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Livro Generos Televisivos e Modos de Endereçamento Edufba 2011

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  • GNEROS TELEVISIVOS E MODOS DE

    ENDEREAMENTO NO TELEJORNALISMO

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    REITORADora Leal Rosa

    VICE-REITORLuiz Rogrio Bastos Leal

    EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    DIRETORAFlvia Goullart Mota Garcia Rosa

    CONSELHO EDITORIALTitularesngelo Szaniecki Perret SerpaCaiuby Alves da CostaCharbel Nio El-HaniDante Eustachio Lucchesi RamacciottiJos Teixeira Cavalcante FilhoAlberto Brum Novaes

    SuplenteEvelina de Carvalho S HoiselCleise Furtado MendesMaria Vidal de Negreiros Camargo

  • Itania Maria Mota GomesORGANIZADORA

    GNEROS TELEVISIVOS E MODOS DE

    ENDEREAMENTO NO TELEJORNALISMO

    EDUFBASalvador, 2011

  • @2011 by autorDireitos para esta edio cedidos EDUFBAFeito o depsito legal

    PROJETO GRFICO E EDITORAO ELETRNICAVictor Frana e Matheus Menezes

    CAPARodrigo Oyarzbal Schlabitz

    REVISOCida Ferraz

    NORMALIZAOAdriana Caxiado

    Editora filiada :

    EDUFBA Rua Baro de Jeremoabo, s/n Campus de OndinaSalvador - Bahia CEP 40170-115 Tel/fax. 71 [email protected]

    Sistema de Bibliotecas - UFBA

    Gnero televisivo e modo de endereamento no telejornalismo / Itania Maria Mota Gomes,organizadora. - Salvador : EDUFBA, 2011. 284 p.

    ISBN 978-85-232-0797-7

    1. Telejornalismo - Brasil. 2. Jornalismo - Brasil. I. Gomes, Itania Maria Mota.

    CDD - 070.1950981

  • Sumrio

    Apresentao 7

    Metodologia de Anlise de Telejornalismo 17Itania Maria Mota Gomes

    O Roda Viva e as estratgias de construo de um debate pblico 49Fernanda Mauricio da Silva

    Estratgias de endereamento da primeira verso do Jornal da MTV 75Juliana Freire Gutmann

    Globo Rural: ao estilo da cultura do campo 101Jussara Maia

    Cidade Alerta: jornalismo policial, vigilncia e violncia 121Dannilo Duarte Oliveira

    O modo de endereamento do Globo Reprter 151Marlia Hughes Guerreiro Costa

    Infotainment na TV: as estratgias de endereamento do Profisso Reprter 173

    Thiago Emanoel Ferreira dos Santos

    Telejornalismo na TV pblica brasileira. Uma anlise do Reprter Brasil 197Valria Vilas Bas Arajo

    O grito da cidade: Balano Geral, qualidade e modos de endereamento 223Janira Borja

    Jornal da Massa: jornalismo ou programa de humor? 243Mirella Santos Freitas

    Fantstico! Gnero e modos de endereamento no telejornalismo show 263

    Luana Gomes

    Sobre os autores 281

  • 7Apresentao

    Este livro resultado de um esforo conjunto, realizado nos ltimos 10 anos, de anlise de programas jornalsticos televisivos, no mbito do Grupo de Pesquisa em Anlise de Telejornalismo, do Programa de Ps--Graduao em Comunicao e Cultura Contemporneas. Ele toma como seu objeto a anlise e interpretao de telejornalismo, a partir de dois conceitos metodolgicos, o de gnero televisivo e o de modo de endereamento, a partir de uma metodologia capaz de levar conta a linguagem televisiva em seus elementos textuais, visuais, sonoros; a configurao interna dos progra-mas, de suas formas materiais, dos dispositivos tcnicos, visuais e dis-cursivos que organizam sua recepo.

    O primeiro captulo, Metodologia de Anlise de Telejornalismo, apre-senta os esforos de construo de um mtodo de anlise que se pretende vlido e abrangente e que permita consolidar a anlise e a interpretao de programas jornalsticos televisivos, a partir da perspectiva terico--metodolgica dos cultural studies, em associao com os estudos de linguagem, abordagem que implica a considerao de aspectos ao mes-mo tempo histricos, sociais, ideolgicos e culturais do telejornalismo. Essa abordagem nos permite articular trs elementos fundamentais para a anlise do telejornalismo, a saber, o jornalismo, a televiso e a recep-o televisiva. Nessa proposta metodolgica assumimos como premissa que o telejornalismo uma forma cultural e uma instituio social, nos termos de Raymond Williams, e a partir dela articulamos os conceitos de estrutura de sentimento, gnero televisivo e modos de endereamento, que so tomados como conceitos metodolgicos, ou seja, como instru-mentos para trabalhar materiais empricos.

    Estrutura de sentimento um conceito que permite ao analista um olhar para o processo, para o modo como o telejornalismo construdo processualmente e, assim, acessar a emergncia de novas caractersti-cas que ainda no se cristalizaram em ideologias, convenes, normas,

  • 8APRESENTAO

    frmulas, gneros. O conceito de gnero televisivo permite compreen-der as regularidades e as especificidades em produtos que se configuram historicamente ele permite dizer tanto do jornalismo como ideologia, valores, normas quanto das formas culturais historicamente dadas e, sobretudo, vincular nosso objeto de anlise ao processo comunicacio-nal gnero televisivo uma estratgia de comunicabilidade. Modo de endereamento dever permitir ao analista compreender como essas questes so atualizadas em um produto especfico, objeto da anlise. A partir dessas premissas e conceitos, desenvolvemos alguns operadores de anlise dos modos de endereamento: o mediador, o contexto comu-nicativo, o pacto sobre o papel do jornalismo e a organizao temtica.

    Os captulos seguintes constituem-se como exerccios de anlise de telejornalismo a partir da aplicao da metodologia do Grupo. No Cap-tulo 2, O RODA VIVA e as estratgias de construo de um debate pbli-co, Fernanda Mauricio da Silva analisa as estratgias atravs das quais o Roda Viva, programa da TV Cultura, no ar desde 1986, realiza o ideal de fazer jornalismo pblico de qualidade, ao oferecer aos telespectadores a possibilidade de conhecer o pensamento e o trabalho de personalidades nacionais e estrangeiras com profundidade. A promessa de um jorna-lismo de qualidade busca se concretizar por meio da proposta de reflexo e aprofundamento dos assuntos que o programa discute em seus cinco blocos de exibio e da permanente busca de inovao. Como programa de entrevistas h mais tempo em exibio no pas, o Roda Viva pressiona o subgnero programa de entrevistas a partir de imbricaes constantes com os programas de debates, j que seu objetivo promover uma troca de ideias, opinies e argumentos sobre os assuntos que concernem ao entrevistado e sua rea de atuao. O tempo prolongado, a performan-ce dos participantes, o estatuto dos interlocutores em cena, os enqua-dramentos temticos e a abertura para a interatividade com o pblico so marcas que parecem dar a tnica do modo de endereamento do Roda Viva e justificam seu sucesso e longevidade na histria televisiva nacio-nal.

    O Jornal da MTV, analisado no captulo 3 por Juliana Freire Gutmann, um produto televisivo voltado para uma especializao miditica: o jor-

  • 9ITANIA MARIA MOTA GOMES

    nalismo musical, e configura-se, portanto, como um programa de jor-nalismo temtico. Junto com as publicaes sobre msica, revistas seg-mentadas, suplementos culturais dos jornais impressos, programas de rdio e sites especializados no assunto, o Jornal desempenharia o papel de publicizar e contextualizar artistas, bandas e cenas tendo em vista o significado cultural de tais produes. Estratgias de endereamento da primeira verso do Jornal da MTV analisa o modo como a MTV adaptou o jornalismo musical, mais difundido na mdia impressa, s especificida-des do ambiente televisivo. O entretenimento um importante referen-cial para a relao que o Jornal da MTV busca construir com o espectador, uma vez que se insere no universo da msica popular massiva, mas no o principal elemento que configura seu pacto sobre o papel do jornalis-mo. No programa, o acordo proposto com o pblico sobre a funo dessa especializao miditica decisivamente marcado pelo ajuizamento de valor das bandas, cantores e suas manifestaes. esse pacto que asse-gura ao programa o lugar de formar a opinio dos ouvintes, orientando sobre o que bom e o que no bom, contextualizando os artistas, gneros e cenas.

    No captulo 4, Globo Rural: ao estilo da cultura do campo, Jussara Maia explora como os mediadores cumprem um papel fundamental na cons-truo do modo de endereamento do Globo Rural de domingo, repro-duzindo com maior ou menor intensidade uma posio de proximidade, familiaridade, naturalidade e encantamento com os valores, tradies, procedimentos, processos, traos culturais e modo de vida do campo. A autora mostra como Nelson Arajo e Jos Hamilton Ribeiro conferem s suas participaes, como reprteres e/ou apresentadores, marcas pes-soais profundamente sintonizadas com a posio que o programa quer construir para a sua audincia. Nelson Arajo, por exemplo, acentua as marcas do dilogo e da linguagem oral com caractersticas marcadamente rurais. Como resultado desta escolha particular, o jornalista desenvolveu o chamado cordel eletrnico, uma modalidade de texto telejornalsti-co que traduz, com clareza, suas intenes voltadas para a valorizao de aspectos culturais, do modo de falar e de viver dos lugares onde so feitas as reportagens.

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    APRESENTAO

    Em Cidade Alerta: jornalismo policial, vigilncia e violncia, Dannilo Duarte Oliveira acompanha as transformaes ocorridas no perodo de 2004 e 2005 no programa veiculado pela TV Record, buscando compre-ender como o programa se configura na articulao entre dois subgneros da programao jornalstica, o telejornal e o programa temtico. O Cidade Alerta, com sua nfase na produo de notcias sobre violncia urbana, polcia e segurana, com uma cobertura marcadamente sensacionalista, apresenta-se como um telejornal policial. A vinheta, o cenrio, as cores, os enquadramentos de cmera, a performance cnica do apresentador e suas estratgias verbais de interpelao da audincia, o bom relaciona-mento construdo com o meio policial, o que lhe garante vrios furos e a possibilidade de acompanhar e transmitir ao vivo aes policiais, algu-mas delas programadas para acontecer no horrio da transmisso do pro-grama, so aspectos que, articulados no Cidade Alerta, constroem para o programa um lugar de juiz da sociedade: seja substituindo ou tentando substituir as instituies do judicirio, seja assumindo o papel do prprio Estado, que controla e disciplina os desvios sociais, o Cidade Alerta pro-pe um pacto com a audincia de um jornalismo de vigilncia, denncia e prestao de servio. A relao que constri com a audincia diz que ele est ali, vigilante, alerta, pronto a denunciar as falhas dos sistemas pblicos e a alertar a sociedade sobre os riscos a que est sujeita.

    No captulo 6, Marlia Hughes Guerreiro Costa analisa um dos pro-gramas mais emblemticos do telejornalismo brasileiro e tambm um dos mais antigos ainda em exibio na grade de oferta televisiva atual. O Globo Reprter, que teve sua primeira transmisso em abril de 1973, s perde, em tempo de durao na grade da TV aberta brasileira para o Jornal Nacional, da mesma emissora, a TV Globo. Para compreender O modo de endereamento do Globo Reprter, a autora faz uma avaliao histrica do programa, tomando em anlise trs momentos distintos: os anos iniciais, na dcada de 70; os anos 80, que marcam uma srie de alteraes tcnicas, econmicas e de linguagem; e o ano de 2008, per-correndo um perodo de 35 anos de programa. O Globo Reprter tem seus anos iniciais marcados pela colaborao de vrios cineastas, a maioria deles vindos de uma experincia com o Cinema Novo, o que represen-

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    tou uma aproximao pioneira entre o cinema, o cinema documentrio e a televiso, num processo que foi decisivo para a configurao de uma linguagem propriamente televisiva no Brasil. Dez anos depois, em 1983, o suporte mudado de filme para vdeo, o que altera o pro-cesso de trabalho e possibilita um maior controle da Rede Globo, no apenas sobre os contedos, mas tambm sobre a forma. nesse est-gio que os reprteres ganham fora, em detrimento dos cineastas. A Rede Globo passa a controlar inteiramente a produo do Globo Repr-ter, que fica, ento, sob a responsabilidade de uma equipe de profis-sionais contratados pela emissora, em sua maioria, formada por jor-nalistas. O ano de 1983, portanto, representa uma linha divisria que marca a transio pela qual passou o programa. Mais recentemente, o Globo Reprter certamente um programa que investe na credibilida-de da informao, seja atravs da presena constante de especialistas ou do reprter, que valorizado como testemunha do acontecimento. Mas a credibilidade da informao negocia permanentemente com o uso de recursos narrativos e de atrao para chamar a ateno do te-lespectador. Portanto, a informao ganha contornos de algo surpre-endente, indito, fascinante, espetacular. O programa faz uso de estra-tgias, formas e retricas para provocar excitao, drama, espetculo e fascnio, constituindo-se como um dos modos de articular informao e entretenimento.

    O Globo Reprter, visto numa perspectiva histrica, substituiu um modelo mais prximo do cinema e caminhou em direo consolida-o de um formato de documentrio televisivo e jornalstico, que se tor-nou padro na Rede Globo. Esse padro, por sua vez, permite falar de um modo de tratamento dos temas que independe do diretor ou mesmo do contedo do programa. A anlise da trajetria do Globo Reprter permite compreender como a televiso brasileira foi configurando um modo es-pecfico de fazer jornalismo na TV e, nesse processo, configurando ex-pectativas dos telespectadores em relao ao programa e em relao ao gnero jornalismo televisivo. Nesses 35 anos, o Globo Reprter foi cons-truindo um modo de endereamento que se consolidou na passagem do

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    APRESENTAO

    documentrio televisivo ao programa de grande reportagem e, da, ar-ticulao entre reportagem e entretenimento.

    A relao entre jornalismo e entretenimento tambm o tema central da anlise que Thiago Emanoel Ferreira dos Santos faz do Profisso Repr-ter, da Rede Globo, mas, nesse caso, o operador de anlise dos mediado-res o que mais se destaca na organizao do modo de endereamento do programa. O captulo 7, Infotainment na TV: as estratgias de ende-reamento do Profisso Reprter, mostra como o programa articula trs modos de comunicao possveis no telejornalismo contemporneo - informao, storytelling e atraes. Apresentar Os bastidores da notcia. Os desafios da reportagem, no Profisso Reprter, s possvel, para a TV Globo, atravs de uma estratgia em que um jornalista experiente coor-dena as atividades de jornalistas jovens. A trajetria profissional de Caco Barcellos permanentemente convocada pelo programa em contraposi-o aos chamados jovens reprteres. Barcellos o editor, apresentador e narrador principal do programa, o jornalista experiente que explica aos reprteres mais novos os elementos das reportagens e edita o que eles fizeram durante o processo de apurao. A posio do jornalista expe-riente a posio sria, de conduo, de domnio do cdigo do jornalis-mo, do habitus, cabendo aos jovens jornalistas o espao da experimenta-o, da emoo, do erro, da inexperincia, da ousadia, da aprendizagem. Ferreira dos Santos nos mostra que as estratgias utilizadas permitem ao programa construir em torno de si uma funo metalingustica do jor-nalismo, em que os jornalistas explicam as suas prticas profissionais no decorrer da produo das histrias ali relatadas, com Barcellos sendo a figura que assume, retoricamente, a posio do sujeito que explica para os telespectadores os bastidores e os desafios de se fazer uma reportagem na televiso.

    A primeira produo jornalstica da TV Brasil, a emissora pblica cria-da pelo governo Lula analisada por Valria Vilas Bas Arajo. Telejor-nalismo na TV pblica brasileira. Uma anlise do Reprter Brasil, cap-tulo 8, toma o programa que teve sua primeira transmisso no dia 03 de dezembro de 2007 e busca compreender como mostrar o pas que traz no nome, de um jeito como ele no visto nas emissoras comerciais,

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    objetivo da Empresa Brasil de Comunicao (EBC) para o telejornal, se articula com as noes de cidadania, interesse pblico e identidade na-cional. A autora nos mostra que apesar da proposta declarada de fazer um jornalismo nacional de fato, o enfoque predominante do noticirio o do eixo Rio-So Paulo-Braslia, porque a apresentao do telejornal feita a partir destas trs cidades e, sobretudo, porque as matrias de mbito nacional so geralmente elaboradas a partir de um exemplo generalizado original destes centros simblicos; que o interesse pblico construdo atravs do recurso s fontes oficiais, institucionais, especia-lizadas; que poltica parece construda como algo exterior ao cotidiano das pessoas; que, ainda que busque notcias sobre acontecimentos que tenham influncia na vida do cidado, este , no mais das vezes, apenas uma ilustrao ou exemplo nas matrias, sua participao no programa quase restrita a espaos bem demarcados dentro do noticirio, como, por exemplo, nas enquetes. No entanto, na tentativa de abrir maior espao para a participao do cidado e para cumprir a obrigao, prevista em Lei, de estimular e exibir produo independente no horrio noturno, o Reprter Brasil criou o quadro Outro Olhar, que exibe vdeos produzidos pela populao e selecionados pela equipe do jornal, uma experincia in-teressante de jornalismo participativo na televiso e talvez o mais signifi-cativo momento de experimentao dentro do telejornal.

    A defesa dos interesses do cidado tambm a promessa contida no

    programa analisado no captulo 9, O grito da cidade: Balano Geral, qua-lidade e modos de endereamento, de Janira Borja, mas nesse caso, atra-vs de um programa de jornalismo local da televiso na Bahia, o Balano Geral, veiculado pela TV Itapoan (retransmissora da TV Record na Bahia), desde meados dos anos 80. O programa apresenta um formato to bem sucedido que a Rede Record decidiu export-lo para outras praas a par-tir de 2003. Borja analisa o programa baiano, tomando como base emis-ses do ms de setembro de 2006, explorando as potencialidades da anlise de modos de endereamento para anlise da qualidade televisiva. Seu intuito partir de uma avaliao do programa, considerado em suas especificidades como produto telejornalstico, e evitar partir do julga-mento tico, moral, poltico, esttico que guia a maior parte das abor-

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    APRESENTAO

    dagens sobre programas populares. A anlise da qualidade a partir dos modos de endereamento dever responder a perguntas tais como: o telejornal consegue organizar seus elementos internos de modo a esta-belecer um clara relao comunicativa com seu telespectador? O modo de endereamento, que diz dessa relao com a audincia, funciona em acordo, ou seja, ele consegue utilizar corretamente os elementos da lin-guagem televisiva e do gnero jornalstico a fim de atrair esse telespecta-dor? O mediador foi o principal operador de anlise, j que a partir dele que o programa se estrutura.

    Ainda outro programa de jornalismo popular analisado neste livro, o Jornal da Massa, apresentado por Carlos Massa, o Ratinho, e exibido pelo SBT a partir de janeiro de 2007. O programa substitui o Programa do Ra-tinho, alvo de crticas pesadas de entidades da sociedade civil. A presen-a do humor no programa, aliada a alguns depoimentos divulgados na imprensa, bem como ao posicionamento do prprio apresentador Carlos Massa, levaram a autora ao questionamento central do captulo -Jornal da Massa: jornalismo ou programa de humor?, problematizando o gnero te-levisivo em que o programa se inscreve. Para Mirella Santos Freitas, o fim do programa, menos de um ano depois da sua estreia, devido, principal-mente, baixa audincia, pode ser explicado, ao menos em parte, como consequncia da sua indefinio quanto ao gnero ou ao modo pouco competente de articular jornalismo e humor. O desencontro de opini-es e posicionamentos por parte dos seus produtores acerca do gnero do programa pode ter comprometido a construo de uma relao de credi-bilidade entre o programa, enquanto telejornal, e a sua audincia.

    No ltimo captulo, Fantstico! Gnero e modo de endereamento no telejornalismo show, Luana Gomes avalia como o Fantstico, em exi-bio desde 1973, realiza sua proposta inovadora, para aquela poca, de misturar jornalismo e entretenimento de forma dinmica e acessvel, e, ao faz-lo, constitui as marcas do prprio subgnero revista eletrni-ca. O Fantstico constri um modo de endereamento em que a relao comunicativa com os telespectadores construda, duplamente, atravs da alimentao da conversao social e do entretenimento. Seu carter informativo, de relatar os acontecimentos mais importantes da semana,

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    conformado com o objetivo de alimentar a conversao cotidiana, com vistas formao da opinio pblica sobre a realidade social. Por outro lado, em funo da variabilidade de formatos de construo televisiva e da variedade do contedo apresentado, dentro de um contexto marca-do pela descontrao e leveza, o compromisso com o entretenimento constantemente verificado.

    Em sua diversidade, os captulos representam nossos esforos cons-tantes para desenvolver mtodos de anlise adequados para os produtos televisivos/telejornalsticos, que os considerem em sua especificidade. Este livro no se configura como um manual de telejornalismo. No h aqui receitas de qualquer espcie, seja para a elaborao de produtos, seja para a anlise de telejornalismo. Nosso objetivo foi, efetivamente, testar a metodologia proposta, submetendo-a anlise de diferentes produtos da grade da televiso aberta no Brasil, e, assim, avaliar suas potenciali-dades.

    O projeto de pesquisa Gnero Televisivo e Modo de Endereamento no Telejornalismo foi realizado com bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq, no perodo de maro de 2005 a fevereiro de 2008, e permitiu, em suas diversas etapas, a consolidao de uma metodologia de anlise de telejornalismo e a consolidao, tambm, do Grupo de Pesquisa em An-lise de Telejornalismo, que completa, em 2011, 10 anos de trabalho. Esto diretamente relacionadas realizao do projeto, a criao e atualizao permanente do site do Grupo de Pesquisa em Anlise de Telejornalismo (www.telejornalismo.facom.ufba.br ), onde esto disponveis, em aces-so livre, toda a produo cientfica, os cursos e as atividades de exten-so realizadas, alm de crticas cotidianas de programas telejornalsticos. Agradeo a todos os autores pela colaborao e ao PsCom/UFBA pelo apoio para a publicao deste livro.

    Salvador, maro de 2011.

    Itania Maria Mota Gomes(Organizadora)

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    Metodologia de Anlise de Telejornalismo1

    Itania Maria Mota Gomes

    INTRODUO

    A importncia que a televiso assume no Brasil ainda no produziu, como resultado, o desenvolvimento de mtodos de anlise adequados de seus produtos. O mais frequente que a televiso seja tomada a partir de abordagens mais gerais, macroeconmicas, histricas ou sociais, e que o programa televisivo, enquanto um produto cultural com certas especi-ficidades, seja deixado de lado. Na maior parte dos casos, os estudos que tomam a televiso como seu objeto de investigao, ainda que conside-rem seus produtos, tendem a se dispersar em direo a outros objetos de anlise, afastando-se da anlise dos programas efetivamente produzidos e veiculados. No caso do telejornalismo, a situao parece se agravar. Tais estudos tm o mrito de reconhecer a televiso como objeto de in-teresse cientfico e de produzir conhecimento relevante sobre a televiso no Brasil, em especial quanto ao seu carter histrico, social e econmi-co, mas a pouca nfase nos produtos televisivos, tomados eles mesmos

    como objeto emprico, tem resultado numa certa fragilidade terica e metodolgica, quando se trata de descrever, analisar, interpretar os mo-dos de funcionamento, as especificidades, as caractersticas do programa televisivo2.

    1 Este captulo resultado do projeto Gnero Televisivo e Modo de Endereamento no Telejor-nalismo, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico/CNPq, com bolsa de produtividade em pesquisa, modalidade 2, no perodo de maro de 2005 a fevereiro de 2008. Uma verso resumida foi publicada em Gomes (2007).

    2 No Brasil, algumas excees so os trabalhos de Vera Frana, Elizabeth Bastos Duarte, Arlindo Machado, Immacolata Lopes, Maria Carmem Jacob de Souza, Joo Freire. Em texto recente, Arlindo Machado discute as condies de anlise da televiso, chamando a ateno para a necessidade do exame concreto dos programas televisivos. (MACHADO; VLEZ, 2007)

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    METODOLOGIA DE ANLISE DE TELEJORNALISMO

    Este captulo tem como ambio apresentar nossas primeiras tenta-tivas de construo de um mtodo de anlise vlido e abrangente, que permita consolidar a anlise e a interpretao de programas jornalsti-cos televisivos, a partir da perspectiva terico-metodolgica dos cultu-ral studies, em associao com os estudos de linguagem, abordagem que implica a considerao de aspectos ao mesmo tempo histricos, sociais, ideolgicos e culturais do telejornalismo. Essa abordagem nos permite articular trs elementos fundamentais para a anlise do telejornalismo, a saber, o jornalismo, a televiso e a recepo televisiva. Nessa propos-ta metodolgica ainda em desenvolvimento, assumimos como premissa que o telejornalismo uma forma cultural e uma instituio social, nos termos de Raymond Williams. A partir dessas premissas, articulamos os conceitos de estrutura de sentimento, gnero televisivo e modos de en-dereamento, que so aqui tomados como conceitos metodolgicos, ou seja, como instrumentos para trabalhar materiais empricos.

    Estrutura de sentimento um conceito que permite ao analista um olhar para o processo, para o modo como o telejornalismo construdo processualmente e, assim, acessar a emergncia de novas caractersti-cas que ainda no se cristalizaram em ideologias, convenes, normas, frmulas, gneros. O conceito de gnero televisivo permite compreen-der as regularidades e as especificidades em produtos que se configuram historicamente ele permite dizer tanto do jornalismo como ideologia, valores, normas quanto das formas culturais historicamente dadas e, sobretudo, vincular nosso objeto de anlise ao processo comunicacio-nal gnero televisivo uma estratgia de comunicabilidade. Modo de endereamento dever permitir ao analista compreender como essas questes so atualizadas em um produto especfico, objeto da anlise. A partir dessas premissas e conceitos, desenvolvemos alguns operadores de anlise dos modos de endereamento.

    PREMISSAS: O TELEJORNALISMO COMO INSTITUIO SOCIAL

    E COMO FORMA CULTURAL

    Considerar o telejornalismo na perspectiva dos estudos culturais deve implicar articular suas dimenses tcnica, social e cultural, o que garante

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    unidade ao nosso objeto de estudo e um olhar mais atento ao analista. Do nosso ponto de vista, isso significa acompanhar Raymond Williams (1997, p. 22), para quem a televiso , ao mesmo tempo, uma tecnologia e uma forma cultural, e o jornalismo, uma instituio social3. O telejor-nalismo , ento, uma construo social, no sentido de que se desen-volve numa formao econmica, social, cultural particular e cumpre funes fundamentais nessa formao. A concepo de que o jornalismo tem como funo institucional tornar a informao publicamente dis-ponvel e de que o faz atravs das vrias organizaes jornalsticas uma construo: da ordem da cultura o jornalismo ter se desenvolvido deste modo em sociedades especficas. Michael Schudson (1978), numa an-lise histrica da imprensa norte-americana, e em especial do conceito de objetividade, evidencia como o jornalismo vai se construindo como instituio social especfica em relao com o contexto histrico, social, econmico dos Estados Unidos. Por exemplo, antes de 1830 a objetivida-de no era uma premissa. O mesmo autor dir, poucos anos mais tarde, que as notcias so convenes:

    As convenes ajudam a tornar as mensagens legveis. Elas fazem-

    -no de uma maneira que se adapta ao mundo social dos leitores e

    escritores, porque as convenes de uma sociedade ou tempo no

    so as mesmas de outra altura diferente. (SCHUDSON, 1993, p. 280)

    O telejornalismo, como instituio social, no se configura somente a partir das possibilidades tecnolgicas oferecidas, mas na conjuno das possibilidades tecnolgicas com determinadas condies histricas, so-

    3 Para Williams (1971, p. 118), as instituies so um dos trs aspectos de todo processo cul-tural, junto com as tradies e as formaes. Ali, os meios de comunicao aparecem, junto com a famlia, a escola, a igreja, certas comunidades e locais de trabalho, como instituies que exercem poderosas presses sobre o modo de vida, ensinam, confirmam e, na maioria dos casos, finalmente impem significados, valores e atividades. No entanto, no possvel dissociar a anlise das instituies da anlise das tradies (a expresso mais evidente das presses e limites dominantes e hegemnicos) e das formaes (esses movimentos e tendn-cias efetivos que tm significativa influncia no desenvolvimento ativo de uma cultura). Nesse sentido, as instituies seriam, ento e no sentido que esses termos adquirem no pensamen-to de Raymond Williams constitudas e constituintes e devem ser pensadas na relao com as tradies e formaes.

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    METODOLOGIA DE ANLISE DE TELEJORNALISMO

    ciais, econmicas e culturais. Isso de modo algum significa conceber o jornalismo como cristalizao, mas, bem ao contrrio, afirmar seu ca-rter de processo histrico e cultural. Para o desenvolvimento de uma metodologia de anlise, essa premissa obriga uma ateno s diferenas existentes entre as diversas sociedades e tempos histricos e seus jorna-lismos do ponto de vista dos seus valores e convenes; do ponto de vista das formas do gnero.

    Afirmar o telejornalismo como uma construo, no entanto, e justa-mente por esta razo, no nos impede de reconhecer que ele se configura como uma instituio social de certo tipo nas sociedades ocidentais con-temporneas. No Brasil, em que o jornalismo supostamente reproduziria o modelo de jornalismo independente estadunidense, pensar o jornalis-mo como instituio social requer colocar em causa a relao entre jor-nalismo e a noo habermasiana de esfera pblica4, com suas implicaes sobre a noo de debate pblico e vigilncia pblica; a perspectiva liberal sobre o papel democrtico da mdia; a noo de quarto poder, em que est implcita a autonomia da imprensa em relao ao governo, o direito liberdade de expresso e o compromisso com o interesse pblico; o ca-rter pblico ou privado da empresa jornalstica.

    Pensando sobre as consequncias do dilvio comercial sobre o sis-tema miditico europeu, Blumler e Gurevitch (1995) partem da teoria da democracia, pensada aos moldes da democracia representativa, para

    descrever as funes e servios que os media cumpririam no sistema po-ltico. Para esses autores, os media teriam por funo: a vigilncia sobre o sistema social e poltico; o estabelecimento de uma agenda pblica; a disponibilizao de uma plataforma para a defesa esclarecida de cau-sas e interesses de grupos; o dilogo entre diferentes pontos de vista e entre esses pontos de vista e o pblico massivo; mecanismos de presta-o de contas para quem exerce o poder pblico; incentivos para que os cidados aprendam, escolham e se envolvam com o processo poltico; resistncia aos efeitos das foras externas aos media, para subverter sua independncia, integridade e capacidade de servir ao interesse pblico;

    4 Ver Itania Gomes e outros (2004); Wilson Gomes (1998, 2009); Jensen, (1986).

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    e respeito pelos membros da audincia como preocupados e capazes de compreender seu ambiente poltico.

    Essas funes e servios implicam tambm uma especfica concepo de notcia ou de informao jornalstica. nesse modelo de jornalismo que as noes de imparcialidade e objetividade fazem sentido. neste modelo de jornalismo que as distines entre fato e fico, informao e entrete-nimento tornam-se teis. claro que, na nossa concepo, a notcia uma construo e no uma representao fiel da realidade. As noes de ob-jetividade e imparcialidade no jornalismo so mais apropriadas a uma con-cepo empiricista da realidade que est fora do enquadramento da nos-sa perspectiva terica. certo que a objetividade construda e tem uma hereditariedade comercial (SCHUDSON, 1978; DAYAN, 2005), entretanto, ambas as noes so teis na anlise porque enquadram o modo como o jornalismo socialmente aceito, e regulam, pelo menos retoricamente, as aes profissionais e as expectativas do pblico.

    Chamamos a ateno de que essas premissas sobre o jornalismo pre-cisam ser analisadas em relao ao contexto profissional e cultural em que a prtica jornalstica acontece. Embora, em termos gerais, possamos imaginar que certos cnones e expectativas sejam prprios de sociedades ocidentais contemporneas, h diferenas marcantes em relao hist-ria do jornalismo e dos media em cada contexto especfico (por exemplo, para indicar apenas as mais discutidas, as diferenas entre os modelos ingls e estadunidense ou entre os modelos estadunidense e francs de televiso e de jornalismo) e de modo algum concordamos que no haja diferenas de prticas, de sistema, de ideologia no jornalismo realiza-do em distintos perodos histricos e distintas sociedades. At certo pon-to, muitos dos valores e normas profissionais adotados pelos jornalistas em pases democrticos so made in the USA. No entanto, devemos nos perguntar como esses valores e normas so efetivamente desenvolvidos nas atividades profissionais especficas e como eles configuram produtos comunicacionais especficos em diferentes contextos5.

    5 Afonso de Albuquerque (1999, p. 9) analisa a influncia do modelo jornalstico estadunidense sobre o jornalismo brasileiro e chama a ateno para o fato de que os diferentes ambientes po-ltico e cultural em que os dois jornalismos se configuram deveriam fazer supor que o modelo

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    METODOLOGIA DE ANLISE DE TELEJORNALISMO

    Do nosso ponto de vista, um dos principais desafios da investigao sobre o jornalismo contemporneo compreender como duas questes centrais do nosso sculo, a tecnologia digital e o multiculturalismo ou, se quisermos dizer de outro modo, os largos processos de globalizao e os fluxos migratrios, interagem com o jornalismo e que implicaes tm sobre o jornalismo enquanto uma atividade social, enquanto ideologia e enquanto campo profissional. Do ponto de vista dos valores que cons-tituem o jornalismo como instituio social, fundamental interrogar como se d a conjuno entre jornalismo, sociedade e cultura, como essa conjuno interage com e reconfigura certos valores jornalsticos toma-dos como universais: interesse pblico, objetividade, atualidade, credi-bilidade, independncia, legitimidade6.

    Interesse pblico, por exemplo, um dos principais valores jornalsti-cos. Ele parece regular a prtica profissional e a ele se recorre para argu-mentar a favor da prpria legitimidade do jornalismo. No seria o caso de perguntarmos se a diversidade cultural, no modo como ela vivenciada atualmente no contexto europeu, para falarmos de apenas um exemplo em que essa situao mais evidente, no implicaria uma modificao na noo de interesse pblico nessas sociedades? A questo da imigrao a relao com as identidades culturais, mas tambm com o desempre-go e a violncia tem aparecido no centro de vrias disputas polticas (na Inglaterra, na Frana, na Itlia, na Alemanha, na Espanha), mas tem

    implicado tambm uma redefinio do jornalismo em direo ao reco-nhecimento da diversidade cultural nesses pases ou, quando menos, um recrudescimento da crtica ao modo como os jornalistas e os veculos en-quadram a diferena cultural. De todo modo, isso parece demandar um olhar culturalmente mais diversificado, com implicaes sobre o proces-

    de jornalismo efetivamente praticado tambm difere. Segundo o autor, de se supor que a adeso dos jornalistas brasileiros aos princpios do jornalismo estadunidense antes de tudo um gesto formal; na prtica, os jornalistas brasileiros tendem a interpretar esses princpios e a definir o seu compromisso poltico de maneira muito diferente dos seus colegas americanos.

    6 Mark Deuze (2005) realiza um interessante estudo sobre as implicaes das novas tecnologias e da diversidade cultural sobre a configurao da ideologia jornalstica, indicando sutis e len-tas transformaes na concepo dos valores de interesse pblico, objetividade, imediaticida-de, autonomia e tica.

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    so de deciso editorial7. A importncia dos processos de globalizao e da diversidade cultural para o jornalismo diz respeito ao conhecimento que os jornalistas tm ou precisaro ter sobre as diferentes culturas e etnias, s questes da representao e, particularmente, percepo da respon-sabilidade social dos jornalistas e do jornalismo como instituio em sociedades democrticas e multiculturais. (DEUZE, 2005)

    Ao mesmo tempo em que a convergncia tecnolgica implica uma re-organizao do processo de produo jornalstica, com consequncias sobre o que costumamos chamar de cultura jornalstica, as tecnologias digitais tm favorecido, seno o surgimento, a consolidao do jornalis-mo de tipo cidado, com a proliferao dos recursos de interatividade, dos blogs, chats, do jornalismo open source e de sites de disponibilizao de vdeos que tendem a reconfigurar os valores jornalsticos e a relao entre jornalismo e pblico. No caso especfico do telejornalismo, verifi-camos, por exemplo, que cada vez mais as grandes emissoras tm uti-lizado imagens de amadores, em particular de filmes produzidos com telefones celulares imagens, portanto, que no seguem quaisquer dos critrios profissionais de controle e verificao da informao como modo justamente de ampliar a autenticidade e a veracidade dos progra-mas telejornalsticos.

    De modo imbricado com suas configuraes como instituio social, o jornalismo se configura tambm como uma forma cultural. No caso do telejornalismo, acreditamos que, para entend-lo, preciso compreen-der a notcia como uma forma cultural especfica de lidar com a informa-o e o programa jornalstico televisivo como uma forma cultural espe-cfica de lidar com a notcia na TV. Em outros termos, cremos que, apesar de ser um gnero fortemente codificado, se sua histria tivesse sido outra, o telejornal poderia ter hoje outro formato. (MACHADO, 2000,

    7 Berkowitz; Limor e Singer (2004, p. 164) propem um olhar intercultural sobre a noo de interesse pblico e estudam como jornalistas estadunidenses e israelenses se comportam em relao a determinadas questes ticas relativas prtica profissional. Segundo os autores, as diferenas nacionais fortes parecem impossibilitar todas as percepes ou valores jornalsticos universais.

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    METODOLOGIA DE ANLISE DE TELEJORNALISMO

    p. 105) Abordaremos a notcia como um gnero do discurso e o programa jornalstico televisivo como um gnero miditico.

    A notcia discurso e, como tal, um conjunto de convenes que aju-dou a configurar o jornalismo como uma instituio socialmente reco-nhecida e no interior da qual fazem sentido as noes de imparcialidade e objetividade e as distines entre fato e fico, informao e entre-tenimento. Naturalmente, a notcia televisiva um discurso que es-truturado pelos discursos mais amplos da televiso. A notcia, seja ela ouvida no rdio, lida nos jornais ou vista na televiso, ganha muito de sua configurao das caractersticas do prprio meio no qual ela aparece. Da a importncia de analisarmos as configuraes da notcia como um gnero discursivo em relao s caractersticas que ela ganha quando elaborada para transmisso na televiso.

    Ainda nos anos 70, Paul H. Weaver (1993, p. 295) se preocupou com as semelhanas e diferenas entre as notcias de jornal e as notcias de tele-viso, do ponto de vista da sua natureza, dos seus pressupostos e de suas consequncias polticas. Para o autor, a notcia um gnero, um modo distinto de escrever e relatar experincias (WEAVER, 1993, p. 295)8, mas esse gnero apresenta variantes, quer se trate de imprensa ou de tele-viso. Ento, necessrio considerar, ao mesmo tempo, as semelhanas preciso reconhecer que se trata de um mesmo fenmeno, a notcia ou o jornalismo e as diferenas de natureza, princpios, forma em funo

    dos diferentes suportes e das diferentes linguagens utilizadas.Fazendo a ressalva de que as suas hipteses se referem aos jornais e

    televiso norte-americanos9, Weaver (1993, p. 295) considera que as no-tcias de jornal e de televiso so semelhantes no sentido de que so va-riedades de jornalismo, [...] o que significa que ambos consistem num relato actual de acontecimentos actuais; no sentido de que constroem sua cobertura dos acontecimentos [...] por meio da reportagem, isto , a descrio factual daquilo que um observador em cima do acontecimen-

    8 O artigo foi originalmente publicado em 1975.

    9 J que, para o autor, deve-se olhar para o jornalismo num dado lugar e num tempo determinado. As diferenas nacionais e histricas dentro do jornalismo so extremamente grandes. (WEA-VER, 1993, p. 295)

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    to em questo viu e ouviu (WEAVER, 1993, p. 295); no sentido de que os relatos [...] so vocacionalmente produzidos por organizaes com objectivos especiais (WEAVER, 1993, p. 296); e no sentido de que utili-zam os mesmos temas, frmulas e smbolos na construo de linhas de aco dramtica que do significado e identidade aos acontecimentos. (WEAVER, 1993, p. 296)

    Ao mesmo tempo, as notcias de jornal e as notcias de televiso apre-sentam distines elementares do ponto de vista da estrutura, voz e contedo. Quanto estrutura, a diferena estaria [...] associada ao facto de a televiso estar organizada e apresentada no tempo, enquanto a edio do jornal est apenas organizada no espao (WEAVER, 1993, p. 297), com consequncias sobre o modo de organizao da oferta das notcias aos leitores e telespectadores, sobre a sua configurao textu-al (para o autor, a notcia de televiso uma forma muito mais flexvel e intelectualmente moldvel do que a do jornal (WEAVER, 1993, p. 299), sobre o modo de interpretar os acontecimentos e sobre as formas de con-trole do processo de produo jornalstico. As notcias de jornal e as not-cias televisivas teriam diferenas tambm nos seus modos de construo narrativa, consequncia do fato de que a notcia de televiso ao mesmo tempo visual e auditiva, enquanto a de jornal seria apenas visual (WEA-VER, 1993, p. 300) para o autor, isso implicaria um narrador impessoal para o jornal e um narrador pessoal e onisciente no jornalismo de TV (na televiso, ouve-se a voz, v-se o corpo e a postura da pessoa que fala). Finalmente, [...] a notcia televisiva difere da notcia do jornal na mui-to maior importncia que a televiso d ao espetculo (WEAVER, 1993, p. 303), consequncia de poder usar a imagem e o som e consequncia de os jornalistas de televiso americanos se empenharem em enfatizar essa especialidade, empenho que se traduz pelo cuidado com a imagem (em detrimento, segundo o autor, dos aspectos mais propriamente jornalsti-cos) e com a dramatizao.

    Um outro autor que se ocupa da caracterizao da notcia como um gnero Klaus Bruhn Jensen (1986, p. 50), que entende que

    [...] um gnero uma forma cultural que apresenta a realidade so-

    cial em uma perspectiva prpria e, ao fazer isso, implica formas es-

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    METODOLOGIA DE ANLISE DE TELEJORNALISMO

    pecficas de percepo e usos sociais do contedo. Assim, o gnero

    estabelece um modo de comunicao ou, mais especificamente,

    uma situao comunicativa, entre o emissor e o destinatrio.

    Seguindo Raymond Williams (1979), Jensen prope que a definio da notcia como um discurso leve em conta trs aspectos, a posio, o as-sunto adequado e o modo de composio formal 10.

    Com posio do autor em relao ao seu material os autores se refe-rem a um modo de organizao bsica que determina um tipo particular de apresentao dos contedos. A posio tem a ver no apenas com o modo como o autor aborda um tema, mas tambm com os objetivos re-tricos daquela abordagem em relao audincia. O que o conceito de posio enfatiza que qualquer texto sempre uma comunicao social-mente situada.

    No caso do gnero notcia, a posio que projetada enfatiza o pa-

    pel do jornalista como um observador independente, sua apura-

    o dos fatos sociais, a contraposio de pontos de vista e assim

    por diante. Simultaneamente, o leitor/telespectador posicionado

    como um receptor de informaes reais, confiveis, presumivel-

    mente relevantes num sentido poltico mais amplo. (JENSEN, 1986,

    p. 50)

    O tema apropriado de diferentes gneros varia enormemente. O tema do gnero notcia, por exemplo, no modelo de jornalismo anglo-saxni-co, deriva da noo de esfera pblica e sua implcita separao das esferas sociais. Por outro lado, a notcia tem, tambm, um modo de composio formal caracterstico. Por exemplo: cabea off passagem sonoras e nota p, se pensarmos na organizao mais clssica da matria televisiva no Brasil. De todo modo, o que importa aqui que a posio, o assunto adequado e o modo de composio formal da notcia como um gnero so configurados historicamente.

    10 Williams e Jensen falam em stance, the appropriate subject matter e mode of formal composition. Aqui adotamos os termos tal como apresentados na traduo de Marxismo e literatura, publi-cado no Brasil pela Zahar.

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    No telejornalismo, o componente da imagem faz muita diferena. Jensen coloca nfase na questo da credibilidade, de como as imagens da cobertura televisiva reforam a expectativa de objetividade e imparciali-dade, e nas convenes jornalsticas que regulam a imagem jornalstica. A variedade de imagens oferecidas aparece tambm como um forte apelo para a audincia e, de modo a manter o telespectador preso no fluxo te-levisivo, no telejornalismo as imagens so estruturadas de acordo com a esttica de produo de mercadoria. Alm disso,

    [...] em princpio, o gnero notcia televisiva expe duas narrati-

    vas paralelas: a narrativa visual, que se coloca como um documen-

    to do que realmente aconteceu, assim demonstrando a pretenso

    da objetividade, e a narrativa falada que contribui com informao

    complementar, ainda que permanea relativamente distinta, sem

    comprometer o status da narrativa visual como pura informao.

    Para a audincia, essa conveno de gnero contribui para a poten-

    cial heterogeneidade da experincia com o jornalismo. Qualquer

    que seja sua justificao econmica ou organizacional, a conveno

    resulta numa estrutura de mensagem que relativamente aberta a

    um leque de interpretaes. (JENSEN, 1986, p. 65)

    OS CONCEITOS: ESTRUTURA DE SENTIMENTO, GNERO TELEVISIVO

    E MODO DE ENDEREAMENTO

    Estrutura de Sentimento, Gnero Televisivo e Modo de Endereamen-to so tomados aqui como conceitos metodolgicos, ou seja, eles devem encontrar sua melhor perspectiva atravs de estudos em que sejam usados como instrumentos para trabalhar materiais empricos colocando-lhes questes e organizando sua observao (BRAGA, 1997). Os trs conceitos tm em comum sua origem nasceram do esforo da anlise cultural e sua preocupao com o sujeito, com o processo ativo de produo de sentido na cultura. Nesse sentido, em diferentes estgios ou nveis, eles colocam ateno sobre os receptores e os processos de recepo.

    Estrutura de sentimento um conceito que habilita o analista a estar atento aos significados e deslocamentos de significados que as palavras--chave que definem o jornalismo como instituio objetividade, im-

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    METODOLOGIA DE ANLISE DE TELEJORNALISMO

    parcialidade, verdade, relevncia, pertinncia, factualidade, interesse pblico, responsabilidade social, liberdade de expresso, atualidade, quarto poder, para dizer apenas algumas adquirem. Nesse sentido, ele permite um olhar para o processo, para o modo como o telejornalismo construdo processualmente e, assim, acessar a emergncia de novas caractersticas que ainda no se cristalizaram em ideologias, convenes, normas, gneros. A adoo do conceito de gnero televisivo deve possi-bilitar ao analista o reconhecimento da existncia de relaes sociais e histricas entre determinadas formas culturais no nosso caso, os pro-gramas jornalsticos televisivos e as sociedades e perodos nos quais es-sas formas so praticadas. Ele permite compreender as regularidades e as especificidades em produtos que se configuram historicamente ele per-mite dizer tanto do jornalismo como ideologia, valores, normas, quanto das formas culturais historicamente dadas e, sobretudo, vincular nosso objeto de anlise ao processo comunicacional gnero televisivo uma estratgia de comunicabilidade. Modo de endereamento, na medida em que diz do modo como um determinado programa se relaciona com sua audincia a partir da construo de um estilo, dever permitir ao analista compreender como essas questes so atualizadas em um produto espe-cfico, objeto da anlise. Em seguida, apresentamos cada um dos concei-tos, buscando evidenciar seu potencial metodolgico.

    ESTRUTURA DE SENTIMENTO

    Metodologicamente, estrutura de sentimento apresentada por Ray-mond Williams como uma hiptese cultural que nos permitiria estudar a relao entre os diferentes elementos de um modo de vida11. O con-ceito aparece pela primeira vez em The long revolution, no captulo de-dicado anlise da cultura, e continuar a ser trabalhado por Williams at Marxismo e literatura, no qual aparece como um captulo autnomo dentro da parte dedicada teoria cultural. Depois disso, o conceito ser

    11 O conceito de cultura como modo de vida desenvolvido por Willliams em Culture and society. Para o autor, a ideia de cultura como um modo inteiro de vida vem mostrar que a mudana social nunca parcial: a alterao em qualquer elemento de um sistema complexo afeta seria-mente o conjunto.

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    abandonado pelo autor, apesar de seu potencial terico-metodolgico. Do ponto de vista do que nos interessa aqui, acreditamos que estrutura de sentimento poder ser til compreenso e abordagem do jornalis-mo como instituio social: permite olhar para o que socialmente ins-titudo como normas, valores, convenes do campo e o que vivido, o que a prtica cotidiana e o que ela contm de caractersticas e qualida-des que ainda no se cristalizaram em ideologias e convenes.

    Estrutura de sentimento um termo difcil. Com ele Williams (1961, p. 48) quer se referir a algo [...] to firme e definido como sugere a pa-lavra estrutura, ainda que opere nos espaos mais delicados e menos tangveis de nossa atividade. Sentimento aparece a para marcar uma distino em relao aos conceitos mais formais de viso de mundo ou ideologia, para dar conta de significados e valores tais como so vividos e sentidos ativamente, levando em considerao que [...] as relaes entre eles e as crenas formais ou sistemticas so, na prtica, vari-veis (inclusive historicamente variveis), em relao a vrios aspectos (WILLIAMS, 1971, p. 134), enquanto estrutura quer chamar a ateno para elementos que se apresentam [...] como uma srie, com relaes internas especficas, ao mesmo tempo engrenadas e em tenso. De todo modo, estrutura de sentimento se refere a uma experincia social que est em processo ou em soluo, com frequncia ainda no reconheci-da como social. Com ele, Williams pensa poder acessar a emergncia de novas caractersticas que ainda no se cristalizaram em ideologias, con-venes, normas, gneros.

    Admitimos que o conceito difcil, que apresenta problemas na sua formulao e na sua operacionalizao, mas acreditamos que ele um conceito-chave no pensamento de Williams e tem forte potencial meto-dolgico e terico.

    Beatriz Sarlo (1997) prope articular estrutura de sentimento com as noes de dominante, residual e emergente que Williams utiliza em Mar-xismo e literatura para descrever elementos de diferentes temporalidades e origens que configuram o processo cultural. Segundo Williams (1997), claro que a anlise cultural deve considerar as caractersticas domi-nantes de um determinado processo ou sistema cultural, mas o analista

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    METODOLOGIA DE ANLISE DE TELEJORNALISMO

    precisa estar atento tambm a um certo senso de movimento, de pro-cesso histrico, e s articulaes e inter-relaes complexas entre esses elementos dominantes e os residuais, aqueles elementos que foram efe-tivamente formados no passado, mas ainda esto ativos no processo cul-tural, no s como elemento do passado, mas como um elemento efetivo do presente, e emergentes, novos significados e valores, novas prticas, novas relaes e tipos de relao que so efetivamente criados e que apa-recem como substancialmente alternativos ou opostos na cultura domi-nante. Segundo o autor, com as formaes emergentes que a estrutura de sentimento, como soluo, se relaciona (WILLIAMS, 1971, p. 136):

    [...] o que temos de observar , com efeito, uma emergncia preli-

    minar, atuante e pressionante, mas ainda no perfeitamente arti-

    culado... para compreender melhor essa condio de emergncia

    preliminar, bem como as formas mais evidentes do emergente, do

    residual e do dominante, que devemos explorar o conceito de es-

    truturas de sentimento. (WILLIAMS, 1971, p. 129, grifo do autor)

    Trabalhar com a hiptese cultural da estrutura de sentimento impe-de olhar o telejornalismo apenas como cristalizao, impede tambm observ-lo como unidimensional, mas, ao contrrio, favorece recuperar as fissuras, as ranhuras das prticas jornalsticas culturalmente vividas. Nesse sentido, se acolhemos estrutura de sentimento como um concei-

    to metodolgico, o jornalismo no poder nunca ser considerado, para fins da anlise, como uma escola, como uma instituio claramente e indefinidamente estadunidense ou anglo-saxnica que se espalha pelo mundo global existiro tantos jornalismos quantas so as culturas, as sociedades e os tempos histricos em que ele praticado e o trabalho do analista encontrar as marcas da sua heterogeneidade constitutiva, a copresena, em seus produtos, de elementos dominantes, residuais e emergentes.

    Ao longo de todo o seu trabalho de configurao de uma teoria da cul-tura e de uma histria cultural da arte e da comunicao, Williams vai buscar compreender as articulaes entre os elementos dominantes, re-siduais e emergentes atravs da histria das palavras e ideias.

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    Williams pensava que, nos deslocamentos e na acumulao de

    sentidos operados nas palavras-chave, podiam ser lidos, como se

    a lngua fosse o suporte histrico de um mapa cultural, os avatares

    da mudana nas instituies polticas e sociais bem como os das

    relaes entre elas e as prticas culturais. (SARLO, 1997, p. 93)

    Para os fins que nos interessam aqui, de configurao de uma meto-dologia de anlise de programas jornalsticos televisivos, no se trata de ocupar o analista com a historiografia das palavras que constituem o jor-nalismo. Trata-se, antes, de estar atento ao trabalho dos historiadores do jornalismo e de, na anlise de produtos concretos, observar os significa-dos e deslocamentos de significados que as palavras-chave que definem o jornalismo como instituio objetividade, imparcialidade, interes-se pblico, responsabilidade social, liberdade de expresso, atualidade, quarto poder, para dizer apenas algumas adquirem.

    GNERO TELEVISIVO

    H algum tempo vimos tentando fazer dialogar os estudos culturais e os estudos da linguagem assumindo como ponto de convergncia a dis-cusso sobre os gneros discursivos, textuais, literrios e a possibi-lidade de articulao de uma teoria dos gneros televisivos. (GOMES, 2002) Falando a propsito dos gneros literrios, Raymond Williams afirma que uma discusso sobre o gnero supe o reconhecimento de

    dois fatos:

    Primeiro, a existncia de relaes sociais e histricas claras entre

    determinadas formas literrias e as sociedades e os perodos nos

    quais foram originadas ou praticadas; segundo, a existncia de

    continuidades indubitveis nas formas literrias atravs e alm de

    sociedades e perodos com os quais tm essas relaes. Na teoria

    dos gneros, tudo depende do carter e processo dessas continui-

    dades. (WILLIAMS, 1979, p. 182)

    Reconhecemos, com Williams, a existncia de relaes sociais e hist-ricas entre determinadas formas culturais e as sociedades e perodos nos quais essas formas so praticadas. Reconhecemos, igualmente, que um

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    METODOLOGIA DE ANLISE DE TELEJORNALISMO

    gnero um modo de situar a audincia televisiva, em relao a um pro-grama, em relao ao assunto nele tratado e em relao ao modo como o programa se destina ao seu pblico. No entanto, acreditamos que pode-mos avanar numa teoria dos gneros e na avaliao de programas jor-nalsticos televisivos se adotarmos a concepo de gnero televisivo ou gnero miditico, concepo sustentada pela nfase no processo comu-nicacional instaurado por uma determinada forma cultural:

    [...] a anlise dos processos miditicos em sua categorizao por

    gnero repousa sobre a idia de que tanto os produtos quanto os

    processos de recepo desses produtos so elementos interdepen-

    dentes do processo de produo de sentido dos discursos sociais

    ligados ao fenmeno miditico. (JANOTTI JR, 2005, p. 3)

    Nesse sentido, colocar a ateno nos gneros televisivos implica re-conhecer que o receptor orienta sua interao com o programa e com o meio de comunicao de acordo com as expectativas geradas pelo pr-prio reconhecimento do gnero.

    O gnero no algo que passa ao texto, mas algo que passa pelo

    texto... O gnero uma estratgia de comunicao, ligada profun-

    damente aos vrios universos culturais...O gnero no s uma es-

    tratgia de produo, de escritura, tanto ou mais uma estratgia

    de leitura. (BARBERO, 1995, p. 64)

    Os gneros so formas reconhecidas socialmente a partir das quais se classifica um produto miditico. Em geral, os programas individualmen-te pertencem a um gnero particular, como a fico seriada ou o pro-grama jornalstico, na TV, e a partir desse gnero que ele socialmente reconhecido. No caso da recepo televisiva, por exemplo, os gneros permitem relacionar as formas televisivas com a elaborao cultural e discursiva do sentido.

    Os programas telejornalsticos so, ento, considerados como uma variao especfica dentro da programao televisiva, enquanto com-pondo, no seu conjunto, um gnero programa jornalstico televisivo, que obedece a formatos e regras prprias do campo jornalstico em nego-ciao com o campo televisivo. Os telejornais, programas de entrevistas,

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    documentrios televisivos, as vrias formas de jornalismo temtico (es-portivos, rurais, musicais, econmicos) so variaes dentro do gnero: podemos cham-los subgneros ou formatos. E demandam ser aborda-dos em categorias que impliquem consider-los, ao mesmo tempo, como um produto de jornalismo televisivo o que implica uma abordagem que leve em conta a linguagem televisiva e os elementos prprios do campo jornalstico e como um produto comunicacional o que implica uma abordagem da interao como os telespectadores.

    O gnero televisivo, no entanto, algo da ordem da virtualidade (DU-ARTE 2004, p. 67), ou seja, no podemos encontrar por a um exemplar puro de um gnero. Como virtualidade, entretanto, o gnero encontra sua atualizao em programas especficos e, no sentido que adotamos aqui, no modo de endereamento que cada programa constri na relao com os receptores.

    MODO DE ENDEREAMENTO

    O conceito de modo de endereamento surge na anlise flmica, es-pecialmente aquela vinculada screen theory e tem sido, desde os anos 80, adaptado para interpretao do modo como os programas televisivos constroem sua relao com os telespectadores. Modo de endereamento aquilo que caracterstico das formas e prticas comunicativas espec-ficas de um programa, diz respeito ao modo como um programa espec-fico tenta estabelecer uma forma particular de relao com sua audin-cia. (MORLEY; BRUNSDON, 1978) A anlise do modo de endereamento associada ao conceito de gnero televisivo deve nos possibilitar entender quais so os formatos e as prticas de recepo solicitadas e historica-mente construdas pelos programas jornalsticos televisivos. Na nossa perspectiva, o conceito de modo de endereamento tem sido apropriado para ajudar a pensar como um determinado programa se relaciona com sua audincia a partir da construo de um estilo, que o identifica e que o diferencia dos demais.

    Pensando sobre os modos de endereamento no cinema, Elizabeth Ellsworth (2001, p. 11) resume o conceito na seguinte questo: quem esse filme pensa que voc ?. O modo de endereamento um conceito

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    METODOLOGIA DE ANLISE DE TELEJORNALISMO

    que se refere a algo que est no texto ou no programa, diramos ns e que age, de alguma forma, sobre seus espectadores imaginados ou reais. H uma certa distino, entretanto, no modo como o conceito com-preendido pela teoria do cinema e pelos estudiosos da recepo televi-siva. Num caso, ele entendido como o estilo do programa. Noutro, ele se refere a subject positions construdas pelo filme: os semilogos ligados Screen sugeriam que a audincia era posicionada pelos textos flmicos atravs do uso da cmara, em particular pelos enquadramentos flmicos, pelas tomadas. Mais recentemente, os autores tm optado por falar de modos de endereamento no plural , na perspectiva de que podem ser vrias as posies de sujeito que os espectadores so convocados a ocupar num filme especfico.

    O modo de endereamento no um momento visual ou falado, mas uma estruturao que se desenvolve ao longo do tempo das relaes entre o filme e os seus espectadores (ELLSWORTH, 2001, p.17), um processo invisvel que parece convocar o espectador a uma posio a par-tir da qual ele deva ler o filme. Alguns investigadores tm pensado esse convocar a partir do conceito de interpelao, tal como desenvolvido por Louis Althusser (1985, p. 93) a partir do psicanalista Jacques Lacan. Nesse caso, o modo de endereamento deve ser pensado como um posiciona-mento dos espectadores. Nessa perspectiva, subject position implica uma necessria sujeio ao texto e, como j visto, a ideologia opera atravs da sujeio.

    Na perspectiva da anlise televisiva, o conceito tem sido apropriado para ajudar a pensar como um determinado programa se relaciona com sua audincia a partir da construo de um estilo, que o identifica e que o diferencia dos demais. O conceito vem sendo utilizado em estudos de recepo que se dedicam a uma anlise comparativa dos discursos dos produtos televisivos e dos discursos de seus receptores, a exem-plo de David Morley e Charlotte Brunsdon (1978, 1999), John Hartley (1997, 2000, 2001) e Daniel Chandler ([20--?]). Esses autores articulam os modos de endereamento para compreender a relao de interde-pendncia entre emissores e receptores na construo do sentido do texto televisivo.

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    Segundo Morley e Brunsdon (1999, p. 262), o modo de endereamento se caracteriza pela relao que o programa prope para ou em conjunto com a sua audincia: O conceito de modo de endereamento designa as especficas formas e prticas comunicativas que constituem o progra-ma, o que teria referncia dentro da crtica literria como o seu tom ou o seu estilo.

    Daniel Chandler ([20--?]), por sua vez, chama a ateno para o fato de que a relao do nosso olhar com as imagens pintura, fotografia, cinema, televiso social e historicamente construda. O modo de ver uma construo. Recuperando a histria da pintura, o autor nos lembra que a perspectiva linear, no Renascimento, constituiu um novo modo de olhar e, logo, um modo mais socialmente aceito de representar a verda-de. A perspectiva um cdigo pictrico que apenas nos aparece como natural em razo de estarmos social e historicamente acostumados a ler as imagens de acordo com ele. E esse cdigo nos posiciona fisica-mente de um determinado modo em relao s imagens:

    [...] o cdigo renascentista de uma perspectiva centralizada em um

    ponto de vista linear no simplesmente uma tcnica para indicar

    profundidade e relativa distncia num meio bi-dimensional. um

    cdigo pictrico que reflete o crescente humanismo daquele per-

    odo, apresentando imagens de um ponto de vista visual singular,

    subjetivo, individual e nico. CHANDLER ([20--?])

    E mais, a perspectiva nos preparou para a cmera fotogrfica: como disse McLuhan (1970), a fotografia a mecanizao da pintura em pers-pectiva.

    Sem recusar a perspectiva da subject position, Daniel Chandler destaca a relao que o texto constri com o espectador e associa ao modo de endereamento aspectos sociais, ideolgicos e textuais. So fatores re-lacionados ao modo de endereamento o contexto textual, que inclui as convenes de gnero e a estrutura sintagmtica, o contexto social, que diz da presena/ausncia do produtor do texto, da composio da au-dincia, de fatores institucionais e econmicos, e os constrangimentos tecnolgicos, que se referem s caractersticas de cada meio.

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    METODOLOGIA DE ANLISE DE TELEJORNALISMO

    Assim, entendemos que o modo de endereamento depende de, se es-trutura a partir das caractersticas de cada meio, tanto no que se refere ao suporte quanto s formas culturais (WILLIAMS, 1997) adquiridas por cada meio em sociedades particulares. Nessa perspectiva, por exemplo, a televiso difere do cinema em termos de suas possibilidades tcnicas, de seus recursos de linguagem, dos gneros adotados, da relao esta-belecida com o pblico numa perspectiva histrica, das convenes que regulam as expectativas da audincia para cada um dos meios.

    Na nossa abordagem, o conceito de modo de endereamento, quan-do aplicado aos estudos de jornalismo, nos leva a tomar como pressu-posto que quem quer que produza uma notcia dever ter em conta no apenas uma orientao em relao ao acontecimento, mas tambm uma orientao em relao ao receptor. Esta orientao para o receptor o modo de endereamento e ele que prov grande parte do apelo de um programa para os telespectadores. (HARTLEY, 2001, p. 88) O modo de endereamento, em Hartley, se refere ao tom de um telejornal, quilo que o distingue dos demais e nessa perspectiva, portanto, o conceito nos leva no apenas imagem da audincia, mas ao estilo, s especificidades de um determinado programa.

    Aqui, portanto, adotamos o conceito de modo de endereamento na-quilo que ele nos diz, duplamente, da orientao de um programa para o seu receptor e de um modo de dizer especfico; da relao de interde-pendncia entre emissores e receptores na construo do sentido de um produto televisivo e do seu estilo. Nessa perspectiva, o conceito de modo de endereamento se refere ao modo como um determinado programa se relaciona com sua audincia a partir da construo de um estilo, que o identifica e que o diferencia dos demais. Ele permite verificar como ins-tituio social e forma cultural se atualizam num programa especfico.

    No esforo de construir uma metodologia de anlise do telejornalismo, buscamos a articulao entre estrutura de sentimento, gnero televisivo e modo de endereamento. A associao entre esses conceitos pode se mostrar uma boa base conceitual e metodolgica para anlise e crtica do telejornalismo porque nos permite considerar o telejornalismo, a um s tempo, uma instituio social e uma forma cultural e, portanto, proceder

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    a uma anlise que faculte a considerao de um produto miditico a par-tir da sua vinculao com a histria e com o contexto, sem abrir mo da anlise concreta dos programas. nesse sentido que dizemos que esses so conceitos metodolgicos: seu potencial deve ser avaliado na medida mesmo em que eles se prestem anlise dos produtos miditicos con-cretos.

    OS OPERADORES DE ANLISE DOS MODOS DE ENDEREAMENTO

    A anlise de programas jornalsticos televisivos, como parece bvio, deve considerar os elementos que configuram os dispositivos propria-mente semiticos da TV, os elementos da linguagem televisiva os re-cursos de filmagem, edio e montagem de imagem e de som emprega-dos pelos programas jornalsticos e os elementos propriamente verbais. A anlise deve nos levar ao que especfico da linguagem televisiva, tal como construda num determinado programa e, consequentemente, tal como socialmente partilhado pela audincia. A gravao ao vivo, as si-mulaes, bem como infogrficos, mapas do tempo, vinhetas, teles e cenrios virtuais formam o conjunto dos recursos que, para alm de cre-dibilidade, do agilidade e ajudam a construir a identidade dos progra-mas e das emissoras. A anlise do texto verbal, por sua vez, deve revelar as estratgias empregadas pelos mediadores para construir as notcias, interpelar diretamente a audincia e construir credibilidade.

    Nossos esforos de anlise, no entanto, tm nos mostrado que a des-crio dos elementos semiticos no suficiente para compreender as estratgias de configurao do modo de endereamento e nos colocam diante da necessidade de construo de operadores de anlise que fa-voream a articulao dos elementos semiticos aos elementos discur-sivos, sociais, ideolgicos, culturais e propriamente comunicacionais. nesse sentido que desenvolvemos os operadores de anlise do modo de endereamento, que apresentamos em seguida. Ressaltamos, no entan-to, que no se trata de categorias de anlise, na medida mesmo em que no so excludentes e no so exaustivos, e nem se organizam a partir de quaisquer regras externas ao programa telejornalstico objeto de anlise. o modo mesmo de configurao dos programas que dir ao analista a

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    partir de quais operadores um programa concreto se constri. Os opera-i. Os opera-i. Os opera-dores se articulam entre si, no devem ser observados nem interpreta-dos isoladamente. Ao mesmo tempo, importante tomar em conta que o objetivo de anlise no deve ser descrever ou interpretar cada um dos operadores isoladamente, mas, atravs dos operadores, acessar o modo de endereamento de um programa especfico: os operadores so os lugares para onde o analista deve olhar, no o fim ltimo do esforo analtico. A seguir, apresentamos os operadores de anlise que estamos desenvolvendo.

    1. O mediador. Programas jornalsticos televisivos contam com apresen-tadores ou ncoras, comentaristas, correspondentes e reprteres. Sem

    dvida, em qualquer formato de programa jornalstico na televiso, o

    apresentador a figura central, aquele que representa a cara do pro-

    grama e que constri a ligao entre o telespectador, os outros jornalis-

    tas que fazem o programa e as fontes. Assim, para compreender o modo

    de endereamento, fundamental analisar quem so os apresentadores,

    como se posicionam diante das cmeras e, portanto, como se posicio-

    nam para o telespectador. Mas o modo de endereamento diz respeito

    tambm aos vnculos que cada um dos mediadores (ncoras, comen-

    taristas, correspondentes, reprteres) estabelece com o telespectador

    no interior do programa e ao longo da sua histria dentro do campo,

    familiaridade que constri atravs da veiculao diria/semanal do

    programa, credibilidade que constri no interior do campo miditico

    e que carrega para o programa, ao modo como os programas constro-

    em a credibilidade dos seus profissionais e legitimam os papis por eles

    desempenhados. A noo de performance, tal como utilizada no teatro,

    pode se mostrar um importante recurso descritivo para este operador

    analtico. A noo pe em relevo o carter interpretativo do desempe-

    nho dos atores, dos mediadores televisivos: o ator representa a partir de

    seu prprio corpo, de suas prprias caractersticas, mas ele desempenha

    um papel. A performance do mediador um aspecto central dos modos

    de endereamento dos programas telejornalsticos isso se torna mais

    evidente em programas como Cidade Alerta e Balano Geral, por exemplo,

    que se organizam muito claramente a partir da competncia perform-

    tica de seus apresentadores, e em programas de entrevista, mas tambm

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    est presente nos mais discretos telejornais. O mediador o responsvel

    pela predominncia do verbal na televiso e, nesse sentido, adotaremos

    como ferramenta para observao do texto verbal dos mediadores as es-

    tratgias narrativas e argumentativas desenvolvidas, considerando os

    recursos retricos e persuasivos empregados.

    2. O contexto comunicativo. Este operador de anlise se refere ao con-texto comunicativo em que o programa televisivo atua, contexto que

    compreende tanto emissor, quanto receptor e mais as circunstncias

    espaciais e temporais em que o processo comunicativo se d. A comu-

    nicao tem lugar em um ambiente fsico, social e mental partilhado.

    Isso pode ser melhor explicado pelo recurso noo de instrues de uso

    de um texto, ou seja, aqueles princpios reguladores da comunicao

    os modos como os emissores se apresentam, como representam seus

    receptores e como situam uns e outros em uma situao comunicati-

    va concreta. Um programa jornalstico sempre apresenta definies dos

    seus participantes, dos objetivos e dos modos de comunicar, explicita-

    mente (voc, amigo da Rede Globo, para o amigo que est chegando

    em casa agora, esta a principal notcia do dia, Agilidade, dina-

    mismo e credibilidade o que queremos trazer para voc, voc meu

    parceiro, ns vamos juntos onde a notcia est) ou implicitamente

    atravs das escolhas tcnicas, do cenrio, da postura do apresentador.

    3. O pacto sobre o papel do jornalismo. A relao entre programa e teles-pectador regulada, com uma srie de acordos tcitos, por um pacto

    sobre o papel do jornalismo na sociedade. esse pacto que dir ao te-

    lespectador o que deve esperar ver no programa. Para compreenso do

    pacto fundamental a anlise de como o programa atualiza as premis-sas, valores, normas e convenes que constituem o jornalismo como

    instituio social de certo tipo, em outras palavras, como lida com as

    noes de objetividade, imparcialidade, factualidade, interesse pbli-

    co, responsabilidade social, liberdade de expresso e de opinio, atu-

    alidade, quarto poder, como lida com as ideias de verdade, pertinncia

    e relevncia da notcia, com quais valores-notcia de referncia opera.

    Os recursos tcnicos a servio do jornalismo, ou seja, o modo como as

    emissoras lidam com as tecnologias de imagem e som colocadas a servi-

    o do jornalismo, o modo como exibem para o telespectador o trabalho

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    METODOLOGIA DE ANLISE DE TELEJORNALISMO

    necessrio para fazer a notcia so fortes componentes da credibilidade

    do programa e tambm da emissora e importantes dispositivos de atri-

    buio de autenticidade. A exibio das redaes como pano de fundo

    para a bancada dos apresentadores na maior parte dos telejornais atu-

    ais apenas uma dessas estratgias de construo de credibilidade e, ao

    mesmo tempo, de aproximao do telespectador, que se torna, assim,

    cmplice do trabalho de produo jornalstica. Mas as transmisses ao

    vivo ainda so o melhor exemplo do modo como os programas buscam

    o reconhecimento da autenticidade de sua cobertura por parte da audi-

    ncia redes internacionais como a CNN e a BBC so exemplares nesse

    sentido. Os formatos de apresentao da notcia: nota, reportagem, en-trevista, indicador, editorial, comentrio, resenha, crnica, caricatura; enquete, perfil, dossi e cronologia e a relao com as fontes de infor-mao so outros aspectos que devem ser observados, pois dizem das

    escolhas jornalsticas realizadas. Os conceitos de lugar de fala (BRAGA,

    1997) e de frame, aqui entendido como quadros narrativos construdos

    pelo programa para emoldurar suas construes noticiosas, tm se

    mostrado dispositivos analticos teis na identificao do pacto sobre o

    papel do jornalismo.

    4. Organizao temtica. A arquitetura dessa organizao implica, por parte do programa, a aposta em certos interesses e competncias do

    telespectador. No caso dos programas de jornalismo temtico, parece

    quase bvio dizer que a temtica o operador de maior importncia para

    a anlise do modo de endereamento programas esportivos, progra-

    mas culturais, programas ecolgicos. Nesses casos, cabe analisar como

    a temtica abordada e como se articula aos outros operadores de an-

    lise. Para os telejornais, entretanto, a anlise da organizao temtica

    demanda maior ateno e por vezes s pode ser compreendida atravs

    da observao do modo especfico de organizar e apresentar as diversas

    editorias e do modo especfico de construir a proximidade geogrfica

    com sua audincia.

    Do ponto de vista da anlise, o pressuposto terico-metodolgico de que o telejornalismo uma instituio social e uma forma cultural deve ser avaliado em sua encarnao concreta num programa especfico. Os conceitos de estrutura de sentimento, de gnero televisivo e de modo de

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    ITANIA MARIA MOTA GOMES

    endereamento devem guiar o exame concreto do telejornalismo, con-siderado, no primeiro caso, com o conceito de estrutura de sentimento, a partir da relao entre elementos dominantes, residuais e emergentes; no segundo, de gnero televisivo, a partir da existncia de relaes so-ciais e histricas entre as formas que o telejornalismo assume ao longo do tempo e as sociedades em que essas formas so praticadas; no terceiro, do modo de endereamento, a partir do modo como um programa espe-cfico se relaciona com seus telespectadores a partir da construo de um estilo e, ao fazer isso, configura e reconfigura o prprio gnero.

    Ressaltamos, entretanto, que o gnero televisivo algo da ordem da virtualidade, mas, como virtualidade, ele encontra sua atualizao em programas especficos e, no sentido que adotamos aqui, nos modos de endereamento que cada programa constri na relao com os recep-tores. O modo de endereamento, por sua vez, enquanto atualizao do gnero televisivo, contribui para constru-lo. A tarefa do analista, nesse sentido, no buscar na programao televisiva os exemplos de gnero, nem construir classificaes e tipificaes, de resto pouco teis diante da diversificao de formatos dos programas jornalsticos televisivos, com forte hibridizao, mas a de compreender como especificidades e regularidades configuradas pelo gnero televisivo se realizam em cada programa concreto.

    Considerar o telejornalismo como instituio social e como forma cultural e tomar estrutura de sentimento, gnero televisivo e modo de endereamento como conceitos metodolgicos demanda que a anlise do produto telejornalstico seja fortemente contextualizada: contex-tualizao do programa na grade de programao da emissora, con-textualizao do programa em relao emissora, entendida enquanto marca e enquanto organizao jornalstica, contextualizao em rela-o concorrncia, contextualizao em relao televiso e em rela-o ao jornalismo, contextualizao em relao sociedade e cultura. Essa contextualizao no deve ser um pretexto para abandonarmos o programa televisivo em prol de uma anlise que, embora tome o pro-grama como ponto de partida, rapidamente se volte para outros objetos. A contextualizao deve ter como objetivo compreender o programa

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    METODOLOGIA DE ANLISE DE TELEJORNALISMO

    como produto cultural especfico, enquanto conjunto de estratgias his-trica, econmica, cultural, ideolgica e socialmente marcadas. A con-textualizao, para os fins que nos interessam aqui, no se transforma no objeto de investigao, mas deve nos ajudar a melhor compreender o objeto o programa. Analisar o contexto em que um programa se insere deve significar, no esforo mesmo de anlise, verificar como um progra-ma especfico apela, faz referncia a, convoca seu contexto. Em outros termos, quando analisamos um programa por exemplo, o Linha Direta, da Rede Globo12 devemos nos perguntar em que Brasil esse programa possvel, em que jornalismo e em que sociedade podemos to facilmente passar da factualidade dramaturgia, em que emissora um programa jor-nalstico pode incorporar to naturalmente o uso de atores, os enquadra-mentos e planos da telenovela, como um programa televisivo se constri na relao, ao mesmo tempo, com os gneros televisivos e com o gnero policial, ou seja, como convoca uma certa competncia cultural dos seus receptores em relao ao gnero policial no cinema, na literatura.

    Propomos que essa anlise deva ser marcadamente histrica, ou seja, que ela se d na considerao de uma histria cultural da televiso preciso que a anlise de um programa observe como ele se inscreve no contexto histrico, tcnico, econmico, social, cultural de formao da televiso em uma determinada sociedade e do momento especfico em que o programa em questo transmitido e de uma histria cultural

    do jornalismo nesse caso, preciso tomar em considerao na anlise como valores e normas que configuram o jornalismo e as expectativas sociais sobre o jornalismo tomam corpo em um programa telejornalstico especfico, como esse programa atualiza essas normas e valores jornals-ticos socialmente reconhecidos. em relao a esse contexto tambm que se torna importante considerar como concepes de jornalismo se relacionam com concepes sobre a sociedade e a cultura (sobre sua economia, suas instituies, as relaes de poder, suas formas de pen-samento).

    12 Disponvel em: . Ver: Duarte (2007).

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