José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta em
Terra Papagalli, nota-se que as obras passam, invariavelmente, pela memória nacional,
respectivamente, de Portugal e do Brasil, em que se vislumbram formas distintas de
Teoria e História Literária
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humor, em semelhante processo de derrisão. Devido, portanto, às particularidades das
obras e de seus respectivos autores, intuí-se que o riso latente na obra brasileira
assume uma disposição eufórica, que se externaliza - e aberto e largo se mostra à
primeira vista; - ao passo que a obra do escritor português sustenta um riso de aspecto
disfórico, interiorizado e incluso em si mesmo. Assim, o fato a se destacar em princípio
é que, embora as obras se constituam na pontuação do interdito, o fazem por
caminhos – e conseqüente geração de sentidos – opostos. Em ambos os casos, as
modalidades de riso perceptíveis nos romances são críticas e contestadoras,
permeadas por recursos retóricos instauradores de estados de tensão cômica. Não
obstante, os cruzamentos cronológicos de ambos os romances citados conferem vários
status ao passado e dão um caráter de deslocamento ao presente, evidenciando a
necessidade de manter a atenção frente à questão do tempo nos romances. Procura-
se evitar a generalização de tomar os romances enquanto busca nostálgica do passado
histórico, mas vislumbrar que há, neste movimento, um esforço de negação crítica de
certas versões e uma retomada criativa de marcos histórico. Expressa na
ficcionalização, essa retomada passa a se constituir num elemento insurgente que
projeta leituras importantes, indicando, também, que uma investigação das relações
complexas entre Literatura e História demanda o questionamento acerca de formas de
poder, discurso e política, cognição e controle social, no passado e na
contemporaneidade. O exame da ambivalência existente sob o riso, a comicidade e os
procedimentos irônicos, mostra-se, nesta perspectiva, relevante.
Josilaine Cátia Gonçalves
Universidade Estadual de Campinas
A CONFIGURAÇÃO DO TEATRO DE HILDA HILST NA INTERPRETAÇÃO HERMENÊUTICA
O estudo minucioso da obra teatral de Hilda HiIst pela perspectiva filosófica da
hermenêutica pode permitir uma melhor compreensão sobre as características de sua
escrita. Ainda mais, por se tratar de uma obra de grande complexidade. Portanto a
análise de um conjunto de princípios relacionado à tragédia e à comédia, à fala, à
escrita, ao sistema de enunciação e enunciado e a própria constituição da linguagem
poética, podem se constituir em recursos relevantes para apreender as características
de sua escrita. Ao analisar o detalhamento de uma obra temos uma maior facilidade
de acesso à totalidade dos escritos. Deste modo, esta pesquisa tem como base a
interpretação filosófica fundamentada nos estudos do trágico, do cômico e do
tragicômico, na abordagem teórica de Ricoeur (1997) sobre a interpretação do texto
Teoria e História Literária
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literário de Hilda Hilst. Utilizaremos essas bases conceituais com a proposta de
desvendar a tessitura teatral que a dramaturga compôs, e elucidar a “mistura de
gêneros” através do emprego de elementos recorrentes da tragédia e da comédia na
peça A Empresa (também chamada de A Possessa). Reflexões críticas precedentes
sobre a dramaturgia hilstiana nos parecem ainda pouco difundida nos meios
acadêmicos, em termos de uma crítica acadêmica regular, sendo que essa constatação
deve-se em parte a quantidade de textos produzidos em torno da singularidade de sua
obra teatral, assim como sua linguagem de difícil acesso e ao legado reconhecimento
do valor artístico dos textos aos encenadores. Levando em consideração a
complexidade de sua obra, o presente trabalho limita-se a discutir alguns grandes
eixos de reflexão que continuam a sustentar debates, uma vez que não formularemos
definições normativas do texto teatral. Apresentaremos questões para facilitar a
compreensão de um mundo dramático fecundo como o de Hilda e propor que sejam
considerados os aspectos tragicômicos apontados por esta proposta de trabalho. Com
a intenção de elucidar o trabalho a ser feito na interpretação dos princípios
tragicômicos na peça A Empresa, examinaremos o problema interpretativo do texto
teatral a partir da hermenêutica de Paul Ricouer, já que consideramos as reflexões de
Ricoeur pertinentes para a descrição do texto em seus elementos estruturais, para
então lançarmos um pouco mais de luz sobre alguns aspectos ainda mal delineados no
terreno comum entre o que o texto fala e como o texto se organiza na sua
composição. Trataremos das reflexões sobre a interpretação de uma obra artística
pelo viés filosófico, pois compartilhamos a ideia que este tipo de interpretação permite
a apreensão e a exposição dos termos e sentidos da linguagem poética da autora,
possibilitando a compreensão do mundo apresentado pela obra. Falaremos da
organização da estrutura textual, recorrendo à análise do texto teatral proposta por
Ryngaert (1996); na sequência, faremos uma reflexão sobre os termos, os sentidos e os
elementos pertencentes ao gênero tragicômico na peça A Empresa. Seguindo este
método teremos condições de compreender o mundo contido na obra teatral. O
objetivo central deste trabalho consiste em interpretar, a partir da perspectiva
hermenêutica de Ricouer a peça A Empresa de Hilda Hilst. Para tanto, algumas
questões são aqui levantadas: a - Como a filosofia interpreta uma obra literária, já que,
esta apresenta ao leitor os sentimentos e afetos humanos, e traz em suas entranhas
uma forma de conhecimento do mundo por meio da representação artística? b - De
que maneira é possível a leitura filosófica abordar o significado do enunciado e da
enunciação nos textos teatrais? c - Como a interpretação filosófica compreende a
dimensão poética da linguagem e a carga simbólica valorativa de um texto teatral?
Estas questões são motivadoras para a proposta deste trabalho, pois o diálogo com
hermenêutica permite a aproximação do texto teatral com a filosofia. Não se trata de
Teoria e História Literária
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uma identificação mecânica do pensamento que guia uma determinada obra artística,
pelo contrário, busca-se no reconhecimento filosófico da hermenêutica a dimensão
poética da linguagem, que serve de instrumento para a apresentação do mundo
contido na obra. A Hermenêutica é vista como uma Teoria ou Filosofia interpretativa –
capaz de tornar compreensível o objeto analisado, mais do que sua simples aparência
ou superficialidade. Deste modo, é função da prática interpretativa filosófica
demonstrar os termos apresentados na linguagem poética construída pelo autor, para
então levantar hipóteses sobre o mundo representado na obra artística. Neste sentido,
sugerimos neste trabalho a compreensão da linguagem poética presente no texto
teatral de Hilda Hilst, através de um aprofundamento do pensamento sobre os termos,
os sentidos, as formas e os processos teatrais vigentes em seu texto, para que
possamos levantar proposições sobre o mundo apresentado na obra. As condições da
existência humana e a expressão do mundo podem ser concebidas através da forma
estrutural do texto teatral - nas partes do texto, na fala, no caráter e no pensamento
das personagens, nas indicações cênicas, na organização e na composição - como um
organismo vivo pronto para ser desvendado pelo leitor.
Juliana Cristina Bonilha
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"
A REVISTA FEMININA (1915-1936) E A LITERATURA
Ainda no início do século XX, a partir de 1915, publica-se em São Paulo uma revista
endereçada às mulheres de todo o país: a Revista Feminina. Apoiada pela família, mas
principalmente por Cláudio de Souza, médico, teatrólogo e personalidade bastante
influente em São Paulo e no Rio de Janeiro, cuja roda de amigos compunha-se por
literatos ilustres como Coelho Neto e Olavo Bilac, Virgilina de Souza Salles, senhora
bem apessoada, educada nos melhores colégios baseados nos modelos europeus, cria
a Revista Feminina. O objetivo do periódico é o de criar uma revista que leve ao
mesmo tempo uma leitura baseada nos preceitos morais e que contribua para a
educação feminina, fornecendo, ao lado de artigos de entretenimento, páginas de
Literatura e Cultura. É desta forma que estrutura-se um periódico de mais ou menos
40 páginas, colorido - inovação possibilitada através do desenvolvimento das técnicas
de impressão e diagramação da imprensa. Pleno de propagandas e artigos o periódico
cumpria a função almejada por Dona Virgilina: instruir e entreter a mulher brasileira.
Apesar de a publicação da Revista Feminina se efetivar em São Paulo, era transportada
para todo o país, o que facilitou uma difusão geral e uma fidelização de suas leitoras.
Teoria e História Literária
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Em outras palavras, a revista se populariza dentre as senhoras da elite brasileira. Dado
curioso era que quem assinava a Revista tinha o direito de colaborar numa seção do
periódico, intitulada "Jardim Fechado". Assim, as leitoras de diversas partes do país,
podiam dialogar através de cartas ou publicar seus escritos - como poesia e contos -
além de mostrarem seu talento. Porém, em 1918, a morte da diretora do periódico por
motivos de saúde, surpreende a família Salles. A partir de então, assume a direção da
Revista João Salles, o marido de dona Virgilina. O perfil da Revista sofre poucas
variações, mas significativas: se antes as páginas continham bastantes textos de ficção,
agora mantinha um enfoque maior nas atividades domésticas, o que mostra a visão
ainda conservadora dos homens da época. È só após alguns anos que outra mulher
assume a direção do periódico: Dona Avelina de Souza - filha do casal - recém formada
colégio interno de renome na sociedade – o Colégio de Sion. Com sua entrada, a
Revista ganha novas nuances: notam-se muitos textos que traduzem uma mulher que
começa a lutar por direitos e muitos textos direcionados à educação dos filhos, como
contos e peças teatrais infantis. Surge também um novo foco: a luta por direitos
igualitários, como por exemplo o caso do direito ao voto. Mas se a Revista passa por
momentos de transição, seu conteúdo, que traz uma mistura de tradição (dada o foco
da revista ser o de publicar conteúdos para uma mulher voltada à instituição familiar)
e ao mesmo tempo de modernidade (com a entrada de Dona Avelina, buscas por
direitos são incorporadas ao periódico) também revela uma sociedade e uma literatura
transitória. Outras questões desta transitoriedade também são perceptíveis na
publicação. Ao lado da preservação dos costumes tradicionais de São Paulo,
freqüentemente a Revista expõe, em suas páginas, textos de autoria estrangeira e
portanto, uma visão moderna que vinha do exterior. Isso reflete o que ocorria na
sociedade brasileira do período: havia uma impressão de que o continente europeu
era mais moderno em relação ao Brasil e esta suposta disparidade provocava uma
necessidade de buscar se atualizar. A convivência entre o local (o que é nativo e
portanto brasileiro) e o cosmopolita (aquilo que considerava-se moderno, relacionado
ao ambiente europeu) é tão intensa que se faz perceber através da leitura do
periódico: de um lado, existem textos que informam sobre a sociedade paulista e
brasileira; de outro, textos que trazem a Europa como assunto principal. Dentro deste
contexto, propõe-se, na tese em andamento em questão, a observação dos aspectos
de tradição e de modernidade do periódico, atentando-se para o fato de que seu
período de permanência na imprensa brasileira abrange 15 anos e que portanto,
antecede e depois ultrapassa o marco do Modernismo brasileiro. Propõe-se a análise
do corpus, mas especialmente um maior foco na Literatura nele presente, com o
intuito de confirmar que apesar de existirem toques de modernidade num âmbito
ideológico, há na verdade um grande apego à tradição, entendendo-se como
Teoria e História Literária
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significado para o termo não só a manutenção de valores culturais, mas também a não
antecipação de tendências na Literatura que seriam ponto de coincidência com o
Modernismo brasileiro. Constatando-se que a mulher (da elite) da época em questão
já tinha acesso à educação - que podia ser obtida em colégios e internatos - e
observando-se o panorama literário do período, caracterizado pela crítica literária
como um período de "literatura de permanência" (CANDIDO, 2000, p. 104) ou um
momento que antecede o Modernismo, decidiu-se analisar os textos presentes na
Revista a fim de perceber se tais textos confirmavam uma transitoriedade ou se
traziam nuances de um novo momento para a literatura, que viria a ser o Modernismo.
Para realizar esta análise, percorreu-se obras de historiografia literária, de história
geral, dentre outras tantas a fim de perceber a relação da Revista Feminina com a
Literatura.
Leandro Thomaz de Almeida
Universidade Estadual de Campinas
A LITERATURA NATURALISTA E SUA RECEPÇÃO CRÍTICA: DA MORAL AO IDEAL
CIVILIZADOR
A literatura naturalista não cansou de ver críticos que reprovaram seus romances,
pelas descrições minuciosas de ambientes considerados degradantes, pela insistência
deles em retratar elementos considerados indignos da arte ou por conta da ausência
de juízos críticos do narrador, que deveriam ser lançados a ações reprováveis dos
personagens envolvidos em ações consideradas menos nobres. Contudo, não obstante
esse permanente conflito entre autores e críticos do naturalismo, um dado se mostrou
comum no arcabouço teórico que sustentou suas posições: a preocupação com o
aspecto moralizante da literatura. A moral se constituiu um termo estruturante dos
discursos pró e contra a literatura naturalista. Estruturante, nesse caso, quer dizer que
muito da elaboração teórica do naturalismo e do fundamento para sua crítica seria
diferente caso a moralidade fosse elemento ausente das discussões. Quando
pensamos no maior teórico do naturalismo, Émile Zola, vemos que ele não poupou
esforços para procurar mostrar que seus romances não eram imorais. Antes, eles não
negariam a moral na medida em que eram verdadeiros e a verdade seria o fator
decisivo para o estabelecimento da moralidade. Diferentemente dos idealistas, que
segundo o escritor “crêem serem tão mais nobres, que se perdem ainda mais nas
mentiras da imaginação” (ZOLA, Oeuvres complètes, p. 824), “os naturalistas afirmam
que não se poderia ser moral fora da verdade” (ZOLA, O romance experimental e o
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naturalismo no teatro, p. 106). A exposição das chagas da sociedade, os caminhos para
superar a condição degradante dos trabalhadores, o retrato das condições de vida das
meretrizes, todos esses elementos, ao estarem presentes nos romances naturalistas,
contribuiriam com a atitude moral, objeto de disputa com os críticos. Segundo Halina
Suwala, a aposta zolaniana de retratar essas situações seria uma espécie de
“moralização indireta pela exposição lógica e poderosa da verdade” (SUWALA, Autour
de Zola et du naturalisme, p. 137). Quando passamos aos críticos, vemos a
impossibilidade de dissociar a questão moral dos condicionamentos que determinaram
sua apropriação do naturalismo. Ferdinand Brunetière, que criticou o que acreditava
ser uma degenerescência da arte sob o naturalismo, afirmou que essa literatura
achava mais fácil “dar a arte em pasto aos instintos mais grosseiros das massas que
elevar sua inteligência até a altura da arte” (BRUNETIÈRE, Le roman naturaliste, p.3).
Ele não está distante do que já dissera, em terras tropicais, o Visconde de Taunay,
quando este afirmou que os romances naturalistas “generalisam factos destacados e,
de um typo quase sempre mau e odiento collocado em circunstâncias especiaes,
inferem a feição, a expressão ultima e completa de uma classe, de uma sociedade
inteira e até de uma nação (TAUNAY, Estudos críticos II – Litteratura e philologia, p. 8).
Perceba-se a tônica do discurso crítico condenatório das páginas escritas por Émile
Zola ou Aluísio Azevedo, para falarmos de dois escritores emblemáticos do naturalismo
em seus países: tais romances alimentam “os instintos mais grosseiros das massas” de
um lado, ou enfatizam o “tipo mau e odiento” de outro. O fundo moral do julgamento
se evidencia. Assim, pelos discursos de Zola e dos críticos, malgrado as disparidades
entre eles, percebemos que se movem ainda em um terreno que não prescinde da
preocupação com o elemento moral. É a partir desse cenário que invoco alguns
exemplos, dois mais precisamente, que parecem sugerir o início de uma mudança no
discurso da crítica, uma mudança que parece querer realizar uma transição entre essa
preocupação com a moral e uma outra, mais afeita às mudanças sociais que
alcançaram a sociedade brasileira de finais do XIX. O primeiro desses exemplos é Silvio
Romero. Ao tratar da prosa de Émile Zola, ele fez uma crítica direta àqueles que
insistiram em apontar seu caráter supostamente imoral: “A mais importante objeção
opposta ao romancista de Médan é a velha lamuria da immoralidade de seus quadros”
(ROMERO, O naturalismo em litteratura, p. 11). Em sentido contrário aos dos
“lamurientos”, Romero parece mais interessado em tomar a literatura como veículo de
transmissão das recentes lufadas de ar trazidas pelos novos ventos científicos: “O
homem é um forçado que se liberta e sua arma de combate é a sciencia e é a
litteratura” (Ibid, p. 28). Literatura unida à ciência, com vistas a algum ideal de
emancipação humana e não como elemento de debate sobre a moral. Um segundo
exemplo pode ser Adolfo Caminha, capaz de elaborar de maneira bastante explícita
Teoria e História Literária
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em seus exercícios críticos o papel civilizador que esperava ver encampado pela
literatura. Ao comentar o que acreditava ser um cenário de minguada produção
literária no Brasil, Caminha reclamou também da qualidade das produções brasileiras,
em contraste com a realidade francesa: “A nova geração continua a fazer literatura por
simples diletantismo, sem ideal definido e civilizador” (CAMINHA, Cartas literárias,
p.21). O que traria à literatura brasileira um salto de qualidade seria uma mudança na
compreensão de seu papel por parte dos escritores por vir: “se a mocidade brasileira
compreendesse nitidamente o papel civilizador da literatura, a importância absoluta
da obra de arte, com certeza os seus esforços duplicavam” (Ibidem). Na pesquisa de
que este resumo procura ser síntese, intento flagrar o momento em que essa mudança
aqui ventilada passa a ser predominante, ainda que, com isso, não pretenda afirmar
que a moral tenha deixado de ocupar um espaço ainda significativo na avaliação da
prosa ficcional naturalista. Contudo, na boa síntese de Orna Levin, a partir da entrada
em cena do naturalismo, “o romance, gênero favorito da burguesia em formação,
ganha uma segunda finalidade, prática e utilitária, distinta do papel que até então
vinha desempenhando como fonte de educação moral e de entretenimento
doméstico” (LEVIN, Aluísio Azevedo: ficção completa em dois volumes, p. 22). Como
parecem apontar os críticos, essa finalidade prática e utilitária se ligaria a um ideal
civilizador, a partir do momento em que movimentos na sociedade brasileira
procuraram pensar a realidade local a partir da produção teórica e científica de países
estrangeiros. A confirmação dessa relação e um detalhamento maior dela é o próximo
passo que minha pesquisa pretende dar.
Leonardo Dela Coleta Baldi
Universidade Estadual de Campinas
A FIGURA FEMININA EM MOCIDADE MORTA
O final do século XIX brasileiro, em suas manifestações literárias, foi extremamente
rico e diversificado, e a contribuição do Simbolismo para tal panorama é inconteste.
Sem esconder suas raízes gaulesas, poetas e prosadores brasileiros partiram do que
nomes de peso da literatura francesa produziam naquele momento para, com
resultados os mais diversos, fundar e solidificar o movimento simbolista em seu país
natal. J.-K Huysmans, Villiers de l’Isle-Adam e outros baluartes do Decadismo e do
Simbolismo – além de autores não propriamente ligados a essas estéticas, como
Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Stéphane Mallarmé e Émile Zola – foram influências
decisivas para as criações de um Cruz e Sousa, um Alphonsus de Guimaraens, um
Teoria e História Literária
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Gonzaga Duque – este, autor de Mocidade Morta, considerado um importante marco
da prosa simbolista brasileira [PESSANHA, 2008], mas cujo valor documental e/ou
estético nem sempre tem sido percebido ou devidamente estudado. A figura de
Gonzaga Duque é indissociável do desenvolvimento da escola simbolista no Brasil,
dada sua participação na criação de revistas e sua atividade enquanto crítico de arte e
escritor. Fez parte do grupo organizado em torno da Folha Popular, ativo por volta de
1890 e 1892, considerado “o grupo simbolista mais antigo e o que lançou o movimento
e os manifestos iniciais”, do qual também fazia parte Cruz e Sousa [BROCA, 2005].
Gonzaga Duque também integrava o grupo que fundaria a revista Fon-Fon,
considerado o derradeiro grupo simbolista atuante no Rio de Janeiro [BROCA, 2005].
Como crítico de arte, além do balanço feito em A Arte Brasileira, fez comentários
acerca de importantes artistas seus contemporâneos, como Pierre Puvis de Chavannes
e Félicien Rops [DUQUE, 1997]. Como ficcionista, além do romance citado, também
deixou o volume de contos Horto de Mágoas, editado postumamente, “vasto painel
intimista de sensações orquestradas em sinestesia”, no dizer de Alexandre Eulálio
[EULÁLIO, 1989]. Em Gonzaga Duque, o ficcionista não se separava do crítico de arte.
Desse olhar experimentado é que talvez venham muitas das cenas empastadas de cor,
além de muitas relações entre elas e telas de pintores como Pissarro, Caillebotte,
Monet e outros [EULÁLIO, 1989]. O “pintar com palavras”, expressão simplificadora do
Realismo em literatura, é levado a outro patamar pela escrita de Gonzaga Duque. E é
como crítico de arte que vai comentar, em artigos inseridos em Graves e Frívolos, a
pintura de Rops e Puvis de Chavanne, evidenciando as características da figura
feminina pelo pincel de um e de outro. Foram escolhidas cinco personagens femininas
de Mocidade Morta: Henriette, a francesa cuja presença perpassa a narrativa; a mãe
de Camilo Prado; a Afrodite cuja chegada ele narra aos membros dos Insubmissos
reunidos na brasserie Havanesa (capítulo IV); a anônima que entra no bonde e provoca
no protagonista o “cruel exame da existência” (capítulo X); a virgem dilacerada da
narrativa de Camilo, que lê dela trechos para os sonolentos Agrário e Henriette
(capítulo XIV). O objetivo do projeto é comentar em que possível medida Gonzaga
Duque se valeu do imaginário decadista-simbolista com relação às mulheres para
compor essas personagens de alto valor simbólico para Mocidade Morta. Em DOTTIN-
ORSINI (1996), trabalha-se a ideia da mulher fatal segundo, entre outras fontes, a
literatura decadista-simbolista. O material recolhido pela autora é, em sua totalidade,
francês – incluindo Huysmans e Villiers de l’Isle-Adam, leituras constantes de Gonzaga
Duque. Entre suas constatações, encontra-se a de que a mulher-vampiro destrói o
poder criador do companheiro. O quanto Henriette – francesa de origem, mas
morando no Rio de Janeiro – encarna, de maneira diluída que seja, a mulher perigosa
para a inteligência, a honra e a alma do artista, aproximando-se assim, a despeito de
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sua linda fisionomia, da mulher à Rops, comentada por Gonzaga Duque? A presença de
Henriette é maciça ao longo de Mocidade Morta. As demais personagens femininas
anteriormente citadas, porém, como já mencionado, não podem ser ignoradas, uma
vez que se relacionam, inclusive, ao pensamento estético de Camilo Prado e à sua tão
sonhada reação ao estagnado panorama das artes nacionais – reação essa que leva em
consideração inclusive o Impressionismo francês. No entanto, a influência das
personagens femininas no ânimo e nas ações de Camilo, a quem a hiperestesia
huysmaniana não é estranha, o que elas poderiam representar para além de qualquer
“rasa literalidade naturalista” e possíveis fontes para sua composição não foram ainda
encontradas na fortuna crítica sobre Gonzaga Duque. A relação do autor com os
modelos literários que ele utilizava e transformava, como um precursor da
antropofagia oswaldiana, poderia ganhar subsídios com tais análises [DUQUE, 1995]. A
obra ficcional de Gonzaga Duque é pouco comentada, seja em suas relações com sua
própria época, seja com a modernidade artística que se segue ao período ainda hoje
chamado Pré-Modernismo. Cronologicamente, o romance de Gonzaga Duque não se
encaixa nesse período, pois sua publicação se deu dois anos antes que Canaã e Os
Sertões viessem à luz. Porém, considerada a inexatidão da expressão, não seria
exagero incluir Mocidade Morta nesse panorama de heterogeneidade estilística. As
análises pretendidas neste projeto têm por base a comparação entre temas e figuras
contemporâneas a Gonzaga Duque encontradas nas literaturas ficcional e crítica.
Procurar-se-ão, também, subsídios na área em que Gonzaga Duque atuou como
crítico, as artes plásticas, já que, no caso de Gonzaga Duque, é essencial o auxílio
trazido por elas, já que, para esse autor, como dito anteriormente, o crítico de artes e
o ficcionista andam lado a lado.
Luiz Maurício Azevedo da Silva
Universidade Estadual de Campinas
NO SECRETS TO CONCEAL: MARXISMO ÉTNICO EM HOMEM INVISÍVEL.
Em um célebre artigo, intitulado The future is black, o ensaísta norte-americano Mark
Dery evoca uma histórica afirmação de Greg Tate, muito familiar para os indivíduos
negros, segundo a qual “pessoas negras vivem a ostracização que os escritores de
ficção científica imaginam.” De fato, há um sistema social através do qual forças
simbólicas da ideologia dominante compelem os afro-americanos, enquanto a história
oficial procura defini-los como personagens inanimados, carentes de consciência
social, irremediavelmente conformistas e sempre dependentes de uma libertação que
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não virá senão através da ação benevolente dos homens brancos. Na tradição da
literatura norte-americana, não há demonstração mais nítida e expressiva da distância
entre o que se pensa que os indivíduos negros são e aquilo que eles, de fato, pensam
ser do que a descrita por Ralph Ellison, no romance Homem Invisível. Publicado em
1952, o livro aborda as agonias de um indivíduo negro em uma sociedade branca da
primeira metade do século XX. Utilizando-se de uma releitura do mito de Gyges, Ellison
construiu uma obra baseada no insight identitário do protagonista que percebe ser
invisível para os demais indivíduos. Essa metáfora da invisibilidade atravessa
inteiramente a obra como um tema universal encravado em uma realidade particular.
Logo no princípio da obra, o protoganista expressa sua contrariedade ao flagrar sua
condição: “Sou um homem invisível. Não, não sou um daqueles personagens de Edgar
Allan Poe; tampouco sou um ectoplasma de filme hollywoodiano. Sou um homem com
substância, um sujeito de carne, osso, fibras e líquidos e tecidos. Devo dizer: sou
portador de um cérebro. Sou invisível, entenda, simplesmente porque as pessoas se
recusam a me ver. Como esses personagens de circo, estou cercado por espelhos que
distorcem o que refletem. Quando as pessoas se aproximam de mim, veem somente
reflexos delas mesmas, fragmentos de suas imaginações. Enxergam na verdade tudo,
tudo, exceto o que eu sou.” Segundo Platão, Gyges era um pastor que encontrou
acidentalmente um cadáver portador de um anel de ouro que dava a seu dono o poder
da invisibilidade. Após roubar esse anel, Gyges percebe que pode, a qualquer
momento e em qualquer lugar, tornar-se, se quiser, invisível a todos. Dessa maneira,
ele consegue presenciar os diálogos de seus pares e pode flagrar o que se fala dele
durante sua ausência. O mito explora, portanto, as possibilidades práticas da
invisibilidade, os limites da privacidade e as máscaras sociais. Já em Ellison, essa
narrativa é utilizada no que possui de mais perturbador: o oferecimento da exploração
da impossibilidade de reversão de certas invisibilidades sociais. O narrador de Homem
Invisível, ao contrário de Gyges, é vítima de uma condição que jamais desejou e que
não pode alterar. A presente tese é um trabalho essencialmente bibliográfico, que
encontra seu sentido maior na dissecação interpretativa da obra de Ellison, à luz do
modelo de Black marxism, criado por Cedric Robinson, em 1983, no qual se diagnostica
a necessidade da ampliação do radicalismo ocidental para que este ofereça uma
resposta sociológica às questões raciais. O Black Marxism procura demonstrar que o
marxismo étnico não é uma colônia intelectual do pensamento marxista, mas uma
efetiva ferramenta que ilumina e amplia as problematizações das condições materiais
dos indivíduos negros. Robinson construiu uma espécie de marxismo étnico, onde o
radicalismo produz uma reavaliação histórica sobre o nível de consciência das massas
negras e sobre a migração da imagem de vítima da história para o de ator de suas
próprias lutas. A tradição oficial marxista pensava as minorias negras apenas como
Teoria e História Literária
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reflexo das condições materiais, o que dava conta da dimensão econômica, mas
deixava escapar a questão étnica. Essa concepção teórica da realidade material possui
raízes nos estudos sociológicos de Hubert Henry Harrison, o mais relevante teórico do
marxismo radical afro-americano, além de apresentar evidentes filiações culturais ao
Harlem Renaissance, movimento cultural iniciado em 1920 e que se estendeu até o
ano de 1932, no qual personalidades como Langhston Hughes, Jessie Redmond Fussie,
Countee Cullen, Zora Hurston e W.E.B du Bois propuseram um novo pacto social para
a comunidade negra, realizando ações afirmativas e declarações públicas de orgulho
racial. Na presente tese, pretende-se evidenciar que Homem Invísivel é uma obra fruto
das relações socioeconômicas da trajetória negra norte-americana. Planeja-se, ainda
posicionar a obra de Ellison no contexto histórico das produções literárias afro-
americanas, desde seus textos seminais, publicados em 1855, até suas produções
contemporâneas, limitadas até o ano de 2010. Com isso, problematiza-se não apenas o
trabalho de Ellison, como também temas urgentes, como a explosão da literatura de
massa e das produções de gueto e suas implicações na configuração de um cânone
literário negro. O foco deste trabalho é a análise da construção de uma consciência
étnica marxista em Homem Invisível, obra de Ralph Ellison, observando que sua
publicação, em 1952, não é meramente um evento isolado da produção afro-
americana, mas um componente integrante de uma longa história de indignação, de
resistência e de denúncia.
Marcela Verônica da Silva
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"
CLÁUDIO MANUEL DA COSTA E O FUNDAMENTO HISTÓRICO DO POEMA VILA RICA
Com a intenção de dar continuidade aos estudos realizados no mestrado, que
receberam o título de Constância da Retórica, Mudança de Estilo: a obra acadêmica de
Cláudio Manuel da Costa, a tese de doutorado tem por objetivo proceder à análise do
Fundamento Histórico do poema Vila Rica do poeta mineiro Cláudio Manuel da Costa,
publicado no jornal O Universal em 1773, de acordo com as regras de escrita no Brasil
Colonial, em especial, com o modus faciendi proposto pelos círculos acadêmicos, que
previam a adequação à poética e à retórica antiga e contemporânea. Assim, no que diz
respeito aos elementos ficcionais e poéticos, ou seja, à discussão da construção do
poema Vila Rica, pretende-se levar em consideração a sua estrutura não clássica,
considerada labiríntica para o teórico Hélio Lopes, e, no que tange aos elementos
históricos e retóricos, pretende-se explorar as características que aproximem o
Teoria e História Literária
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Fundamento Histórico de uma dissertação de molde acadêmico. Cláudio Manuel da
Costa esteve relacionado à Academia Brasílica dos Renascidos, agremiação da Bahia
instituída em 1759, e ocupou a função de sócio supranumerário, contribuinte “à
distância”, que tinha por missão desenvolver uma dissertação histórica acerca das
Minas Gerais para compor capítulo da ambicionada História da América Portuguesa, a
saber, com apontamentos, documentos buscados em arquivos públicos e cartorários
(processos de inventários, livros de notas de tabeliães, processos civis etc.). Tal
empresa não se concretizou. Não se sabe se Cláudio Manuel da Costa produziu
qualquer escrito em nome da agremiação. Porém, anos mais tarde, deu a conhecer seu
poema épico e esta dissertação que o acompanhava. O poeta teria seus escritos
publicados apenas postumamente. Destarte, a união de gêneros distintos formando
um elemento em comum suscitou algumas reflexões pertinentes, como, por exemplo,
se seria a dissertação histórica um mero elemento didático, elaborado com a
finalidade de esclarecer episódios históricos para que estes não fossem “confundidos”
com a parte ficcional expressa pelo poema ou uma indicação a fontes da sua pesquisa
para a academia, e, se a reunião da documentação necessária para a composição da
dissertação histórica seria um trabalho científico de compilação feito exclusivamente
para dar ao público uma base histórica para a compreensão do poema, ou seja, até
que ponto o papel do leitor setecentista era considerado importante neste momento
para que houvesse essa efetiva preocupação. Procurar-se-á, com base no Fundamento
Histórico, no próprio poema e em outros documentos coletados, principalmente os
encontrados por Alberto Lamego (1923) e que constituíram parte da documentação
exigida para o ingresso na Academia Brasílica dos Renascidos os argumentos para
discutir tais questionamentos. Sobre as fontes utilizadas por Cláudio Manuel da Costa
para compor seu Fundamento Histórico, o poeta refere-se ao Coronel Bento Fernandes
Furtado, que lhe teria confiado, pouco antes de morrer, alguns apontamentos que
fizera e, além dos relatos, Pedro Taques de Almeida, também teria auxiliado o poeta
com o envio de documentos de teor incontestável, como as ordens régias, cartas de
governadores e atestações de prelados eclesiásticos, e manuscritos desde a era de
1682. Cláudio Manuel da Costa no Fundamento Histórico critica abertamente a
História da América Portuguesa de Sebastião da Rocha Pita, afirmando que tal obra
não era fiel aos fatos: Autor em sua vida alguns apontamentos que fizera, e achando-
os o Autor em muita parte dissonantes do que havia lido na História de Sebastião de
Pita Rocha e outros escritores das cousas da América, procurou confirmar-se na
verdade pelos monumentos das Câmeras e Secretarias dos Governos das duas
Capitanias, São Paulo e Minas. O personagem histórico Antônio de Albuquerque
Coelho de Carvalho, considerado herói épico pacificador tanto na obra de Cláudio
Manuel da Costa quanto na História da América Portuguesa, de Sebastião da Rocha
Teoria e História Literária
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Pita citado como Sebastião de Pita Rocha por Cláudio Manuel da Costa. Albuquerque é
colocado ao lado dos emboabas, como seu partidário, e suas ações consideradas
honrosas, pois havia estabelecido a ordem em meio à tirania dos paulistas. Rocha Pita
descreveu a passagem do governador pelas Minas como uma empresa destinada a
reduzir aquele grande número de súditos, que vagava sem firmeza, à vida urbana e
política, erigindo as seis vilas. À exaltação da figura do governador pelos emboabas,
que teriam mesmo exigido a sua intervenção em território mineiro, contrapõe-se a
detração dos paulistas, descritos como os adversários de Albuquerque. Nota-se
também que, ao mesmo tempo em que o poema se impõe como contraponto crítico à
obra de Rocha Pita, que segue sendo contestado por Cláudio Manuel da Costa, ele não
deixa de validar o seu elogio a Albuquerque. O suporte teórico para essa discussão
será constituído pelas obras de Alberto Lamego (1923), José Aderaldo Castello (1962),
Íris Kantor (2004), Yeda Dias Lima (1980), entre outros. As considerações sobre o
ambiente histórico (Fundamento Histórico) e o literário (poema Vila Rica) dar-se-á pela
própria análise do corpus, juntamente com o apoio teórico das obras de Carlos de
Assis Pereira (1971) e Vânia Pinheiro Chaves (1997). Pretende-se discorrer também
sobre a associação entre as pesquisas realizadas para a composição da obra e as
pesquisas realizadas por Cláudio Manuel da Costa enquanto acadêmico
supranumerário.
Marcella Abboud
Universidade Estadual de Campinas
OS LUGARES RELIGIOSOS NA OBRA DE JORGE LUIS BORGES: O SAGRADO E A
CONSTRUÇÃO DA REALIDADE
Esta pesquisa teve por objetivo trabalhar a obra de Jorge Luis Borges, em especial
cinco contos retirados dos livros El Aleph e Ficciones, a saber: El Aleph; La Biblioteca de
Babel; Tlön, Uqbar, Orbis Tertius; Los teólogos e La escritura del dios como textos
permeados por lugares religiosos que funcionam como mecanismos literários para o
autor, sejam eles já consagrados pela tradição judaico-cristã e reapropriados pelo
autor, sejam dotados de aura sagrada a partir da própria estrutura do texto, isto é, da
configuração dada ao tempo e ao espaço de modo a deixá-lo heterogêneo e, por
consequência, como aponta Eliade, sagrado. O conceito de lugar advém da noção de
tópica proposta por Roland Barthes, principalmente no seu terceiro sentido, ou seja,
de tópica enquanto uma “reserva de estereótipos, de temas consagrados, de trechos
completos que são colocados quase obrigatoriamente no tratamento de qualquer
Teoria e História Literária
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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assunto. Nesse sentido, os lugares são formas vazias que acabam sendo preenchidas
constantemente da mesma maneira, dentro de uma temática consoante. Borges,
entretanto, lança mão do sagrado para preencher tais lacunas, fazendo uso de tópicas
advindas de diferentes teologias ou místicas, como a cabala, a teologia negativa ou,
ainda, do protestantismo. Há na obra borgeana dois movimentos simultâneos: o de
reapropriação de teologias preexistentes e o de sacralização de tópicas outrora não
carregadas de conotação sagrada. É a tentativa de compreensão do funcionamento
desses dois movimentos, isto é, esse uso do sagrado como recurso literário para a
criação de uma nova realidade – fantástica, que impulsionou a presente pesquisa.
Costa Lima aponta a ficção de Borges como uma ficção controladora, isto é, que usa
das diferntes disciplinas (e entre elas a teologia) como alimento para elaboração
ficcional. É, evidente, que o nosso interesse se centra especialmente na sua relação
estética com a tópica religiosa, e todo e qualquer biografismo será meramente com
intuito de reconstruir a origem dos corpora que Borges lança mão. Para o argentino,
“la filosofia y la teología son las formas más extravagantes y más admirables de la
literatura fantástica” , além disso, Adolfo Bioy Casares, em sua introdução de
“Antologia de la Literatura Fantástica”, afirma que “las ficciones fantásticas son
anteriores a las letras. Los aparecidos pueblan todas las literaturas: están en
Zenavesta, en la Biblia, en Homero” , em outros termos, há um interesse geral dentro
da literatura, fantástico no que diz respeito ao sagrado. Para Borges, mais
especificamente, o que parece interessar dentro da teologia é menos pensar em Deus
e mais pensar na relação imaginária estabelecida entre os homens e Deus, a vivência
estabelecida pela humanidade em relação ao Sagrado. O que une todas as religiões é o
mistério e é esse mistério o que aparentemente fascina o autor e pode, assim, tornar a
religião uma tópica imprescindível dentro de sua obra poética. Essa possível fascinação
pelo mistério parece ter aproximado, também, o autor de filósofos como Spinoza, que
trazem no bojo de sua concepção divina a força do mistério e do infinito: “Dios es una
substancia infinita, es causa de si misma, y posee también infinitos atributos, y de esos
atributos nos es dado solamente percibir dos: la extensión y el pensamiento, el espacio
y el tiempo” . Spinoza, filósofo judeu, traz à tona de maneira resignificada muito da
filosofia cartesiana e dos preceitos teológicos de Maimônides, concepções caras à
Teologia Negativa, reapropriadas por Borges. O infinito atribuído a Deus pela teologia
judaico-cristã será constantemente resignificado por Borges em seus contos. Tal
aspecto teológico, supomos, funciona como embasamento para o autor lançar mão de
uma nova dimensão, em outros termos, o infinito borgiano e seus desdobramentos
(vasto, remoto, enorme, incessante, inesgotável etc.) prefiguram como a constituição
de uma nova realidade, uma vez que “Borges sabe que toda realidad se disuelve con la
presencia del infinito y lo convoca constantemente en sus obras, a veces aludiéndolo
Teoria e História Literária
271
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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en una palavra, outra las desarrollándolo en complejo argumento” . Borges aparenta
utilizar ainda o aspecto teológico na sua dimensão imprevisível e destruidora de
qualquer predeterminação e planificação. A criação dessa nova dimensão do real e
esse aspecto destruidor do imprevisível evidenciam a importância das nuances
teológicas para a construção narrativa dentro da literatura borgiana, bem como a
configuração do espaço. Aliás, no que tange o espaço, os conceitos de Sagrado e
Profano apontados por Mircea Eliade em “O Sagrado e o Profano: a essência das
religiões” são de extrema relevância para trabalhar tanto a configuração do espaço, já
mencionado anteriormente, como o conceito de homem religioso, pois em inúmeros
casos – como em La Biblioteca de Babel e La escritura del dios, o personagem principal
da trama assumo, diante do Sagrado, a postura de homem religioso. Desse modo,
diante da bibliografia selecionada, fazemos a hipótese que, de certa maneira, Borges é
devedor do sagrado e de seus desdobramentos teológicos e religiosos para a
construção da sua realidade, e que esse um dos principais fatores de sua trama
singular e habilmente tecida.
Marcelo Antonio Milaré Veronese
Universidade Estadual de Campinas
O "ARQUIVO ROBERTO PIVA" DO INSTITUTO MOREIRA SALLES-RJ
A consulta do material disponível no “Arquivo Roberto Piva”, no Instituto Moreira
Salles do Rio de Janeiro, se realizou enquanto pesquisa de documentos para o estudo
aprofundado das apropriações, criações e crítica desta poesia, para além do que já
publicou Roberto Piva em vida, bem como dos poucos textos críticos que a
acompanharam. O total de 374 documentos constitui um arquivo muito grande
(dividido entre poemas, textos em prosa, diários, entrevistas, correspondências e
fotografias) e, assim, o levantamento de material manuscrito ou inédito corrobora
muito a definição do corpus da obra a ser estudado durante o presente projeto.Este
material está disponível a qualquer pesquisador de literatura que queira lê-los no local
em que se encontra (a sede do Instituto Moreira Salles-RJ), uma vez que não é possível
fazer qualquer reprodução dos documentos ali mantidos. Estes se dividem
principalmente em: manuscritos, livros, periódicos e artigos de periódicos (produção
do autor e produção de outros autores), entrevistas e documentos diversos. No geral,
a produção do autor em “manuscritos” apresenta textos inéditos, tanto quanto
escritos já publicados em livros posteriores à data que apresentam no arquivo.
Felizmente, Piva realmente datava muitos de seus escritos, como se encontram
Teoria e História Literária
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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diversos poemas de seus livros.Durante os três dias de contato com o arquivo, então,
priorizei a consulta ao material textual, especialmente todos os manuscritos e poemas
inéditos, e ainda uma reprodução do livro Antologia dos novíssimos. Por opção
própria, preferi neste primeiro momento não tomar contato com os textos de outros
autores, isto é, os artigos de periódicos que, pelos títulos, parecem que nem sempre
tratam de Piva. A escolha pela exclusividade de leitura dos “Manuscritos de Roberto
Piva”, na verdade um material extenso, foi direcionada pelo conhecimento já prévio de
todas as obras publicadas pelo autor, na tentativa de concentrar o início desta
pesquisa particularmente na sua obra. Com isso, na medida em que lia os textos, pude
ter noção do material que se tratava de escritos já publicados ou inéditos. Sendo
minha única opção fazer anotações manuais do que li neste arquivo, anotei inúmeras
passagens que me pareciam interessantes (o resultado são quase cinquenta páginas de
cópia dos textos originais deste arquivo), dando preferência para os textos inéditos.
Porém, procurei selecionar também os poemas já publicados em livros posteriores, os
quais encontrei no formato “original”, pois estes continham modificações que foram
feitas no momento da composição, ou mesmo depois (as cores diferentes das tintas da
caneta comprovavam este raciocínio), quando não alterações que puderam ser
comprovadas comparativamente depois. Este é o ponto precioso no contato quase
exclusivo com os manuscritos do poeta, que tentei priorizar neste começo de estudo.
Vale lembrar que o “Arquivo Roberto Piva” está organizado em várias seções por
ordem de nome de autores, porém ainda não se encontra reorganizado pelo Instituto
Moreira Salles em uma estrutura interna de arquivo de documentos. Assim, o material
está arquivado mediante diferentes “pastas”, ao que tudo indica, organizadas por Piva
e nomeadas conforme o primeiro documento que contém – quando não por outro
motivo que não se pode definir, a não ser pelo fato de ter sido intitulada pelo próprio
autor. Não tendo a informação de como foi elaborada a divisão específica do material,
enfim, o fato é que nestas diferentes e variadas “pastas” se encontram os manuscritos
e textos datilografados de Piva, tais como: cadernos universitários (nem sempre
totalmente preenchidos), cadernos menores, agendas, e todo tipo de suporte em
papel, entre folhas soltas pequenas ou grandes (formato A4). Dessa forma, tendo
antes me concentrado na leitura e releitura dos livros publicados pelo poeta, pude
pesquisar os inúmeros textos inéditos e manuscritos como quem adentra sua obra,
agora, do interior de um laboratório de experiências poéticas, passando pela
“Etnopoesia pura & visceral” (expressão do poeta em 1986) que revela muito de um
verdadeiro work in progress de Piva. E ainda que haja uma temporalidade bem
definida nos documentos deste arquivo, uma vez que primam por textos escritos entre
1980 a 1990 (com algumas exceções), o contato com esse “período” do poeta permite
um amplo olhar sobre toda a obra, isto é, em qualquer momento dela, e mais
Teoria e História Literária
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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especialmente sobre o que ele viria a publicar após esse momento. Posso afirmar que
no “Arquivo Roberto Piva” se encontram núcleos poéticos desenvolvidos numa espécie
de consciência muito intensa, ainda que expressas numa linguagem poética de forte
apelo à imagem, à citação e aos experimentalismos formais, tanto quanto reflexões
críticas que, na forma de pensamentos, versam sobre seu fazer poético, e também
sobre seu modo de vida (na forma de memórias e lembranças, por exemplo). Em 20
poemas com brócoli publicado, em 1981, já se encontrava concordância com estas
características de “resgate” ou “releitura” de um passado, então, se atualizando a
partir deste momento, como afirma Piva em seu “Posfácio”: "Este livro foi escrito
repensando os amores presentes & passados (...). Repensei também os três anos de
1959 a 1961, quando participei do curso sobre a Divina Comédia dado pelo saudoso
professor Edoardo Bizzarri (...). Foi repensando Dante Alighieri & relendo o Inferno & o
Paraíso (...) que surgiram, numa síntese caligráfica & na eletricidade de uma manhã
paulista de 1979, estes 20 poemas com brócoli." (PIVA, 2006, p. 116.) De maneira
geral, a leitura deste material permite entrar em contato com sua anarquia ou seu
individualismo anárquico enquanto, respectivamente, “marca de terreiro” (poema
“Garoto Yanomami”, no IMS-RJ) e “marca de fábrica” (expressão de Davi Arrigucci Jr.).
Em termos específicos, pode-se dizer que há consonância entre os manuscritos e os
poemas publicados, por exemplo, quando se lê na obra as “realidades não-humanas /
que são a essência da Poesia” (poema “A oitava energia”, de Ciclones), tanto quanto a
própria imagem do fazer poético como “o banquete do poeta / sempre / querendo /
penetrar / no caroço / da verdade” (Primeiro poema (sem título) de 20 poemas com
Brócoli). É desse material inédito e da importância dele para o estudo da poesia de
Piva que pretendo falar um pouco.
Priscila Salvaia
Universidade Estadual de Campinas
DIÁLOGOS POSSÍVEIS: O FOLHETIM HELENA, DE MACHADO DE ASSIS, NO JORNAL O
GLOBO.
Neste projeto sugerimos uma reinterpretação do romance Helena (1876) de Machado
de Assis a partir da leitura em seu formato original de publicação, o folhetim nas
páginas do jornal fluminense O Globo no ano 1876. Dessa forma, buscamos inserir o
romance em seu contexto, a fim de reconhecermos possíveis especificidades da
produção folhetinesca, seu público e suas redes de interlocução social. Ao longo desse
processo, pretendemos investigar as relações estabelecidas entre o folhetim e o jornal,
Teoria e História Literária
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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tendo por fio condutor a análise da construção e da recepção da personagem Helena.
Assim como alguns estudiosos da obra, também acreditamos que Helena possa ser lida
como uma personagem ativa, que apesar do status da dependência, seria capaz de
transitar por entre os diversos espaços sociais preservando, e por vezes, cedendo
estrategicamente, os limites de sua própria autonomia. Em nossa pesquisa
pretendemos ampliar e compreender tal representação respaldando-nos nos indícios
identificados na imprensa da época. Nossa fonte principal de pesquisa será o jornal O
Globo, cujos microfilmes se encontram disponíveis para consulta no Arquivo Edgard
Leuenroth (AEL/UNICAMP). Nessa primeira etapa pretendemos verificar a existência
de possíveis relações entre o periódico e folhetim. Posteriormente nos voltaremos ao
exame de outras fontes que podem ser relacionadas ao processo de criação da
personagem Helena. Para tanto, propomos o exame de alguns exemplares do Jornal
das Famílias, onde Machado publicou suas primeiras “Helenas”. Ao longo de suas
colaborações para o Jornal das Famílias, Machado publicou quatro contos
protagonizados por personagens chamadas Helena, todos anteriores ao romance: “Frei
Simão” (1864), “Possível e impossível” (1867), “Quinhentos contos” (1868), “A menina
dos olhos pardos” (1873). Na verdade, mais que a repetição de um nome, o que chama
a atenção é a repetição de um perfil feminino. Com exceção da protagonista de
“Quinhentos contos” que desfrutava de uma condição financeira favorável, em todos
os outros três contos, as personagens têm as mesmas características: todas têm
origem pobre, são muito espertas e racionais. A personagem de “Frei Simão”, assim
como a de “Possível e impossível”, era uma prima que morava de favor e se apaixonou
pelo dono da casa. Em “A menina dos olhos pardos”, a Helena também era uma
personagem pobre que dependia dos favores da família do homem por quem se
apaixonou. Ou seja, além do perfil, até mesmo os enredos dos contos se assemelham
ao enredo do romance. Por isso, refletir sobre essa insistência de Machado em criar
Helenas, considerando-se a possibilidade de que essas personagens se relacionem,
também será uma hipótese importante neste projeto. Por outro lado, conforme
afirmado anteriormente, nossa atenção se voltará principalmente ao contexto de
publicação do folhetim. Por isso, também acreditamos que seja necessário investigar
os debates presentes na imprensa da época que possam estabelecer alguma relação
com o processo de criação do perfil feminino da protagonista do romance, tendo em
vista que para os leitores, e principalmente, para as leitoras do folhetim, a questão da
emancipação feminina começava a se esboçar. Para tanto, em nossas primeiras
pesquisas identificamos o jornal O Sexo feminino. Trata-se de um importante periódico
que aborda a temática da emancipação feminina. Além disso, pretendemos abranger
nossas investigações a outras publicações do período que também contribuíram para
tal debate. Nosso objetivo nessa etapa será compreender o perfil da personagem
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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Helena entrecruzando-o aos debates sobre a condição feminina presentes na imprensa
da época. Sobre as formas de análise das fontes que destacamos cabem algumas
observações acerca das referências metodológicas que nos guiarão ao longo deste
trabalho. Inicialmente é importante enfatizar que a pesquisa se desenvolverá a partir
de uma fonte ficcional, ou seja, um texto com protocolos e acordos narrativos que
dialogam com uma determinada tradição literária relevante para o projeto que
propomos. Contudo, partimos da perspectiva de que o romance é parte integrante de
uma complexa rede de interlocução social, que somente pode ser compreendida a
partir da identificação e do estudo de seus processos de produção, circulação e
consumo; ou seja, acreditamos que o romance existe como parte de uma dinâmica
ideológica mais ampla que ele. Nesse sentido, nossa metodologia de análise respalda-
se nas proposições trilhadas por Carlo Ginzburg (GINZBURG, 2007) e que muito têm
contribuído para as investigações na área da História Literária. Em seus trabalhos,
Ginzburg, não elimina os limites entre a História e ficção, mas procura compreender as
tensões inerentes a uma relação cheia de desafios, empréstimos recíprocos e
hibridismos. Para o autor, os processos de construção e criação ficcional deixam
“rastros” que, quando decifrados, podem revelar histórias que são verdadeiras, ainda
que tenham como objeto o falso. E é à procura desses “rastros” que pretendemos
analisar nossas fontes literárias, periódicas, etc. Como sugerido pelo autor,
buscaremos nos meandros desses textos fragmentos de testemunhos históricos
voluntários - e involuntários - que possam revelar aspectos da trama social na qual o
autor e a sua obra estavam inseridos. Além das condições de produção do folhetim,
outra intenção de nosso projeto será o de compreender possíveis formas de recepção
do romance Helena entre o seu público contemporâneo. Para tanto, partimos do
pressuposto que um texto ficcional pode ser lido de diferentes formas, considerando-
se interpretações para além daqueles intencionadas por seu autor. Como afirmado por
Umberto Eco (ECO, 1994), também acreditamos que o leitor se utiliza do texto
referenciando-o às suas próprias experiências. Todavia, não podemos deixar de
considerar que tais textos se inserem em amplas “redes de comunicação” nas quais
são compartilhados códigos e experiências que também podem ser considerados
sociais e históricos, ou seja, partimos do pressuposto de que a leitura é uma prática
datada. Assim como Dorrit Cohn (COHN, 1999), pensamos que a realidade não deve
ser tomada como sentido condicional à ficção, entretanto, devemos considerar que o
objeto ficcional é composto por inter-relações que também se referem ao mundo real,
de modo que permanecemos absorvidos nele.
Teoria e História Literária
276
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
Rafael Henrique Zerbetto
Universidade Estadual de Campinas
O USO DAS FONTES NA ELABORAÇÃO DE UMA BIOGRAFIA INTELECTUAL
Sérgio Buarque de Holanda teve atuação destacada na vida intelectual brasileira
durante o séc. XX. Sua erudição aliada a sua memória fotográfica e uma capacidade de
lançar um novo olhar sobre nossa literatura e nossa história tornam a elaboração de
sua biografia um desafio, vista a grande intertextualidade presente em sua obra e a
vastidão de seu trabalho, que começou com a crítica literária, logo colocada a serviço
do movimento modernista, e terminou com uma importante produção historiográfica,
passando pelo trabalho em periódicos modernistas e jornais, direção e fundação de
bibliotecas e museus, fundação do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, tradução de
livros, atividades de ensino e pesquisa em universidades e a militância política, tendo
sido fundador do Centro Brasil Democrático e de dois partidos políticos, o Partido
Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido dos Trabalhadores (PT). Entretanto, mesmo tendo
ocupado papel tão importante na vida intelectual de nosso país, Sérgio Buarque de
Holanda jamais teve sua vida estudada de forma exaustiva: os poucos textos de caráter
biográfico existentes sobre ele são resumidos e, quase sempre, baseados em uma
cronologia elaborada por sua esposa, D. Maria Amélia, e em depoimentos de
familiares e amigos. A investigação da trajetória intelectual deste escritor é uma forma
de se compreender quais relações, instituições e experiências mais o influenciaram no
desenvolvimento de suas obras. De fato, em muitos textos interpretativos sobre a obra
deste autor houve a preocupação de discutir primeiramente alguns aspectos de sua
formação ou militância no movimento modernista para só então discutir suas idéias.
Diversos estudiosos da obra de Sérgio Buarque de Holanda chamaram a atenção para
alguns aspectos da formação deste autor. Antonio Candido, por exemplo, costuma
atentar para a influência das cidades onde o intelectual paulista morou: sua infância e
juventude foi vivida em São Paulo, onde estudou em importantes colégios e se tornou
amigo dos modernistas que mais tarde organizariam a Semana de Arte Moderna, o
que lhe deu uma "formação paulista". Mudando-se para o Rio de Janeiro, Sérgio se
tornou um elo entre os modernistas destas duas cidades, além de ter militado com o
fervor dos modernistas de São Paulo em uma cidade cuja tradição cultural exigia maior
moderação por parte dos defensores das idéias de vanguarda. Mariana de Campos
Françozo já faz outra leitura, destacando a influência da etnologia alemã no
pensamento do autor de Monções, com o objetivo de enfatizar o interesse do
historiador pela etnologia e a influência de autores alemães em sua obra. De fato, a
influência alemâ no pensamento deste escritor é marcante em sua obra: durante os
Teoria e História Literária
277
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
dois anos que morou em Berlim a serviço dos Diários Associados, Sérgio, além de
traduzir scripts de filmes da Universum FIlm AG para o português e escrever
regularmente para jornais brasileiros, editou a revista bilíngue (em alemão e
português) Duco, especializada em comércio exterior, assistiu, de maneira livre, aulas
de Friedrich Meinnecke na Universidade de Berlim e comprou muitos livros
inexistentes no Brasil à época, tendo grande contato com o pensamento alemão da
época, tanto no campo das ciências socias quanto no da literatura, e se tornando um
dos primeiros, muito provavelmente o primeiro, a citar Max Weber em um texto
científico brasileiro. Outro aspecto importante da vida de Sérgio Buarque é que seu
retorno definitivo a São Paulo, em 1946, para dirigir o Museu Paulista, marca uma
nova fase em sua vida, caracterizada por um trabalho mais voltado à elaboração,
criação e direção de instituições científicas: Sérgio ajuda a fundar o Instituto de
Estudos Brasileiros (IEB), bibliotecas e museus, bem como se esforça para conseguir
acervos para essas instituições, como é o caso da biblioteca brasiliana de Yan de
Almeida Prado, que Sérgio, então diretor do IEB, adquiriu para esta instituição. No
Museu Paulista, primeira instituição em que trabalhou após seu retorno à capital
paulista, o historiador deu novo rumo às pesquisas desenvolvidas ali, substituindo a
visão romântica da história paulista, forjada durante a gestão de seu antecessor,
Affonso d'Escragnole Taunay, por uma interpretação diferente da história paulista, a
partir do conhecimento do processo de colonização do interior da América Portuguesa,
destacando o papel do indígena neste processo. Duas contratações, indicadas por ele,
foram fundamentais para este processo: os etnólogos Herbert Baldus e Harald Schultz.
Por fim, também é interessante notar os motivos das viagens do historiador: ao
contrário da fase anterior, carioca, quando suas viagens ao exterior, como jornalista,
acabaram tendo uma importância decisiva para sua formação intelectual, as viagens
feitas a partir de sua mudança definitiva para São Paulo foram motivadas pelo
intercâmbio científico e pela necessidade de consultar acervos estrangeiros, além de
ter representado o Brasil em duas assembléias da UNESCO. Assim, se na primeira fase
temos um jovem que aproveita suas viagens para aperfeiçoar seus conhecimentos
através do acesso a museus, bibliotecas e personalidades estrangeiras (o trabalho
como jornalista lhe permitiu conhecer e entrevistar personalidades importantes como
o escritor alemão Thomas Mann e o pacifista francês Henri Guilbeaux), na segunda
fase temos um intelectual maduro que recebe convites para ir ao exterior ministrar
cursos e palestras ou viaja em busca de documentos inexistentes no Brasil para suas
pesquisas.
Teoria e História Literária
278
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
Ricardo Gessner
Universidade Estadual de Campinas
PAULO LEMINSKI E UMA POÉTICA DA DISTRAÇÃO
Paulo Leminski nasceu em 1944, em Curitiba, onde produziu a maior parte de sua obra
literária. Já aos onze anos demonstrava grande interesse pelos estudos de ciências
humanas, sendo nessa idade quando decidiu ingressar na carreira monástica. Mudou-
se para São Paulo e matriculou-se no Mosteiro de São Bento onde, dizia, teria
condições adequadas para os estudos relativos aos seus interesse. Teve acesso a uma
formação clássica: estudou grego, latim, hebraico, leu pela primeira vez as obras de
Homero e mais alguns autores gregos e romanos. Permaneceu no mosteiro durante
um ano e regressou a Curitiba, tendo concluído seus estudos e colégios públicos de lá.
Publicou seus primeiros poemas em meados da década de 1960 na revista Invenção,
mantida pelos poetas concretistas – Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari.
Ministrou aulas em cursos pré-vestibulares, foi redator, editor em diversos jornais, e
também trabalhou com publicidade. Transitou em diversos gêneros textuais: romance,
conto, crônica, ensaio, poesia, dentre outros. De certa forma, toda essa multiplicidade
de atividades e produções reflete a sua concepção sobre ser poeta: em carta a Régis
Bonvicino, datada de Outubro de 1977, diz que “para ser poeta tem que ser mais que
poeta” (1999, p. 52). Por questões de saúde, agravadas pelo consumo excessivo de
álcool, dentre outras ocorrências de ordem pessoal, faleceu em 7 de Junho de 1989. A
obra Distraídos Venceremos (1987), de Paulo Leminski, é o segundo livro de poemas
publicado pela editora Brasiliense; o primeiro foi Caprichos e Relaxos, em 1983. Até
então, Leminski organizava, editava e publicava seus livros de maneira independente,
muitas vezes através de pequenas editoras de Curitiba. Diferentemente de Caprichos e
Relaxos, o livro Distraídos Venceremos obteve uma repercussão menor tanto em
relação ao grande público como em relação à crítica; ainda hoje, nos meios
especializados, Distraídos Venceremos carece de estudos – vide a inexistência de livros
e escassez de teses dedicadas à obra. Este trabalho, por sua vez, tem como proposta
abordar o livro sob uma perspectiva a princípio bastante simples: estuda-lo a partir das
afirmações feitas no prefácio, escrito pelo próprio Leminski, verificando em que
medida existe a proposta de um conteúdo programático e, em seguida, de que modo
tal proposta se realiza ao longo do livro. Pode-se dizer que o núcleo central do prefácio
é a seguinte declaração: “Nas unidades de Distraídos Venceremos, (...), arrisco crer ter
atingido um horizonte longamente almejado: a abolição (não da realidade,
evidentemente) da referência através da rarefação” (1987, p. 07). É importante notar a
sugestão de um projeto programático: de um “horizonte longamente almejado”. Para
Teoria e História Literária
279
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
compreender essa proposta, uma chave de leitura pode ser encontrada na seção
dedicada ao sumário do livro. O título que leva essa seção é “ÍNDICE, ÍCONE E
SÍMBOLO”. De imediato é possível perceber um trocadilho entre o termo “índice”, que
pode denotar “sumário” – índice de um livro: as páginas correspondentes a cada seção
–, e aponta para uma nomenclatura específica da teoria semiótica de Charles Sanders
Peirce, que utiliza daqueles termos para nomear tipos específicos de signos. Tal
trocadilho demonstra a relação lúdica que Leminski mantém com a linguagem, assim
como a consciência acerca dos recursos provindos da Semiótica de Peirce, que podem
ser utilizados como recurso para composição poética, como o fez o Concretismo, do
qual Leminski foi afeito durante parte de sua produção, assim como sempre articulou
das conquistas daquele movimento; segundo a Semiótica peirciana, o ícone é o signo
da poesia. Em se tratando de um livro de poesia, esse aspecto pode ser fundamental.
O signo icônico se caracteriza por ser parcialmente motivado, por manter algum
aspecto em comum com seu referente. Se o que Leminski almeja é a “abolição da
referência”, podemos concluir que seja a abolição daquilo que estabelece a ligação
entre signo e objeto. Referência é um conceito linguístico, pode ser compreendida
como sendo a ligação que existe entre signo e objeto (referente). No caso do ícone
essa abolição é possível, visto que esse tipo de signo tende a se organizar por analogia,
tende a ser o próprio objeto e não substituir ou representá-lo. O ícone como afirmado
anteriormente, é um signo parcialmente motivado, ou seja, é um signo cuja relação
com o objeto não é uma convenção ou lei, como se dá com o símbolo, e ao mesmo
tempo não tem com seu objeto uma relação física ou direta, como se dá com o índice.
Essa motivação se estabelece pela analogia entre signo-objeto. A valorização do signo
icônico pode ter como implicação fundamental o privilégio da matéria significante, e
não primordialmente do significado. Nesse sentido é importante lembrar o título do
prefácio: “Transmatéria Contrasenso” – algo que não é palpável (trans) e ao mesmo
tempo material (matéria), ou seja, a materialidade lingüística (ritmo, musicalidade),
em direção contrária (contra) aosentido, o sensorial, o significado (senso). Por outro
lado é importante não cair na armadilha de pensar que a forma seria separada do
conteúdo. No caso de Distraídos Venceremos, o conteúdo pode se constituir através
da forma; é pelo privilégio do significante, do embate dos componentes formais, que
se constitui o significado. Também nesse ponto se justifica, em partes, a abolição da
referência, visto que a referência é o extralingüístico (a realidade empírica), o que
mantém uma relação íntima com a instância do significado; ao “abolir a referência”,
permite-se maior liberdade no trabalho com o significante.
Teoria e História Literária
280
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
Rodrigo do Nascimento
Universidade Estadual de Campinas
DA RELEVÂNCIA DE SE PENSAR A QUESTÃO DO DISCURSO CRÍTICO PARA O
CONSUMO DA LITERATURA
A crítica literária é responsável para que a literatura se realize como prática social. Pois
emite juízos que incutem na sociedade determinados valores que definem o que é ou
não literatura e sobre sua importância. Esse fato aponta para a relevância do discurso
crítico, que indica e dissemina um valor ideológico. Há que se diferenciar o discurso
literário produzido nas universidades, a princípio, pautado num sistema canônico e
racional, e o colunismo literário disseminado pelos jornais e suplementos literários,
que não necessariamente estão ligados aos interesses da academia. Todavia, por mais
que a mídia se defenda com a máxima da “liberdade de expressão e de imprensa”, não
participaria ela de uma espécie de imposição ideológica de determinados valores
culturais? O discurso dos suplementos literários, pretendidos como críticos, não seriam
instrumentos de uma estratégia de marketing e propaganda das obras literárias? Que
implicações teóricas isso pode apresentar para a crítica literária, a estética e a relação
entre a literatura e a sociedade? É preciso, a partir desses questionamentos, traçar
pistas sobre a complexa relação existente sob o jogo de interesses presentes a partir
do ponto em que a literatura adentra a lógica do capital e passa a fazer parte do
discurso ideológico e autoafirmativo do mercado, que se constrói potencialmente por
meio da propaganda. Para isso, esta pesquisa baseia-se na proposta teórica de Adorno
e Horkheimer, principalmente de seus estudos sobre a indústria cultural. O
crescimento do espaço da literatura na mídia, ou ao menos do objeto-livro, se
relaciona ao crescimento do mercado editorial. Mesmo que, para alguns, se
comparado a outros mercados, a produção e consumo de livros seja irrelevante. Com
base nessa relação, é possível levantar a hipótese de que há uma ligação entre o
discurso produzido pela imprensa ou mídia e o desenvolvimento do mercado editorial
nacional, ou, de maneira mais ampla, da indústria cultural. A partir da década de 1990,
no Brasil, o que se vê é um fortalecimento do mercado editorial. Isso se dá
principalmente pela internacionalização das editoras, pela consolidação dos grandes
conglomerados editoriais iniciados na década de 1980 e a formação de novos grupos
editoriais que passaram a dominar o mercado nacional. Isso resulta também na
formação de uma demanda de mercado consumidor e no fortalecimento do livro e da
literatura como objeto de consumo, que passa pela formação de um discurso que faça
um juízo de valor da literatura (e do objeto livro). Nessa mesma lógica afirmativa do
produto literário, na década posterior, surgem os primeiros eventos literários de
Teoria e História Literária
281
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
alcance nacional, como a Feira Literária de Parati (FLIP) em 2001, e que são indícios de
que, de certa maneira, o objeto livro e a literatura consolidam sua importância
comercial do que antes possuía. Proliferam diversos prêmios literários em relação à
literatura brasileira, dentre eles dois adquirem grande importância, o Prêmio Portugal
Telecom de Literatura Brasileira (2003, e que depois abre à premiação de livros de
todos os países de Língua Portuguesa) e, mais recentemente, o Prêmio São Paulo de
Literatura (criado em 2007 pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo). Esses
dois prêmios são citados como relevantes pelo ponto de vista econômico, pois a
premiação do primeiro é de 150 mil reais e do segundo 200 mil reais. Esse fato é
destacado para revelar que há uma valorização do produto literário no Brasil, ou ao
menos, um crescente desenvolvimento do mercado literário. A literatura, nos moldes
descritos, passa a possuir status de acontecimento social, pois não se trata mais da
obra e do leitor, mas se fortalece cada vez mais uma cadeia de atores sociais que
atribuem e representam o valor literário da sociedade. Assim, o que se percebe é um
foco cada vez mais centrado na figura do autor – que disputa espaço entre outros
ídolos do momento – e do livro como objeto, de modo que a literatura adquire um
tom performático, cercada de palestras, noites de autógrafos, booktrailers, hotsites,
entre outros. E todo esse sistema trabalha na lógica da manutenção e da consolidação
desse complexo literário. Os produtos culturais, como a literatura, dentro de uma
lógica industrial, passam a reproduzir em sua forma o ideário da lógica do capital –
industrializada, produzida exponencialmente, em larga escala –, o que cria uma tensão
entre a autonomia da arte e a pretensa clareza lógica, exigência de normatividade,
presente nos produtos da indústria cultural. Essa tendência universalizante expropria o
indivíduo, agora somente consumidor, de seu direito de individualidade, pois é sempre
tensionado à socialização e à clareza do discurso do progresso científico. Dessa forma,
a possibilidade presente na obra de arte de transcender a falácia da lógica do
capitalismo é extirpada. Como afirma Duarte (2007): “[...] a cultura é especialmente
atingida por esse processo, já que o modelo de autonomia da arte é nele declarado
como obsoleto, tendo em vista a organização fabril pela qual são confeccionados os
produtos da indústria cultural” (p. 51).
Teoria e História Literária
282
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
Rosecler Aparecida da Silva
Universidade Estadual de Campinas
O MANIFESTO POR UMA ARTE REVOLUCIONÁRIA INDEPENDENTE: UM DEBATE
ENTRE ESTÉTICAS VANGUARDISTAS NO ENTRE-GUERRAS
O objeto de investigação desta pesquisa é o Manifesto “Por uma Arte Revolucionária
Independente” (doravante PARI), criado por Leon Trotsky, André Breton e Diego
Rivera, publicado em 1938. O recorte é restrito ao apontamento de algumas
aproximações da estética vanguardista, baseado na hipótese de que a criação da
Fundação Internacional Por Uma Arte Revolucionária Independente (doravante FIARI)
seja mais um movimento vanguardista do início do século XX. Procederemos à análise
do objeto sob o conceito estética de vanguarda em: Giulio Argan, Georg Lukács, Peter
Burger e Renato Poggioli. Depois de obtido uma tábua de critérios desta primeira
etapa e abordados os aspectos e características relevantes no que toca o conceito da
vanguarda em um denominador comum, abordamos a estética do Manifesto a partir
de uma análise imanente do texto. Não é o objetivo de esse trabalho proceder ao
enquadramento político do Manifesto, mas cabe tecer algumas considerações acerca
do contexto histórico, a fim de identificar as influências que se deram sobre o
documento. A noção de Vanguarda fornece um suporte teórico para a compreensão
da natureza do objeto, de forma que os elementos que compõem o manifesto podem
ser aproximados da poética de vanguarda tanto pela forma quanto pelo conteúdo.
Embora a FIARI não tenha se declarado como vanguarda em sentido próprio,
acreditamos ser possível visualizar em toda a proposta da Fundação e, em especial, no
Manifesto, não só por sua forma, mas também por seu conteúdo, elementos literários
que denunciam seus fortes vínculos com a estética puramente vanguardista. No
contexto entre-guerras, as acirradas tensões políticas e ideológicas invadiram
intensamente o campo da cultura, influenciando fortemente os rumos e o tom dos
debates sobre a relação entre estética e política. Os movimentos artísticos que
surgiram nesse contexto – as vanguardas – criavam Manifestos na tentativa de definir
suas posições estéticas frente a tais disputas ideológicas. No caso deste Manifesto, nos
parece pertinente dizer que houve uma tentativa de criação de um movimento que
fornecesse suporte a todos os outros movimentos artísticos revolucionários da época,
que, possivelmente, viriam a culminar em uma espécie de vanguarda “sui generis”, por
aspirar constituir em si (para além da natureza subversiva e de “levante” das demais
vanguardas), elementos conceituais e ideológicos que pudessem formar uma matriz
referencial, que intencionalmente nortearia as demais correntes em voga. Parece ser a
situação mundial vigente naquele momento que leva André Breton, o mentor do
Teoria e História Literária
283
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
movimento surrealista, a interrogar-se mais profundamente sobre as causas da
degenerescência da União Soviética e suas repercussões no campo artístico; para tanto
se aproxima de Trotsky, que por sua vez também era avesso às degenerescências
burocráticas do governo soviético sob o comando de Joséf Stálin. Segundo o sociólogo
José Paulo Netto, “no domínio da arte de da literatura, a política cultural da autocracia
stalinista conduziu a efeitos catastróficos” (Netto: 1985: 64). Zhdanov, o “teórico”
stalinista para as “questões culturais”, instituiu estruturas institucionais cerceadoras
da liberdade artística, com o intuito de tornar a arte totalmente subserviente aos
interesses políticos do Estado soviético. Com isso relegou-se a subjetividade artística a
um plano secundário. O Manifesto PARI é constituído de dezesseis tópicos em que
expõe seus levantes. A forma em que foi composto e exposto nos remete à estética de
vanguarda. No item treze, há a explícita pretensão de uma reunião dos defensores
revolucionários da arte no combate à burocracia stalinista. O levante visaria uma luta
em defesa de uma arte livre das pressões da política. Vejamos um trecho do
Manifesto: “A arte, como a ciência, não só precisam ordens, mas não pode, por sua
natureza, suportá-las. A criação artística tem suas leis, mesmo quando está
conscientemente a serviço do movimento social. A criação intelectual é incompatível
com a mentira, a falsificação e o oportunismo”. (in Facioli: 1985:99). Os autores
acusam e citam explicitamente os nomes de Stalin e Garcia Oliver como “reacionários,
deturpadores da revolução e da cultura”. Dentro do espaço de ideias do manifesto, os
marxistas podem caminhar de mãos dadas com os anarquistas, com a condição de que
uns e outros rompam implacavelmente com o espírito policial reacionário
representado por Josef Stalin. No último tópico do texto, o teor de vanguarda fica
latente com a expressão do desejo de sucesso, ao planejarem, depois de
procedimentos como reuniões locais e nacionais com grupos de intelectuais e artistas,
a culminação de um Congresso mundial contra a opressão da cultura, uma vez que
naquele momento histórico, segundo os autores, a arte fora “tolhida pela política”.
Trotsky, Breton e Rivera finalizam o texto com a insígnia: “A independência da Arte -
para a Revolução. A Revolução - para a liberação definitiva da Arte”. A análise deste
objeto torna-se relevante pelo que ele contém no tocante à esfera artística, à
literatura e à cultura em geral. Os elementos que o compõe podem ser explorados e
analisados enquanto crítica alusiva à estética vanguardista, sobretudo em favor da
importância deste tema para história da arte, motivo qual o torna de grande relevância
no debate cultural contemporâneo. Nosso objetivo é levantar problemáticas presentes
no documento do Manifesto e destacar alguns aspectos que tocam para ao debate
contemporâneo sobre Vanguardismo.
Teoria e História Literária
284
XVIII Seminário de Teses em Andamento
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
Tatiana Sena dos Santos
Universidade Federal de Minas Gerais
AS TRAMAS DA REPÚBLICA: NEXOS ENTRE LITERATURA, NAÇÃO E GOVERNO
O projeto de pesquisa, em fase inicial, investiga a memória cultural republicana no
Brasil, através da análise do seu imaginário instituinte, plasmado em produções
literárias representativas, objetivando analisar as redefinições imaginárias da nação
instauradas pelo projeto modernizador republicano, no tocante à produção do povo
brasileiro e ao governo da memória como política pública relevante. O recorte
temporal e comparativo abrange os anos entre 1889 e 1945, período comumente
subdividido nas historiografias oficiais como República Velha, República Nova e Estado
Novo. Do ponto de vista comparativo, focalizarei as relações entre a literatura e outros
discursos artísticos e sociais, notadamente a interface entre produções literárias e
interpretações sociológicas. Nas quatro primeiras décadas do século XX, destacaram-se
importantes nomes, que seriam posteriormente enquadrados como precursores da
sociologia brasileira, como Manuel Bomfim, Oliveira Viana, Paulo Prado, Gilberto
Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Tendo como corpus literário os romances Numa e
a Ninfa (1915), de Lima Barreto, Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (1928), de
Mário de Andrade, O país do Carnaval (1931) e Terras do sem-fim (1943), ambos de
Jorge Amado, entrecruzarei as imagens literárias com as interpretações sociológicas
mais difundidas do período em questão acerca do povo brasileiro, a fim de
compreender a construção do povo e as diretrizes de governamento da memória
cultural brasileira. Como as formas literárias, proto-saberes das ciências humanas no
Brasil, contribuíram para a ancoragem do ideário republicano, que instituiu uma nova
maneira de governar, articulando identificação nacional e racionalidade política? Meu
interesse é visibilizar alguns encaixes entre nação e forma republicana de governo, por
estes serem uma espécie de encruzilhada teórica para vários assuntos na
contemporaneidade, que colocaram em tensão a narrativa nacional brasileira. Essa
temática torna-se especialmente instigante, tendo em vista a equação complexa entre
república, democracia, autoritarismo, povo, população e racismo no Brasil. Como esta
proposta de pesquisa se interessa pelas conexões entre o discurso da nação e a forma
republicana de governo, os artigos – “A ‘governamentalidade’”, de Foucault (2008) e
“A política dos governados”, de Chaterjee (2004) – serão fundamentais para que o
tópico da república seja explorado conceitualmente em suas múltiplas dimensões e
não apenas como um mero “período” da história do Brasil. As questões de nação e
imaginário nacional serão abordadas a partir da obra de Anderson (2008), Balibar
(1991), Bhabha (2005). O interesse é explorar as múltiplas dimensões semânticas e
Teoria e História Literária
285
XVIII Seminário de Teses em Andamento
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políticas do conceito de república, discutindo sua emergência, difusão e consolidação
como forma de governo e cultura política no Brasil, a partir da segunda metade do
século XIX e primeiras décadas do século XX. Os diálogos transatlânticos foram
fundamentais na constituição da república no Brasil, perceptíveis pela importação de
ideias oriundas de matrizes intelectuais diversas, notadamente francesa,
estadunidense e inglesa. Esse ecletismo é indicativo das recomposições que os
letrados brasileiros tiveram que proceder, a fim de readequá-las, reinventando-as, à
realidade local. Os literatos lutaram com afinco pela “modernização” da sociedade
brasileira e a forma republicana esteve associada à modernidade. As ideias liberais
operaram uma articulação entre política e mercado no mesmo período, construindo
uma nova forma de viver, numa sociedade ainda marcada pelas instituições
escravocratas, assim como uma nova forma de gerenciar a economia e o governo. Os
intricados encaixes entre saber-poder no Brasil não podem ser discutidos sem levar em
conta como as formas literárias ajudaram a produzir normas sociais que atendiam aos
interesses da “governamentalidade” (FOUCAULT, 2008). A produção literária do
período coloca um feixe de questões nodais que precisa ser encarado, buscando
delinear e analisar a articulação entre ficção e política. Este projeto se pauta pela
perspectiva multidisciplinar, explorando as articulações entre eixos de poder e de
saber. A teoria da governamentalidade ajuda tornar perceptíveis algumas das
dobradiças que articulam nação e forma de governo. O Estado moderno surgiu dessa
prática política da governamentalidade, tendo como princípio fundamental a
obediência dos indivíduos, a sujeição total, por intermédio de condutas que modelam
um estado de “normalidade”, muitas vezes vivenciada como “natural”. É de encontro a
essa “verdade” instituída que as contracondutas populares investem, explicitando os
regimes discursivos que tornaram possíveis a formação das normas e dos saberes
modernos. Revisitar criticamente algumas construções discursivas dos “homens das
letras” que ajudaram a inventar e consolidar a nação republicana, entre os fins do
século XIX e as primeiras décadas do XX, mostra-se necessário, a fim de que possamos
compreender os dilemas inscritos na memória nacional, especialmente numa época
em que o Brasil se apresenta como uma democracia consolidada, mas repete
diferencialmente muitos modos de imaginação política do século XIX. A maneira pela
qual o campo literário participou do processo de governamentalização do país, seja
pelo empenho direto dos escritores ou pelo conflito com as diretrizes governativas,
contribuiu na produção de certos efeitos de saber, através dos quais podemos
perceber o “legado misto” (SOMMER, 2004, p. 21) do romance, simultaneamente
estético e político. No momento de instauração e consolidação da forma republicana
no Brasil, com o processo de autonomização dos campos do saber que se realizava, a
literatura estava sendo deslocada de “viga mestra” da cultura e do pensamento
Teoria e História Literária
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XVIII Seminário de Teses em Andamento
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brasileiro, como a caracterizou Antonio Candido (1996), mas não podemos deixar de
reconhecer que o campo literário foi uma das escoras do poder que se constituía.
Thiago Maerki de Oliveira
Universidade Estadual de Campinas
O "SERMO HUMILIS" E A TRADIÇÃO HAGIOGRÁFICA: ASPECTOS RETÓRICOS DA
LEGENDA MAIOR
O presente resumo é fruto de pesquisa de mestrado em andamento que objetiva
avaliar os recursos retóricos e de construção textual empregados na composição da
Legenda Maior Sancti Francisci, uma hagiografia de Francisco de Assis escrita no século
XIII por Boaventura de Bagnoregio. A hagiografia não pode ser enquadrada
exatamente no gênero biográfico, pois seu ideal não é narrar os fatos da vida de uma
personagem como aconteceram na realidade. O objetivo dessas “biografias sagradas”,
para utilizar a denominação empregada por Thomas Heffernan em “Sacred biography:
Saints and their biographers in the Middle Age”, também é distinto daquele da
biografia, pois seu fim se encontra além do próprio texto. A principal finalidade de uma
obra deste tipo é servir de "exemplum" para levar o leitor, ou o ouvinte, à conversão
dos costumes a fim de chegar também, como o protagonista da hagiografia, à
perfeição evangélica. O texto da vida dos santos pode variar tanto na forma, quanto no
conteúdo, “compreendendo tanto composições muito simples, quanto de grande
sofisticação” (KLEINBERG, 1992, p. 40). O processo hagiográfico começa já com o santo
em vida, quando seus companheiros devem memorizar seus atos e ensinamentos para
depois transportá-los ao texto. Hippolyte Delehaye afirma que a literatura hagiográfica
é criada a partir de dois elementos distintos. Segundo ele, “há primeiramente o criador
anônimo chamado povo, ou, se preferirmos tomar o efeito pela causa, a lenda [...] e o
homem das letras, o editor, que está diante de nós como um condenado a uma tarefa
ingrata” (DELEHAYE, 2011, p. 10) que é transformar o conteúdo desse criador anônimo
em literatura. A hagiografia deve também ser entendida como um discurso que
objetiva convencer o leitor de que a vida que narra deve ser levada em consideração,
pois o santo que apresenta conseguiu a "imitatio Christi". No primeiro capítulo de sua
tese de doutorado (“Retórica religiosa e cívica na Itália do século XIII: a composição e
os usos das hagiografias mendicantes nas políticas de paz”), André Miatello apresenta
a estreita ligação entre discurso hagiográfico e retórica, demonstrando o modo com
que os hagiógrafos antigos se apropriaram da retórica greco-latina e a empregaram
como método de construção do texto hagiográfico. Miatello salienta que o uso da arte
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retórica para a composição da vida dos santos se confronta com a própria matéria que
é discutida, pois as técnicas composicionais do texto antigo, ou seja, a forma, devem
subserviência ao conteúdo, sendo mais importante o que se narra do que a forma com
que se narra. O que está em jogo nas hagiografias não são a letra pela letra, a beleza
da poética, a arte ou a eloquência das palavras e sim a exaltação daquele que através
de suas virtudes soube perfeitamente imitar a Cristo, ou seja, a valoração da "res"
diante do "verbum" . Os hagiógrafos utilizam-se das técnicas literárias antigas tão
somente como método de construção textual, adaptando-as, obviamente, a seus
objetivos. “Dessa forma, Agostinho propunha que a retórica fosse serva da verdade,
para ilustrar, com arte, aquilo que o verbo de Deus havia dado a conhecer pelas
palavras da Escritura” (MIATELLO, 2010, p. 41). Boaventura conhecia profundamente a
retórica clássica, principalmente através da obra de Agostinho, e a empregou na
construção da Legenda Maior. Porém, ele afirma, no prólogo da hagiografia, que
deixará de lado um "stili ornatum" [estilo ornamentado] (LM Pról. 4) e se utilizará de
um estilo simples, que seja inteligível para todos. Apesar da linguagem simples, a
matéria da qual trata o texto é grandiosa, tendo em vista que narra a vida de um
santo. Nossa hipótese é que o hagiógrafo, nesse momento, emprega o "sermo humilis"
[discurso humilde], recurso que também aparece na Sagrada Escritura, nos textos dos
Pais da Igreja e na Comédia de Dante, como consistentemente apresenta Erich
Auerbach em “Ensaios de Literatura Ocidental”. Essa temática parece ser
essencialmente cristã, tendo em vista que, para a retórica clássica, a mistura entre o
sublime e o humilde não era bem vista, pois para tratar de assuntos elevados, o poeta
devia utilizar-se, necessariamente, de um estilo sublime. Auerbach diz ser “ridículo e
monstruoso tratar de temas elevados e sublimes em termos cotidianos, baixos ou
realistas, bem como tratar de coisas cotidianas em estilo sublime” (AUERBACH, 2007,
p. 42). Trata-se de adequar o modo de expressão ao tema, construindo harmonia entre
eles. Para os clássicos, a humilhação física do herói, à maneira que aconteceu com
Jesus, era inconcebível. Agostinho percebe que as Escrituras defendem uma nova
forma de sublime que se encontra, do ponto de vista cristão, acima do sublime
clássico. É tornando-se humilde, a exemplo do próprio Jesus, que o homem pode
elevar-se, pois “foi por essa mesma humildade que ele próprio atingiu o ápice de sua
majestade” (AUERBACH, 2007, p. 24). Boaventura, claramente influenciado pelo sermo
humilis, cria uma interessante antítese ao afirmar que a "gratia Dei" [graça de Deus] se
manifestou, através de Francisco, aos homens "vere humilibus et sanctae paupertatis
amicis" [verdadeiramente humildes e amigos da santa pobreza]. A própria seleção
vocabular ("gratia Dei" X "humilibus" e "paupertatis") parece sugerir que está em jogo
a “antítese cristã” do "sermo humilis" amplamente discutida por Auerbach, o que
pretendemos demonstrar através de vários excertos da Legenda Maior.
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Tomaz Amorim Fernandes Izabel
Universidade Estadual de Campinas
ORIGEM NEGATIVA NA OBRA DE FRANZ KAFKA
Nossa pesquisa intenta analisar a obra do escritor tcheco Franz Kafka, em especial seu
último romance-fragmento “O castelo”, a partir do conceito de origem negativa.
Entendemos que a origem negativa surge a partir do processo de descaracterização
dos pressupostos originais. Assim, por exemplo, enquanto se espera que uma punição
venha acompanhada antes por uma acusação, em Kafka, o desenrolar do enredo é a
própria busca pela acusação. Não apenas isto. Se entendemos a origem como ponto de
onde flui a substância que compõe de alguma maneira os integrantes daquela linha,
então a obra de Kafka – assim como outros grandes momentos do que se chama arte
moderna -, não compõe ou atualiza esta linha, mas a coloca em questão. Cada tema,
cada gênero é desmontado em seus aspectos mais essenciais. Cada frase é investigada
pela posterior. Ao invés de uma construção histórica, de mais um tijolo assentado na
construção de um edifício, de mais um passo no sentido orientado pelo ponto zero da
origem, a obra de Kafka dá a meia volta e retorna pelo próprio caminho de vinda. Este
retorno não segue nem um desejo de restauração, nem é um tipo de renascimento.
Estes modelos de retorno têm como pressuposto alguma identidade com a origem. A
obra de Kafka tem sim uma relação com a origem, mas apenas no sentido de buscar
permanentemente sua negação. “Realizar o negativo ainda nos é imposto, o positivo já
nos é dado”, escreve Kafka em um aforismo. Por origem negativa não se deve
entender apenas a ausência, a impossibilidade de retorno ou o esquecimento, mas
uma negação mais efetiva e mais criativa. A origem negativa é o espaço criado pela
negação das expectativas que fluem de todo original, sem ter se tornado com isso um
novo ponto de origem: é a sombra sob o candelabro. O espaço sempre escuro exige
que a mão movimente o candelabro e com isto apresenta novos aspectos dos objetos.
Este é o espaço que Kafka cria em suas histórias e que parece ser o principal motor de
suas narrativas. Na caminhada inversa que ele faz nas linhas tradicionais, elas causam
deturpações e ao retornar à origem já destruíram o próprio caminho. Isto não significa
perder a capacidade de contar histórias, mas expandir – livre do cinto original – este
procedimento. A fim de mostrar com mais clareza o processo de retificação, de
transformação no núcleo narrativo do original, analisamos as narrativas ‘Retorno ao
lar’ e ‘O silêncio das sereias’ em comparação com suas matrizes originais, a parábola
bíblica do retorno do filho pródigo e a passagem do canto das sereias na “Odisséia”,
respectivamente, para mostrar como Kafka se insere em diversas tradições literárias
sem pertencer, no entanto, completamente a nenhuma. Suas versões retificadas dos
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originais subvertem seus conteúdos e sentidos ao ponto de torná-las irreconhecíveis.
Em seguida, buscamos apontar no romance escolhido elementos do presente
paralisado e da origem ausente, ambas características constituintes da estética
kafkiana e da origem negativa. Em “O castelo”, a estrutura temporal da narrativa segue
uma dinâmica vertiginosa. Nas centenas de páginas que constituem o romance
inacabado são narrados não mais do que alguns dias. Nesta torrente de ações e
reações, no entanto, pouco se aprende sobre a história do protagonista ou da aldeia.
Em Kafka, não é apenas a origem do viajante que é desconhecida na narrativa, senão a
da própria comunidade. A aldeia de Westwest não tem mito de origem ou história
antiga, suas estruturas aparentam estarem lá desde sempre. Surgem, no entanto, o
tempo inteiro na arquitetura e nos interiores da aldeia indícios de que ela, embora
antiga, tem elementos da mais contemporânea modernidade para a época. A
instalação desloucada por Kafka do sistema burocrático moderno em um castelo,
símbolo-fortaleza de uma sociedade arcaica, ressalta não apenas que
embrionariamente ele já se encontrava lá, mas que o moderno mesmo não é apenas
moderno como se pretende, mas tem ainda ligações profundas – no mais das vezes
inconscientes – com o passado arcaico. Kafka, ao contrário do que fez em seu primeiro
romance, “O desaparecido”, em que se apresenta a própria modernidade triunfante,
optou em seu último romance por se utilizar destes elementos arcaicos, encontrados
em um vilarejo provinciano, para representar a vida na sociedade moderna
burocratizada. Que tipo de intuição existe por trás desta apropriação? O leitor também
é pouco informado sobre K. e adquire conhecimentos apenas a partir de ditos e
memórias do personagem, não através do narrador (que parece ser tão pouco
onisciente quanto o leitor). O mistério de sua origem confere-lhe inicialmente
características literárias de diversos gêneros, de um romance de aventura, de uma
gesta medieval, de uma epopeia. Com o prosseguir da história, no entanto, K. vai
abandonando aos poucos suas características misteriosas e “heróicas”, e vai cada vez
mais mostrando-se contraditório, pouco crível e às vezes mesmo cruel. O leitor fica até
o fim do romance sem saber, salvo talvez por uma pequena reflexão biográfica de K.,
qual é na verdade o fundamento de seu desejo em adentrar o castelo. Cruzando os
caminhos de gelo junto ao braço de Barnabás, K. se lembra de sua terra natal, do
"Heimat", e de como certa tarde escalou o muro do cemitério, inalcançável até então,
e de seu sentimento advindo do feito. Trata-se de um desejo de grandeza, diferente,
no entanto, do antigo "kleos" grego. É menos uma glória do nome, a ser narrada por
gerações, do que uma birra quase infantil, uma tarefa sem utilidade, senão a de elevar-
se sobre seus contemporâneos. Talvez este sentimento não seja desimportante para a
compreensão do impulso de K. de adentrar o castelo. Não é por acaso que ele está
localizado, assim como o muro, geograficamente sobre o vilarejo. O sucesso inicial e o
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sentimento daí advindo talvez sejam modelos originais aos quais K. se dirige. Há aqui
uma pista que talvez possa explicar a irracionalidade destaa busca: um desejo de
repetição daquela sensação, a memória daquele sentimento que funciona para o
protagonista como um tipo de obsessão original (um tipo de pecado original).
Valéria Cristina Bezerra
Universidade Estadual de Campinas
A PRESENÇA DE ROMANCES NO RIO DE JANEIRO OITOCENTISTA: A INSERÇÃO DA
OBRA DE ALENCAR EM MEIO À CIRCULAÇÃO DA LITERATURA FRANCESA
O século XIX foi o século do romance. A fixação do gênero e sua ascensão ocorreram
no XVIII, mas a sua explosão se deu mesmo no XIX. Vários fatores contribuíram para
esse movimento: a ampliação do público leitor e sua consequente diversificação de
interesses; o fim do mecenato e o desenvolvimento da imprensa e do comércio de
impressos; o crescimento de novos mercados, como as colônias do Novo Mundo. O
público se identificou com a nova forma – que abandonava as prescrições clássicas,
tornando-se, portanto, mais acessível à compreensão – e com o novo o conteúdo –
que deixava de lado a narração de feitos e de empresas, representantes da
coletividade de uma comunidade ou povo, e passava a inserir no âmbito da ficção o
cotidiano, a vulgaridade da vida comum, com um teor mais individualista. O leitor se
via nas páginas, se irmanava com os personagens, compartilhando de seus infortúnios.
Não demorou para que a fórmula se espalhasse, multiplicando-se os livros, os editores
e os escritores que se dedicavam à escrita do gênero. Em meio à imensa oferta no
século XIX, alguns nomes tiveram maior destaque devido ao volume de escritos e ao
permanente interesse que despertaram no público durante décadas. No âmbito
francês, escritores como Bernardin de Saint-Pierre, Alexandre Dumas, Eugène Sue,
Ponson Du Terrail, Paul de Kock, Xavier de Montépin tiveram bastante êxito na
produção de narrativas ao gosto do tempo, alcançando enorme difusão na Europa e no
mundo. No Rio de Janeiro, esses romances estiveram fortemente presentes,
traduzidos e publicados em livros e em folhetins, muitas vezes, com pequena diferença
em relação ao momento de publicação em Paris. Ao analisar o gosto dos leitores do
século XIX, Márcia Abreu rastreia, através de estudos sobre a presença de romances
no Rio de Janeiro de Oitocentos, os escritores e obras mais presentes. A autora
estabelece um cotejo com os dados de Martin Lyons em “Les best-sellers” (1985),
sobre os romances mais lidos na França. No que se refere ao que o autor chama de
“sucessos de média duração”, Abreu chega à conclusão de que “há semelhanças entre
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o que se verifica na França e o que ocorre no Rio de Janeiro, principalmente no meado
do século, quando Eugène Sue e Alexandre Dumas obtêm destacadas tiragens na
França” (ABREU, 2012, in mimeo). Esse era o ambiente em que começaram a atuar os
romancistas brasileiros, quando havia uma forte presença de romances estrangeiros,
com destaque para Alexandre Dumas, e quando havia um público bastante interessado
em romances. Foram esses modelos que motivaram a imaginação dos romancistas no
país e lhes fizeram ter uma compreensão de como executar o gênero para alcançarem
êxito, como testemunha José de Alencar, ao referir as suas leituras para a sua
formação enquanto romancista: "Tendo o meu companheiro concluído a leitura de
Balzac, a instâncias minhas, passou-me o volume, mas constrangido pela oposição de
meu parente que receava dessa diversão./ Encerrei-me com o livro e preparei-me para
a luta. Escolhido o mais breve dos romances, armei-me do dicionário e, tropeçando a
cada instante, buscando significados de palavra em palavra, tornando atrás para reatar
o fio da oração, arquei sem esmorecer com a ímproba tarefa. Gastei oito dias com a
Grenadière; porém, um mês depois acabei o volume de Balzac; no resto do ano li o que
então havia de Alexandre Dumas e Alfredo Vigny, além de muito de Chateaubriand e
Victor Hugo ./ A escola francesa, que eu então estudava nesses mestres da moderna
literatura, achava-me preparado para ela. O molde do romance, qual mo havia
revelado por mera casualidade aquele arrojo de criança a tecer uma novela com os fios
de uma ventura real, fui encontrá-lo fundido com a elegância que jamais poderia dar"
(ALENCAR, Como e porque sou romancista, p.p. 40-41). O volume de Balzac fazia parte
da coleção particular de Francisco Otaviano, que teria uma atuação bastante
significativa nas letras do país. O livro de Balzac parece ter sido objeto de disputa, já
que Alencar teve de esperar o colega terminar a sua leitura para lhe passar o
exemplar. Balzac estava nas estantes dos futuros homens de letras do país e fazia
parte dos seus interesses, como bem testemunha Alencar. Essas leituras dos
romancistas franceses o estimularam a escrever romances e participaram de sua forma
de pensar a literatura. Partindo dos modelos e propostas dos letrados estrangeiros e
em sintonia com o anseio dos homens de letras do país, Alencar se lançou à reflexão
sobre como deveria ser a literatura do Brasil, através das Cartas sobre a Confederação
dos Tamoios, e também à produção de romances. Alencar experimentou o espaço do
folhetim do Diário do Rio de Janeiro para a publicação de seus romances. Inicialmente
publicou Cinco Minutos, cujos capítulos foram veiculados no mês de dezembro de
1856. O romance foi publicado em livro no mesmo mês. Em 1º de janeiro de 1857,
aparecia o primeiro capítulo de O Guarani, com execução próxima às ideias expressas
pelo autor nas Cartas sobre a Confederação dos Tamoios. O romance foi inteiramente
publicado em folhetins até 20 de abril do mesmo ano e foi referido como tendo obtido
grande sucesso de público. Certamente atendendo à procura pelo romance de Alencar,
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O Guarani foi publicado em livro pela tipografia do Diário do Rio de Janeiro no mesmo
ano. Daí em diante, as obras de Alencar, romance ou teatro, passaram a integrar o
repertório de livros à disposição do público fluminense. Esta comunicação se propõe a
apresentar as condições da presença dos romances de Alencar no Rio de Janeiro do
século XIX em meio à oferta do romance estrangeiro, sobretudo francês. A análise será
empreendida a partir de catálogos de livreiros e bibliotecas e de anúncios dos
principais periódicos do período. Esta pesquisa integra o estudo de Doutorado, que
tem por fim avaliar a formação do romance brasileiro a partir da obra de Alencar e as
implicações que permearam a elaboração do romance nacional diante da forte
presença do romance francês e de sua posição enquanto modelo literário.
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