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i
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Cláudia Moreira dos Santos
CAUSA, CONDIÇÃO E CONCESSÃO EM FUNÇÃO DA PERSUASÃO SOB O
ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL
DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA
LINGUAGEM
São Paulo
2015
ii
Cláudia Moreira dos Santos
CAUSA, CONDIÇÃO E CONCESSÃO EM FUNÇÃO DA PERSUASÃO SOB O
ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Doutora em Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem.
Orientação: Doutora Sumiko Nishitani Ikeda.
São Paulo
2015
iii
Santos, Claudia Moreira dos Causa, condição e concessão em função da persuasão sob o enfoque sistêmico-funcional. / Claudia Moreira dos Santos. - São Paulo, 2015. ___f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem - LAEL. Linha de Pesquisa: Linguagem e Trabalho. Orientadora: Profa. Dra. Sumiko Nishitani Ikeda. Cause, condition and concession as a function of persuasion under the systemic-functional approach. 1. Causa. 2. Condição. 3. Concessão. 4. Persuasão. 5. GSF 1. Cause. 2. Condition. 3. Concession. 4. Persuasion. 5. SFG
iv
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução
parcial ou total desta tese através de fotocópias ou meios
eletrônicos.
________________________ Cláudia Moreira dos Santos
São Paulo
2015
v
CAUSA, CONDIÇÃO E CONCESSÃO EM FUNÇÃO DA PERSUASÃO SOB O
ENFOQUE SISTÊMICO-FUNCIONAL
Banca Examinadora:
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
São Paulo
2015
vii
AGRADECIMENTOS
Esta tese é uma construção coletiva, fruto de várias representações. Portanto,
presto a minha gratidão:
A Deus, que guia todos os meus passos.
Em especial à minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Sumiko Nishitani Ikeda, pela
paciência infinita e orientações assertivas. Suas orientações, que vão além dos
conteúdos, fizeram e farão parte não só da minha formação no âmbito profissional,
mas também no humano.
À professora doutora Ângela B. C. T. Lessa (PUC-SP) e ao professor doutor
Antonio Roberto Chiachiri Filho (Faculdade Casper Líbero), pelas contribuições nos
exames de qualificação.
Às professoras doutoras Maria Aparecida Caltabiano M. Borges da Silva (PUC-
SP), Dieli Vesaro Palma (PUC-SP), Leiko Matsubara Morales (USP-SP) e Elizabeth
Del Nero Sobrinha (Faculdade Casper Líbero), pelas contribuições nos exames de
qualificação e por aceitarem gentilmente o convite para participar da Banca de Defesa.
Às Professoras doutoras Elizabeth Brait (PUC-SP) e Maria Otília G. Ninin
(UNIP), que também integram a Banca de Defesa como professoras suplentes.
Ao Marcelo Saparas, pelo apoio com relação à revisão da tradução dos
exemplos em inglês.
À Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo e à EFAP (Escola
de Aperfeiçoamento de Professores), pela concessão da Bolsa Doutorado, para que
eu pudesse aprofundar meus conhecimentos.
À Maria Lúcia e Márcia, funcionárias do LAEL, que gentilmente me apoiaram,
sempre prestativas.
Ao meu marido, Robinson Rosário Pitelli, pelas discussões tão enriquecedoras,
pelas contribuições pontuais, pelo carinho, companheirismo e com o qual tive a
satisfação de partilhar medos, alegrias e sonhos.
À minha companheira de sempre, Eliane Alves de Sousa, pelo companheirismo
e incentivos constantes.
A todos os colegas de curso, com os quais tive a honra de partilhar discussões,
dificuldades e sonhos.
viii
Epígrafe
Não diga que a vitória está perdida, se é de batalhas
que se vive a vida. (RAUL SEIXAS, 1003)
ix
RESUMO
Esta tese de doutorado, de cunho crítico, propõe o exame das funções interpessoais
dos conectivos causais, condicionais e concessivos - envolvendo também os casos
de sua omissão - com enfoque no processo persuasivo exercido por esses conectivos.
A pesquisa centra-se na função pragmática exercida por esses conectivos, além do
seu conhecido papel de sinalizar a dependência sintático-semântica em relação à
oração principal. Em textos marcadamente argumentativos, tais como, a conversa e o
artigo de opinião, os conectivos serão examinados tanto como elementos interativos,
orientando o leitor no percurso do texto, quanto como elementos interacionais,
contribuindo no processo persuasivo, ao estabelecer a lógica da argumentação. Por
outro lado, em termos da estrutura dos dois gêneros, cuja textura tem apoio nos
modos textuais – descrição, narração e argumentação – a pesquisa examina a
prevalência desses conectivos em cada um desses modos, nos diferentes gêneros
examinados, bem como o modo como exercem sua função persuasiva. A pesquisa
tem o apoio da Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) - proposta apontada como a
mais adequada para a aplicação da Linguística Crítica. A GSF é um modelo
multiperspectivo, designado a dar aos analistas lentes complementares para a
interpretação da língua em uso - a qual constrói três significados simultâneos:
Ideacional, Interpessoal e Textual. A referida simultaneidade deve-se ao fato de a
língua possuir um nível intermediário de codificação, a lexicogramática, um conjunto
de opções de formas linguísticas concretas, que se relacionam com a estrutura
profunda, onde se encontram, por exemplo, posições ideológicas subjacentes. A GSF
propicia, assim, o exame da interface gramática/discurso, a aliança entre as formas
morfossintáticas da língua com as funções semânticas e pragmáticas a que elas
servem na comunicação, ou seja, no uso da língua. A presente pesquisa, com o apoio
teórico-metodológico da Gramática Sistêmico-Funcional, responde às seguintes
perguntas: (a) Como são realizadas as relações de causa, condição e concessão nos
textos examinados?; (b) Qual é o papel dessas relações na persuasão que percorre o
texto argumentativo? As análises mostram os usos dos conectivos de causa,
condição e concessão com diversas formas de expressão, implícitas e explícitas, com
diferentes funções discursivas.
Palavras-chave: Causa. Condição. Concessão. Persuasão. GSF.
x
ABSTRACT
This critical natured doctoral dissertation, proposes examining the interpersonal
functions of the causal, conditional and concessional connectors - also involving cases
in which they do not occur - focusing on the persuasive process created by these
connectors. The research focuses on the pragmatic function performed by these
connectors in addition to its known role to signal the syntactic-semantic dependence
on the main clause. In markedly argumentative texts, such as conversation and opinion
article, the connector will be examined as interactive elements, guiding the reader in
the the course of the text, and as interaction elements, contributing to the persuasive
process by setting the logic of the argument. On the other hand, in terms of the
structure of both genres, whose texture is supported in text modes - description,
narration and argument - the research examines the prevalence of these connectors
in each of these modes in different examined genres, as well as how such persuasive
function occurs. The research is supported by the Systemic Functional Grammar
(SFG) - considered the most suitable proposal for the application of Critical Linguistics.
The SFG is a multi-perspective model, designed to offer analysts more choice for the
interpretation of the language in use - which builds three simultaneous meanings,
according to the orientation of the GSF: Ideational (information), interpersonal
(interaction) and textual (linguistic organization of two other meanings). Such
simultaneity is due to the fact that languages have an intermediate coding level, the
lexicogrammar, a set of concrete forms language options that relate with the deep
structure, where, for example, underlying ideologies are found. The SFG provides thus
examining the interface grammar / speech, the alliance between the morphosyntactic
forms of language with the semantic and pragmatic functions they serve in
communication, viz., the use of language. This research, with theoretical and
methodological support of the Systemic Functional Grammar attempts to answer the
following questions: (a) How are the relations of cause, condition and concession
realized in the examined texts?; (b) what is the role of these relations in the persuasion
that runs along the argumentative text? The analyzes show the uses of connective
cause, condition and concession with various forms of implicit and explicit expression,
with different discursive functions.
Keywords: Cause. Condition. Concession. Persuasion. SFG.
xi
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Expressão da Causalidade .............................................................. 12
Quadro 2 - Análise do texto em orações principais e subordinadas ................... 26
Quadro 3 - Modalidade ...................................................................................... 28
Quadro 4 - Exemplos de Avaliatividade ............................................................. 30
Quadro 5 - Meios de ativação da Avaliatividade ................................................ 31
Quadro 6 - Os sub-sistemas da Avaliatividade .................................................. 32
Quadro 7 - As teorias aplicadas à análise ......................................................... 47
Quadro 8 - Expressão da Causalidade .............................................................. 52
Quadro 9 - Resumo da Análise da Causalidade, Condicionalidade e
Concessividade no Artigo ................................................................
73
Quadro 10 - Causa e Efeito nos estágios de gênero do Artigo “O ataque careca” 76
Quadro 11 - Resumo da Análise da Causalidade, Condicionalidade e
Concessividade no Diálogo ............................................................
93
Quadro 12 - A ordem inversa de Relação de Causalidade na construção da
argumentação .................................................................................
102
Quadro 13 - A Ordem da Concessividade na Construção da Argumentação .... 106
xii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Ocorrência e Expressão de Causa, Condição e Concessão no Artigo ...............................................................................................
75
Tabela 2 - Ocorrência e Expressão de Causa, Condição e Concessão no Diálogo ............................................................................................
96
Tabela 3 - Número de ocorrências Causa, Condição e Concessão em cada modalidade ......................................................................................
98
Tabela 4 - Persuasão de Causa no Artigo de Opinião e no Diálogo ................. 100
Tabela 5 - Persuasão de Causa no Diálogo ...................................................... 100
Tabela 6 - Tipos de Condição ........................................................................... 103
Tabela 7 - Persuasão de Condição no Artigo de Opinião e no Diálogo............. 104
Tabela 8 - Função persuasiva da Concessão no Artigo e no Diálogo .............. 105
xiii
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1 Artigo na íntegra “O ataque careca”, de Túlio Kahn........................ 117
Anexo 2 Trecho original extraído do Inquérito “Diálogo entre dois informantes”, No 343- BOBINA No 130- INFS. No 441 e 442 do Projeto NURC/SP ...........................................................................
119
Anexo 3 Normas para transcrição ................................................................. 121
xiv
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................... 01
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..................................................... 08
2.1 A Causalidade ............................................................................... 09
2.1.1 A função da causalidade ................................................................ 12
2.2 A Condição .................................................................................... 14
2.2.1 Condição e Argumentação ............................................................. 17
2.3 A Concessão ................................................................................. 21
2.3.1 O esquema da concessiva cardinal ................................................ 22
2.4 Os universais linguísticos ............................................................ 25
2.5 A Gramática Sistêmico-Funcional ............................................... 27
2.5.1 A Avaliatividade .............................................................................. 30
2.5.2 A Linguística Crítica ........................................................................ 32
2.6 A persuasão ................................................................................... 34
2.6.1 Argumentação e o modelo de Toulmin ......................................... 37
2.6.2 A polidez ......................................................................................... 38
2.7 Gêneros do discurso: a conversa casual e o artigo de opinião ...........................................................................................
40
2.7.1 A conversa casual .......................................................................... 40
2.7.1.1 Projetabilidade e contingência ........................................................ 42
2.7.2 O artigo de opinião como um gênero ............................................. 43
2.7.2.1 Estrutura do artigo de opinião ...................................................... 44
2.7.2.2 Os modos textuais .......................................................................... 45
3 METODOLOGIA ............................................................................. 48
3.1 Dados ............................................................................................. 49
3.2 Procedimentos de Análise ........................................................... 50
xv
4 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ...... 53
4.1 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, de Tulio Kahn 54
4.1.1 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, com enfoque no Contexto Situacional (Registro) .......................................................
55
4.1.2 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, com enfoque nos estágios e finalidades de gênero .....................................................
56
4.1.2.1 Discussão Geral da Análise de gênero no Artigo de opinião “O ataque careca” ................................................................................
60
4.1.3 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, com enfoque em: (a) Causa, Condição e Concessão; (b) Modalidade/Avaliatividade e (c) Modos Textuais .......................................................................
61
4.1.3.1 Resumo da Análise da Causalidade, Condicionalidade e Concessividade no Artigo de opinião ...............................................
72
4.1.3.2 Discussão Geral da Análise da Expressão de Causa, Condição e Concessão no Artigo de opinião ......................................................
75
4.2 Análise do Diálogo “Inquérito de dois informantes” ................. 76
4.2.1 Análise do Diálogo “Inquérito de dois informantes”, com enfoque no Contexto Situacional (Registro) ..................................................
79
4.2.2 Análise do Diálogo “Inquérito de dois informantes”, com enfoque em estágios e finalidades, seguida de (a) Causa, Condição e Concessão; (b) Modalidade/Avaliatividade e (c) Modos Textuais
80
4.2.2.1 Discussão Geral da Análise de Gênero no Diálogo “Inquérito de dois informantes” ............................................................................
92
4.2.2.2 Resumo da Análise da Causa, Condição e Concessão no Diálogo “Inquérito de dois informantes” ........................................................
93
4.2.2.3 Discussão Geral das Expressões de Causa, Condição e Concessão no Diálogo “Inquérito de dois informantes” ..................
96
4.3 Resultados Gerais: comparação entre as duas modalidades .. 97
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 107
6 REFERÊNCIAS .............................................................................. 110
7 ANEXOS ......................................................................................... 117
2
INTRODUÇÃO
Leciono a disciplina Língua Portuguesa há dezenove anos, no Ensino
Fundamental II e no Ensino Médio. Nesse trajeto, ensinando redação a meus alunos,
constatei que muitas dificuldades surgem a cada passo que eles avançam em direção
ao domínio da modalidade escrita da língua materna, um processo que sabemos ser
constante e inacabado.
Percebendo que havia ainda muito a aprender para poder embasar minhas
aulas teoricamente, entrei em contato com o curso "O Estudo Funcional da Gramática"
(COGEAE/PUC-SP) e, assim, com as modernas pesquisas sobre propostas que
colocam o estudo das estruturas linguísticas a serviço das funções que a língua deve
cumprir na interação comunicativa. Notei, então, que ali seria um caminho que me
proporcionaria intravisões úteis sobre alguns aspectos específicos referentes à
construção de um texto escrito, e decidi-me por desenvolver uma pesquisa em nível
de doutorado. Um assunto que me chamou a atenção decorreu da percepção da
função pragmática exercida pelas orações subordinadas, além do seu conhecido
papel de sinalizar a dependência sintático-semântica, em relação à oração principal.
O curso acima referido tem como embasamento principal a teoria conhecida
como Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), proposta por Halliday (1994, 2004), “um
modelo multiperspectivo, designado a dar aos analistas lentes complementares para
a interpretação da língua em uso" (MARTIN; WHITE, 2005, p. 7). Nessa proposta, a
língua serve para construir três significados simultâneos: Ideacional (informação),
Interpessoal (interação) e textual (a organização linguística dos dois outros
significados). A referida simultaneidade deve-se ao fato de a língua possuir um nível
intermediário de codificação, a lexicogramática, um conjunto de opções de formas
linguísticas concretas, que se relacionam com a estrutura profunda, onde se
encontram, por exemplo, posições ideológicas subjacentes (VAN DIJK, 1985). Assim,
certas estruturas sintáticas como as construções passivas, ao omitir ou ao
desenfatizar agentes da posição de sujeito, atribuem maior poder a certos indivíduos
ou grupos sociais, denunciando a ideologia aí presente. A GSF propicia, assim, o
exame da interface gramática/discurso, a aliança entre as formas morfossintáticas da
língua com as funções semânticas e pragmáticas a que elas servem na comunicação,
ou seja, no uso da língua.
3
Por outro lado, há que se ter em mente que, na língua falada, o conteúdo
ideacional desenrola-se frouxamente, por meio de padrões oracionais que podem
tornar-se altamente complexos nesse movimento (HALLIDAY, 1994) - no sentido de
intrincados, resultando em estrutura que já foi chamada de sintaxe alambicada, pois
se assemelha às inúmeras voltas da serpentina de resfriamento de um alambique.
Vejamos exemplos nas interlocuções de corretores de imóveis, da elaboração do
cartão da empresa1:
(3) M: [...] Os cartões, primeiro a gente tinha Sol Imobiliária Perdizes, aí, ó, resolvemos tirar Perdizes pra poder atuar e vender para o cliente, que a gente atua em Higienópolis Jardins [?] então, foi ótimo ... aí, nós tiramos o nome da empresa M.K. & P.
I: O que foi ótimo. <risos>
M: Estava super poluído, três empresas num cartão só. Aí, a gente mudou. R: Tirou o endereço. M: A gente mudou pra Construtora e Imobiliária, mudamos bem, perfeito! Agora a gente
quer colocar o CRECI <Apontando> I: Não, mas não vai colocar o CRECI da empresa embaixo, pô!
Notemos, nessa conversa, a ausência quase total de conectores subordinativos
(com exceção para do "pra", "que"), e o uso de outros conectivos de uso corrente na
modalidade oral ("aí", "então"). As orações fragmentam-se, juntam-se a outros
fragmentos, resultando em omissão de itens lexicais, em especial os conectivos, que
precisam ser preenchidos pelo ouvinte. Essa situação deve-se, de um lado, à pressão
de tempo que cada turno conversacional sofre na interação, e, de outro, porque o
respeito à ordem canônica completa de uma oração tornaria cansativa a conversa.
Mostrar essa diferença aos alunos torna-os conscientes da distância que separa a
construção linguística de uma interação oral e da escrita.
Outra questão importante que permeia essa construção diz respeito ao fato de
que não há um mapeamento simples um-a-um entre ideias e expressões linguísticas,
porque não se expressa tudo o que se tem na mente. Além disso, se considerarmos
o desenvolvimento do ser humano – a ontogenia - há uma tendência a se passar de
um mapeamento quase um-a-um para um mapeamento menos transparente (isto é,
menos explícito) das ideias. Assim, um texto de uma criança é mais 'transparente' do
que o de um adulto. Vejamos um exemplo:
1 Essa gravação foi feita pela pesquisadora Thaís Bittencourt da Rocha Bressane, do LAEL, e está disponível no arquivo do Projeto DIRECT, desenvolvido pela PUC-SP.
4
(1) Tinha uma mesa na cozinha. Em cima da mesa tinha um pote de geleia e então as formigas entraram na cozinha e subiram na mesa e daí comeram a geleia.
A mensagem da criança é mais “transparente”, pois respeita a ordem
cronológica dos acontecimentos e expressa a maior parte dos acontecimentos. Assim,
também, é a redação de quem não conhece bem uma língua ou de quem tem
dificuldade na elaboração da escrita.
Já o adulto não cita fatos que podem ser subentendidos ou recuperados pelo
contexto (que pode ser de natureza cultural, situacional, co-textual) e nem respeita a
ordem cronológica dos acontecimentos. Veja como ele diria o mesmo conteúdo
informacional:
(2) As formigas comeram a geleia que estava na mesa da cozinha. (BRANSFORD;
FRANKS, 1971, p. 139, tradução minha)
A linguagem do adulto perde em transparência, mas ganha em rapidez de
processamento mental graças a processos sofisticados de codificação. Notemos o
uso de uma oração subordinada (sublinhada no texto). Dizemos, então, que essa
linguagem é madura em termos lexicogramaticais.
Já, na escrita, os padrões oracionais são em geral mais simples; mas o
conteúdo ideacional é densamente empacotado em construções coesas (HALLIDAY,
1994), graças a diversos recursos, como os marcadores discursivos, dentre os quais
se destacam os conectores oracionais, as conjunções. Porém, os estudantes, ao
serem expostos ao estudo formal da linguagem escrita, têm em sua mente a
modalidade oral em que se comunicam com pais, amigos e colegas, em que constata
a quase total ausência de conectores subordinativos (com exceção de alguns:
"porque", "se", "quando"), ou seja, nossos discentes só começam a entender a
importância dos conectores na construção de textos coerentes e coesos a partir da
iniciação no processo da escrita. E esse processo será mais rápido e eficiente se a
escola estiver preparada para tanto.
Nesse contexto, a Secretaria Estadual da Educação preocupa-se com a
necessidade da criação de metas para elevar os índices de aprovação nos resultados
obtidos exames do SARESP (Sistema de Avaliação e Rendimento Escolar do Estado
de São Paulo) ou do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), hoje utilizado como
5
meio de ingresso por muitas universidades. A partir dessa reflexão e, tendo em vista
contribuir para a melhora da escrita dos meus alunos, optei por pesquisar a função
pragmática dos elos de conexão discursiva efetuados pela causalidade, pela
condicionalidade e pala concessividade na presente pesquisa, nos gêneros conversa
e artigo de opinião2.
Além disso, um trabalho pedagógico com as conjunções de forma
contextualizada e em textos autênticos é uma condição imprescindível para o
desenvolvimento de competências e habilidades linguísticas, quais sejam:
Analisar, interpretar, e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização das manifestações, de acordo com as condições de produção bem como confrontar opiniões, pontos de vistas sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 2000).
O estudo dos conectores oracionais tem sido alvo de várias pesquisas
acadêmicas: Dottori (2005) tratou da causalidade; Santos (2010), das construções
condicionais; Ikeda, Oda e Saparas (2012), da relação entre a concessão e
adversidade. Portanto, todos esses trabalhos revelam a relevância desse tema para
o processo de ensino-aprendizagem. Daí a motivação para contribuir com um estudo
que, em uma perspectiva interpessoal – interacional e interativo – enfocasse, em uma
argumentação, o papel pragmático de persuasão, exercido por alguns conectivos.
Nesse contexto, um assunto que interessa a esta pesquisa diz respeito à noção
de textura. Reynolds (2000) busca mostrar que textura é a instanciação no discurso
de duas ordens virtuais de estrutura, ou seja, a estrutura linguística e a estrutura de
gênero. Textura é um conceito funcional que inclui a coesão descrita pelos linguistas
sistêmico-funcionais, mas também, e mais importante, a coerência que eles tendem a
explicar. Textura é o resultado da mistura de modos textuais – descrição, narração e
argumentação - que juntos abrangem o discurso e correspondem a funções para as
quais precisamos da língua e a usamos, continua o autor.
2 Tanto a conversa, quanto o artigo de opinião só serão consideradas “gênero”, no amplo sentido Bakhtiniano: “Gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados elaborados por cada esfera de utilização da língua. Incluem desde o diálogo cotidiano até a exposição científica” (Bakhtin, 1920~1970 [1992]. A conversa envolve subtipos, como: diálogo, entrevista; a dissertação-argumentativa envolve: editorial, artigo de opinião, tese acadêmica etc.
6
O objetivo desta tese de doutorado é examinar as funções interpessoais das
relações causais, condicionais e concessivas - as três relações lógicas fundamentais
da língua (JORDAN, 1998) - incluindo também os casos de sua omissão - com
enfoque no processo persuasivo exercido por essas relações. Em textos
marcadamente argumentativos, na modalidade oral e escrita, essas relações serão
examinadas, do ponto de vista da persuasão, na interface da morfossintática com a
semântica e a pragmática, tanto como elementos interativos, orientando o leitor no
percurso do texto, de acordo com as intenções do escritor, quanto como elementos
interacionais, por meio de avaliações explícitas ou implícitas, tendo sempre em vista
a persuasão envolvida na interação. Foram enfocados os gêneros: artigo de opinião
e conversa casual. Portanto, a presente pesquisa, à luz da Linguística Crítica, com o
apoio teórico-metodológico da Gramática Sistêmico-Funcional, deve responder às
seguintes perguntas: (a) Como são realizadas as relações de causa, condição e
concessão nos textos examinados?; (b) Qual é o papel dessas relações na persuasão
que percorre o texto argumentativo? Para isso, conta com as teorias apontadas a
seguir.
Capítulo 1 – Introdução. Capítulo 2 – Fundamentação Teórica, que enfoca a
Causa (JORDAN, 1998); Condição (MAZZOLENI , 1994; DANCYGIER E
SWEETSER, 1996, 2000); Concessão (COUPER-KUHLEN e THOMPSON, 2005); a
respeito da importância da sintaxe na comunicação de uma mensagem (SLOBIN,
1980); a Teoria-Metodológica da Gramática Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1985,
1994; HALLIDAY; MATHIESSEN, 2004), com enfoque na metafunção Interpessoal,
examinando, na microestrutura, os elementos persuasivos que percorrem o texto, a
saber: Avaliatividade (MARTIN, 2000, 2003); Linguística Crítica (FOWLER, 1991);
Crypto-argumentação (KITS e MILAPIDES, 1997); Contrabando de Informação
(LUCHJENBROERS; ALDRIDGE, 2007); Apito do cão (MANNING, 2004); Modelo de
Toulmin (TOULMIN, 1958; TOULMIN et al, 1984); Polidez (BROWN e LEVINSON,
1978; 1987). Gênero (MARTIN, 1984); Conversa casual (SCHEGLOFF e SACKS, et
al, 1974); Artigo de opinião (BRÄKLING, 2000); Estrutura do Gênero (PORTA,
THOMPSON, 2001, 2002; HOEY, 1994; VIGNER, 1988) e Textura (REYNOLDS,
2000). Capítulo 3 – Metodologia, em que se apresenta o corpus de estudo e os
procedimentos utilizados para a análise. Capítulo 4 - Análise e Discussão dos
7
Resultados, em que se apresentam as análises dos dois textos escolhidos. Está
dividido em: (i) análise de Registro; (ii) análise da microestrutura: Causa, Condição e
Concessão, Modalidade/Avaliatividade, entre outros recursos persuasivos e Modos
textuais; (iii) discussão referente à macroestrutura discursiva; (iv) Discussão Geral,
com a comparação entre as duas modalidades (oral e escrita). Capítulo 5 –
Considerações Finais em que se apresentam as perguntas de pesquisa com as
respectivas respostas e as contribuições desse estudo no âmbito educacional e
acadêmico.
9
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Apresentamos, a seguir, as teorias que embasam esta pesquisa. Iniciamos com
os autores que trataram da causalidade (JORDAN, 1998), condicionalidade
(MAZZOLENI,1994 e DANCYGIER; SWEETSER, 1996, 2000) e concessividade
(COUPER-KUHLEN, THOMPSON, 2000); a respeito da importância da sintaxe na
comunicação de uma mensagem (SLOBIN, 1980); Teoria-Metodológica da Gramática
Sistêmico-Funcional (HALLIDAY,1985,1994; HALLIDAY; MATHIESSEN, 2004), com
enfoque na metafunção Interpessoal, examinando, na microestrutura, os elementos
persuasivos que percorrem o texto, a saber: Avaliatividade (MARTIN, 2000, 2003);
Linguística Crítica (FOWLER, 1991); Crypto-argumentação (KITS e MILAPIDES,
1997); Contrabando de Informação (LUCHJENBROERS; ALDRIDGE, 2007); Apito do
cão (MANNING, 2004); Modelo de Toulmin (TOULMIN, 1958; TOULMIN et al, 1984);
Polidez (BROWN e LEVINSON, 1978; 1987); Gênero (MARTIN, 1984); Conversa
casual (SCHEGLOFF e SACKS, et al, 1974); Artigo de opinião (BRÄKLING, 2000);
Estrutura do Gênero (PORTA, THOMPSON, 2001, 2002; HOEY,1994; VIGNER, 1988)
e Textura (REYNOLDS, 1997).
2.1 A Causalidade
Tendo em vista a primeira pergunta de pesquisa: (a) Como são realizadas as
relações de causa, condição e concessão nos textos examinados?, apresentamos
algumas propostas que mostram que a expressão da causalidade não se restringe à
citada nas gramáticas normativas, abrangendo não somente as conjunções
subordinativas causais, mas também preposições, relações entre orações e outros
recursos como veremos a seguir.
Com base em trabalho que define a relação causa-efeito como uma das três
relações lógicas da língua, Jordan (1998) demonstra no inglês como os meios de
sinalização de causa-efeito são usados em diferentes registros e em diversas
situações gramaticais e textuais. Entre as sinalizações discutidas, incluem-se
indicações nulas (ou omissão de conectivo), preposições, advérbios de tempo,
gerúndios e orações-que, bem como elementos mais reconhecidos como: isto, causa,
efeito, assim, daí, porque, devido a. Muitos fatores limitam essas possibilidades de
10
sinalização da relação causal, tais como: registro, comprimento da sentença, ênfase,
pressuposição, variedade de sinalização, coesão e semântica associativa,
complexidade gramatical ou a necessidade de um novo Tema. O autor mostra que,
embora os sinais da relação causa-efeito sejam bem conhecidos, sabemos pouco
sobre como e quando eles são empregados no uso da língua em situação real.
Sabe-se que itens lexicais como causa e resultado, continua Jordan (1998),
nem sempre indicam a presença da relação causa-efeito. Por outro lado, algumas
relações de causa-efeito não são indicadas de forma explícita. Muitas outras
aparecem subentendidas por meio de preposições: em, depois de, com, ou por meio
da conjunção quando, e outras fornecem indicações de local e tempo que, dentro do
significado total da comunicação, podem ser percebidas como indicação de causa-
efeito, e de tempo também.
Segundo Jordan (1998), o pronome “isto” proporciona a reentrada da oração
ou do grupo nominal em nova oração para criar uma relação lógica entre o referente
e o predicado da nova sentença.
(1) O fato de muitas fórmulas vitamínicas não serem equacionadas adequadamente pode prejudicar a sua absorção.
(2) O fato é que muitas fórmulas vitamínicas não são equacionadas adequadamente. Isto
pode prejudicar a sua absorção.
Algumas relações entre partes do texto podem não ser sinalizadas (MANN;
THOMPSON, 1986).
(3) Na noite de 21 de outubro, o Universe Leader, um navio-tanque de 93.000 toneladas,
começou a carregar óleo cru no terminal Whiddy Island do Golfo. Na manhã seguinte, 2500 toneladas do óleo cru estavam na Baía de Bantry Bay, em vez de estar nos tanques do navio. Alguém tinha aparentemente deixado aberta a válvula por cerca de meia hora.
(4) Os idosos também sofrem dos danos do fumo.
Também a ordem cronológica pode indicar a causalidade.
(5) Kenneth Gibson (82) foi morto ao anoitecer da quinta-feira, quando o seu Oldsmobile derrapou numa curva e bateu num hidrante.
Sobre a variedade e comprimento de sentença, o autor lembra a possibilidade
de transformar uma oração em um grupo nominal, nos termos de Halliday (1994) para
converter a relação de causa-e-efeito entre duas sentenças em uma entre o sujeito
11
(causador) e seu objeto, através de expressões como: isso causa, isto resulta em,
etc.
(6) Para mudar a transmissão, a hidráulica ou empurra os lados da polia juntos ou puxa-os para separar. Isso força a roldana a correr para cima ou para baixo no encaixe, assim encolhendo ou expandindo efetivamente o diâmetro das polias.
(7) Em geral, as partículas não tratadas se reúnem na parte inferior do conduto, causando aumento gradual de pH conforme a água descartada atravessa a linha.
(8) Os componentes da fumaça de cigarros danificam o interior das veias, o que pode levar ao desenvolvimento da arteriosclerose.
(9) A temperatura do combustível armazenado nos tanques do navio ou nos tanques da parte inferior aproxima-se da temperatura do mar, que raramente excede a 30º C, e assim a exigência da SOLAS é plenamente satisfeita quanto aos 40º do ponto de fusão do combustível.
(10) O aquecimento dos oceanos pode estar encolhendo o tamanho do salmão do Pacífico.
(11) Nós somos também o pioneiro em gerenciamento de centro-de-gravidade. Nosso sistema de monitoramento e controle de combustível, construído em cooperação com a Hercules Aerospace, é um meio de reduzir custos de combustível para jatos para os operadores.
A propósito dos elos assindéticos (ausência de conectivo), Gohl (2000) nota
que esse é um instrumento frequente, especialmente na conversa informal. Nesse
caso, é quase impossível especificar a relação de coerência que existe entre dois
enunciados adjacentes sem olhar para a sequência mais ampla do contexto
circunstancial (linguístico e não-linguístico) desses enunciados. A propósito, Grice
utilizou exemplos para demonstrar a ocorrência da Máxima de Modo (“seja claro”),
como se vê a seguir:
(12) Ele tirou as calças e foi deitar.
A conjunção e sinaliza uma relação de sequência temporal (e então), que pode
ser entendida pela ideia de que, salvo indicações contrárias, os fatos foram contados
em sua ordem natural.
Apresentamos a seguir o Quadro 1 que resume as categorias de análise da
expressão causal:
12
Quadro 1: Expressão da Causalidade
Código: ► = causa e ♦ = consequência Podem indicar causa Exemplos
1. Substantivos: causa, razão, motivo Em geral, as partículas não tratadas se reúnem na parte inferior do conduto, (assim) causando aumento gradual de pH conforme a água descartada atravessa a linha.
2. Preposições: em, depois de, com [típico de linguagem jornalística]
Os idosos também sofrem dos danos do fumo.
3. Pronome indefinido: isto O fato é que muitas fórmulas vitamínicas não são equacionadas adequadamente. Isto pode prejudicar a sua absorção.
4. Pronome relativo: que Os componentes da fumaça de cigarros danificam o interior das veias, o que pode levar ao desenvolvimento da arteriosclerose.
5. Conjunção: assim ►A temperatura do combustível armazenado nos tanques do navio [..] raramente excede a 30º C, e assim a exigência da SOLAS é plenamente satisfeita quanto aos 40º C do ponto de fusão do combustível.
6. Expressão é que Nasceram por acaso. É que a tabela não funcionou.
7. Entre partes do texto, mas sem Sinalização
Na noite de 21 de outubro, o Universe Leader, [..] começou a carregar óleo cru no terminal WIG. ♦Na manhã seguinte, 2500 toneladas do óleo cru estavam na Baía de Bantry Bay, em vez de estar nos tanques do navio. ►Alguém tinha aparentemente deixado aberta a válvula por cerca de meia hora.
8. Entre sujeito e predicado, com redução de oração
►O fato de muitas fórmulas vitamínicas não serem equacionadas adequadamente ♦pode prejudicar a sua absorção.
9. Ordem cronológica Quando a bomba estourou, ela desmaiou.
10. Títulos indicam causa por meio de tópico conhecido pelos leitores.
O aquecimento dos oceanos pode estar encolhendo o tamanho do salmão do Pacífico.
11. Anáfora indica ponte entre causa e efeito.
Nosso sistema de monitoramento e controle de combustível, construído em cooperação com a Hercules Aerospace, é um meio de reduzir custos de combustível para jatos para os operadores.
Fonte: Jordan (1998)
2.1.1 A função da Causalidade
Uma vez mostrados os recursos de expressão da causalidade, e para
responder à segunda pergunta de pesquisa, ou seja, Qual é o papel dessas relações
na persuasão que percorre o texto argumentativo?, vamos examinar algumas
propostas que tratam do assunto.
Sweetser (1990) relaciona os conectivos discutidos com a questão da
coerência e sugere que uma conexão entre conectivos empregados semanticamente
13
relaciona-se à metafunção Ideacional (HALLIDAY, 1994), enquanto uma conexão
entre conectivos empregados pragmaticamente relaciona-se à metafunção
Interpessoal (HALLIDAY, 1994), isto é, a um apelo para o ouvinte fazer alguma coisa.
Nesse contexto, com apoio em Dottori Filho (2005), tratamos da função da
conjunção “porque”. Desde os estudos do círculo de Bakhtin, o uso da língua é
considerado dialógico por natureza. Dentro dessa perspectiva, Ford (1994) sugere
que a conjunção “porque” emerge em geral depois de relações retóricas de contraste
e negação, ou mais genericamente, depois de proposições que vão contra as
expectativas partilhadas.
Em alguns casos, o emprego de “porque” não é negociado na interação. É o
que acontece em um contexto jornalístico, em que o diálogo se dá entre o jornalista e
o leitor, presumindo-se aí que o leitor seja capaz de interpretar o uso da conjunção
sem recorrer à sequência conversacional originalmente precedente, o que pode
originar uma frase final de “porque” como resultado do diálogo entre falante e ouvinte
(ou autor e receptor), na ausência de um receptor presente.
Ford (2000) analisa as funções do contraste na interação. A autora considera o
contraste em termos amplos, envolvendo contraste neutro, concessão e antítese,
reconhecendo que contrastes podem ser manifestados como desacordos entre
interlocutores. Quando há algum contraste entre os interlocutores envolvidos em uma
interação face-a-face, surge a necessidade de explicações ou soluções, em que o
falante esclarece o contraste apresentando uma razão muito importante ou uma
consequência para o fato.
A autora analisa tipos de combinação retórica recorrente e esperável, que
compõem a maioria dos casos presentes nos dados: contraste seguido de
explicação, e contraste seguido de solução. Os casos são diversos com relação às
funções dos contrastes, isto é, a apresentação da incompatibilidade ou da oposição
atende a diferentes finalidades da interação.
Dentre os modelos estudados de contraste seguido de explicação, e de
contraste seguido de solução, há evidências de que existe um modelo mais geral,
através do qual os contrastes são seguidos de uma explicação introduzida por um
conectivo, dentro de uma sequência padronizada. A pesquisa verifica uma
regularidade relevante associada aos usos de explicações e soluções após
contrastes.
14
Em alguns desses casos – ordens de autoridade, correção, falas específicas–
certas ações parecem exercer uma força de atuação pelo menos em parte por meio
da ausência de mudanças voltadas para explicação e solução. Nesse caso, os
contrastes podem ainda ser associados a explicações e soluções, mas o falante pode
indicar a autoridade da qual está falando, por produzir estrategicamente um contraste
não-elaborado, ou pode apresentar uma interpretação da existência de um problema
como uma reclamação, ao oferecer uma posição de simpatia ao invés de um impulso
de remediação.
Gohl (2000) usa os achados de Ford (1994, 2000) sobre os contextos nos quais
as explicações e justificativas emergem regularmente, ou marcados por porque.
Contudo, o achado de Ford de que as explicações são em geral produzidas em
contextos envolvendo algum tipo de contraste é apenas aplicável a parte do material
analisado por Gohl (2000). A ocorrência de explicações parece não estar diretamente
ligada à estrutura linguística que o enunciado anterior expresso, mas a um tipo de
ação realizada pelo enunciado anterior.
A autora trata de: (a) após explicações segunda ação não-preferida (ou seja, a
resposta que contraria as expectativas do falante); (b) explicações depois de
avaliações; e (c) explicações para pedidos. Com base nesses itens, a autora afirma
que os pedidos são atividades que ameaçam a face porque obrigam o receptor a fazer
algo: ou na forma de ação verbal (fornecendo informação), ou na forma de ação não-
verbal (fazer algo). Esse formato torna os pedidos em ações sensíveis em termos
conversacionais – e por isso é provável que sejam seguidos por explicações. Da
mesma forma, queixas e reprimendas requerem, em geral, uma explicação.
2.2 A Condição
A condição – outro elemento foco da análise desta pesquisa - também tem sido
foco de algumas considerações como veremos a seguir. As construções condicionais
(doravante, CCs) são tradicionalmente consideradas como constituídas por duas
partes: a oração subordinada adverbial condicional e a oração principal
(BECHARA,1969). Em lógica, a proposição correspondente à oração subordinada é
chamada prótase e à oração principal, apódose), como no exemplo (1) Se ele
conseguir dinheiro, ele irá a Portugal:
15
Se conseguir dinheiro, ele irá para Portugal.
subordinada adverbial condicional Principal
PRÓTASE APÓDOSE
Mazzoleni (1994), estudando as CCs no italiano, constatou que certos tipos de
CC só, 2001b ocorrem no modo indicativo, não admitindo a forma subjuntiva. Esse
fato foi constatado para o português também (IKEDA, 2001). Para ele, existiriam então
dois tipos básicos de CCs: “normais” e “pragmáticas”3.
(a) CCs normais - As CCs normais, ou preditivas, são conhecidas também como
CCs de conteúdo. Mazzoleni (1994) diz que o uso do se tem dois efeitos
correlatos:
• o valor verdade da (proposição expressa pela) prótase (p) afeta o
status da apódose (q);
• a proposição no antecedente de uma CC não é afirmada, mas deixada
em aberto: fazendo assim, o falante não assume a responsabilidade da
verdade4 de p e q.
Enunciando a prótase, o falante hipotetiza a proposição que serve como uma
condição para a proposição expressa pela apódose. Mas na conversa diária, (1), por
exemplo, sugere que uma saída tardia (i.e., não p) resultará em enfrentar
‘congestionamento’, (i.e., não q):
(1) Se sairmos cedo, não haverá congestionamento de trânsito.
Em termos de Geis e Zwicky (1971, apud Mazzoleni, 1994), a sentença do tipo 'se p,
q' envolve a inferência convidada 'se não p, não q'; o exemplo (2) seria a inferência
convidada de (1).
3 Também chamadas de preditivas e não-preditivas, respectivamente por Sweetser & Dancygier (1996, 2000). 4 Verdade ou valor verdade como abreviação para o valor verdade e/ou relevância comunicativa de q.
16
(2) Se não sairmos cedo, o tráfego estará congestionado.
(b) CCs pragmáticas ou não-preditivas - Na classificação das CCs pragmáticas,
Mazzoleni alista quatro possibilidades, às quais Dancygier e Sweetser (1996)
acrescentam mais uma, a CC Epistêmica.
(i) CC Epistêmica - Neste caso, p expressa uma proposição que é
pressuposta como sendo verdadeira, o que leva à verdade de q.
(3) Se ele foi a Portugal, ele conseguiu o dinheiro.
(ii) CC de Atos de Fala- Neste caso, o valor verdade de p não afeta o valor
verdade de q, mas a felicidade do ato de fala realizado no enunciado. Diferentes
tipos de ato de fala podem ser condicionados desta maneira, tais como, oferta,
elogio, pergunta, pedido e afirmações.
(4) [Eu pergunto a você] Se está com sede, há cervejas na geladeira.
Ato de fala de pergunta
(iii) CC "Sentença do Holandês" - A falsidade óbvia de q autoriza a
inferência convidada que automaticamente leva à interpretação de p
como falsa.
(5) Se você é tão esperto, por que não conseguiu o dinheiro?
(iv) CC imperativa (versão da CC hipotética) - É em geral usada para
realizar um ato de fala 'proposital' cuja meta principal é a realização de
um efeito perloCucionário: o falante quer produzir ou evitar uma
situação, cujo controle (pelo menos parcialmente) depende do ouvinte.
Para isso, o falante pode contribuir com (i) efeitos desejáveis ou (ii) indesejáveis.
(6) (i) Me lava o carro e eu te dou cinco reais. (CC hipotética: Se você me
lavar...)
17
(ii) Me diga isso outra vez e eu te quebro os ossos.
(v) CC metalinguística - No exemplo abaixo, proposta por Dancygier e
Sweetser (1996), q não depende de p, já que o primeiro atua no nível
do conteúdo e o segundo no nível metalinguístico. O falante expressa
um conteúdo essencialmente incondicional e permite um modo
alternativo de expressar esse conteúdo.
(7) Meu ex-marido, se este é o termo correto para ele, foi visto em Las Vegas.
2.2.1 Condição e argumentação
Reynolds (2000), ao tratar da argumentação, cita a hipótese como um dos
fatores que aumentam a sua força persuasiva. No modo argumentativo, diz
Vestergaard (2000, p. 103-5), há muitas funções, que, juntas, formam a natureza
persuasiva desse modo. Ele alista cinco tipos, que chama de “avaliativo” (não-
verificável), tipos ilocucionários, como propostas, avaliações, previsões,
interpretações e explicações causais, notando que esta não é uma lista exaustiva.
Reynolds (2000) trata de dois deles, predição e avaliação, já que elas estão sempre
presentes na argumentação de editoriais, e acrescenta: declaração e hipótese.
Abordaremos, a seguir, a predição, a declaração e a hipótese. A Avaliação será
tratada no item: Persuasão e Avaliação.
(a) Predição - Podemos distinguir, diz Reynolds (2000), entre predição
inferencial, que pertence inteiramente ao modo argumentativo, e a
referência futura, que é ou narrativo, ou narrativo-com-argumento. Em (8) a
predição é puramente inferencial.
(8) There will be widespread support for Mr. Straw’s assertion that most children in this age group know the difference between right and wrong.
[Haverá grande apoio para a declaração do Sr. Straw de que a maioria das crianças
nesta faixa-etária sabe a diferença entre certo e errado5.]
5 As traduções dos exemplos são minhas.
18
Em (9), a seguir, há tanto um uso do modal will, inferencialmente preditivo, nas
duas primeiras sentenças, com o modo argumentativo reforçado pelo uso de dois
advérbios avaliativos understandably e naturally, e o uso do will narrativo na terceira
sentença.
(9) As long as the Labour leadership maintains its vow of silence on taxes, the public will understandably remains suspicious and rely on their memories of past Labour
governments. The Tory publicity machine will naturally try to persuade voters to assume the worst. Indeed, a Tory campaign to expose Labour’s secret tax plans will begin in the very first week of the New Year. [Enquanto a liderança do Partido Trabalhista mantiver seu voto de silêncio sobre os impostos, o povo permanecerá compreensivelmente receoso e confiará em suas memórias a respeito dos governos trabalhistas anteriores. A máquina publicitária Tory naturalmente tentará persuadir os eleitores a assumir o pior. Na verdade, uma campanha da Tory mostrará os planos de imposto secreto do Partido Trabalhista que começará ainda nesta primeira semana de Ano Novo.]
A “predição” na terceira sentença é factualmente baseada, enquanto que as
duas primeiras sentenças não são. Contudo, um tom avaliativo na terceira sentença –
‘a exposição’ de ‘um plano secreto’ – é igualmente evidente: daí, narrativo-com-
traduzir.
Uma fusão de hipótese [1], predição inferencial [2] e conselho deôntico [3] está
evidente no seguinte exemplo do modo argumentativo:
(10) [1] If the Conservatives are evicted from office this week, [2] they will doubtless move swiftly to the leadership question. [3] They would do well to consider the local democracy issue with equal intensity.
[1] Se os conservadores forem despejados do escritório nesta semana, [2] sem dúvida,
eles se moverão rapidamente para a questão da liderança. [3] Eles fariam bem em considerar a questão da democracia local com igual intensidade.
(b) Declaração - São afirmações do modo argumentativo que são feitas sem
nenhum fundamento específico ou garantias explícitas apresentadas no
discurso (embora, é claro, as garantias sejam recuperáveis, como suposições
subjacentes ou pressuposições pragmáticas).
(14) Yesterday’s Guardian-ICM poll was not a rogue, even though last night’s polls from other companies seemed to suggest that Labour’s lead is holding up more strongly than the five-point margin we reported in yesterday’s edition.
19
[A votação da ICM-Guardian de ontem não foi enganosa, embora as últimas pesquisas de opinião de outras empresas, ontem à noite, pareciam sugerir que a liderança do Partido Trabalhista esteja se apresentando mais fortemente do que a margem de cinco pontos que nós informamos na edição de ontem. ]
(15) Despite the fact that the election has become a presidential context, the real choice is still the choice that individual voters make about individual candidates.
[Apesar do fato de que a eleição se tornou um contexto presidencial, a escolha real é
ainda a escolha que os eleitores individuais fazem sobre os candidatos individuais. ]
Declarações, como já foi sugerido, frequentemente servem como portadores
de metamensagens ideológicas, e particularmente quando na forma do que Lyons
(1977:763, apud Reynolds, 2000) chama de declaração ‘categórica’, i.e., declarações
que não são modalizadas. Vejamos os exemplos abaixo.
(16) Workfare is expensive. The cheapest way to deal with unemployment is to pay a Giro cheque.
[Mão de obra é cara. A forma mais barata de lidar com o desemprego é pagar um
cheque de Giro. ]
Nenhuma evidência é citada como garantia para essa declaração, que não é
inesperada por jornal da ala direita (Conservadores) como o The Times. Garantias
implícitas apoiando um argumento como essa incluiria a importância do corte de taxas,
a necessidade dos indivíduos serem autônomos (confiáveis por si) e uma
“interferência mínima” do governo.
(17) The PTA (Prevention of Terroriim Act) is an act unacceptable, arbitrary power. (G19: last para., sent.1)
[A PTA (Ação de Prevenção de Terroriim) é um ato inaceitável, um poder arbitrário. (G19: último parágrafo, enviado.1)]
Como em (16), uma reivindicação é feita na forma de uma declaração sem a
presença de mitigação, sem fundamentos ou garantias. Esse é o caso em que ela é
elaborada para se alinhar com o leitor de inclinação de esquerda, como é o esperado
do The Guardian. Isso pode ser visto pela forma em que o poder é problematizado
como potencialmente merecido e maligno. É também o caso do exemplo seguinte, em
que a afirmação pressupõe a importância da benevolência da democracia como uma
forma de vida política. Esse uso de pressuposição exemplifica o argumento forte
20
defendido por Sbisá (1999) de que a pressuposição na mídia jornalística é
frequentemente empregada para propósitos persuasivos, servindo a fins ideológicos.
(18) Voting matters. It changes things, as we hope it will do today. (G22 [no dia da eleição]: para.3, sent. 3-4)
Questões de voto. Ele transforma as coisas, como nós esperamos que ele fará hoje. (G22 [no dia da eleição]: parágrafo 3, enviado. 3-4)
No exemplo seguinte de declaração não-modalizada, a garantia (que a
associação livre é desejável) está mais claramente implícita do que em outros
exemplos.
(19) Identity cards, even if voluntary, are a dangerous step further away from Britih customs of free association. (t9:para4, sent.3).
[Cartão de identidade, mesmo que voluntário, é um passo perigoso longe do costume
britânico de livre associação. (t9: parágrafo 4, enviado 3)].
Por fim, podemos observar que em todos esses exemplos de declaração não-
modalizada, o modo argumentativo não está fundido com nenhum outro. Isso é
argumento direto.
(c) Hipótese - Uma função do argumento é posicionar algum possível estado de
coisas como um prelúdio para a afirmação, de maneira tão persuasiva quanto
possível, tal que o estado de coisas é o caso, com ou sem evidência de prova.
Essa é a essência da hipótese, e um meio sintático para sua sinalização é o
uso da oração ‘se’. Que o argumento é em geral tanto especulativo quanto
persuasivo ao mesmo tempo é demonstrado através da combinação da
modalidade deôntica com a condicionalidade, como no exemplo:
( ) If the Lib Dems negotiate an active relationship with a future Labour government, their first priority ought to be to bring sanity back into the vital area of fiscal policy.
[Se os Democratas Liberais negociarem uma relação ativa com um futuro governo trabalhista, a sua primeira prioridade deve ser a de trazer a sanidade de volta para a área vital da política fiscal. ]
(d) Avaliação – que foi apresentada no item 2.3.2, Avaliatividade.
21
2.3 A Concessão
Um rápido exame das situações de concessão, em três diálogos gravados pelo
Projeto NURC (CASTILHO; PRETTI, 1987, 1988), mostrou-nos (IKEDA et al, 2012)
que, em dois deles, a conjunção subordinativa concessiva embora como sendo a
expressão de concessão, citada primordialmente pelas gramáticas normativas não se
fazia presente. Não se fazia concessão nesses diálogos? Porém, um exame mais
detido, mostrou que, sim, havia muitas situações de concessão, e que, na maioria dos
casos, o conectivo mas, uma conjunção coordenativa adversativa, integrava situações
de concessão.
Mas, antes de outras considerações, vejamos como era tratada a conjunção
embora, que, segundo Cunha (1972, p. 394)6, inicia uma oração concessiva em que
se admite um fato contrário à ação principal, mas incapaz de impedi-la:
(1) É todo graça, embora as pernas não ajudem... (CUNHA, 1972, p. 394)
Observemos que, no exemplo (1), é possível a substituição da conjunção
embora pela conjunção mas, como se vê em (2):
(2) É todo graça, mas as pernas não ajudam...
Porém, nem sempre é o que acontece:
(3) O João é gordo, mas o Pedro é magro.
(4) (?) O João é gordo, embora Pedro seja magro.
O exemplo (4) seria possível em outro contexto, mas não como substituto de
(3).
Por outro lado, examinando-se os exemplos (5) e (6), abaixo, notamos que a
impossibilidade da substituição de embora por mas deve-se ao fato de mas, sendo
uma conjunção coordenativa, não poder iniciar o período (NEVES, 1999).
6 Outros autores examinados a respeito do assunto foram Almeida (1967), Cegalla (1971), Neves (1999), Bechara (2005).
22
(5) Embora você queira, nada acontecerá. (ALMEIDA, 1967, p. 514)
(6) *Mas você queira, nada acontecerá.
Contudo mas pode iniciar uma oração em (7):
(7) A: Vamos comer pizza no jantar?
B: Mas a gente comeu ontem mesmo!
A literatura funcionalista menciona a existência de uma relação complexa entre
concessivas e adversativas, tal que “a resolução dessa relação não é simples”
(NEVES, 1999, p. 545). Para Halliday e Hasan (1976), a relação de contraste que
compreende as construções adversativas e as concessivas tem o significado básico
de “contrariedade à expectativa”. Nesse sentido, Lopes (s/d: 3, apud NEVES, 1999,
p. 549-550) diz que “todo jogo das relações entre construções contrastivas (isto é,
concessivas ou adversativas) [...] envolve a intervenção de pelo menos uma negação”.
Essas afirmações mostram, então, que há pontos de convergência entre as
concessivas e as adversativas; contudo, nem sempre esse fato se verifica, como
demonstram vários exemplos examinados.
Couper-Kuhlen e Thompson (2000) mostram como a concessão é realizada na
conversa, como os falantes revelam seu conhecimento dos padrões de concessão e
como eles os manipulam para suas finalidades interacionais, e propõem o esquema
da Concessiva Cardinal (CCard) para entender como os falantes realizam essas
atividades.
2.3.1 O esquema da Concessiva Cardinal
Couper-Kuhlen e Thompson (2000) estudam a concessão na conversa – como
meio de evitar confronto e a ameaça à face (BROWN; LEVINSON, 1987) - e, embora
seu objetivo não seja a relação entre embora e mas, o esquema da Concessiva
Cardinal (doravante CCard), que propõem, é esclarecedor nesse particular para o
nosso estudo.
Couper-Kuhlen e Thompson, após mostrarem como a concessão é realizada
na linguagem oral; como os falantes revelam seu conhecimento dos padrões de
23
concessão; e como eles os manipulam para suas finalidades interacionais, propõem
o esquema da Concessiva Cardinal (CCard) para entender como os falantes realizam
essas atividades.
As autoras afirmam que a concessão é, num sentido fundamental, diádica,
envolvendo a CCard, uma sequência de três partes em que um primeiro falante coloca
algum ponto (X) e um segundo falante reconhece a validade desse ponto (X'), mas
prossegue para expor seu ponto potencialmente contrastante (Y’). O CCard pode se
realizar em uma sequência interacional de três partes, envolvendo dois ou mais
falantes:
(X) A: Declara algo ou expõe seu ponto de vista
(X') B: Reconhece a validade dessa declaração ou ponto de vista
(concessão)
(Y') B: Prossegue argumentando a validade da declaração potencialmente
contrastante.
As autoras consideram também muitas implicações funcionais e sociais desse
padrão na linguagem oral, em que, talvez, a tese mais interessante seja a de que a
concessão tem seu uso determinado pela necessidade de expressar alinhamento ou
desalinhamento entre os interlocutores. Elas propõem o esquema da CCard, a partir
de exemplos como:
Joanne e Lenore estão conversando sobre um amigo em comum que tem o
vício de beber.
(a) Joanne: mas ele é saudável como um TOURO. (b) esse rapaz. (c) (---) (h) esse rapaz é SAUDÁVEL como um tou:ro (d) Lenore: [ seu fígado, (e) exceto pelo fígado. (f) Joanne: (-) eh, (g) mas o que estou falando é (h) como se (i) você sabe (j) pelo tanto que ele ABUSA do fígado (k) e todas as outras (-) outras coisas da vida (l) ele ainda é SAUDÁVEL como um TOURO
24
As autoras enfocam aqui a concessão nas linhas (d) e (e) em que Lenore
aponta que o fígado do amigo não está saudável. Na linha (j), Joanne concorda com
Lenore, mas na linha (l) continua irredutível em sua declaração de que o rapaz “ainda
é saudável como um touro”. Elas apresentam o esquema do Quadro 7, em que
acrescentamos a última coluna (auxiliar) a título de esclarecimento da relação
concessiva/adversativa:
Esquema 1: A Concessiva Cardinal
X Lenore: a não ser pelo fígado
X’ Joanne: pelo tanto que ele abusou de seu fígado,
concessiva (embora ele tenha abusado...)
Y Joanne: ele ainda está saudável como um touro.
adversativa (mas ele ainda está saudável)
Fonte: Couper-Kuhlen; Thompson (2000)
Continuando, as autoras afirmam que esses padrões surgem de tarefas em que
os participantes se veem continuamente confrontados na interação. O CCard está
adaptado para introduzir um desacordo com um acordo parcial ou fraco no contexto
de uma atividade de avaliação, segundo Pomerantz (1984). Como Pomerantz e outros
afirmam, conceder é um modo de que dispõem os falantes para introduzir um
desacordo potencialmente destruidor.
Há uma ressalva que Ikeda et al (2012) julga necessário fazer em relação ao
esquema 1. Para compreender a concessão no exemplo, o esquema deveria iniciar-
se com a fala de Joanne: "mas ele é saudável como um TOURO esse rapaz",
afirmação contra a qual Lenore reage: "a não ser pelo fígado". Esse acréscimo ajuda
a compreender o funcionamento da concessão, estabelecendo a "contrariedade à
expectativa", de que nos fala Iten, além da coerência exigida pelas palavras das
próprias autoras: "mas na linha (Y), Joanne continua irredutível em sua declaração de
que o rapaz: é saudável como um touro”.
Oda (2008, apud IKEDA, 2012) propõe, assim, o Esquema 2, a seguir:
25
Esquema 2: Esquema revisado da Concessiva Cardinal
Y Joanne: mas ele é saudável como um TOURO
X Lenore: a não ser pelo fígado
X’ Joanne: pelo tanto que ele abusou de seu fígado, concessiva (embora ele tenha abusado...)
Y' Joanne: ele ainda está saudável como um touro. adversativa (mas ele ainda está saudável)
Fonte: Oda (2008)
A seguir, na medida em que esta pesquisa trata de elementos conectores de
orações, apresentamos as considerações feitas por Slobin (1980) a respeito da
importância da sintaxe na comunicação de uma mensagem.
2.4 Os universais linguísticos
Slobin (1980) tratando dos universais linguísticos, acumulou muitas
informações a respeito das línguas do mundo, as quais revelaram padrões comuns
surpreendentes (GREENBERG, 1978, apud SLOBIN, 1980). Os universais
linguísticos devem basear-se em universais psicológicos e socioculturais, para, assim,
contribuir na construção de uma teoria geral da natureza do pensamento humano e
da interação social, segundo Slobin (1980). Assim, todas as línguas sofrem restrições
devido a: (a) tendências humanas a pensar e imaginar de certa maneira; (b)
exigências de realização impostas por um código que se enfraquece rapidamente e é
temporariamente ordenado (seja fala auditiva ou sinal visual); e (c) natureza e metas
da interação humana. A questão das orações subordinadas, sobre as quais recai o
enfoque desta pesquisa, está envolvida no item (c).
Assim, continua o autor, usa-se a sintaxe para dirigir a atenção do ouvinte para
o fio de um argumento. Veja-se, o exemplo de Slobin, na breve declaração abaixo:
(1) Na noite passada, eu iria a um concerto, no lugar onde Judy costumava representar, mas o evento foi cancelado".
Uma oração subordinada adjetiva restritiva e uma construção passiva juntam
essa série de proposições com um mínimo de repetição. Se faltasse esse complexo
aparato sintático, poderíamos dizer mais ou menos o seguinte:
26
(2) Ontem à noite eu ia a um concerto. Judy costumava representar numa praça. O concerto era naquela praça. Fui àquela praça. Eles haviam cancelado o concerto.
Em (1), diz Slobin, a sintaxe torna o enunciado compacto e coerente. O
indivíduo precisa de meios para se referir ao que foi dito antes; para qualificar o que
está sendo introduzido; e para coordenar o ponto de vista do falante e do ouvinte. Tais
pressões do discurso, tanto temporais quanto sociais, estão constantemente atuando
no sentido de modelar a forma da língua. Em suma, diz o autor, quando viermos a
entender mais a respeito das pressões funcionais sobre a língua, poderemos explicar
melhor a razão da forma especial que a língua humana tomou para seu uso.
A razão da existência das orações subordinadas liga-se a várias funções que
elas exercem no texto, em especial, no texto escrito. Apenas para exemplificar,
examinemos um trecho de uma crônica de Luis Fernando Veríssimo, "Homens",
publicada na revista VEJA:
(3) Deus, que não tinha problemas de verba, nem uma oposição para ficar dizendo
"Projetos faraônicos!". Projetos faraônicos!", resolveu, numa semana em que não tinha mais nada para fazer, criar o mundo. E criou o céu e a terra e as estrelas e viu que eram razoáveis. Mas achou que faltava vida na sua criação e sem ter uma idéia muito firme do que queria começou a experimentar com formas vivas.
Se separarmos as orações principais de suas subordinadas, teríamos a
situação apresentada no Quadro 2.
Quadro 2 - Análise do texto em orações principais e subordinadas
Oração Principal Oração Subordinada
Deus, Que não tinha problemas de verba, nem uma [...]
resolveu, numa semana em que não tinha mais nada para fazer
criar o mundo.
E criou o céu e a terra e as estrelas e viu Que eram razoáveis.
Mas achou Que faltava vida na sua criação
e sem ter uma idéia firme do que queria
começou a experimentar com formas vivas
Fonte: Luis Fernando Veríssimo – Revista VEJA abril de 1988.
27
Vemos que as ações feitas por Deus estão na oração principal e que a
descrição do contexto em que essas ações ocorreram estão nas orações
subordinadas. Ou seja, uma das funções das orações subordinadas é a construção
do pano de fundo em que as ações que desejamos priorizar acontecem.
Podemos perguntar o motivo desse contraste. Pesquisas psicolinguísticas
mostram que o ser humano tem a necessidade de distinguir forma e fundo, a forma
(foreground) salientando-se sobre o fundo (background), para poder entender o que é
primordial naquilo que seu interlocutor lhe transmite. Essa distinção é realizada por
vários recursos linguísticos como os tempos verbais (perfeito X imperfeito - vejamos
sublinhados no Quadro 2); tema X rema; oração principal x oração subordinada etc.
Essa característica da língua não só marca o contraste forma X fundo, mas também
sinaliza a porção da mensagem que o autor deseja privilegiar, orientando, assim, a
interpretação que ele espera do leitor. Em termos do processo persuasivo, pode-se
entender a importância que esse modo discreto de sugerir determinada interpretação
traz para o texto argumentativo.
Apresentamos, a seguir, a Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), de Halliday
(1994) e Halliday e Matthiessen (2004), uma gramática da oração (LI, 2010), que
entende a língua como uma "rede de opções entrelaçadas" (Halliday, 1994) e uma
gramática do significado. A GSF vê a língua como um sistema de significados
realizados por meio de funções realizadas através do rico recurso de opções
gramaticais selecionadas pelo usuário da língua. Essas escolhas são descritas em
termos funcionais para que sejam significativas semântica e pragmaticamente.
2.5 A Gramática Sistêmico-Funcional
Na Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), a língua é vista como uma prática
social, e é o resultado da relação entre dois aspectos fundamentais - sua
sistematicidade e sua funcionalidade (MARTIN, 1997). A funcionalidade está refletida
no discurso através da estrutura gramatical interna da língua, isto é, as funções da
língua fornecem as motivações para a sua forma e a sua estrutura (HALLIDAY, 1978).
A gramática da língua é representada por redes sistêmicas, derivadas das
escolhas realizadas pelos usuários nas mais diversas situações comunicativas
28
(HALLIDAY, 2004, p. 23). Para Halliday, a língua serve para construir três significados
- ou metafunções: Ideacional (Experiencial + lógico) (a informação e a conjunção
dessas informações), Interpessoal (interação) e Textual (construção do texto,
envolvendo as duas outras metafunções).
A metafunção Interpessoal, enfocada em especial nesta tese, organiza a
oração como um evento interativo, envolvendo falante (ou escritor) e audiência. Os
tipos interpessoais fundamentais de papel de fala são apenas dois, para Halliday
(1994): (i) dar, e (ii) pedir; além disso, esses tipos se relacionam com a natureza do
produto que está sendo permutado: (a) bens e serviços [Proposta] ou (b) informação
[proposição].
O significado interpessoal abrange os sistemas gramaticais de:
(a) MOOD (estabelece relações entre papéis de falante e ouvinte, através de
verbos modais ou adjuntos modais e também o tempo primário e a
modalidade. Quanto ao Mood, uma oração pode ser: declarativa (afirmativa
ou negativa); interrogativa (i) sim/não ou (ii) qu-; imperativa; subjuntiva;
exclamativa.
(b) MODALIDADE (expressa a avaliação dos interlocutores sobre o conteúdo da
mensagem). Halliday (1985, p.163-164) menciona também os epítetos
atitudinais (que estudaremos em Avaliatividade, de Martin 2000). Vejamos o
Quadro 3.
Quadro 3 - Modalidade
DAR PEDIR Produto MODALIDADE
Informação Proposição → (Informação)
Modalização probabilidade (epistêmica): talvez
e.g. São duas horas. e.g. Quem você viu lá? frequência: geralmente, sempre
Bens e Serviços Proposta → (Bens & Serviços)
Modulação obrigação (deôntica): deve, precisa
e.g. Deu-lhe flores. e.g. Me empresta isso? desejabilidade: quero Fonte: Halliday (1994)
29
NOTA: Autores (e.g., LEMKE 1992, p. 86) notam que essa abordagem tende a
confundir as funções interpessoais e a função do ‘ intrometimento’ pessoal. Assim,
Thompson e Thetela (1995) propõem que se faça uma distinção no interior da
metafunção interpessoal, e vê-la abrangendo duas funções relacionadas, mas
relativamente independentes: a pessoal e a interacional, além do interativo (este
para guiar o leitor através do texto: em resumo, como dissemos antes etc.).
Por outro lado, é importante para a GSF a questão da relação entre língua e
contexto. Alguns fatos mostram que língua e contexto estão interrelacionados, diz
Eggins (1994): (a) um texto carrega aspectos do contexto em que foi produzido; (b)
somos capazes de predizer a língua através de um contexto; e (c) sem um contexto
não somos capazes, em geral, de dizer que significado está sendo construído.
Portanto, ao fazermos perguntas funcionais, não é suficiente enfocarmos somente a
língua, mas a língua usada em um contexto. Mas quais as feições desse contexto
afetam o uso da língua?
Para responder a essa questão, os sistemicistas lançam mão de dois conceitos:
gênero e registro. O gênero representa os processos sociais em estágios orientados
para uma finalidade de uma dada cultura, tais como a narrativa, uma anedota, uma
reportagem, um relato, um procedimento, etc., e, por isso, são em geral rotulados de
contexto de cultura. No caso desta pesquisa, os gêneros analisados são: o artigo de
opinião e a conversa casual.
O registro, por outro lado, refere-se ao contexto de situação (MARTIN, 1992).
Na GSF, o registro é organizado pelas três variáveis contextuais, Campo (assunto),
Relações (status dos interactantes) e Modo (organização do texto). Essas três
variáveis contextuais de registro são, por sua vez, organizadas pelas metafunções da
linguagem (HALLIDAY, 1978).
Há também um terceiro contexto − o ideológico − que mais recentemente tem
sido abordado pela GSF. A ideologia ocupa um nível superior de contexto, referindo-
se a posições de poder, a vieses políticos e a suposições sobre valores, tendências e
perspectivas que os interlocutores trazem para seus textos, e tem chamado a atenção
dos sistemicistas, na medida em que, em qualquer registro, em qualquer gênero, o
uso da língua será sempre influenciado pela nossa posição ideológica. A análise dos
aspectos ideológicos tem sido feita, dentre outros, pela Linguística Crítica (FOWLER,
1991).
30
A GSF abriga, em sua metafunção Interpessoal, a noção de Avaliatividade, a
semântica da avaliação, que leva em conta o posicionamento dos interlocutores em
relação a sentimentos, julgamento ético e apreciações estéticas que os interlocutores
deixam transparecer durante a interação oral ou escrita. A Avaliatividade -
apresentada a seguir - contribui para a compreensão das funções dos conectores
oracionais.
2.5.1 A Avaliatividade
A avaliação tem sido estudada na GSF com o nome de Avaliatividade (tradução
de Appraisal), de Martin (2000, 2003), que, assim, acrescenta à metafunção
interpessoal da GSF a semântica da avaliação, isto é, o modo como os interlocutores
estão sentindo, os julgamentos que fazem e a apreciação de vários fenômenos de sua
experiência. A categoria principal ou sub-sistema é o AFETO, que trata da expressão
de emoções (felicidade, medo, etc.). Relacionado a ele há mais dois sub-sistemas:
JULGAMENTO (tratando de avaliação moral (honestidade, generosidade, etc.) e
APRECIAÇÃO (tratando da avaliação estética (sutileza, beleza etc.). É o que mostra
o Quadro 4.
Quadro 4 – Exemplos de Avaliatividade
AFETO – emoções RITA Eu adoro esta sala. Eu adoro aquela janela. E você gosta também? FRANK O quê?
JULGAMENTO – ética (avaliando comportamento) FRANK E é o seguinte, entre você, eu e as paredes, eu sou na verdade um professor péssimo. Na maioria das vezes, veja, nem interessa realmente – dar aulas péssimas está bem para a maioria dos meus alunos péssimos.
APRECIAÇÃO – estética RITA Sabe, a Rita Mae Brown, que escreveu Rubyfruit Jungle? Você leu esse livro? Ele é fantástico.
Fonte: Martin (2000)
Quando a avaliação está explicitamente realizada, é fácil a análise da atitude
em positiva ou negativa em relação a algum evento: Felizmente/Infelizmente, o Brasil
31
desafiou os EUA na ALCA. Mas o que fazer em casos onde a avaliação não está
inscrita explicitamente), como em: O Brasil desafiou os EUA na ALCA. Esse fato levou
Martin a postular uma distinção importante. Vejamos o Quadro 5, abaixo:
Quadro 5 - Meios de ativação da Avaliatividade
Inscrita (explícito) As crianças estavam falando alto.
Evocada (implícito) (tokens ‘fatuais’) As crianças conversavam enquanto ele dava aula.
Implícita provocada (alguma linguagem avaliativa)
A professora já estava na sala, mas as crianças continuavam falando.
Fonte: Martin (1995)
Toda instituição está carregada com pareamentos (ideacional + avaliação)
desse tipo, diz Martin (2000), e a socialização em uma disciplina envolve tanto um
alinhamento com as práticas institucionais envolvidas quanto uma afinidade com as
atitudes que se espera que tenhamos em relação a essas práticas. Talvez devesse
ser enfatizado que os analistas da Avaliatividade deveriam declarar sua posição de
leitura – já que a avaliação por evocação depende da posição institucional que se
toma ao ler um texto. Assim, muitos leitores se alinhariam com Rita e não com Frank
em termos de textos populares como o citado Rubyfruit Jungle.
Sobre a relação entre a avaliação e a ideologia, diz Hunston (1993) que esse
conceito pode ser definido como qualquer coisa que indique a atitude do escritor em
relação ao valor de uma entidade no texto. O sistema de valores constitui um aspecto
importante da ideologia e, segundo a autora, pode ser descrito linguisticamente em
termos da avaliação presente nos textos.
A avaliação pode ser definida como qualquer coisa que indique a atitude do escritor em relação ao valor de uma entidade no texto ou mesmo em relação ao interlocutor. Em muitos gêneros, continua Hunston (1993), essa avaliação é articulada em termos de julgamento pessoal, mas pode não ser pessoal, e ser social ou institucional; além disso, a avaliação dos itens em relação àquele sistema pode ser expressa em termos metafóricos e de maneira implícita. (HALLIDAY, 1985, p. 332)
32
Martin diz que a expressão de atitude não é simplesmente uma questão de
posicionamento pessoal, mas uma questão interpessoal, pois a razão básica de
adiantar uma opinião é provocar uma resposta de solidariedade do interlocutor. A
seguir, o Quadro 6 apresenta um detalhamento do sistema da Avaliatividade.
Quadro 6 - Os sub-sistemas da Avaliatividade
ATITUDE
(a) Afeto
(in)Felicidade (in)Segurança (in)Satisfação
(b) Julgamento
Estima Social
Normalidade [frequente/raro] Capacidade Tenacidade
Sanção Social Veracidade Propriedade [ética]
(c) Apreciação
Reação (impacto): [Isso me cativa?] Reação (qualidade): [Eu gosto disso?] Composição (equilíbrio): [Eles combinam?] Composição (complexidade): [Fácil de compreender?] Valoração [Vale a pena?]
COMPROMISSO
(a) monoglóssico (sem negociação) (b) heteroglóssico (com negociação)
GRADUAÇÃO (a) Força Aumenta [completamente devastado]
Diminui [um pouco chateado]
(b) Foco Aguça [um policial de verdade] Suaviza [cerca de quatro pessoas]
Fonte: Martin (2000)
A seguir, a proposta de Fowler (1991), que foi denominada de Linguística
Crítica, mostra a importância das escolhas lexicogramaticais feitas pelo autor, já que
é por meio delas se revela a ideologia presente no texto. Cada relação de causa-e-
efeito, de condição, de concessão terá em seu bojo, segundo a proposta, um viés
ideológico.
2.5.2 A Linguística Crítica
A Linguística Crítica (LC), uma das correntes formadoras da análise do discurso
crítica, é uma abordagem que foi desenvolvida por um grupo da Universidade de East
Anglia, Inglaterra, na década de 1970 (FOWLER et al., 1979; KRESS e HODGE,
33
1979). Segundo Fairclough (1992a, p. 46): “Eles tentaram casar um método de análise
linguística e textual com uma teoria social da linguagem em processos políticos e
ideológicos, recorrendo à Gramática Sistêmico-Funcional”.
Em termos gerais, a LC rejeitou o tratamento dos sistemas linguísticos como
autônomos e independentes do “uso” da linguagem e a separação entre “significado”
e “estilo”. Na LC, a hipótese Sapir-Whorf, de que a linguagem incorpora visões de
mundo particulares, é acatada e estendida, entendendo-se, assim, que todo texto
incorpora ideologias. O objetivo dessa abordagem é a interpretação crítica de textos:
"a recuperação dos sentidos sociais expressos no discurso pela análise das estruturas
linguísticas à luz dos contextos interacionais e sociais mais amplos" (FOWLER et al.,
1979, p. 195-196). Para Fowler (1991), na medida em que sempre há valores
implicados no uso da língua, deve ser justificável praticar um tipo de linguística
direcionada para a compreensão de tais valores.
O ponto teórico principal na análise de Fowler é o de que qualquer aspecto da
estrutura linguística carrega significação ideológica; seleção lexical, opção sintática,
etc., todos têm sua razão de ser. Há sempre modos diferentes de dizer a mesma coisa
e esses modos não são alternativas acidentais. Diferenças em expressão trazem
distinções ideológicas (e assim diferenças de representação).
A análise crítica está interessada no questionamento das relações entre signo,
significado e o contexto socio-histórico que governam a estrutura semiótica do
discurso, usando um tipo de análise linguística. Ela procura, estudando detalhes da
estrutura linguística à luz da situação social e histórica de um texto, trazer, para o nível
da consciência, os padrões de crenças e valores codificados na língua – que estão
subjacentes à notícia e que são invisíveis para quem aceita o discurso como algo
“natural”.
A seguir, tendo em mente a aceitação do fato de que o ato de argumentar, de
orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, “constitui o ato linguístico
fundamental” (KOCH, 1987, p. 19), trataremos da persuasão, um hiper-processo, que
inclui numa relação de espécie-para-gênero os processos da convicção e a sedução
(KITIS; MILAPIDES, 1997).
34
2.6 A persuasão
Persuadir, conforme Abreu (2000), é saber gerenciar uma relação, é falar à
emoção do outro. Persuadir é construir algo no campo das ideias: quando
convencemos alguém, esse alguém passa a pensar como nós e realiza algo que
desejamos que realize. Para Kitis e Milapides (1997), a persuasão envolve: (a)
convicção [por meio de evidências] e (b) sedução [por meio do apelo à emoção].
Enquanto o ato de convencer se dirige à razão, tecendo de um raciocínio estritamente
lógico e por meio de provas objetivas, sendo, assim, capaz de atingir um auditório
universal, a sedução, por sua vez, procura atingir a vontade, o sentimento dos
interlocutores por meio de argumentos plausíveis ou verossímeis, de caráter
ideológico, subjetivo, temporal, dirigindo-se, pois, a um auditório particular: o primeiro
conduz a certezas, ao passo que o segundo, leva a inferências que podem conduzir
esse auditório à adesão aos argumentos apresentados. Nesse sentido, Hunston
(1994, p. 193) propõe que:
Para ser convincente a persuasão deve parecer uma reportagem. Segue-se que a avaliação, através da qual a persuasão é realizada, deve ser altamente implícita e, assim, evitará a linguagem atitudinal normalmente associada ao significado interpessoal.
A propósito, Latour e Woolgar (1979, p. 240) afirmam que “o resultado de uma
persuasão retórica é que os participantes devem ser convencidos de que não foram
convencidos”. Segue-se que a persuasão tende a ser altamente implícita e a evitar a
linguagem atitudinal normalmente associada ao significado interpessoal, dependendo
em grande parte, por exemplo, do sistema de valores partilhados (Halliday, 1985).
Martin (2003, p. 173) alerta, então, para o fato de que “o apego a categorias explícitas
significa perder-se uma grande porção do significado atitudinal implicada pelos
textos”. Esse tipo de persuasão, que acontece cumulativamente conforme o texto se
desenrola pode ser extremamente eficaz em certos contextos.
Apresentamos, a seguir, alguns exemplos de persuasão implícita:
35
i) a crypto-argumentação – ou argumentação secreta – aquela que subjaz a um
texto narrativo e descritivo, em cuja verificabilidade o autor se apoia para
implicitamente persuadir o leitor (KITIS; MILAPIDES, 1997);
(ii) o contrabando de informação - A adequação do frame (conjuntos de
informação aceitos culturalmente que acompanham qualquer termo lexical) é
também muito importante para “contrabandear” uma informação, a inserção
sub-reptícia de informação (negativa) em declaração. Cada escolha lexical
desencadeia uma rede ampla de associações presentes no uso do termo
escolhido (LUCHJENBROERS; ALDRIDGE, 2007);
(iii) a política do apito do cão (dog-whistle politics), frase cunhada para capturar
a forma de avaliação implícita, aparentemente neutros, mas que devem ser
“entendidos” como uma mensagem negativa pela comunidade alvo
(MANNING, 2004);
(iv) a falácia (ou raciocínio) falho e o entimema (um procedimento sistemático para
a reconstrução de um tipo específico de significado implícito, ou seja, a
premissa não-expressa de um argumento. O entimema é um silogismo
abreviado, um argumento incompleto ao qual a audiência provê
inconscientemente a premissa que falta;
(v) a Teoria do Mundo Textual - as escolhas linguísticas determinam
interpretações diferentes da realidade, criando diferentes visões de mundo. O
discurso é um esforço deliberado por parte do produtor e do receptor para criar
um “mundo" dentro do qual as proposições apresentadas são coerentes e
fazem sentido (DOWNING, 2003).
A persuasão na escrita de textos argumentativos exige que seu produtor vá ao
encontro das expectativas da audiência em termos não só da apresentação, mas
também da troca de informação, interagindo com a audiência por meio de escolhas
lexicogramaticais cuidadosas, ao mesmo tempo em que expõe o conteúdo da
mensagem. Isto quer dizer que parte do que torna coerente uma escrita está fora do
36
texto, nos processos interpretativos dos leitores. A dimensão interpessoal em textos
bem escritos pode, assim, ser vista como a relação entre as funções interativa e
interacional (LEE, 2008; THOMPSON; THETELA, 1995). A finalidade dessa relação é
a ajuda ao leitor para negociar o texto mais facilmente e ao escritor para melhor
expressar sua mensagem.
Por outro lado, é hoje aceito que arguir é mais do que meramente ‘fazer lógica’,
e que uma sólida teoria da argumentação é a que trata não somente da questão da
estrutura conceitual de argumentos, mas também a que trata do uso argumentativo
da linguagem (OSWALD, 2007). O desenvolvimento da pragmática leva
historicamente a concepções de comunicação que forneceram respostas a questões
para as quais as abordagens da lógica formal não haviam sido felizes. Assim, a
Pragma-Dialética (Pragma-Dialectics), de van Eemeren e Grootendorst (1984, 1992,
1996, 2004) é provavelmente um dos paradigmas mais influentes nos estudos da
argumentação, que integra intravisões pragmáticas e dialéticas.
A argumentação, para ser aceita, deve fazer sentido, deve ser coerente. Para
entendermos essa questão, trazemos a visão de Bednarek (2005), para quem, a
coerência de textos é re (construída) pelo ouvinte, e é o resultado de uma interação
complexa de contexto linguístico e conhecimento não-linguístico, ou enquadres
(frames) - estruturas mentais de conhecimento que permitiriam ao receptor atribuir
coerência ao texto. Esse fato explicaria a razão de um mesmo texto ser coerente para
uns e não para outros. Esse modo de entender o texto é importante para a minha
pesquisa, já que relaciona a exposição frequente do público leitor a certo modo de ver
a realidade - que constituirá o seu enquadre -, contribuindo, assim, para sua atribuição
de coerência a textos cujo conteúdo vem ao encontro das expectativas contidas nesse
enquadre.
Devido aos vários recursos retóricos usados para persuadir o interlocutor, seja
na modalidade oral, seja na escrita, como foi mencionado nos itens de (i) a (iv) acima,
a argumentação deve passar por uma espécie de crivo de autenticação que
examinasse as etapas de sua constituição. É o que faz o chamado “Modelo de
Toulmin”, que apresentamos a seguir.
37
2.6.1 Argumentação e o modelo de Toulmin
Tem havido muitos trabalhos nos últimos cinquenta anos sobre o que poderia
ser chamado de “aplicações de Toulmin”, incluindo Toulmin e seus colaboradores
(TOULMIN 1958; TOULMIN et al. 1984). O que inspirou Toulmin foi em parte a
insatisfação com a rigidez da lógica formal. Seu modelo move-nos ao longo do
espectro, para longe da lógica formal extrema, e tem sido desenvolvido por Douglas
Walton (1989) e outros no movimento da lógica informal.
O modelo é atraente porque fornece um enquadre no qual alunos e professores
de diferentes áreas e disciplinas podem comparar e contrastar suas práticas
argumentativas e tem uma presença importante no pensamento do século XX, nos
estudos da comunicação e da composição. Por outro lado, ele apenas alcança uma
aplicação plena quando colocada em contextos específicos. Poder-se-ia afirmar,
então, que sua função como um modelo para compor um argumento é ao mesmo
tempo convidativo e perigoso.
Lauerbach (2007) propõe uma metodologia que alia a abordagem de análise (crítica)
do discurso e métodos de análise do argumento. A argumentação é uma prática
discursiva essencialmente dialógica: reivindicação e desafio, reivindicação e contra-
reivindicação, são prototipicamente realizados de forma dialógica. Portanto, são
sequências de pergunta-resposta que subjazem à lógica do argumento cotidiano.
Segundo a teoria de Toulmin (1958), cada uma de suas categorias teóricas [de
Reivindicação, Dados, Garantia, Qualificação, Refutação e Apoio] está
potencialmente sujeita a desafios com respeito à sua validade. A sequência de
movimentos dialógicos mostrados abaixo foi reconstruída por Lauerbach a partir do
modelo de Toulmin aplicado a um diálogo argumentativo fictício entre A e B (cf.
Toulmin, 1958: 94-107):
(a) Reivindicação: asserção pela qual nos comprometemos. [e.g. Tom é
cidadão britânico. ]
(b) Dados: fatos que oferecemos para apoiar a reivindicação. [Ele nasceu nas
Ilhas Bermudas.]
38
(c) Garantias: registro, implícito, da legitimidade do passo envolvido para
passar dos Dados para a Reivindicação (2006 [1958], p. 143). [Há uma lei
que garante essa reivindicação. ]
(d) Qualificação: inserção de um qualificador [Ele é certamente um cidadão
britânico. ]
(e) Refutação: circunstâncias nas quais não se aceita a autoridade geral da
garantia. [Mas seus pais não são cidadãos britânicos. ]
(f) Apoio: afirmações categóricas que são expressas quando refutador não
aceita validade da Garantia. [A afirmação de que os estatutos sobre a
nacionalidade britânica foram de fato transformados em lei.] (TOULMIN,
2006 [1958], p. 153).
Uma das questões que cercam o uso dos conectores oracionais refere-se à
cautela em não “ameaçar a face” do interlocutor, fenômeno também conhecido como
“polidez”. A seção seguinte traz a teoria da polidez (BROWN; LEVINSON, 1987).
2.6.2 A polidez
A teoria da polidez, de Brown e Levinson (1987), embora tenha sido objeto de
uma quantidade considerável de críticas (IDE, 1989; MATSUMOTO, 1988, 1989;
MAO, 1994; TING-TOOMEY; KUROGI, 1998; ARUNDALE. 1999, etc.), ainda é
enormemente influente e continua a gerar uma grande quantidade de pesquisa em
várias disciplinas relacionadas, incluindo sociolinguística e pragmática. Na esteira de
Goffman (1974), Brown e Levinson, baseiando-se na teoria da polidez sobre o
conceito de "face" (a autoimagem pública que qualquer membro quer reivindicar para
si) argumentam que:
Face é algo que é um investimento emocional, e que pode ser perdida, mantida ou melhorada, e deve ser constantemente focalizada na interação. Em geral, as pessoas cooperam (e assumem a co-operação do outro) para manter a face na interação, em que a co-operação baseia-se na mútua vulnerabilidade da face (BROWN e LEVINSON, 1987, p. 61).
39
Sua hipótese central é de que a polidez é, antes do que qualquer outra coisa,
a preocupação dos indivíduos e que
No contexto de mútua vulnerabilidade da face, qualquer agente racional procurará evitar ações de ameaça a face, ou empregará certas estratégias para minimizar essa ameaça (BROWN e LEVINSON 1987, p. 68).
Para esse fim, os falantes fazem escolhas a partir de uma variedade de
estratégias linguísticas as quais Brown e Levinson (1987) esquematizam numa
hierarquia, exemplificada em considerável detalhe.
Cada estratégia fornece internamente um amplo grau de polidez (ou
minimização do risco à face), e assim o F (falante) terá em mente o grau de ameaça
a face ao escolher as realizações linguísticas adequadas e na construção e
composição de expressões verbais minimizadoras (BROWN e LEVINSON 1987, p.
91).
O exercício dessas estratégias é, na visão de Brown and Levinson's,
universalmente manifestada em diversas culturas e contextos de interação, e é
essencial para que a comunicação aconteça sem problemas e rupturas.
Brown and Levinson (1987) sustentam que: a “face” consiste em dois aspectos
relacionados: face negativa (reivindicação básica de um indivíduo por territórios,
domínios pessoais, autodeterminação) e face positiva (a autoimagem positiva que
indivíduos reivindicam para si). Em termos gerais, Brown e Levinson argumentam que
certos tipos de atos, sejam verbais ou não verbais, intrinsecamente ameaçam à face,
podendo ameaçar a face negativa ou a positiva ou ainda ameaçam ambas as faces.
Ao escolher fazer uma FTA (ato de ameaça a face) explícita, um indivíduo pode
recorrer a um ato (redressive) para reduzir a ameaça e neutralizar o dano potencial à
face do destinatário, por meio de polidez negativa (estratégias orientadas
principalmente para a face negativa) ou polidez positiva (estratégias orientadas
principalmente para a face positiva).
Controvertidamente, Brown e Levinson (1987) associam alguns atos do
discurso com ameaças tanto a face negativa (por exemplo, a maioria das formas de
diretiva, incluindo ordens, solicitações, sugestões e advertências e ameaças etc.)
quanto a face positiva (por exemplo, as expressões de desaprovação, críticas,
queixas, acusações, contradições, desafios etc.).
40
2.7 Gêneros do discurso: a conversa casual e o artigo de opinião
Gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados
elaborados por cada esfera de utilização da língua. Incluem desde o diálogo cotidiano
até a exposição científica, conforme Bakhtin (1997).
Os gêneros podem ser primários (simples) e secundários (complexo).
Durante o processo de formação, os gêneros secundários absorvem e transmutam os
gêneros primários, e estes adquirem uma característica particular: perdem sua relação
imediata com a realidade existente e com a realidade dos enunciados alheios.
Ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam
a variedade do discurso em qualquer área do estudo linguístico leva ao formalismo e
à abstração, desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o vínculo existente entre
a língua e a vida, continua o autor. A língua penetra na vida através dos enunciados
concretos que a realizam.
Na GSF, Martin (1984, p.25) definiu a noção de Gênero como sendo "uma
atividade, organizada em estágios, orientada para uma finalidade na qual os falantes
se envolvem como membros de uma determinada cultura". Mais tarde, Martin (1985b,
p. 248) explicou mais informalmente que "Gêneros são como as coisas são feitas,
quando a linguagem é usada para efetivá-las. Grande parte do choque cultural é de
fato choque de gênero".
Outra proposta que esclarece a questão vem de Vestergaard (2000), para
quem o Gênero motiva e formata socialmente o discurso e a participação discursiva
de fora, enquanto a língua na qual um discurso ocorre restringe e capacita a expressão
de dentro. Para o autor, as distinções de gênero ocorrem na intersecção da meta
comunicativa com o registro.
2.7.1 A conversa casual
Segundo Zagoto (2011), a AC, caracterizada por sua natureza empírica e
qualitativa, criou um modelo próprio e uma terminologia específica. Assim, Sacks et
al. (1974), na tentativa de explicar o modo como uma conversa pode acontecer,
formularam um modelo descritivo sobre o modo como os falantes gerenciam a tomada
41
de turno na conversa cotidiana. De acordo com os autores, o sistema de tomada de
turno constitui-se de dois componentes: um de construção e outro de distribuição.
O componente de construção de turno é formado por vários tipos de unidades
(e.g. sentença, oração, frase), com as quais o falante pode iniciar a construção de um
turno. As unidades constituem-se em um recorte situado de fala, facilmente
reconhecido pelos participantes na interação, podendo ser identificado por duas
características básicas: (a) a projeção, isto é, a capacidade de cada participante, no
curso da interação, de identificar o tipo de turno e o lugar onde ele acaba e (b) o lugar
de relevância de transição, que torna possível legitimar a transição de turnos entre
falantes.
O componente de distribuição de turno é formado pelas técnicas de atribuição
de turnos entre os interlocutores, e pressupõe direitos e obrigações iguais entre eles.
Essas técnicas estão divididas em dois grupos: (a) aquelas em que o próximo turno é
atribuído pela seleção do próximo falante, pelo falante atual; e (b) aquelas em que um
próximo turno é atribuído por auto-seleção Sacks et al (1974) sugerem que os falantes
reconhecem pontos de mudança potencial de falante porque os falantes falam em
unidades que eles chamam de unidade de construção de turno (UCT). Eles definem
uma unidade de construção de turno como uma unidade gramatical completa, tal
como a sentença, oração ou frase, e que atende a critérios de natureza sintático-
semântico-pragmática e a critérios entonacionais, incluindo o silêncio; o final de uma
unidade de construção de turno representa para os interactantes um ponto em que é
possível ocorrer a transferência de falante, cuja definição deve atender.
Um conceito relacionado ao sistema de tomada de turnos é o de sequências,
estudado principalmente por Schegloff e Sacks (1974). A AC concebeu o que para
muitos é a contribuição mais significativa da análise da interação: a identificação dos
pares adjacentes (PAdj). A AC reconhece que há de fato dois tipos de segunda-parte-
do-par:
(a) uma segunda-parte-do-par preferida; (b) uma alternativa arbitrária – que em
termos da AC é chamada de segunda-parte-do-par despreferida. As respostas
preferidas tendem a ser mais breves; de apoio ou de aceitação; orientada em direção
ao fechamento; e linguisticamente mais simples. As respostas despreferidas tendem
a ser mais longas, já que os respondentes podem procurar desculpar-se, explicar ou
justificar sua resposta despreferida.
42
2.7.1.1 Projetabilidade e contingência
O termo projetabilidade é usado na AC para se referir à maneira complexa
como os participantes são capazes de antecipar a direção e a complementação de
turnos, a fim de poderem iniciar turnos subsequentes com um mínimo de atraso ou
sobreposição (SACKS et al., 1974).
Ford (2004), retomando Sacks et al. (1974), questiona alguns fatores que
ocorrem durante a interação e enfatiza a projetabilidade. A autora argumenta que a
projetabilidade não é suficiente para explicar todos os fatores que ocorrem na fala
durante a interação, pois o momento de precisão, descrito por Sacks et al. (1974),
depende da existência não só de unidades projetáveis, mas também de recursos
compartilhados pelos participantes na fala. Ford diz que nunca podemos planejar
completamente a interação espontânea: nem nossas próprias articulações, nem as
contribuições dos outros. Com base nessa evidência, a autora defende a contingência
nas unidades da interação. Segundo ela, as unidades de construção de turno, embora
sejam projetáveis (portanto, recorrentes e previsíveis) são, ao mesmo tempo,
profundamente contingentes e inteiramente dependentes das exigências de
atividades colaborativas entre pessoas reais, em momentos específicos de interação.
De acordo com a autora a contingência manifesta-se na fala de inúmeras
maneiras e está presente no decorrer da produção de qualquer unidade de fala, longa
ou curta. Ela afeta os mecanismos interacionais por meio dos quais interactantes
manobram tanto a chegada de possíveis fechamentos de unidades quanto à maneira
e os termos da transição de turnos, manifestando-se também por meio do ocultamento
de ações projetáveis. A contingência pode então ser definida como toda e qualquer
possibilidade de algo acontecer na fala e é dependente das exigências de atividades
colaborativas entre pessoas reais, em momentos específicos da interação.
Portanto, segundo Ford (2004), para explicar as práticas interacionais, as
descrições de turno devem abranger a contingência em relação a, pelo menos, duas
feições centrais na interação: (a) a co-construção dinâmica e estendida, a co-autoria
ou a produção colaborativa da conversa (DURANTI; BRENNEIS, 1986; JACOBY;
OCHS, 1995; GOODWIN, 2002); e (b) a produção simultânea de trajetórias múltiplas,
incluindo som, gesto corporal, lexicogramática e estruturas recorrentes de ação
colaborativa (FORD et al., 1996; GOODWIN, 2002).
43
2.7.2 O artigo de opinião como um gênero
O Manual de redação do jornal Folha de S. Paulo define artigo de opinião como
um texto no qual o autor se coloca, toma partido, manifesta uma preferência e
apresenta argumentos que a justificam.
Bräkling (2000) define o artigo de opinião como um gênero discursivo no qual
se busca convencer o outro sobre determinada ideia, influenciando-o e transformando
seus valores por meio da argumentação a favor de uma posição, e de refutação de
possíveis opiniões divergentes. Dada a ampla audiência dos artigos de opinião que
estão entre os mais lidos gêneros em jornais (BELL, 1991; REAH, 1998 apud
DAFOUZ-MILNE, 2008) servem para adquirir e reforçar muito do conhecimento e
crenças dos leitores (VAN DIJK, 1988, apud DAFOUZ-MILNE, 2008.
Os artigos de opinião, ao contrário dos editoriais, são assinados por
especialista e pode não refletir a avaliação oficial do jornal. Segundo Pereira (2006,
apud BRÄKLING, 2000), na sequência argumentativa, o autor pode se colocar de
modo pessoal (em primeira pessoa: na minha opinião, penso que etc), ou de modo
impessoal (em terceira pessoa: é provável que, é possível que, não se pode esquecer
que, convém lembrar que etc). Segundo Dafouz-Milne (2008), o discurso jornalístico,
e os artigos de opinião em especial, podem ser considerados "alguns dos exemplos
de escrita persuasiva mais adequados em todos os países, estabelecendo padrões
para a escrita persuasiva" (CONNOR, 1996, p. 143).
Apesar da natureza persuasiva desses textos, a aceitação automática das
ideias neles apresentadas nem sempre ocorre. Para persuadir, os articulistas devem
apresentar o material proposicional de uma forma que a audiência potencial o julgará
mais convincente e atrativo.
Nesse contexto, segundo Reynolds (2000), a função de um editorial - e aqui
incluo o artigo de opinião - é comentar, via modo argumentativo, os eventos correntes,
expressos através dos modos narrativos e descritivos. Nas palavras de Vestergaard
(2000, p.102):
[...] um artigo prototipicamente de destaque é um texto que descreve um problema corriqueiro, tipicamente político, sugere uma ou duas soluções, e pesa seus méritos relativos à luz de possíveis consequências. O artigo de destaque prototípico será [...] persuasivo ou expositivo, dependendo se contem apelo direto para a adoção da solução propagada.
44
2.7.2.1 Estrutura do artigo de opinião
A organização dos estágios de um determinado gênero é o que proporciona
sua identidade e o distingue de outros gêneros (PARODI, 2014). Os gêneros que
abrigam a argumentação – como é o caso do artigo de opinião – apresentam, em
termos gerais, a seguinte estrutura proposta pelos autores PORTA, THOMPSON,
2001, 2002; HOEY, 1994; VIGNER, 1988:
(a) Situação;
(b) Problema;
(c) Proposta de Solução (ou pontos de vista sobre a questão);
d) Argumentos em prol da proposta;
(e) Avaliação ou Tese
A propósito, Porta (2002) faz algumas distinções que são importantes para quem
vai escrever uma dissertação-argumentativa, que aqui incluo o artigo de opinião, por
pertencer à mesma família do argumentar em prol de uma tese.
Descrição e Problema: Sobre a descrição da experiência, diz Porta (2002):
Certamente, o descrever a experiência pode desempenhar um papel
preponderante em vários sentidos; o que não pode é eliminar o problema
enquanto tal. Isso não significa que o descrever adequadamente não seja um
fator decisivo na "solução", reformulação e, inclusive, dissolução do problema
original. Entendamos: dissertar somente sobre uma questão, sem apresentar um
problema e a argumentação em defesa de um ponto de vista sobre essa
questão, não constitui uma dissertação-argumentativa.
Hipótese e Tese: É um enunciado capaz de ser declarado verdadeiro ou falso. As
proposições podem ser: (i) afirmadas ou (ii) não-afirmadas. Nem toda proposição
é necessariamente afirmada. Entre as proposições afirmadas situamos a tese.
Uma hipótese é um candidato a tese.
45
Solução de problema: As "teses filosóficas" cumprem uma condição: elas são
solução de um problema. O estabelecimento da tese principal de uma
determinada obra depende, portanto, da correlativa fixação do seu problema
básico.
Tese: O tema é aquilo sobre o que o autor fala; tese é o que ele fala a respeito do
tema.
Argumento: A tese é uma solução ao problema e implica um optar em que outras
alternativas são descartadas. Tal optar parte da exigência de que a resposta seja
"pertinente", o que limita em boa medida toda arbitrariedade. Entretanto, e óbvio
que isso ainda não basta. Às vezes, há várias respostas igualmente "pertinentes"
para a mesma pergunta. É aqui que os argumentos desempenham um papel
essencial. O que legitima a opção por uma determinada tese são os argumentos.
A argumentação pertence à família das ações humanas que têm como objetivo
persuadir (BRETON, 2003)7. Numerosas situações de comunicação têm, de fato,
como finalidade persuadir uma pessoa, um auditório, um público, para que adotem
determinado comportamento ou que eles compartilhem de uma opinião.
2.7.2.2 Os modos textuais
Um importante conceito para a nossa pesquisa são os modos textuais.
Reynolds (2000) busca mostrar como a textura do discurso é criada por meio da
mistura de modos textuais, no contexto de um gênero específico – o editorial de jornal.
Primeiramente deve ser dito que “gênero” está sendo usado num amplo sentido
bakhtiniano – que é, não no conceito literário, mas como um conceito que se aplica a
todo discurso como seu princípio, como “uma forma de ação social” (MILLER, 1984),
ou melhor, como ação sócio-retórica. O gênero gera, isto é, motiva e formata
7 BRETON, Philippe. A argumentação na comunicação. SP: EDUSC, 2003.
46
socialmente o discurso e a participação discursiva de fora, enquanto a língua na qual
um discurso ocorre restringe e capacita a expressão, como se fosse, de dentro.
Se a língua e o gênero juntos fornecem a estrutura para o discurso, diz
Reynolds, então esses são realizados como textura. Textura, isto é, é a instanciação
no discurso de duas ordens virtuais de estrutura, ou seja, a estrutura linguística e a
estrutura genérica (REYNOLDS, 1997). Textura é um conceito funcional que inclui a
coesão descrita pelos linguistas sistêmico-funcionais, tais como Halliday e Hasan
(1976, 1989) e Martin (1992), mas também, e mais importante, a coerência que eles
tendem a explicar. Textura é o resultado da mistura de modos textuais, que juntos
abrangem o discurso e correspondem a funções para as quais precisamos da língua
e a usamos. Para usar uma metáfora, tecemos fato (descrição e narração) e opinião
(argumentação) juntos no discurso: daí a ‘textura’.
Os termos – “narrativo” e “argumentativo” não são “gêneros” por si, continua o
autor, mas descritores dos modos textuais que se combinam para formar gêneros. A
combinação de modos textuais não é, contudo, um assunto aleatório. Em gêneros
específicos, como resultado da ‘exigência’, ou motivo social (MILLER, 1984), da ação
retórica que está sendo praticada, um ou outro modo será predominante, e.g. narrativo
para contar uma brincadeira ou uma anedota, argumento em artigos acadêmicos ou
discurso judiciário.
Segundo Reynolds (2000), em termos do modo textual, o editorial – é
predominantemente um modo argumentativo fundido com a narrativa e a descrição.
A razão para tal fusão deriva da necessidade de apoiar o argumento com evidência.
Isso porque a natureza da verdade das afirmações expressas no discurso deve passar
pelo seguinte teste: a verdade é verificável literalmente ou não? Se a resposta é “sim”,
então é narrativa ou descrição; se “não”, é um argumento.
Contudo, deve-se admitir, diz Reynolds, que nem sempre é fácil distinguir com
absoluta certeza entre narrativa e descrição, já que ambos, juntamente com o
argumento, podem vir em fusão linear (quando se sucedem uns aos outros) ou
escalada (quando se misturam). A seguir, o Quadro 7 traz um resumo das teorias até
aqui apresentadas.
47
Quadro 7 – As teorias aplicadas à Análise
Pesquisa de natureza crítica com apoio da Gramática Sistêmico-Funcional
Foco da pesquisa CAUSA – CONDIÇÃO - CONCESSÃO
Dados Examinados GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO
GÊNERO CONVERSA CASUAL
Comparação da presença e da função dos conectores oracionais nesses
gêneros
Teorias de Apoio
UNIVERSAIS LINGUÍSTICOS A necessidade da sintaxe
GSF: AVALIATIVIDADE Avaliação como meio de persuasão
PERSUASÃO E MODELO DE TOULMIN
Toulmin: Checagem da persuasão
POLIDEZ Cuidados com a ameaça à face
MODOS TEXTUAIS
Textura
49
3. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo interpretativista, uma pesquisa que examina uma
unidade, cujos limites são esclarecidos em termos de resposta a perguntas feitas, de
fontes de dados e do contexto envolvido. A pesquisa de caráter qualitativa é
caracterizada pela investigação e interpretação do pesquisador, e tem o apoio da
Gramática Sistêmico-Funcional, uma proposta teórico-metodológica de Halliday
(1994), que possibilita relacionar as escolhas lexicogramaticais do texto à estrutura da
ideologia e das relações de poder do discurso. A seguir, abordaremos a descrição
dos dados e dos procedimentos adotados na análise.
3.1 Dados
O corpus compõe-se de um diálogo (subgênero da conversa) extraído do
Projeto Nurc e um artigo de opinião publicado no jornal Folha de S. Paulo. A escolha
de um texto da modalidade escrita e um da modalidade oral foi motivado pelo fato de,
segundo Halliday (1994), a língua escrita ser mais complexa por ser lexicalmente
densa, empacotando grande número de itens lexicais em cada oração; enquanto que
a língua falada é complexa por ser gramaticalmente complexa, construindo orações
elaboradas complexas recorrendo à parataxe e à hipotaxe (coordenação e
subordinação, respectivamente).
Ocorre que a escola recebe alunos que dominam a modalidade oral, que
utilizam cotidianamente, o que não acontece com a modalidade escrita. Poucas
pesquisas se detêm no exame da sintaxe da modalidade oral, com exceção louvável
para a coletânea da “Gramática do Português Falado”, que reúne pesquisadores da
área. Essa situação reflete-se nas salas escolares em que o aluno acaba produzindo
textos “escritos” ditos “oralizados”, ou seja, sem a adequação às regras sintáticas da
modalidade escrita. Daí a ideia de fazer a comparação, em que foram selecionados
os conectores oracionais de causa, condição e concessão.
50
(a) Artigo de opinião:
O artigo “O ataque careca”, de Túlio Kahn, publicado no jornal Folha de
S.Paulo, em 14 de fevereiro de 2000, no Caderno Opinião A3, disponível em:
http:// www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1402200010.htm. Acesso em
14/08/2014. O original se encontra no ANEXO 1. O artigo trata da morte de um
jovem que "parecia" ser homossexual, por um grupo homofóbico, denominado
"carecas”. Este artigo foi escolhido por ser constituído de elementos que
permitem mostrar como os fenômenos de análise (causa, condição e
concessão) podem potencializar a persuasão almejada pelo escritor.
(b) Diálogo:
O “Diálogo entre dois informantes”, um homem de 26 anos, solteiro,
engenheiro, paulistano, pais paulistas e uma mulher de 25 anos, solteira,
pscóloga, paulistana, pais paulistas, extraído do Inquérito No 343, Bobina No
137- INFS. No 472 E 473”, do PROJETO NURC/SP (Norma Urbana Culta – São
Paulo), (CASTILHO; PRETI, 1987, p. 29) e gravado em 15/03/76, gira em torno
do tema “A cidade e o comércio”. O diálogo tem duração de 80 minutos. Porém,
a análise baseia-se em um trecho composto por oitocentas e vinte palavras,
conforme original mostrado no ANEXO 2. A transcrição seguiu as convenções
adotadas pelo Projeto NURC. As regras de transcrição encontram-se no
ANEXO 3. Esse trecho foi selecionado pelo fato de favorecer a localização de
preferida e despreferida - conceitos relacionados aos usos das relações
causais, condicionais e concessivas ocorridas na conversa.
3.2 Procedimentos de Análise
A análise deve proporcionar resposta às seguintes perguntas: (a) Como são
realizadas as relações de causa, condição e concessão nos textos examinados?; (b)
Qual é o papel dessas relações na persuasão que percorre o texto argumentativo?
Cada um desses textos – o artigo de opinião e o diálogo, – após apresentação
na íntegra do texto a ser analisado, será enfocado da seguinte forma:
51
1º Passo: Estabelecimento do contexto situacional, ou Registro (Campo, Relações
e Modo), a fim de minimizar a subjetividade da análise (GOATLY, 1997).
2º Passo: Análise do gênero, discriminando-se os seus estágios e finalidades.
3º Passo: Verificação da existência de causalidade, condicionalidade e
concessividade.
4º Passo: Análise de Modalidade e de Avaliatividade.
5º Passo: Análise dos Modos Textuais
Para mapear as ocorrências de causalidade e seus tipos de expressão, uso os
seguintes códigos de indicação:
(a)
Causa (Negritada)
→ Consequência
Ex.: Estava com sede por isso bebi água
Resumindo: Causa → Consequência
(b)
Consequência
← Causa (Negritada)
Ex.: Bebi água porque estava com sede
Resumindo: Consequência ← CAUSA
Lembremo-nos da proposta de Gohl (2000) para quem a causalidade tem as
seguintes funções:
(a) explicações após segunda ação não-preferida (ou seja, a resposta que contraria
as expectativas do falante);
(b) explicações depois de avaliações;
(c) explicações para pedidos.
52
Como lembrete, também, trago novamente o Quadro 6, que alistou os modos
como a causalidade pode ser expressa.
Quadro 8 - Expressão da Causalidade
Podem indicar causa
1. Substantivos: causa, razão, motivo
2. Preposições: em, depois de, com [típico de linguagem jornalística]
3. Pronome indefinido: isto
4. Pronome relativo: que
5. Conjunção: assim
6. Expressão: é que
7. Entre partes do texto, mas sem sinalização
8. Entre sujeito e predicado, com redução de oração
9. Ordem cronológica
10. Títulos indicam causa por meio de tópico conhecido pelos leitores.
11. Anáfora indica ponte entre causa e efeito.
As ocorrências de condição e concessão, em caso de não serem explicitadas
no texto, serão registradas com observação entre colchetes.
Após a análise de cada trecho do texto, haverá uma Discussão explicitando a
análise feita.
Para efeito de contagem final, o Resumo, após a Discussão, mostrará: (a) o
tipo de relação (causal, condicional, concessiva); (b) a expressão explícita por meio
de conjunção ou implícita sem a conjunção.
Feito isso, segue-se uma Discussão Geral sobre a análise feita.
54
4 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Apresentamos a seguir a análise do Contexto Situacional, a análise detalhada
de Gênero e das expressões de causa, condição e concessão nos dois gêneros:
diálogo e artigo de opinião.
4.1. Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, de Tulio Kahn
Começaremos com a apresentação, na íntegra do texto.
O ATAQUE CARECA
Tulio Kahn
ESSES GRUPOS SÃO PERIGOSOS PORQUE DEFENDEM IDEIAS ADORMECIDAS NA SOCIEDADE
O episódio recente do assassinato do adestrador de cães Edson Neris da Silva em plena praça da República por um grupo de carecas, somado às agressões contra imigrantes marroquinos na Espanha e à eleição do Partido da Liberdade na Áustria, despertou novamente a atenção da sociedade para a questão dos "incidentes de ódio".
As discussões durante a semana passada foram travadas muito em torno de aspectos até certo ponto secundários, como as diferenças entre punks, skinheads e carecas, o que vestem e que músicas ouvem, que locais frequentam ou qual o perfil dos seus integrantes, deixando de lado a questão mais crucial: qual é afinal o perigo que a existência desses grupos representa para a sociedade brasileira?
Desde as ameaças, os tiros e as inscrições antinordestinas na Rádio Atual, em 1992, as ações desses grupos vêm sendo monitoradas pela imprensa e pelas autoridades, e ora uma, ora outra facção tem sido apresentada como responsável por pichações difamatórias, depredações, ameaças a lideranças de minorias, difusão de idéias racistas, homofóbicas, separatistas e anti-semitas por meio de panfletos, fanzines ou pela Internet. Também foram responsabilizadas pelo envolvimento em incidentes mais graves e raros, como o envio de bombas caseiras a instituições como a Anistia, estupros, agressões físicas e assassinatos.
A morte de Neris da Silva, atacado porque "parecia homossexual", foi, segundo um levantamento feito na imprensa desde 1992, o nono homicídio que pode ser atribuído aos grupos de extrema direita. Muitos outros "inimigos" foram surrados seguindo o mesmo padrão: ataques de muitos contra poucos indefesos, escolhidos aleatoriamente pelo simples fato de ser negros, nordestinos, gays, punks ou judeus.
Mas, mais que um perigo físico para as minorias - estatisticamente baixo num país onde ocorrem 37 mil homicídios dolosos por ano e um homossexual é assassinado a cada dois dias -, o perigo representado por esses grupos é de outra natureza, mais simbólica.
Em primeiro lugar, é preciso ser cauteloso com aqueles que se apresentam como herdeiros de doutrinas que no passado foram responsáveis pelo sofrimento e pela morte de milhões de pessoas. Mas, acima de tudo, esses grupos são perigosos porque defendem bandeiras e idéias que se encontram adormecidas na sociedade, ainda hoje, mesmo que em versões mais moderadas. Idéias que não se restringem a alguns poucos extremistas e são mais difundidas do que seria desejável.
55
Conheço bons cidadãos, que não se julgam racistas nem de extrema direita, tampouco andam de cabeças raspadas, que compartilham em algum grau noções do tipo "o Sudeste sustenta o resto do país", "nossas prisões estão cheias de negros e nordestinos", "os gays são os responsáveis pela epidemia da Aids"; que xingam os demais de "baianos" e afirmam que jamais votariam numa nordestina ou num negro para a prefeitura.
São cidadãos que não calçam coturnos, mas que rejeitariam uma instituição de aidéticos ou uma unidade da FEBEM perto de suas casas. Não vestem calças camufladas, mas apoiariam restrições ao uso dos serviços públicos por migrantes e concordam veladamente que ônibus vindos do Nordeste sejam desviados para outras cidades. Não escutam música ska, mas gostariam que os mendigos fossem enviados para algum lugar remoto. Publicam anúncios pedindo "pessoas de boa aparência" e consideram o elevador de serviço mais adequado para algumas categorias de pessoas.
São versões apenas um pouco menos radicais do que as presentes no credo de vários desses grupos que tanto vilipendiamos. É claro que há diferença entre esses comportamentos e espancar alguém até a morte. Mas a diferença é frequentemente apenas de grau.
Restrições aos imigrantes fazem parte do programa do Partido da Liberdade, votado por nada menos que 27% dos austríacos nas últimas eleições, em parte pela fadiga da população com os partidos tradicionais, algo que ocorre também entre o eleitorado brasileiro - um eleitorado que já se revelou mais de uma vez disposto a votar em candidaturas apresentadas como novidades ou anti-sistema.
A vinculação dos marroquinos com a criminalidade, que foi o estopim dos incidentes de ódio na Espanha, é o mesmo tipo de vinculação que se faz em São Paulo com negros e nordestinos, não obstante a população carcerária ser predominantemente paulista e branca. Fenômenos desse tipo estão longe de estar mortos, mesmo na civilizada Europa, que mais sofreu com o fascismo e onde a crise social é menor que aqui.
O perigo que a existência de gangues juvenis como carecas e skinheads nos coloca não está tanto nas ações episódicas de violência contra minorias que realizam, mas no fato de que elas tocam em temas e questões malresolvidas em nossa sociedade, ocultadas pela falácia da democracia racial brasileira.
776 palavras, incluindo o título e lide
4.1.1 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, com enfoque no Contexto
Situacional (Registro)
Iniciamos a análise pelas variáveis de Registro para esclarecer o contexto de
situação (Campo, Relação e Modo) do evento relatado no artigo de opinião, a fim de
minimizar a subjetividade da análise (GOATLY, 1997).
Campo: O artigo aborda o assunto do assassinato do adestrador de cães Edson
Neris da silva por um grupo extremista, denominado “carecas”.
Relações: Folha de S.Paulo e leitores do Caderno A. O articulista procura
convencer os leitores do jornal do perigo representado por grupos
extremistas, que defendem ideias adormecidas na sociedade.
56
Modo: Artigo de opinião, modalidade escrita, na norma culta da língua
portuguesa, de cunho argumentativo, por meio de escolhas
lexicogramaticais feitas nas três metafunções.
4.1.2 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, com enfoque nos estágios
e finalidades de gênero
Examinamos aqui os estágios do artigo de opinião, tendo como orientação os
estágios sugeridos por autores (PORTA, THOMPSON, 2001; HOEY, 1994; VIGNER,
1988), que em geral são os seguintes:
(a) Situação
(b) Problema
(c) Proposta de Solução (ou pontos de vista sobre a questão)
(d) Argumentos em prol da proposta
(e) Avaliação ou Tese
TEXTO
Estágios do
gênero
O ataque careca
Tulio Kahn
14/02/2000
Título, autor e
data
ESSES GRUPOS SÃO PERIGOSOS PORQUE DEFENDEM IDEIAS
ADORMECIDAS NA SOCIEDADE
Lide (antecipa o
problema)
57
(1) O episódio recente do assassinato do adestrador de cães Edson
Neris da Silva em plena praça da República por um grupo de carecas
somado às agressões contra imigrantes marroquinos na Espanha e à
eleição do Partido da Liberdade na Áustria, despertou novamente a
atenção da sociedade para a questão dos "incidentes de ódio.
Situação
(2) As discussões durante a semana passada foram travadas muito
muito em torno de aspectos até certo ponto secundários, como as
diferenças entre punks, skinheads e carecas, o que vestem e que
músicas ouvem, que locais frequentam ou qual o perfil dos seus
integrantes, deixando de lado a questão mais crucial: qual é afinal o
perigo que a existência desses grupos representa para a sociedade
brasileira?
Situação +
Problema
(sublinhado)
(3) Desde as ameaças, os tiros e as inscrições antinordestinas na
Rádio Atual, em 1992, as ações desses grupos vêm sendo
monitoradas pela imprensa e pelas autoridades, e ora uma, ora outra
facção tem sido apresentada como responsável por pichações
difamatórias, depredações, ameaças a lideranças de minorias,
difusão de ideias racistas, homofóbicas, separatistas e anti-semitas
por meio de panfletos, fanzines ou pela Internet. Também foram
responsabilizadas pelo envolvimento em incidentes mais graves e
raros, como o envio de bombas caseiras a instituições como a Anistia,
estupros, agressões físicas e assassinatos.
Situação
(perigo mundial)
(4) A morte de Neris da Silva, atacado porque "parecia homossexual",
foi, segundo um levantamento feito na imprensa desde 1992, o nono
que pode ser atribuído aos grupos de extrema direita. Muitos outros
"inimigos" foram surrados seguindo o mesmo padrão: ataques de
Situação
(perigo no Brasil)
58
muitos contra poucos indefesos, escolhidos aleatoriamente pelo
simples fato de ser negros, nordestinos, gays, punks ou judeus.
(5) Mas, mais que um perigo físico para as minorias –
estatisticamente baixo num país onde ocorrem 37 mil homicídios
dolosos por ano e um homossexual é assassinado a cada dois dias -
, o perigo representado por esses grupos é de outra natureza, mais
simbólica.
Hipótese
(sublinhado)
(6) Em primeiro lugar, é preciso ser cauteloso com aqueles que se
apresentam como herdeiros de doutrinas que no passado foram
responsáveis pelo sofrimento e pela morte de milhões de pessoas.
Mas, acima de tudo, esses grupos são perigosos porque defendem
bandeiras e ideias que se encontram adormecidas na sociedade,
ainda hoje, mesmo que em versões mais moderadas. Ideias que não
se restringem a alguns poucos extremistas e são mais difundidas do
que seria desejável.
Argumento 1
(7) Conheço bons cidadãos, que não se julgam racistas nem de
extrema direita, tampouco andam de cabeças raspadas, que
compartilham em algum grau noções do tipo "o Sudeste sustenta o
resto do país", "nossas prisões estão cheias de negros e nordestinos",
"os gays são os responsáveis pela epidemia da Aids"; que xingam os
demais de "baianos" e afirmam que (eles) jamais votariam numa
nordestina ou num negro para a prefeitura.
Argumento 2
(8) São cidadãos que não calçam coturnos, mas que rejeitariam uma
instituição de aidéticos ou uma unidade da Febem perto de suas
casas. Não vestem calças camufladas, mas apoiariam restrições ao
59
uso dos serviços públicos por migrantes e concordam veladamente
que ônibus vindos do Nordeste sejam desviados para outras cidades.
Não escutam música ska, mas gostariam que os mendigos fossem
enviados para algum lugar remoto. Publicam anúncios pedindo
"pessoas de boa aparência" e consideram o elevador de serviço mais
adequado para algumas categorias de pessoas.
Argumento 3
(9) São versões apenas um pouco menos radicais do que as
presentes no credo de vários desses grupos que tanto vilipendiamos.
É claro que há diferença entre esses comportamentos e espancar
alguém até a morte. Mas a diferença é frequentemente apenas de
grau.
Argumento 4
(10) Restrições aos imigrantes fazem parte do programa do Partido
da Liberdade, votado por nada menos que 27% dos austríacos nas
últimas eleições, em parte pela fadiga da população com os partidos
tradicionais, algo que ocorre também entre o eleitorado brasileiro - um
eleitorado que já se revelou mais de uma vez disposto a votar em
candidaturas apresentadas como novidades ou anti-sistema.
Argumento 5
(11) A vinculação dos marroquinos com a criminalidade, que foi o
estopim dos incidentes de ódio na Espanha, é o mesmo tipo de
vinculação que se faz em São Paulo com negros e nordestinos, não
obstante a população carcerária ser predominantemente paulista e
branca. Fenômenos desse tipo estão longe de estar mortos, mesmo
na civilizada Europa, que mais sofreu com o fascismo e onde a crise
social é menor que aqui.
Argumento 6
60
(12) O perigo que a existência de gangues juvenis como carecas e
skinheads nos coloca não está tanto nas ações episódicas de
violência contra minorias que realizam, mas no fato de que elas tocam
em temas e questões malresolvidas em nossa sociedade, ocultadas
pela falácia da democracia racial brasileira.
TESE (hipótese
(demonstrada)
4.1.2.1 Discussão Geral da Análise de gênero no Artigo de opinião “O ataque careca”
Em seu artigo, Túlio Kahn trata do assassinato do adestrador de cães Edson
Neris da Silva, em plena praça da República por um grupo de carecas, porque "parecia
homossexual".
O objetivo central de um artigo de opinião é de persuadir o leitor sobre um
determinado ponto de vista. Dentro dessa perspectiva, Kahn pretende mostrar aos
leitores da Folha de S.Paulo o real perigo desses grupos extremistas, denominados
“Os carecas”, defendendo a tese de que o perigo reside no fato que esses grupos
defendem ideias adormecidas na sociedade. Para isso, o autor estrutura seu artigo
em doze estágios da seguinte forma:
O artigo apresenta a situação em quatro estágios, incluindo o problema no
segundo. No primeiro estágio, o autor apresenta a situação que deu início ao artigo, a
partir de uma situação individual de Neris da Silva. No segundo estágio, o autor aponta
o problema em forma de questionamento “Qual é o real problema desses grupos
extremistas? Para dar início à discussão (no terceiro estágio), o autor amplia a questão
mostrando fatos semelhantes ocorridos em outros países e (no quarto estágio) volta
sua atenção ao Brasil.
No quinto estágio, o autor expressa sua hipótese, indicando como causa do
problema questões de natureza de ordem simbólica, e por isso mais difíceis de serem
identificadas. A favor dessa hipótese, Kahn enumera seis argumentos, distribuídos em
5 estágios os quais mostram como a discriminação de certas minorias da sociedade
persiste de maneira silenciosa, indireta, implícita, oculta. Daí o perigo. Para ele não
há diferença entre esse tipo atitude e um assassinato, ambos igualmente cruéis. E
com isso constrói o caminho em direção à persuasão do leitor.
61
No último estágio, os argumentos confirmam a tese. E, assim, o autor volta para
a hipótese aventada para o problema, ou seja, de que os incidentes concretos e
visíveis como um assassinato encerram em si realidades muito significativas para a
sociedade.
4.1.3 Análise do Artigo de opinião “O ataque careca”, com enfoque em:
(a) Causa, Condição e Concessão;
(b) Modalidade/Avaliatividade;
(c) Modos Textuais
A análise das expressões de Causa, Condição e Concessão será feita contra
um fundo em que se encontram elementos utilizados por Tulio Kahn em “O ataque
careca”, com vistas a persuadir o leitor: os Modos Textuais (descrição, narração e
argumentação), além dos elementos interpessoais de Modalidade e Avaliatividade.
OBS.: A finalidade de cada estágio de gênero, verificada na análise precedente, foi
colocada no início de cada estágio, como lembrete.
TEXTO
O ataque careca Tulio Kahn 14/02/2000
LIDE ANTECIPA O PROBLEMA
ESSES GRUPOS SÃO PERIGOSOS ← PORQUE DEFENDEM IDEIAS ADORMECIDAS NA SOCIEDADE Avaliação Social (-) Monoglóssica Apreciação (-) token
Resumo:
EFEITO (perigosos) ← porque CAUSA (são ideias adormecidas) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-) CAUSA: indicada por “porque” – após afirmação categórica, monoglóssica.
62
Interpretação: O lide – em modo argumentativo (REYNOLDS, 2000) - indica
a posição do autor: o perigo desses ataques reside no fato de existirem ideias que
permanecem adormecidas na sociedade, e que podem eventualmente despertar
como no caso do ataque careca. O Efeito recebe Avaliação Social negativa; a
Causa, recebe Avaliação Social negativa, porém implícita (token), já que
depende de contexto. “Ideias adormecidas” aumenta a força persuasiva referente
ao perigo dos carecas, pelo desconhecido implicitamente insinuado no texto.
Situação
(1) O episódio recente do assassinato do adestrador de cães Edson Neris da Silva Julgamento (-) em plena praça da República por um grupo de carecas, somado às agressões Graduação (↑) Avaliação Social (-) token Avaliação Social (-) contra imigrantes marroquinos na Espanha e à eleição do Partido da Liberdade Avaliação Social (-) na Áustria, → despertou novamente a atenção da sociedade para a questão dos "incidentes de ódio". Avaliação Social (-)
Resumo: CAUSA (vários episódios de ódio) → EFEITO (despertaram a sociedade...) Avaliatividade (-) Avaliatividade (+) CAUSA: por ordem cronológica – preparando para Argumentação Interpretação: Em modo narrativo, na causa são citados fatos conhecidos pelos
leitores que permitem a Kahn expressar sua Reivindicação (“despertou [...]
incidentes de ódio”) (TOULMIN, 1958). O efeito traduz o argumento do autor.
As Avaliatividades negativas na CAUSA contribuem para persuadir o leitor,
conscientizando-o sobre o perigo que ameaça a sociedade.
63
Situação + Problema
(2) As discussões durante a semana passada foram travadas muito em torno de Apreciação (-) token (↑) aspectos até certo ponto secundários, como as diferenças entre punks, skinheads Apreciação (-) e carecas, o que vestem e que músicas ouvem, que locais frequentam ou qual o perfil dos seus integrantes, → deixando de lado a questão mais crucial: qual é afinal o Avaliação Social (-) (↑) perigo que a existência desses grupos representa para a sociedade brasileira? Avaliação Social (-)
Resumo:
CAUSA (aspectos secundários) → EFEITO (deixou de lado a questão crucial) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)
CAUSA: por or. causal reduzida de gerúndio – preparando para a Argumentação.
Interpretação: No modo descritivo, Kahn mostra que, em relação à morte de
Edson, não se questionou o real perigo dos carecas para a sociedade: as
discussões sobre aspectos secundários desses grupos (causa), revelam a
alienação do povo, bem como confirmam a Reivindicação (TOULMIN, 1958)
de Kahn referente ao Problema (efeito). A causa aqui surge como explicação para
um posicionamento que contraria as expectativas do falante (GOHL, 2000).
Situação (perigo mundial)
(3) Desde as ameaças, os tiros e as inscrições antinordestinas na Rádio Atual, Apreciação (-) Apreciação (-) Apreciação (-) em 1992,→ as ações desses grupos vêm sendo monitoradas pela imprensa e pelas Avaliação Social (-)
64
autoridades, e ora uma, ora outra facção tem sido apresentada como responsável← por Apreciação (-) pichações difamatórias, depredações, ameaças a lideranças de minorias, difusão Apreciação (-) Apreciação (-) Apreciação (-) Apreciação (-) de ideias racistas, homofóbicas, separatistas e anti-semitas por meio de panfletos, Apreciação (-) Apreciação (-) Apreciação (-) Apreciação (-) fanzines ou pela Internet. Também foram responsabilizadas ← pelo envolvimento
em incidentes mais graves e raros, como o envio de bombas caseiras a instituições Apreciação (-) (↑) Apreciação (-) como a Anistia, estupros, agressões físicas e assassinatos. Apreciação (-) Apreciação (-) Apreciação (-)
Resumo:
1. CAUSA (atos de violência) → EFEITO (monitoramento de grupos) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)
CAUSA: por ordem cronológica “desde” – como embasamento da Argumentação
2. EFEITO (responsabilizados) ← CAUSA (pichações) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)
CAUSA: preposição + artigo “por” – como embasamento da Argumentação
3. EFEITO (responsabilizados) ← CAUSA (pelo envolvimento em incidentes) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)
CAUSA: por preposição + artigo “pelo” – como embasamento da Argumentação
Interpretação: No modo descritivo, Kahn contextualiza sua argumentação por
meio de relações de causalidade, situando o perigo desses episódios de ódio
termos internacionais. Por meio de categorias lexicogramaticais plenas de
Avaliatividades negativas, o autor fortalece seu poder de persuasão, preparando
o leitor para o modo como deve entender sua argumentação (MAO, 1993, p.265).
65
Situação (perigo no Brasil)
(4) A morte de Neris da Silva, atacado ← porque "parecia homossexual", foi, segundo Julgamento (-) Julgamento (-) token
um levantamento feito na imprensa desde 1992, o nono homicídio que pode ser atribuído Julgamento (-) aos grupos de extrema direita. Muitos outros "inimigos" foram surrados seguindo o mesmo Avaliação Social (-) Julgamento (-) token padrão: ataques de muitos contra poucos indefesos, escolhidos aleatoriamente← pelo Julgamento (-)(↑) (↓) Avaliação social (-) (↑) simples fato de ser negros, nordestinos, gays, punks ou judeus. (↓) Julgamento (-) token Julgamento (-) token idem idem idem
Resumo:
1. EFEITO (morte de Neris) ← CAUSA (parecia homossexual) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)
CAUSA: por “porque” – após Avaliação retórica negativa
2. EFEITO (taques a indefesos) ← CAUSA (por serem negros, gays, judeus) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)
CAUSA: por preposição + artigo “pelo” – após Avaliação retórica negativa
Interpretação: Em modo narrativo com sequência linear com argumentação,
Kahn mostra que o perigo da discriminação existe também no Brasil, listando
como garantia Dados conhecidos pelo leitor. Em ambos os casos de violência, a
relação de causalidade emerge após retórica de avaliação negativa (FORD,
1994).
66
Hipótese (sublinhado)
(5) Mas, mais que um perigo físico para as minorias – estatisticamente baixo num país (↑) Apreciação (-) Monoglossia onde ocorrem 37 mil homicídios dolosos por ano e um homossexual é assassinado a cada dois dias -, ← o perigo representado por esses grupos é de outra natureza, mais Avaliação social (-) Avaliação social (-) simbólica. Apreciação (-)
Resumo:
EFEITO (homicídios) ← CAUSA (perigo de natureza simbólica) Avaliatividade (-) Avaliatividade (-)
CAUSA: por or. comparativa “mais que” – após declaração categórica, monoglóssica
Interpretação: No modo argumentativo, Kahn pode agora – após sua narrativa
em fusão escalada com a descrição - expressar sua hipótese para explicar a série
de violências que atemorizam o mundo todo: o perigo é de natureza simbólica e
jaz adormecido na mente das pessoas. A escolha lexicogramatical “natureza
simbólica” apresentada na causa fortalece a sua persuasão, pois constitui
contrabando de informação (LUCHJENBROERS; ALDRIDGE, 2007), na
medida em que pode condensar uma ampla associação com fatos negativos
(violência simbólica doméstica, racial etc.) que podem ter em seu bojo um
preconceito velado. Notemos a relação causal surgindo após afirmação
categórica, monoglóssica (“mais que um perigo físico”).
Argumento 1
(6) Em primeiro lugar, é preciso ser cauteloso com aqueles que se apresentam como Obrigação: Token (Monoglossia) herdeiros de doutrinas que no passado foram ← responsáveis pelo sofrimento e pela
Avaliação Social (-) token Julgamento (-)
67
morte de milhões de pessoas. Mas, acima de tudo, esses grupos são perigosos Julgamento (-) (↑) Avaliação Social (-) Monolgossia porque defendem bandeiras e ideias que se encontram adormecidas na sociedade,
Apreciação (-) Token ainda, hoje, [concessão] mesmo que em versões mais moderadas. Ideias que não se restringem a alguns poucos extremistas e são mais difundidas do que seria desejável. (↑) Avaliação Social (-)
Resumo:
1. EFEITO (Cautela) ← CAUSA (responsáveis por milhões de mortes) Julgamento (-)
CAUSA: por sucessão de tempo – após afirmação categórica, monoglóssica
2. EFEITO (Perigo) ← CAUSA (defendem ideias adormecidas) Avaliação Social (-) Apreciação (-) Token
CAUSA: por “porque” – após afirmação categórica, monoglóssica
1. CONCESSÃO
Por meio de Concessiva cardinal: indicada por “mesmo que” – como função
heteroglóssica (alinhamento)
Interpretação: No modo descritivo em fusão escalada com argumentação, para
garantir com dados a sua Reivindicação (“é preciso ser cauteloso [...] esses
grupos são perigosos”) (TOULMIN, 1958), Kahn vale-se de relação de
Causalidade. Notemos que a relação Causal emerge após Reivindicação com
retórica negativa (FORD, 1994), expressa de forma monoglóssica. Para
demonstrar a natureza simbólica do perigo do extremismo discriminatório, Kahn
mostra que doutrinas responsáveis pela mortandade de milhões de pessoas ainda
têm seus seguidores. A escolha lexicogramatical cuidadosa de “doutrina” no
Efeito recebe Avaliação Social negativa, porém implícita (token), pois depende
de contexto. Além disso, constitui o fenômeno Apito do cão - pois apenas a
comunidade envolvida nesse contexto recupera a informação negativa associada
68
(MANNING, 2004). Notemos que, nos estágios (4), (6), (9) e (10), o autor inicia
os parágrafos com a Consequência, para a seguir mencionar a Causa. O que me
parece, nessa particularidade, é que uma vez estabelecida a situação reinante no
contexto, inicia-se uma fase em que se faz menção às consequências dos perigos
já citados.
Há, nesse estágio, a primeira ocorrência de uma Concessão “mesmo que em
versões mais moderadas”, que tem a função heteroglóssica de negociação com o
leitor, amenizando a Reivindicação aí presente. A Concessão torna-se aqui um
recurso altamente persuasivo.
Argumento 2
(7) Conheço bons cidadãos, que não se julgam racistas nem de extrema direita, tampouco
andam de cabeças raspadas, [concessão] que compartilham em algum grau noções do
tipo "o Sudeste sustenta o resto do país", [concessão] "nossas prisões estão cheias de
negros e nordestinos", [concessão] "os gays são os responsáveis pela epidemia da Aids";
[concessão] que xingam os demais de "baianos" e [concessão] afirmam que (eles)
jamais votariam numa nordestina ou num negro para a prefeitura.
Resumo:
5 concessivas: por meio da Concessiva Cardinal – como polidez.
Interpretação: Valendo-se do modo descritivo em fusão escalada com
argumento, Kahn, por meio de Concessões, descreve situações veladas de “ódio”,
orientando o leitor a aceitar a sua hipótese de que há ideias adormecidas na
sociedade. Fazendo uso dessas concessões, o autor atenua a ameaça à face,
evitando, assim, um julgamento mais contundente, como “Os cidadãos cometem
atos discriminatórios sem ter consciência”. Em todas elas podemos inferir o
conectivo “embora”.
69
Argumento 3 (8) São cidadãos que não calçam coturnos, [CONCESSÃO] mas que rejeitariam uma
instituição de aidéticos ou uma unidade da Febem perto de suas casas. Não vestem calças
camufladas, [CONCESSÃO] mas apoiariam restrições ao uso dos serviços públicos por
migrantes e [CONCESSÃO] concordam veladamente que ônibus vindos do Nordeste sejam
desviados para outras cidades. Não escutam música ska, [CONCESSÃO] mas gostariam que
os mendigos fossem enviados para algum lugar remoto. Publicam anúncios pedindo
"pessoas de boa aparência" e [CONCESSÃO] consideram o elevador de serviço mais
adequado para algumas categorias de pessoas.
Resumo:
5 concessivas: por meio da Concessiva Cardinal, seguida pelo MAS
(Omitido em alguns casos) – como polidez
Interpretação: No modo descritivo, em fusão escalada com argumento, Kahn
reforça a sua hipótese de ideias adormecidas a partir de sua opinião marcada por
uma série de Concessivas Cardinais. Trata-se de um recurso fortemente
persuasivo, pois consegue mostrar as ações contrastantes de cidadãos, deixando
a cargo do leitor o julgamento negativo.
Argumento 4 [sem expressão de causa, concessão e condição]
(9) São versões apenas um pouco menos radicais do que as presentes no credo de vários
desses grupos que tanto vilipendiamos. [CONCESSÃO] É claro que há diferença entre
esses comportamentos e espancar alguém até a morte. Mas a diferença é
frequentemente apenas de grau.
Resumo:
CONCESSÃO
Indicada por meio da Concessiva Cardinal: por “É claro que” – como polidez
70
Interpretação: Em modo argumentativo, por meio de uma Concessão
subentendida, o articulista apresenta uma forte argumentação, reforçando a sua
hipótese. Para evitar ameaça à face, o autor faz uso de uma CCardinal. Pelo
intersubjetivismo, o autor adivinha que o leitor esteja pensando (É claro que há
uma grande diferença), e, por uma questão de polidez, faz essa concessão. Isso
constitui uma amenização, porém, com forte teor persuasivo, já que concorda
com o leitor, mas reforça seu argumento.
Argumento 5
(10) Restrições aos imigrantes fazem parte do programa do Partido da Liberdade, Julgamento (-) token
votado por nada menos que 27% dos austríacos nas últimas eleições, ← em parte Julgamento (-) token
pela fadiga da população com os partidos tradicionais, algo que ocorre também Julgamento (-) entre o eleitorado brasileiro - um eleitorado que já se revelou mais de uma vez disposto a votar em candidaturas apresentadas como novidades ou anti-sistema. Apreciação social (-) token
Resumo:
1. EFEITO ( votado por 27% dos austrícacos) ← CAUSA (fadiga) Julgamento (-) token Julgamento (-)
CAUSA: por sucessão de tempo – como embasamento da Argumentação
Interpretação: Por meio da descrição, o articulista apresenta como Garantia de
sua Reivindicação um Dado comprovável (TOULMIN, 1958) por meio de uma
relação Causal. Nota-se que a relação Causal surge após Julgamento (-) (FORD,
1994) realizado implicitamente, já que o leitor tem que inferir que se é negativa
a restrição aos imigrantes na Áustria, também é negativa no Brasil.
71
Argumento 6
(11) A vinculação dos marroquinos com a criminalidade, que foi o estopim dos incidentes de ódio na Espanha, é o mesmo tipo de vinculação que se faz em São Paulo com negros e nordestinos, não obstante a população carcerária ser predominantemente paulista e branca. Fenômenos desse tipo estão longe de estar mortos, mesmo na civilizada Europa, que mais sofreu ← com o fascismo e onde a crise social é menor que (↑) Avaliação social (-) Avaliação Social (-) aqui.
Resumo:
EFEITO (Europa sofreu) ← CAUSA (fascismo) (↑) Avaliação social (-) Avaliação Social (-)
CAUSA: por sucessão de tempo – como embasamento da Argumentação
Interpretação: Por meio do modo descritivo em fusão escalada com argumento,
o autor embasa sua Reivindicação (A Europa que mais sofreu) fazendo uso de
uma Causalidade. A relação Causal emerge após Reivindicação com Declaração
monoglóssica com retórica negativa (FORD, 1994). Assim Kahn mostra o
sofrimento da Europa devido ao fascismo.
Quatro parágrafos realizam um estágio, em que Kahn mostra como funciona o
perigo que permanece latente nas mentes humanas. As pessoas não têm
consciência de suas atitudes e, muito menos, das consequências que a
contribuição pequena de cada um representa como um todo na sociedade. Esse
fato, mais a aparência inócua de certos comportamentos, e que estão na base –
são a Causa de sentimentos que acabam eclodindo em atos de ódio e violência.
Tese (Demonstração da Hipótese)
72
(12) O perigo que a existência de gangues juvenis como carecas e skinheads nos coloca Aval. Social (-) não está tanto nas ações episódicas de violência contra minorias que realizam, ← mas Monoglossia no fato de que elas tocam em temas e questões malresolvidas em nossa sociedade, Apreciação social (-) ocultadas pela falácia da democracia racial brasileira. Apreciação social (-)
Resumo:
EFEITO (Perigo) ← CAUSA (questões malresolvidas) Apreciação social (-) Apreciação social (-)
CAUSA: por sucessão de tempo – após afirmação categórica, monoglóssica.
Interpretação: Por meio do modo argumentativo, Kahn defende a sua tese (o
perigo está em questões mal resolvidas). Esse argumento é expresso por uma
relação Causal, após afirmação monoglóssica. Após citar os vários movimentos
que provocam incidentes e crimes em todo mundo, por meio de uma sucessão de
Efeito – Causa, Kahn mostra o real perigo que habita as subjacências desses atos,
o que dificulta a sua erradicação. São crenças e valores cultivados sem um real
conhecimento de suas potencialidades, e ainda incentivados por interesses
escusos, o que dificulta o seu esclarecimento e alimenta mentes conturbadas.
4.1.3.1 Resumo da Análise da Causalidade, Condicionalidade e Concessividade no
Artigo de opinião
Segue abaixo um quadro que resume as ocorrências das três relações causais,
condicionais e concessivas dentro de cada estágio do artigo de opinião “O ataque
careca”:
73
Quadro 9: Resumo da Análise da Causalidade, Condicionalidade e Concessividade no Artigo
O ataque careca
Tulio Kahn (FSP - 14/02/2000)
EFEITO ← porque CAUSA Causa indicada por “porque”. Perigosos ← porque são ideias adormecidas
LIDE ANTECIPA O PROBLEMA
CAUSA → EFEITO CAUSA indicada por ordem cronológica Vários episódios de ódio → despertaram a sociedade
(1) Situação
CAUSA →EFEITO CAUSA indicada por oração subordinada adverbial causal reduzida de gerúndio. Aspectos secundários ← deixou de lado a questão crucial
(2) Situação + Problema
1. CAUSA → EFEITO
CAUSA indicada por ordem cronológica (“desde”) Atos de violência → monitoramento de grupos
2. EFEITO ← CAUSA
CAUSA indicada pela preposição + artigo “por” Facção apresentada como responsável
3. EFEITO ← CAUSA
CAUSA indicada pela preposição + artigo “pelo” Facção responsável pelo envolvimento em incidentes
(3) Situação (perigo mundial)
1. EFEITO ← CAUSA
CAUSA indicada pela conjunção “porque”. Morte de Neris ← parecia homossexual
2. EFEITO ← CAUSA
CAUSA indicada pela preposição + artigo “pelo”. Ataques a indefesos ← por serem negros, gays, judeus etc.
(4) Situação (perigo no Brasil)
EFEITO ← CAUSA CAUSA indicada por or.subord.adverb.compar. “mais que” Mais do que homicídios ← perigo de natureza simbólica
(5) Hipótese
74
1. EFEITO ← CAUSA
CAUSA indicada sucessão de tempo Cautela ← responsáveis por milhões de mortes
2. EFEITO ← CAUSA CAUSA indicada por “porque” Perigosos ← defendem ideias adormecidas
1. CONCESSÃO (CCard)
Indicada por “mesmo que”
(6) Argumento 1
5 CONCESSÕES (CCard)
Infere-se o conectivo “embora” pelo contexto.
(7) Argumento 2
5 CONCESSÕES (CCard) Infere-se o conectivo “embora” pelo contexto.
(8) Argumento 3
CONCESSÃO (CCard) Indicada por “é claro que”
(9) Argumento 4
EFEITO ← CAUSA CAUSA indicada por sucessão de tempo 27% ← fadiga
(10) Argumento 5
EFEITO ← CAUSA CAUSA indicado por sucessão de tempo Europa sofreu ← fascismo
(11) Argumento 6
EFEITO ← CAUSA CAUSA indicado por sucessão de tempo Perigo ← questões malresolvidas
(12) Tese (hipótese
demonstrada)
75
4.1.3.2 Discussão Geral da Análise da Expressão de Causa, Condição e
Concessão no artigo de opinião
A análise mostra como foi construída a argumentação. Nota-se a relação de
causalidade e concessividade servindo como embasamento para o argumento do
autor. Veja a tabela 1, a seguir:
Tabela 1 – Ocorrência e expressão de Causa, Condição e Concessão no Artigo
Causa
Tipos Ocorrências %
por 3 21%
porque 3 21%
cronologia 2 14%
mais que 1 7%
or reduzida 1 7%
Sucessão Tempo 4 29%
Total 14 100%
Condição
Tipos Ocorrências %
Nenhuma ocorrência 0 -
Total 0 -
Concessão
Tipos Ocorrências %
mesmo que 1 8%
“é claro que” 1 8%
com inferência de “embora” 10 83%
Total 12 100%
Com relação aos tipos de expressão, o quadro revela os diferentes tipos de
expressão para sinalizar a relação de Causa e Concessão.
Com relação às ocorrências, os dados mostram que, no artigo de opinião “O
ataque careca”, a argumentação recorreu a 14 ocorrências de Causa, 12 de
Concessão e nenhuma ocorrência de Condição. Esses números sugerem que um dos
elementos favoráveis à persuasão estaria na demonstração de que uma determinada
76
causa acarretou um feito, no caso, negativo, para fortalecer o posicionamento do
escritor.
Por outro lado, as concessões mostram a preocupação do autor com a questão
da ameaça à face, e assim, tem o cuidado de colocar lado a lado a opinião corrente
ou a do interlocutor, e a sua posição. Verifica-se que a conjunção concessiva “embora”
não ocorre no artigo para indicar a concessividade, sendo substituída pela “concessiva
cardinal”, em que – para evitar ameaça à face – o autor concede, reconhecendo um
posicionamento contrário ao seu ponto de vista (ex.: “não vestem calças camufladas”),
MAS prossegue argumentando a validade de seu posicionamento (ex.: “mas
apoiariam restrições ao uso dos serviços públicos por migrantes”).
É interessante notar a ausência de condição nesse artigo, o que pode sugerir
que o autor lance mão de um discurso mais monoglóssico do que heteroglóssico, ou
seja, tende a não condicionar seu posicionamento.
Um achado importante, ao nosso ver, encontra-se no Quadro 10. Parece haver
uma tendência a antecipar a causa em relação ao efeito nos estágios iniciais do
gênero, para inverter essa ordem nos estágios finais (incluindo o lide, que antecipa
esses estágios). Nos estágios finais, a ordem Efeito-Causa teria o efeito de
argumentar em favor de uma solução, como mostra a direção das setas.
Quadro 10 - Causa e Efeito nos estágios do gênero do artigo
LIDE SITUAÇÃO SIT+PROBLEMA SIT.MUNDIAL SIT.BRASIL HIPÓTESE
E ← C C → E C → E C → E E ← C E ← C 1.porque 2.cronologia 3.or.reduz. 4.cronologia 7.porque 9.mais que resp.inesp embasamento embasamento embasamento embasamento embasamento
E ← C E ← C 5.por 8.por embasamento embasamento
E ← C 6 por + o embasamento
4.2 Análise do Diálogo “Inquérito de dois informantes”
Iniciamos com a apresentação do texto do diálogo, na íntegra.
77
Trecho do Inquérito No 343, Bobina No 130- INFS. No 441 E 442”, do PROJETO NURC/SP, gravado em 15/03/76 – Trecho da linha 499 a 600
820 palavras:
L1 crescimento... o Brasil diz-se basicamente 500 subdesenvolvido e diz-se também que ele está crescendo...
se desenvolvendo... parece que está saindo de uma... condição de subdesenvolvimento para chegar sei lá numa de desenvolvido... okay? ... uma:: um caminho
L2 ahn ahn 505 L1 agora PE::gue... os indivíduos... desse país... é melhor
ou é pior para eles isso? L2 não sei porque acho que aí quando se fala em
desenvolvimento geralmente está se falando num plano material né? ... concreto material ou melhores condições
510 materiais de vida... L1 é mas se não nã/ não:::...
[ L2 se Isso sabe L1 seja mais ampla... porque::... material envolve...
qualquer outro... junto...certo? 515 L2 nem sempre M. você vai::... assim:: o povo americano
não é um povo feliz... em termos de condições materiais:: está ótimo está está :: muito bem mas... realmente eu não sei te dizer se... se... se faz tanta diferença assim... ((barulho de motocicleta))
520 L1 então você quer dizer o quê? (vai) cair naquele básico que... dinheiro não traz felicidade?... então desenvolvimento está ruim ...
L2 mas que ajuda... NÃO estou dizendo que não SEI:: se:: se sabe? melhora a condição assim emocional das
525 pessoas que estão... quer dizer ( ) ou não [
L1 não se preocupe::... exageradamente com o emocional não
L2 ah é o meu campo pô [
L1 ((rindo)) (eu estou falando de) cidade... 530 L2 ((rindo)) e daí? a cidade não é também?... a origem das
coisas é a emoção... as aulas as aulinhas lá que eu [
L1 você mexe... L2 estou assistindo L1 fundamentalmente
[ 535 L2 oi?
L1 com os indivíduos né? é diferente de mexer com casas [
L2 e o que são indivíduos?... são feixes de emoções... condensadas ((ri))
540 L1 o indivíduo é um todo... L2 o que eu Acho... assim...
78
L1 por exemplo [
L2 ahn L1 você acha que um indivíduo... tendo trabalho ou não
545 tendo trabalho é... é a mesma coisa?... você não acha que um indivíduo que tem onde trabalhar::... e gan::nha melhor ele não está ... emocionalmente melhor que um indivíduo que não tem onde trabalhar e::... et cetera?... você acha que não?
550 L2 você diz mais ou menos doente? L1 sei lá ... eu não estou pegando nenhum
[ L2 nesse sentido assim? L1 caso clínico... um indivíduo qualquer...
[ L2 ahn tudo bem... está está legal...
555 L1 então o desen/ o desenvolvimento é bom porque ele dá chance de emprego para mais gente...
L2 mas você está pegando uma coisin::nha assim sabe? um cara que esteja desempregado também eu posso... usar o
mesmo exemplo num num sentido contrário... o cara 560 que está desempregado porque não consegue se empregar né? na
verdade não quer... ou um outro que:: assim... muito bem empregado executivo chefe de empresa e tal mas cheio das neuroses de... eu não sei qual está melhor...
565 L1 então você tem que abstrair desse aspecto porque você pode ter ambos os ca::sos... você tem que pegar na média esquecendo esse aspecto particular...
L2 é mas aí:: é o tal negócio eu não me preocupo muito
com a média... pra mim interessa:: o:: indivíduo né?... 570 salvação individual então eu pensar... como é que está
essa média como é que está aquela..como é que está a ou/ ... ( ) realmente me faltam dados né? para eu... mas que aí é falta de interesse minha né? de eu não procurar esses dados de eu não me tocar muito...
575 e ver::... L1 é eu… às vezes me preocupo com... digamos com a média
pelo seguinte... eu me preocupo com o que que eu estou contribuindo com o bem da média ou não... porque porque eu pego e calculo uma coisa que chegou a mim...
580 e de mim vai para outros L2 uhn uhn L1 certo eu sou:: um::... um circuitozinho pequenininho
dentro de um processo grande... L2 ahn ahn
585 L1 e se eu (saio) dali ou não basicamente eu posso não
interferir... no processo global... mas eu queria entender esse processo né? porque às vezes eu vejo assim pontes enormes que:: se gastam... fábulas para construí-la... desde o projeto até::... a entrega da obra... mas às vezes
590 eu não sinto muito o nexo na ponte... então eu fico me
79
perguntando se eu estou... por fo::ra do planejamento né? eu estou fazendo a coisa...simplesmente porque eu sou uma:: pe::ça dentro de uma ... engrenagem maior então eu não estou sabendo do porquê... ou se tem::...
595 como às vezes eu sinto muito ... muito senão aí::... alguém tem dinheiro:: dá dinheiro para esse outro para ele construir a ponte mas sem outra função né?... mas hoje eu tenho eu acho assim puxa esta ponte está :: jogando dinheiro fora... não que ... melhor guardar [
600 L2 você não pode escolher não fazer né?
L1 não... mesmo que eu escolha eu não vou interferir no processo...
L1 ahn ahn 820 palavras
4.2.1 Análise do Diálogo “Inquérito de dois informantes”, com enfoque no Contexto
Situacional (Registro)
Iniciamos a análise pelas variáveis de Registro para esclarecer o contexto de
situação (Campo, Relação e Modo) do evento relatado no diálogo, a fim de minimizar
a subjetividade da análise (GOATLY, 1997).
Campo: A conversa gira em torno do desenvolvimento da cidade.
Relações: Trata-se de dois jovens, ambos com formação universitária: O
Participante 1, tratado por L1, é um jovem de 26 anos, solteiro,
engenheiro, paulistano. O Participante 2, tratado por L2, é uma jovem de
25 anos, solteira, psicóloga. Trata-se de uma conversa simétrica, no
sentido de que ambos têm a liberdade para tomar seu turno, de
perguntar, avaliar e responder. O diálogo é estimulado, nesse trecho,
pelo engenheiro (L1) ao perguntar à psicóloga (L2) se o desenvolvimento
é bom ou não para o indivíduo. Ambos têm opinião contrastante. Cada
um defende seus pontos de vista conforme as suas formações
acadêmicas. A psicóloga busca convencer o engenheiro de que não
sabe se desenvolvimento é bom ou não para o indivíduo. O engenheiro
por sua vez, tenta convencê-la de que o desenvolvimento é bom.
80
Modo: Diálogo, modalidade oral, de cunho argumentativo, organizado por meio
de escolhas lexicogramaticais feitas pelos falantes, com a finalidade de
cada um defender seu ponto de vista.
4.2.2 Análise do Diálogo “Inquérito de dois informantes”, com enfoque em
estágios e finalidades, seguida de:
(a) Causa, Condição e Concessão;
(b) Modalidade/Avaliatividade;
(c) Modos Textuais
Passamos a examinar os estágios do gênero Diálogo, tendo como orientação
as etapas sugeridas por Schegloff e Sacks (1974), que em geral são tomadas de
turnos, onde se verificam os pares adjacentes, com seus tipos de segunda parte do
par preferido ou despreferido.
Ao contrário do procedimento analítico que fiz para o artigo de Kahn, em que a
análise foi feita em duas etapas: (a) de gênero; e (b) das demais categorias de análise,
o diálogo exigiu um outro formato de análise. Assim, em um único quadro, serão
efetuados tanto o exame de gênero, quanto da função de causa, condição e
concessão, incluindo na Intepretação de cada etapa, o exame da
Modalidade/Avaliatividade e dos Modos Textuais. As orações fragmentam-se, juntam-
se a outros fragmentos, resultando em omissão de itens lexicais, em especial os
conectivos, que precisam ser preenchidos pelo ouvinte. Portanto, colocarei uma nota
com a sentença fragmentada na modalidade escrita, no final da interpretação.
Falante Texto Estágio
L1
T1
crescimento... o Brasil diz-se basicamente
500 subdesenvolvido e diz-se também que ele está crescendo... se desenvolvendo... parece que está saindo de uma... condição de subdesenvolvimento para chegar sei lá numa de desenvolvido... okay?... uma:: um caminho
L2 T2
ahn ahn
81
L1 T3
505 [CONDIÇÃO] agora PE::gue... os indivíduos... desse
país... é melhor ou é pior para eles isso?
Apreciação (+) Apreciação (-)
Primeira
parte do par
Resumo:
Estágio: Primeira parte do par
CONDIÇÃO indicada por CC normal (“se” omitido) – condiciona a pergunta
(melhor ou é pior...?) - hipótese
Interpretação: Em modo argumentativo, por meio de uma condicional, L1 abre
a discussão sobre a questão polêmica, perguntando à L2 se o desenvolvimento é
bom ou não para os brasileiros. Com a condicional, L1 hipotetiza a questão.
Nota: A sentença dentro da modalidade escrita: Se você pegar os indivíduos desse país, o desenvolvimento seria melhor ou pior para eles?
L2 T4
não sei ← porque acho que aí [CONDIÇÃO] quando se
Heteroglóssia fala em de- senvolvimento geralmente está se falando num plano material né?...concreto material ou melhores condições Heteroglossia
510 materiais de vida...
Despreferido
Resumo:
Estágio: Par despreferido
CAUSA (porque) – após afirmação monoglóssica (“não sei”)
CONDIÇÃO indicada por CC normal (quando ...) – condiciona sua opinião
(“falando em plano...”) – como
declaração
82
Interpretação: Em modo argumentativo, L2 se posiciona sobre a questão (“não
sei...”). Em defesa desse ponto de vista, L2 lança mão de uma relação causal
como forma de atenuar a sua face positiva. Por meio da Condicional normal, L2
condiciona a sua opinião (“falando num plano material...”). A condicionalidade
tem função de Declaração. Notemos o tom heteroglóssico adotado por L2.
L1 T5
[CONCESSÃO] é mas [CONDIÇÃO] se não nã/ não:::...
Despreferido
Resumo:
Estágio: Par despreferido CONCESSÃO indicada por CCard: por “é” – como polidez (alinhamento)
CONDIÇÃO indicada por CC normal (se) – condiciona sua opinião (subentende-
se “se não falar num plano material”) – como
hipótese
Interpretação: Em modo argumentativo, L1 expressa seu ponto de vista
contrastante, por meio de uma relação concessiva. Em princípio ele concede (é)
– como forma de alinhamento, mas depois volta à carga (mas se não). L2
condiciona a sua opinião, por meio de uma relação condicional normal, com
função hipotética.
Nota: A sentença, possivelmente, na modalidade escrita seria: É, mas se não falar num plano material?
L2 T6
[ [CONDIÇÃO] se Isso sabe Heteroglossia
Resumo:
Estágio: Par despreferido CONDIÇÃO indicada por CC normal (se) – como hipótese
83
Interpretação: Em modo argumentativo, L2 reafirma sua opinião contrastante,
por meio da anáfora “isso” – (“ se fala em planejamento está falando em plano
material”). Por meio da relação condicional normal com função hipotética, L1
condiciona a sua opinião. Com esse recurso, L2 induz L1 a aderir a sua
Reivindicação, de modo heteroglóssico.
Nota: A sentença, possivelmente, na modalidade escrita seria: Se falar num plano material?
L1 T7
seja mais ampla... ← porque::... material envolve... Monoglóssia Avaliação Julgamento (-)
qualquer outro... junto...certo? Hetereglossia
Despreferido
Resumo:
Estágio: Par despreferido
CAUSA (porque) – após ordem em tom monoglóssico (“seja”)
Interpretação: Em modo argumentativo, em primeira parte do par, L1 realiza
uma ordem a L2, com vistas a esclarecer o léxico “material”. A ordem, agravada
pelo Avaliatividade negativa, constitui forte ameaça à face negativa. Assim, a
relação de causalidade surge como explicação para atenuar a ameaça à face
(GOHL, 2000).
L2 T8
515 nem sempre M. você vai::... assim:: o povo americano
não é um povo feliz... em termos de condições materiais:: está ótimo está está :: muito bem mas... realmente eu não sei te dizer se... se... se faz tanta diferença assim... ((barulho de motocicleta))
L1 T9
520 então você quer dizer o quê? (vai) cair naquele básico
que... [CONDIÇÃO] dinheiro não traz felicidade?... então Apreciação (-) desenvolvimento está ruim ... Apreciação (-)
Primeira
parte do par
84
Resumo:
Estágio: Primeira parte do par
CONDIÇÃO indicada por CC “Sentença do Holandês: (“se” omitido) – como
Argumento - como questionamento
Interpretação: Em modo argumentativo, em primeira parte do par, L1 lança mão
de uma Condicional “Sentença do Holandês, como meio de forçar L2 a aceitar a
argumentação corrente de que “desenvolvimento é bom”. A Condicional
“Sentença do Holandês” tem a função de provocar o questionamento do valor de
verdade de P (“dinheiro não traz felicidade). Partindo da falsidade obvia de Q
(desenvolvimento está ruim), leva L2 a questionar o valor de verdade de P. Trata-
se de um recurso altamente persuasivo, pois induz L1 a um raciocínio implícito
inverso de que dinheiro traz felicidade, logo o desenvolvimento é bom. Mas, do
ponto de vista da Linguística Crítica, trata-se de um raciocínio falho, pois nem
sempre o dinheiro traz felicidade e é usado de forma efetiva e adequada para o
desenvolvimento.
L2 T10
mas que ajuda... NÃO estou dizendo que não SEI:: se:: se sabe? melhora a condição assim emocional das
525 pessoas que estão... quer dizer () ou não
L1 T11
[ não se preocupe::... exageradamente com o emocional não
L2 T12
ah é o meu campo pô
L1 T13
[ ((rindo)) (eu estou falando de) cidade...
L2 T14
530 ((rindo)) e daí? a cidade não é também?... a origem das coisas é a emoção... as aulas as aulinhas lá que eu
L1 T15
[ você mexe...
L2 T16
estou assistindo
L1 T11
Fundamentalmente
L2 T17
[ 535 oi?
85
L1 T13
com os indivíduos né? é diferente de mexer com casas
L2 T14
e o que são indivíduos?... são feixes de emoções... condensadas ((ri))
L1 T15
540 o indivíduo é um todo...
L2 T16
L2 o que eu Acho... assim...
L1 T17
por exemplo
L2 T18
[ Ahn
L1 T19
você acha que um indivíduo... tendo trabalho ou não Heteroglossia: token Julgamento (+) Julgamento. (-)
545 tendo trabalho é... é a mesma coisa?... você não acha
Heteroglossia: token que[CONDIÇÃO] um indivíduo que tem onde trabalhar :. Julgamento (+) e gan::nha melhor → ele não está ... emocionalmente Julgamento (+) Monoglossia Afeto (+) melhor que um indivíduo que não tem onde trabalhar e::... Afeto (+) Julgamento (-) et cetera?... você acha que não? Heteroglossia: token Avaliação (-): token
Primeira parte do par
Resumo:
Estágio: Primeira parte do par
CONDIÇÃO indicada por CC “Sentença do Holandês” (“se” omitido) – condiciona a opinião (alinhamento)
- como questionamento
Interpretação: Em fusão escalada de descrição com argumentação, L1 faz uso
de uma relação condicional a fim de conduzir L2 a aceitar a argumentação
corrente (Desenvolvimento é bom). A Condicional “Sentença do Holandês” tem
a função de provocar o questionamento do valor de verdade de P (“o indivíduo
que tem onde trabalhar e ganha melhor”). Partindo da falsidade obvia de Q (“ele
não está emocionalmente melhor...”), leva L2 a questionar o valor de verdade de
P (indivíduo tem trabalho e ganha bem). L1 busca fortalecer o seu argumento
86
com fatos conhecidos pelo público em geral (trabalho/ganho). Pela Linguística
Crítica, é um raciocínio falho, pois nem sempre quem trabalha e ganha melhor
está emocionalmente melhor. Notemos que as perguntas disfarçadas de
heteroglossia - “você não acha?” – constituem token, pois foram formatas com
vistas a desconstruir o argumento de L2, forçando-a a ceder em sua posição. As
Negatividades e as Avaliatividades aumentam a tentativa de persuasão.
L2 T20
550 você diz mais ou menos doente?
L1 T 21
sei lá ... eu não estou pegando nenhum
L2 T22
[ nesse sentido assim?
L1 T23
caso clínico... um indivíduo qualquer...
L2 T24
[ ahn tudo bem... está está legal...
L1 T25
555 então o desen/ o desenvolvimento é bom ← porque ele Apreciação (+) Monoglossia
dá chance de emprego para mais gente... Apreciação (+) Força (↑)
Primeira
parte do par
Resumo:
Estágio: Primeira parte do par
CAUSA: por “porque” – após afirmação monoglóssica
Interpretação: Em modo argumentativo, após ter construído seu argumento no
seu turno anterior, L1 expressa a sua Reivindicação (“desenvolvimento é bom”).
Na Causa, fornece um Dado reconhecido no imaginário popular (emprego), mas
não oferece garantia (TOULMIN, 1958). Notemos que a causalidade surge como
explicação após afirmação categórica, monoglóssica. A Declaração com
Avaliatividades positivas contribui para persuadir L2 a aceitar a reivindicação
corrente.
87
L2 T26
mas você está pegando uma coisin::nha assim sabe? um Julgamento (-) Apreciação (-)(↓) cara que esteja desempregado também eu posso... usar o Julgamento (-) Probabilidade mesmo exemplo num num sentido contrário... o cara
560 que está desempregado ← porque não consegue se Julgamento (-) Julgamento (-)
empregar né? Ø ← na verdade não quer...ou um outro Julgamento (-) que:: assim...muito bem empregado executivo chefe de (↑) Julgamento (+) Apreciação (+) empresa e tal mas cheio das neuroses de... eu não sei (↑) Apreciação (-) qual está melhor... Julgamento (-)
Despreferido
Resumo: Estágio: Par despreferido CAUSA: por “porque” – como Argumento “não consegue” CAUSA: por “porque” omitido – como Argumento “não quer”
Interpretação: Em fusão escalada de descrição com argumento, L2 tenta
desconstruir o argumento de L1 (emprego para muita gente), apresentando um
Dado contrário por meio de uma relação causal. Notemos que as Avaliações
negativas expressas como pano de fundo nos argumentos também têm função
persuasiva.
L1 T27
565 então você tem que abstrair desse aspecto ← porque você Obrigação: Monoglossia
pode ter ambos os ca::sos...você tem que pegar na Probabilidade Obrigação:Monoglossia
Despreferido
88
média esquecendo esse aspecto particular...
Resumo:
Estágio: Despreferido
CAUSA (porque) – após ordem (“tem”)
Interpretação: Em modo argumentativo, L1 expressa um forte desacordo do
argumento apresentado por L2, expressando uma ordem intensificada pela
modalidade de obrigação, o que constitui forte ameaça à sua face negativa.
Notemos que a relação de causalidade emerge como explicação, de modo a
atenuar a face após essa ordem. Na causa, ele inclui os dois dados fornecidos
anteriormente por L2, a fim de persuadi-la a declinar de seu posicionamento.
L2 T28
[CONCESSÃO] é mas aí:: é o tal negócio eu não me Monoglossia a média... ← Ø pra mim interessa:: o:: indivíduo né?... (↑) Monoglossia
570 salvação individual então eu pensar... como é que está
essa média como é que está aquela.. como é que está a ou/ ... () realmente me faltam dados né? para eu... mas Heteroglossia que aí é falta de interesse minha né? de eu não procurar esses dados de eu não me tocar muito...
575 e ver::...
Despreferido
Resumo: Estágio: Par despreferido CONCESSÃO indicada por CCard: por “é” – como polidez
89
CAUSA (sem sinalização) – após contraste “não me preocupo” Interpretação: Em modo argumentativo, L1 impõe seu ponto de vista
fortemente contrastante. Por meio de uma concessão, ele concede (“é”), depois
volta à carga com sua nova Reivindicação (“mas... não me preocupo com a
média”). Na sequência apresenta uma Causa. Note que a relação causal emerge
após par não-preferido, e cumpre a função persuasiva de explicação após
contraste.
L1 T29
é eu… às vezes me preocupo com... digamos com a média ← pelo seguinte... eu me preocupo com o que Afeto (+) que eu estou contribuindo com o bem da média ou Afeto (+) Avaliação Social (+) não... ← porque porque eu pego e calculo uma coisa
580 que chegou a mim... e de mim vai para outros
Despreferido
Resumo:
Estágio: Par despreferido
1. CAUSA (pelo seguinte) – após contraste 2. CAUSA (porque) – após contraste
Interpretação: Em modo argumentativo, L1 conta-argumenta em prol de sua
nova Reivindicação (eu me preocupo com a média). Na causa, L1 apresenta um
Dado (eu calculo...) para a sua Reivindicação, mas sem garantia que apoia esse
Dado (TOULMIN, 1988). Notemos que a relação de causalidade emerge após
par não-preferido, cumprindo função persuasiva de explicação após contraste.
L2 T30
uhn uhn
L1 T31
certo eu sou:: um::... um circuitozinho pequenininho dentro de um processo grande...
90
L2 T32
ahn ahn
L1 T33
585 e [CONCESSÃO] se eu (saio) dali ou não basicamente = Mesmo que eu posso não interferir... no processo global... mas eu
queria entender esse processo né? ← porque às vezes eu Desejabilidade Heteroglossia vejo assim pontes enormes que:: se gastam... fábulas Apreciação (-) Token (↑) Julgamento (-) para construí-la...desde o projeto até::... a entrega da Apreciação (-) Apreciação (-)
obra... mas às vezes
590 eu não sinto muito o nexo na ponte... então eu fico me Apreciação (-) perguntando[CONDIÇÃO]se eu estou...por fo::ra do planejamento
né? eu estou fazendo a coisa... ← simplesmente porque
eu sou uma:: pe::ça dentro de uma ... engrenagem Julgamento (-) maior então eu não estou sabendo do porquê... ou se
595 tem::...como às vezes eu sinto muito ... muito senão aí::...
alguém tem dinheiro:: dá dinheiro para esse outro para ele construir a ponte mas sem outra função né?... mas hoje eu tenho eu acho assim puxa [CONDIÇÃO]esta ponte está :: jogando dinheiro fora... não que ... melhor guardar Julgamento (-)
Continuação despreferido
Resumo: Estágio: continuação do Par despreferido CONCESSÃO indicada por CCard: por “se = mesmo que ” – como polidez
(alinhamento)
1. CAUSA (porque) – após um desejo
91
1. CONDIÇÃO indicada por CC epistêmica (“se”) – condiciona a opinião -
como declaração
2. CAUSA (porque) – como argumento “sou apenas uma peça...”
2. CONDIÇÃO indicada por CC imperativa (“se” omitido) – condiciona a
opinião – como hipótese
Interpretação: Em fusão escalada de narração e descrição com argumento, L1
reorienta a sua argumentação para a sua nova Reivindicação (“eu não posso
interferir”). Para amenizar a ameaça à sua própria face positiva, L1 lança mão de
uma relação concessiva. Notemos que, na sequência, L1 faz uso de relação causal
como explicação após um forte desejo. Na causa, apresenta Dados de
conhecimento do público em geral (pontes enormes, se gastam fábulas), mas sem
garantia à Reivindicação feita. A relação condicional epistêmica é usada por L1
com vistas a persuadir L2 a aderir a ideia de que não pode saber do processo que
antecedeu a construção das pontes. Há uma relação causal subjacente: Causa:
quem está fora do planejamento, conclui-se: não pode saber do planejamento. A
persuasão é reforçada com Avaliatividade negativa. Notemos, ao final, que
utiliza uma condicional imperativa, com função de fazer uma hipótese sobre o
destino dos gastos públicos e evitar o desperdício de dinheiro.
L2 T34
600 você não pode escolher não
fazer né?
L1 T35
não... [CONCESSÃO] mesmo que eu escolha eu não Heteroglossia vou interferir no processo...
Despreferido
Resumo:
Concessão indicada por CCard: por “mesmo que” como polidez (alinhamento)
92
Interpretação: Em modo argumentativo, L1 impõe seu ponto de vista. Por meio
de uma concessão, ele concede (mesmo que eu escolha), depois volta à carga
(não vou interferir).
4.2.2.1 Discussão Geral da Análise de Gênero no Diálogo “Inquérito de dois
informantes”
O trecho da conversa, composto por oitocentos e vinte palavras, está
estruturado em trinta e cinco turnos. O diálogo se dá entre duas informantes L1
(engenheiro) e L2 (psicóloga), em princípio, numa relação simétrica, ou seja, sem grau
de hierarquia. Trata-se de dois jovens, um homem e uma mulher, ambos solteiros, e
com ensino superior. Ambos apresentam direitos e obrigações iguais (SACKS, 1974),
tendo liberdade para tomar o turno, respondendo cada uma ao seu turno na interação,
ora pela autosseleção, ora pela atribuição do falante em curso, numa co-construção
dinâmica e estendida e produção colaborativa da conversa (DURANTI, BRENNEIS,
1986; JACOBY; OCHS, 1995; GOODWIN, 2002).
O diálogo entre os participantes se sustenta, nesse trecho analisado, em torno
do tópico geral “ desenvolvimento da cidade e a interferência do indivíduo nesse
processo”. A discussão se inicia com o questionamento por parte de L1 se
desenvolvimento em países saindo da condição de subdesenvolvidos faz bem ou não
para os indivíduos. L2 não sabe se o desenvolvimento faz bem ou não. L1 tem a
intenção de convencer L2 de que o desenvolvimento faz bem para os indivíduos.
Nesse processo de interação, os participantes do diálogo organizam suas falas
ora por pares adjacentes (Padj) do tipo pergunta-resposta, ora por turnos
complementares e marcadores de interação, num movimento cooperativo entre os
participantes, como no exemplo a seguir:
L1 crescimento... o Brasil diz-se basicamente 500 subdesenvolvido e diz-se também que ele está crescendo...
se desenvolvendo... parece que está saindo de uma... condição de subdesenvolvimento para chegar sei lá numa de desenvolvido... okay?... uma:: um caminho
L2 ahn ahn 505 L1 agora PE::gue... os indivíduos... desse país... é
melhorou é pior para eles isso?
93
L2 não sei porque acho que aí quando se fala em desenvolvimento geralmente está se falando num plano material né?... concreto material ou melhores condições
510 materiais de vida...
Verifica-se, no trecho acima, os estágios do gênero Diálogo sendo construídos.
A introdução do assunto é iniciada por L1 em seu turno, sendo aceito pelo seu
interlocutor L2, a partir da inserção do marcador interativo “ahn ahn”. Na sequência,
na primeira parte do par, L1 realiza uma pergunta (“Desenvolvimento é melhor ou é
pior para eles...?”), exigindo uma resposta de L2, o qual responde com a segunda
parte do par despreferido (“Não sei”). A partir daí trava-se a dinâmica comunicacional
entre os falantes, cada um, por seu turno, tecendo a sua argumentação em prol de
seus pontos de vista.
4.2.2.2 Resumo da Análise da Causa, Condição e Concessão no Diálogo “Inquérito
de dois informantes”
Segue abaixo o Quadro 11 que resume as ocorrências das três relações de
Causa, Condição e Concessão dentro de cada estágio do Diálogo “Inquérito de dois
informantes”:
Quadro 11: Resumo da Análise da Causalidade, Condicionalidade e Concessividade no diálogo
Diálogo “Inquérito de dois informantes”
Projeto NURC, gravado em SP – 15/03/1976)
CONDIÇÃO por CC normal (“se” omitido) – condiciona a
pergunta (melhor ou
é pior...?) - hipótese
(T3): L1
Primeira parte do par
CAUSA (porque) – após afirm. monoglóssica (“não sei”)
L2 (T4)
DESPREFERIDO
94
CONDIÇÃO por CC normal (“quando”) – Condiciona a opinião (porque acho que aí quando....) – declaração
CONCESSÃO por CCard: por “é” – como polidez CONDIÇÃO por CC normal (se) – hipótese - condiciona sua opinião (subentende-se “não for plano material”)
L1 (T 5): Despreferido
CONDIÇÃO por CC normal (se) – hipótese – condiciona sua
opinião (subentende-se for plano material)
L2 (T6):
Despreferido
CAUSA (porque) – após ordem em tom monoglóssico (“seja”)
(T 7): L1
Despreferido
CONDIÇÃO por CC “Sentença do Holandês” (“se” omitido) – questionamento
(T9): L1
Primeira parte do par
CONDIÇÃO por CC “Sentença do Holandês” (“se” omitido) – questionamento
(T19): L1
Primeira parte do par
CAUSA: por “porque” – após afirmação monoglóssica
(T25): L1
Primeira parte do par
1. CAUSA: por “porque” – como Argumento “não
consegue”
2. CAUSA: por “porque” omitido – após o Argumento “não quer”
(T26): L2
DESPREFERIDO
95
CAUSA (porque) – após ordem em tom monoglóssico (“tem”)
(T27): L1
Despreferido
CONCESSÃO por CCard: por “é” – como polidez
(alinhamento) CAUSA (sem sinalização) – após contraste em tom
monoglóssica
(T28): L2
DESPREFERIDO
1. CAUSA (pelo seguinte) – após contraste (“eu me
preocupo...
2. CAUSA (porque) – após contraste ( “eu pego...)
(T29): L2
DESPREFERIDO
CONCESSÃO:
Concessão indicada por “se = mesmo que” – como polidez (alinhamento)
1. CAUSA (porque) – após um desejo “eu queria” 1. CONDIÇÃO por CC epistêmica por “se” – declaração 2. CAUSA (porque) – como argumento “uma peça da engrenagem...”
2. CONDIÇÃO indicada por CC Imperativa (“se” omitido) -
hipótese
(T33): L1
Continuação da despreferida
CONCESSÃO:
Concessão indicada por “mesmo que” – como polidez (alinhamento)
(T35): L1
Despreferida
96
4.2.2.3 Discussão Geral das Expressões de Causa, Condição e Concessão no
Diálogo “Inquérito de dois informantes”
A análise mostra como foi construída a argumentação no gênero Diálogo.
Verificamos a relação de causalidade, condicionalidade e concessividade servindo
como embasamento para o argumento dos falantes. A tabela 2 apresenta os tipos e a
incidência de cada uma dessas relações.
Tabela 2 – Ocorrência e expressão de Causa, Condição e Concessão no Diálogo
Causa
Tipos Ocorrências % porque (explícito) 8 73%
porque (implícito) 1 9%
sem sinalização 1 9%
pelo seguinte 1 9%
Total 11 100%
Condição
Tipos Ocorrências %
quando 1 13%
se (implícita) 4 50%
se (explícita) 3 37%
Total 8 100%
Concessão
Tipos Ocorrências %
É 2 50%
Mesmo que (1) 1 25%
Se (mesmo que) 1 1 25%
Total 4 100%
A tabela mostra que, no Diálogo, “Inquérito de dois informantes”, a
argumentação recorreu 11 ocorrências de causa, 8 de condição e 4 de concessão,
totalizando 23 relações lógicas, com expressão explícita e implícita.
Esses números sugerem que um dos elementos favoráveis à persuasão no
diálogo estaria no fornecimento de explicações para defender o posicionamento após
declarações contrastantes ente os falantes.
97
A análise da condição, na conversa, revela uma argumentação que tende aos
falantes condicionarem suas opiniões. O uso revela uma postura heteroglóssica, cujos
participantes, por meio da condição, buscam negociar com seus interlocutores os seus
posicionamentos.
No diálogo, nas quatro ocorrências, usou-se Concessiva Cardinal “É” seguida
de Mas (2), a expressão tradicional “Mesmo que” (1) e “Se” equivalente a “mesmo
que”, com valor concessivo. Este foi um dado de surpresa na análise.
Notamos que a conjunção concessiva “embora” também não ocorre na
conversa para indicar a concessividade, sendo substituída pela “concessiva cardinal”,
sinalizada por “´É”, em que – para evitar ameaça à face – o falante concede,
reconhecendo um posicionamento contrário ao seu ponto de vista (ex.: (tem que
esquecer casos particulares”), MAS prossegue argumentando a validade de seu
posicionamento (ex.: “mas não me preocupo com média”). Esse tipo de ocorrência “É
seguida de Mas” confirma as palavras de Ikeda, 2012. A argumentação por meio da
concessiva cardinal na conversa, portanto, revela ser menos rígida do que na
modalidade escrita. Mostrar esses tipos e o fato das relações nem sempre serem
sinalizadas explicitamente é uma questão que pode ser levada à discussão aos
alunos, para que se tenha uma maior consciência do funcionamento da língua,
especificamente, do funcionamento dessas relações lógicas.
4.3 Resultados Gerais: comparação entre as duas modalidades
A análise nos mostrou a dinâmica comunicativa com o uso dessas relações
para guiar o leitor / interlocutor a fim de efetivar a persuasão tanto na modalidade
escrita quanto na modalidade oral. Vejamos o quadro comparativo em termos
percentuais:
98
Tabela 3: Número de ocorrências de Causa, Condição e Concessão em cada modalidade
Modalidade Causa Condição Concessão Total
Escrita 14
54%)
0
(0%)
12
(46%)
26
(100%)
Oral 11
(48%)
8
(35%)
4
(17%)
23
(100%)
Considerando a diferença entre as modalidades escrita e oral, verificamos a
ocorrência de 26 relações entre causais, condicionais e concessivas no artigo de
opinião e de 23 no diálogo. Esses dados mostram a ocorrência equilibrada dessas
relações lógicas nas duas modalidades – escrita e escrita.
Com relação à ocorrência de relação causal, verificamos 54 % no artigo e 48%
no diálogo. Esses dados mostram que ambos tendem a recorrer à causalidade como
meio de garantir a adesão de seus interlocutores, munindo-os de explicações e
argumentos.
Com relação à ocorrência de relação condicional, o quadro mostra um dado
intrigante. Na modalidade escrita, gênero artigo de opinião, não houve a ocorrência
da relação condicional em oposição à modalidade oral, que contou com ocorrência de
35%. Esse resultado pode sugerir que em tom mais monoglóssico não se recorre à
relação condicional, uma vez que ela condiciona a Reivindicação. Mas carecemos de
mais pesquisas.
Com relação à ocorrência da relação concessiva, nota-se o maior uso na
modalidade escrita, com 46% em oposição à modalidade oral, com 17%. Esse dado
revela uma preocupação do autor, na modalidade escrita, em adotar uma postura de
preservação de face, de polidez. Mas isso poderá ser visto mais adiante.
Posto isso, com relação às perguntas de pesquisa, podemos dizer que foram
respondidas, como podemos esclarecer a seguir:
(1) Primeira pergunta de pesquisa: Como são realizadas as relações de causa,
condição e concessão nos textos examinados?
99
Pelos resultados, verificamos que as relações de causa, condição e concessão
podem ser expressas de diversas formas, diferentemente do que mostra a gramática
tradicional.
Com relação ao uso de relações causais, nas duas modalidades, as
ocorrências de relações causais são realizadas por meio de várias categorias, como
nos mostrou Jordan (1998), tais como: porque (implícita e explícita), por ordem
cronológica (implícita) por ordem cronológica introduzida pela preposição “desde”, por
oração causal reduzida de gerúndio (exemplo “deixando”), por sucessão de tempo,
preposição “por”, sem sinalização, “pelo seguinte”, além de oração comparativa (mais
que), além da ausência de expressão sinalizadora ou com “porque” omitido em alguns
casos.
Com relação ao uso da relação condicional, no diálogo, houve a ocorrência dos
tipos CC (normal), CC Epistêmica, CC Imperativa e CC “Sentença do Holandês”,
conforme nos mostrou Mazzoleni (1994). São tipos diferentes da gramática tradicional.
Referente à ocorrência de relações concessivas, nas duas modalidades houve
a ocorrência de CCard, como nos mostrou Couper-Kuhlen e Thompson (2000). Do
total de 12 ocorrências, no artigo, o autor recorreu a: (10) CCard com omissão do
conectivo “embora”, sendo (8) seguida do conectivo adversativo “mas”, conforme nos
mostrou Ikeda, 2012; (2) CCard com omissão de “mas”; (1) CCcard com a expressão
explícita “mesmo que”; (1) CCard sem expressão sinalizadora. No diálogo, do total de
4 ocorrências, o falante recorreu à: (1) CCard, com o uso explícito da expressão
tradicional “mesmo que”, (1) com a expressão “Se” (equivalente a “mesmo que”) e (1)
com “É” seguida do conectivo “Mas”, (essas duas últimas formas não previstas pelas
gramáticas tradicionais). Mostrar essas possibilidades de uso aos alunos, tanto na
modalidade oral quanto na escrita, pode contribuir para uma reflexão do processo da
escrita. Muito da informação implícita, especificamente, os conectivos, devem ser
inferidos pelo leitor/ouvinte. Posto isso, passemos a segunda pergunta de pesquisa.
(2) A segunda pergunta de pesquisa: Qual é o papel dessas relações na persuasão
que percorre o texto argumentativo?
As análises feitas permitem atestar o papel das relações de causa, condição e
concessão e a sua importância como força persuasiva no discurso nas duas
100
modalidades. Vejamos, primeiramente, função persuasiva das relações de causa no
artigo de opinião e no diálogo e o que esses dados nos sugerem.
Tabela 4: persuasão de Causa no Artigo de Opinião e no Diálogo
GÊNEROS
FUNÇÕES PERSUASIVAS DA CAUSA
Explicação após
afirmação monoglóssica
Explicação após
avaliação
Explicação após
contraste
Explicação após
ordem
Explicação após
desejo
Embasamento da
Argumentação Total
NO ARTIGO
DE OPINIÃO
5 2 0 0 0 7 14
NO DIÁLOGO 2 0
3
2 1 3 11
Os resultados nos mostram que, no artigo de opinião, houve a ocorrência de
14 causalidades e no diálogo 11. Podemos dizer que o uso da causalidade nas duas
modalidades está equilibrado. Porém, podemos perceber uma diferença. Vejamos, na
tabela 5 abaixo, a ocorrência de causalidade no diálogo:
Tabela 5: persuasão de Causa no Diálogo
NO DIÁLOGO
FUNÇÕES PERSUASIVAS DA CAUSA
Explicação após
afirmação monoglóssica
Explicação após
avaliação
Explicação após
contraste
Explicação após
ordem
Explicação após
desejo
Embasamento da
Argumentação Total
Primeira parte do par 1 0 0 0 0 0 1
Despreferido 1 0 3 2 1 3 10
Total no Diálogo 2 0 3 2 1 3 11
101
No diálogo, os dados revelam um número significativo de causalidade em par
despreferido, envolvendo situações de afirmações monoglóssicas, de contraste, de
ordens e de argumentação. A essas situações incluo explicação após forte desejo
como, por exemplo, “eu queria entender como é esse processo, porque...” - esse foi
um achado na análise. Em interações face a face, a imagem do falante é
constantemente ameaçada, e a causalidade tem a função persuasiva, no discurso, de
atenuar essa ameaça à face quando há situações dessa natureza, o que confirma as
palavras de Gohl (2000).
Como a meta do artigo é buscar convencer o outro sobre determinada ideia,
influenciando-o e transformando seus valores por meio da argumentação a favor de
uma posição, como nos informou BRÄKLING (2000), a causalidade surge como um
recurso importante para validar uma Reivindicação. Na modalidade oral (diálogo),
notemos a prevalência de 8 causalidades com função de fornecer explicações após
contraste, ordem, declaração monoglóssica e desejo, atenuando a ameaça à face. Na
modalidade escrita (artigo), notemos a prevalência de 7 causalidades servindo como
embasamento de argumentação, 5 causalidades fornecendo explicações após
afirmações categóricas e 2 após avaliações. Assim, a causalidade constitui um
recurso persuasivo eficaz no processo de persuasão. Além disso, ela pode ser
potencializada, no nível da microestrutura. Pudemos constatar isso no artigo, que, por
meio de escolhas lexicogramaticais cuidadosas, com Dados verificáveis, o autor
garantiu as suas Reivindicações, conforme nos orientou a teoria de Toulmin (1958).
Somado a isso, as Avaliatividades (Martin, 2000) também contribuíram nesse
processo de persuasão.
Outro fator de persuasão está relacionado à sintaxe. A ordem Causa-Efeito –
Efeito-Causa constituiu em elemento significativo, pois sinalizou a porção da
mensagem que o autor quis privilegiar com vistas à sua Reivindicação. Em termos
persuasivos, podemos entender a importância que esse modo discreto traz para o
texto argumentativo, como meio de sugerir determinada interpretação, orientando a
interpretação que o escritor espera do leitor (Halliday, 1994).
Percebemos a força da ordem sintática na modalidade escrita. A análise nos
mostrou que, ao dispor, sintaticamente, nos estágios iniciais de 1 a 3, a sequência de
Causa antecipando o efeito, Kahn já instaura na mente do leitor a garantia de sua
102
Reivindicação (despertou a atenção da sociedade para a questão de incidentes de
“ódio”/ deixou de lado a discussão sobre o perigo desses grupos).
Uma vez estabelecida a situação em que deu início à discussão dos “incidentes
de ódio”, inverte-se a ordem para Efeito – Causa, a fim de argumentar a favor de uma
solução, com vistas a obter a adesão do leitor em relação à sua Reivindicação (esses
grupos são perigosos, porque defendem ideias adormecidas na sociedade). Além
disso, Efeito-Causa privilegia os Dados que garantem essa Reivindicação. Vejamos o
exemplo disso, no quadro 12 abaixo:
Quadro 12: ORDEM INVERSA DE RELAÇÃO DE CAUSALIDADE NA CONTRUÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO
Reivindicação
Esses grupos são perigosos porque defendem ideias adormecidas na sociedade
EFEITO CAUSA
Fação responsável por pichações, difamações,
depredações, ameaças a minorias,
difusão racistas, homofóbicas,
separatistas, antissemitas
(Grupos) foram responsáveis por envolvimento em incidentes mais
graves, envio de bombas caseiras a
instituições Anestia, estupros,
agressões físicas e assassinatos
(Grupos) são perigosos defendem ideias e bandeiras que se
encontram adormecidas
Cautela com herdeiros de doutrinas foram responsáveis pelo sofrimento e
pela morte de milhões de pessoas.
Restrições ao Partido da Liberdade fatiga da população com partidos
tradicionais
Europa sofreu com facismo
O perigo das gangues questões malresolvidas na sociedade
103
Essa possibilidade de inversão é possível porque a língua permite: é a sintaxe
da língua. Acreditamos que seria muito interessante para o processo de escrita trazer
essa questão para discussão com os alunos.
Essa forma de arranjo sintático trouxe um efeito de apoiar as reivindicações
com as causas do perigo (ações discriminatórias veladas na sociedade). Atua como
um recurso requintado de persuasão, pois é uma forma de privilegiar a informação
requerida pelo autor. É uma forma de ajudar, ou melhor, conduzir o leitor a construir
um raciocínio similar ao do escritor. Podemos considerar a ordem sintática como um
token que um autor emprega no seu texto, pois é uma forma silenciosa para guiar ou
direcionar o leitor para o modo como deve entendê-lo, e para o leitor aderir ao seu
posicionamento em relação a ele” (MAO, 1993, p.265).
Parece-me que a análise da ORDEM sintática juntamente com a análise da
microestrutura das escolhas lexicogramaticais permeadas de avaliação retórica
negativa, de Contrabando de informação, Apito do Cão, Crypto-argumentação
(modalidades de narração e descrição em fusão com argumento) contribuíram para
aumentar a força hipnótica na mente do leitor, permitindo ao autor o sucesso de obter
uma adesão maior à sua Reivindicação (esses grupos são perigosos, porque
defendem ideias adormecidas na sociedade).
Referente à condicionalidade, vejamos, primeiramente, a tabela 7 abaixo com
a ocorrência e os tipos nas duas modalidades e, na sequência, a tabela 8 com o efeito
persuasivo.
Tabela 6: Tipos de Condição
GÊNERO TIPOS DE CONDIÇÃO
Diálogo
CC normal
Epistêmica Ato de
fala
Sentença do
Holandês
CC Imperativa
CC metalinguística
Total
4
( 49%)
1
(13%)
( 0%)
2
( 25%)
1
( 13%)
( 0%)
(8)
(100%)
104
Tabela 7: persuasão de Condição no Artigo de Opinião e no Diálogo
GÊNEROS
FUNÇÕES PERSUASIVAS DA CONDIÇÃO
Predição Declaração Hipótese Avaliação Questionamento Total
NO ARTIGO DE OPINIÃO 0 0 0 0 0
NO DIÁLOGO 2 4 0 2 8
A tabela mostra a ausência da condição no artigo de opinião, pois o articulista
tende a não condicionar as suas reivindicações. Na modalidade oral, os falantes
fizeram uso de 8 relações de condicionalidade. Esse dado sugere que a condição
pode ser adotada em tom mais heteroglóssico, pois os interlocutores condicionam a
sua Reivindicação. Também revela a postura dos falantes em contextualizar seus
pontos de vista com Dados hipotéticos, sem garantia, a partir de criação de um mundo
possível.
Das oito ocorrências, houve 49% de CC normal, a fim de persuadir, criando um
mundo textual, hipotético. 13% de CC epistêmica, com função declarativa, a fim de
levar o interlocutor à determinada conclusão. Quando querem questionar a validade
do argumento de seu interlocutor, fazem uso da CC “Sentença do Holandês” (25%).
Pela análise, incluímos a função persuasiva de Questionamento. Esta constitui um
meio de persuasão poderoso, já que leva os falantes a refletir sobre a validade de
suas crenças e de seus próprios argumentos. Por fim, 13% de CC Imperativa, com
função hipotética.
Partamos para a concessividade. Vejamos o que o quadro das concessivas nas
duas modalidades nos mostram.
105
Tabela 8: Função persuasiva da Concessão no Artigo e no Diálogo
GÊNEROS
FUNÇÃO PERSUASIVA DA CONCESSÃO
CCARD
Alinhamento Desalinhamento Total
NO ARTIGO DE OPINIÃO 12 0 12
NO DIÁLOGO 4 0 4
Com relação à concessiva, a tabela mostra que, no diálogo, modalidade oral,
houve baixa ocorrência de concessiva, apenas (4). Esse dado mostra que houve,
apenas em alguns momentos, uma preocupação dos falantes em preservar à face.
No artigo, modalidade escrita, os dados mostram um número expressivo de
ocorrência. Houve 12 ocorrências em oposição ao diálogo com 4. Esse é um dado
importante para reflexão: Que efeito isso traria? A polidez. O uso da relação
Concessiva Cardinal tem um papel persuasivo decisivo, pois trata-se de uma
estratégia de polidez, de alinhamento com o seu interlocutor (Couper-Kuhlen e
Thompson, 2000), atenuando a ameaça à face que um posicionamento contundente
ou uma ordem pode trazer para os autores tanto na modalidade escrita quanto na
modalidade oral. É interessante que o autor reconheça o que seu interlocutor pensa,
concorde, em princípio, com ele, para só depois contrastar com o seu ponto de vista.
O uso de uma Concessiva Cardinal é uma manobra, um recurso eficiente do autor
garantir a adesão do leitor, já que autor consegue, com a concessiva cardinal,
desarmar o seu interlocutor. Numa situação de comunicação, seja na modalidade
escrita, quanto na oral, acreditamos ser muito importante reconhecer a ideia do outro,
atenuando a ameaça à face negativa. A relação concessiva cardinal tem essa função
persuasiva. Portanto, com ela, o autor realiza o trabalho de preservação de face.
Também acreditamos que essa questão seja um meio de incentivar a reflexão do
aluno sobre o processo da escrita de um texto formal.
Por outro lado, a sintaxe também contribui no processo persuasivo, na medida
em que a disposição, a ordenação das informações nas concessivas promove a
fruição das informações e facilita a compreensão do leitor. Acredito que mostrar essas
situações ao aluno pode ajudá-lo a refletir sobre a modalidade escrita. A título de
exemplo, notemos, no quadro 13, como Kahn potencializa a sua persuasão com o uso
106
das concessivas, ordenando os fatos numa ordem que privilegia a informação que
desvelam atos discriminatórios velados pela sociedade.
Quadro 13: A ORDEM DA CONCESSIVIDADE NA CONTRUÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO
Reivindicação
Esses grupos são perigosos porque defendem ideias adormecidas na sociedade
CONCEDE CONTRASTA
(Opinião corrente) Expõe seu ponto de vista
Há bons cidadãos que não se julgam racistas que compartilham noções como “nossas prisões
estão cheias de negros, nordestinos
“nossas prisões estão cheias de negros e
nordestinos
“os gays são responsáveis pela epidemia da
Aids”
“que xingam os demais ”baianos”
“afirmam que jamais votariam numa nordestina
ou negro para a prefeitura.”
São cidadãos que não usam coturnos Rejeitariam uma instituição de aidéticos ou uma
unidade da Febem perto de suas casas
Não vestem calças camufladas Apoiariam restrições ao uso dos serviços
públicos por imigrantes
Concordam veladamente que ônibus vindos do
nordeste sejam desviados para outras cidades
Não escutam música ska Gostariam que os mendigos fossem enviados
para algum lugar remoto
Publicam anúncios pedindo “pessoas de boa
aparência e consideram o elevador de serviço
mais adequado para algumas categorias de
pessoas.
A partir do exposto, mostramos como as relações causais, condicionais e
concessivas são construídas no discurso, contribuindo para a persuasão, de forma
cumulativamente, conjuntamente com recursos retóricos numa dinâmica
comunicacional argumentativa, conforme o texto se desenrola.
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa, de caráter qualitativo e de cunho crítico, examinou as funções
interpessoais dos conectivos causais, concessivos e condicionais - envolvendo
também os casos de sua omissão - com enfoque no processo persuasivo exercido
por esses conectivos em dois gêneros: artigo de opinião e conversa.
À luz da Linguística Crítica, amparada pela teoria-metodológica da Gramática
Sistêmico-Funcional, a análise no nível da micro e macroestrutura forneceram pistas
para a identificação tanto de estratégias argumentativas utilizadas pelos respectivos
autores, quanto suas ideologias.
Acreditamos que as perguntas que orientaram essa pesquisa foram
respondidas, como esclarecemos a seguir:
Pergunta (a): Como são realizadas as relações de causa, condição e
concessão nos textos examinados?
As relações de causa são realizadas por meio de vários tipos de expressão, de
forma implícita e explícita. Além do conectivo tradicional “porque”, temos: por ordem
cronológica (implícita), por preposição “desde”, por oração causal reduzida de
gerúndio (exemplo “deixando”), por sucessão de tempo, preposição “por”, pela
expressão “pelo seguinte”, por oração comparativa (mais que), além da ausência de
expressão sinalizadora, ou com “porque” omitido em alguns casos.
As relações de condição são sinalizadas por: “quando e “se” implícita e implícita
e sem sinalização. Também de vários tipos, como: CC normal, CC epistêmica, CC
“Sentença do Holandês” e CC imperativa.
As relações de concessão foram realizadas por meio de Concessiva Cardinal,
com a expressão tradicional “Mesmo que”, “É” seguida do conectivo Mas (explícito e
explícitos), ou sem a expressão com “Embora” subentendido. O “Se” equivalente a
“mesmo que”, com valor concessivo foi um dado revelador na pesquisa. Mostrar essas
situações podem ajudar no processo de leitura e, consequentemente no processo de
escrita.
Pergunta (b): Qual é o papel dessas relações na persuasão que percorre o texto
argumentativo?
108
As relações de causa, condição e concessão têm a função de fornecer uma
guia para que o receptor construa um raciocínio à similaridade do articulista,
contribuindo, assim, para a persuasão e adesão do receptor às Reinvindicações feitas
pelo produtor da mensagem no processo interacional, seja na modalidade escrita, seja
na modalidade oral. Como vimos, a causa constitui um recurso de fornecer argumento
para garantir as Reivindicações pleiteadas, além de atenuar a ameaça à face,
fornecendo explicações após: declarações categóricas, ordens, avaliações. Aqui, pela
análise dos dados, incluímos explicação após forte desejo.
A condição tem função persuasiva de declaração, de criar hipóteses, criando
mundos possíveis). Aqui pela análise dos dados, incluímos a função de provocar o
questionamento de valor de verdade nos argumentos pelos envolvidos na interação.
Também pode ser usado em tom mais heteroglóssico, uma vez que os participantes
tendem a condicionar as suas opiniões.
A relação de concessão nem sempre é realizada para indicar concessão. Pode
ser realizada por meio de Concessiva cardinal, cuja função persuasiva é, em princípio,
se alinhar com os envolvidos na interação (leitor/ouvinte) para depois introduzir uma
opinião altamente destruidora. Constatamos o forte poder persuasivo que essa
relação pode ter no discurso.
Por outro lado, as relações de causa, condição e concessão podem ser
potencializadas pelas escolhas lexicogramaticais cuidadosas traduzidas em
Avaliatividades, Tokens, Contrabando de informação, Apito do cão e a Crypto-
argumentação (fusão da narração e descrição com argumento). Ao longo do artigo,
vimos como as relações de causa e concessão foram intensificadas por esses
recursos, aumentando o poder persuasivo do autor. Eles reforçam na mente do leitor
significados que corroboram com a Reivindicação pleiteada pelo autor. Também o
arranjo sintático das informações constitui outro recurso de persuasão. Mostrar aos
alunos como as orações fragmentam-se, resultando em omissão de conectivos, que
precisam ser inferidos pelo ouvinte parece ser um caminho de reflexão no processo
de leitura e, consequentemente, no processo de escrita.
Além disso, a polidez constitui um recurso altamente eficiente, uma vez que
contribui primeiramente para o alinhamento com o interlocutor. É extremamente útil
para atenuar a ameaça à face não só em situações de interação pessoal na
modalidade oral, mas também em situações da modalidade escrita. Trata-se de um
109
recurso requerido principalmente no gênero artigo de opinião. Acreditamos ser
importante e de bom tom o autor/falante demostrar a preocupação de reconhecer
primeiramente as crenças de seu público, somente para depois apresentar uma
opinião.
Outro recurso interessante é a Teoria de Toulmin (1958; 1984), pois ela permite
aferir a validade dos argumentos oferecidos pelos autores, de forma a nos permitir
avaliar a credibilidade do autor e desenvolver uma atitude crítica em relação ao
conteúdo disposto no texto.
Por fim, as análises no nível da micro e macroestrutura permitem trazer para o
nível da consciência os valores e crenças codificados nos padrões linguísticos.
Portanto, termino essa pesquisa, com a sensação de que ela proporcionou uma
compreensão melhor tanto sobre como são produzidas as relações de causa,
condição e concessão, quanto sobre as suas funções persuasivas no discurso. Agora
que estão mais claros para mim, poderei, evidentemente, proporcionar aos alunos um
ensino com maior qualidade e com embasamento teórico mais sólido. Enfim, pude
constatar a importância da Linguística Crítica, da metodologia da Gramática
Sistêmico-Funcional e de seus colaboradores para uma análise de elementos
persuasivos, contribuindo para o ensino do processo de leitura e de escrita de forma
mais efetiva.
110
REFERÊNCIAS
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ANEXO 1
Artigo original, na íntegra, publicado na Folha de S.Paulo, de 14/02/ 2000 – opinião A3
O ataque careca
Esses grupos são perigosos porque
defendem idéias adormecidas na
sociedade
TULIO KAHN O episódio recente do assassinato do adestrador de cães Edson Neris da Silva em plena praça da República por um grupo de carecas, somado às agressões contra imigrantes marroquinos na Espanha e à eleição do Partido da Liberdade na Áustria, despertou novamente a atenção da sociedade para a questão dos "incidentes de ódio". As discussões durante a semana passada foram travadas muito em torno de aspectos até certo ponto secundários, como as diferenças entre punks, skinheads e carecas, o que vestem e que músicas ouvem, que locais frequentam ou qual o perfil dos seus integrantes, deixando de lado a questão mais crucial: qual é afinal o perigo que a existência desses grupos representa para a sociedade brasileira? Desde as ameaças, os tiros e as inscrições antinordestinas na Rádio Atual, em 1992, as ações desses grupos vêm sendo monitoradas pela imprensa e pelas autoridades, e ora uma, ora outra facção tem sido apresentada como responsável por pichações difamatórias, depredações, ameaças a lideranças de minorias, difusão de idéias racistas, homofóbicas, separatistas e anti-semitas por meio de panfletos, fanzines ou pela Internet. Também foram responsabilizadas pelo envolvimento em incidentes mais graves e raros, como o envio de bombas caseiras a instituições como a Anistia, estupros, agressões físicas e assassinatos. A morte de Neris da Silva, atacado porque "parecia homossexual", foi, segundo um levantamento feito na imprensa desde 1992, o nono homicídio que pode ser atribuído aos grupos de extrema direita. Muitos outros "inimigos" foram surrados seguindo o mesmo padrão: ataques de muitos contra poucos indefesos, escolhidos aleatoriamente pelo simples fato de ser negros, nordestinos, gays, punks ou judeus. Mas, mais que um perigo físico para as minorias -estatisticamente baixo num país onde ocorrem 37 mil homicídios dolosos por ano e um homossexual é assassinado a cada dois dias-, o perigo representado por esses grupos é de outra natureza, mais simbólica. Em primeiro lugar, é preciso ser cauteloso com aqueles que se apresentam como herdeiros de doutrinas que no passado foram responsáveis pelo sofrimento e pela
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morte de milhões de pessoas. Mas, acima de tudo, esses grupos são perigosos porque defendem bandeiras e idéias que se encontram adormecidas na sociedade, ainda hoje, mesmo que em versões mais moderadas. Idéias que não se restringem a alguns poucos extremistas e são mais difundidas do que seria desejável. Conheço bons cidadãos, que não se julgam racistas nem de extrema direita, tampouco andam de cabeças raspadas, que compartilham em algum grau noções do tipo "o Sudeste sustenta o resto do país", "nossas prisões estão cheias de negros e nordestinos", "os gays são os responsáveis pela epidemia da Aids"; que xingam os demais de "baianos" e afirmam que jamais votariam numa nordestina ou num negro para a prefeitura. São cidadãos que não calçam coturnos, mas que rejeitariam uma instituição de aidéticos ou uma unidade da Febem perto de suas casas. Não vestem calças camufladas, mas apoiariam restrições ao uso dos serviços públicos por migrantes e concordam veladamente que ônibus vindos do Nordeste sejam desviados para outras cidades. Não escutam música ska, mas gostariam que os mendigos fossem enviados para algum lugar remoto. Publicam anúncios pedindo "pessoas de boa aparência" e consideram o elevador de serviço mais adequado para algumas categorias de pessoas. São versões apenas um pouco menos radicais do que as presentes no credo de vários desses grupos que tanto vilipendiamos. É claro que há diferença entre esses comportamentos e espancar alguém até a morte. Mas a diferença é frequentemente apenas de grau. Restrições aos imigrantes fazem parte do programa do Partido da Liberdade, votado por nada menos que 27% dos austríacos nas últimas eleições, em parte pela fadiga da população com os partidos tradicionais, algo que ocorre também entre o eleitorado brasileiro -um eleitorado que já se revelou mais de uma vez disposto a votar em candidaturas apresentadas como novidades ou anti-sistema. A vinculação dos marroquinos com a criminalidade, que foi o estopim dos incidentes de ódio na Espanha, é o mesmo tipo de vinculação que se faz em São Paulo com negros e nordestinos, não obstante a população carcerária ser predominantemente paulista e branca. Fenômenos desse tipo estão longe de estar mortos, mesmo na civilizada Europa, que mais sofreu com o fascismo e onde a crise social é menor que aqui. O perigo que a existência de gangues juvenis como carecas e skinheads nos coloca não está tanto nas ações episódicas de violência contra minorias que realizam, mas no fato de que elas tocam em temas e questões malresolvidas em nossa sociedade, ocultadas pela falácia da democracia racial brasileira.
Tulio Kahn, 34, é sociólogo, doutor em ciência política pela USP e autor de "Ensaios sobre Racismo -manifestações modernas do preconceito na sociedade brasileira" (ed. Conjuntura).
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ANEXO 2 Trecho original extraído do Inquérito “Diálogo entre dois informantes”, No 343- BOBINA No
130- INFS. No 441 e 442 do Projeto NURC/SP.
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