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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ELIANA GATO MARTINS LEITURA DE ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS TELEVISIVOS: PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NUMA ABORDAGEM DISCURSIVA Tubarão/SC 2013

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

ELIANA GATO MARTINS

LEITURA DE ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS TELEVISIVOS: PERSPECTIVAS

PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NUMA ABORDAGEM DISCURSIVA

Tubarão/SC

2013

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ELIANA GATO MARTINS

LEITURA DE ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS TELEVISIVOS: PERSPECTIVAS

PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NUMA ABORDAGEM DISCURSIVA

Dissertação apresentado ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Linguagem.

Orientador: Prof. Dr. Sandro Braga

Tubarão/SC

2013

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Martins, Eliana Gato, 1974- M34 Leitura de anúncios publicitários televisivos: perspectivas para o ensino de língua portuguesa numa abordagem discursiva / Eliana Gato Martins; -- 2013. 90 f. il. color. ; 30 cm Orientador : Sandro Braga. Dissertação (mestrado)–Universidade do Sul de Santa Catarina, tubarão, 2013. Inclui bibliografias. 1. Análise do discurso. 2. Propaganda. 3. Leitura – Estudo e Ensino. I. Braga, Sandro. II. Universidade do Sul de Santa Catarina - Mestrado em Ciências da Linguagem. III. Título. CDD (21. ed.) 401.41

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

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AGRADECIMENTOS

Não poderia deixar de iniciar os meus agradecimentos expressando a minha mais

profunda gratidão a Deus, por ter-me guiado com a luz divina durante o período em que estive

realizando esta pesquisa. Concluir este trabalho vai muito além da simples conquista do

aprimoramento intelectual: é a realização de um sonho.

De modo especial, agradeço ao meu orientador Dr. Sandro Braga, interlocutor

precioso, que me acompanhou durante a elaboração deste trabalho e, com muita generosidade

e compreensão, conduziu-me na construção desta dissertação, orientando-me e não me

deixando fraquejar.

À FAPEAM e à SEMED, que, com seus programas de apoio e fomento à pesquisa

e à formação docente, tornaram possível a realização deste trabalho.

Agradeço aos membros da Banca Examinadora.

Aos meus pais e irmãos, pela dedicação, compreensão e torcida – pessoas

queridas que, mesmo de longe, sempre estiveram ao meu lado ao longo desses dois anos.

Aos colegas do Programa, pela acolhida, pelas discussões e pelas conversas

compartilhadas, especialmente à Clésia, ao Bazilício e à Layla, companheiros em todos os

momentos. Obrigada pela amizade e pelo carinho.

Aos professores do Programa, por tudo que me ensinaram: não apenas teorias,

mas paixão pela docência, conhecimentos que ressignificaram meu olhar sobre o magistério.

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Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas. Comuniquei ao Padre Ezequiel, meu Preceptor, esse gosto esquisito. Eu pensava que fosse um sujeito escaleno. - Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse. Ele fez um limpamento em meus receios. O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas. . . E se riu. Você não é de bugre? – ele continuou. Que sim, eu respondi. Veja que bugre só pega por desvios , não anda em estradas - Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros. Há que apenas saber errar bem o seu idioma. Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de gramática. (BARROS, 1994, p. 89).

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RESUMO

Esta pesquisa tem como embasamento teórico a Análise de Discurso (AD) de linha francesa,

especialmente sob a perspectiva dos trabalhos sobre leitura desenvolvidos por Orlandi, e

considerou as diretrizes que fundamentam os Parâmetros Curriculares Nacionais no

desenvolvimento da atividade de campo. Tem como objetivo promover uma discussão sobre a

leitura de anúncios publicitários televisivos na escola a fim de instaurar um espaço polêmico

de construção de sentidos, no qual os alunos possam posicionar-se de forma reflexiva sobre os

valores e ideologias trazidas por esse tipo de texto. A pesquisa foi realizada em uma escola

pública de ensino fundamental e médio da rede estadual de Manaus/AM. Para isso,

primeiramente realizou-se uma abordagem sobre texto e o gênero textual anúncio publicitário

com uma turma de nono ano dessa escola. Na sequência, foi promovida a interpretação de

dois anúncios publicitários televisivos (do refrigerante Sukita e o do veículo Classe A da

Mercedes Benz). Os resultados apontam que o uso do anúncio publicitário televisivo: a)

incentiva o aluno a assumir a função de autor, visto que durante o processo de interpretação

dos anúncios eles argumentam, questionam e desestabilizam sentidos já naturalizados nos

dois discursos publicitários; b) propicia a reflexão quanto ao uso da metáfora, da paráfrase e

da interdiscursividade na construção do discurso publicitário; c) envolve os alunos com o

processo de ensino aprendizagem, uma vez que eles próprios ajudam a conduzir as aulas por

meio dos debates, e o professor torna-se um mediador.

Palavras-chave: Análise do Discurso. Ensino. Leitura. Anúncio publicitário televisivo.

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ABSTRACT

This research has theoretical explanation from French Discourse Analysis, especially from the perspective of the work on reading developed by Orlandi, and it considered the guidelines that substantiate the National Curriculum Parameters – NCP (in Portuguese, Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN) in the development of the field activity. The analysis aims to promote a discussion about reading television advertising in school in order to provide a controversial space for the construction of meanings in which students can position themselves as reflective people in front of the values and ideologies produced by this kind of text. The survey was conducted in a public school (elementary and secondary education) from Manaus / AM. In order to achieve the goals, first it was conducted a contextualization about text and commercial genre with a class of ninth grade from that school. After that, it was provided the interpretation of two television commercials (Sukita soft drink and Class A vehicle from Mercedes Benz). The results indicate that the use of television advertisement : a) encourages students to assume the role of author , since during the process of interpretation of the ads they argue, question and destabilize senses that are already naturalized in two speeches advertising b ) provides a reflection about the use of metaphor, paraphrase and interdiscursivity during the advertising discourse production c ) engages students in the learning process, since they themselves help to conduct classes through the debates, and the teacher becomes a mediator of the whole process. Keywords : Discourse Analysis. Education. Reading. Television advertisement.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Fotograma das cenas do anúncio do refrigerante Sukita (AmBev) ........

Figura 2 - Fotograma das cenas do anúncio automóvel Classe A (Mercedes-Benz)

.......................................................................................................................

Figura 3 - Evolução do homem ...............................................................................

Figura 4 - A “evolução do homem” ........................................................................

Figura 5 - O lobo do homem continua empenhado em destruir a natureza .............

Figura 6 - A evolução do homem até o Restart .......................................................

Figura 7 - Horta de Elite ..........................................................................................

Figura 8 - Bombril ...................................................................................................

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11

2 REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................... 16

2.1 A ANÁLISE DO DISCURSO ................................................................................. 16

2.2 LINGUA(GEM) E DISCURSO ............................................................................... 19

2.3 HETEROGENEIDADE ENUNCIATIVA ............................................................... 22

2.4 FORMULAÇÕES DO DISCURSO PEDAGÓGICO .............................................. 24

2.5 O ANÚNCIO PUBLICITÁRIO ............................................................................... 28

2.5.1 Publicidade e/ou propaganda ............................................................................. 28

2.5.2 Anúncio publicitário televisivo: um texto persuasivo e sedutor ...................... 30

2.5.3 O jogo discursivo na leitura de anúncios publicitários televisivos ................ 344

3 PROCEDIMENTOS MEDOTOLÓGICOS ........................................................... 39

3.1 OS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS ........................................................................39

3.2 TIPO DE ESTUDO ..................................................................................................42

3.3 O CONTEXTO DA PESQUISA ..............................................................................43

3.3.1 A escola .................................................................................................................43

3.3.2 A turma ................................................................................................................ 43

3.3.3 A organização de dados .......................................................................................44

3.3.4 Forma de análise dos dados ................................................................................ 48

4 A ANÁLISE ..................................................................................................................50

4.1 A LEITURA PROPOSTA E OS SENTIDOS POSSÍVEIS ..................................... 50

4.2 DESLOCAMENTOS E RETOMADAS NA LEITURA DO ANÚNCIO DO CARRO

CLASSE A DA MERCEDES-BENZ .......................................................................... 599

4.3 PROCESSOS DE CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA ........................................... 644

4.4 AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DA LEITURA ............................................... 70

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 76

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 79

APÊNDICE A ............................................................................................................. 855

ANEXO A- CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDOERRO! INDICADOR NÃO

DEFINIDO.0

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11 1 INTRODUÇÃO

Os avanços tecnológicos afetam de forma direta e indireta a vida das

pessoas, na conhecida sociedade moderna. Às vezes por meio da atualização dos

produtos de maneira rápida. Outras vezes pela utilização desses produtos para alcançar

mais adeptos. Dessa feita, o mercado publicitário, progredindo a cada dia, já que se vive

em um mundo dinâmico e de forte concorrência em vários âmbitos da economia, cria

meios para atingir o seu alvo: o público consumidor. De tal forma, esse público receptor

está diariamente exposto a uma série de propagandas, principalmente com linguagem

visual, tanto na internet como na televisão. As agências, quando muito, desenvolvem

campanhas publicitárias criativas e breves para, assim, alcançarem o maior número

possível de pessoas.

E essas pessoas, munidas de conhecimentos prévios, interpretam as

propagandas, muitas vezes ambíguas, ora aceitando, ora recusando a proposta,

sobretudo quando ocorre dificuldade na decifração do código pretendido pelas agências,

que requer um leitor ideal. Para verificação de tais aspectos, faz-se necessário perceber

de que maneira agem os agentes responsáveis nesse ciclo, de um lado as agências de

publicidade, que criam as ações promocionais de seus produtos e do outro, o sujeito que

possivelmente receberá a mensagem. Em seguida, e não é tarefa das mais fáceis, busca-

se compreender como essa mensagem afeta seus receptores, no processo de leitura que

se estabelece.

Essa atividade, quando desenvolvida em sala de aula, porque o professor

deve se utilizar de estratégias para fazer os alunos apreenderem determinados assuntos,

requer, antes de tudo, questionamentos, debates e reflexão acerca da mensagem contida

no texto veiculado por intermédio das propagandas, aguçando a leitura, interpretação e

produção de linguagem, já que a partir da verificação das questões propostas, os

estudantes elaboram textos, sendo também autores nessa ação.

Nos dizeres de Orlandi (2008), “a leitura é o momento de constituição do

texto, o momento privilegiado do processo de interação verbal, uma vez que é nele que

se desencadeia o processo de significação”. Essa concepção de leitura indica que o

sentido não pode ser tomado como algo prévio e pronto, mas, antes, como algo

construído no momento mesmo em que se dá o gesto de interpretação. Conclui-se,

então, “que não se pode trabalhar a leitura limitando-a a um reducionismo linguístico.”

(p. 38).

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12

Muitos estudiosos da linguagem, nos últimos anos, têm discutido a

importância e a contribuição da leitura no processo de ensino e aprendizagem. Há várias

abordagens teóricas desenvolvidas acerca desse assunto, mas parece haver uma

distância significativa entre essas novas formulações teóricas no campo da educação,

que apontam para a necessidade de desenvolver-se a autonomia do aluno no processo de

leitura, e certas práticas pedagógicas, que ainda trabalham com o texto como fonte única

de sentidos, concebidos como valores independentes do leitor e das condições de

produção da leitura.

Orlandi (2006) classifica as seguintes tipologias discursivas constitutivas do

discurso pedagógico: autoritária, polêmica e lúdica. Entre elas, segundo a autora, a

forma autoritária é a que predomina. Um discurso pedagógico cujo funcionamento

pauta-se predominantemente na forma autoritária não representa, segundo Gallo (2012),

um discurso necessariamente autoritário, mas, sim, um discurso que tende a um sentido

único, a uma única interpretação. Um exemplo são as aulas de leitura em que o

professor condiciona a interpretação do texto à resposta do livro didático ou, ainda,

direciona a interpretação dos alunos para a sua própria interpretação, que acredita ser a

única possível e, portanto, a única correta; assim, ele está mobilizando formas

discursivas autoritárias, impedindo a polissemia.

Diante de tal quadro, resta-nos perguntar como a escola pretende que

cheguem ao Ensino Médio alunos reflexivos e produtores de sentido, se, ao longo das

séries iniciais, foi-lhes dada tão pouca oportunidade de atuação, participação e

autonomia no âmbito das práticas pedagógicas de leitura?

Uma possível resposta para tal questão é dada pelo próprio sistema, a partir

das diretrizes que fundamentam os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs

(BRASIL, 1998). Para que haja essa apropriação crítica dos conteúdos, os PCNs

sugerem o trabalho com a diversidade de gêneros em suas especificidades. Fala-se em

diversidade de gêneros, porque não há um único modelo de texto que permita

generalizações capazes de promover a competência discursiva dos alunos. Tais

orientações despertaram nosso interesse em verificar o funcionamento discursivo de

anúncios publicitários televisivos em aulas de leitura. Este interesse encontra respaldo

no “próprio discurso oficial da escola, que vem, há algum tempo, insistindo na

importância de incorporarem-se textos da mídia no ensino, reconhecendo neles o papel

de reprodutores de sentidos na sociedade contemporânea.” (GREGOLIN, 1999, p. 124).

Além disso, os anúncios televisivos ampliam a questão da leitura para além

do tradicional suporte da escrita, proporcionando ao aluno voltar-se para a

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13 heterogeneidade de linguagens que compõem um texto. Ler a pluralidade das

mensagens, segundo Gregolin (1999, p. 124), tornou-se indispensável para o acesso aos

bens culturais armazenados nos textos.

Por isso, o fenômeno midiático televisivo é um novo campo de estudo a ser

pensado e trabalhado pela escola. Não se trata de mensurar a influência da mídia na vida

das pessoas, mas de compreender esse fenômeno em suas condições de produção e

fornecer alguns pressupostos para que os alunos possam posicionar-se diante da

infindável gama de discursos vinculados a todo tipo de produtos aos quais são expostos

diariamente.

Já a segunda razão pela qual o gênero em questão foi eleito refere-se ao fato

de suas características irem ao encontro daquelas sugeridas pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998). O documento orienta para que a prática dos

professores de língua materna priorize os textos que estimulem a reflexão crítica dos

alunos e contemplem o uso artístico da linguagem (criativa), características observadas

nos anúncios publicitários televisivos, razão pela qual se tornam propícios para nosso

estudo.

A Teoria da Análise do Discurso (AD), arcabouço teórico que sustenta este

projeto de pesquisa, busca trabalhar com os processos de produção do sentido e suas

determinações histórico-sociais. Para isto, é necessário que o analista considere,

indissociavelmente, o aspecto linguístico e o aspecto histórico e social, ou seja, o

“objeto da AD vai considerar o funcionamento linguístico (enquanto ordem interna) e as

condições de produção em que ele se realiza (enquanto exterioridade).” (FERREIRA,

2003, p. 203). Pensar o sentido para além da forma literal, como algo movente, em

curso e produzido a partir de uma determinação histórica, coloca em questão o caráter

de resistência da língua, revelador da opacidade que lhe é inerente.

Promover a leitura de anúncios publicitários televisivos poderá possibilitar

ao aluno não só observar o caráter opaco da linguagem publicitária, mas também

compreender os possíveis efeitos de sentido presentes nos anúncios a partir da

observação do dito e do não dito, dos equívocos, dos deslocamentos de sentidos, da

incompletude e de todos os aspectos que são inerentes ao discurso presente neste tipo de

texto.

Para refletir acerca de outras possíveis práticas de proposição de leitura em

sala de aula, a fim de estimular um discurso pedagógico polissêmico, ou seja, um

discurso em que os sentidos possam ser negociados a partir de caminhos possíveis de

leitura, delimitou-se como objetivo geral promover uma discussão sobre a leitura de

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14 anúncios publicitários televisivos com a intenção de instaurar um espaço polêmico de

construção de sentidos, no qual os alunos possam posicionar-se, de forma reflexiva,

sobre os valores e ideologias trazidas por esse tipo de texto.

Para isso, foram traçados dois objetivos específicos. O primeiro é fazer com

que os alunos compreendam como o discurso publicitário televisivo manifesta-se e

produz sentidos (a partir da metáfora, da paráfrase e da interdiscursividade). E o

segundo, criar condições para que os alunos possam inscrever-se em posições-sujeito,

fazendo com que, ao interagir, compreendam o modo de organização do seu próprio

discurso e, assim, compreendam, também, o efeito de autoria do seu dizer.

A pesquisa está fundamentada pela Teoria da Análise do Discurso de

inspiração francesa, uma vez que, para os objetivos almejados, este campo teórico

permite o tipo de investigação que propomos, já que não reconhece o discurso apenas

como transmissão de informação, mas sim como efeito de sentido entre locutores,

relacionando o discurso às suas condições de produção e à sua exterioridade.

Desse modo, analisamos o discurso dos sujeitos envolvidos no processo de

ensino e aprendizagem – no caso, os alunos do nono ano do Colégio da Polícia Militar

do Amazonas (MAO) – tendo como corpus a transcrição da intervenção realizada junto

à turma em um período de 4h, levando-se em conta o momento, o lugar e o modo de

enunciação. Tais atividades têm como temática anúncios publicitários televisivos que

foram veiculados na TV aberta.

Para a AD, a língua é a materialidade da presença/ausência, do dito/não dito, dos

equívocos, dos deslocamentos e de todos os aspectos característicos da linguagem.

Considerando a relação imprescindível entre sujeito e língua, já que ambos se

constituem mutuamente, e as condições (ideológicas) dinâmicas de produção do

discurso, Orlandi (2009, p.60) esclarece que “as transferências presentes nos processos

de identificação dos sujeitos constituem uma pluralidade contraditória de filiações

teóricas.”

Assim, percebemos que todo efeito de sentido não é fechado, pois cada

palavra proferida/silenciada difere em significação toda vez que o sujeito altera a sua

posição como executor de sua fala. Seguindo esse pressuposto, consideraremos na

análise que será realizada a relação entre descrição e interpretação, conforme orienta

Orlandi (2009, p. 60), quando afirma a importância de “explicitar os gestos de

interpretação que se ligam aos processos de identificação dos sujeitos, suas filiações de

sentido: descrever a relação do sujeito com a memória.”

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15

Quanto à sua organização, esta dissertação estrutura-se em três capítulos,

além da introdução e das considerações finais. O primeiro capítulo apresenta a

fundamentação teórica que dá suporte à pesquisa e à análise. Abordaremos os conceitos

de língua(gem) e discurso; heterogeneidade enunciativa; discurso pedagógico e anúncio

publicitário. No segundo capítulo, encontram-se os procedimentos metodológicos que

norteiam a pesquisa. Apresenta-se ainda os anúncios utilizados na intervenção, os

detalhes sobre o tipo de pesquisa realizada, o contexto da pesquisa, a organização dos

dados, e finalmente a forma de análise dos dados. O terceiro capítulo apresenta a análise

do corpus: trazemos a transcrição da intervenção que foi realizada junto aos alunos,

para, na sequência, tecermos as considerações finais, em que se apresenta uma possível

contribuição desta pesquisa dentro do escopo da Análise do Discurso, de modo que se

possa pensar na ampliação das práticas de leitura e na promoção da construção da

criticidade dos alunos a partir dessas práticas.

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16 2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A ANÁLISE DO DISCURSO

Iniciamos a jornada com um capítulo dedicado à definição do que se

entende por Análise do Discurso (doravante AD), buscando em vários ensaios

desenvolvidos por teóricos, perspectivas advindas da linguística, do marxismo e da

psicanálise, para compreender os mecanismos constituídos pelos agentes na construção

da linguagem.

A Análise do Discurso (AD) de linha francesa, tendência linguística que

surge na década de 60 e abre um campo de questões que deslocam alguns conceitos de

língua, historicidade e sujeito, deixados à margem pelas correntes da época, nasce da

confluência de três grandes áreas do conhecimento, a Psicanálise, a Linguística e o

Marxismo, configurando-se, assim, em uma disciplina de entremeio. A AD “interroga a

Linguística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o Materialismo

perguntando pelo simbólico e se demarca da Psicanálise pelo modo como, considerando

a historicidade, trabalha a ideologia” (ORLANDI, 2009, p. 20). Norteada por esses

questionamentos, a Análise do Discurso considera a opacidade da linguagem para

trabalhar os sentidos dos textos, provocando, dessa forma, um deslocamento que

oferece um novo conhecimento a partir do próprio texto. Assim, nem sujeito, nem

discurso, nem história são constituídos definitivamente. Nessa perspectiva, há um

dinamismo que desloca sentidos e conceitos cristalizados em um determinado contexto

histórico-social.

Essa nova disciplina objetiva mostrar os mecanismos de significação que

presidem a relação linguagem/sujeito/mundo. O entremeio que se caracteriza pela

relação entre a Psicanálise, a Linguística e o Marxismo, torna-se presente também na

incompletude do sujeito, na ausência/presença, no que é dito/silenciado. Visto através

do entrecruzamento da ideologia e do inconsciente, este sujeito não se caracteriza pela

origem do dito, mas se constitui por discursos anteriormente produzidos. Marcado pela

contradição entre liberdade e submissão, tal sujeito admite os efeitos do inconsciente,

produzindo sentidos diversos, abertos, alteráveis, flexíveis, incompletos.

Percebendo a língua como a materialização dessa multiplicidade de

sentidos, Pêcheux (1988) afirma sua oposição ao fato de considerá-la como um mero

meio de comunicação entre os homens, no qual os elementos comunicativos dispõem-se

linearmente, alertando para o fato de que a interação dos interlocutores faz parte

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17 ativamente do processo de significação. Não há, nesta perspectiva, uma sequência

lógica estabelecida, clara, transparente, com o emissor em um lugar pré-determinado,

transmitindo uma mensagem envolvida em um contexto específico para um receptor

definido.

Partindo deste princípio, Orlandi (2009) esclarece a importância de

diferenciar discurso e fala na dicotomia langue/parole proposta por Saussure, pois o

estruturalismo que marcou as décadas de 50 e 60 não considerava a atuação do sujeito

na relação língua/fala. Para os estruturalistas, era necessário mantê-lo numa posição

estável, neutra, em que o sujeito apenas executa de forma individual a língua. Se não

houvesse um sujeito padronizado, o objeto de estudo daqueles pesquisadores não

corresponderia a uma língua padronizada, objetivada, fechada.

Ao ressignificar a dicotomia língua/fala proposta por Saussure, a AD faz

emergir o conceito de discurso. A relação que se estabelece a partir deste novo conceito

é língua/discurso. A língua, enquanto propriedade linguística, deixa de ser objeto

principal de estudo, oferecendo lugar à materialidade do discurso. Isso faz com que

percebamos, entre o discurso e a língua, uma fronteira que se altera a cada prática

discursiva, pois o funcionamento do discurso é baseado no social, no histórico e no

subjetivo.

Sob o viés discursivo, a linguagem é produtora de sentidos justamente pelo

fato de estar inserida na história, permeando o social, recebendo (e oferecendo)

influência ideológica para constituir o sujeito. Ao ressignificar a noção de ideologia, a

AD mostra como o sujeito constitui-se ideologicamente através de suas relações. Para

que haja sentido, é preciso considerar o vínculo entre o sujeito, a língua e a história.

Nessa perspectiva, percebemos sujeitos em permanentes trocas entre si, assumindo

posições diferentes de acordo com a formação discursiva de que faz parte, ou seja, de

acordo com o lugar de onde ele fala (posição do sujeito), de acordo com as condições de

produção do discurso presente nessa formação discursiva. Postula Pêcheux (1988, p.

160) que a formação discursiva compreende o lugar de construção dos sentidos,

determinando o que “pode” e “deve” ser dito a partir de uma posição em uma dada

conjuntura.

O sujeito, segundo Orlandi (2003, p. 19) interpreta por filiação “filiando-se

a este ou aquele sentido, inscrevendo-se nesta ou naquela formação discursiva, em um

processo que é um processo de identificação: ao fazer sentido, o sujeito se reconhece em

seu gesto de interpretação”. Esse posicionamento dinâmico do sujeito mostra que a ideia

de formação discursiva, mesmo que controversa, serve de base na AD, pois possibilita

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18 ao analista observar como os efeitos de sentido são produzidos, além de contribuir para

determinar certas regularidades do discurso.

O sujeito na AD não é fundamentado em uma individualidade, não se trata

da pessoa; mas sim de um sujeito que tem existência “em um espaço social e

ideológico, em um dado momento da história e não em outro”. (FERNANDES, 2007,

p.33). Na sociedade contemporânea, o sujeito-histórico constitui-se a partir de um

processo de contradição. Ele mostra-se concomitantemente submisso e livre. Segundo

Orlandi (2009, p. 50), tudo pode ser dito, “contanto que se submeta à língua. [...] essa é

a base do que chamamos assujeitamento.” Quando nascemos, somos inseridos em um

processo discursivo instaurado em determinado grupo social, subjetivando-nos através

dessa submissão ao discurso, isto é, cada sujeito submete-se às formações discursivas já

existentes, que abarcam valores morais e éticos, crenças e ideologias próprias. Estes

fatores não se encontram parados, fechados, completos. Pelo contrário, há um

dinamismo que pode ou não agregar outras crenças e valores, reforçando ou

desconstruindo ideologias, tornando o discurso constituído de múltiplas vozes que já

fizeram parte de outras situações de enunciação.

Todos esses sentidos produzidos através da submissão ou da independência

da língua materializam-se, também, em decorrência do afastamento da literalidade,

atribuindo às palavras múltiplos sentidos. A transferência, o ato de optar por uma

palavra em detrimento de outra, leva-nos à concepção de metáfora, fundamental na

Análise do Discurso. Tal concepção não é como aquela abordada pelas gramáticas

tradicionais, mas aberta à produção de sentidos, através de seus efeitos, livre de

atrelamentos. Os efeitos de sentido são produzidos de acordo com as relações sociais

estabelecidas pelo sujeito, sendo que a posição por ele ocupada reflete-se nas

determinações do ato da enunciação. Isso faz com que as mesmas palavras ditas/não

ditas propiciem significados atrelados ou deslocados da literalidade. Compreendendo a

produção de sentidos e sua relação com a ideologia, é possível conceber como se dá

essa transferência de significação chamada, na Análise do Discurso, de metáfora.

O histórico, em Análise do Discurso, não é cronológico nem evolutivo,

como afirma Orlandi (2003, p. 18) “a historicidade do discurso está ligada ao modo de

funcionamento da linguagem e tem a ver com a produção de sentidos”. O processo

histórico faz emergir a literalidade dos sentidos, mostrando-nos que o sentido literal é

produto de formações discursivas preponderantes. Conforme afirma Orlandi (2009), o

sentido que predomina é institucionalizado pelos processos de significação

sedimentados historicamente. Enquanto, de um lado, a polissemia garante a abertura

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19 para a multiplicidade de sentidos, de outro, a paráfrase surge como matriz de sentido,

para organizar e estabelecer as bases do entendimento entre os sujeitos. Ambos os

processos, paráfrase e polissemia, são igualmente imprescindíveis e atuam

determinando o funcionamento da produção de sentidos.

A ligação entre o mesmo e o diferente dá-se constantemente, devido às

condições de produção de efeitos de sentido, decorrentes tanto de um contexto imediato

quanto de um contexto mais abrangente, que envolve as questões ideológicas. Pensando

por esse viés, precisamos considerar que qualquer variante torna-se constitutiva de

significação. De acordo com Orlandi (2009), estes contextos são contrastantes e

encontram-se em níveis diferentes, estabelecendo, ao mesmo tempo, interação e

conflito, mesclando o linguístico (produto) e o discursivo (processo).

A forma como a AD estuda esta confluência (linguístico/discursivo),

levando em conta os processos de produção de sentido e suas determinações históricas e

sociais, será detalhada na próxima seção.

2.2 LINGUA(GEM) E DISCURSO

Que a linguagem significa para o homem o princípio de todas as coisas, não

temos dúvida. Não é difícil explicar isso. É através da linguagem que se entra em

contato com o mundo e com as pessoas. Ela é sedimentada no transcurso histórico, visto

que não há sujeito fora da história. E mais: é pela linguagem que o homem reveste-se de

sujeito e participa do fenômeno linguístico. Ou seja, o homem não apenas fala pela

linguagem, mas se revela e mostra a sua constituição enquanto homem por meio dela.

Para Auroux (1998), a linguagem é uma rede heterogênea de informações, da qual a

palavra forma apenas um dos componentes, sendo os outros provenientes das

impressões sensoriais e das informações culturais.

Dentre os estudiosos da lingua(gem), Saussure (1915) contribui

significativamente para os estudos linguísticos. Deixou na obra Curso de Linguística

Geral e nos Escritos de Linguística Geral conceitos importantes. A linguística foi

estudada como ciência, que passou a ter como objetivo sustentar outras áreas do

conhecimento. Em decorrência disso, iniciam-se os estudos centrados na linguística:

fonética, morfologia, sintaxe, semântica, análise do discurso, pragmática,

sociolinguística, psicolinguística, entre outros.

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20

A linguística tem a língua como objeto próprio, e por não se constituir da

transparência da linguagem, a análise do discurso vai trabalhar com essa não

transparência, ou, mais especificamente, nessa opacidade da língua.

Benveniste (1966) parte da importância que a língua tem para a

compreensão do uso da linguagem. Segundo o autor, não se pode imaginar o homem

isolado da linguagem. Nesse sentido, ele afirma que primeiramente é necessário

constituir o sujeito; além disso, aborda em seus estudos que forma e sentido não se

excluem, embora a primeira se ocupe dos signos formais, enquanto a segunda volta-se

para a utilização e o uso da língua. E, através de uma metodologia de análise que

estabelece o discurso como o seu objeto de estudo, acrescenta: “com a frase, deixa-se o

domínio da língua como sistema e entra-se no universo da língua como instrumento de

comunicação, cuja expressão é o discurso”(BENVENISTE, 1966, p. 130).

Em sua obra Estrutura ou Acontecimento, Pêcheux (2008, p. 44) tece uma

crítica à forma como os estruturalistas compreendem e analisam a língua, voltados para

uma compreensão lógica da língua, preocupando-se especialmente em “descrever os

arranjos textuais discursivos na sua intrincação material”, o que acabava por colocar

“em suspenso a produção de interpretações em proveito de uma pura descrição desses

arranjos.” Em vez disso, o que se propõe é a aproximação entre as práticas de “análise

da linguagem ordinária” e as práticas de “leitura” de arranjos discursivos textuais, ou

seja, trata-se de relacionar o trabalho com a materialidade discursiva a questões

ideológicas. Para isso é necessário distanciar-se de qualquer “ciência régia” e, portanto,

reconhecer que a materialidade linguística é constituída pelo real, o que aponta para o

fato de que a língua é sujeita ao equívoco.

Nesse sentido, Michel Pêcheux (1988) postula, ainda, que o discurso é a

materialidade específica da ideologia, ao passo que a língua é a materialidade específica

do discurso, isto é, estuda como a linguagem está materializada na ideologia e como

esta se manifesta na linguagem. As ideologias não são ideias nem têm sua origem no

sujeito, mas são forças materiais que constituem o indivíduo em sujeito. Assim, a

evidência do sujeito é apenas um efeito ideológico, pois o indivíduo é sempre-já-sujeito.

Como a interpelação do indivíduo em sujeito do discurso se dá pela identificação do

sujeito com a formação discursiva que o domina, não há discurso sem sujeito e não há

sujeito sem ideologia (PÊCHEUX, 1988).

Para Orlandi (2009), a noção de discurso mobilizada pela Análise de

Discurso está relacionada à ideia de movimento. Neste sentido, a autora postula que:

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21

A palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando (ORLANDI, 2009, p. 15).

E prossegue: “na análise de discurso, procura compreender a língua fazendo

sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do

homem e da sua história” (ORLANDI, 2009, p. 15). A AD faz um recorte teórico

relacionando língua e discurso, ao dizer que o discurso somente é visto e percebido

quando carrega em si o condicionamento linguístico ou determinações históricas; pelo

fato de a língua não ser fechada em si mesma e ser passível de falha, o equívoco se

instaura. Dito de outro modo, o equívoco precisa da falha para se constituir na língua e

na história.

Segundo Orlandi (2009), no discurso não se trata apenas de transmissão de

informação, a língua não é somente um código entre os outros e não há separação entre

emissor e receptor. No funcionamento da linguagem, sujeito e sentido são afetados

ideologicamente pela língua e pela história.

Orlandi baseia-se na ideia de Canguilhen (1980) de que o sentido não é

definido como algo em si, mas como relação a. E parte do pressuposto de que a Análise

do Discurso se constitui por três regiões do conhecimento; “a. a teoria da sintaxe e da

enunciação; b. a teoria da ideologia e c. a teoria do discurso que é a determinação

histórica dos processos d significação”(ORLANDI, 2009, p. 25). Por isso, nos anos 60 a

análise de discurso se constitui a partir de uma posição crítica, em relação à noção de

leitura, de interpretação, problematizando, assim, a relação do sujeito com o sentido, ou

seja, da língua com a história.

Remetendo às considerações para a linguagem do anúncio publicitário

televisivo, observamos que a compreensão dos possíveis efeitos de sentido produzidos

por esse tipo de anúncio somente será possível se ele não for estudado exclusivamente

como um tipo de estrutura textual, como uma sequência coerente de signos verbais e

não verbais. Um estudo neste sentido estaria privilegiando a concepção autônoma da

língua.

No âmbito do quadro discursivo a que se propõe esta pesquisa, a situação

será inversa, pois importará para a nossa observação não só o que está dentro, mas tudo

aquilo que está fora dos limites formais dos anúncios, por constituir indícios de ruptura

e sinalizar para a incompletude do texto. Assim, “o que falta (a elipse) ou o que excede

(a incisa), ao romper o ideal de completude da língua, rompe igualmente o fio

discursivo, e por isso mesmo passa a interessar como objeto de análise, como espaço de

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22 reflexão.” (FERREIRA, 2000, p.106). Abre-se, assim, um espaço que nos possibilitará

observar os deslizes constitutivos do discurso publicitário.

2.3 HETEROGENEIDADE ENUNCIATIVA

O processo de alteridade, segundo Orlandi (2010), é parte constitutiva do

discurso, delimitando-o e regulando-o, já que o discurso é atravessado por discursos

outros, caracterizando-se pela heterogeneidade, pelo nascimento sustentado por outros

dizeres. São os movimentos e os deslocamentos que caracterizam os discursos

heterogêneos, como os anúncios publicitários televisivos, pois se fossem tomados de um

espaço fechado, não haveria lugar para a heterogeneidade e nem para a alteridade.

Ainda segundo Orlandi (2009), a língua é constantemente invadida pela

exterioridade, a ponto de a exterioridade ser constitutiva da língua, determinando

historicamente a constituição dos sentidos. “O que vem pela história não pede licença,

vem pela memória, pelas filiações de sentidos constituídos em outros dizeres, em muitas

outras vozes, no jogo da língua que vai se historicizando aqui e ali.” (ORLANDI, 2009,

p. 32).

O ponto de partida para trabalhar com a heterogeneidade é a reflexão teórica

produzida por Jacqueline Authier-Revuz (1990). A autora fundamenta a sua teoria sobre

heterogeneidade constitutiva do discurso no interdiscurso, com base nos pressupostos de

Bakhtin sobre dialogismo e polifonia e na Psicanálise lacaniana, com o propósito de

compreender de que forma o discurso do outro também faz parte e determina outros

discursos.

O conceito de dialogismo – que invoca a voz do outro, o exterior

constitutivo, o já dito que é (re)produzido internamente no discurso – é retomado por

Authier-Revuz (1990) para mostrar que todo dizer é afetado em si pela presença de

outros discursos. Por esse conceito, todos os discursos que configuram uma determinada

cultura e sociedade dialogam entre si, com os discursos que os antecederam, com os

seus contemporâneos e com os discursos futuros. Sob esta perspectiva, a autora afirma

que“as palavras são, sempre e inevitavelmente, as palavras dos outros.” (AUTHIER-

REVUZ, 1990, p. 26).

Para Authier-Revuz (1990), o atravessamento de outros discursos constitui o

dizer, embora o sujeito tenha a ilusão de ser fonte do seu discurso por desconhecimento

da determinação do inconsciente e do interdiscurso. Neste caso, Authier-Revuz(1990, p.

27) explica que

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23

É a problemática do discurso como produto do interdiscurso, tal como foi desenvolvida num conjunto de trabalhos consagrados ao discurso e à análise do discurso que estou me referindo. Baseadas ao mesmo tempo na reflexão de Foucault e na de Althusser, tais análises postulam um funcionamento regulado do exterior, do interdiscurso, para dar conta da produção do discurso, maquinaria estrutural ignorada pelo sujeito que, na ilusão, se crê fonte deste seu discurso, quando ele nada mais é do que o suporte e o efeito.

Somado a esse pensamento, Authier-Revuz(1990) utiliza a concepção de

sujeito baseado na Psicanálise, que refuta a noção de sujeito como fonte do seu dizer.

Dessa forma, a autora adota a concepção de sujeito que:

[...]não é uma entidade homogênea exterior à linguagem, mas o resultado de uma estrutura complexa, efeito da linguagem: sujeito descentrado, dividido, clivado, barrado...pouco importa a palavra desde que longe do desdobramento do sujeito ou da divisão como efeito sobre o sujeito com o encontro com o seu mundo exterior, divisão que poderia tentar apagar por um trabalho de restauração de unidade de pessoa, mantido o caráter estrutural constitutivo da clivagem pelo sujeito. (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 27).

Neste sentido, Authier-Revuz (1990) toma para o seu quadro teórico a

noção de sujeito dividido e discursivamente heterogêneo, contrária à imagem de sujeito

pleno.

Podemos considerar, a partir do exposto, que tanto o interdiscurso quanto o

inconsciente constituem o sujeito. Assim, o dialogismo e a psicanálise contribuem para

as reformulações das concepções de discurso e de sujeito de Authier-Revuz, com o

objetivo de inserir a presença do outro, como forma necessária para a construção do

discurso.

A partir desses pressupostos, Authier-Revuz (1990) distingue duas formas

de heterogeneidade: a heterogeneidade constitutiva do discurso e a heterogeneidade

mostrada no discurso. Pela heterogeneidade constitutiva, admite-se que não há discurso

e nem sujeito que não sejam heterogêneos. Disto, podemos depreender que, em um

discurso, outras vozes são ouvidas, vozes do outro, muitas vezes esquecidas no

inconsciente e retomadas por outra voz que as faz ter sentido em função da escolha

adequada ao contexto de uso. Assim, a autora apresenta a heterogeneidade constitutiva

como aquela não localizável, que não aparece na linearidade do discurso, pois é

constituída por meio da presença do outro. Ela ocorre quando o discurso é colocado em

relação de alteridade, quando ele constitui-se na e pela presença do outro.

Já, na heterogeneidade mostrada, há o estudo das marcas, detectáveis no

discurso, da presença do outro com o qual se dialoga. Aprofundando os estudos sobre as

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24 formas marcadas, Authier (1990) apresenta a autonímia simples (discurso relatado

direto e, também, a conotação autonímica), elemento colocado entre aspas, itálicos,

glosas ou, ainda, elementos que não são assinalados por aspas ou itálico. Porém, esses

elementos deixam pistas recuperáveis na superfície do discurso; altera-se a unicidade

aparente da cadeia discursiva, marca-se o ‘eu’ no fio condutor do discurso. Por outro

lado, a autora apresenta as formas não marcadas: “discurso indireto livre, ironia,

metáforas, jogos de palavras [...], [que] representam, pelo continuum, a incerteza que

caracteriza a referência ao outro, uma forma de negociação com a heterogeneidade

constitutiva.” (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 34).

Em suma, as formas marcadas encontram-se explícitas por meio de marcas

na língua, e as não-marcadas, por não serem explícitas, exigem o reconhecimento e a

interpretação do receptor da presença de outro discurso.

Destacamos que a importância da heterogeneidade mostrada está no fato de

ela ser uma representação de diferentes modos de negociação do sujeito falante com a

heterogeneidade constitutiva de seu discurso. Ela marca o discurso, criando um

mecanismo de distância entre o sujeito e aquilo que ele diz. É uma negação que ocorre

sobre a forma de denegação, isto é, um mecanismo de defesa em que o sujeito recusa-se

a aceitar determinado pensamento como seu, mesmo que tenha sido expresso em uma

situação anterior.

Na análise dos enunciados que compõem o corpus desta pesquisa, podemos

dizer que o sujeito-aluno expõe-se a efeitos de sentido durante a leitura dos anúncios

publicitários. Dessa forma, os participantes mostram-se através das marcas explícitas de

heterogeneidade, marcam-se no texto por meio do discurso indireto livre, metáforas,

jogos de palavras etc., o que Authier-Revuz chama de formas não marcadas.

Além disso, interessa-nos também o conceito de heterogeneidade

constitutiva, uma vez que o material analisado aponta para o interdiscurso: quando o

sujeito traz para o seu discurso outros dizeres já pré-existentes. Outro fator importante

na análise discursiva diz respeito às formulações do discurso pedagógico, detalhado no

sub-tópico seguinte.

2.4 FORMULAÇÕES DO DISCURSO PEDAGÓGICO

O discurso é um processo. Por isso, segundo Orlandi (2006),todo discurso

nasce de outro discurso e reenvia-se a outro; assim, não se pode falar em discurso como

mera transmissão de informação, mas se deve considerá-lo como efeito de sentido, isto

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25 é, o processo que reúne o eu e o outro. Para ter sentido, esse processo discursivo deve

pertencer a uma formação discursiva que também faz parte de determinada formação

ideológica.

Nesse sentido, foca-se no funcionamento discursivo a partir das

materialidades linguísticas constitutivas da interpretação dos anúncios publicitários

televisivos. Fundamentada no conceito do discurso pedagógico (DP) tal como propõe

Orlandi (2006), vamos identificar as características do DP, considerando as relações de

interação professor-aluno e aluno-aluno que ocorreram durante o processo de

intervenção.

O conceito de discurso pedagógico, segundo Orlandi (2006), vai além da

neutralidade. Para a autora, há três tipologias discursivas constitutivas do discurso

pedagógico: a autoritária, a polêmica e a lúdica. Vale lembrar que não encontraremos

um tipo de discurso que seja totalmente puro. Por isso, falar-se-á em discurso

predominantemente lúdico, predominantemente polêmico ou predominantemente

autoritário. Já, quanto aos critérios para a distinção dos três tipos de discurso, a autora

parte do pressuposto de que é necessário tomar como base o referente (neste caso, o

objeto do discurso) e os participantes discursivos. Além disso, Orlandi (2006) define o

DP “como um discurso circular, isto é, um dizer institucionalizado sobre as coisas, que

se garante, garantindo a instituição de que se origina e para a qual tende: a escola.”

Ainda, para a autora, o discurso pedagógico pode ser caracterizado através do percurso

da comunicação pedagógica, no qual estão contidos elementos como o professor, o

aluno, o referente e a escola.

Para compreender o que é o discurso pedagógico (DP), tal como proposto

por Orlandi, primeiramente é preciso entender o que são as condições de produção.

Orlandi (2009, p. 30) afirma que “elas compreendem fundamentalmente os sujeitos e a

situação”. A referida autora considera, entretanto, que há dois sentidos: o imediato e o

amplo. O primeiro constitui-se entre os participantes do processo discursivo; neste caso,

podemos vincular a imagem do professor e a imagem do aluno. O contexto amplo é o

que representa e organiza o poder; neste caso, é a escola, aqui vista como aquela da qual

emana o poder e que elege os seus representantes, distribuindo posições de mando e

obediência (neste caso, o rótulo autoritário). E é com base nesses sentidos que entra a

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26 história, a produção de acontecimentos, que por vez é afetada pela ideologia e pela

memória1.

De acordo, então, com a dinâmica das condições de produção, Orlandi

(2006) insere o discurso pedagógico no interior do discurso predominantemente

autoritário, alegando que o professor, porta-voz da ideologia da escola, centraliza o

discurso em si mesmo, pois seu ato de inculcar está baseado na fórmula “é porque é”.

[...] no discurso lúdico há a expansão da polissemia, pois o referente do discurso está exposto à presença dos interlocutores; no polêmico, a polissemia é controlada, uma vez que os interlocutores procuram direcionar, cada um por si, o referente do discurso; e, finalmente, no discurso autoritário há a contenção da polissemia, já que o agente do discurso se pretende único e oculta o referente pelo dizer.(ORLANDI, 2006, p. 29).

Como um discurso predominantemente autoritário, o DP pode ser

considerado um discurso de poder e, por isso, sem nenhuma neutralidade. Sob o

propósito da autoridade, as posições de sujeito manifestam-se pré-determinadas,

obedecendo a uma hierarquia: o professor está na posição do sujeito que sabe, portanto,

pode ensinar ou inculcar o referente, o objeto a ser ensinado ao aluno; este visto como

aquele que não sabe, que deve aprender; e, finalmente, mas não menos importante, a

escola é vista como um parelho ideológico do Estado.

Considerando que a nossa proposta de intervenção vislumbra uma mediação

predominantemente polêmica, acreditamos, por isso, que o discurso que se materializa

na interpretação dos alunos não opera da mesma forma que o discurso pedagógico, em

que a transmissão/reprodução do conhecimento científico é posta sob dois aspectos: a

metalinguagem e a apropriação do cientista feita pelo professor.

Orlandi (2006, p. 30) enfatiza que “através da metalinguagem estabelece-se

o estatuto científico do saber que se opõe ao senso comum, isto é, constrói-se com a

metalinguagem o domínio da objetividade do sistema.” A metalinguagem consiste na

exclusão dos fatos, as definições são rígidas, há cortes polissêmicos. O que se explica “é

a razão do é-porque-é e não a razão do objeto de estudo.” (ORLANDI, 2006, p. 30).

Ao apropriar-se do cientista, o professor, segundo a autora, confunde-se

com ele sem se mostrar como voz mediadora. É no espaço institucional que se apaga o

modo pelo qual se faz a apropriação do conhecimento do cientista. Com isso, a

legitimidade conferida à fala do professor não é somente dada pelo fato de ele apropriar-

1 “A memória, por sua vez, tem suas características, quando pensada em relação o discurso. E, nessa

perspectiva, ela é tratada como interdiscurso. Ele é definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, ou seja, é o que chamamos memória discursiva.” (ORLANDI, 2009, p. 31).

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27 se do cientista, mas pelo fato de ocupar uma posição de autoridade na instituição que o

legitima.

Estudos sobre a aula de leitura da língua materna e da língua estrangeira

(CORACINI, 2010; GRIGOLETTO, 2010) indicam que, muitas vezes, propaga-se pelo

discurso pedagógico (DP) o controle dos sentidos produzidos durante o ato de ler,

conduzindo o aluno ao que se chama compreensão literal. Assim, não há lugar para a

pluralidade de leituras. Interpretar consiste aí, consequentemente, em encontrar sentidos

já-dados pelo professor, pelo livro ou pelo autor do texto. O texto, por sinal, é tido,

também, como autoridade, pois autoriza algumas leituras e impossibilita outras. Desse

modo, a prática de leitura não se abre para a possibilidade de que o dizer possa abarcar

tantos significados quanto forem os ouvintes ou as situações de produção do discurso.

Nessa perspectiva de fechamento da leitura, o uso da linguagem está

polarizado para um discurso pedagógico que tende a ser autoritário, já que o professor

está conduzindo os alunos para uma leitura que acredita ser a única possível. Assim, ele

é “situado em uma posição hierarquicamente privilegiada: o responsável pelas regras

interacionais (já previstas, ou a construir no grupo)” (BORTOLOTTO, 1998, p. 20), ao

passo que, ao aluno, concebido como desprovido de toda e qualquer autoridade para

significar, apenas resta-lhe seguir os passos propostos pelo mestre para a realização da

tarefa. Sobre essa relação aprendiz e professor, Orlandi (2008, p. 40) critica o fato de,

muitas vezes, a escola colocar o aluno no ‘grau zero’, desvalorizando o seu

conhecimento prévio, “sua relação com outras linguagens e sua prática de leitura não-

escolar”. Por outro lado, o professor é colocado no ‘grau dez’, visto como aquele que

detém o saber e está autorizado a transmiti-lo. A autora propõe, então, “[...] uma relação

dialética entre aprendiz e professor na construção do objeto de conhecimento, no caso

presente, a leitura”.

Levar em consideração o fato de o discurso predominantemente autoritário

ser o mais utilizado pelos professores nas atividades escolares pode ser uma pista para

entendermos a dificuldade da escola em formar sujeitos participativos e críticos.

Diante de tal quadro, podemos perguntar-nos como esperar que cheguem ao

Ensino Médio alunos reflexivos, produtores de sentido, se, desde os primeiros anos no

espaço escolar, eles participam de atividades que limitam as suas oportunidades de

atuação, participação e autonomia?

Acreditamos que uma possível resposta para esse questionamento encontra-

se em uma reformulação das práticas pedagógicas que contribua para um discurso cujo

funcionamento privilegie o âmbito do discurso polêmico, promovendo, assim, a

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28 abertura do sentido. Pois, se o professor reconhecer as interações verbais como um

momento de produção de linguagem e um lugar de constituição de sujeitos

enunciadores, consequentemente ele irá abrir espaço para promoção de debates e

questionamentos, ao invés de somente transmitir informações. Por isso, chamamos a

atenção para a importância de vozes diferenciadas e discordantes durante o processo de

construção do conhecimento. Sobre esta abertura, Orlandi(2006, p. 33) comenta:

Da parte do aluno, uma maneira de instaurar o polêmico e exercer a sua capacidade de discordância, isto é, não aceitar aquilo que o texto propõe e o garante em seu valor social: é a capacidade do aluno de se constituir ouvinte e se construir como autor na dinâmica da interlocução, recusando tanto a fixidez do dito como a fixação do seu lugar como ouvinte.

A significação de um discurso não é imóvel e está presente no processo de

interação locutor-receptor. É essa dinâmica de papéis que caracteriza a possibilidade do

discurso que se almeja promover em sala de aula: o discurso polêmico, possível de ser

instaurado, como já dito anteriormente, a partir da leitura de anúncios publicitários

veiculados nas mídias visuais, tanto a televisiva, por exemplo, quanto a virtual. Textos

considerados atraentes porque possuem características singulares, aspectos que veremos

com mais detalhes na sessão a seguir.

2.5 O ANÚNCIO PUBLICITÁRIO

2.5.1 Publicidade e/ou propaganda

Antes de analisar os efeitos de sentido produzidos pela leitura dos anúncios

publicitários televisivos na sala de aula, iremos apresentar alguns conceitos relacionados

aos termos publicidade e propaganda. Tal abordagem faz-se necessária em virtude da

utilização frequente desses termos ao longo desta dissertação.

Etimologicamente, publicidade deriva de público, palavra de origem latina

(publicus), derivada de publicare: o ato de vulgarizar, de tornar público um fato ou uma

ideia. No século XV, na França, tinha um sentido de ordem jurídica, publicação de leis,

mas, segundo Rabaça e Barbosa (1995, p. 481), o termo publicidade perde o sentido

jurídico e passa a ganhar um significado comercial em meados do século XIX:

“Qualquer forma de divulgação de produtos ou serviços, através de anúncios pagos e

veiculados sob a responsabilidade de um anunciante identificado com objetivos de

interesse comercial.”

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29

Já a propaganda é definida como a propagação de princípios e teorias

relacionadas com a política, com a religião e com a ética. Etimologicamente, é um

gerundivo do verbo latino propagare –quer dizer “algo que deve ser propagado,

difundido, estendido”. De acordo com Sandmann (2010, p. 9), este termo surgiu do

nome Congregatio de propaganda fide(Congregação da fé que deve ser propagada),

criada em Roma, em 1622. Tal congregação tinha como finalidade a propagação da fé.

Assim, o termo propaganda acoberta o sentido de disseminação de ideias, princípios e

doutrinas ligados aos valores religiosos.

Erbolato (1985, p. 254) distingue os seguintes tipos de propaganda:

propaganda ao ar livre (outdoor), propaganda de guerra (abuso e crimes), propaganda

direta (anúncios enviados ao consumidor), propaganda falsa (divulgação de qualidades e

vantagens de produtos não correspondentes à realidade), propaganda no ponto de venda

(feita no próprio local de venda do produto), propaganda política (difusão de ideias

políticas) e propaganda subliminar (mensagens rápidas que são captadas apenas pelo

subconsciente por serem apresentadas numa velocidade de 1/3.000 de segundo).

Esses conceitos mostram-nos que a publicidade e a propaganda são termos

distintos no que se refere à etimologia, mas, de acordo com Rabaça e Barbosa (1995, p.

481), estão sendo usados sem muita distinção.

No Brasil e em alguns países da América Latina, as palavras propaganda e publicidade são geralmente usadas com o mesmo sentido, e esta tendência parece ser definitiva, independentemente das tentativas de definição que possamos elaborar em dicionários ou em livros acadêmicos. Em alguns aspectos, porem, é possível perceber algumas distinções no uso das duas palavras: em geral não se fala em publicidade em relação à comunicação persuasiva de ideias (neste aspecto, propaganda é mais abrangente, pois inclui objetivos ideológicos, comerciais etc.); a publicidade mostra-se mais abrangente no sentido de divulgação ( tornar público, informar, sem que isso implique necessariamente persuasão).

Com o intuito de contribuir para o esclarecimento das peculiaridades

existentes nos termos em questão, Gomes, Corradi e Cury (1999), em Adialética

conceitual da publicidade e da propaganda, tentam esclarecer o significado de cada

termo. Em princípio, mostram que nem mesmo o Código Brasileiro de Auto

Regulamentação Pública apresenta uma diferença entre publicidade e propaganda.

Sobre esse impasse, os autores comentam que:

A insistência maior em tratá-las como sinônimo se dá no Brasil [...] desde que nossas primeiras agências foram sido criadas, inspiradas nas agências americanas que vieram para o Brasil com os primeiros clientes multinacionais. Com uma indevida tradução, publicity, propaganda e

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30

advertise se tornaram vocábulos usados por nossos, também pioneiros, profissionais, e logo, passaram ao domínio público. Com o tempo, institucionalizaram-se e tornaram, aqui, os três sinônimos (CORRADI; CURY; GOMES, 1999).

Percebemos que, apesar desses termos terem origem distinta e estarem

associados sócio-historicamente a campos diferentes de atividade humana (o religioso e

o jurídico), sua semelhança semântica acabou por praticamente confundi-los. Por isso,

atualmente não há uma fronteira clara entre propaganda e publicidade. Diante de tal

constatação, nesta dissertação, utilizaremos indistintamente os dois termos.

2.5.2 Anúncio publicitário televisivo: um texto persuasivo e sedutor

O texto publicitário tem uma presença pontual em nosso dia a dia. Por isso,

sempre que folheamos um jornal ou uma revista, assistimos à TV, ou olhamos cartazes

e outdoors na rua, estamos diante de anúncios. Crianças, jovens e adultos são

“bombardeados” pela publicidade, pois ela encontra-se nos brinquedos, nos alimentos,

nos materiais escolares, nas revistas infanto-juvenis etc. Referindo-se a essa presença

pontual da publicidade, Toscani (1996, p. 22) descreve-a da seguinte forma:

Interrompe os filmes na televisão, invade o rádio, as revistas, as praias, os esportes, as roupas, acha-se impressa até nas solas dos nossos sapatos, ocupa todo o nosso universo, todo o planeta. É impossível esboçar um passo, ligar o rádio, ler o jornal sem dar de cara com a mamãe publicidade.

Vestergaard e Schroder (2000) afirmam que a expansão da publicidade

ocorreu no final do século XIX por força da superprodução decorrente dos

investimentos tecnológicos, chegando a um nível de desenvolvimento em que as

empresas lançavam mercadorias mais ou menos iguais e a preços equivalentes. Neste

contexto, a venda de uma mercadoria limitava-se a informar a existência de um produto,

descrever que ele fazia isso e fazia aquilo, e custava tanto. Essa situação não despertava

o interesse específico do consumidor por este ou por aquele produto. Em virtude desse

fato, as técnicas publicitárias mudaram da informação para a persuasão, o que fez surgir,

no século XIX, as primeiras agências publicitárias.

Para Baudrillard (2002, p. 176), essas mudanças no texto publicitário são

importantes, tendo em vista que a simples demonstração do produto não consegue

persuadir ninguém, apenas serve para racionalizar uma compra cuja motivação

ultrapassa os motivos racionais. O indivíduo é sensível ao cuidado que se tem de

solicitá-lo e persuadi-lo, portanto, é preciso ir bem mais além.

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31

Com o intuito de conseguir esse “ir mais além”, nas últimas décadas, os

publicitários modificaram consideravelmente a linguagem publicitária. Assim, a

publicidade que teve como propósito inicial a informação foi subordinada pelo discurso

persuasivo e hoje tem como papel fundamental convencer, induzir, por meio de

argumentos e fatos concretos como menor preço ou qualquer aspecto que represente

benefícios ou vantagens ao consumidor. A ideia é fazer crer, ao consumidor, que ele

está concretizando um bom negócio.

O ser humano tem necessidades sejam elas fisiológicas (fome, sede, sono)

ou psicológicas (autoestima, realização pessoal) e no seio de uma sociedade cada vez

mais materialista, que define o indivíduo pelo que ele tem, essas necessidades

aumentam gradativamente. Se antes, o desejo era adquirir uma casa, agora é preciso

trocá-la por outra maior. Tal processo acusa uma insatisfação constante do indivíduo,

uma necessidade de querer mais, e é essa necessidade que fundamenta a sociedade de

consumo. A publicidade se aproveita disso e, por meio de uma linguagem persuasiva

estimula os pensamentos, sentimentos e ações do consumidor. Neste sentido, Borges

(2010, p. 02) comenta que:

Essas mensagens, então, transmitem as características e as vantagens mediante a aquisição do produto, sendo que essas vantagens palpáveis são conquistadas através de seu uso. A comunicação persuasiva é, portanto, àquela que leva os receptores à motivação, através do emprego de informações que levam ao uso da racionalidade e consequente verificação da ‘veracidade’ da promessa contida na mensagem.

O texto publicitário como uma prática social é formulado a partir de

elementos verbais e não-verbais dispostos em anúncios permeados de estratégias

persuasivas imbricadas em seus textos, na tentativa de seduzir o leitor/consumidor.

O anúncio publicitário televisivo, por exemplo, é um desses anúncios que

lança mão de várias estratégias persuasivas, principalmente o uso de linguagens

imbricadas, a fim de conquistar o consumidor. Por isso, Elin e Lapides (2006, p. 32)

pontuam que há todo um trabalho minucioso por traz dos elementos que compõem a

propaganda televisiva. Entre os elementos que contribuem para tornar esse texto mais

atraente e persuasivo, está, por exemplo, a linguagem visual. Segundo os autores, essa

linguagem refere-se aos melhores ângulos, à iluminação, às cores, à edição de imagens,

aos efeitos especiais e sonoros dados ao anúncio. Todas essas técnicas são importantes,

porque os produtores utilizam-nas para “criar e produzir o comercial, sabendo que cada

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32 uma delas, combinada com as demais, contribui com alguma informação para o roteiro

a ser desenvolvido.”

A harmonia entre os elementos que compõem a linguagem visual do

anúncio publicitário torna a sua leitura bem mais fácil. A partir dessa harmonia, as

imagens irão proporcionar “um verdadeiro prazer para os olhos” (RAMONET, 2002,

p.68).

Outro elemento cuidadosamente planejado na produção de um anúncio é o

tema a ser abordado. A sua força persuasiva reside na repercussão que ele deverá

provocar junto “ao público alvo em termos intelectuais, emocionais, ou intuitivos, e de

preferência, nesses três sentidos.” (ELIN;LAPIDES,2006, p. 32). A combinação desses

elementos deve provocar uma identificação do público alvo com o estilo de

apresentação e com os pressupostos da mensagem. Dito de outra forma, o tema é

fundamental para promover a identificação entre a mensagem e o consumidor.

De acordo com Ramonet (2002, p.53), “o filme publicitário é um filme

discreto. Nas salas, ele não é anunciado; nas emissoras, os programas de televisão

sequer o anunciam. Esta discrição, que parece contrária à sua obstinada preocupação de

eficácia, mostra-se necessária para fazer-se aceitar.” Dito de outro modo, o anúncio

publicitário precisa aparecer naturalmente nos intervalos da programação televisiva para

que o telespectador tenha a sensação de que a programação é contínua, isto é, o

intervalo das programações não pode ser o momento em que ele pode afastar-se da

televisão, porque, durante o intervalo, o espetáculo também continua.

O filme publicitário é visto assim, como um espetáculo, porque ele

apresenta o produto, “cujos méritos elogia, numa dramatização que termina

inevitavelmente num happyend, isto é, precisamente a descoberta do produto-milagre

que permite aceder à felicidade.” (RAMONET, 2002, p. 63). Os autores Vestergaard e

Schroder (2000) corroboram com Ramonet. Eles explicam que essa estratégia de aceder

à felicidade é uma das receitas de sucesso mais utilizadas na publicidade atualmente. Ao

apresentar “gente incrivelmente feliz e fascinante, cujo êxito em termos de carreira ou

de sexo – ou ambos – é óbvio, a propaganda constrói um universo imaginário em que o

leitor consegue materializar os desejos insatisfeitos de sua vida

diária.”(VESTERGAARD; SCHRODER, 2000, p. 129).Para quem observa com certa

atenção e reflete sobre as propagandas que mostram essa gente incrivelmente feliz

apenas por consumir o refrigerante X ou a bebida Y, ou, ainda, determinada marca de

margarina no café da manhã, tudo pode parecer irreal ou, melhor dizendo, muito teatral.

Sobre esta questão, Minois (2003) comenta que o humor moderno, utilizado pelos

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33 veículos de comunicação de massa, pela publicidade, pela moda e pelo consumismo,

apresenta-se como um vazio de significado, sem criticar, limitando apenas a criar uma

situação de felicidade.

Acrescentamos, ainda, que os comerciais procuram valorizar, diferenciar e

tornar familiar o que está sendo anunciado. Por esse motivo, os publicitários têm

utilizado nos comerciais uma linguagem coloquial ou uma linguagem utilizada pelo

público alvo que se deseja atingir. Com isso, eles objetivam aproximar o telespectador

do produto ou do serviço, tornando-os familiar a ele. Sendo assim, é bem provável que

o telespectador familiarize-se com o contexto, e isso talvez o impulsione a comprar o

que está sendo anunciado.

Importa saber que essa estratégia é bastante explorada nos anúncios

publicitários selecionados para esta pesquisa. No anúncio do refrigerante Sukita, por

exemplo, a linguagem utilizada pela personagem adolescente provoca uma grande

identificação entre o seu público-alvo (os jovens) e o produto anunciado.

O anúncio publicitário televisivo, a partir de uma linguagem própria, se

propõe a levar o receptor a ações como compra, adesão política, religiosa, de ideias,

entre outras. Desse modo, passa a ocupar um lugar de destaque na sociedade

contemporânea e assume um papel de agente transformador, tanto na conduta quanto na

construção de valores e opiniões. E como a peça publicitária faz parte de nossa

realidade linguística e social, é importante que ela esteja no ambiente escolar, como

objeto de estudo.

Nessa perspectiva, o anúncio publicidade fornece possibilidades dialógicas

com a sala de aula. A inserção do anúncio publicitário, como objeto pedagógico, é

fundamental na medida em que é um agente transformador e formador de opinião e a

escola, como espaço institucionalizado do saber e uma colaboradora na formação do

cidadão, tem a possibilidade de empreender o diálogo com essa produção que, de

acordo com o senso comum, persuade e seduz o leitor, convidando-o e tentando

convencê-lo a comprar um produto, um serviço ou uma ideia, fato que poderia

descredenciá-la como objeto pedagógico. No entanto, é necessário problematizar a

linguagem midiática em sala de aula e trabalhar a dinâmica do texto publicitário, além

de “garantir ao cidadão os dispositivos de leitura necessários para interagir criticamente

com o discurso publicitário e poder contrapor-se aos ditames do consumo e as

ideologias veiculadas nos textos publicitários” (SCHIMIEGUEL, 2009, p. 07).

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34 2.5.3 O jogo discursivo na leitura de anúncios publicitários televisivos

A proposta de trabalhar a leitura de anúncios publicitários televisivos à luz

da Análise do Discurso (AD) é uma proposta que considera o ato de ler como um

processo discursivo no qual se inserem os sujeitos produtores do sentido – o autor e o

leitor: ambos sócio-historicamente determinados e ideologicamente constituídos.

Pensada nesses moldes, tal proposta pretende auxiliar o aluno “a perceber a leitura como

construção de sentidos determinados pela inserção do leitor dentro de um dado contexto

sócio-histórico-ideológico e pela sua história de leitura” (GRIGOLETTO, 2010, p. 85).

Numa perspectiva discursiva, a produção dos sentidos não é realizada por

um autor onipotente, cujas intenções controlam todo o percurso da significação do

texto, mas por sujeitos situados historicamente, que ocupam um “lugar” e que produzem

sentidos a partir desse lugar que ocupam.

Se não houver essa dimensão discursiva reconhecida durante o processo de

interpretação, então, teremos uma concepção de leitura que defende o texto como fonte

única de sentido. Trata-se de uma concepção que provém de uma visão estruturalista e

mecanicista da linguagem, segundo a qual o sentido estaria arraigado às palavras e às

frases, estando, desse modo, na dependência direta da forma. Sob esta perspectiva, o

texto tornar-se-ia autoridade, portador de significados por ele limitados, concebidos

como valores independentes do leitor e das condições de produção da leitura. Para

Nunes (2003, p. 32), esse tipo de leitura faz supor que:

[...] existe um corpo de saber fixo, anterior ao momento da interpretação, um espaço regulamentado que o professor aplica no decorrer das atividades, um conteúdo, uma mensagem a transmitir. O aluno deve ter a sensibilidade de encontrar, de recuperar esses sentidos já prontos.

Acreditamos que essa concepção de leitura seja um reflexo das ilusões ou

esquecimentos, conforme estes conceitos foram formulados por Pêcheux (1988, p.

173)no livro Semântica e Discurso. De acordo com o autor, existem dois tipos de

esquecimento, aos quais nos referimos como esquecimento 1 e esquecimento 2. O

esquecimento 1dá-se no nível do inconsciente, não percebido no nível da enunciação. É

o funcionamento pleno da ideologia, ou seja, esquece-se o traço que vincula

historicamente o sujeito à sua enunciação. É pelo esquecimento número 1 que o sujeito

tem a ilusão de ser a fonte/origem do seu dizer, ou seja, esquece que o que ele diz só faz

sentido porque já fez sentido antes.

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35

Já o esquecimento número 2 dá-se no nível do pré-consciente, ao nível

enunciativo, que tem haver com a formulação. O sujeito tem a ilusão de controlar o

sentido daquilo que diz. Ele esquece que há outros sentidos possíveis. Ou seja, esquece-

se que o dizer sempre poderia ser outro.

Dessa forma, ventilamos uma relação entre o esquecimento número 2 e o

Discurso Pedagógico que controla os sentidos produzidos durante o ato de ler. Pois,

conforme postula Coracini (2010, p. 30), “é graças ao esquecimento de que o que se diz

tem tantos significados quanto forem os ouvintes e as situações de produção do

discurso, que se explica o controle cerceador do sentido, conduzindo o aluno ao que se

chama compreensão literal”. Tal processo considera apenas a possibilidade de se

recuperar o verdadeiro sentido do texto ou as intenções do autor.

Como já pontuamos anteriormente, essa concepção de leitura não interessa

para esta pesquisa porque aborda a leitura como um processo neutro, objetivo e

harmonioso. O que nos interessa é a concepção discursiva de leitura, que em sentido

contrário, aborda a leitura como um fenômeno social e ideologicamente constituído.

Em consonância com a concepção discursiva de leitura, este trabalho

configura-se como uma proposta de atividade que pretende explorar, de forma

polêmica, o jogo do discurso na leitura de anúncios publicitários televisivos do

refrigerante Sukita e de um carro da Mercedes-Benz. Para tanto, serão privilegiados os

aspectos discursivos constituídos no e constitutivos da história desses anúncios,

consideradas as suas condições de produção e, mais especificamente, a relação entre os

interlocutores (professores e alunos) e o objeto do discurso (os anúncios).

A inserção da leitura dos anúncios dentro da dimensão discursiva de

significação trabalhará a interpretação como processo de construção de sentidos e não

como descoberta de sentidos já-dados, uma vez que “estes são construídos por/através

de sujeitos inscritos numa história, num processo simbólico duplamente descentrado

pelo inconsciente e pela ideologia.” (RODRIGUEZ, 2003, p. 51).

Para a Análise do Discurso, é por meio da linguagem que ocorre a mediação

entre o homem e a realidade natural e social. A linguagem, para a AD, como já citado,

não é transparente; sendo assim, mais do que trabalhar com a interpretação, busca os

sentidos que se dissimulam e circulam no texto e a sua relação com a exterioridade.

A interpretação entendida por Orlandi (1998), com base em Pêcheux (1969),

é um ‘gesto’, ou seja, é um ato no nível simbólico. Conforme a autora (2006, p. 18), “o

gesto de interpretação se dá porque o espaço simbólico é marcado pela incompletude,

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36 pela relação com o silêncio. A interpretação é o vestígio do possível. É o lugar próprio

da ideologia e é ‘materializada’ pela história”. Isso porque para Orlandi:

Efetivamente, no momento em que se assume a incompletude da linguagem, sua materialidade discursiva, o gesto de interpretação passa a ser visto como uma relação necessária (embora na maior parte das vezes negada pelo sujeito) e que intervém decisivamente na relação do sujeito com o mundo (natural e social), mesmo que ele não saiba. (ORLANDI, 1998, p. 20).

Partindo do princípio de que há sempre uma interpretação e que não há

sentido sem interpretação, há que recriá-lo, mesmo às custas do ‘sentido’ original.

Orlandi baseia-se na afirmação de Pêcheux de que uma palavra não tem um sentido que

lhe é próprio, preso à sua literalidade e nem sentidos deriváveis a partir dessa

literalidade (Pêcheux apud ORLANDI, 1998, p. 21). Isto é, o sentido é sempre uma

palavra, uma proposição por outra e essa superposição, essa transferência ‘meta-phora’

pela qual os elementos significantes passam a se confrontar, de modo que se revestem

de um sentido, não poderia ser predeterminada por propriedades da língua. Assim, as

proposições recebem seus sentidos das formações discursivas nas quais se inscrevem.

Ainda nas palavras da autora, “o espaço da interpretação é o espaço do

possível, da falha, do efeito metafórico, do equívoco, em suma: do trabalho da história e

do significante, em outras palavras, do trabalho do sujeito.” (ORLANDI, 1998, p. 22).

Ao observar o funcionamento discursivo dos anúncios televisivos nas aulas

de leitura, o aluno terá a oportunidade de entender o jogo ideológico constituído por

meio das imagens, do aspecto verbal e do aspecto sonoro desses textos, compreendendo,

assim, quais efeitos de sentido estão, de alguma maneira, gerando informações e

valores.

As mídias, de acordo com Setton (2010, p. 9), tal qual a ação docente, falam

com alguém, exprimem uma ideia, um conteúdo, têm intenção de transmitir, divulgar

conhecimento, habilidades e competências. No mundo moderno, com o avanço das

tecnologias, das técnicas de comunicação, com a sofisticação da publicidade e de um

estilo de vida em que o consumo tem um papel preponderante, os meios de

comunicação de massa assumem uma expressiva importância. Daí, faz-se necessário

que possibilitemos a reflexão sobre o papel pedagógico e muitas vezes ideológico das

mídias, no caso da nossa pesquisa, a mídia televisiva utilizada pela publicidade.

A linguagem dos anúncios é um elemento que, também, abre um canal de

comunicação com os jovens, pois ela é composta de jargões e expressões próprias da

idade e, por isso, ajuda-os a significar com maior afinidade. No entanto, vale lembrar

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37 que a multiplicidade de sentidos não brota apenas da estrutura do texto, como já

discutido anteriormente, mas também a partir do seu acontecimento discursivo. E, a

cada acontecimento, surgem novas possibilidades de (re)significação do texto. Sobre

este fato, Orlandi (2008, p. 41) comenta que:

Leituras que são possíveis, para um mesmo texto, em certas épocas, não o foram em outras, e leituras que não são possíveis hoje, serão no futuro. Isto pode ser observado em nós mesmos: lemos diferentemente um mesmo texto em épocas (condições) diferentes.

Tanto o anúncio do refrigerante Sukita quanto o anúncio do carro da

Mercedes-Benz elegidos para este trabalho foram produzidos em 1999. Por isso,

vislumbramos uma pluralidade de leituras cujos discursos sejam constituídos não só

pela paráfrase, sentidos que já são previstos para esse tipo de texto, mas também pela

polissemia, que será instaurada a partir dos efeitos de sentido produzidos por novas

leituras: leituras realizadas 13 anos depois da criação desses anúncios. Tal fato

possivelmente promoverá o atravessamento de outros discursos na fala dos alunos,

possibilitando, desta forma, efeitos de sentido diferentes daqueles produzidos quando os

anúncios estiveram em circulação comercial.

Ao trazer a dimensão discursiva para a leitura dos anúncios publicitários

televisivos, esperamos que os alunos percebam que os textos, de forma em geral,

possuem sentidos que são previstos por suas condições de produção, tendo em vista o

veículo no qual circulam socialmente ou, ainda, considerando o público ao qual se

destinam. No entanto, desejamos, também, que a compreensão dessa dimensão

discursiva possa ajudá-los a desmontar as evidências dos valores e das ideologias

trazidas por essas leituras, expondo, desta forma, a opacidade dos processos discursivos

ao olhar desses telespectadores que ora ocupam posição de alunos, ora ocupam posição

de consumidores.

Para tanto, desenvolveremos a seguir os métodos utilizados em sala de aula, o

objeto alvo principal da atividade, além da maneira de atingir os alunos com aquilo que

se propõe investigar. Outro fator que importa destacar é o tipo de estudo desenvolvido

neste trabalho, é o estudo de caso, sendo entendido com o lócus privilegiado para a

inclusão do pesquisador na realidade concreta – fora do âmbito da universidade –, na

qual, por meio de ação crítica e pedagógica, torna-se autor formador e transformador da

cultura. O contato direto com os problemas sociais e culturais da sociedade – no caso

deste trabalho, escolar, – é indispensável para o desenvolvimento de profissionais

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38 cidadãos, dotados de valores e competências, com postura crítica e ética, o que afetará

também os discentes concomitantemente.

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39 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

No capítulo anterior apresentamos os aportes teóricos que orientam a

pesquisa. Este capítulo destina-se à metodologia. Como mencionado anteriormente, o

objetivo da presente pesquisa é promover uma discussão sobre a leitura de anúncios

publicitários televisivos com a intenção de instaurar um espaço polêmico de construção

de sentidos. Por questão de ética de pesquisa, os nomes reais foram substituídos com

propósito de preservar a identidade dos alunos, razão pela qual adotamos a ordem

alfabética, letras maiúsculas, para nomeá-los. Apresentamos os anúncios analisados; em

seguida o tipo de pesquisa realizada; o contexto da pesquisa, a organização dos dados, e

finalmente a forma de análise dos dados.

Vale ressaltar que para descrever a escola e a sala de aula usamos os

documentos: Regimento Escolar, que se refere ao conjunto de regras que definem a

organização administração, didática, pedagógica e disciplinar da instituição; o Projeto

Político-Pedagógico (P P P) elaborado para os anos de 2011 a 2014, cuja meta principal

foi orientar o trabalho pedagógico para promover a educação integral ao educando, por

meio de uma gestão participativa, que priorize o desempenho de todos os envolvidos no

processo administrativo e pedagógico da escola, para aprimoramento da qualidade de

ensino (p. 11). Usamos ainda uma filmadora e um gravador para registrar a intervenção.

Dos documentos: Regimento Escolar e Projeto Político Pedagógico, a coordenação

pedagógica da escola nos forneceu uma cópia impressa.

3.1 OS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS

Como já mencionado anteriormente, elegemos dois anúncios publicitários

para a realização desta pesquisa: O primeiro é o do refrigerante Sukita (AmBev), e o

segundo, do carro Classe A (Mercedes-Benz). A seguir, apresentamos a

contextualização da produção desses anúncios e, na sequência, o fotograma das cenas

das duas peças publicitárias.

Conforme uma matéria publicada na revista Exame (SILVA, 2000), o

refrigerante Sukita reapareceu no mercado nacional, em 1999,com um visual

diferenciado, com o objetivo de parecer mais moderno. O novo layout fez parte da

estratégia global da AmBev (sua empresa fabricante) para reposicionar a marca no

mercado. Nesse mesmo ano foi lançada uma campanha publicitária para divulgar as

mudanças do produto. Com o slogan “Quem bebe Sukita não engole qualquer coisa”, a

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40 tônica da campanha pretendia ser divertida e era voltada ao público jovem. Assim, a

agência Carillo Pastore Euro Rscg produziu três anúncios publicitários que tinham

como protagonistas os atores Roberto Arduim e MichellyMachri.

A série de anúncios retrata o interesse de um senhor por sua nova e bonita

vizinha. No entanto, essa vizinha despreza-o sempre que ele tenta aproximar-se dela.

Ele dá indiretas, lança olhares, e ela, aparentemente sem entender as intenções dele, dá

respostas evasivas, sem querer ou sem interesse. Assim, quando ele tenta aproximar-se

dela, ela dá o famoso “fora”, chamando-o de tio.

Em virtude da repercussão desses anúncios, no ano seguinte, a W/Brasil,

agência publicitária responsável pela marca da Mercedes-Benz, lançou uma paródia do

comercial do refrigerante, porém direcionada ao público adulto, potencial comprador do

carro. Nessa paródia, a tentativa de sedução não parte mais do “tio da Sukita”, mas sim

da adolescente. Ela pede para dar uma volta no carro Classe A do “tio”, e ele a esnoba.

A mudança nas condições de produção do anúncio do carro Classe A

provocou um deslocamento de sentidos em relação ao anúncio do refrigerante. Pois,

apesar de ambos possuírem a mesma constituição cênica e os mesmos personagens, eles

são marcados discursivamente por posições distintas, fazendo com que cada anúncio

seja alçado por processos distintos de interpretação e produza efeitos de sentido

diferentes.

Com o intuito de tentarmos ilustrar possíveis percursos de interpretação dos

anúncios, apresentamos um recorte de 11 fotogramas que constituem cenas do vídeo do

comercial da Sukita e 13 fotogramas do comercial do carro Classe A. Além dos

fotogramas, também apresentamos a transcrição da fala dos personagens. Os vídeos

possuem duração de 32 e 31 segundos, respectivamente.

Figura 1 - Fotograma das cenas do anúncio do refrigerante Sukita (AmBev)

Loc.1: Sobe?

Loc.1: Obrigada.

Loc.2: Tá quente aqui, né?

Loc.1: Ahã.

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41

Loc.2: Tá gostosaaSukita?

Loc.1: Ahã.

Loc.2: Você énovaaquino prédio?

Loc.1: Ahã.

Loc.2: Eu posso...?

Loc.1: Tio, aperta o 21 pra mim?

Loc. 3: Quem bebeSukita não engolequalquer coisa.

Fonte: ELEVADOR (1999).

Figura 2 - Fotograma das cenas do anúncio automóvel Classe A (Mercedes-Benz)

Loc.1: Oi!

Loc.2: Oi!

Loc.1: Tudo bem?

Loc.2: Ahã.

Loc.1: Por acaso aquele Classe A lá na garagem é seu?

Loc.2: Ahã.

Loc.1: Confortável, seguro, né?

Loc.2: A hã

Loc.1: Dá pra dá uma voltinha?

Loc.2: Não

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42

Loc.1: Não????

Loc.2: Não. N-A-O Til

Loc.3: Classe A, vocêdeMercedez!

Fonte: VOCÊ (2000).

3.2 TIPO DE ESTUDO

Por se tratar de uma pesquisa na área educacional, optou-se por uma

abordagem que documenta a realidade, a dinâmica e a complexidade do contexto de sala

de aula. Sobre esse contexto de sala de aula, Ludke e André (2013) comentam que à

medida que avançam os estudos da educação, mais evidente se torna seu caráter de

fluidez dinâmica e de mudança, natural a todo ser vivo. E mais claramente se nota a

necessidade de se desenvolver métodos de pesquisa que atendem a esse caráter

dinâmico.

A abordagem qualitativa foi utilizada porque envolve a obtenção de dados

descritivos, colhidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza

mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos

participantes (LUDKE, ANDRÉ, 2013, p. 14). Dessa forma, é imprescindível um

contato direto com a situação pesquisada para fornecer, em sua análise, elementos

necessários para compreender determinada situação adequadamente. Estudos dessas

ocorrências específicas são essenciais para oportunizar ao pesquisador entender e

suscitar a realidade dinâmica e complexa em que se insere determinado objeto de

estudo.

Nesta pesquisa, com base no referencial teórico procura-se compreender e

interpretar a intervenção a partir da realidade estudada. Para tanto, estabelece-se uma

interação entre os dados reais e suas possíveis explicações teóricas que permitem

estruturar um quadro teórico dentro do qual o fenômeno pode ser interpretado e

compreendido. (LUDKE, ANDRÉ, 2013).

Por se tratar de uma única turma da rede pública de Manaus, o estudo de

caso foi escolhido como metodologia por melhor instrumentalizar o contexto da

pesquisa. Assim, o princípio básico deste estudo é que, para uma apreensão mais

completa do objeto, é preciso levar em conta o contexto em que ele se situa (LUDKE,

ANDRÉ, 2013).

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43 3.3 O CONTEXTO DA PESQUISA

3.3.1 A escola

A pesquisa foi realizada numa escola pública do município de Manaus; e os

dados foram coletados numa turma do nono ano de 2012.

A intervenção foi realizada no Colégio Militar da Polícia Militar (CMPM),

situado na Rua Antônio Passos de Miranda, s/n – Bairro Petrópolis/AM. De acordo com

o Projeto Político-Pedagógico (2011-2014), essa escola foi criada em 04 de fevereiro de

1994, pelo decreto Lei nº 15.831 para atender os dependentes dos policiais militares e a

comunidade amazonense, passando a funcionar a contar do ano letivo de 1994. Neste

ano, o CMPM ofereceu ensino de 1ª a 8ª série de primeiro grau, hoje Ensino

Fundamental. No ano de 2012, foco desta pesquisa, o CMPM trabalhou com a

Educação Básica, compreendendo as etapas do Ensino Fundamental e Médio, atendendo

a 2808 alunos, sendo 2348 no Ensino Fundamental e 460 no Ensino Médio.

De acordo com o Projeto Político-Pedagógico, a partir de sua criação a

escola passou a contar com a parceria da SEDUC, através de convênio o que lhe

garantia o apoio daquela instituição nos aspectos pedagógicos e cessão de funcionários

públicos para o seu funcionamento (professores e pedagogos). Ainda de acordo com o

documento, a escola dispõe de um significativo rol de recursos didático-pedagógicos e

tecnológicos que dão suporte às atividades desenvolvidas em sala de aula ou

extraclasses, tais como: 12 data shows, 04 notebooks, 04 Televisões de 29”, 04

aparelhos de DVD, jogos pedagógicos variados, entre outros.

Em relação ao perfil sócio-econômico (alunos, comunidade e equipe

escolar), o Projeto Politico-Pedagógico (2011-2014) informa que é constituído de

camadas sociais múltiplas.

3.3.2 A turma

A turma de 9º ano na qual foi realizada a intervenção é constituída, segundo

o registro do diário de classe, de 40 alunos. No dia da atividade, estavam presentes

apenas 37. Do total da turma, praticamente 90% dos alunos já estudam na instituição

desde o 6º ano. Outros três iniciaram na escola ainda no 1º ano (Ensino Fundamental) e

um era oriundo de outra instituição. A turma é mista com predominância de meninas.

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44

Em virtude de a intervenção ter sido realizada em fevereiro, precisamente na

primeira semana de aula, não foi possível analisar questões como rendimento escolar

(índice de aprovação/reprovação), desistências e transferência de alunos. No entanto,

outras informações nos mostram um pouco do perfil dessa turma.

A grande maioria dos alunos corresponde à relação série/idade adequada

para o nono ano. Eles mantêm assim, um perfil geral dos alunos da instituição que,

segundo o Regimento Escolar (2008, p. 24), devem ingressar com a idade adequada

para cada série, do Ensino Fundamental ao Médio, e não podem reprovar por 02 (duas)

vezes numa mesma série ou em séries diferentes e subsequentes. O índice de alunos

repetentes também é baixo, apenas 02 (dois) na classe.

Quanto à disciplina da turma, os alunos demonstraram-se familiarizados

com as normas da instituição. A primeira observação neste sentido foi registrada quando

adentramos a sala de aula. Naquele momento, toda turma ficou em pé, esperando a

autorização da professora para sentar. Nas horas seguintes, mesmo sem a presença dos

professores da turma, eles não apresentaram comportamento disperso, demonstraram

interesse na atividade e participaram ativamente da intervenção.

3.3.3 A organização dos dados

Como dito anteriormente, os dados da pesquisa foram recolhidos e

organizados mediante uma intervenção que ocorreu no dia 7 de fevereiro de 2012, com

uma turma do 9º ano-D, durante um período de 4 horas. Durante o planejamento da

intervenção, optamos por não trabalhar de imediato a interpretação dos dois anúncios

escolhidos. Pensamos, no primeiro momento, em contextualizar essa atividade com a

leitura de outros textos que fizessem parte do cotidiano dos alunos. Desta forma,

instigamos um debate sobre a compreensão que eles tinham sobre texto e gênero textual,

para, a partir deste ponto, refletirmos juntos através da própria atividade de leitura, os

gestos possíveis de interpretação e a produção de sentido. Para subsidiar tal debate,

foram apresentados textos com linguagem verbal, não-verbal e, ainda, textos formados

pelo cruzamento da linguagem verbal e não-verbal. Na sequência, foram propostas as

seguintes reflexões:

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45 a. A imagem a seguir pode ser considerada um texto?

Figura 3 - Evolução do homem

Fonte: SEVERINO (2008).

b. Nas imagens que ilustram o homem e o tempo, quais os sentidos que eclodem?

c. Há uma relação de sentido entre um e outro quadro? O que permanece e o que muda?

Figura 4 - A “evolução do homem”

Fonte: BOIVIN (2005).

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46 Figura 5 - O lobo do homem continua empenhado em destruir a natureza

Fonte: PIRARO (2007).

Figura 6 - A evolução do homem até o Restart

Fonte: RIZZO (2011).

A propósito do que pretendíamos, instaurou-se um espaço polêmico sobre

os temas abordados e os textos apresentados. Neste momento, observei que os alunos

tinham facilidade em relacionar as informações trazidas pelos textos a outros textos que

os ajudavam a dar sentido àquela mensagem.

Entre os textos apresentados, o último (que traz a imagem do homem no

tempo e do grupo Restart) foi o que gerou mais discussões. Isto, porque ele retomava

uma polêmica que acontecia na cidade sobre uma entrevista dada por um componente

do grupo musical Restart, um grupo juvenil bastante popular entre os adolescentes. Ao

ser questionado sobre um local no qual ainda não tinha realizado um show e gostaria de

conhecer, um dos músicos fizera a seguinte afirmação (D’ÁVILA, 2011): “Eu gostaria

muito de tocar no Amazonas, imagine tocar no meio do mato lá, eu não sei como é o

público de lá, não sei nem se tem gente, civilização.”

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47

Relacionar o Estado do Amazonas à natureza (Selva Amazônica) e ao pouco

desenvolvimento faz parte do imaginário de muitas pessoas que moram em outros

estados. É um imaginário que gera estranhamento e desconforto entre a população que

mora na região. Logo, vislumbrou-se, neste episódio, a primeira oportunidade para

trabalhar o fato de que os sentidos vinculados em um discurso são construídos. Por isso,

há necessidade de questionar as “verdades” que aparecem como naturalizadas nesses

discursos. Assim, instigou-se o debate no sentido de deslocar o foco da discussão sobre

a “verdade” ou não do que foi dito, para a análise das condições de produção que

propiciaram o surgimento desse discurso sobre o Estado do Amazonas, a fim de

entender por que ele sustenta-se nos dias de hoje.

Dando sequência à atividade de contextualização das leituras, foram

apresentados dois anúncios publicitários impressos. Neste momento, o objetivo da

atividade foi expandir a perspectiva dos alunos para o fenômeno da intertextualidade e

sua importância para a construção do sentido de um texto.

Figura 7 - Horta de Elite

Fonte: IN PRESS (2010).

Figura 8 - Bombril

Fonte: DPZ (2009).

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48

Vale lembrar que essas atividades não compõem o corpus de nossa

pesquisa; elas apenas foram realizadas para contextualizar uma perspectiva de leitura

(sob o viés discursivo) que seria realizada com os dois anúncios escolhidos. Após a

contextualização, foram apresentados os anúncios do refrigerante Sukita e do automóvel

Classe A. Em seguida, deu-se início ao processo de interpretação dos textos,

considerando os possíveis caminhos que esses textos podem percorrer na inferência e

produção de sentido. Para isso, instigamos a compreensão dos textos – tanto os anúncios

televisivos como as imagens anteriores – levando-se em conta as suas condições de

produção e a relação desses textos com o repertório dos interlocutores.

A constituição do corpus não seguiu critérios empíricos, mas sim teóricos.

Na posição de pesquisadora/analista, pretende-se assumir o lugar daquele que escuta

além das evidências, para entender (considerando a opacidade da linguagem) os gestos

de interpretação que constituem os efeitos de sentido produzidos pela leitura dos

anúncios publicitários televisivos. Posteriormente, o corpus(a intervenção gravada e

transcrita) foi analisado, contemplando, entre outros aspectos considerados pertinentes

pela vertente teórica que sustenta esta pesquisa, as visões de mundo dos sujeitos da

pesquisa (nem sempre explicitadas na fala), o afastamento da literalidade e os efeitos

metafóricos.

3.3.4 Forma de análise dos dados

A análise do discurso (AD) de linha francesa, concebida por Michel

Pêcheux e difundida no Brasil inicialmente por Eni Pulcinelli Orlandi – uma das

maiores seguidoras da vertente –, trabalha com a opacidade da língua, com a

multiplicidade de efeitos de sentido produzidos entre interlocutores, ou seja, com aquilo

que constitui o discurso. Para a AD, a língua é a materialidade da presença/ausência do

sentido, do dito/não dito, dos equívocos, dos deslocamentos, da incompletude da

comunicação e de todos os aspectos que, nessa perspectiva, tornam-se característicos da

linguagem. A partir dessa concepção de linguagem, a AD propõe que se trabalhe a

questão da leitura considerando a opacidade do texto, a sua não transparência.

Levando em conta o fato de que, ante qualquer objeto simbólico, o sujeito é

levado a significar e, assim, fá-lo interpelado pela ideologia. Orlandi (1998) esclarece

que a tarefa do analista do discurso não é interpretar os textos que analisa em busca de

um sentido “verdadeiro”. O seu objetivo é compreender, ou seja, “explicitar os

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49 processos de significação que trabalham o texto: compreender como o texto produz

sentidos, através de seus mecanismos de funcionamento.” (ORLANDI, 1998, p.88).

Seguindo esse pressuposto, na posição de analista, considera-se a relação

entre descrição e interpretação na análise realizada, conforme orienta Orlandi (2009, p.

60) quando afirma a importância de explicitar “os gestos de interpretação que se ligam

aos processos de identificação dos sujeitos, suas filiações de sentido: descrever a relação

do sujeito com a sua memória.” Assim, o percurso eleito para explicitar tal relação tem

como ponto de partida a dinâmica que desencadeou o processo de significação dos

anúncios. Considera-se, nessa dinâmica, a natureza da relação que os alunos

estabelecem com os textos, com a história de leitura prevista para esses textos e,

principalmente, com a historicidade emergente durante a ação da leitura, no momento

em que foi produzida. Um processo desejável neste estudo, pois é o principal

responsável pela pluralidade de leituras, pelo surgimento de sentidos não previstos para

um texto.

No segundo momento da análise, considera-se o fato de que todo discurso se

assenta a partir da tensão entre processos parafrásticos e processos polissêmicos

(ORLANDI, 2009). Ou seja, entre o retorno aos mesmos espaços do dizer e o

deslocamento, ruptura de processos de significação. Tal pressuposto instiga, de tal

maneira, a verificação de como os alunos acompanham o trajeto de migração de

sentidos do anúncio do refrigerante Sukita para o anúncio do carro Classe A. E ainda, se

eles retomam a memória discursiva de leitura do primeiro anúncio para ressignificar o

enredo do segundo.

A proposta de instaurar um espaço polêmico de construção de sentidos

direcionou nosso olhar para o debate produzido acerca das mensagens contidas nos

anúncios. Interessa-nos considerar, no interior desse debate, o espaço que se abre para

um trabalho de autoria. Um trabalho desejável para esta pesquisa, uma vez que garante

aos alunos espaço para a negociação de significados, a reversibilidade entre os

interlocutores, bem como uma redistribuição da posse da palavra que leva à construção

partilhada de saberes.

Por fim, descreveu-se as condições de produção da pesquisa a fim de

registrar os desafios reais da pesquisadora em desenvolver a pesquisa tal como

planejada.

Passamos à analise de dados.

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50 4 A ANÁLISE

4.1 A LEITURA PROPOSTA E OS SENTIDOS POSSÍVEIS

Entre os aspectos considerados na análise de nosso corpus de estudo está a

historicidade do texto. Segundo Orlandi (2008, p.42), “toda leitura tem sua história”. E,

em virtude dessa historicidade, um sujeito não irá ler um texto da mesma forma em

lugares diferentes e épocas distintas. Isso ocorre, porque todo sujeito mantém uma

relação específica com os textos e com a sedimentação dos sentidos, de acordo com as

condições de produção da leitura em épocas determinadas. Ou seja: o modo pelo qual o

sujeito atribui sentidos a um texto vincular-se-á às possibilidades de dizer e de não dizer

do seu tempo e do seu lugar.

Dessa forma, o que trataremos, no corpus em análise, como a historicidade

do texto não apresenta relação com a dimensão temporal expressa de forma cronológica.

Não se trata, como explica Orlandi (1998, p. 55), “de trabalhar a historicidade (refletida)

no texto, mas a historicidade do texto, isto é, consiste em compreender como a matéria

textual produz sentidos.” Neste caso, analisamos os efeitos de sentido produzidos a

partir da leitura do primeiro anúncio abordado: refrigerante Sukita.

Esse anúncio foi produzido e veiculado na mídia no ano de 1999. Conforme

entrevista concedida à Revista Exame (SILVA, 2000), Cláudio Carillo, sócio-diretor da

Carillo Pastore, informou que a Empresa Brahma (AmBev) desejava um anúncio que

divulgasse a nova roupagem do refrigerante Sukita. O comercial deveria relacionar o

produto à imagem de jovens com atitude. Para instaurar essa ideia, os produtores da

campanha mobilizaram sentidos com o intuito de marcar as vantagens daquela que era

apresentada como a nova forma de tomar o suco de laranja (o refrigerante Sukita), em

comparação à forma tradicional, na qual se extrai o suco da fruta. Tais sentidos

produziram leituras previstas e possíveis para aquela época. No entanto, 13 anos após a

sua criação e divulgação, a leitura desse anúncio no contexto escolar desencadeou não

só interpretações já previstas pelos produtores do comercial, mas também outras

imprevistas, isto é, efeitos de sentido emergentes, principalmente a partir das condições

de produção que envolvem os contornos da leitura.

Nos trechos seguintes, veremos como o aspecto da historicidade determinou

os gestos de leitura desses alunos, provocando, ao mesmo tempo, sentidos que já eram

previstos para a leitura desse anúncio e, também, sentidos considerados imprevistos

para tal leitura, mas que se tornaram possíveis graças à relação que os alunos

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51 estabeleceram entre o texto lido e o contexto histórico-social, cultural e ideológico em

que estavam inseridos. Assim, ao instaurar-se a discussão sobre os elementos que

atribuem criatividade ao anúncio do refrigerante Sukita, as histórias de leituras dos

alunos produziram os seguintes efeitos de sentido2:

P- Para vocês, que elementos atribuem criatividade para esse anúncio? A1- O slogan, como eu falei, que ele não pode engolir qualquer coisa, e esse diálogo aí é para dar uma ideia assim. P- Mas só o slogan que traz toda criatividade ao anúncio? T- Não. B6- Não, o diálogo deles dois, o jeito como ela fala dele. P- E como é a forma que ela fala? A1- Ah... Não quer papo com o tio. É tipo assim: nossos pais, quando a gente tá fazendo alguma coisa, tá na internet...os nossos pais ficam falando e a gente: ahã, ahã. É assim que ela tá. Ela não tá prestando atenção. Ela só tá respondendo, depois corta ele e vai embora. A3- É mesmo. Mas ela não quer papo com o tio porque ela é jovem, e jovem gosta de refrigerante, e ele é de outro tempo, o tempo da laranja, tempo antigo, em que faziam o suco da laranja ao invés de comprar pronto. B4- É, e agora a gente prefere mil vezes a Sukita, porque não tem trabalho de comprar a laranja pra depois fazer, como antigamente. Agora, é só comprar o refrigerante porque o suco já tá pronto. A1-É. E é por isso que o slogan da Sukita fala que não pode beber qualquer coisa. Na hora que ele foi falar, ela já chamou de tio, de velho, cortou logo. P- Só isso, só esses elementos que trazem a criatividade? B7- As roupas. A4- A sacola. A5- É verdade. P- O que tem a sacola? A4- A sacola que ele usa não é de plástico. É de papel, reciclável. A2- Papelão. B4- É isso mesmo, papel. P- E porque o anúncio apresentaria uma sacola de papel? A4- Ah, porque agora esses anúncios querem mostrar que a gente tem que cuidar da natureza, então o tio mostra que a gente tem que usar sacola de papel que é reciclável e não de plástico que destrói o meio ambiente. A3- Isso pode ser mais um aviso pra gente preservar os nossos rios, a nossa floresta que o homem só destrói. A1- É, e também porque a gente pode acabar com esse negócio de sacola e diminuir a poluição, que são 5 anos para acabar. T - Não, não. B3- Tá louca, burra. B5- Não sabe que são milhões de anos.

O debate entre os alunos gira em torno do que o anúncio apresenta como

novidade, em detrimento do que é considerado antigo. Dessa forma, quando A3

comenta que a adolescente não quer conversar com o tio “porque ela é jovem e gosta de

refrigerante, e ele é de outro tempo, o tempo da laranja, tempo antigo, em que faziam o

suco do refrigerante ao invés de comprar pronto”, observa-se nesta fala da aluna a

manutenção de um discurso que já está sedimentado na história de leitura desse anúncio.

2 Legenda da conversa: P= pesquisadora; A= aluna; B=aluno; T = todos.

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52 Para compreender esse processo parafrástico de leitura, é preciso considerar o

funcionamento da memória discursiva como

[...] aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os ‘implícitos’ (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, os elementos citados e referidos, os discursos-transversos etc.) de que sua leitura necessita: a condição legível em relação ao próprio legível. (PÊCHEUX, 1999apud ACHARD et al., 2007, p.52).

Assim, pelo efeito do pré-construído, as imagens do homem mais velho e da

sacola de laranja funcionam, nesse dizer da aluna, como metonímias que representam o

passado, algo de “outro tempo”, “tempo antigo”. Ou seja, representam a forma

ultrapassada de tomar suco de laranja, uma forma que, além de ultrapassada, é

interpretada por A3 como trabalhosa, já que a imagem da laranja in natura sugere o

trabalho que a pessoa terá para fazer o suco “ao invés de comprar pronto”.

Em oposição a essa ideia de algo ultrapassado, as imagens da jovem e do

pacote de refrigerante Sukita são lidas pela aluna como uma forma moderna de tomar o

suco de laranja. É uma forma que apresenta um produto novo, direcionado para um

público que também é novo– “jovem” – e que sabe o quer. E, exatamente por saber o

que quer, esse público, segundo B4, “prefere mil vezes o refrigerante, porque já tá

pronto”.

A preferência de B4 por um suco que não requer “o trabalho de comprar a

laranja pra depois fazer, como antigamente”, já que ela só vai ter que “comprar a Sukita,

porque o suco já tá pronto”, faz emergir um discurso que apresenta o refrigerante, o

produto industrializado, como a melhor forma de consumir o suco de laranja. Esse

discurso de B4 traz um já-dito que tenta desconstruir o conceito cristalizado de que o

suco natural, aquele que é feito diretamente da fruta, é a melhor opção para tomar o

suco de laranja. Há aqui uma inversão de valores que encontra no equivoco da língua a

sua condição de existência. Pois, como lembra Pêcheux (2008), os sentidos de um

enunciado sempre podem ser outros, não qualquer um, porque são determinados

ideologicamente, mas podem sempre deslizar e significar de diferentes maneiras.

Considerando a necessidade que todo sujeito tem de atribuir sentido ao que

lê, diríamos que, neste primeiro momento do debate, os alunos produzem vários gestos

de interpretação. São gestos marcados por uma relação sem maiores conflitos, entre o

leitor virtual e o leitor real (histórico) do anúncio.

Para entendermos melhor a natureza desta relação, faz-se necessário

compreender as noções de leitor virtual e leitor real proposta por Orlandi (2008). O

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53 leitor virtual é aquele para quem um autor escreve e a quem atribui certos

conhecimentos, opiniões e preferências. Já os leitores reais são aqueles que

efetivamente leem o texto. Ambos orientam o processo de criação dos textos em geral,

principalmente os persuasivos, como o texto publicitário. Pois, como lembra Hansen

(2009, p.181), “além da relação com o outro (interdiscurso), [...] os publicitários se

relacionam com o leitor, que é o outro, necessariamente presente no discurso de quem

escreve.”

No caso dos produtores do anúncio do refrigerante Sukita, ao vislumbrarem

o “outro” que assistiria o comercial, eles idealizaram um leitor (virtual) que

reconhecesse, no anúncio do refrigerante, uma nova forma de tomar o suco da laranja,

um produto que deveria ser visto como novo, criado para um público igualmente novo.

Tal ideia repercute na fala dos alunos quando eles comentam, por exemplo, que a Sukita

é melhor porque “agora, é só comprar o refrigerante, porque o suco já tá pronto”, ou,

então, que a personagem “é jovem, e jovem gosta de refrigerante”. Esses enunciados

mostram que os alunos interagem com o discurso do anunciante, reconhecem alguns

sentidos e, por conseguinte, apropriam-se deles. Assim, eles concordam com o discurso

que foi elaborado para o público alvo (leitor virtual), mas sem se submeter totalmente,

pois transferem elementos do seu discurso para o discurso publicitário: “A1 - É. E é por

isso que o slogan da Sukita fala que não pode beber qualquer coisa. Na hora que ele foi

falar, ela já chamou de tio, de velho, cortou logo.”

Tais efeitos de sentido indicam que não houve um grande confronto entre as

ideias vislumbradas para o leitor virtual e as produzidas pelos leitores reais. Percebemos

que os alunos produzem efeitos de sentido que não vão além da reformulação e

apreensão dos sentidos já previstos para a leitura do anúncio. Tais gestos indicam uma

dificuldade dos alunos em sair da leitura parafrástica e avançar para uma leitura

polêmica.

No entanto, como pontua Ferreira (2000, p.24), “os enunciados da língua

podem sempre escapar à organização da língua, ao trabalho da razão e da lógica sobre a

língua. É neste espaço que se localizam os furos e as faltas que são estruturantes e

próprios à ordem da língua.” E é exatamente pelo espaço criado por esses furos e essas

faltas que os alunos terão a oportunidade de ressignificar o que ficou de fora das

interpretações anteriores.

Um processo que pode ser observado no debate dos alunos a partir do

momento em que A4 comenta que “a sacola [...] não é de plástico”, mas “reciclável, de

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54 papel”, e que sua presença no anúncio justifica-se, porque “agora esses anúncios querem

mostrar que a gente tem que cuidar da natureza”.

Registramos, neste trecho do debate, o surgimento de uma temática que

desliza o foco da discussão para a questão ecológica, revelando, dessa forma, que o

interdiscurso foi mobilizado de forma diferente das interpretações anteriores. Neste

caso, ao interagir com o texto, A4 aciona a memória discursiva recente, atravessada por

leituras da atualidade, para relacionar a presença da sacola de papel a um discurso atual:

a preservação do meio ambiente. Para a aluna, o comercial traz uma sacola de papel –

que é um produto reciclável – com o objetivo de conscientizar as pessoas da

necessidade de ações que ajudem a cuidar da natureza.

É interessante registrar que, nos últimos anos, em função da popularização

do discurso ecológico, muitos anúncios publicitários passaram a explorar a causa

ambiental como uma estratégia de marketing. É o que Ezequiel (2006) chama de

marketing social. Esta estratégia não é utilizada no anúncio do refrigerante. No entanto,

quando A4 fala “agora esses anúncios querem mostrar que a gente tem que cuidar da

natureza”, é possível que a aluna tenha acionado a memória discursiva de leitura dos

anúncios de apelo ecológico, a fim de estabelecer uma intertextualidade entre esses

textos e, assim, ler, na propaganda do refrigerante, uma mensagem relacionada ao meio

ambiente. Ou seja: a nova leitura da aluna, na sua heterogeneidade, conversa com outras

leituras, sendo afetada por sua “bagagem literária” e a contextualidade do assunto.

Os discursos sobre meio ambiente que circulam na mídia ou mesmo no

ambiente escolar fornecem a esses alunos “a sua realidade enquanto sistema de

evidências e significações percebidas e experimentadas” (ORLANDI, 2010, p. 18). No

caso dos alunos envolvidos nesta pesquisa, essa realidade é algo que lhe é bem familiar,

pois a região em que vivem é considerada um baluarte da natureza, conhecida, por

muitos, como o pulmão do mundo. Trata-se de um lugar marcado historicamente por

diversos discursos relacionados à questão ambiental. Por isso, quando B5 fala que o

anúncio traz uma sacola de papel a fim de dar “um aviso pra gente preservar os nossos

rios, a nossa floresta que o homem só destrói”, percebemos no seu dizer a influência de

outros discursos do seu contexto social. Ou seja, a influência de outros discursos que

compõem sua história de leitura. Por isso, a relação sacola reciclável > preservação dos

rios> preservação da floresta reinscreve a fala do aluno na formação discursiva de

preservação do meio ambiente.

Observamos que, apesar de B5 ter o anúncio publicitário à sua disposição, aberto

ao deslizamento de sentido, ele não é totalmente livre para lê-lo da forma que pretende,

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55 já que o sujeito que aí interage não é um sujeito livre, senhor dos seus atos e de suas

vontades, centro do seu dizer, mas um sujeito social e descentrado, que sofre a

intervenção do inconsciente e da ideologia. Por isso, B5faz a relação entre os benefícios

trazidos por um material reciclável e o espaço onde mora; tal relação só é possível,

porque ele está assujeitado à formação discursiva em que está inscrito, dizendo aquilo

que é possível dizer.

Os efeitos de sentido produzidos pelos alunos nesse novo momento do debate

materializam sentidos que só têm significado ao convocar-se uma memória do dizer que

recobra as condições de produção da leitura. Estas são as condições de produção desse

dizer, ou seja, são os aspectos históricos, sociais e ideológicos que envolvem o discurso

(FERNANDEZ, 2007, p. 29) e que possibilitam aos alunos produzir efeitos de sentido

diferentes dos previstos pelo anúncio. Exemplos são os efeitos que surgem quando A4

comenta: “o tio mostra que a gente tem que usar a sacola de papel, porque é reciclável”.

Observamos aí a entrada de uma interpretação que não ironiza e nem deprecia o

personagem do tio e a sacola de papel, como acontecia anteriormente. Ao contrário,

neste novo contexto histórico e social de leitura do anúncio, há uma valoração do

usuário da sacola de papel, porque ele evoca uma memória do dizer que o apresenta

como um representante dos tempos modernos: um sujeito atualizado, com hábitos

politicamente corretos e que usa um produto reciclável, porque, assim, também

contribuirá para a preservação do meio ambiente.

Esta outra possibilidade de leitura mostra que a perspectiva do que é errado,

do que se afasta das convenções, bem como do que se estabelece como correto e

permitido afirmar em uma época, vai sofrendo transformações à medida que a história

vai tomando novos rumos, estabelecendo outros padrões ideológicos e científicos.

O discurso de divulgação científica, por exemplo, é um discurso que exerce

uma grande influência sobre os novos trajetos do dizer, pois traz informações que

desfrutam de prestígio na sociedade contemporânea principalmente por causa do efeito

de exterioridade da ciência. Melhor dizendo, a ciência ultrapassa os muros dos

laboratórios, “sai do seu próprio meio para ocupar um lugar no cotidiano dos sujeitos,

ou seja, ela vai ser vista como afetando as coisas a saber no cotidiano da vida social.”

(ORLANDI, 2001, p. 152).

Tal influência afeta principalmente os saberes produzidos no ambiente

escolar. Pois, se a escola é o lugar onde se ensina a ciência, é neste lugar também que se

reproduz a verdade estabelecida pelo discurso científico, não somente fazendo-a

“circular”, como também legitimando-a. Os enunciados descritos a seguir parecem

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56 evidenciar a legitimidade que é atribuída ao conhecimento cientifico no ambiente

escolar:

A1 –[...] a gente pode acabar com esse negócio de sacola e diminuir a poluição, que são 5 anos para acabar. T - Não, não. B3 - Tá louca, burra. B5 - Não sabe que são milhões de anos.

Observamos, nesse trecho da intervenção, que os alunos interditam a fala de

A1, porque ela traz uma informação imprecisa sobre o tempo que a sacola de plástico

necessita para decompor-se na natureza. Para a aluna, são 5 anos para encerrar todo o

processo. Já, para o restante da turma, essa informação não procede, porque eles

acreditam que é um tempo maior: “milhões de anos”3.

É provável que a informação apresentada por A1 destoe de outras

informações já apreendidas pelos alunos em sala de aula. Por isso, a turma rejeita de

forma tão enfática –“Não, não. Tá louca [...].” – a ideia apresentada pela colega. Tal

quadro indica que, pelo fato de a estudante estar inserida no ambiente escolar, lugar

onde se reproduz o saber científico e se o faz circular, não lhe é dado espaço para falar

com “outras(suas) palavras que não sejam palavras coerentes com a fala dos

professores, do livro didático e da ciência.” (SILVA; ALMEIDA, 2005, p. 5).

Neste processo de construção do conhecimento, a voz do estudante

frequentemente é, ou pelo menos é coagida a ser, a voz da repetição empírica e formal

(ORLANDI, 1998). Por isso, B5 questiona a colega se ela “não sabe que são milhões de

anos para acabar a sacola”. Na verdade, a informação dada por B5 é tão imprecisa

quanto aquela apresentada por A1. No entanto, B5 vale-se da memória discursiva de um

tipo de saber que já fora ensinado anteriormente, para insinuar para a colega que a

informação dela não vale, “tá errada”.

Por intermédio da ilusão (esquecimento nº 2 na formulação de Pêcheux), da

qual B5 mesmo é marcado, ele seleciona a informação que imagina ser a única possível.

Ou seja, ele age sob a ilusão de que o seu dizer é a expressão transparente da única

realidade; há aí um efeito de fechamento do debate motivado pela certeza do saber que a

escola legitima como verdadeiro. Para Foucault (2004, p. 14),

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade, isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros;

3 Segundo Oliveira et al. (2012), ainda não se tem com precisão o tempo de decomposição da sacola de plástico; sabe-se, porém, que é superior a 100 anos.

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57

os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.

Sendo assim, em uma sociedade como a nossa, em que a ciência mantém

uma estreita relação com o Estado e suas instituições (ORLANDI, 2001), as

informações oriundas do discurso de divulgação científica assumem um caráter de

verdade unívoca, inquestionável.

Por isso, a exemplo do que ocorreu durante a leitura do anúncio, quando a

aluna é chamada de louca e burra pelos colegas, há, no espaço escolar, uma

desqualificação de toda forma de dizer (de interpretar) que não seja a científica. Tal

constatação indica que, sob a ilusão de saberes cristalizados, neutros e objetivos, os

discursos oriundos do saber científico tendem a apagar as marcas de outros discursos

possíveis e, também, da historicidade na formação dos sentidos.

Tais questões mostram que a releitura do anúncio traz à tona efeitos de

sentido que só podem ser entendidos quando compreendemos que o sujeito significa

sempre de maneiras distintas, já que uma dada leitura jamais será materializada da

mesma forma que outra, mesmo que pelos mesmos sujeitos envolvidos. Orlandi (2009,

p.53) esclarece que, “ao dizer, o sujeito significa em condições determinadas, impelido,

de um lado, pela língua e, de outro, pelo mundo, pela sua experiência, por fatos que

reclamam sentidos.” Assim, este sujeito é assujeitado ao jogo, à imprevisibilidade dos

acontecimentos, e ao mesmo tempo as regularidades da língua. É esta contradição que

faz os efeitos de sentido e os sujeitos que os produz “escorregarem” para sentidos

múltiplos e diversos. Orlandi (2009) considera ainda que é através do processo

polissêmico que o equívoco possui seu ponto de articulação. Dito de outra forma,

sujeito e sentido fazem parte de um jogo entre estrutura e acontecimento, mostrando que

os sentidos ultrapassam todas as barreiras, transitam em constante movimento no

percurso da história. Por isso Braga (2012, p.11) pontua que “é uma ilusão pensarmos

que controlamos os efeitos de sentido do nosso dizer, ou seja, que ao enunciar a filiação

só pode ser atrelada a um campo de significação semântica”. Pois, como já dito

anteriormente, o sentido de um enunciado sempre pode ser outro, e essa possibilidade

reside no fato da língua ser voltada ao equívoco (FERREIRA, 2000, p.27).

Os aspectos que marcam a historicidade nos gestos de leitura dos alunos

revelam que ela foi responsável por suscitar tanto sentidos previstos quanto sentidos não

previstos para a leitura do anúncio. Um fato que desencadeou, dessa forma, momentos

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58 distintos no processo de interpretação da propaganda. O primeiro momento foi marcado

por efeitos de sentido que não vão além da reformulação e apreensão dos sentidos já

sedimentados pela história de leitura do anúncio. Neste caso, a leitura ficou muito

próxima da literal, trazendo à tona efeitos de sentido que indicam, como já dito

anteriormente, que não houve um expressivo confronto entre os leitores virtual e real do

anúncio.

No entanto, no segundo momento do debate, a historicidade presente na

própria ação da leitura, determinada pelas suas condições de produção, desencadeou um

novo processo de significação do texto. Este processo pode ser observado a partir do

momento em que os alunos deixam de relacionar a figura da personagem do tio e a

sacola de papel à ideia de ultrapassado e deslizam o foco do debate para outros

discursos que fazem parte das suas histórias de leitura. Assim, o sujeito-leitor produz

uma leitura que se afasta intensamente dos sentidos pretendidos pelo sujeito-autor,

distanciando-se de uma leitura de identificação com os sentidos produzidos a partir da

posição-sujeito por ele ocupada.

Observamos que essa dinâmica proporciona ao aluno constituir-se a partir de um

movimento de entrega e de resistência. A resistência, como afirma Orlandi (2003, p.17),

“é ela própria movimento do sujeito para uma posição que não o submete inteiramente à

coerção.” Assim, se em um primeiro momento, a interpretação de A4, por exemplo, é

mais voltada para uma leitura parafrástica, conforme o sentido já-dado lá, na qual ela

limita-se a comentar que a criatividade deve-se à roupa do tio, à sacola de papel com as

laranjas e à cantada da menina que está bebendo o refrigerante, já, em outro momento,

ao posicionar-se novamente sobre os elementos que atribuem criatividade ao anúncio,

A4 é a primeira aluna a abordar a questão ecológica, chamando a atenção dos colegas

para o tipo de material utilizado na sacola: reciclável.

Sua resistência em apenas interpretar sentidos previstos para a circulação do

anúncio indica que a aluna estabelece outro lugar para o seu discurso, no qual pode

ressignificar o texto publicitário a partir de uma dada condição de produção e de sua

história de leitura.

A dinâmica entre as leituras previstas e as imprevistas mostra, como pontua

Pêcheux (2008), que, para a língua fazer sentido, é preciso que a história intervenha,

num processo entre estrutura e acontecimento. A observação desse processo, na

interpretação dos alunos, corrobora a concepção de que a leitura não se resume a

reconhecer o signo com suas significações do passado. Ler, como postula Geraldi

(2010, p. 81), “é construir uma compreensão no presente com significações que,

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59 entranhadas nas palavras, são dissolvidas pelo seu novo contexto, que incluem também

as palavras do leitor.” Por isso, o processo sócio-histórico e ideológico de um texto não

pode ser ignorado, sob a pena de esse texto ser considerado como uma unidade de

significação que tem um funcionamento interno autônomo, com valores independentes

do leitor e das condições de produção da leitura.

4.2 DESLOCAMENTOS E RETOMADAS NA LEITURA DO ANÚNCIO DO

CARRO CLASSE A DA MERCEDES-BENZ

O segundo comercial analisado pelos alunos do 9º ano trata-se do anúncio

publicitário televisivo do carro Classe A da Mercedes-Benz (a partir de agora, “2º

anúncio”). Vinculado à mídia televisiva no ano 2000, esse anúncio foi construído a

partir de um processo interdiscursivo com o anúncio do refrigerante Sukita(a partir de

agora,“1º anúncio”).

O interdiscurso é entendido aqui como “a memória do dizer” (INDURSKY,

2001, p. 27), como o saber discursivo, dito anteriormente, em outro lugar, que

possibilita ao 2º anúncio significar. Ou seja, é a memória de outro anúncio que vem a

constituir este anúncio.

Assim, o discurso do comercial do carro Classe A é construído em um

espaço de memória, em um espaço interdiscursivo, constituído de uma série de

elementos que marcam, cada um, sentidos que se repetem, parafraseiam-se, opõem-se

entre si e transformam-se.

Trabalhar com o universo de outros discursos, principalmente daqueles que

estão em evidência na atualidade, tornou-se uma estratégia das agências publicitárias.

Neste sentido, chamamos a atenção para a forma como os alunos interpretam a relação

interdiscursiva entre os dois anúncios analisados. Atentaremos, ainda, para o modo

como eles retomam alguns elementos presentes na propaganda do refrigerante – cenário,

personagens, enredo, mobilização dos discursos – e ressignificam-nos a partir de um

novo acontecimento discursivo.

O acontecimento discursivo, segundo Pêcheux (2008, p. 17), “é o ponto de

encontro de uma atualidade e de uma memória”, ou seja, pode ser analisado como uma

correlação entre o fato e a forma como o fato foi percebido e circulado, a forma como se

atualiza e mantém-se sempre presente na memória coletiva. Segundo esse autor, tal

processo ocorre porque,

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60

O discurso não é um aerólito miraculoso, independente das redes de memória e dos trajetos sociais nos quais ele irrompe, mas de sublinhar que, só por sua existência, todo discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-restruturação dessas redes e trajetos: todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações e um trabalho (mais ou menos consciente, deliberado, construído ou não, mas de todo modo atravessado pelas determinações inconscientes) de deslocamento no seu espaço (PÊCHEUX, 2008, p. 56).

A interpretação do 2º anúncio, pelos alunos do 9º ano, acompanhou as

nuances do processo de ressignificação dos sentidos, materializando uma abordagem

que não apresenta apenas uma repetição de um já-dito presente no 1º anúncio, mas,

principalmente, a atualização desse já-dito num jogo entre paráfrase e polissemia, em

que “os processos parafrásticos são aqueles pelos quais, em todo dizer, há algo que se

mantém, [...] ao passo que, na polissemia, o que temos é o deslocamento, a ruptura de

processos de significação.” (ORLANDI, 2009, p. 36). Nessa “volta” entre o mesmo e o

diferente, novos sentidos se constituem, tal como observamos no momento em que os

alunos foram inqueridos sobre se havia alguma relação entre o primeiro e o segundo

anúncio.

Para B7, “Dessa vez foi ele que falou ‘ene, a, o, til’, deu o corte e foi

embora, tipo uma vingança pela jovem ter se interessado pelo carro Classe A.” A2

também acredita que “[...] ele pode ter dado o troco por ela ter se interessado pelo carro

Classe A dele”. Já B6 foge um pouco dessa linha de raciocínio e observa que “o tio tá

mais bonito e jovem com o carro”.

A relação que os alunos estabelecem entre o anúncio do refrigerante e o

anúncio do carro Classe A da Mercedes-Benz surge, primeiramente, pelo viés do

intradiscurso, a partir da retomada de elementos que promovem um retorno ao mesmo

espaço de dizer do primeiro anúncio. No enunciado de B7, por exemplo, a expressão

“dessa vez” configura-se como o primeiro elemento a marcar a tensão entre o mesmo e

o diferente nessa formulação, já que ele aciona a memória discursiva de um dizer que já

foi abordado outra vez. Neste caso, o aluno usa essa expressão para fazer alusão à

última cena do anúncio do refrigerante Sukita, no qual o personagem masculino é

interpelado pela personagem adolescente no momento em que ela chama-o de “tio” e

pede para ele apertar o botão 21.

O gesto de leitura de B7 indica, ainda, que as marcas linguísticas “tio” e

“jovem” configuram-se como pré-construídos que auxiliam na composição de um dizer

que só faz sentido, agora, para o aluno porque já fez sentido antes, em outro contexto.

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61 Esses termos enfaixam processos parafrásticos nos quais há algo de um já-dito no

primeiro anúncio que se mantém neste novo enunciado.

Em sentido oposto, a ideia de “vingança pela jovem ter se interessado pelo

carro Classe A”, mostra a ruptura nos processos de retomada do anúncio do refrigerante

Sukita. Esse gesto de leitura indica que ao interpretar o segundo anúncio, o aluno leva

em conta as condições de produção da propaganda, o perfil do público alvo do produto e

a ideologia a ele subjacente. Diante de tais informações, B7 infere que da posição social

da qual fala o personagem masculino, dono de um carro de luxo que lhe confere status e

poder, ele adquire prestígio para, dessa vez, ignorar a jovem, dizer-lhe um não e ir

embora.

Essa possibilidade de o aluno ressignificar o enunciado que desliza do

primeiro anúncio realiza-se porque o espaço simbólico é marcado pela incompletude da

língua (ORLANDI, 2007). Por isso, o gesto de interpretação de B7

[...]faz-se, assim, entre a memória institucional (arquivo) e os efeitos de memória (interdiscurso). Se, no âmbito da primeira, a interpretação congela, no da segunda, a repetição é a possibilidade mesma do sentido vir a ser outro, em que a presença e a ausência se trabalham, paráfrase e polissemia se delimitam no movimento da contradição entre o mesmo e o diferente. O dizer só faz sentido se a formulação se inscrever na ordem do repetível, no domínio do interdiscurso. (ORLANDI, 2007, p. 68).

Nesta relação entre o mesmo e o diferente, observamos, também, que a

sequência discursiva “o tio tá mais bonito e jovem com o carro”, construída por B6,

enseja a polissemia no funcionamento discursivo de outro elemento que desliza do

anúncio do refrigerante Sukita: a palavra “tio”. No primeiro anúncio, essa marca

linguística inscreve-se em uma rede de sentidos que conduz os alunos a relacioná-la a

algo antigo. Neste sentido, A2 afirma que “ela, por ser mais jovem, toma o refrigerante

de laranja, e o tio, por ser mais velho, toma o suco de laranja”. Ou seja: quem é jovem

consome o refrigerante Sukita; em contrapartida, quem tem mais idade é considerado

ultrapassado, por isso adquire o suco da laranja.

Já, no segundo anúncio, a mesma marca linguística é interpretada a partir de

outra perspectiva: a da propaganda do carro Classe A. Assim, interpelado por essa

formação discursiva, o aluno vai construir sentidos em certa direção, “direção [esta]

determinada pela relação da língua com a história, em seus mecanismos imaginários.”

(ORLANDI, 1998, p. 31). Tais mecanismos levam o aluno a inferir que, de posse de um

carro novo, seguro e confortável, o seu proprietário torna-se uma pessoa interessante,

bonita e até mais jovem.

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Observa-se que, neste contexto de enunciação, a palavra tio não está

relacionada mais ao sentido pejorativo de antigo/ultrapassado que a caracteriza no 1º

anúncio; ao contrário, agora, contextualizada no anúncio de um carro novo, o aluno

entende que o tio tornou-se igualmente novo e jovem. Há aí uma inversão de valores que

encontra, no equívoco da língua, a sua condição de existência. Como lembra Foucault

(2004), o dizer é inevitavelmente habitado pelo já-dito e abre-se sempre para uma

pluralidade de sentidos, que, por não se produzirem jamais nas mesmas circunstâncias,

são, ao mesmo tempo, sempre e inevitavelmente novos.

O termo tio constitui-se, nos dois anúncios, uma palavra chave. No

primeiro, ele é empregado, de forma cômica, com o intuito de construir uma nova

identidade para o produto. Já, no segundo anúncio, ele é inserido em uma formação

discursiva que movimenta sentidos com o intuito de desconstruir o significado atribuído

à palavra tio no anúncio do refrigerante. A própria expressão “ene, a, o, til”,

pronunciada pelo personagem masculino, tenta deixar “claro” para o público

consumidor que o tio do anúncio do automóvel não é o mesmo tio do anúncio do

refrigerante. Tal leitura foi realizada pelos produtores da agência Carillo Pastore Euro

Rscg, que, por isso, entrou com um processo contra a agência W/Brasil para interditar a

circulação da propaganda do carro da Mercedes-Benz e, assim, preservar a imagem

construída para o refrigerante.

O anúncio interditado também conta com o recurso da ironia para instaurar

novos sentidos, um recurso que foi observado pelos alunos durante a intervenção, como

se observa no trecho abaixo extraído do corpus desta pesquisa:

P- Além da roupa e esse fator classe A, que outros elementos são utilizados para seduzir esse telespectador? A2- Tem o lance que quando ela pede uma volta, ele diz “não”, e ela diz “não???” E ele repete: “ene, a, o, til”. P- E o que é o til? A2- Tipo ele relembrando que ela chamou ele de tio, então ele termina a frase dizendo ‘n-a-o-til’, nega a carona e dá o troco pra ela... P- E por que ele fez essa lembrança? A7- Ele falou assim pra esnobar mesmo ela.

No enunciado “Tem o lance que quando ela pede uma volta, ele diz ‘não’, e

ela diz ‘não???’ E ele repete: ‘ene, a, o, til’, a aluna identifica a ironia no emprego da

expressão “n-a-o-til”.

Para Brait (2008), a essência da ironia é a ambiguidade. Neste sentido, a

autora comenta que, para o interlocutor “colocar-se como receptor de um discurso

irônico, ele deve justamente compartilhar com o enunciador a ambiguidade do

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63 enunciado, a duplicidade da enunciação.” (BRAIT, 2008, p. 107). Sob essa perspectiva,

entendemos que A2 vislumbra ironia no enunciado acima, porque ele identifica dois

sentidos possíveis para o termo til. O primeiro, quando o personagem masculino

“termina a frase dizendo ‘ene-a-o-til’ [...] e dá o troco”. Neste sentido, a aluna interpreta

o til como sinal gráfico indicativo de nasalização da vogal [a] na palavra “não”, termo

utilizado pelo personagem masculino para negar carona à jovem e, assim, segundo A2,

dar o troco para a jovem.

Já, na segunda leitura, a aluna A2 entende que o personagem masculino dá

ênfase ao termo “til” para ser “sarcástico com ela, porque ela tratou ele dessa forma”.

Ou seja, para A2, a palavra “til” funciona atualizando o interdiscurso sobre o uso

pejorativo que a personagem jovem atribuiu a este termo no 1º anúncio (sentido de

antigo, ultrapassado).

Outra aluna, A7, entende que, ao pronunciar o “não” dessa forma, o

personagem masculino não teve só a intenção de negar carona à jovem, mas também de

esnobá-la. Ou seja, ele também teve a intenção de ostentar, para a jovem, a nova

situação na qual se encontra no momento. Observamos que a argumentação das alunas

movimenta-se a partir do jogo entre o já-dito (tio) e o a-se-dizer (til). Trata-se de um

jogo que, segundo Ferreira (2000, p. 118), atesta “a natureza não fechada da língua e a

possibilidade sempre presente de (des)construir os sentidos, alterar a sua direção e jogar

com ele.”

Importa saber que nesses termos, observamos que as alunas interpretam a

palavra ‘til’ como um acontecimento discursivo, na medida em que atribuem a essa

palavra um sentido diferente daquele que era atribuído no anúncio do refrigerante.

O deslocamento do significado da palavra ‘tio’, do discurso do anúncio do

refrigerante Sukita para o discurso do anúncio do carro Classe A, marcou o

acontecimento discursivo. “Isso porque a noção de acontecimento discursivo dá conta

do momento da constituição do sujeito, sem priorizar os aspectos enunciativos aí

envolvidos” (GALLO, 2001).

Como já dito anteriormente, esse jogo entre o mesmo e o diferente é o

responsável pela constituição do anúncio do carro Classe A da Mercedes-Benz. Dessa

forma, se, por um lado, os produtores do anúncio lançam mão de sentidos já

cristalizados (por exemplo, a constituição cênica do anúncio do refrigerante), a fim de

resgatar uma memória social, por outro lado, a inserção desses elementos em uma nova

formação discursiva permite o deslocamento desses já-ditos, fazendo intervir o diferente

e instaurando, assim, diferentes sentidos (ORLANDI, 2009), como os analisados acima.

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Enfim, a possibilidade de ressignificação de alguns termos ou sequências

discursivas que deslizam do primeiro anúncio permite ao aluno perceber que “todo

enunciado é suscetível de tornar-se outro” (PÊCHEUX, 2008, p. 53). Essa incompletude

do anúncio, e dos textos de forma geral, exige que “o aluno tenha um olhar múltiplo

para poder assumir distintas posições de leitura e reconhecer-se nesse movimento em

que deslizam formas e expectativas de interpretação” (GREGOLIN, 1999, p. 136).

Entendemos que essa percepção pode ser de grande valia durante o trabalho

com o texto, porque poderá ajudar o aluno a compreender a linguagem como uma

atividade, e a língua, como produto dessa atividade, e não como um sistema fechado e

acabado. Neste processo, ele também terá condições de perceber que não há um sentido

único para o texto, visto que o “fazer sentido” é histórico e está intrinsecamente

relacionado com o sujeito, com o diálogo com outros textos (intertextualidade) e com

outros discursos (interdiscursividade). Nas palavras de Baracuhy (2003, p. 100), “há

uma relação do sujeito com o texto; sobretudo relação entre sujeitos, que produzem e

interpretam sentidos; relação que mediada pelo texto (por sua ilusão de completude e

transparência) leva os sujeitos para o diálogo com outros textos.”

4.3 PROCESSOS DE CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA

Vimos, nas seções anteriores, que a relação estabelecida pelos alunos entre o

os anúncios publicitários e o interdiscurso viabiliza gestos de interpretação que

deslocam sentidos, que desconstroem os efeitos de um já-dito, em direção a outras

significações. Nesse processo, observamos que o aluno, ao mesmo tempo em que

reconhece uma exterioridade à qual ele deve referir-se a fim de ressignificar sentidos,

fazer previsões, confirmar e corrigir hipóteses, ele também remete-se à sua

interioridade, construindo neste processo de exterioridade e interioridade a sua

identidade como autor (ORLANDI, 2009).

Autoria é um termo que foi primeiramente trabalhado por Foucault (1969).

Para o teórico, o autor é considerado como princípio de agrupamento do discurso, como

unidade de origem de suas significações, como centro de sua coerência. Entretanto, de

acordo com Foucault, o princípio de autoria não vale para tudo, nem de forma

constante, o que quer dizer, em outras palavras, que há discursos, como, por exemplo,

conversas, decretos e contratos, que necessitam de quem os assinem, mas não de

autores.

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65

Por outro lado, Orlandi (1998) redimensiona essa observação apresentada

por Foucault. Do seu ponto de vista, a autora discorda da especificidade que Foucault

atribui a esse princípio, afirmando que, para ela, o princípio de autoria é geral. Segundo

a autora:

A função-autor se realiza toda vez que o produtor da linguagem se apresenta na origem, produzindo um texto com unidade, coerência, produção, não-contradição e fim. Em outras palavras, ela se aplica ao corriqueiro da fabricação da unidade do dizer comum, afetada pela responsabilidade social [...] o autor responde pelo diz ou escreve pois é suposto estar em sua origem (ORLANDI, 1998, p. 69).

Dessa forma, a autora postula que o princípio de autoria é necessário para

qualquer discurso e está na origem da textualidade. Assim, pode-se afirmar que um

enunciado pode até não possuir um autor específico, mas, por meio da função autor,

sempre se imputa ao texto uma autoria, já que a própria unidade do texto é um efeito

discursivo que deriva do principio de autoria.

Já Gallo (2001), ao tratar dos modos de assunção da autoria pelos alunos,

propõe outro nível de autoria: efeito-autor. Para a autora o efeito-autor surge a partir do

“confronto de formações discursivas, cujo resultado é uma nova formação dominante.”

(2001, p. 67). Em outras palavras, enquanto a função-autor, segundo Gallo (2001), tem

a ver com a heterogeneidade interna de uma formação discursiva, a partir da qual o

sujeito, de forma inédita, mobiliza sentidos sem com isso produzir uma nova formação

discursiva, já, com o efeito-autor, há “o confronto de formações discursivas com uma

nova dominante” (GALLO, 2001, p. 67).

Em suas pesquisas sobre a autoria, Gallo (2001) retoma os estudos sobre a

heterogeneidade desenvolvidos por Authier-Revuz a fim de propor outro nível de

heterogeneidade: a heterogeneidade discursiva. “Um nível de heterogeneidade que

permite a diferenciação de formações discursivas dominantes se confrontando em um

mesmo enunciado.” (GALLO, 2001, p. 68).

Em nosso recorte sobre a assunção da autoria durante a leitura dos anúncios

publicitários televisivos, também utilizaremos as pesquisas sobre heterogeneidade

desenvolvidas por Authier-Revuz, a fim de verificar a constituição dos sentidos a partir

da interlocução que o sujeito-aluno estabelece com o outro (interlocutor) que participa

da intervenção. Além disso, também verificaremos a interlocução que o sujeito-aluno

estabelece com o outro (interdiscurso) no momento em que produz o seu gesto de

leitura.

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66

Para tanto, retomaremos alguns trechos da análise que nos possibilitam tal

observação. O primeiro trecho refere-se ao momento em que os alunos discutem a

relação entre a sacola de laranja e o pacote de refrigerante Sukita. A1 acredita haver

“uma relação com o sabor, que é de laranja. Aí, traz uma sacola de laranja para

identificar o sabor do refrigerante.” Já B3 acredita que a relação “tem a ver com o clima,

quando ele falou: ‘tá quente aqui, né?’ E aí faz o suco de laranja ou então toma o

refrigerante para melhorar o calor.”

Nesses enunciados, os alunos organizam o seu dizer a partir de informações

explícitas na propaganda do refrigerante. Dessa forma, parece “claro” para A1 que a

sacola de laranja tem a função de informar ao consumidor o sabor do refrigerante. Neste

gesto de leitura, não há nenhum questionamento ou qualquer reflexão sobre outras

possíveis relações entre esses dois elementos. A aluna, afetada pela ideologia subjacente

ao anúncio, interpreta como se os sentidos estivessem exclusivamente nos elementos

imagéticos (sacola de laranja e embalagem de refrigerante) presentes na propaganda;

ignora o modo pelo qual a exterioridade os constitui. Por isso, a relação traçada pela

aluna aparece como “evidente”, um sentido já-dado.

Na mesma linha de pensamento, B3 infere que o suco de laranja ou o

refrigerante ajudam a amenizar o calor. Observamos que, para formular esse argumento,

o aluno lança mão da fala do outro (do personagem do anúncio) para realçar o seu

comentário. Essa heterogeneidade discursiva traz a tona o pressuposto teórico de

Althier-Revuz (1990, p. 26) de que as palavras são sempre e inevitavelmente “as

palavras dos outros”.

Esses gestos de leitura indicam que os alunos inscrevem o seu dizer na

formação discursiva do anúncio publicitário do refrigerante Sukita. Em outros termos,

há uma identificação entre o discurso produzido pelos alunos e o discurso produzido

pelos autores da propaganda. Assim, ora a identificação surge em forma de retomada de

trechos do anúncio – “a relação tem a ver com o clima, quando ele falou: ‘tá quente

aqui, né?’” –,ora a identificação emerge por meio de um discurso que reforça a

ideologia subjacente ao anúncio. Contudo, vale ressaltar que, apesar desses discursos

constituírem-se pela repetição, literal ou ideológica, de já-ditos extraídos do anúncio do

refrigerante, tais repetições não podem ser consideradas meros exercícios mnemônicos.

Os exercícios mnemônicos não historicizam (ORLANDI, 1998, p. 70), ao passo que, no

momento em que os alunos inscrevem suas formulações no interdiscurso, eles acabam

por historicizar o seu dizer, constituindo-se, dessa forma, autores de seu discurso.

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67 Assim, ao mobilizar de maneira inédita e singular os vários sentidos do anúncio

publicitário, o aluno assume a sua posição de autor.

Ainda na abordagem do 1º anúncio, registramos gestos de interpretação que

destoam dos analisados anteriormente, como, por exemplo, no momento em que A4

comenta que “a sacola do anúncio não é de plástico, é assim... reciclável, de papel”, e

que sua presença no anúncio é “porque agora esses anúncios querem mostrar que a

gente tem que cuidar da natureza”.

Essa interpretação marca uma forma-sujeito distinta daquela assumida nas

interpretações anteriores. Observamos que essa nova forma-sujeito surge a partir do

confronto entre a formação discursiva que caracteriza o anúncio publicitário do

refrigerante Sukita e a formação discursiva que caracteriza o discurso ecológico, que,

em confronto, resultam em uma forma-sujeito de um “discurso ecologicamente correto”.

Afetada por esse discurso, A4 deixa de relacionar a sacola de plástico à ideia de “algo

ultrapassado”, “antigo”, e passa a relacioná-la a discursos sobre o meio ambiente. Estes

discursos trazem para o centro do debate a questão da reciclagem e da substituição de

sacolas de plástico por sacolas de papel, a fim de diminuir a poluição do meio ambiente.

Aqui, a heterogeneidade discursiva emerge da relação estabelecida entre o discurso

publicitário do refrigerante e o discurso ecológico.

Essa discussão sobre o meio ambiente acusa, ainda, a relação intertextual

que a aluna estabelece entre o anúncio do refrigerante e outros textos publicitários. Sob

essa perspectiva, A4 comenta que a presença da sacola de papel no anúncio é “porque

agora esses anúncios querem mostrar que a gente tem que cuidar da natureza”. Esse

comentário indica que a aluna aciona a memória discursiva de leitura de outros anúncios

publicitários, anúncios que efetivamente abordam o discurso sobre o meio ambiente,

para ler, na propaganda do refrigerante, uma mensagem ecologicamente correta.

Esses novos efeitos de sentido, totalmente distintos daqueles formulados a

partir da inscrição de A4 na formação discursiva do anúncio do refrigerante, Gallo

(2001) chama-os de efeito-autor. Neste caso, a autoria aqui surge do confronto de duas

formações discursivas: aquela que vem do discurso publicitário e aquela que vem do

discurso ecológico, cujo resultado é uma terceira forma discursiva, a qual se denominou

de ecologicamente correta, pois materializa discursos em prol do meio ambiente.

A relação que A4 estabelece entre a sacola de papel e o discurso ecológico

mostra-nos como a historicidade atualiza-se na função-autor através da interpretação.

Pois, ao interagir com o anúncio publicitário, a aluna lança mão de seu saber discursivo,

de suas histórias de leitura e, assim, retoma um já-dito (materializado no anúncio) sob

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68 novas condições de produção. Dessa forma, ela consegue “formular, no interior do

formulável, e se constituir, com seu enunciado, numa história de formulações.”

(ORLANDI, 1998, p. 69).

Sobre a importância da história de leituras pessoais do leitor no processo de

construção de sentidos, Indursky (2001, p. 35) comenta que cada leitor tem a sua

história de leitura e, em função dessa história, “o leitor pode ou não identificar o(s)

texto(s) que, consciente ou não, o autor mobilizou”. Podemos observar tal processo no

corpus deste estudo, no momento em que os alunos discutem sobre os elementos

utilizados pela publicidade para seduzir o telespectador. Neste debate, B7 comenta que

um dos elementos utilizados no anúncio do carro refere-se à forma sedutora como a

personagem adolescente brinca com a caneta, a forma como “ela põe na boca a caneta”.

Também para B8, na cena em que a adolescente bebe o refrigerante, a maneira “como

ela faz com a boca dela (no momento em que toma o refrigerante)” revela-se um

elemento sedutor. Por fim, A2 corrobora com a afirmação de B8, lembrando que esse

gesto corporal lembra “aqueles comerciais de lingerie da Renner: elas sempre estão com

o dedo na boca. É sexy, é pra seduzir os clientes.”

Cabe, ainda, observarmos que, antes de analisarmos a importância da

história de leitura dos alunos na construção desses efeitos de sentido, pontuaremos a

influência da pesquisadora (da sua forma de conduzir a intervenção) na construção

desses gestos de interpretação.

Assim, tomada pela ilusão de que possui total controle sobre o que diz e que

suas palavras serão compreendidas de forma “clara” por seu interlocutor, a pesquisadora

pergunta aos alunos sobre os elementos utilizados na propaganda do carro para

“seduzir” o telespectador. Neste contexto de enunciação, a palavra seduzir é utilizada

pela pesquisadora com o sinônimo de conquista/adesão ao anúncio publicitário. No

entanto, os alunos, também tomados pela ilusão de que a palavra seduzir possui apenas

um significado, relacionam este termo à sedução amorosa/sexual. É neste sentido que

eles apontam, como elementos de sedução da propaganda, “a caneta que ela põe na

boca” (B7), “a forma como ela faz com a boca dela, como toma o refrigerante”

(B8).Esta forma de beber o refrigerante é, segundo A5, “um elemento pra mulher

seduzir”. Neste caso, pontuamos que os alunos não estabeleceram propriamente um

processo de interlocução com a pesquisadora, com a sua proposta de discutir sobre os

elementos que tornam o anúncio mais interessante, mas, sim, com o enredo dos

anúncios. Eles valem-se de suas memórias discursivas de leitura dos dois anúncios, da

situação de paquera estabelecida nos dois espaços discursivos, para inferir que a

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69 sedução à qual se refere a pesquisadora diz respeito à sensualidade apresentada pela

personagem dos anúncios.

Os efeitos de sentido produzidos pelos alunos indicam “que o leitor pode ou

não identificar o(s) texto(s) que, consciente ou não, o autor mobilizou.” (INDURSKY,

2001, p. 35). Logo, se, na situação analisada, os alunos não conseguem identificar a

ideia mobilizada pela pesquisadora, o mesmo não acontece com a argumentação

apresentada por A2, pois a aluna não só compartilha com os colegas a ideia de

sensualidade identificada nos anúncios, como associa essa imagem aos comerciais de

lingerie das Lojas Renner, nos quais a mulher sempre está com “o dedo na boca. É

sexy.” Assim, ela está pronta para “seduzir os clientes. O cenário ajuda, a animação do

comercial e o designer.”

Como espaço de produção de sentidos, o anúncio publicitário é um lugar de

representações sociais. Neste espaço discursivo, a imagem feminina, por exemplo, é

relacionada a estereótipos nos quais a mulher personifica os ideais de juventude e

sedução: uma estratégia da publicidade percebida por A2 e explorada no momento em

que ela relaciona os gestos sensuais da personagem dos anúncios lidos aos gestos

sensuais apresentados nas propagandas das Lojas Renner. Essa interpretação indica que

a aluna interage com a rede interdiscursiva que sustenta os discursos publicitários. E, ao

interagir, ela reconhece, nos três anúncios (do refrigerante, do carro e das Lojas

Renner), uma das estratégias da publicidade: o uso de imagens femininas, expostas de

forma sensual e sexista, vendendo os mais variados produtos (refrigerante, carro,

lingerie). Neste contexto de enunciação, a autoria faz-se a partir do processo de

alteridade que a aluna estabelece com o saber discursivo que vem do outro, ou seja, na

interlocução com já-ditos naturalizados pela publicidade e sua inscrição num dizer

próprio, mesmo que seja apenas um efeito da organização desse dizer.

Vale marcar, como pontua Indursky (2001, p. 35), que um texto em si não

garante que o leitor perceba toda a alteridade que o constitui, pois cada leitor, “tendo a

sua própria história de leitura, pode estabelecer relações diversas, mobilizando uma

interdiscursividade diferente daquela do sujeito-autor”. Esta foi uma situação observada

durante a intervenção, no momento em que se discute o público alvo do anúncio do

Mercedes-Benz. É consenso, entre os alunos, que o público alvo desse anúncio é o

adulto. Isso porque, segundo A1, somente o adulto possui condições de comprar esse

carro. “O jovem não tem condições de comprar um carro caro tipo uma Mercedes. E o

adulto já tem condições, porque já tem seu trabalho, já tem tudo que tem que ter,

adolescente de 16 anos não tem.”

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70

É interessante observar nesse gesto de interpretação da aluna um

posicionamento reflexivo e crítico em relação ao discurso publicitário do automóvel, um

discurso que, por meio de sua linguagem verbal e imagética, apresenta o produto para

um público específico: aquele que possui condições de adquirir um carro Classe A. Em

virtude de tal constatação, a aluna infere que esse produto, que custa R$

31.900,restringe-se ao público adulto, “que já tem trabalho, já tem tudo que tem que

ter”.

Registramos, nesses gestos de leitura, que os alunos constroem os sentidos a

partir do lugar social que ocupam, de jovens estudantes, que, além de não possuírem

condições financeiras, também não possuem condição legal, perante as leis, para dirigir

um carro, uma vez que o “adolescente de 16 anos não tem [habilitação]” (A1).

A questão da carteira de habilitação estabelece, novamente, a construção dos

sentidos a partir de um processo de alteridade com um saber que vem do interdiscurso.

Um saber institucionalizado, circular, que se justifica pelo espaço onde é produzido e

que determina a concepção de certo e errado em relação ao uso de um automóvel.

Observamos, nesses gestos de leitura, que os alunos interagem com saberes

de diferentes ordens que se encontram reunidos nos anúncios analisados, assim como

também interagem com saberes que vêm do outro (dos colegas, da pesquisadora). Neste

processo de interlocução, emergem o debate, a argumentação, a desconstrução de já-

ditos e a construção de outros sentidos à luz de suas histórias de leitura e de outros

discursos que ressoam do interdiscurso.

Indursky (2001, p. 39) comenta que o trabalho discursivo da produção da

leitura “desestabiliza sentidos que parecem estabilizados, podendo mesmo levá-los ao

deslocamento, à deriva, à ruptura.” E, nesse caso, como visto em vários trechos de

nosso corpus de estudo, produz-se uma leitura que se afasta fortemente daquela

pretendida tanto pelo autor dos anúncios quanto pela pesquisadora. Neste sentido,

podemos dizer, juntamente com Indursky (2001), que os alunos emergem desse

processo como um sujeito-autor, pois agora eles passam a organizar, por sua vez, as

diferentes vozes anônimas da interdiscursividade que atravessam e que dão sustentação

à sua prática de leitura.

4.4 AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DA LEITURA

Ao longo da análise, observamos que nossa opção pelo discurso polêmico

garante aos alunos espaço para a negociação de significados, a reversibilidade entre os

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71 interlocutores, bem como uma redistribuição da posse da palavra que leva à construção

partilhada de saberes. Nesta dinâmica, o sujeito que fala adquire a oportunidade de

reconhecer-se e reconhecer o outro como sujeitos do discurso, evitando, dessa forma, a

fixidez de papéis (ORLANDI, 2006). Comprometida com este processo, a pesquisadora

procura evitar formas discursivas autoritárias, ou seja, formas discursivas que tendem

para um único sentido, para uma única interpretação. No entanto, alguns trechos do

corpus indicam que nem sempre ela consegue sustentar esta postura.

Conforme Souza (2010, p. 23-24) descreve em seu artigo “O conflito de

vozes em sala de aula”, qualquer que seja a visão de sala de aula, tradicional ou numa

perspectiva bakhtiniana, o papel do professor4 tende a ser dominante, ainda que, numa

perspectiva bakhtiniana, esta posição seja fruto mais de uma negociação (embora não

isenta de conflitos) do que de uma imposição, como o é na visão tradicional.

Esse papel, que lhe confere uma posição estrategicamente privilegiada,

acaba outorgando-lhe uma autoridade em sala de aula que legitima as imagens de

detentor e fonte do saber, autorizando-o a construir o sentido mais “adequado” a ser

estabelecido no ambiente da escola. Em alguns momentos, o próprio discurso no qual e

pelo qual o professor constitui-se cria essa condição.

Uma situação ilustrativa pode ser observada quando a pesquisadora utiliza

questões que imprimem certo direcionamento ao debate, como ocorre, por exemplo, no

momento em que a abordagem versa sobre os elementos que atribuem criatividade ao

anúncio do refrigerante. Neste momento, ela pergunta “se o anúncio é criativo”. Em

seguida, aproveita uma resposta do aluno e reitera a questão, indagando: “só o slogan

traz criatividade ao anúncio? Por fim, depois que outros alunos comentam sobre, ela

insiste no tema e questiona: “Só isso? Só esses elementos que trazem criatividade?”

Verificamos, primeiramente, que, pelo tipo de pergunta reiteradamente

expressa, a pesquisadora demonstra já ter previamente formulado em mente a resposta

considerada “mais adequada” àquele questionamento. A impressão é que as perguntas

não têm outra função a não ser a de rastrear essa resposta. Por isso, apesar de os alunos

apresentarem várias interpretações sobre a questão – “o slogan da propaganda” (A1); “o

jeito como ela fala dele” (B6); “a forma como ela toma a Sukita” (B7) –, a pesquisadora

ainda insiste em questionar: “Só isso? Só esses elementos que trazem criatividade?”

4 Nesta seção utilizaremos estudos acerca do lugar que o professor ocupa em sala de aula e das imagens

projetadas em razão desse lugar, pois, apesar de a intervenção não ter sido desenvolvida pela professora da turma, a pesquisadora ocupa, neste momento, essa forma-sujeito e é, igualmente, atravessada por suas experiências no magistério.

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72 Além disso, a pergunta, quando surge, já contém uma afirmação, já aponta que há

criatividade no anúncio, não cabendo ao aluno uma resposta negativa.

Neste contexto de enunciação, a expressão “Só isso?” apresenta um não-

dito que aponta para certa indiferença da pesquisadora em relação ao conjunto de ideias

apresentadas pelos alunos. Por isso, mesmo havendo o debate entre os alunos, ela

continua a reiterar a pergunta a fim de encontrar uma interpretação que corresponda às

suas expectativas.

Tal direcionamento leva-nos a crer que a tentativa da pesquisadora em

direcionar, para a sua compreensão, a interpretação dos alunos deve-se ao esquecimento

número 2 de Pêcheux, segundo o qual o que se diz tem tantos significados quanto forem

os ouvintes e as situações de produção do discurso. No que concerne a esse

esquecimento, em relação ao fazer pedagógico, Coracini (2010, p. 30) postula que ele

tende ao controle “cerceador do sentido, conduzindo o aluno ao que se costuma chamar

de ‘compreensão literal’ ou a uma única leitura, a do professor.” Tal controle também é

registrado, durante a intervenção, quando a pesquisadora desenvolve uma sequência de

perguntas encadeadas. Segundo Coracini (2010, p. 77), essa sequência diz respeito a

[...] uma série de perguntas mais ou menos abertas, sintática e, por vezes, semanticamente independentes, ligadas entre si pelo texto tomado na sua linearidade e por um objetivo pedagógico determinado, como, por exemplo, perceber a situação enunciativa do texto.

Observamos uma situação como essa no momento em que os alunos

apontam as relações existentes entre os dois anúncios. Para B5, no primeiro anúncio,

“ele tava interessado na Sukita, ele ia pedir um gole e ela cortou; jáno2, ela estava

interessada no carro, ela foi pedir, tipo carona, e ele cortou também.” Sobre esse

registro, a pesquisadora indaga:

P- Vocês acham que ele deu uma carona pra ela? T- Não, não. P- A moça que está no carro com ele é a mesma? T- Não. P- Então, no primeiro anúncio, qual é o público? T-Adolescente. P- E pra esse? T- Adulto.

A objetividade dessas questões apenas induz o aluno a recuperar a situação

de enunciação dos anúncios (O que ele fez? Com quem estava? Pra quem é isso?). Não

existe, nesse caso, a necessidade de muita reflexão por parte dos mesmos, tanto que eles

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73 respondem em coro, de forma homogênea, às perguntas da pesquisadora: “P - A moça

que está no carro com ele é a mesma? T - Não. P - Então, no primeiro anúncio, qual é o

público? T - Adolescente.” Tal processo exige apenas que o aluno se oriente pelo

encadeamento das questões. Nesses moldes, esse processo tende a uma forma discursiva

autoritária que, por sua estrutura objetiva, pelo seu sentido já-dado, não abre espaço

para o debate, para a pluralidade de leitura.

Dessa forma, tudo parece estar sob o controle da pesquisadora, a quem é

dado vigiar e punir para manter a ordem durante a intervenção e garantir, aos alunos, o

acesso ao saber (FOUCAULT, 1996), ao saber necessário à compreensão do

deslocamento de sentidos entre os dois anúncios.

A forma como a pesquisadora controla a intervenção deflagra a

manifestação inconsciente de sua formação anterior, pois, como postula Souza (2010,

p.24), a postura do professor (pesquisador) em sala de aula também surgirá em função

de suas experiências anteriores e correntes. É um movimento de natureza circular, o

qual denuncia a pluralidade de vozes que constitui todo sujeito e todo conhecimento.

Tal pluralidade de vozes, que frequentemente emerge nas discussões, por

vezes, é interrompida pela mediadora. Neste caso, não podemos identificar a interrupção

como uma marca linguística regular neste espaço discursivo. No entanto, podemos

identificá-la como mais uma forma discursiva que tende ao controle dos sentidos, ao

direcionamento do debate. Assim, a interdição do discurso funciona como controle do

dizível, por meio de uma relação de poder e saber. A partir de então, certos dizeres, em

determinadas posições-sujeito, são silenciados pelo ritual da instituição da qual fazem

parte, um ritual que se materializa no corpus da pesquisa no momento em que os alunos

discutem sobre a ressignificação do termo “tio” no segundo anúncio.

Para A7, o personagem masculino usa o termo “tio” para esnobar a

personagem adolescente. B4 concorda com a colega e diz que foi para esnobar mesmo.

Já A2 continua o debate, concluindo que o termo foi utilizado para fazer uma

comparação de um comercial com o outro. Neste momento, a pesquisadora intervém:

“Só voltando a questão dos elementos que são utilizados para seduzir, o que mais vocês

acham que aparece além da questão do Classe A, o que mais aparece no segundo

anúncio que pode envolver o consumidor?”

A reflexão sobre o termo “tio” surge como um deslocamento de sentidos

vigentes no seio de outra questão: a abordagem dos elementos que tornam a propaganda

do carro interessante/sedutora. Sobre esta questão, instaurou-se quase um consenso

entre os alunos de que a ironia e o sarcasmo com que o personagem masculino

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74 pronuncia o termo “tio” configuravam-se como elementos de sedução do anúncio,

estratégias da publicidade.

O aluno A2, em um processo de reatualização do dizer dos colegas, desliza

do sentido instaurado (ironia/sarcasmo) para outro sentido, argumentando em outra

direção: “um anúncio comparado com que tem no outro” (A2).

Diante da pluralidade de sentidos estabelecida anteriormente pelos alunos, é

possível que a pesquisadora tenha tomado a interpretação de A2 como algo vago, que se

distancia da indagação inicial. Por isso, ela, a partir de uma dada posição-sujeito,

interrompe a linha de raciocínio iniciada por A2 e pede aos alunos que “voltem à

questão dos elementos que são utilizados para seduzir”.

O contexto de enunciação da pesquisadora indica que a expressão “só

voltando” marca a ruptura no fio discursivo e encaminha o discurso para um sentido

pretendido e para o silenciamento de outros sentidos. Estes outros sentidos, talvez por

não dialogarem com a linha de raciocínio estabelecida pela pesquisadora, mas sim com

a linha de raciocínio desenvolvida pelos alunos sobre os significados da palavra “tio”,

foram rejeitados. O aluno foi silenciado.

O silêncio instaura-se, principalmente, com base no jogo de imagens que a

pesquisadora faz de si, do aluno e da ação pedagógica “adequada” para levar adiante o

seu projeto de intervenção. A mediação realizada faz parte da ação legitimadora do

papel do pesquisador (geralmente assumido pelo professor), que, por sua vez, resulta de

um jogo imaginário relacionado aos lugares representados no interior do processo

discursivo (PÊCHEUX, 2010). Em outros termos, podemos dizer que, assumindo o

papel do professor da turma, o discurso da pesquisadora, que por vezes tende a ser

autoritário, constrói um efeito de verdade e um poder de persuasão que confirmam as

imagens a ele associadas. Ainda que essas imagens não sejam imutáveis, não se pode

ignorar que elas já povoam o imaginário social e constituem a memória discursiva dos

alunos e dos próprios professores, os quais, muitas vezes inconscientemente,

perpetuam-nas, embora tentem negá-las sistematicamente.

Queremos pontuar que a necessidade de expor as condições de produção da

intervenção surgiu em virtude das dificuldades reais da pesquisadora em desenvolver a

pesquisa tal como planejada. O corpus analisado nesta dissertação refere-se à terceira

intervenção realizada em sala de aula. As outras duas foram descartadas porque, em boa

parte das atividades, a pesquisadora assumiu uma forma-sujeito bem distinta daquela

almejada. Tal forma-sujeito, a propósito do que foi exposto nesta seção, tendia a

unificar, a homogeneizar o complexo processo de leitura e produção de sentidos. Essa

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75 postura “incoerente” da pesquisadora é compreendida quando entendemos que “é a

força do ideológico, dos valores socialmente adquiridos, das experiências prévias que se

manifesta à revelia de nosso consciente.” (CORACINI, 2010, p. 32).

Ao abordar os processos de identificação de professores de língua materna,

Coracini (2003) aponta que a identificação do sujeito com determinado discurso forma-

se ao longo do tempo, por meio de processos inconscientes. Ela permanece sempre

incompleta, sempre em processo. Toda identificação só acontece porque encontra

alguma resposta no interior do sujeito:

[...] é preciso entendê-la não como resultado de uma plenitude ou da completude ilusória de um sujeito indiviso, mas de uma “falta”: falta de inteireza que procuramos preencher sem jamais conseguir, a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nos imaginamos ser vistos por outros: sei quem sou em relação ao outro que não posso ser. (CORACINI, 2003, p. 243).

O professor é, portanto, atravessado por uma multiplicidade de vozes que

tornam a sua identidade complexa, heterogênea e em constantes mudanças.

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76 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluir esta pesquisa, acreditamos que tanto o sujeito-leitor quanto eu,

sujeito-autora (ao ler este texto novamente), produziremos sentidos diversos dos que

foram inferidos na análise, exatamente por ter consciência de que essa leitura acontecerá

em um momento histórico diferente e de que a língua, o discurso e o sujeito passam por

processos dinâmicos.

O ponto de partida foram os pressupostos teóricos que embasam a análise

nesta dissertação, fazendo um percurso por alguns conceitos da Análise do Discurso,

por teorias que discutem a linguagem e o discurso, a heterogeneidade enunciativa e as

formulações do discurso pedagógico, por alguns meandros do discurso publicitário,

para, enfim, explanar sobre os caminhos percorridos durante a aplicação pesquisa.

Em seguida, a proposta foi analisar o corpus constituído pela interação dos

alunos durante a interpretação dos dois anúncios publicitários escolhidos. Os sujeitos

envolvidos neste processo são alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, de uma escola

pública do Município de Manaus, no Amazonas.

A análise realizada partiu do princípio de que uma abordagem mediada por

um discurso predominantemente polêmico, a partir de um texto que concilia múltiplas

linguagens, pode criar condições para o aluno posicionar-se de forma reflexiva e crítica

diante do que lê, chegando, assim, à assunção da autoria.

Foi com esta concepção, embasada pelo dispositivo da Análise do Discurso

de linha francesa, que buscamos encontrar o lugar que nos possibilitasse interpretar sem

intencionar alcançar um sentido único, mas que traduzisse, pelo menos em parte, o

sentido aproximado daquele momento histórico em que o discurso dos alunos foi

materializado.

Com o objetivo de analisar os aspectos da historicidade presentes no

processo de interpretação dos anúncios publicitários televisivos, este estudo mostra,

além dos sentidos descritos, que os efeitos de sentido produzidos pelos alunos são

marcados de forma significativa por suas histórias de leitura.

A partir de sua bagagem discursiva, os alunos instauram gestos de

interpretação em dois sentidos. O primeiro, de forma linear, apenas resgata a leitura

prevista pelos produtores do anúncio. Dessa forma, observamos uma sintonia entre o

leitor virtual e o leitor real dos anúncios, pois os alunos apenas parafraseiam os sentidos

materializados (e idealizados) no anúncio do refrigerante. No segundo sentido, um

sentido oposto que aparece em outro momento da intervenção, uma aluna assume uma

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77 posição de sujeito que discorda da posição sujeito ocupada pelos autores do anúncio.

Sua resistência em apenas interpretar sentidos previstos para a circulação do anúncio

indica que ela estabelece outro lugar para o seu discurso, no qual pode ressignificar o

texto publicitário a partir de uma dada condição de produção e de sua história de leitura.

O discurso científico, que respalda o conhecimento acadêmico, é utilizado

para interditar o dizer de alguns alunos. Isto porque, ao estar inserido no ambiente

escolar, lugar onde se reproduz o saber científico e se o faz circular, ao aluno, não é

dado espaço para falar com “outras(suas) palavras que não sejam palavras coerentes

com a fala dos professores, do livro didático e da ciência.” (SILVA; ALMEIDA, 2005,

p. 5). A produção de qualquer sentido que destoe dessas vozes é rejeitada ao extremo

pela classe, sendo o aluno tachado de louco e burro pelos colegas. Ou seja, é

considerada uma pessoa que “não sabe” o que fala. Tais gestos de leitura indicam que,

sob a ilusão de saberes cristalizados, neutros e objetivos, os discursos oriundos do saber

científico tendem a apagar as marcas de outros discursos possíveis e, também, da

historicidade na formação dos sentidos.

Por meio dos gestos de interpretação produzidos durante a leitura do

anúncio do carro Classe A, percebemos que os alunos acompanham o trajeto de

migração de sentidos de um anúncio para o outro. Os efeitos de sentido produzidos

marcam o processo de ressignificação de elementos que deslizam do anúncio do

refrigerante Sukita para o anúncio do carro Classe A, um processo que é construído em

um espaço interdiscursivo a partir do qual, frequentemente, o aluno retoma a memória

discursiva de leitura do primeiro anúncio para, só então, ressignificar o enredo do

segundo anúncio.

A ressignificação de sentidos também ocorre pelo viés do acontecimento

discursivo. A emergência de um novo sentido a partir do encontro da atualidade com a

memória também é registrado pelos alunos.

Importa saber que, principalmente, durante a interpretação do segundo

anúncio, os alunos expõem-se mais ao debate. Dessa forma, eles organizam diferentes

enunciados, elaboram hipóteses, contestam o seu interlocutor e assumem, assim, a

função de autor.

Para Indursky (2001, p. 39) o trabalho discursivo do sujeito-leitor é

desconstruir o efeito-texto, produzindo ‘brechas’ em sua estruturação, os quais se

constituem pelo atravessamento da interdiscursividade. Essas ‘brechas’ são preenchidas

pela prática discursiva da leitura, à luz da memória discursiva. Nesse trabalho do

sujeito-leitor o texto é ressignificado, dele resultando a reconstrução de um novo efeito-

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78 texto. Ainda segundo Indursky, o sujeito leitor emerge desse processo como um sujeito-

autor, pois ele passa a organizar as diferentes vozes anônimas da interdiscursividade que

atravessam e dão sustentação à sua prática de leitura, assumindo a responsabilidade pela

produção de um novo efeito-texto, re-significado por sua produção de leitura, tão

heterogêneo e provisório quanto àquele que lhe deu origem.

Com isso em vista, observamos que em vários momentos da interdição os

alunos assumem a assunção da autoria; pois, pelo viés do trabalho discursivo de

desconstrução do efeito-texto, eles argumentam, questionam e desestabilizam sentidos

naturalizados nos dois discursos publicitários, fazendo emergir, dessa forma, a

heterogeneidade constitutiva dos discursos. Em seguida, reestruturam um novo texto à

medida que, à luz de suas histórias de leitura, de seu saber discursivo, produzem novos

sentidos.

Se, por um lado, a abordagem discursiva dos anúncios proporcionou aos

alunos, em vários momentos da intervenção, assumir a função de autoria, por outro

lado, a manifestação dos princípios pedagógicos assimilados pela pesquisadora ao longo

dos anos inviabilizou, em alguns momentos, o trabalho discursivo de leitura. Pois expôs

os alunos a questões que não exigiam muita reflexão, bastava-lhes, apenas, prestar

atenção em detalhes dos anúncios e seguir o encadeamento das perguntas.

Observamos que tal processo contribuiu para o tão conhecido

acomodamento dos alunos e para a preservação do lugar de autoridade e saber ocupado

pela pesquisadora que, ainda que almejasse, não conseguiu deixar de ser a que conduzia

o saber. Essa postura ‘incoerente’ da pesquisadora é compreendida quando entendemos

que “é a força do ideológico, dos valores socialmente adquiridos, das experiências

prévias que se manifesta a revelia de nosso consciente” (CORACINI, 2010, p. 32).

Esta pesquisa não tem a intenção de esgotar o tema; trata-se de um estudo

que nasceu de meu interesse em investigar outras possíveis práticas de proposição de

leitura em sala de aula a fim de estimular um discurso pedagógico polissêmico, ou seja,

um discurso em que os sentidos possam ser negociados a partir de caminhos possíveis

de leitura.

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APÊNDICE A

TRANSCRIÇÃO DA INTERVENÇÃO REFERENTE À LEITURA DOS ANÚNCIOS DO REFRIGERANTE SUKITA E DO CARRO MERCEDES-BENZ

LOCAL: COLÉGIO DA POLÍCIA MILITAR DE MANAUS DATA: 07.02.2012 TURMA: 9º “D” Legenda: A= alunA; B= alunO; P= professora; T= todos falando ao mesmo tempo

I PARTE – Leitura do anúncio do refrigerante: 1- Qual é o público alvo do refrigerante? A1- Adolescente A2- Todos os públicos. É dedicado tanto para criança quanto para adulto. Não é alcoólico, criança pode tomar. P- Por que vocês estão falando de adolescentes? A1- É um público mais evidente, pelo produto e também pela jovem que está fazendo. E também é uma coisa que toda hora a gente quer mais, mais, mais. P- Que recursos são utilizados nesse anúncio para ele se identificar com esse público? A1- A linguagem jovem. A2- O jeito que ela fala. P- Que jeito que ela fala? A1- Aí, tio! P- Há alguma relação entre a sacola de laranja que o “tio” carrega e o pacote de Sukita? A1- Pode haver uma relação com o sabor, que é de laranja. Aí, traz uma sacola de laranja para identificar o sabor do refrigerante. P- A relação entre a sacola de laranja e o pacote da sukita é pra indicar o sabor? Há outra relação? B3- Acho que tem haver com o clima, quando ele falou: tá quente aki, né? E aí faz o suco de laranja ou então toma o refrigerante para melhorar o calor. A2- Tipo assim, ela por ser mais jovem, toma o refrigerante de laranja, e o tio por ser mais velho toma o suco de laranja. B2- E o refrigerante tem gás e o suco não. P= Vocês acham que a relação entre a sacola de laranja e o refrigerante é pra indicar uma diferença de idade? B3- Sim. Porque se ele tivesse tomado sukita a jovem não poderia chamá-lo de tio. B4 – É se ele fosse mais jovem ela não poderia chamá-lo de tio. P- Então esse tio tá sendo utilizado por quê? A2- Porque ele não conhece ela, então ele deu uma cantada nela e ela cortou ele chamando ele meio de velho, chamando ele de tio. A1-É. E é isso que dá o slogan da Sukita, que fala que não pode beber qualquer coisa. Na hora que ele foi falar, a jovem chamou de tio, velho cortou logo.

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86 P-Há um diálogo entre os 2, eles conversam? T- Sim P- Há uma conversa efetiva? T- Não A3- Ela só fica repetindo- Hum P- Agora, porque ela faz isso? A1- Porque ela não gosta dele. B5 Porque ela tá tomando o refrigerante. P- mas pra tomar o refrigerante tem que ter essa concentração toda? A2- Não. Pode ser pelo interesse, porque jovem só querem outros jovens, não pessoas mais velhas B5- Depende. OBS: Eles começam a divergir sobre a opinião da colega. P- Pode ser, pode não ser... Se vc fala que depende, então, como seria? OBS: pergunta feita ao menino, mas A1, antecipa-se na responder. A1- Depende das mulheres, há mulheres que não querem homem mais velho. OBS: começam a divergir novamente B5 Nem todas B6 Se for rico, se for muito rico, só pega mulher nova P- Na opinião de vocês esse anúncio é criativo? T- É, e muito. P- Para vocês, que elementos conferem criatividade para esse anúncio? A1- O slogan, como eu falei, que ele não pode engolir qualquer coisa, e esse diálogo aí é para dar uma ideia assim. P- Mas só o slogan traz toda a criatividade do anúncio? T- Não. B6- Não, o dialogo deles dois, o jeito como ela fala dele. P- E como é a forma que ela fala? A1- A hãn. Não quer papo com o tio. É tipo assim: nossos pais, quando a gente tá fazendo alguma coisa, tá na internet. Os nossos pais ficam falando e a gente: hãn, hãn. É assim que ela tá. Ela não tá prestando atenção. Ela só tá respondendo, depois corta ele e vai embora. A3- É mesmo. Mas ela não quer papo com o tio porque ela é jovem e jovem gosta de refrigerante e ele é de outro tempo, o tempo da laranja, tempo antigo, em que faziam o suco da laranja ao invés de comprar pronto. B4- É, e agora a gente prefere mil vezes a Sukita porque não tem trabalho de comprar a laranja pra depois fazer, como antigamente. Agora, é só comprar o refrigerante porque o suco já tá pronto. A1- É. E é por isso que o slogan da Sukita fala que não pode beber qualquer coisa. Na hora que ele foi falar, ela já chamou de tio, de velho, cortou logo. P- Só isso? Só esses elementos que trazem a criatividade? B7- As roupas A4- A sacola A5- É verdade. P- O que tem a sacola? A4- A sacola que ele usa não é de plástico. É de papel, reciclável. A2- Papelão B4- É isso mesmo, papel. P- E por que o anúncio apresentaria uma sacola de papel?

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87 A4- Ah, porque agora esses anúncios querem mostrar que a gente tem que cuidar da natureza, então o tio mostra que a gente tem que usar sacola de papel que é reciclável e não de plástico que destrói o meio ambiente. A3- Isso pode ser mais um aviso pra gente preservar os nossos rios, a nossa floresta que o homem só destrói. A1- É, e também porque a gente pode acabar com esse negócio de sacola e diminuir a poluição, que são 05 anos para acabar. T- Não, não. B3- Tá louca, burra. OBS: Os meninos questionam o tempo, 05 anos, e criticam a falta de informação da colega. B5- Não sabe que são milhões de anos. P- Então vocês estão identificando nesse anúncio também outra mensagempara vender o produto. É isso? T- É, de reciclagem. P- Vocês acham que essa mensagem também pode tornar o produto interessante? B4- ele pode até ficar com a caixa, fazer da caixa uma bolsa. PARTE II- TRANSCRIÇÃO DA INTERVENÇÃO DO COMERCIAL DO CARRO. P-Há alguma relação entre o 1 e 2 anúncio? B4- O personagem e o elevador A2- E também a forma de ela responder B7- Dessa vez foi ele que falou ‘ene a o til’, deu o corte e foi embora, tipo uma vingança pela jovem ter se interessado pelo carro Classe A dele. A2- Trocaram os papeis, 1 ela entra no elevador, depois é ele respondendo as mesmas coisas que ela tinha respondido. P- Mas me diga uma coisa: no 2, anúncio ela ficou mais velha? A1- Não. Ela ficou diferente. No 1 ela não tava nem aí pra ele. No 2 ela ficou puxando assunto com ele. Nesse segundo aí o que ela fez? Puxou assunto com ele, mas ele não ligou e foi embora. P- E porque houve essa inversão de papéis? B6- Porque ela fez isso com ele. P- Só porque ela fez isso com ele? B7- É tipo uma vingança. A2-Ele pode ter dado o troco por ela ter se interessado pelo carro Classe A dele. B6- Ele tava se sentindo mais jovem. P- Vocês acham que ela se comportou assim, e ele se comportou dessa forma também somente para dar o troco? Só isso? B6 Acho que o tio tá mais bonito e jovem com o carro. A1- Pode ser pelo que ela não tem, pode ser por causa do dinheiro, que o carro custa caro, e ela se interessou pelo caro dele, e não por ele. B5 – E não nele. P- Então, houve uma inversão aí por causa do interesse? Por causa da beleza dela ou por causa do objeto? A2- por causa do objeto, carro mercedez. A1- Tipo: ele queria ficar com ela e ela não quis. Agora ela ficou interessada nele, por causa do carro, e ele não quis, então ele pegou uma menina da mesma faixa etária dele e saiu.

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88 P- Mas isso só pra fazer inveja ou não? Se ele não deu carona para ela, pode ser que ela nem tenha visto eles dois. Então é só para fazer inveja? T- Não. B6- carro atrai melhor B7- Maria gasolina B8- tava dando uma volta no carro da minha mãe, né, e aí passou uma mulher e ela ficou olhando. O colega buzinou: - ombora? Quando ela foi subir, a gente foi embora. Ela era Maria gasolina. P- Então vimos que os anúncios são parecidos, mas eles transmitem a mesma informação? B8- Não, quase. A9 Quase porque os 2 deram fora um no outro. P- deram fora um no outro? A9-E os produtos são diferentes, mas tem a mesma intenção: chamar consumidores. A1- A roupa e a mochila. P- Por que ela usa uma mochila no 2? Qual é a ideia de trazer a mochila no 2? A1- Sendo que ela pode ter vindo de ônibus, e como ele tem carro, ele poderia ver e dar uma carona. B5- naquele da sukita ele tava falando da sukita dela. OBS: Todos riem . B5- eu imagino que no primeiro anúncio ele tava interessado na sukita, ele ia pedir um gole e ela cortou, já no 2 ela tava interessada no carro, ela foi pedir , tipo carona e ele cortou Tb. B6- mas ele deu pra ela. P- Vocês acham que ele deu uma carona pra ela? T- Não, não P- a moça que tá no carro com ele é a mesma? T- Não. P- Então, no 1 anúncio, qual é o público? T- adolescente P- e pra esse? T- Adulto A1- adulto por causa do carro e por causa das condições. O jovem não tem condições de comprar um carro caro, tipo uma Mercedez. E o adulto já tem condições porque já tem seu trabalho, já tem tudo que tem que ter, adolescente de 16 anos não tem. A2- carteira B6- Não A1- É isso, já tem tirado a carteira, e o adolescente de 16 anos, não tem carteira. B7- Não digo nem condições, eu digo poder tirar a carteira, né? Se for dependente é o pai que vai ter que dar autorização. B6- Tem um colega de 28 anos e ele dirige moto sem carteira. T- Ele é doido. P- Porque nesse produto o público valorizado é o adulto e não o jovem? A1- É pq no comercial fala da classe A, e a classe A tá ligado a parte rica, e como mulher é interessada nisso – Isso é o que falam, mas isto não é verdade- E Tb a roupa que ele usa é muito de pessoa classe A, e é o que ela pensa, ela viu o carro e viu a roupa classe A e pode ter se interessado nele. P- Além da roupa e esse fator classe A, que outros elementos são utilizados nesta propaganda para seduzir o telespectador? B7 A caneta que ela põe na boca . B8- ah, a forma como ela faz com a boca dela, assim (como toma o refrigerante)

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89 A5- Porque é um elemento para a mulher seduzir A2- Tipo, quando tem aqueles comerciais de lingerie da henner, elas sempre estão com o dedo na boca. É sexy, é pra seduzir as pessoas que ela faz. Ajuda. O cenário ajuda, a animação do comercial e designer. Uso de estereótipos feminino nos anuncios B6 Por homens é. P- Essa questão do gesto p seduzir tá só no 1 anúncio, no 2 não tem. B6- tem quando ela tá chupando a sukita A2 Tem o lance que quando ela pede uma volta, ele diz:- NÃO, e ela diz: -NÃO????? E ele repete: -N A O til. P- E o que é o tio? A2- Tipo ele relembrando que ela chamou ele de tio, então ele termina a frase dizendo NÃO tio, nega a carona e dá o troco pra ela.. P- E por que ela fez essa lembrança? A7- Ele falou assim pra esnobar mesmo ela. A2- Ele foi sarcástico com ela porque ela tratou ele dessa forma e ele tinha que fazer a mesma coisa, dá o troco. B4- Pra esnobar mesmo A2- Um anuncio comparado com o que tem no outro P- Só voltando a questão dos elementos que são utilizados para seduzir, o que mais vocês acham que aparece além da questão de classe A, o que mais aparece no 2 anúncio que pode envolver o consumidor? A2- a marca do carro que a gente pensa que é super caro, é marca de carro caro, mas o preço tá acessível para o consumidor critica sobre as estratégias da publicidade A1- comprando o carro classe A também vai conseguir ganhar as garotinhas, e no final ele sai com uma. carro intertextualidade B4- É o acham que trouxe a questão da criatividade, vcs gostaram desse anúncio? P- Dos 02, o que o publicitário usa que deu certo? A1- a forma de falar, as conversas que eles têm, tudo contribuiu para o comercial . P- Só as formas de falar A1- o cenário que foi o mesmo, o elevador, cenário de programa. B4 O carro

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ANEXO A- SOLICITAÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA LINGUAGEM Ilmo Sr. Gilvandro Mota da Silva

Diretor do Colégio da Policia Militar de Manaus

Eu, Eliana Gato Martins, professora efetiva da Secretaria Estadual de

Educação, Mestranda em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina

– UNISUL, solicito a V. Sr, autorização para a execução da coleta de dados que darão

subsídios à pesquisa que estou realizando, cuja orientação está sendo efetuada pelo

Professor Dr. Sandro Braga. Meu trabalho, intitulado Leitura de anúncios publicitários

televisivos: perspectivas para o ensino de Língua Portuguesa numa abordagem discursiva,

prevê a gravação, em áudio e vídeo, da interação entre a pesquisadora e os sujeitos

envolvidos na pesquisa, a partir da intervenção oral acerca dos aspectos discursivos dos

anúncios publicitários do refrigerante Sukita e carro Classe A da Mercedes-Benz.

Certa de contar com a vossa compreensão, subscrevo-me e coloco-me à

disposição para os esclarecimentos que se fizerem necessários.

Atenciosamente,

_____________________________ Eliana Gato Martins