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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIADEPARTAMENTO DE CINCIAS HUMANAS CAMPUS I
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ESTUDO DE LINGUAGENS
CLUDIO GONALVES GOMES
O POVO REFLETIDO NO ESPELHO MIDITICO: CONTRATO DECOMUNICAO NO JORNALISMO POPULAR BAIANO
Salvador2010
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CLUDIO GONALVES GOMES
O POVO REFLETIDO NO ESPELHO MIDITICO: CONTRATO DECOMUNICAO NO JORNALISMO POPULAR BAIANO
Dissertao apresentada ao programa de Ps-Graduaoem Estudo de Linguagens da Universidade do Estado daBahia como requisito parcial para a obteno do ttulo demestre em Estudo de Linguagens.
Orientadora: Dr. Lcia Soares de Souzarea de concentrao: Estudo de LinguagensLinha de pesquisa: Linguagens, Discurso e Sociedade
Salvador2010
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FICHA CATALOGRFICAElaborao: Biblioteca Central da UNEB
Bibliotecria: Helena Andrade Pitangueiras CRB: 5/536
Gomes, Cludio Gonalves.O povo refletido no espelho miditico: contrato de comunicao no jornalismo popular
baiano. / Cludio Gonalves Gomes. Salvador, 2010.125 f.
Orientadora: Prof Dr Lcia Soares de Souza.Dissertao (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Cincias
Humanas. Campus I. 2010Contm referncias.
1. Anlise do discurso. 2. Jornalismo Aspectos sociais Bahia. 3. Comunicao de massa Aspectos sociais. 4. Jornalismo popular. I. Souza, Licia Soares de. II. Universidade doEstado da Bahia, Departamento de Cincias Humanas. III. Titulo.
CDD: 401.41
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CLUDIO GONALVES GOMES
O POVO REFLETIDO NO ESPELHO MIDITICO: CONTRATO DECOMUNICAO NO JORNALISMO POPULAR BAIANO
Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do grau de mestre em Estudo deLinguagens, Universidade do Estado da Bahia.
Aprovada em 18 de maro de 2010.
Banca examinadora
Prof. Dr. Lcia Soares de Souza- Orientadora_____________________________Dr. em Semiologia pela Universit du QuebecUniversidade do Estado da Bahia
Prof. Dr. Jaciara Ornlia- ___________________________________________Dr. em Letras e Lingustica pela Universidade Federal da BahiaUniversidade do Estado da Bahia
Prof. Dr. Marcus Lima- UESB ___________________________________________Dr. em Estudos Lingusticos pela Universidade Federal de Minas GeraisUniversidade do Sudoeste da Bahia
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A Deus, razo maior da minha existncia. minha me (Dona Janete) por seu amor, dedicao e bondade.
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AGRADECIMENTOS
Toda pesquisa nunca resulta da elaborao de um nico indivduo. Nela, ecoam tantas
vozes ora divergentes, ora convergentes que, polifonicamente, vo compor a sinfonia de um
trabalho acadmico. Nesse sentido, compartilhamos a responsabilidade com aqueles que
direta ou indiretamente contriburam para a consecuo deste trabalho.
Sendo assim, como no ressaltar o papel da nossa orientadora, prof. Dr. Lcia Soares de
Souza, a quem agradeo pelo apoio, pela simplicidade e pela mestria com que conduziu a
orientao deste trabalho.
Ao prof. Dr. Marcus Lima que, mesmo a distncia, tornou-se um coorientador desta
pesquisa com sugestes profcuas e dilogos enriquecedores.
Aos professores do PPGEL, sobretudo a Dr. Jaciara Ornellas pelas valiosas
contribuies no exame de qualificao, pelas dvidas sanadas em relao ABNT, a Dr.
Gilberto Sobral pelo apoio e pela confiana em ns depositados no tirocnio e a Dr. Rosa
Helena Blanco pelas sugestes quanto ao caminho terico a ser trilhado.
Aos colegas, mestrandos, que compartilharam conosco, suas dvidas, angstias,
alegrias, principalmente Mnica, Larissa, Zoraide, Fabola, Walter e Robson com quem
partilhamos algumas de nossas idias e que muito nos ajudou com suas palavras.
minha irm Daiane Gonalves Alves pela ajuda na elaborao dos quadros e a Carine
pelo apoio emocional nos meus momentos de desespero e por me ouvir a falar de um tal de
Charaudeau.
A Llia, amiga, companheira a quem agradecemos por suas palavras de f, de incentivo
nos momentos em que duvidamos da nossa capacidade de superar alguns obstculos exigidos
por uma pesquisa acadmica.
Aos colegas do Colgio Estadual Bolvar Santana que nos apoiaram, estimulando-nos a
seguir em frente.
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No h lugar sem linguagem. A linguagem est em
todo lado. Atravessa todo o real; no h real sem a
linguagem.
Rolandes Barthes, 1982.
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RESUMO
Neste trabalho, propomos uma anlise do contrato de comunicao do jornalismopopular da mdia audiovisual baiana, concentrando-nos nos programas Balano Geral e Seliga Boco. Nosso foco de pesquisa reside nas estratgias discursivas atreladas ao contrato emum espao de restrio e liberdade do qual participam os sujeitos linguageiros. Para tanto,recorremos aos pressupostos da Teoria Semiolingustica de Patrick Charaudeau quanto sformas de organizao do discurso (descritivo, narrativo, argumentativo e enunciativo). Almdisso, a fim de contextualizarmos o nosso objeto de pesquisa, recorremos anlise de algunsaspectos sensacionalistas desses formatos televisivos. Por outro lado, valemo-nos da categoriado ethos numa abordagem retrico-discursiva para compreender a construo das identidadesdos sujeitos enunciadores no jornalismo popular baiano. Dessa maneira, esta dissertaobusca contribuir para o funcionamento do discurso jornalstico popular, com suas estratgiasde legitimidade, credibilidade e captao.
Palavras-chave: Contrato de comunicao. Estratgias discursivas. Modos deorganizao do discurso. Ethos.
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ABSTRACT
In this paper, we propose an analysis of communication of the popular journalismBahias audiovisual media, focusing on Balano Geral and Se Liga Boco programs. Ourresearch focus is based in discursive strategies pegged o contact an area of restriction andfreedom the subjects participating language studies. For both, we appealed to the Theory ofSemiolanguage of Patrick Charaudeau, about the forms of the organization of discourse(description, narrative, argumentative, enunciation). Furthermore, in order to contextualize thefocus of our research, we used analysis of some exaggerated aspects of these televisionformats. Furthermore, we make use of the category of ethos in a rhetorical-discursiveapproach to understand the construction of identities of the subjects enunciators in popularjournalism of the Bahia. Thus, this dissertation seeks to contribute to the functioning of thepopular jornalistic discourse, with its strategies of legitimacy, credibility and capture.
Keywords: Communication Contract. Discursive strategies. Modes of organization ofspeech. Ethos.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Processo de semiotizao ..................................................................................... 45
Quadro 2 Processo de semiotizao ..................................................................................... 46
Quadro 3 Encenao do ato linguageiro ............................................................................... 48
Quadro 4 Contrato de comunicao dos programas Balano Geral e Se liga Boco .............. 54
Quadro 5 Formas de organizao do discurso ...................................................................... 58
Quadro 6 Elementos bsicos do modo argumentativo .......................................................... 71
Quadro 7 Procedimentos e objetivos visuais ....................................................................... 84
Quadro 8 Relao entre os dispositivos verbo-espao-visuais............................................... 86
Quadro 9 Sntese do contrato de comunicao e das estratgias verbo-visuais ...................116
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Uma das cenas do quadro o Povo na praa ............................................................. 30
Figura 2 Imagem de trabalhador da Coelba .......................................................................... 32
Figura 3 Imagens do pai e da filha, sendo entrevistados. ...................................................... 42
Figura 4 Posicionamento de cmera. .................................................................................... 80
Figura 5 Imagem, em plano mdio, do apresentador Raimundo Varela ................................ 81
Figura 6 Imagem, em plano prximo, do enunciador Raimundo Varela................................ 82
Figura 7 Imagem, em plano mdio, do enunciador Jos Eduardo.......................................... 83
Figura 8 Imagem, em plano prximo, do sujeito Jos Eduardo............................................. 83
Figura 9 nfase no corpo. Destaque para o espao transio... ............................................. 87
Figura 10 nfase no corpo. Destaque para o espao transio............................................... 87
Figura 11 Focalizao no espao percurso............................................................................ 87
Figura 12 Focalizao no espao percurso............................................................................ 87
Figura 13 nfase no espao transio.... ............................................................................... 88
Figura 14 nfase no espao transio.... ............................................................................... 88
Figura 15 Posicionamento do corpo de Raimundo Varela. Produo do efeito canal. ........... 88
Figura 16 Posicionamento do corpo de Jos Eduardo. Produo do efeito canal ................... 88
Figura 17 Encenao corporal do sujeito Raimundo Varela em plano prximo..................... 97
Figura 18 Imagem, em plano mdio, do apresentador. Matria sobre o ferry boat ................ 99
Figura 19 Imagem em plano mdio. Simulacro de dilogo do apresentador com osvereadores............................................................................................................................ 99
Figura 20 Imagem, em plano prximo, da postura icnico-discursiva do sujeito RaimundoVarela... ..............................................................................................................................101
Figura 21 Imagem em plano americano. Ao dos moradores da comunidade do
Pela Porco...........................................................................................................................103
Figura 22 Imagem, em plano mdio, do posicionamento verbo-visual do apresentador sobre opapel da polcia ...................................................................................................................104
Figura 23 Imagens, em plano mdio, do apresentador Jos Eduardo e de uma senhora cujofilho foi preso. ....................................................................................................................106
Figura 24 Imagem em plano prximo. Encenao icnico-verbal do sujeito enunciador JosEduardo.. ............................................................................................................................107
Figura 25 Imagens divididas, em plano mdio, do apresentador e uma senhora com a filhadela.....................................................................................................................................108
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Figura 26 Imagens divididas, em plano mdio, do apresentador Jos Eduardo e de um cidadoem apelo desesperado .........................................................................................................110
Figura 27 Imagem em plano prximo. Postura verbo-visual do sujeito enunciador RaimundoVarela numa mise em scne de dramaticidade .....................................................................111
Figura 28 Imagem em plano prximo. Encenao icnico-verbal do apresentador JosEduardo ..............................................................................................................................113
Figura 29 Imagem em plano mdio. Postura verbo-visual do sujeito Jos Eduardo sobre anotcia em foco ...................................................................................................................114
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SUMRIO
INTRODUO 14
1 MDIA TELEVISIVA: UM DISPOSITIVO ESPETACULAR 23
1.1 JORNALISMO POPULAR: A VIOLNCIA COMO ESPETCULO 25
1.2 JORNALISMO POPULAR: O SENSACIONAL COMO ATRAO 26
1.3 JORNALISMO POPULAR: A INFLUNCIA DO MELODRAMA
E DO FOLHETIM
33
1.3.1 Faits- divers: o folhetim moderno 35
1.4 PATEMIZAO NO JORNALISMO POPULAR: A ESTRATGIA DE
CAPTAO 38
2 A TEORIA SEMIOLINGUSTICA DO TEXTO E DO DISCURSO: UMA
VISO PANORMICA 44
2.1 O DUPLO PROCESSO DE SEMIOTIZAO DO MUNDO 44
2.2 A ENCENAO DO ATO DE LINGUAGEM 47
2.3 O CONTRATO DE COMUNICAO 48
2.3.1 O contrato de comunicao miditico 49
2.4 ESTRATGIAS DISCURSIVAS 51
2.5 TEXTO, DISCURSO E GNERO 54
2.6 MODOS DE ORGANIZAO DO DISCURSO 58
2.6.1 Modo de organizao enunciativo 59
2.6.2 Modo de organizao descritivo 62
2.6.3 Modo de organizao narrativo 64
2.6.4 Modo de organizao argumentativo 69
2.7 CONTRATO DE COMUNICAO: ESTRATGIAS ESPAO-VISUAIS 75
2.7.1 Os dispositivos espaciais 76
2.7.2 Os dispositivos visuais 78
3 A CONSTRUO DO ETHOS NO JORNALISMO POPULAR BAIANO 89
3.1 ETHOS: UMA VISO RETRICO- DISCURSIVA 89
3.2 ETHOS: UMA APROPRIAO MIDITICA 93
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3.3 CENAS ENUNCIATIVAS NO JORNALISMO POPULAR 94
3.3.1 Cenas enunciativas e ethos no Balano Geral 94
3.3.2 Cenas enunciativas e ethos no Se Liga Boco 105
4 CONSIDERAES FINAIS 117
REFERNCIAS 120
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INTRODUO
Que uma introduo? Explicaes, declarao de intenes,exposio de objetivos e do plano de trabalho, masprincipalmente ressalvas, escusas antecipadas, defesa prvia,justificativas, desculpas.
Fiorin (2005, p. 23)
A televiso, inaugurada no pas nos idos da dcada de 50, tem crescido em importncia
como um dos meios de comunicao de maior influncia nas experincias cotidianas e na
opinio pblica. Outrora considerada a bab eletrnica e a janela para o mundo, esse
dispositivo miditico tem sido objeto de inmeras pesquisas acadmicas, produzidas no seio
dos cursos de Ps-Graduao em Comunicao, Letras e Lingustica. Tais pesquisas ora se
voltam para aspectos mercadolgicos, ora se voltam para aspectos tcnicos, ora se voltam
para a anlise da produo e recepo televisivas, no intuito de compreender a construo de
sentidos, engendrada pela mdia audiovisual. Nesse contexto, destacam-se, no Brasil, os
trabalhos de Machado (2003), Duarte (2004), Neto (1999) entre outros. Fora do pas,
destacam-se as pesquisas de Charaudeau (1992, 2006a, 2006b, 2008), Jost (2004), Fontanille
(2005), Vern (2004), Vern e Fouquier (1985), entre outros.
Por outro lado, algumas pesquisas tm se voltado para anlises mais especficas de
programas televisivos. Assim, Mendona (2002), por exemplo, discute o papel de autoridade
da TV Globo, institudo pelo programa Linha Direta. Sua anlise diz respeito s estratgias
discursivas desse programa, legitimado pela empresa de comunicao mais poderosa do pas.
Frana (2006), por sua vez, voltada para as narrativas populares na televiso, visa
entender como se processa a interao entre a mdia e as camadas populares. As anlises se
concentram em alguns programas denominados populares/ popularescos, tais como Fausto,
programa do Ratinho, Cidade Alerta, entre outros. Esses programas ocupam um grande
espao na mdia, a despeito das crticas acadmicas que tm sofrido em virtude do grau de
sensacionalismo que veiculam. Esse fenmeno, que no novo na televiso, consolidou-se
nas emissoras nacionais e regionais, visando, sobretudo, adeso de um pblico de menor
poder aquisitivo.
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Na emissora de Salvador, destacam-se alguns programas considerados populares como
o Balano Geral e o Se Liga Boco. Tais programas exercem uma grande influncia,
sobretudo, sobre a camada da populao menos favorecida, obtendo bons ndices de audincia
para programas locais.
O Balano Geral1, mais antigo na emissora de Salvador, apresentado pelo radialista
Raimundo Varela no horrio de meio-dia desde 1997, perodo em que a Rede Record compra
a emissora TV Itapoan. Em 2006, em virtude de doena, esse apresentador se afasta,
substitudo por Gerdan Rosrio. Durante esse perodo, o programa no possua reprteres
exclusivos, repetindo, na ntegra, algumas reportagens dos programas jornalsticos da
emissora.
Em 2007, recuperado do bitransplante (rim e fgado), Raimundo Varela volta a
apresentar o programa que foi reformulado, aproveitando as reportagens exclusivas do
reprter Guilherme Santos. Com a contratao do reprter Adelson Carvalho, criaram-se
novos quadros, tais como A Praa do Povo e O Povo Fala. A partir de ento, priorizaram-se
as reportagens produzidas por esses dois reprteres (Guilherme Santos e Adelson Carvalho).
Programa dirio, de segunda a sexta-feira, das 12 s 13 h. Possui auditrio que recebe
trabalhadores, comunidades, polticos, estudantes e vtimas de violncia, entrevistados por
Raimundo Varela e Guilherme Santos. Constitui um formato televisivo em que o jornalismo
se mescla com prestao de servios populao.
Por sua vez, o Se Liga Boco constitui um programa mais recente da emissora de
Salvador. Surgiu na TV Aratu, afiliada do SBT (Sistema Brasileiro de Televiso), no ano de
2003. Em 2008, o jornalista Jos Eduardo transferiu-se para TV Itapoan, afiliada da Rede
Record. O programa se inicia logo aps o Balano Geral, s 13h, com uma proposta de
ajudar a populao mais carente de Salvador. Diariamente, h prmios em dinheiro, com a
visita do apresentador aos bairros perifricos cuja multido se encontra espera do salvador
para mitigar-lhe as mazelas sociais.
Adotamos, neste trabalho, o conceito de popular, como j fazem alguns autores como
Frana (2006), Dias (2003) e Amaral (2006), em detrimento do termo sensacionalista, apesar
de reconhecermos que tais programas ainda apresentam algumas caractersticas que o
identificam, quando do seu surgimento na imprensa escrita e televisiva, por sua tnica
grotesca, sensacionalista e a-tica. Com efeito, a despeito da polissemia que este termo evoca
1 Algumas dessas informaes, a respeito da histria do programa, foram consultadas na Wikipdia. Disponvel
em: http:// Acesso em: 17 de setembro de 2008.
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http://16
e dos inmeros debates tericos no mbito acadmico, sobretudo dos estudos culturais
(HALL, 2003; MARTIN-BARBERO, 1997), consideramos popular tais programas em funo
de se voltarem para um pblico menos privilegiado socialmente2 cuja representao, muitas
vezes, estereotipada apropriada por essas emisses.
Vale lembrar que o espetculo e a dramatizao permeiam os dispositivos miditicos,
sejam eles impressos, sejam eles audiovisuais. Em decorrncia disso, a imprensa sria ou de
referncia recorre, muitas vezes, dramatizao dos fatos como umas das suas estratgias
de captao dos sujeitos interpretantes. No obstante, o discurso de informao, pautado pela
credibilidade e captao, vive uma tenso entre os princpios da objetividade e os princpios
da seduo. Esse constitui um dos paradoxos que estruturam o discurso de informao
miditico, pois, se perder o tom, a justa medida, pode correr o risco de descambar para a
hiperbolizao do sensacional, quebrando uma das clusulas do contrato de comunicao.
No entanto, as visadas de informao e captao dos formatos televisivos populares
apresentam, a nosso ver, bem diferenciadas. O posicionamento dos sujeitos comunicantes, a
sua encenao discursiva, a sua linguagem, a intensificao dos graus de emoo sugerem
procedimentos icnico-discursivos que implicam um outro tipo de contrato de comunicao.
Por conseguinte, a maioria desses programas, voltado para o popular, tem buscado
mecanismos de captao no sentido de seduzir os sujeitos-alvos. Ou melhor, acreditamos que
tais programas buscam interpel-los por meio de procedimentos discursivos a fim de criar
vnculos e, assim, estabelecer acordos afetivo-intelectivos entre as instncias de produo e
recepo, visando aceitao de sua proposta por parte do leitor-telespectador.
Para a compreenso desse processo, os sujeitos, apresentadores dos programas,
afiguram-se de suma importncia, em virtude da influncia que exercem junto ao
telespectador-alvo. O radialista Raimundo Varela e o jornalista Jos Eduardo, cada um com
seu estilo, assumem um tom, uma imagem, um corpo, enfim, um ethos (MAINGUENEAU,
2001, 2005, 2006, 2008) de porta-voz dos excludos socialmente. O discurso dos
apresentadores ocupa a cena dos programas. So indivduos, portanto, que se valem de
estratgias discursivas para legitimar e para credibilizar a imagem de programas que se
assemelham ao povo, que esto ao lado dele, visando, com isso, fortalecer os laos com esse
pblico, buscando, consequentemente, a sua fidelizao.
2 Adotamos o critrio socioeconmico para a classificao das classes populares (categorias C e D). Tal critrioclassifica esse segmento, levando em considerao alguns indicadores, tais como a escolarizao, o acesso aosbens culturais, entre outros.
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Nesse contexto, os programas populares da mdia de Salvador, o Balano Geral e o Se
Liga Boco so pensados, organizados por sujeitos comunicantes, mediante estratgias
discursivas, que se inserem nas formas de organizao do discurso (enunciativo, narrativo,
descritivo e argumentativo), visando criar efeitos de sentidos (persuaso, seduo, incitao)
nos sujeitos interpretantes, a fim de sedimentar o contrato comunicativo entre os parceiros da
troca linguageira.
Nessa perspectiva, nosso estudo visa analisar como se processam as estratgias
discursivas desses programas populares, fundamentando-nos em alguns pressupostos da
anlise do discurso (Semiolingustica) no que concerne ao contrato de comunicao proposto
por Patrick Charaudeau (1992, 2006a, 2006b, 2008) e no que diz respeito ao ethos numa
perspectiva retrico-discursiva, adotada por Dominique Maingueneau (2001, 2005, 2006),
Amossy (2005), Egss (2005), Charaudeau (2006b).
Para tanto, buscamos identificar as formas mais recorrentes da organizao do discurso;
verificar as estratgias mais recorrentes e os seus efeitos de sentido e, alm disso, depreender
os eth dos enunciadores, com base na cenografia dos programas.
Com efeito, levantamos algumas questes, visando nortear a nossa pesquisa:
a) quais so as estratgias discursivas mais recorrentes dos programas para sua
legitimidade e credibilidade, visando captao dos sujeitos interpretantes do programa?
b) quais so os procedimentos de organizao do discurso (narrar, descrever, enunciar,
argumentar) para consolidar as estratgias discursivas dos programas?
c) como se caracteriza os ethe dos apresentadores (Raimundo Varela e Jos Eduardo)
em tais formatos, atrelados ao contrato de comunicao?
Para responder a tais questes, levantamos algumas hipteses norteadoras.
Em primeiro lugar, acreditamos, apoiados em Charaudeau (2006a, 2006b, [1983],
2008), que os programas Balano Geral e Se Liga Boco esto atrelados a um contrato de
comunicao que se assenta em um trip (entreter, emocionar e informar).
Segundo Charaudeau (2006a), a comunicao pressupe um quadro de restries e de
liberdade na troca linguageira. O reconhecimento dos parceiros das restries da situao
comunicativa sugere um acordo prvio nesse espao de referncia, o qual ele denomina
contrato de comunicao. Para tanto, os programas se valem de estratgias discursivas,
visando ao sucesso do projeto comunicativo. Para Charaudeau (2006a) todo ato de linguagem
visa a um objetivo. a finalidade uma das condies para o sucesso do projeto comunicativo.
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18
O autor caracteriza essa problemtica de influncia em quatro visadas; prescritiva (fazer
fazer), informativa (fazer saber), incitativa (fazer crer) e patmica (fazer sentir). 3
Em segundo, acreditamos que a visada prescritiva reja as trs modalidades nos
programas, pois, para que os sujeitos interpretantes possam manter laos constantes com essas
emisses, fundamental mobilizar o fazer crer, o fazer sentir e o fazer saber destes sujeitos.
Para tanto, o sujeito comunicante se vale de estratgias discursivas, configuradas em modos
de organizao do discurso (enunciativo, narrativo, descritivo e argumentativo), atrelados ao
contrato de comunicao. Assim, os sujeitos comunicantes dos programas recorrem a
narrativas dramatizadas, a comentrios argumentativos no que tange s temticas (violncia,
problemas domsticos, comportamento de polticos, denncias da populao, entre outras).
Alm disso, preciso salientar a imagem dos sujeitos enunciadores (MAINGUENEAU,
2005, 2006) em tais programas como uma das estratgias de legitimao destes. Em
consequncia disso, levantamos a hiptese de que o ethos se mostra num continuum,
conforme a cenografia dos programas.
Por ltimo, com base nessa premissa, acreditamos que, no Balano Geral, ora um
ethos de fora, de potncia que se delineia no sujeito enunciador Raimundo Varela, ora um
ethos de solidariedade. Por sua vez, no programa Se Liga Boco, o ethos do enunciador Jos
Eduardo, ora se acentua pela hiprbole daquele que grita em nome do povo, ora um ethos de
humanidade que se apresenta nesse sujeito. Tais ethe reforam as estratgias discursivas dos
programas, contribuindo para o dispositivo de influncia em relao aos sujeitos
interpretantes/ telespectadores.
Vale destacar que o interesse em pesquisar o universo miditico tem crescido nos
ltimos anos nos cursos de Ps-Graduao de Comunicao, Letras e Lingustica e outras
cincias afins, tais como a Sociologia e a Antropologia. Desse universo algumas pesquisam se
concentram, principalmente, no estudo da imprensa escrita, sob a perspectiva da anlise
semiolgica do discurso, tais como Eliseo Vern (2004), Neto (1995), Ferreira (2007), entre
outros.
Quanto mdia audiovisual, sobretudo a televiso, as pesquisas mais recentes, sob
perspectivas tericas diversas (semitica, anlise do discurso, semiologia dos discursos,
teorias da comunicao) tm-se voltado para o estudo dos formatos televisivos (programas
3 O autor denomina essa visada de pathos. A fim de mantermos o paralelismo sinttico, alteramos para patmico.
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jornalsticos, reality show, talk show, entre outros) seus discursos e suas configuraes, sua
formas de interpelao do receptor entre outros aspectos (DUARTE 2004; JOST 2004).
Os trabalhos de Frana (2006), Sodr e Paiva (2002), embora contribuam para a
compreenso dos programas populares na mdia audiovisual, focalizam suas anlises nos
estudos sociolgicos e culturais. Mendona (2002), por sua vez, a despeito de apresentar-nos
um estudo interessante sobre o papel do programa Linha Direta e suas estratgias discursivas,
o faz, baseando-se nos postulados da anlise do discurso francesa. Nesse sentido, acreditamos
que existe uma lacuna de pesquisas voltadas para os programas populares nas emissoras
baianas.
Quanto Teoria Semiolingustica, tem sido profcua as produes acadmicas (artigos,
dissertaes, teses), que a adotam como suporte de suas anlises, tais como Menezes (2006,
2007), Machado (1996, 2006, 2008), Emediato (2006, 2007), entre outros. Algumas
dissertaes e teses mais recentes, sob esse enfoque terico, buscam compreender o contrato
de comunicao em alguns gneros do discurso, tais como os classificados sexuais, Costa
(2007) e cruzadas, horscopos e quadrinhos (destaque nosso), no jornalismo impresso
(LIMA, 2008). No obstante, o estudo do contrato de comunicao com os pressupostos da
anlise semiolingustica do discurso, voltados para o audiovisual, no tem sido objeto de
muitas pesquisas acadmicas, mormente no que concerne aos programas populares na
televiso.
Por conseguinte, esta pesquisa pode contribuir, academicamente, para ampliar o
universo de pesquisa do audiovisual pela perspectiva da Semiolingustica, voltado para os
programas populares, no sentido de compreender como esses formatos se legitimam, captam o
pblico e ganham credibilidade. Alm disso, pode contribuir para a compreenso dos ethe dos
enunciadores-apresentadores, em tais programas, como um dos elementos de legitimao e
credibilidade.
Por outro lado, socialmente, este trabalho pode contribuir para entender a imagem desse
povo que sai dos guetos do cotidiano, com suas mazelas, com suas tragdias e atravessa a
mquina de Narciso. So programas que, mesmo sendo alvo de crticas por determinado
segmento, esto presentes no dia a dia da maior parte da populao baiana. Embora a proposta
de tais formatos no vise trazer uma reflexo sobre as causas das condies socioeconmicas
desta populao sofrida, nem busque trazer uma proposta de mudana social; o povo est na
televiso. Estereotipado ou no, ele se mostra com suas carncias, com suas dores, com sua
luta diria, com sua fora e com seus desejos.
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Ademais, adotamos, nesta pesquisa, uma abordagem qualitativa para a compreenso do
objeto em estudo, bem como procedimentos metodolgicos nos quais os conceitos tericos
pudessem ser ilustrados com a insero de anlises do corpus.
Urge lembrar que o Balano Geral e o Se Liga Boco, como formatos televisivos,
apresentam vrias matrias semiolgicas. Assim, na televiso, uma rede de linguagens, de
discursos, de interlocues, produzida, criando efeitos de sentidos os mais diversos. Mesmo
reconhecendo que priorizar uma linguagem em detrimento de outras pode implicar uma
reduo do objeto de estudo, tendo em vista a complexidade do processo miditico, mister
fazer recortes em virtude da exiguidade do tempo para uma dissertao de mestrado.
Cabe esclarecer que, para contextualizar nosso objeto de pesquisa, inserido no macro
dispositivo miditico, valemo-nos de autores que tm tratado desse dispositivo pelo vis
mais ideolgico. Contudo, essa escolha, de carter interdisciplinar, pauta-se por uma
discusso do sensacionalismo e de seus aspectos mais gerais. No nosso objetivo tecer
uma anlise ideolgica dos programas, mesmo que isso possa ficar inferido da escolha de
alguns tericos, dado que nosso interesse reside, principalmente, na anlise discursiva.
Todavia, houve a necessidade de buscarmos subsdios em outros tericos muitos dos quais
apresentam uma perspectiva apocalptica do processo miditico, conforme ressalta Eco
(1970). No obstante, defendemos um ponto de vista dialtico em relao s mdias. Se estas
no podem ser consideradas o pio do povo como defenderam alguns; por outro lado, no
se pode negar o poder de influncia, de captao desses meios.
Neste sentido, comungamos da opinio de Charradeau (2006a, p. 253-257) quando
defende que a mquina miditica se caracteriza por uma situao paradoxal. Ao mesmo tempo
agente manipulador e paciente manipulado. Em outras palavras: se as mdias, por um lado,
nos impem as escolhas dos acontecimentos mediante o tempo, o espao e o acidente; por
outro lado, esto submetidas a presses externas (atualidade, poder poltico e concorrncia) e
a presses internas (automanipulao miditica, resultante de suas representaes).
Sendo assim, nossa anlise concentrou-se, sobretudo, nos procedimentos lingustico-
discursivos dos apresentadores, configurados nos gneros jornalsticos, visando perceber as
estratgias mais recorrentes nos programas, inseridas nos modos de organizao do discurso,
atrelados ao contrato de comunicao (CHARAUDEAU, [1983], 2008). Por outro lado, no
intuito de compreender a enunciao visual dos formatos e dos sujeitos comunicantes
fizemos uma anlise dos seus dispositivos espao-imagticos. Para tanto, adotamos alguns
procedimentos:
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a) em primeiro lugar, fizemos a seleo e transcrio de alguns trechos dos dois
programas gravados entre janeiro e maro de 2008 e janeiro de 2009, perfazendo um total de
vinte quatro programas, dos quais selecionamos oito (quatro para o Balano Geral e quatro
para o Se Liga Boco). Buscamos selecionar matrias pelo grau de tenso e pelo grau de
engajamento dos sujeitos comunicantes em relao ao seu discurso. A maioria das emisses
se concentra numa temtica que envolve acontecimentos dramatizantes nos quais esto
presentes algumas categorias, tais como crianas, idosos, mulheres. Desta forma, adotamos
tais critrios para a seleo dos trechos dos programas, destacando os mais representativos
para nossa anlise;
b) em segundo, sistematizamos os trechos escolhidos em funo dos discursos dos
apresentadores e dos gneros jornalsticos mais recorrentes para a identificao dos modos de
organizao do discurso (enunciativo, descritivo, narrativo e argumentativo) e as estratgias
discursivas mais recorrentes nesses modos de organizao;
c) em terceiro lugar, fizemos uma anlise dos dispositivos espaciais e visuais dos
programas;
Por fim, procuramos depreender os ethe dos enunciadores dos programas, com base no
modo enunciativo de organizao discursiva, Charaudeau (1992, [1983], 2008) e com base
nas cenas da enunciao, Maingueneau (2005, 2006, 2008), pois acreditamos que o ethos
constitui uma importante estratgia discursiva de legitimao para imagem dos sujeitos
comunicantes dos programas, visando captar os sujeitos destinatrios, consolidando, assim, o
contrato comunicativo nesses programas populares.
Dessa forma, esta dissertao apresenta-se organizada: na introduo, apresentamos a
problematizao e a relevncia do objeto de pesquisa, bem como os princpios terico-
metodolgicos que a nortearam.
No primeiro captulo, apresentamos os principais conceitos para a compreenso do
jornalismo popular, inserido no dispositivo miditico, visando contextualizar nossa pesquisa,
concentrando-nos nos aspectos sociolgicos e comunicacionais deste tipo de jornalismo, tais
como: o espetculo na mdia, o sensacionalismo e suas variantes na imprensa, o melodrama, a
patemizao no discurso, entre outros.
No segundo, tecemos os principais pressupostos da Teoria Semiolingustica, discutindo
alguns conceitos, visando embasar a nossa pesquisa. Assim, apresentamos noes importantes
da teoria, tais como a semiotizao do mundo, a encenao do ato de linguagem, o contrato de
comunicao, as estratgias discursivas e os modos de organizao do discurso.
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No terceiro, discutimos o ethos como uma importante estratgia discursiva dos sujeitos-
apresentadores nessas emisses jornalsticas populares. Para isso, apresentamos uma breve
reviso deste conceito pelo prisma retrico-discursivo.
Para finalizar, apresentamos uma sntese das principais concluses a que chegamos ao
longo desta pesquisa.
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1 MDIA TELEVISIVA: UM DISPOSITIVO ESPETACULAR
As mdias no transmitem o que ocorre na realidade social, elasimpem o que constroem do espao pblico.
Charaudeau (2006a, p. 19)
A mdia televisiva tem ocupado um grande espao na dinmica social no sculo XX e
XXI, destacando-se, nesta sociedade miditica, ou melhor, midiatizada, como um dos meios
de comunicao mais influentes, em decorrncia de sua abrangncia, j que rene indivduos
e pblicos distantes, oferecendo a possibilidade de estabelecer laos entre as classes sociais
(WOLTON, 1996).
Esse dispositivo miditico afigura um meio de comunicao do visvel por excelncia.
No entanto, esse meio perpassado por outros sistemas semiticos (sons, discursos, msica,
etc.), compondo a organizao dos sentidos desse dispositivo. Ressalta Charaudeau (2006a)
que a imagem televisionada apresenta uma origem enunciativa mltipla na qual o discurso
referencial e o ficcional se imbricam. Com efeito, postula esse autor que a mdia audiovisual
pode proporcionar dois tipos de olhar: o olhar da transparncia e o olhar da opacidade. Na
verdade, a mdia opera com a iluso de transparncia e opacidade. Nesta, visa dramatizao
como um elemento da sua composio; naquela, visa desvelar o real, descobrir o outro,
subjacente aos fatos (CHARAUDEAU, 2006a, p. 112).
Wolton (1996), por sua vez, destaca que o dispositivo televisivo apresenta duas
dimenses indissociveis, complementares e simtricas: a primeira delas diz respeito
dimenso tcnica, relacionada com a imagem; a segunda, diz respeito dimenso social. Essa
dimenso social de suma importncia para entender a televiso e seus propsitos discursivos
e espetaculares, sobretudo no que concerne ao discurso jornalstico.
Sendo assim, a espetacularizao constitui uma das dimenses da mdia. O espetculo
afigura um forte componente de entretenimento. Entreter distrair, provocar prazer. O
entretenimento apresenta traos biolgicos e culturais importantes. O corpo necessita de
espaos nos quais o ldico, o relaxamento, o repouso se fazem necessrios. Culturalmente, o
entretenimento apropriado pela sociedade que inventa seus modos de divertir (CHAU,
2006). Por conseguinte, como o entretenimento constitui uma importante prtica cultural e
social, a mdia se apropria desse componente, tornando-o mercadoria e espetacularizando-o.
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Assim, o espetculo torna-se o simulacro miditico. Tragdias, guerras, ataques terroristas,
festas, por exemplo, transformam-se em entretenimento, como oferta de catarse para o
telespectador.
Assim, para Debord (1997), o espetculo gerador de alienao, porquanto uma
expanso dessa produo industrial traz, no seu bojo, a expanso econmica. Nesse sentido, o
pensamento de Debord aproxima-se do que defende Chau (2006) para a qual a cultura de
massa, no processo de devorao, de negao, apropria-se dos objetos culturais, esvaziando
seus sentidos primeiros, tornando-os objetos de consumo. Com efeito, pressupe-se no
pensamento de Debord (1997) que os sujeitos seriam passivos, alheios ao processo que
engendra esse componente, apropriado pelas mdias como uma de suas estratgias. No
entanto, vale lembrar que a instncia da recepo cada vez mais fragmentada, menos
homognea e instvel (CHARAUDEAU, 2006a).
Por conseguinte, a cultura do espetculo constitui um mecanismo que consegue seduzir
a ateno do pblico, mantendo-o fidelizado, atuando na produo de efeitos de sentidos.
Segundo Debord (1997), a espetacularizao relaciona-se muito diretamente com a imagem.
A imagem cria uma relao com o real, gera um regime de visibilidade e cria um efeito de
verdade. No entanto, notrio que esse real, mediado pelos meios de comunicao,
reconfigurado, editado, permeado pelo discurso, instncia em que os sentidos so
polissmicos, so deslizados, o que implica perceber que a relao entre o real e a mdia no
est destituda de construes socioideolgicas.
Com efeito, a cultura do espetculo vem se expandindo em vrias instncias, ganhando
corpo em vrias prticas sociais. A economia do espetculo, no qual a diverso e negcios
esto intrinsecamente atrelados, constitui um dos motores que geram grandes negcios.
Assim, por meio do entretenimento, empresas fazem circular suas marcas, suas imagens,
mediante os diversos veculos de comunicao (jornal, internet, televiso, cinema e rdio) em
que negcios e publicidade se multiplicam na forma de espetculo (PATIAS, 2006). Em
decorrncia disso, o entretenimento se torna um dos paradigmas da atualidade.
Ressalta Glaber (2000) que, com a televiso e o cinema, os limites entre a fico e
realidade se tornam cada vez mais tnues. O entretenimento se transforma, assim, em vida.
Ou seja: somos atores e expectadores do prprio espetculo, do show que se naturaliza ante
nossos olhos, constitutivo da realidade, na qual estamos mergulhados.
Se, de um lado, o entretenimento apresenta-se por uma perspectiva negativa,
necessrio salientar uma outra perspectiva em que esse componente visto como um
mecanismo que visa envolver a instncia de recepo, oferecendo-lhe momentos de distenso
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e lazer, conforme defende Marcus Lima em sua tese de doutoramento, ao analisar o contrato
de diverso do jornal Folha de So Paulo. Define esse autor o contrato de diverso como
uma oferta que o veculo faz aos leitores, especialmente os que o compram, tendo em vista
proporcionar momentos de disperso, de relaxamento (LIMA, 2008, p. 58).
1.1 JORNALISMO POPULAR: A VIOLNCIA COMO ESPETCULO
A violncia, um dos fenmenos sociais, constitui uma das marcas das sociedades
contemporneas. Esse fenmeno humano, que remonta s comunidades primitivas, vem
ganhando contornos impensveis na estrutura social. Esse fenmeno foi apropriado pela mdia
(sobretudo pela imprensa popular) que o transformou em consumo comunicacional, oferecido
ao telespectador.
Os programas jornalsticos populares de Salvador tm recorrido a matrias policias
como um dos seus carros-chefe. O Balano Geral enuncia alguma reportagem na qual a
violncia constitui o cerne e vai ser retomada com detalhes no Se Liga Boco. Gostaramos
de salientar que a nfase na violncia, ocupando a maior parte do horrio de ambos os
programas, acentuou-se a partir de fevereiro de 2009, em funo do concorrente direto no
horrio, o programa Na Mira apresentado por Oziel, ex-reprter do Se Liga Boco.
Nesse programa, a nfase recai sobre as misrias humanas, sobre o morto e suas
vsceras redundantemente mostradas no horrio do almoo, corpos sendo alvejados
explicitamente mostrados sem nenhuma preocupao tica (FONTES, 2009). Com efeito,
pautada nessa mesma linha, o programa do Boco passou a adotar como norte a exposio da
violncia nas suas variveis mais radicais.
Vale lembrar que, nos programas do gnero, necessrio no s informar,
imprescindvel captar o telespectador pela riqueza de detalhes, pela repetio das imagens,
pelas entrevistas ao agressor ou a vtimas, buscando a exposio desses personagens o maior
tempo possvel na tela.
Como essa exposio de imagens chocantes tem sido uma das tnicas desses
programas, cabe uma reflexo: at que ponto a exposio do chocante, do grotesco (no
regenerador), da dor, enfim, da violncia pode esgotar a nossa capacidade de reao diante de
tais imagens? possvel que o choque diante delas possa perder sua fora, tornando-as
familiar. Desta forma, como determinadas pessoas se habituam ao horror da vida real,
tambm podem habituar-se em relao ao horror de determinadas imagens (SONTAG, 2003).
Assim, a repetio contnua da violncia vai se transformando em espetculo, amortizando,
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muitas vezes, a nossa indignao, o que pode contribuir no sentido de banalizar a violncia
(PATIAS, 2006).
Os apresentadores, por sua vez, colocam-se como defensores da justia, posicionando-
se ao lado da polcia, no papel de contribuidores da sociedade. Tais sujeitos comunicantes se
defendem das possveis crticas aos programas, baseando-se numa proposio que constitui
um dos bordes dessas emisses: mostrar a realidade. Subjacente a tal proposio,
possvel inferir que, mostrar o universo decadente da sociedade, caberia aos programas e a
seus representantes. Todavia, o questionamento pblico mais consequente se perde na
mercantilizao da prpria violncia, produzida na forma de espetculo.
1.2 JORNALISMO POPULAR: O SENSACIONAL COMO ATRAO
O jornalismo popular, tambm rotulado de sensacionalista, identificado como um tipo
de imprensa que se apropria de elementos populares historicamente destinados aos segmentos
menos favorecidos da populao e que se define pela sua proximidade e empatia com o
pblico-alvo (AMARAL, 2006, p. 16). Para a compreenso deste rtulo, vamos apresentar
uma breve histria desta lexia e suas principais caractersticas, baseando-nos em Angrimani
(1995), Amaral (2006), Martin-Barbero e Awad (1995).
De acordo com Martin-Barbero (1997), a explicao do surgimento dos jornais
sensacionalistas tanto nos Estados Unidos quanto na Europa decorreu do desenvolvimento
tecnolgico de impresso e da concorrncia entre as grandes empresas jornalsticas. Esse
autor ressalta que os estudos de Sunkel apontam para uma perspectiva diferente desse
fenmeno. Para ele, desde a segunda metade do sculo XIX, houve uma proliferao de
publicaes populares nas quais se mesclavam o potico narrativa popular. No Brasil,
destaca-se a Literatura de Cordel.
Segundo Angrimani (1995), os primeiros jornais franceses (Gazzette de France e
Nouvelles Ordinaires) surgidos entre 1560 e 1631 j apresentavam caractersticas
sensacionalistas semelhantes s atuais, com grande sucesso diante do pblico. No sculo XIX,
em 1836, inaugura-se a imprensa popular francesa com o La Presse e Le Sicle com os
folhetins sensacionalistas. Nos Estados Unidos, ressaltam os jornais Publick Occurrences
(1690), o New Yorq Sun (1833) vendido a um pen (centavo) voltava-se para os mecnicos e as
massas em geral. Dessa maneira, o Sun buscava informaes relacionadas ao cotidiano de
pessoas comuns, aos seus dramas. Direcionava, portanto, a episdios sensacionais a fim de
captar a ateno do pblico. Esse tipo de jornalismo vai se destacar nos Estados Unidos com o
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New York World (Joseph Pulitzer) e o Morning Journal (William Randolph Hearst). Esses
jornais apresentavam informaes distorcidas, publicavam notcias sem relevncia,
promoviam sorteios, misturavam assistncia social com produo de histrias. Utilizavam-se
de recursos sensacionalistas para a expanso comercial, gerando, com efeito, uma guerra entre
os jornais.
Conforme Amaral (2006), o termo sensacionalista se relaciona com o movimento de
Hearst e Pulitzer, nos Estados Unidos, no final do sculo XIX. No Brasil, so os folhetins que
vo introduzir os primeiros elementos sensacionalistas a partir de 1840.
Ciro Marcondes Filho (1989), citado por Amaral, defende que o processo
sensacionalista se localiza no mbito do lazer em oposio ao universo do trabalho.
necessrio sensacionalizar a informao para vender mais jornal. A distino entre a imprensa
de referncia ou sria em relao imprensa sensacionalista reside na intensidade da
mercantilizao da informao. Ressalta Amaral algumas caractersticas que configuram o
sensacionalismo entre as quais destacamos: valorizao da emoo, explorao do sofrimento
alheio, o denuncismo, banalizao da violncia, invaso de privacidade de pessoas,
principalmente do segmento social menos privilegiado (AMARAL, 2006, p. 21).
Essa autora, em sua pesquisa, adota a lexia popular em detrimento da lexia
sensacionalista, atribuda a esse tipo de imprensa. Isso porque considera uma tendncia de
alguns jornais em aproximar-se de outro modo dos leitores, sem recorrer, prioritariamente, a
coberturas sanguinolentas. Esclarece que a lexia popular no tem o sentido de contra-
hegemnico, mas esse tipo de imprensa se define pela proximidade e empatia, estabelecidas
com o pblico-alvo. Com efeito, enumera alguns equvocos de que alvo esse tipo de
jornalismo:
a) o primeiro equvoco concerne ideia de que os jornais destinados s classes
populares revelam to somente o mau-gosto. Salienta que o discurso informativo se apropria
das caractersticas culturais de seus leitores para atingir o seu pblico. Esclarece, porm, que
preciso manter uma postura crtica em relao a esses produtos. No obstante, preciso
considerar o universo do leitor ou do telespectador desse tipo de produto jornalstico sem um
olhar preconceituoso.
b) o segundo equvoco diz respeito aos produtos populares serem considerados
distoro, o que est subjacente uma concepo purista da atividade jornalstica, em que a
emoo e narrao seriam descartadas dessa atividade.
c) o ltimo equvoco concerne aos jornais populares serem tachados de simples
mercadorias. Para ela, essa assertiva constitui um reducionismo, dado que todos os jornais so
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mercadorias, todos precisam atender lgica mercadolgica, em virtude da sobrevivncia
econmica. Alm disso, pontua que os interesses econmicos representam uma das faces do
fenmeno. necessrio ressaltar que os jornais so produtos discursivos, produtores de
significaes, de sentidos e, em certa medida, todos os jornais apresentem um componente
sensacionalista em sua organizao.
Portanto, ao postular que o sensacionalismo abrange diversas estratgias, defende que
pouco produtivo relacion-las a um nico conceito. Destaca que os produtos jornalsticos
populares no se restringem mais produo de matrias policialescas, num estilo espreme
que sai sangue quando do surgimento dessa caracterstica na imprensa brasileira.
Sem dvida, inegvel que a imprensa voltada para este segmento mudou bastante
desde o seu surgimento, sobretudo na mdia impressa e mdia televisiva aqui no Brasil. Sodr
e Paiva (2002) relacionam esse fenmeno discusso do grotesco desde seu surgimento at a
sua reproduo nas diversas instncia sociais: literatura, mdia impressa, televiso e rdio. A
despeito disso, o sensacionalismo continua existindo, sobretudo no que concerne
hiperbolizao dos relatos, na ruptura da normalidade, na intensificao do conflito, na
dramatizao da violncia (AWAD, 1995).
Sodr e Paiva (2002) relacionam esse fenmeno estesia grotesca por meio da qual
analisa a programao da televiso internacional e nacional a partir de 1960. Esses autores
retomam o conceito de realismo grotesco a partir do qual essa programao se caracterizaria
por um ethos da praa pblica, sentido trabalhado por Bakhtin ([1965], 2008) na qual
as expresses diversificadas da cultura popular (melodramas, festa de largo, danas,circo) ou a um lugar de manifestao do esprito dos bairros de uma cidade, comsuas pequenas alegrias e violncias, grosserias e ditos sarcsticos, onde a exibiodos altos cones da cultura nacional confronta-se com o que diz respeito ao vulgar oubaixo [...] (SODR; PAIVA, 2002, p. 106).
O realismo grotesco, para Bakhtin ([1965], 2008), apresenta alguns traos que o
caracterizam, tais como o carter carnavalizador, marcado pela ambiguidade, pela
hibridizao. Ou seja, pelo deslocamento de lugares, pelo rebaixamento, pelo riso popular
ligado ao baixo corporal e material, pela subverso, pelo carter regenerador. Por outro lado,
mesmo apresentando algumas semelhanas com o grotesco bakhtiniano, em Sodr e Paiva
(2002) este visto, na programao televisiva, como pura degradao, caracterizado pelo
escatolgico, pelo teratolgico, pelo chocante e pelo riso cruel
Deslocando tais pressupostos para os programas jornalsticos analisados, observamos
que muitos aspectos do grotesco esto presentes nesses programas. Mas que grotesco os
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caracteriza? Seria um grotesco carnavalizador proposto por Bakhtin ([1965], 2008) ou um
grotesco proposto por Sodr e Paiva (2002)? No se pode ignorar que as marcas de um
grotesco apontadas por esses autores se configuram em muitos aspectos dos programas,
sobretudo no tratamento dado violncia, como argumentamos anteriormente. Ou seja, um
grotesco, marcado pelo teratolgico, pela exposio do baixo corporal, no qual o corpo
exposto no para subverter, no para provocar rupturas ou deslocamentos, mas sim para
chocar, para provocar determinadas emoes no telespectador.
Essa configurao grotesca predomina, substancialmente, no programa Se Liga Boco
e, com menor intensidade, no programa Balano Geral. A matria do dia 21/01/2009 gerou
inmeros protestos de muitos cidados (A TARDE, 1/02/2009) no que concerne exposio
de imagens, envolvendo uma criana. Tratou-se de imagens nas quais eram explicitamente
mostradas cenas que envolviam uma criana, mantendo relaes sexuais com uma mulher
adulta.
De incio, os componentes do espetculo, da sensacionalizao do acontecimento, da
dramatizao deste constituem a mise en scne da perfomance do jornalista apresentador Jos
Eduardo. Com efeito, ele prepara, como habitual, o telespectador para a matria em questo:
(1) Ateno, no desligue sua televiso. So imagens pesadas. Peo que o Senhorpreste ateno, senador Magno Malta. E essa a com o filho de cinco anos. Tire o seu filhoagora. Essa descarada tem 50 anos. Olha o que ela faz com o filho. Tire, tire isso a. Mas aminha vontade estar com essa vagabunda cara a cara. Eu estou espantado, assustado. Eununca vi isso. pra chamar ateno da sociedade.
As imagens so redundantemente exibidas em torno de cinco vezes, ora em movimento,
ora frisada, ora congelada. Cerca de 20 min do programa so destinados matria na qual este
sujeito constri uma encenao, caracterizada pelas avaliaes axiolgicas, como j
ilustramos neste trabalho, ao tratarmos do modo de organizao descritivo.
Por outro lado, ao dar a voz ao senador Magno Malta, presidente da CPI (Comisso
Parlamentar de Inqurito) da pedofilia, corroborando a importncia do programa em
denunciar esse tipo de prtica, o apresentador-comunicador recorre a uma figura poltica para
fortalecer o papel desse jornalismo em ajudar a sociedade na denncia dessa prtica. Esse
posicionamento se confirma na defesa da emissora, diante da sairavada de crticas que esse
tipo de exposio grotesca promove. Assim se posiciona a emissora em um dos trechos do e-
mail (disponibilizado em A TARDE, no caderno revista da TV, em 1/02/2009):
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Referente s imagens exibidas em nossa programao durante o programa Se ligaBoco, no dia 21/01/2009, comunicamos que a inteno da emissora, mesmo sabendo que asimagens exibidas poderiam ferir ao telespectador, foi alertar os poderes pblicos e asociedade.
Por conseguinte, se tais aspectos do grotesco proposto por Sodr e Paiva (2002) esto
presentes nos programas, no se pode negar que h presena de um grotesco hbrido nesses
formatos. Isso significa dizer que o homem ordinrio, do qual nos fala Certeau (1994),
apresenta possibilidades de interveno, por meio das quais expem os desequilbrios da
sociedade, o que pode gerar fraturas na sua representao em tais emisses. Como ponto de
partida, selecionamos o quadro O Povo na Praa dos programas. Em funo de
caractersticas semelhantes desse quadro em ambos os programas, selecionamos o quadro do
Balano Geral exibido em 10/01/2009.
Neste quadro, o povo se apresenta numa espcie de feira livre para reivindicar,
protestar, danar e cantar. apresentado por um reprter que entrevista pessoas na Praa da
Piedade. Ao lado desse cenrio natural, h outro improvisado, no qual as pessoas podem
expressar as suas inquietaes, queixas e desejos. Trata-se de um palco improvisado, com um
megamicrofone. As pessoas so mostradas com baldes, vassouras e panelas. O srio e o
cmico, paradoxalmente, permeiam o quadro. Em outras palavras, os protestos, as
reivindicaes, os apelos se misturam aos talentos artsticos dos indivduos num processo
de carnavalizao.
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Figura 1. Cena do quadro O Povo na Praa.
Na abertura, o comunicador Raimundo Varela concede a palavra ao reprter Adelson:
(2) Adelson, bota esse povo para falar. Vamos mostrar a favela. A piedade virou favela.
Tem secretaria de ao social? Este se vale de alguns bordes que constituem uma das
marcas desse quadro:
(3) Aqui a presso sobe. Aqui o chumbo grosso. Essa a praa de alta presso. Essa a praa do povo, a praa do protesto.
Esse profissional corrobora uma das estratgias dos programas populares que consiste
na utilizao de uma linguagem coloquial, visando a uma relao mais prxima com o pblico
alvo. Assim, a utilizao de itens lexicais, reveladores de atitudes emocionais do reprter
constitui uma das mximas desse tipo de jornalismo.
O concerto polifnico apresenta-se por meio de vozes individuais e sociais que
permeiam a construo desse quadro do programa. Vejamos alguns depoimentos:
Depoimento dos trabalhadores da Coelba:
(4) Os trabalhadores esto perdendo energia. No querem conversar. Estamosprotestando contra os acionistas majoritrios da Coelba.
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Figura 2. Imagem do trabalhador da Coelba.
Depoimento de uma senhora que foi assaltada na Praa da Piedade:
(5) A cidade est abandonada, cad o prefeito?
(6) Aqui os pombos trabalham mais que a polcia (comentrio do reprter Adelson).
Depoimento de um morador do Bonfim:
(7) Varela, esto acabando com a lavagem do Bonfim.
Os protestos focalizam, sobretudo, o poder pblico, representado pelos governantes.
Um dos cidados protesta em relao ao abandono da prefeitura em relao ao bairro de So
Tom de Paripe; outro reclama contra o abandono dos deficientes mentais:
(8) A cidade est largada. O deficiente mental no tem lugar para ser internado.
Alguns depoimentos manifestam pedidos para resoluo de problemas individuais.
Assim, uma senhora solicita socorro para uma cidad que est morrendo mngua no bairro
de Lobato, subrbio de Salvador, sem receber nenhum apoio familiar e pblico; outro
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depoimento consiste no apelo de um pai em relao ao sumio de sua filha, uma garota surda-
muda de nove anos.
Em suma, a partir de uma perspectiva da televiso feira livre, que esse espao
engendra, os participantes so convidados a exporem seus anseios, suas queixas, enfim, suas
reivindicaes, ao tempo em que so chamados a perfomarem, no palco, suas figuras
retratadas de modo cmico e grotesco. So rostos massacrados pela dor social, pelo riso a que
so expostos.
Contudo, no se pode negar que, em certos momentos dos programas, a imagem
grotesca construda desses sujeitos pode sofrer certas fraturas, apresentando um carter
hbrido. Esse carter ambivalente nos remeteria a um grotesco regenerador bakthiniano no
qual haveria mudanas de lugares. Na verdade, o hbrido se apresenta como uma mistura que
no consegue mudar os lugares desses sujeitos. No obstante, se este grotesco no regenera,
apresenta-se como uma forma que desestabiliza (ALMEIDA, 2006).
Desse modo, os tipos populares, ainda que sorrateiramente, expem sua voz, seu corpo,
sua alegria e sua dor. Embora essa dor seja pasteurizada pela televiso, a apario desses
sujeitos, no espelho miditico, constitui em si uma forma de denncia.
Para alm dos aspectos sensacionalistas, grotescos que tais produtos jornalsticos
apresentam, necessrio destacar um significado complementar, conforme defende
(FRANA, 2006, p. 148): Essa TV popular incomoda por muitas razes e entre elas,
porque ela fala da misria e da carncia; porque ela expe - de forma cnica, sarcstica, mas
tambm pungente - a dor do outro.
1.3 JORNALISMO POPULAR: A INFLUNCIA DO MELODRAMA E DO FOLHETIM
Martin-Barbero (1997) diz que o espetculo popular vai ser denominado em 1769,
sobretudo na Frana e na Inglaterra de melodrama. Esse gnero se relaciona com as formas de
espetculo de feira e com a temtica das narrativas oriundos da literatura oral (contos de
medo, de mistrio).
Esse autor postula que a entrada do povo na cena est relacionada Revoluo
Francesa, visto que as paixes polticas despertadas, bem como os dramas vividos, durante a
revoluo, intensificaram a sensibilidade das massas que se permitiam encenar suas emoes.
Neste contexto, destaca-se o espao no qual o povo ganha visibilidade: ruas, praas e
montanhas. Assim, o melodrama surge como uma forma de espetculo no qual o povo pode
se ver representado. Em virtude de ser um gnero que, no seu nascedouro, no buscava a
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linguagem verbal nas cenas, o melodrama acentua as aes e as grandes paixes. Assim, o
espetculo se destaca pelos aspectos visuais e sonoros. A msica exerce o papel como
coadjuvante da encenao. Ela vai funcionar como um componente demarcador entre os
momentos srios, formais, caracterizados por um maior grau de tenso e os momentos
cmicos, marcados por um maior grau de relaxamento.
O melodrama, por outro lado, vai se transformar em folhetim na segunda metade do
sculo XIX. Para Amaral (2006, p. 74), o folhetim afigura o elemento-chave da
industrializao da imprensa na Europa, por constituir-se no primeiro texto escrito no formato
popular de massa e por ter concedido o status de personagens s classes trabalhadoras. Entre
as suas principais caractersticas destacam-se: viso maniquesta dos personagens,
superexposio, suspense, redundncia, crtica direta e indireta aos problemas sociais,
linguagem acessvel entre outros (AMARAL, 2006).
Em sua fase inicial, o folhetim chamado romntico tinha como matria-prima o
cotidiano, focalizando, sobretudo, os segmentos populares at ento marginalizados. Vale
destacar que, nessa fase, os autores, em sua maioria, originavam-se das camadas sociais
menos privilegiadas, conhecedores do fascnio que o universo dessas camadas exercia sobre a
populao.
Sustenta (SOUZA, 2003) a importncia do folhetim pelo seu carter transgressor, visto
que este pe em cena a polifonia de vrios registros sociais que circulavam no espao social.
Em outras palavras, o folhetim, quebra com o bom gosto e a verossimilhana, bem como
elabora contratos de produo e recepo diferenciados em decorrncia da novidade dos
temas e pela maneira como tais registros se imbricam, no enfrentamento ou na provocao de
suas representaes. Esse carter transgressivo continua orientando as frmulas modernas da
fico folhetinesca (SOUZA, 2003, p. 26).
Em decorrncia disso, o melodrama e o folhetim so apropriados pelos meios de
comunicao de massa, sintonizados com a lgica do consumo. Assim, jornais, revistas,
novelas refletem, muitas vezes, uma viso de mundo na qual este governado por valores
individuais, morais e emocionais. Embora tais gneros no se encontrem hoje em sua forma
original, seus componentes esto a presentes, mormente no jornalismo popular em que tais
componentes so hiperbolizados. Desta forma, parece predominar, neste segmento da
imprensa, aquilo que Martin-Barbero (1997) denominou a retrica dos excessos. A
encenao exagerada, os efeitos visuais e sonoros so intensificados, os sentimentos so
explorados, exigindo uma resposta do pblico, mediante risos, choro e repulsa.
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1.3.1 Faits-divers: o folhetim moderno
O faits-divers (fatos diversos) concerne matria jornalstica na qual o campo de
conhecimento, em princpio, no est relacionado s esferas da poltica, da economia, das
artes (LAGE, 2003). Esse autor esclarece que a informao, por ser um acontecimento
histrico, faz parte da narrativa. Assim, os eventos polticos, econmicos, culturais
apresentam-se interligados, o que pode acarretar certos desdobramentos. Por outro lado, no
faits-divers no depende de nada exterior. So relatos inconsequentes que surgem da
normalidade do dia a dia. Esse aspecto do jornalismo popular constitui uma das frmulas na
qual se baseia esse tipo de imprensa. O faits-divers apoia-se em um procedimento
denominado cmulo que consiste na contradio radical entre o que se espera e o que
acontece (LAGE, 2003, p. 47). Assim, exemplifica Lage (2003) que a morte de 500 mil
crianas em virtude da fome menos impactante do que a morte de 50 crianas mortas no
incndio de um circo. Isso porque o acontecimento imediato, instantneo, ao mesmo tempo
em que a tragdia marcada pela expectativa de divertimento que atraiu os meninos.
Assim, no bojo do faits-divers, residem elementos retricos antes mesmo do surgimento
da atividade jornalstica. Esto presentes, pois, em sua estrutura o cmulo (figura da tragdia
grega) e a anttese. Para Laje (2003), essa figura sustenta historicamente a reproduo de seus
esteretipos4. A utilizao da anttese como estratgia consiste em dar a informao
incompleta ou angustiante que se esclarecer logo em seguida. Supe-se que o carter
surpreendente lever o leitor, o ouvinte ou o espectador a desvendar o enigma e recompor o
equilbrio da narrativa.
Para Barthes (1971), o faits-divers visa interpelar o telespectador mediante os tentculos
da emoo. Ele vai categoriz-lo em duas modalidades bsicas: causalidade e a coincidncia.
Na modalidade de causalidade, a estruturao de uma situao conflitiva, que visa
interpelao e ao reconhecimento do sujeito, ocorre mais em funo da forma como se
enuncia do que em funo do dito. Com efeito, o sujeito interpelado atravessado por sua
condio conflitiva, reconhecendo-se, portanto, na factualidade, trazida pelo faits-divers.
Neste processo, pontua Barthes (1971), o sujeito interpelado, ao se reconhecer, vivencia o que
est do lado externo. Esse processo caracterizado pela identificao projetiva, por meio da
qual a catarse ensejada.
4 Os esteretipos sero tratados no terceiro captulo desta dissertao.
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Alm disso, nesse tipo de modalidade, enfatizam-se os agentes do conflito, nos papis
de vtima ou de ru. A dramaticidade envolve, sobretudo, mes, crianas e idosos, porque tais
personagens, alm de representarem os diversos ciclos da existncia humana, simbolizam a
fragilidade e a pureza. Constata-se que no faits-divers de causalidade, a dimenso histrica
esquecida, o conflito se perde nele mesmo, o cdigo assumido se centra na dimenso da
emocionalidade.
Por sua vez, a modalidade de coincidncia manifesta-se por meio da repetio e da
anttese. Essa modalidade consiste, para o autor, em despir o homem da sua responsabilidade
histrica. A irresponsabilidade o conforta, eximindo-o de certas culpas, transferindo-as para a
noo de fatalidade. A repetio, portanto, como categoria dessa modalidade, instaura a
onipresena da factualidade.
Nesse sentido, possvel caracterizar os programas populares (Balano Geral e Se
Liga Boco) pelas modalidades postuladas por Barthes, sobretudo no Se Liga Boco.
Para exemplificarmos, vamos retomar duas reportagens j apresentadas na seo 1.6.1
do Se Liga Boco por se tratar de matrias nas quais as principais vtimas so crianas.
preciso destacar que tais reportagens ocuparam aproximadamente 50% do programa. J na
abertura, a encenao toma corpo do animador-enunciador. Uma identidade discursiva
estereotipada parece estar atrelada a esse sujeito enunciador. O espetculo engendrado,
visando criar uma expectativa no telespectador. Como a primeira matria envolve o estupro
de uma criana, comportamento condenvel pela sociedade, o apresentador cria o cenrio para
a retrica do excesso:
(9) Para o que voc est fazendo agora. Afaste sua poltrona. Tire as crianas da sala. brincadeira o que eu vou mostrar. Isso pra mim coisa do demo. O programa de hoje tpesado. E o pior ela pegou uma doena venrea.
Assim, o carter dramtico do acontecimento afigura-se hiperbolizado pelo modo de
enunciao do sujeito apresentador que encena sua indignao ante o ato cometido. Vale
salientar o agente da ao cometida. Trata-se da figura do av que mobiliza aspectos afetivos
no universo de crena das pessoas por ser um importante integrante do seio familiar. No
entanto, tal ao vai de encontro aos imaginrios sociodiscursivos (saberes de crenas) dos
indivduos. Desta forma, o sujeito apresentador se baseia nas representaes socias do que
seja uma famlia, podendo mobilizar a empatia do telespectador. Por conseguinte, o efeito do
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real, evocado pelas cenas mostradas, visa mant-lo o telespectador atento ao acontecimento
narrado.
A segunda matria, que tambm envolve uma criana, vai ocupar uma boa parte do
programa. Agora no se trata de mais de fato relacionado a um estupro. Trata-se de uma
tentativa de aborto provocado, fato condenado por lei, mas que tem sido uma prtica
frequente entre muitas mulheres, sobretudo jovens e adolescentes de baixa renda. O
apresentador focaliza a sua ateno para trs agentes envolvidos no acontecimento: a me
biolgica, que tentou o aborto, mas no obteve xito, gerando uma criana com m formao;
a me que adotou esta criana, apesar dos problemas fsicos e neurolgicos decorrentes da
tentativa de aborto e a prpria criana, vtima de tal ao.
A espetacularizao do fato, nesta reportagem, ganha contornos de dramaticidade.
Constitui o drama de uma criana carente que necessita de toda sorte de ajuda, seja
psicolgica, seja econmica. O sujeito animador-apresentador Jos Eduardo encena um
cenrio no qual as emoes afloram:
(10) Eu chego a ficar emocionado. E me d vontade de chorar. Eu me sensibilizo, souapaixonado por criana, tenho filhos e sobrinhos e eu sei o que o sofrimento.
A avaliao do comportamento tanto da me biolgica quanto da me adotiva
realizada pelo sujeito, eivado de juzos de valores, expressos por categorias axiolgicas:
(11) Essa mulher uma guerreira, pegou de uma me desnaturada, essa segura a
onda.
O sujeito enunciador procura interpelar o telespectador por meio desse cenrio no qual
a carga dramtica incide sobre a situao de uma criana, vtima de uma tentativa de
abortamento:
(12) A eu vejo as pessoas reclamando da vida. A eu vejo a situao de Vitria. Elano anda, no fala. Isso que sofrimento.
A repetio das cenas, enfatizadas em grande parte do programa, busca uma resposta
emptica, uma resposta emocional do telespectador. O que se percebe que a escolha de
notcias que envolvam crianas como vtimas da crueldade, cujos agentes estejam ligados,
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sobretudo, ao grupo familiar constitui estratgias que vo sedimentar a espetacularizao e a
dramatizao neste programa.
Barthes sustenta (1971) que o faits-divers apresenta consumo imediato, no transcende
o seu prprio territrio, prende-se instncia da enunciao. Com efeito, o fait-divers liga-se
ao aspecto sensacionalista, seja pela causalidade, seja pela coincidncia, interpelando o sujeito
interpretante pela emoo. Em sua estrutura, a noo de conflito pode oportunizar a
identificao projetiva e, em consequncia, a catarse.
Convm salientar que a identificao projetiva de que fala Barthes (1970) est
diretamente relacionada com a projeo emptica do sujeito interpretante telespectador. Esse
efeito busca mobilizar a afetividade do sujeito mediante o efeito do real, por meio de
elementos que remetem ao universo de crenas, de valores, da realidade prxima dos sujeitos
telespectadores.
Boal destaca (1980) que a empatia consiste numa relao emocional entre o personagem
e o espectador. Essa empatia constitui-se de algumas paixes como a piedade, terror, amor,
ternura, desejo sexual. Destaca esse autor que a empatia liga-se ao ethos em relao ao do
personagem. Com efeito, a empatia fusiona-se numa relao sujeito-pblico e sujeito-
personagem, mobilizada pelas paixes (HERNANDES, 2006).
1.4 PATEMIZAO NO JORNALISMO POPULAR: A ESTRATGIA DE CAPTAO
Charaudeau (2000) prope uma srie de reflexes no que concerne ao estudo das
emoes no discurso. Esse pesquisador fez uma tentativa de categorizao com base em
procedimentos da encenao televisiva os quais denominou tpicas do pathos. No
retomaremos essas categorias postuladas por esse pesquisador, mas alguns pontos importantes
do seu artigo no sentido de analisar o afeto, a paixo, o sentimento, enfim o pathos, como
uma das estratgias dos programas populares.
Como ponto de partida, para tecer suas anlises, vale-se das contribuies da Psicologia
e da Sociologia. Na Psicologia, as emoes so tratadas como um componente, concernente
ao comportamento do indivduo, oriundo de causas psquicas, emotivas e fsicas. Na
Sociologia, por outro lado, as emoes so percebidas como elementos que contribuem para
ajudar o sujeito no jogo social. Esse autor se apropria de algumas contribuies desses dois
ramos das Cincias Humanas, contudo o faz da perspectiva discursiva, ressaltando que os
estudos desses dois ramos esto direcionados para o estudo da recepo, o que implica medir
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as emoes sentidas e compreender as respostas do comportamento humano nos espaos
sociais.
Desta forma, apresenta algumas hipteses no que concerne ao estudo dos efeitos
patmicos. Para ele, as emoes se inscrevem no espao da troca comunicativa, no quadro de
uma intencionalidade. Para tanto, o sujeito falante a fim de tocar o outro recorre a estratgias
discursivas no sentido de capt-lo ou lhe causar medo (CHARAUDEAU, 2007).
Por outro lado, as emoes se inserem nos saberes de crena que diz respeito aos
valores relativos a cada indivduo, atrelados a determinados princpios, a normas sociais,
psicolgicas e morais. Por conseguinte, as emoes esto relacionadas com as representaes
psicossociais. Isso significa dizer que estas se configuram da relao sujeito e mundo, tendo
em vista se basearem em crenas, em estados mentais intencionais. Essa relao sujeito e
mundo o constitui na condio de um ser social e individual.
Ressalta que a emoo relativa, pois a inteno de emocionar no garante que isso de
fato vai acontecer. fundamental que o analista do discurso leve em considerao uma srie
de fatores mediante os quais o universo patmico possa ser mais bem compreendido
(CHARAUDEAU, 2000). Assim, os efeitos de sentido direcionados instncia da recepo
dependero do contexto sociocultural, do contrato comunicativo, dos saberes de crena, das
disposies afetivas dos interlocutores entre outros. Resta lembrar que a patemizao
discursiva est atrelada a um dos componentes do contrato mditico que concerne ao fazer
sentir.
Ao tratarmos do jornalismo popular, como uma das dimenses miditicas, vale lembrar
que o componente patmico constitui uma das estratgias desse discurso. Ressalte-se, alm
disso, que, neste tipo de jornalismo, os efeitos patmicos apresentam-se num grau crescente
de tenso e intensificao, configurando-se em um dos aspectos do espetculo e da
dramatizao. Nesse sentido, podemos postular algumas mximas para o discurso jornalstico
no que tange aos efeitos patmicos, de acordo com o que defende Neto (2006, p. 183-184).
A primeira mxima desse discurso caracteriza-se pelo orador mostrar-se emocionado, o
que pode provocar determinados efeitos emocionais na instncia da recepo. Essa premissa
est atrelada a um ethos emotivo5. Vale lembrar, com j ressaltou Charaudeau (2006b), que o
ethos emocionado (destaque nosso) no garante que os efeitos pretendidos pelo orador sejam
efetivamente sentidos pelo auditrio. Assim, mostrar-se revoltado, indignado diante de
5 O ethos emotivo ser por ns abordado no terceiro captulo, quando tratarmos do ethos como estratgia delegitimao dos enunciadores.
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determinados acontecimentos, no garante que tais emoes sejam desencadeadas na instncia
receptora.
A segunda mxima diz respeito exposio de objetos ou imagens que podem
desencadear determinadas emoes. Por exemplo, arma de fogo, punhal do assassino, pessoas
sofrendo, chorando, etc. constituem uma das estratgias para provocar determinadas emoes
no pblico. Esse princpio coaduna-se com o que postula Perelmam e Olbrechts-Tyteca
(1996) para os quais:
para criar a emoo, indispensvel a especificao. As noes gerais, os esquemasabstratos no atuam muito sobre a imaginao. [...] Quanto mais especiais os termos,mais viva a imagem que evocam, quanto mais gerais elas so, mais fraca ela . [...]O termo concreto aumenta a presena (PERELMAM; OLBRECHTS-TYTECA,1996, p. 166-167).
Por fim, a terceira mxima, que norteia os programas populares, concerne descrio de
fatos emocionantes que tendem a exasperar os fatos indignos, cruis, odiosos (NETO, 2006,
p. 183). Para esse autor, a mdia busca comover o pblico com base na encenao assim como
acontece na tragdia grega. Vale salientar que os efeitos patmicos, buscados pela instncia
miditica, no esto atrelados to somente a emoes disfricas (medo, raiva, indignao,
revolta entre outras), mas a emoes eufricas (satisfao, desejo, esperana, alegria entre
outras). Enfim, cada vez mais o discurso jornalstico busca mobilizar a afetividade do pblico,
buscando a adeso deste por meio de uma projeo emptica, uma das principais clusulas do
contrato de comunicao miditico.
Com efeito, para exemplificar o que afirmamos, selecionamos uma matria jornalstica
na qual o componente emocional patente. A patemizao, em muitas emisses do Se Liga
Boco, afigura o cerne das reportagens. Escolhemos o programa, gravado em 21/01/2009, em
virtude de serem exploradas as emoes disfricas e eufricas e cuja narrativa folhetinesca
constitui um dos aspectos do jornalismo popular.
A matria jornalstica, em questo, se refere priso de Antnio Carlos dos Santos,
conhecido como o Julio, preso em casa, portando 150 g de maconha. A narrativa se estrutura
de unidade dramtica, composta de uma situao inicial, complicao e resoluo cujo
componente emocional gradativamente intensificado. Toda a organizao narrativa orienta-
se para uma ao sobre o mundo. Essa unidade dramtica semelhante adotada por muitos
semioticistas entre os quais Greimas e Courts (1993), Bremond (1973). Essa trade,
composta por um estado inicial, um estado de atualizao, um estado final est atrelado ao
princpio de intencionalidade da organizao narrativa (CHARAUDEAU, [1983], 2008).
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Inicialmente, temos um personagem, o Joo Carlos, homem simples, cerca de 50 anos
que se torna o protagonista desta trama. No estado inicial, esse sujeito identificado pela
falta. Essa falta est atrelada, concomitantemente, ao estado de dependncia da droga e ao
afastamento da famlia. Esse personagem, a partir de sua priso, mostra-se voltado para uma
outra busca: a busca de reparao do seu erro social. O personagem diz: a gente erra e tem
que pagar pelo erro. A emoo explicita-se pelo arrependimento deste cidado que, ante as
cmeras, revela a sua disposio para a mudana. O perdo, componente emocional
importante, solicitado no para a sociedade, mas para o jornalista animador. ele que pode
ajudar o personagem nessa nova busca.
O folhetim continua numa dramaticidade crescente. O cenrio se desloca da delegacia
para a Praa do Povo. L se encontra um outro personagem, a filha de Joo, que apela ao Jos
Eduardo para que ajude o pai dela. Fortemente emocionada, a menina chora copiosamente,
revelando o seu afeto pelo pai: eu te peo eu e meus irmos estamos passando fome. Jos
Eduardo interpela a menina sobre o fato do pai dela ser traficante. Ela contra-argumenta,
valendo-se de argumentos relacionados com o comportamento afetivo do pai:
(13) Ele um bom pai, todo mundo gosta dele. Ele usurio, no traficante. Se elefosse traficante, eu no estaria aqui na TV, pedindo por ele.
Desta maneira, o grau de emoo vai ganhando em intensidade. Neste momento, o
jornalista interpela a menina para que esta envie uma mensagem para o pai dela que se
encontra na delegacia:
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Figura 3. Imagens do pai e da filha, sendo entrevistados.
(14) Meu pai eu te amo muito. Ele sabe disso. Obrigado. Deus te ajude!
Nesse contexto, as imagens so divididas (Fig. 3): a sonoplastia ecoa ao fundo. O rosto
de tristeza da menina mostrada em close, bem como a imagem do pai sendo entrevistado vo
compor o cenrio no qual as emoes emergem na trama narrativa. As emoes evocadas no
dizem respeito to somente a um cenrio fsico explicitado no programa. O imaginrio
sociodiscursivo evocado, no qual a famlia possui uma representao simblica muito forte,
pode mobilizar, no telespectador, determinadas emoes como a piedade, a solidariedade, o
perdo, entre outras.
A trama narrativa continua no seu estado final, no qual a realizao do processo se
efetiva. Constitui o momento da resoluo dessa busca do protagonista pelo objeto. A filha de
Joo Carlos encontra o pai na delegacia em um cenrio de muita comoo. No entanto, vale
destacar o bom humor e alegria desse indivduo, apesar da situao na qual se encontra.
Diante do apelo da jovem, o programa oferece ao seu pai um advogado para que este
acompanhe o caso.
A narrativa finaliza-se com a palavra do narrador-jornalista que se apresenta mediante
um ethos de aconselhador, ao mesmo tempo que fortalece o ethos de solidariedade. o
Boco, uma marca, com seu ethos, que afigura o benfeitor da ao cujo agente vtima, um
usurio de drogas, constitui o beneficirio da ao.
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Assim, o breve folhetim termina. O personagem alcana xito em relao busca do
seu objeto. Embora tenha focalizado na matria o Julio como o principal protagonista da
narrativa, a marca Boco que sai fortalecida na conduo e mediao das sequncias de
aes dos personagens.
Neste percurso, notamos o grau de tenso e relaxamento atrelado s emoes destes. As
emoes disfricas (tristeza, saudade, desespero, vergonha, sofrimento) so inicialmente
explicitadas no incio da narrativa e as eufricas (alegria, esperana, perdo) a finalizam.
Enfim, a categoria patmica estrategicamente explorada no programa, visando captao do
telespectador, com o propsito de nele mobi
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