CAPlTULO IV o RENASClMENTO COMO REFORMA DA IGREJA · bleia de Basileia, a qual Eugenio IV...

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CAPlTULO IV

o RENASClMENTO COMO REFORMA DA IGREJA

Enquanto se enrmevam as nacoes da Europa, tal como 0 principio e a realidede da monarquia absoluta, enquanto as viagens e conquistas de stem-mar lransformavam as correntes e 0 ritmo da economia e a arte e a cultura - graces 11.0 melhor conhecimento da Antiguidade e tambem A maior etencac prestada 11.0 mundo exterior e a tecnlcas mais seguras c-.

se orientavam para percorrer novos caminhos, como nlio havia a mutll.cAo gerai da socledade, agora mali aetiva, mali urbanizada e mais inslrulda, mais laica do que nos seculos Xli e XIII, de atlngir em profundidade a propria religiAo~ uma religiAo que letormava toda a vida quotidiana e que penetrava no coracao de cada um? No meio de pestes terrfveis, de repetidas guerras e de afliuvas lutas civis, numa Europa Ocidental e Cen­tral abalada par brulais revtravonas da conjuntura economica, a Igreja de Cristo parecia naveaer A derive para 0 ahismo. Mas 0 seculo XVI viu-a recuperar e, 11.0 mesmo tempo, quebrar-se e mostrar A luz do dill. 0

escaacaloso espectAculo do 6dio entre os seus filhos. Em 1378, aquando da morte de Greg6rio Xl e 11.0 regressar de Avinhio

a Roma, perigosos grupos de pressiio - grupos de cardeajs divididos em Iaccees rivals - impuseram, a uma Cristandade dolorosamente estupefacta, urn cisma • que iria prolongar-se por mnta e nove anos. Depeia das flu­luacOes Iniciais, a Europa catolica dividiu-se em duas: a Franca, a E9c6cia, Castela, Atagiio e 0 reino de Napoles decfararam-se a favor de um fran­ces, Clemente VII e; os outros paises optaram pelc Italiano Urbano VI. Ds dois ponurlces e cs dois sacros colegios, agora inimigos, excomunga­ram-se reciprocamente e procuraram subtrair paises e eels A tendencia adverse. Cada urn do! dcis pertidos teve os aeus prepagandistaa e os seus aantos. Pedro de Aragao e Catarina de Siena roram .urbanistas., Vicent Ferrer e ·Coletle de Corbie foram eclementiaose. Uma vez apanhados neste engrenagem, os papas antagonistas e os seus sucessores numa e noutra obediencia foram as nlumcs a compreender que a unica forma de pOr fim 11.0 cisma consistia em abdicar. A obstinaciio do! pontHices, e especietmenee

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a de Bento XllI, eleito em Ayinhao em 1394, impediu durante muito tempo as tentativas de «reuniao•. Para pressionar 0 papa de Ayinbao. o clero e 0 gcverno rranceses decidiram, por duas vezes, a esubtraceao a obediencias _ primeiro de 1398 a 1403 e depois, novameme, a partir de 1408. aeruo Xl'lk continuou intratavel. No entanto, parecera em 1407 aceitar 0 principio de uma conferencia em Savona com 0 adversario. Ambos oa papas se moveram (Ienlamenle) urn ao eucontro do outro, mas nac percorreram cs ultimos vmte e quatro qutlometros que 05 separa­Yam. Muitos cardeats de ambos os lades se separaram des seus pontifices e convocaram urn concuio " em Pisa (1409). Bento XIII e Gregorio XlI • roram declaradcs hereucos e depcstos. Foi eleito urn novo papa, Ajexan­dre V, Que morreu no ano seguinle. sendo substituido por Joao XXIIl. Havia agora rres papas. pois nenbum des dots pontffices depostos aceitou abdicar. Joao XXIlI, cuja anterior carreira fora mais militar e pounce que rehgiosa, e cujo comportamento tinha aspectos escandalosos. oao p6de recusar ao rei dos Romanos, Segismundc, eadvogado e defensor da Santa Igrejae, a ccnvocacao de wn novo concilio para Coustansa. A aasembleia (1414-14l8) nao tardou a entrar em conflitc com Jose XXIIl, que fugiu de Cnnstanca, foi apanhadn e, finalmente, re­signou. Gregorio XII, desanimado, renunciou iambem ao ponlificado. Mas Bento XIlI, velho cbstmado, retugiado no rochedo aragones de Pe.iiiscola como numa area de Nee, recuscu todo e qualquer ccmpromissc ate a rnorte (1423). Depots da eleii;ao de Maninho V, em Constance (417), porem, 0 mundo catctico reencontrara, praticamente, a sua unidade.

o concilio de Constance nlio reunira apenas para p6r fim ao ctsma: rivera tambem 0 objective de condenar as doutrinas hussitas e. mais ainda, de realizar 0 dese]c, ja btl tanto tempo expresso, de eerormar a Igreja na sua cabece enos seus membros•. Ora a impotencia pontifical e a anarquia que reinava na Cristandade davarn, precfsamente, uma opor­tunidade ao movirnento conciliar, que era herdeiro daa doutrinas de Jean de Jandun e de Marsilio de Padua, as quais subordinavam a autoridade do papa ao livre consentimentc do povo cristae. Ill. antes da reuniao do concilio de Constance univenilarios emfnentes como Pierre d'Ailly e Gerson. tinham pedido a «mvocacao de assc:mbleias eclesiasticas que supervisassem, tanto no dominic espiritual como no dominic temporal, o govemo da Igreja. Iria esta Igreja transrormar-se numa monarquia par­lamentar1 Numa federa~o de nacees autonomas que se exprimis;lem em Estados Gerais peri6dicos da eatolicidade1 Erectiyamente, os padres, em Constan\-8, agruparam..ge e yotaram por .nac5es., os doutores de direito e de teologia foram admitidos nos escrutinios e Martinho V foi eleito por urn conelaye em que os yiDte e tzis eardeais presentes tiyeram de aceitar. a seu lado, tnnta deputados das «.nai;DeSll. fulas inovac5es anunciayam ja a rdonna da igreja'? Na yerdade, este grave problema w foi abordado tardiamente e em ambiente de cansa'7l, depois da condena~ de Joio Huss e da abdicai;iio de Joao XXIII e de Gregorio XII. Mas, a 30 de

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.. Pmi!t. que =onbeciam e papa de R<>ma ~ PaLsc, que reconheciam

(> papa de A~lnh50 (!J

thj::J Zonas contr(m"a~ :

24. 0 GRANDE CISMA: SlTUAC..rO CEReA DE JJ90. (Segundo Hlstoire ,em!rale des civilWilioas.)

Outubro de 1417, foram votados dewito decretos que visavam, essenciel­mente, os abuses, quer Iinanceiros quer judieials, do poder pontifical. Martinho V, porem, desde que se viu eleito, epresscu-se a apresentar om conlraprojecto mitigado e a negociar separadamente com as varias ena­i;Oesl'l do concilio concordatas proYis6rias que restabeleciam pareialmente as eleii;Oes eclesiasticas e diminulam as exigtneias financeiras do papado. o concilio lenninou, em 1418, na impotencia e na completa falta de unanimidade. Tomara, todaYia, uma decisao fundamental que defendia o futuro: 0 papa fora considerado inferior ao condlio e este reuniria, doravante, de fonna regular e automatiea.

A yontade de refonna Yinha, essencialmente, da base. E a assc:mbleia de Basileia atraiu relativamente poucos prelados - menos de cern -, mas cerca de quatrocentos uniyersitArios decididos a caminhar em frente.

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o eoncu!o comeccu por b~neficiar da sirnpatia geral da Cristandade e Eugenio IV., apesar da sua profunda hostilidade para com ere, teve de reconhece-lo como can6nico (1434). Foram obtidos important~s resultados em varies domlrrios. A FranCa e a Borgonha, sob a egide do conculo, reconciliaram-s~; os utraquistas· da Boemia toram readmitidos na lgreja romana: e as re!lOlucOes de reforma foram adoptadas em 1436. Mas EUienio IV saiu vencedcr do conflito que 0 opunha ao conctlio- Os extre­mistas da assembleia. que se declarava constituinte, Ioram inabeis eo usc estatuir os metes financeiros a dar ao papado e, principalJnente. ao depor Eugenio IV e efeger Felix v (1439). Poi geral a consterna~o perante 0 ctsma que novamente se abria. Carlos VII e 0 elero frances. favorAveis ao concllio, tinharn justam~nte adoptado a tlpragtnAtica sencaoe ", que, sob as cores do galicanismo e da independencia face ao papa, rane, na real..i­dade, do rei 0 senhor des beneficios em Franca. gecuaram, portm, pe­rante a perspective de nova quebra da unidade crista. Noutros pafses. a reeccao foi Idenuce. Felix v s6 foi reconh~eido por Basileia, Estmsburgo. Sab6ia, Milao, Araglo e Baviera. Os moderados abandonaram a assem­bleia de Basileia, a qual Eugenio IV 01'65 em 1438 outre ccccnlo, primeiro nunido em Ferrara e depols em FlorenCa. Ora foi II ptcrence que vein u o imperador de Constantinopla, e foi Eugenio IV quem ele reconhece como sucessor de Pedro. 0 exito - sem fuluro - da reunilio da!l Igrejas grega e latina (1439) exaltou 0 prestigio de Eugenio IV. A moTte do pontlfice. em 1447, e a sua substituicio por urn humanista, Nicolau V,mini, que, por int~rmtdio de outro humanista J£nea Silvio Piceolonegociou a completa reuniao da Alemanha 11 Santa Set completaram o descrtdito dos obstinadoo de Basileia e isolaram Felix V, que abandonou a luta (1449). Os cnncIlins nao linham conseguido a refonna da Igreja e tambem a nao fileram os papas que reinaram entre 14S0 e a revolta

de Lutero·.

* Em 1434, Eugenio IV eserevia aos padres do concnio de Basileia:

~Das solas dos pes ao cocuruto da cabeca, nan h! no corpo da Igreia uma unica parte Sat. Cinqu~nta anos depois, urn orador do clero nos Estados Gerais de Tours nao seria menos pessimi!Jta: cTodos sabem, declarava ele. que jli nilo M regra, dev~o nem disciplina religiosas e que hli em tod~ a c1ero demasiada de!lOrdem em grande detrimento de toda a Cristandadet. Na esteira de acusacOes tao categ6ricas. muitos historiadores facram, durante muito tempo, doo cabusos& de todos os generos que entlio bavia na Igreja a causa principal da Reforma. Efec­tivamente, quando esta surgiu, por toda a parte se acumulavam os bene­ficios, as comendas, 0 absentismo. 0 decUnio da vida monll.slica em indiscutlvel. Pico de Mirandola e Erasmo estigmatimm a vida monacal., cnio modo de recrotamento e, muito frequentemente, deplorlivel. Sen

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preciso repetir as satiras de Erasmo e de Rabelais contra 05 rellgjosos? E 0 papel odioso que Margarida de Navarra da em tantos doe seus ccntos aos frades mendicantes? Por outro lado, dominicanos e francis­canes esgotam-se em querelas mesquinhas. as Iranciscanos dividem-se em dois grupcs rlvais: observarnes e convenruais. Finalmente, mendi­canres e seculares opoem-se em muitas ocasrees. aqueles pretendem substituir estes na vida paroquial. E. verdade que 0 baixo clero, por sua vez, tambem dena muito a desejar. E. bem pouco edificante 0 quadro que dele fazem muitos docurnentos - saurus de Sebastian Branr " e de Erasmo, sermoes de fogosos pregadores, aetas de vtsltae pastorals, arqui­'lOS oficiais. Ai encontramos Frequentemente padres eheios de bruta­lidade, cnvolvidos em querelas e dadcs ao concubinato. E mats ainda: sao pouco instruidos e muito pobres, especialmetne nn campo, pois os beneficiaries sao absenustas e fazem-se substituir por servidores a quem pagam 0 mtnimc possivel. E vulgar 0 padre ter de trabalhar para 'liver; as vezes «vendee os sacrameruos. Os lccais de culto estao mal conser­vades, as bases da religiao sao mal ensinadas. os sacramentos sao pouco e mal distribufdos. J. Toussaert provou, num livro capital, que numa realao tao crislA como a Flandres se oferecfa aos fieis - massa bruta e ainda de instintos muito pagaos - «urn crisrianismo a 80 % de moral, IS % de dogmas e S % de $3cramentosll. Os bispos esquecem cada vez mais que 0 seu nome ll-significa labor, vigilancia, solicitude» (Erasmo). Frequentemente recrutados na nobreza, voluntlirios da guerra na Ale­manha e, noutros sUios, conselheiros atenlamente ouvidos pelos principes - de 1436 a 1444 houve seis bispos on con!.t:lho dc Carlos VII -, nao tern escrli.pulos quanto ao absentismo e csquecern 0 dever de visitar as dioceses. Quanto mais se sobe nos escalbes da ruerarquia maioe parece J escAndalo. Numa Roma corrompida pelo luxo do Renascimento, os cardeais sao, mais que nunca, as ~sll.U'aPall, montados em cavalos ajac­zados a ouro, que pouco falta para que seiam tambem ferrados a OUro... II, como jll. Pelrnrca reprovava. Brlgida da Su~cia pedira a supressao de tais «inuteis&. Quanto aos papas, «fazem, com 0 seu silencio, que Cristo seia esquecidot - e Erasmo quem fala-, ~acorrenlam-no a leis de traficlincia, desnaturam-Ihe os ensinamentos com interpretacoes manipu. ladas e matam-no com 0 seu vergonhoso comportamemol). Sisto IV deixa urdir a coniura dos Pazz.i; Inocencio VIII· convida a mais alta nobreza italiana para 0 casamento de seu filho; Alexandre VI·, papa simonfaco e por este motivo vilipendiado por Savonarola, cobre com a sua autori­dade os l:rimes e a ambicao de seu filbo Cesar; Julio II, «velho decre­pitOll, dedica, apesar disso, 11 guerra urn ardor de jovem. 0 seu sucessor. Leao X, e mais padfico. mas lem uma grande pawo pelo teatro. Na epoca dc LUlero, tinba coisas melhores com que entreter-se.

Quc hll. de espantoso na impressao de caos dada por uma Cristandade assim dirigida e enquadrada nas vesperas da Refonna? A liturgia perde o pC perante novas formas de devocao. Deve-se aderir mais aos sacra­

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mentes au eo rosario, a missa - uma missa que a maicna des fieis nao cnte.ade - ou a via sacra, a Deus ou aos samos? 0 politeisrno parece renascer. Os crisraos. assusrados com a medo da mone e do inferno, procuram nbeigar-se soh 0 grande manto da Virgem e tentam segurar-se contra a dana~ao Ii Iorca de induJgenci.as cornpradas. A perutencia torua, assim, urn caracter venal e as indulgencias sao oterecidas como premios de uma tomboja. Numa atmosfera saturada de mquteracec em que: 0 crabc parece rondar par todos as tacos, aumeuta, no seculo XV, a ceca aos Ieiticeircs e, principalmente. as Ieiticeiras, que 56 depots de: 1648 abran­darn. Como e que uma Europa crista tao profuudarneme perturbada e dividida per tames conniW.'l intemos poderia rc~jstjr nos assaltos do Infiel1 Os cristaos, iii vencidos em Nicopolis (1396) e em Varna (1444), nao puderarn evuar a conquera de Constantinople (1453). Ficaram surdos aos apekrs emoconames mas eneceoecos de Calista IH e de Pio II, que teutaram retancer a ideia de cruzada. Havia, porranto, em todos os aspectos, uma cnse da Igreja. Depots de ter queimado personagens tao santas como Joac HuS'; (1415) e Savonarola (149,~), depois de recusar-se a ouvir cs apelos a renovacao, a Igreja enfrentou nas piores ccndicoes possrvers 0 embate de Wittenberg: Lutero (I483-lj46) juntava it dencia teologica de Wyc!if a veemeocta de loilo Huss.

* A partir do momemo em Que Prei Martinho - sem a minima inten­

<;5.0 de revoltar-se contra Roma- aruou, em 31 de Outubro de 1517, as suas 95 teses na porta da Igreja de Wittenberg, a Iractura da catch­cidade avancou com desconcertante rapidez. Menos de quatro anos depois, Luterc, que emretanto passara a ser 0 homem mars conhecido da Alemanha, fora excomungado, banido do imperio, recothidc e escon­dido em Wartburg pelos cuidadcs do seu protector Prederico da SaJlOnia. Mas, ainda anles da excomunhao, redigira, s6 no ano de lS20, as qualro obras fundamentais que inam servir d~ base a tcologia reformada: 0 Papado de Roma, 0 Apelo a NobTe~a Crisrii da NOfOQ Alemu, 0 Calil'ei,O Babi/6nico da 19re;a e 0 tratado DQ Liberdadc do C,iJlao. Em Wartburg, Lutero comelYou a traduzir a Biblia, trabalho que continuou, a partir de Jj22, em Wartburg, ande pudera l'oltar por nao ler jf1 a sua segural1l;a em dli"ida. Na verdade. toda uma parte da Alemanha se pronunciava a .'leu favor: hUIllanhtas como Melanchton, que foi 0 seu principal disd­pula, artistas como Durer, as Cranach, Holbein, gente da pequena Dobreza condu:z.ida por Franz von Sickingen e Ulrich von Hutlen, bur­guesia urbana, principes. Quando, em 1529, uma dicta quis fazer valet Dovament!: 0 l!dito de Worms, que bania do Imperw 0 reforrnador, sei! prfncipes e catorze cidades ptotestaram - e dai 0 nome de «prates­tantesli "'. A partir de Ij31, uma guerra de resultados incertos op& a liga de SmalkaJde, luterana, as tropas e aos aliados de Carlos V. Adqui­

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rido 0 apoio da Franca pelos adversaries do imperador, este deixou seu irtuao Fernanco aceirar em 1555 a pJniJha reJigiosa da Alemanha. Nessa data, dois rereos do pais eram luteranos. Mas <I Reforma tinfla Iarga­mente ultrapassado as fronteiras da Alemanha, Toda a Escandinavia passara para 0 Jado des proresramee A agitalYao religiose nos Paiscs Baixos era mtensa Em Estrasoor80, 0 eulfo reformado fora estabelecido em 1523-1524. Uma boa parte da SuilYa abandonara Roma: Zurique em 1523, ao apelo de Zwingli', Saint-Gall em 1524, Berna em 1528, Baslleia em ]5;:9 a convne de CEeoJarnpad', Neuchllte! em 1530, Genebra em J535 per instigalYao de Farel e Este eriara em 1523 em Paris a primeira igreja rcfounada de Frdn<;.a, e nesse ano foi supncraco 0 pnmeiro marur protest ante frances. Onze enos depois eatalava 0 case des ~plaeardSll, que tanto irritou Francisco I. Ell} Ingtarerra, Thomas Cromwell', que

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~R~"s ~ml!lu~~itle) falllOcs r.~!0z ..il ~8e.1\~:S

Regioe.O protestallte.

MORTE DE CALVI NO.26, 0 PROTESTANTISMO NA SUICA AQUANDO DA (Segundo J. D.!/wneIlU, lbld.)

levou Henrique VIII a romper com Roma (a excomunhao do soberano e 0 «Acto de supremaciall sao de 1534). era de simpatia luteraea. Em 1528 merna 0 primeiro martir protestante da Bscccia. As doutrinas de Lutero gozavam de slmpatias ern Sevilha e em valladclid, e mais ainda em Napoles, no crrculc de Juan de Valdes, e em Ferrara. na corte de Renata de pranca. Na gcemia, onde 0 terrene fora preparado por Joao Huss, na Moravia e, principalmente. na Hungria e na TJ1lD­silvfi.nia, vastas camadas de popular;ao foram ganhaJ para a Refonna. Enfim, cerca de 1555 0 luteranismo tinha ganho numerosos partidArios na Alta e Baixa Austria, na Esttria, Iia Carintia e na CaniJola. na Pos­nAnia e na LiluAnia.

A morte de Lutero (1546) pro ...ocou no interior da confissAo de Augsburgo uma crise que durou perto de quarenta anos. MM, quando o luteranismo jA esta ...a a perder 0 fEllego, Calvino· (15Q9..1564) deu nova vida e nova forr;a A Reforma. Retido em Genebrn por Farel em 1536, expulso da cidade dois anos depois, chamado ncWamente pelos genebri­nos em 1541 e para sempre instalado entre eles, 0 autor da Instituif;ao Crista, transformado em segundo patriarca da Reforma. fez da cidade

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do Leman a Roma do prutestantismo. Dela partiram ca pastorcs que tomaram nas maos os muitcs pequenos grupos de eprofessantese mal organlzados de Franca e L10s Parses Baixos. Por outre lado, John Knox ", que em 1560 fizera triunfac 0 presbiterianismo na Escocia, est!...era por duas ...ezes em Geaebra, onde tra vara relafQes de amizade com Calvioo. Poi ainda como que urn conselheiro religioso do jo...em Eduardo VI· de Inglaterra, em quem ...ia urn novo Jcsias mas que so reinou seis anos (l547-1553), A morte do rei e 0 adveruo de Maria Tudor. que era catc­hca, e depcis 0 de Isabel - (1558). que neon bastante indiferente aos problemas des dogmas, dificultaram em Inglaterra uma reforma de tipo sulco. Mas 05 XXXIX Anigos de 1563. que consolidaram a Igreja Angli. cana, assoctaram urn culto e uma hierarquia aparentemente cat6licos a uma teologia largamcnte cal...Inista. Alem disso, desea...ol...eu-se em Ingla­terra uma forte corrente puritans que iria, tempos depcis, originar a guerra ci...il. Era hoslil a eidolatria papistas e aos bispos, que trarava per elobos devoradcres» e «servidores de Lucifer». Na segunda metece do se­culo XVI e no inicio do seculo XVII. a reforma zwinglio-cal...inista - expressao mais exacta que a designacac «cal...inista» - triunfou no PaJatinado renano, onde foi redigido 0 celebre Caacismo de Heidelberg (1563), progrediu para a Frlsia Oriental e passou a ser a religijo des tandgraves de Hesse-Cassel e des elcncres do Brandeburgo. Ganhou tambem terrene na parte da Hungria que passou para 0 domfnio turco. Fci, princtpalmente, a confisiiio oficial das Provtncias Unidas, revcnacas contra Filipe lIe, separadas dos Patses Baixos desde 158L Quanto a Franca, teria. de acordo com Coligny, em 1562, mais de duas mil cento e cinquenta «comunidades» reformadas que reuniam urn quarto da popu­tacao de reino. E preciso dizer, pceem, que. a partir da decade de 1560, os progresses do protestanttsmc foram mais leruos que oa eocca de Lutero e encontraram pela Irente uma Forte defesa do catclicisrno.

A ...ontade de defesa da Igreja Romana, na ...erdade amputada IDolS nao destrufda, afiImou-se prlncipalmente a partir do reinado de Paulo III (l534-J549), Foi ele, com efeito, que apro...ou os estatutos da Companhia de Jesus (1540), que criou 0 Santo Ofkio (1542), que convocou para Trento (1545) 0 concflio ecumenico que Lutero pedira mas do qual 0 papado desconfia ...a por causa dos precedentes de Constam;:a e de Basi­leia. 0 condlio, apesar de uma existencia diflcil -estendeu-se por dezoit.o anos e foi dissol...ido duas ...ezes,-, realizou uma obra conside­rA...el. Clarificou a doutrina, conservou as boas obras -ou seja, a !iber­dade - na obra da sal...a~o. cooservou os sete sacrnment.os. afinoou com forca a presenca real na eucaristia, iniciou a redaccio de urn cate­ci:l.mo. obrigou os bispos a residir e os padres a pregar e decidiu a criacao de seminArios. Mas e.ste oondlio foi tambem uma recusa de diAlogo com os protestantes. definitivamente c1assificados como Ilhertticos», Op&.se ao casamento dos padres e a comunMo sob as duas especies, cam a Lutero e aoteriormeote concedida aos utraquistas da Boemia. 0 concUio

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"""_linl;ledo~.n'ol"'lI"f1o. Dl~AMARCA

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28. ERASMO CENSURADO PELA CONGREGA{:JO DO INDEX. (Segundo RHorme et Conlre-RUorme, in La documentation photoSuphIQue.)

cussees entre doutores nvessem menos Impcrtaocfa que a prauca dIU virtudes evanselrcas.

* A cctccacao DO Index de uma obra cu]c auter recebeea, trinta enos

antes, a eferta de urn chapeu cardinaljcio - e que Erasmo recusara para continuar livre - era urn sinal dOli tempos e urn lndicador, entre muitos outrcs, do endurecimento de posi.;oes. Os cristio~ pareeiam ecreditar, mais que nunca, na rcrca como meio de resolucAo dos problemas reli­slosos. Deatrulam as templos aztecas e Incas, expulsavam as Mouros de Espanha, Iechavam as judeus em «ghettos•. 0 6dio entre os fiei.<l de Cristo atingia a auge. Francisco I deixou massecrar 3000 Valdensu do

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SuI. Fihpe II liquidou os protestanres de Bspanha em cinco grandes autos­-de-fe. Com 0 S. Bartolomeu e as sues sequetas, forarn vitirnadcs ues 30000 refonnedos Ircnceses. Nos Paises Baiaos. no OutOIlO de 1572, 0 slrusrrc duque de Alba fez passer pelas armas os protestantes de Zutpben e mandcu saquear Malines, que tinha aberto as portaa a Guilherme, 0

Taciturno. Mas it intolerAncia eszeve em ambos os lados: A.J execu~5es

ordenadas par Maria, a Sangrenta, respouderam, em acmero quase igual, as de babel. Na Europa do seculo xvr eclcdiram, por quase toda a parte, efurias Iconociasras» que destru1ram estatuas, frescos e vitrais: em Wittenberg em 1522. antes do regressc de Lutero, na Proveaca e no Delfinedo ern 1560, e princlpalmente nos Paise! Baixoe em ]566. Nesta ultima regiiio, em 1572. os t:gueux» C) enterraram vivos os menges, deixan­do-lh.es all' c.abe~a.:i de fora para seevlr de atvos em joKQS de bolas. Na lnglaterra de Isabel, martires catcliccs foram estripados vivos. arran­cando-se-thes coracao e vrsceras, uma mulher que escondera om padre foi esmagada sob tabuas e pedregulhos. Quem pocera dizer qual des adversarios foi mats cruel e em que pais houve maor barbarie? As guer­res religiosas v Jorem ioterm.in.6.~eis. Oe Neerjandeses cbamaram «guerra doe oitenta enos» (1568-1648) a guerra que termi.oou COlD 0 reconheci­mente pela Espanba da sua republica calvinista. Em Prance, Heariqce IV julgcu ter posto lim. com 0 edito de Nantes (1598). a trinta e sels enos de lutes fratricidas, mas essas lutas recomecaram depois da sua motte e so tertninaram rom a PiU de Ales (1629). J6. quinze mil pessoas tinham mer­ride de feme numa La Rochelle cercada (1627-1628). A Guerra dos Trint.:l ADos, que comecou em 1618 com a revolta da Botmia. largameDte ganha para a Refcrma, contra a polftica uftracatolica des Habsburgcs, fci, de urn ponto de vista cristao, mats uma e muito grave laUa de caridade.

Como a intolerancia religiosa era entao a regra, cs Iuteranos e ca calvinlstas trocaram entre si vrolemos pantletcs sobre a presence real, mas entenderam-se bern para perseguir todos os dissidentes do protestan­tismo e, em primeiro lugar, cs anabaptisLa.s -, Claro que, entre estes, bavia tambtm pacifistas e panidarios da violencia. Um dos «exaltados., Tbomas Munzer·, pds-se em U:Z5 a Irente dos camponeses alemiles., nvoI­tados contra os !lenhores. Lulero sabia bem que a maioria das reivindi­cacoes carnponesas tinba fundamento. Que pediam os campone.ses1 Liber­dade de escolha dos pastores, supressio dos pequenos clliimos e utilizacao dos grandes em proveito das comunidades de aldeia. nboticio da servi­dao, sl.lpressiio das resenas de ca~.,. Lutero rome~ou por dizer aos senhores: «Nno sio os camponeses quem ~e revol1a contra v6s. e0 proprio Deus.• Mas, re.speitador da autoridade ci\;l, peosava ao mesmo tempo

{') Mend/lOS em pont/guu. Nome dos revol105Oll do!; P~llet &lxos «mIra rilioe II, na GUI:Ha LIe Iod~pcndCncil1 (1~61_1S13). (N. In T.)

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19. REPlJGIADOS PRANCESES EM GEHEBRA B ESTRASBURGO EN'I RE 1$49 E JJ~O.

(S"8.,,,tfo P. P. G"i.~ntf{Jrf.) as jJQn/os u,dicll", a oriflt", JOB ujuGioJos em Genebra e as cruses a J(J.J refllg",Jo

s if", Eurtubll.rgo.

que, (mtsmo que OS prindDeS sejam maus e iOjust08, nada nutoriza II que nos revoltemos contxa eleu. Para 0 reformador, que recusava colocar-se noutro Plano que .olio fosse 0 religioso, s6 contava a <diberdade espirituaJ. do oWtAo. De resto, dctestava Munzer e os cexaltados. que 0 rodeavam;reprovava~lbe.s a Ie apocaUptica e reieilava tOdo e qualquer anabaptismD, Tinba ate amigos entre Oil chefts da repressao (Filipe de HeMe), Por isso tomolJ. POr fim• .Partido contra os camponeses revoltados e lan~ou esfe apelo, que tanto veus lhe foi censurado: cQue sejam estranguJados; 0 eAo raivoso que se nos atira tern de ~r morto, senao mata-aas a 06:5.• TodOl OS aaabaptisras, pacffico!i ou nao, foram perseguidos, quer nOS paIses 0116­licos quer nas regiOes que linfmm pauado 4 Refo una. Em 877 viElma.s

JJJ

,'"',menctoeecee nos martirol6gios protestames cos pafses gatxos, no 86­culo XVI, 617 eram anabaptistas. As cidades e os cantoes da surca n110 foram monos hostis a todos os espiritos jndependentes que S£ atastassem da nova onodoxia rdormada. rjenebra fez qcelmar Server. Melanchton, Theodore de Beze e todas as jgrejas heivetIcas aplaudiram esta conde­oa<;ao a: rnorte, pedida por Calvino. Quando, em \559, se soube em Basileia, cidade protestante, Que urn rico burgues, Jean de Bruges, morto tres anos antes, era 0 anabaptista loris - pacifista ruja catcsa tinha sido posta a premio -r-, 0 seu ca;xao Ioi exumado e procedeu-se a execw;ao posturna do perig050 defunto. Quatro uncs depois, Zurique expulsou Ochino, antigo geral des franciscanos passado a Reforma, porque, como Servete, ja nao acrediti:lva na Trindade. Essc vetho dc setenta e seis anos saiu da cidade em pleno tnvernc e Ioi morrer dc peste na Moravia. Assim, depois de tree seculos de cnse, 0 cristianismo estava mais dividido que

nunca.

* o breve resumo cas infelicidades da 19reja que vlemos apresentando

parece, de enlrada, confirmar uma tese ja de ha muito classica. Os \<.abu­son sempre crescentes, ligados a excessiva centraliza~o romana e As preocupa<;oes demasiado temporau do clero, provocaram, por uma esptcie de descontentamento, a revolta protestante; esta, por tabela, pro­vocou a reoova¢o da parte que se manteve fiel a Roma; mas esta reno­va<;ao, realizada demasiado tarde e no sentido do antiprote~tantismo, apenas serviu para alargar 0 fOS5O que separava dois mundos cristaos dontvapte hostis. Ora esta lese mostra-se insuficiente quando se ullra­a passa 0 nlvel superficial dos acontccimenlos e se mergulh na pro­fundidade da vida crisla dos sec-ulos XIV a XVI. Baseia·se num postulado: o perfodo central da ldade Media, 0 periodo da expansl!.O das ordens

amonasticas e da conslru~o da8 caledrais, teria sido um idade de cure da devo<;iio crisci. Mas nao se estara a con[undir a fe de uma elite clerical com a vida religiosa das massas? Nada, pdo contrario, garante que esLa vida religiosa tenha seguido uma trajectoria descendente, Por outro lado, se e indiscutivel que a Igreja dos seculos XIV e XV mos­trava, a todos os niveis, tar!\S muito visiveis, niio e certo que elas fossem em maior nlimero que no tempo de Greg6rio VII e de S. Bern,ardo, que n110 viu produrir- nenhum corte companivel ao do cisma protestante.

se L. Febvre escreveu que as causas da Reforma foram mais profundas que

s~o desregramenlo dos conegos epicuristas ou os excesso temperamentais das freiras de Poissyt. Ha contraprovas que d110 rauo a L. Febvre. Brl\Smo, que no Elogio da Loucura (l511) fustigou com veemencia papas,

ento, cardeilU, bispos e frades Que, com 0 seu comportam tralam a men­sag evangHica, recUSOU romper com Roma. In",ersamente, quando a

em Igreja Cat6tica, no seculo XVII, ill. tinha conseguido corrigir a maior parle

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oas deficiencias que leginmamente the tinham side concnio de Trento, as varias connssces protestantes reconcuccao com Roma. Portanto, 0 desacordo era va-se no plano da teologia, nao no da moral.

assacadas antes do nao procuraram a

mais grave e suua­

E urn facto que os reformadores protestantes nao deixaram, para levar as massas arras de si, de explcrar a velha hostilidade de Alemiies, tugteses e Francese, contra urn papado demasiado cupldo. Ja nas 95 Te~J

Lutero Ironfzava: «Porque e que 0 papa, cujo sacc t hoje em dia mao vofumoso que os d'os maiores ncacos -- anrmacao Inexacra, digamos de passagem -, nao cdifica, pelo menos, essa tal basilica de S. Pedro com o seu propnu dmheiro ern vez de ntsso gastar 0 dinheiro dos Iieis pobres?».

Era normal que as massas rossem particularmente sensrveis aos sar­casmos contra a «nova Babilorua», contra «a urania e a inutilidade da curia romana» e contra os ecovls da Iradalhada». Mas nao foi 0 especta­culo da «venda» das indulgcncias perto de Wittenberg que levee Lutero it doutrina da justificacao pela fe *. Poi, pelo contrario, a silenciosa des­cobe na tee rca de 1515) desta grande tese reologica, no recoltumemo con­venrual e gracas it leitura das eprstotas de S. Paulo, que 0 levou a pro­tcstar em 1517 contra uma pratica em que eIe reprovava 0 dar aos Iiels uma «ralsa seguranra» rcfigiosa. Os «abuses» rnencionados na Confis:rao de Augsburgo nao eram os desregramentos dos monges, mas sim «a comu­nhao sob uma s6 especie, a missa transformada em sacrifkio, 0 celibalo eclesiastico, os votos re1iglQ.<,Qs, os jejuns e as abslinencias impastos aos fitis» (Cri!liani) - como se Sf: censurasse 0 crislianismo. nilo de re1axa­mento. mas de excessivo rigor.

As erltieas formuladas contra as ordens religiosas, evidentemenle muiLO divulgadas na epoca do Renascimento mas por vezes eslereotipadas e convencionais, tambt:m tern de ser sujeilas a uma anAlise. Nlio ha dLivida de que as varias ordens jA nlio mostravam, nas vesperas da Re­forma, a poderosa vitalidade que as caraclerizara durante 0 periodo cen­lral da Idade Media. Alem do mais, 0 Grande Cisma linha-lhes acentuado a crise, a.> querelas internas. a tensilo mlitua enlTe as vArias fammas religiosas. Mas 0 historiador descobre, na maior parte das ordens, tenta­tivas de renovacao muito anleriores ao coneilio de Trento. A, ClariSSll!l, a exemplo de Santa Colette, os Agostinhos da Alemanha e os Dominica­nos da «congregacao da Holanda» tinham voltado, jA desde 1517, a uma est rita disciplina. Os IIEremitas de S. Francisco», mais tank chamados Capuchinhos, comecaram a pregar em 1526. Ter-se-a obgervado bern que Lutero viveu apenas, tanto em Brfurt como em Wittenberg, em conven­to~ disciplinados, onde se pecava principalmente por excesso de zelo e onde ele proprio se mortificou7 Quanto a Calvino, roi aluno do colegio de Montaigu, 0 mais austere de Paris. Se, portanto, a Igreja de antes de 1517 nilo fizera ainda a sua grande reforma, por falta de urn impulso de origem central, havia esforcoo disperso! mas numerosos - tanto os de real amplidiio (a restauraCao religiosa cspanhola sob 0 influxo de Cis­

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nercsj como os ma~ discrctos (a fundacao, no principia do seculo XVI, do «Oratorio do amcr divino. ern Genova c depois em Roma) - que provaru a existencia de urn ceselc muilo generalizado de: purifica~iio. Este desejo tcmou per vezes 0 esoeceo de ("C!:rCJSO M passado. Nas omens reli­glosas, ereforma.. signiffcava, em gerar, eregresso a observaacre.. e aos usos anugos. Ncsecs cases, parecia ausente a ideia de adaptB¢o a condi· 'iUcS novas. Por outro lado, de toda a parte surgiarn, de modo desorde­nadn, e cerro. iniciatives e manifestacces que prcvavam menos a deca­deneia que as 'exigendas novas e a transformacdo da devccao.

* tIa urn facto principal que caracterlza a vida religiosa no Ociuente

a partir do secuto XVI, a saber: 0 asceneo e aljrmaciio dol cevccac popu­lar. 0 cnstianismc, que atc entac fora uma retigiao de c/crigos qllC enqua­aravam e dirigiam a devoeao d6cil dos fieis, tcmou novas CORS. Passon a exprimir numa civiliza,,!o mais urbana, uma alma cojecnvc mais auto­noma e menos controtavel que arnerjormente. Tornando consciencia cesta orcmocso do povo cnsno, teologos do seculo XIV - Marsilio de PAdua, GuiJl:Ierrne de Occam, Dietrich de Niern - nao hesitaram em adoptar uma atitude ~multitlldinistu. Urn deles prodamou: «0 papado c a tota­lidade dos lieis juridicamente associados pam .'jatbra~ilo dos :>ellS interesses comunn. Uma tal doutrina Ievaria, mais tarde, os reformadoR! protes­tantes a afirmar, na lillha de S. Pedro. 0 sacerd6cio universal do! cris­laos. M~s ja antes disso se mUltiplicavam as diversas e, IXJr veZC!l, amu· QUkM manifesta~Cies de urn crislianismo de massas: procisllOes de flage­lante.~, vias-sacra:. coJectivas, cortejos e procis.'lOes de todos os tipo:s - es,peeialmente a do Corpus Domini -, autos da Paixao representados pemnte mutlidoes coflsideroivei5, desenvolvimen1o das confrarias, maior papel do canto no.s cerimonias religiosas, Cunda¢io de coras privativos das igrejas, etc. Ik racto, as multidoes sentiam necessidade de cantar a sua fe. Os utraquistas fomentaram 0 canto religioao popular_ Urn ~evlo

depois, m corais luteranos e os salmQS wusicados e lraduzidos para lingua vvlgar deram, do lallo protestanle, novo alimento A devOl,"ao do.s ri6s.

Poi tambem para levar a mensagem evangl:\jca a multidoes indubita­velmente mais eX,igente... ne.'ile a~cto que os pregaoore~ - esseneiaJmente frandscanos e dominicanos - percorrenull e:m todos os seritidos a Europa dos seeulos XIV e XV. Nlmca sera dem:U5 insidir-se, de um ponto de VISla sociol6gicu, na 1l0Vll, importlincia da pregaCao. Vkent Ferrer, Man· fredo de Vercell~ Bernardino de Siena, Olivier Maillard, Sllvoniu-ola· dever(lm a sua ceJebridade ao ascendente que eJierciaIll sabre as multidoes, que sucessivamente Ievavam a estrernecer, chornr e tel: e~pernn.;a. &or­Iavam a «conversao», amotinavarn ,rian""a~ contra as e1eganles, organi· zavam logveir<U de voidade, conduziarn a concilia"io fac~s inimigas, m~nd:.tvam res/itllir os btn.'l indevidamente adquiridos. Obtinham do.s

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~-

municipalidlldes, em benefIcio das nUS8Oes, L1iio w medid:Js contra a blasfemia mas tambem Jels sabre cs cOstumes swnptuarjos e regUlilmento.'l contra II USUra, E notaveJ e significatiyo cue esta predicacao tenha to­mado, muita5 vexes, aspecto social. Na Iostarerra, eesencrcu 0 lolanlismo e 1I n15urn;-i~ao de lJllI. A prege.....o lui ua reatidade uma das maiores preocupafOes de Wyciif· (fJ20-1J&4), mas ele proprio pouco fez para«d~r da sua caledra croressorar». Pregae parecia-Ihe mats uraecre Que assegurar 0 culto; e lan"ou em Inglaterra os t:Joliardu (padres pobres), urn elero jlinerante que devia ccmpartnbar ca e.xistencia cos humildes e ensinaj- as massas. Alguns aDOS depo.i3, Hu.u (1369-2425) que, scr, tQwbcm, preg:ador. A Igreja, PCllSava de, so poderia ~r tramlormada pela [lalavra de Deus. Tnmsmitir aos outros a mensagem divina surgia, pois, aos espt­nrcs mae cl4rh'identes, como a. tacefa prioriLAria da Igreja. Gerson apre­seatol! <J prega~ no concilio de Keim!l (1408) como 0 prtmetrc never do pastor de a/mas. 0 seu contemporilneo Bernardino de Siena, disse urn dia aos que 0 l'.!ICUlavam que mais ....alia faltar a missa que a prega.;lio. pots era esta que dava a re na missa. Lutero e CaJvino nao ltrgUIDentavam de modo dilerente. Esta nova insistencia DO sacramento da Pala~ca ceua tambtm emrever uma verdadelra cartncia do oero no dominio ua pas­toral. Com efeito, a princiDai fraq{lezol da Jgreja no periodo que antece_ deu a Reforma nao e~ta\'a nos abusos financeir0.5 da c.Uria IOmana nem no est.iJo de Vida, !JOr vezes escandaJoso, dos altos dignitArios eclesiilsticos oem nos desregramentos de certos monges nem no numero. !leguramente grande, dos padres wncUbimir.ios. ilesidia, ~im. na nluito defideotein~lruo;iio religiosa e aa insuficiente formal<io dO$ J;lastore!i de alm.3.li, qlle frequememente eram incapazes de ministrar eficazmente OS sacramentos e de apcesenlar de modo v3Jido a mensagem evangtlica. A R.eforma. nas­ceu, provaveJmenle, desle profundo desnivel entre a mediocridade da oferla e a vt:emenc.ia inusitada Lla pro;.:Ur.l.. t evidtnte que 0 esfol~o de peegafao reaJizado L10 secul(l XV ficou aquem das necessidade~ LUleco da-nos diuo testemunho. Um sermao de 1512 moslra~nos Frei Martinho. cinco anos antes da questao das indulgencias. a argumentar OJmo WycJif, Huss, (Jerson e Bernardino de Siena e a tomar conscienda, com uma Juddez Que L. flebne leve gustu de sUblinnar, d., trande in~uticiincia de lima Igreja que n~o adapt-at'll a pa~/()raJ as neceuidades da massa dos cristaos em pleno de~pertar, $'Ha~erA Quem me diga: que crimes, Que escandalos, que lornicafOes, estas bebedein.s, esta paix.Io desenrreada peJo Jogo, [odos estes \'kios do clero!. .. sao escll.ndalos muito grandes, COnle.lSO; ha que dentJncia~I03. ba que dar-Ihes remedio: mas os vldos de que falais S'ao vis:tveis a todos; sao grosseirattllf'ote maleriais, tocam a todo.'l e, pot'tanro, emociona.m os espjrjtos... Mas, ail, h<i outro mal. Qutra PeSte, incomparaveJrnente mais malfazeja e mais e.tuel: 0 si1!ncio orga~ nizado quanco a Palavra da Verdade, Ou a lIut adulterafo1jo_ este mal qLle nao e grosseirlUTlcnte material. que ate nao dlega a kr peccebido. que: nao provoca a nossa emotao e CUjCl horror "if nio !ll':nle., .It.

III

A~ dues refcrmas _ protestante e cat6lica- foram, notoriamente, uma tomada de eonsciencta do mal denunciado per Lurero e urn esrorcc para dar rcsposta il sede religjo'ia doe fieis. FOJ71rn, em definitivo, dols aspectos de urn mesmo rnovimento. a protestantisrno fez da pregariio a parte principal do culto. Mas, por vezes, e-se mencs senstvet as iniciativas romadas do lado romano no senndc de nielhorar a transmissaa da men­sagcm evangelica aos fieis. Os parocos receberarn instrucoes para dar, todos os domingos, educacao rellgiosa aos paroquianos. As igrejas cons­mudas dcpois do conernc de Trento tivera rrr, proposiladamente, cuaensees relauvameme modestas: 0 pregadur era, desse modo, ouvido por todos. A arte bar roca dccorou os pulpitcs da Relgica e da Baviera com urna sumptuosidade deslumbrante. Os capuchinhos mutuplicuram as missoes. Mas as mi:;.o;Oes !laO podillffl sl.lbstituir 0 corf'O pastoral: era isso 0 que Iicara provado com 0 Iracasso dos pregadores do seculo XV. 0 problema de major importancia era, pois. 0 da forma..iio des restores de almas. Foi abordado, a partir do secuki XVI, de urn modo frontal de ambos us tados da barrctra conrcsstonat. Academies protestantes e seminanos cato­licos acaberarn, com 0 tempo. per conseguir dar ao pow cristae os guias espiriluais que a[~ <1f the tinham faltado na vida de todos os dias,

o ler havido entre os litis, na epoca da grande mUla~iio !l'Je estamos esludando. uma aguda necessidade de doulrin~ crista e ainda provado pela multiplicidade de calecismos que foram redigidos nos se­cums XVI e XVII, tanto nus paises caj6[jco~ como nas regioes proies­tanles. 0 Renascimento saldou-:>e, assim, por uma promopio da leologia, cujos fundamentos rudimemares, pelo menus, ti!lham doravante de ser conhecidos das massas. Antes da Reforma, 0 clero insi~ia principalmente oa moral, mas, aD que parece, com potJ(:U hito. A partir do secuJo XVI os renuvadores da Crislandade utilizaram a tactica in...ersa, tipicamente lulerana: rcstauraram a teologia, da qual dcvia cmanar a moral. Lutero e Calvino, Bucet, refonnador de Estrasburgo. e Bullinger, ,;;uceSSQr de Zwingli em Zurique, redigirarn catecismos. Pia IV, pur loeU lado. mandou preparar a pUblica"ao do Catecismo Romano, sIntes<: das doutrinas deli­nidas em Trento, donde depois foram exlraidos os muilos catecisrnos d;ocesano$.

* as fieis, portanto, jmpunham-:>e mais Que outrora it alen~ao dos

responsa...eis pela Igreja. No interior desla. os leigos passaram a ucupar - e dentm ern POueo exigiam-no - urn lugar cada vel mais importante. o ronsldernvel ()apel enta~ desempenhado pelas confrarj,as e revelador neste a..~peclo. 0 seu desen"'olvimeoto, que se acentuou nos seculos XIV e XV, tOInOU foms de fenomeno europeu. Ora, nessas confrarias, c1~rigos

e leigos estavam as.'lociados: padres presidiam a vida -e aos banqUele5­da pia associapiio~ deixavarn assim de ser .holllens de casta it parle.,

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Esea mesrna obsel'1la~iio e valida quanta aos pequenos grupos de edifi­cal;do que, com a nome de «Amigm de Deus», flcresceram na Reniinia no secure XIV. Clerigos e leigos, estrcitamente unidos, tremavam-se a1 na pr<ilica de uma vida pcrfeita. Quante a Gcerr OrOOI.e. que fundou em 1381 em De...enter os «Irmaos da vida conium» _ consreeacac cuja irradj.;u,:au lui dccisiva na epoca da pre-Retorma-L, era urn simples diacono. Padres e leigos enconrravam.se mislurados nessa comunidade, em que alguns membros cram operarfos cen-~jciros e camponeses, Au mesmo tempo, 0 lanm perdeu importancia entre os Irmacs: lia-se a Bfblia em tradurao e pregave-se e camava-se em Hngua vulgar.

Foram, portan to, revistas as nocees de Igreja e de sacerd6cio. 0 povo cnstao surgiu como juiz da hierarqula e cos pastores de almaa. Wyclif deu, no seu De eccteua (13'78), uma definit'ao da Igreja que Lutero viria 3 adoptar: a universitas prlEdellinontm, a jnvisiVeJ assembteia daqueles que Deus escclheu, bern diferente, portanm, de uma Igreja vjsJvel e puramente humana, mas que e necessano controlar, corrigrr, adaptar. Aos olbos de Deus, todos cs eteuos sao fguals e 0 padre nao e mais que 0 leigc. No plano da pnHica. e precise rechapar 0 Olav ()astor -c-quem garante que cle faz parte da 19reja in...isivel? -, recussr,lhe os dizimas: que ele desbarata. e da-Ios aos pobres. Urn ministro em estado de pecado t1iio ministra "'alidamente os sacramentos. 10.110 HU3S, que tambCm com­pOs urn De ecclesia (1413), voltou aqu~m de Wyclif e rnanteve, apcsar de certas f6rmuJas confuMs, 0 carncter sagrado da Igreja rnilitante; mas fez do papado uma iostjruicao puramenCe Ilumanll, nascida na epoca de Constantino, e afirmou que urn mau bjspo, urn simoniaco, pot exem­p!u, deixa de ser «urn verdadeiro prelado. em confunnidade com 0

sen/ir divino. De resto. navia em Huss uma invenchel desconfianr;a quanta i\ ~casta sacerdotal•. Ge~m, em Cons(an~, con{ribuiu paJ71 a condenacao do reformador checo. mas tambCm ele se 01)& a teocJ71cia romana, que s6 podia «engendrar 0 despotismo, a revolta uu a servidau, a espirilo de cisma au 0 ePls6dio de idolatria:t. Ensinou, com efeitu, que a multidao nao se pede enganar e Que tadO 0 fiel devia, se 0 dese­jasse. ser admitido no concilin. 0 cardeal Zarabella. cognominado no seu tempo de «rei do direi{o can6nico:t, foi ainda mais longe ao afirmar que «a plenitude do podrr rt"side n.1 maWl dos fi6sB,

Os reformadores do seculo XVI foram, porlanlo, herdeiros de tooa I.lma corrente que, havia jtt dois seculos, tinha desvalorizado a hier:arquia. ec.lesiastica e 0 pr6prio padre e, aos POUCOS, fizera emergir a di!Ilidade CTistii. do leigo_ Logu a. partir de l3S4 apareceram em Ingluerr:a pro... jectos de confhca~iio' dos bens eclesi6sticos. Wyclif recussva toda e qualQuer Igreja hierarqui2.ada; deseiava apenas padres iguai$ uns aoo

Outros e. antes de ludo 0 mais, dispen5lldore9 da Palavra; negava a tran,~Uhsrancjal;ao e de:svolori:.;o;ou os saerarnentos, gratas aOlf quais 0

sa~er'd6cio ganhara, de cetto modo, ascendente sobre os fieis. Suao Huss cTia na presenl;lI rCal e na trllnsubstanciatao: mas tanto dc cumo us

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lentil~ao de se atcrdoar e esquecer os acontecimenLos pr6ximos, as dancas ifmacabras _ nenhuma delas e anterior a 1400- recordavarn-lhe 0 imi­nerne fim das rutsas aJegria~ deste mundo. Mais valia preparat-se para morrer. Tambem a literarura religiosa difundiu largamente as aries mo­I riendi, que ensinOlvam 0 riel a resistir aos asscnos que 0 demonic nao deixaria de Ihe ruzer nas ulnmas horas da sua vida. Mas ier-se-ia eo menos a tempo e a sorte de morrer dehado? 0 reeeio da morte subita, I contra a qual reza....a rebntmente s. Crtstovao, atcrmentou os ncssos antepassados da passagem da Idade Media para os tempos modernos. Eles receavam, antes de tudo, comparecer perante 0 juia sem rer recebido a \ ab~olvjciio que Ihes permiuria escaper as penes do inferno. Nao iria 0 pr6pno Juiz surgir das nuvens como urn relampagc e fazer parar de repente 0 curso de uma hist6ria bumena demasiado cheia de pecados para juntar no seu tribunal os ....ivos e os mortos? Os pregadores - Vicente Ferrer e Savonarola, por exemplc - profetizavam a iminente c61era de Deus. Os cristacs desse tempo ....iveram asscrnbrados com 0 fim do mundo e 0 Juizo Final: as obras de Van der Weyden, de Hieronymus Bosch, de Luca Signerelli ", de Miguel Angelo e de tantos outros artistas teste­munham eloquentemente esse medo. E nao havia tambem 0 Andcrtsro " de aparecer imediaramente antes do fim dos tempos? Niio teria ja nascido? Vicente Ferrer diz..ia que sim. No tempo do cisma. nao seria ele urn dos papas concorrentes? Era esta a opinilo de Wyclif e dos reformadores checos. Mas a atmosfera religiosa estava entao tAo carte­gada de inquietacao que, findo 0 cisma, se continuou a recear 0 Anti­cristo. Por ....oha de 1500, muitas obns contaram antedpadamente a sua vida. Lutero. ao romper com Roma. identificou 0 papa com 0 Anti­

crislo. Como. pois, alcancar a salvaCao num mundo em que Sam e tao

forte e 0 homem taO fraco? Ha ....ia para este angus1ioso problema uma solueJ.o que se pode dizer quantitativa: fo~ar a porta do ceu B cmta de rosarios e peregrina~oes. cornprar «cartas de remissao» a UIfl qua!­quer dispensador de perdoes. colecdonar indulgBncias. Numa epoca em que 0 sentimento de inseguranca era tao vivamente experimentado. quer no dominio da religiao quer no da economia, as indulgencias roram urna forma de segura contra a danaciio. 0 tesouro dos meriloS de Cristo e dos santos parecia constituir urn ....erdadeiro «banco de dep6sitos e trans­fereneias de conUslI em que cada cristao podia ter urn «haven que eventualmente coD.sesuisse, no dia do Julzo, equilibrar 0 seu passi....o de

pecados.Essa arilmttica. porem. oferecia uma insuficiente segurll.nca· 0 Dies

irae, tao frequentemente cantado a partir do seculo XIV. recorda....a ao fiel a severidade do Juiz; e Miguel Angelo, na parede da Capela SiSlina. representou urn Jesus encoleriz.ado a mandar os danados para 0 inferno. com urn gesto de maidicao. Surgia entao outra SOlll~O para e:lorcizar o medo de uma eternidade de suplfcios: a doutrina da justific~ pela

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fe. Bsta doutrina pode ser enunciada do seguinte modo: Deus sal-..a-nos, apesar de nos pr6prios; foi tao grande 0 pecado original e sao tao pesadcs os nosscs pecadcs de t.odos os dias, que merecemos 0 inferno; mas Deus nao e juiz, e pai, e prometeu-ncs a salvacao per intermedio do Filho. Esta doutrina nao era nova e Ioi descoberta por Lutero em S. Paulo. que escrevera aos Romance: «0 homem e justificado pela fe independente­mente das obraa da lei... Felizes aqueles cujas transgressces sao perdoadas e cujcs pecados sao cobertos. Feliz 0 homem a quem Deus nao imputa o pecadc•. Santo Agostlnbc, nos seus escritos contra os pelagianos, msistira fortemente no pecado original e no acto gratuitc de Deus, que retira os seus 6leleilOsll da «rnassa de perdican». A corrente agosfiniana circulou durante toda a Idade MMia. impregnando as Sentent;as de Pierre Lombard (m. 1160) e os tratados do bispo iogles Bradwardine (m. 1349). Mas ganhou uma (orca nova na epoca em que a crise da Igreja e a afirmacao de uma de....ccao rnais pessoal transforrnaram a vida religiosa do Oetdente. 0 occamismo, que dominou a escclastica nos secutcs XIV e XV, exaltava, slm, a ....ontade humana -capaz, segundo Pierre d'Allly, «de evttar todos os pecados rnortais sem a gracas. Mas, ao mesmo tempo. estabelecia urn Deus insonda....el, tctalrnente livre perante 0 homem. Quem pode adivinhar 0 julgamento do Todo-Poderoso? Dai a ideia de uma salvacao independente das obras ia apenas urn passo. De modo que Pierre d'Ailly pOde escrever: 6lAIguem que nao seja digno da vida etema pede ser in....estido dessa dignidade pelo peder absoluto de Deus sem que nele se tenha dado nenhuma mudanea •. Compreende-se que Gerson, na seoda de Guilherme de Occam, tenba visto na abso{vieao 0 essencial do sacramento da peniteneia, podendo Deus afaslar os pecados de urn culpado que se nao arrependa. Wyelif, mais ainda que Gerson e que Pierre d'Ailly, exaltara a grandeza di....ina -e 0 mesmo farao, depeis dele, tanto Lu!ero como Berulle - 1:, ultrapassando 0 occamismo, extraira de tal premisso a doutrina da justifica~ao pela re. Como todo a bern vern do alto, 0 homem nao poderia merecer uma sal....ar;ao que Ihe e graluitamente dada; as seus prOprios meritos sao uma dAdi\·a de Deus. o papel especifico de Lutero foi ree1aborar esta grande tese teol6gica. fd-Ia sair do quadro das discuss5es de especialistas e oferece-la como reme-dio radical para 0 medo das massas cristis,

Fstabelecendo assim, enlre a teologia e a psicologia colecti....a. uma reiaCao de resposta-a-pergunta. compreende.se melhor por que razoio 1\

solur;ao humanista para 0 mal-estar da Igreja nao podia bastar aos con~

temporaneos de Lutero. Tal como os reformadores protestantes, Erasmo desvalorizava a liturgia e os sacramentos. Mas que propunha ele para dar confianca aos cristaos? «0 amor, linico preceito do Evangelho». Que os fieis de Jesus se esforcem por praticar as virtudes do Mestre e a sociedade ci....il e religiosa sera reerguida e a salvacao de todos estara assegurada! DiAlogo de sumas, em verdade! Erasmo dirigia-se a gente m'lis ....iolenta e ainda mais fragil que n6~, a massas que passa....am sem

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