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EXMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA
PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DE SÃO PAULO.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por seu
XXXXXXXXXXXXXXXXXX, vem, com o devido acatamento e respeito, à elevada
presença de Vossa Excelência, com base nos artigos 5º, caput, e incisos I, X, XXXV,
LIV, LV, LXXIV; 6º, caput e 196 e seguintes, todos da Constituição da República
Federativa do Brasil, combinados com os artigos 1º, IV e 5º, II da Lei nº 7.347/85, e
artigos 5º, VI, “g” da Lei Complementar Estadual nº 988/06, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedido de antecipação dos efeitos da tutela
em face do ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público interno,
com sede na Rua Pamplona, 227, Jardim Paulista, CEP 01405-902, São Paulo, SP, e
da ASSOCIAÇÃO PAULISTA PARA O DESENVOLVIMENTO DA MEDICINA
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
(SPDM), com sede na Rua Dr. Diogo de Faria, 1036, Vila Clementino, São Paulo, SP,
CEP 04037-003, diante dos seguintes fatos e fundamentos jurídicos.
I - DA SÍNTESE FÁTICA
Foi instaurado, em 03 de maio de 2011, no âmbito do Núcleo
Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de
São Paulo, procedimento administrativo para apuração de irregularidades
ocorridas no Centro de Atenção Psicossocial Professor Luis da Rocha
Cerqueira, doravante denominado CAPS Itapeva1.
O CAPS Itapeva é uma estrutura de atendimento à saúde mental,
qualificado como CAPS II (regramento contido no artigo 4.2 da Portaria 336/GM),
que integra a estrutura administrativa do Estado de São Paulo. Seu objetivo legal é
a prestação de serviço público, na área da saúde, especificamente a saúde
mental.
Por meio de instrumento próprio, sua gestão foi transferida para
a iniciativa privada, no caso, a Associação Paulista para o Desenvolvimento da
Medicina (SPDM). Assim, apesar de tratar-se de serviço público, sua prestação
direta está ocorrendo por entidade privada, nos moldes da Lei Complementar
Estadual nº846/1998. É que a SPDM é qualificada como organização social,
recebendo, por meio de contrato de gestão, a atribuição de gerir o CAPS Itapeva.
Curioso notar que as denúncias começaram a surgir apenas após essa delegação.
Pois bem. As denúncias recebidas pela Defensoria Pública
apontavam, recorrentemente, abuso por parte dos funcionários do
1 cópia integral do procedimento administrativo acompanha a presente petição.
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
estabelecimento de saúde, mediante tratamento truculento e arbitrário, cujo ponto
máximo seria a negação do atendimento de saúde aos usuários, por meio de
curioso ato administrativo de suspensão, impedindo que pacientes, por
determinado período de tempo, tivessem o necessário atendimento de saúde.
A prática levada a efeito pelo CAPS Itapeva, vale dizer, a suspensão
dos pacientes, foi suficientemente comprovada no procedimento administrativo
investigatório. Trata-se, na verdade, de fato incontroverso, eis que a direção
daquele estabelecimento de saúde admite sua ocorrência, tendo inclusive
encaminhado à Defensoria Pública relação dos casos que ensejaram suspensão.
É preciso, portanto, indicar os documentos que comprovam a
existência do ato de negação de atendimento, bem como suas características
principais. Deveras, para a completa extração do significado jurídico de tal prática
é preciso identificar suas características essenciais, a saber: quem pratica o ato de
suspensão? em que hipóteses é a suspensão aplicada? qual sua exteriorização
material? qual o procedimento adotado para concluir pela suspensão? qual sua
finalidade?
Todos esses elementos estão demonstrados na documentação que
acompanha este pedido.
A existência em si do ato administrativo de negação de
atendimento, como afirmado, é fato incontroverso, eis que admitida pela própria
Direção do Centro de Atenção Psicossocial. É comprovada, portanto, pelas
denúncias dos altivos usuários e pela documentação fornecida pelos gestores da
entidade de saúde mental.
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
Quanto às denúncias dos próprios pacientes, destaca-se a altivez
de XXXXXXXXXX , o qual apresentou detalhada denúncia, noticiando o seguinte
perante a Ouvidoria Geral da Defensoria Pública:
"Afirma o usuário que tem sido suspenso de algumas atividades
desenvolvidas pelo CAPS. O reclamante afirma quando existem
eventuais divergências entre as solicitações dos pacientes e os
técnicos, prevalece a posição dos técnicos, que se encontram em
situação privilegiada. Relata o usuário que os técnicos do CAPS
Itapeva tem ameaçado os pacientes com expulsão ou
suspensão do tratamento sempre que os pacientes
questionam a falta de remédios, ou atividades que eram
desenvolvidas e foram suprimidas (...). O usuário afirma que
hoje, dia 12/04/2011, recebeu um telefone do Dr. Leonardo
Saua, CRM-104.886, que informou ao assistido que não
deveria comparecer no CAPS, pois suas atividades estavam
suspensas até a próxima segunda-feira" - fl.26/27 do
procedimento.
O usuário também formalizou denúncia junto a Ouvidoria
Comunitária da População em Situação de Rua (fl.28/29). No documento, faz-se
menção das solicitações operadas pelo paciente junto aos órgãos competentes em
razão da falta de medicamentos e prestação inadequada de serviço. Segundo seu
relato, "como consequencias dessas reclamações, René disse que Marcos seria
suspenso e Marcos foi embora, já se sentindo mal". Esclarece que, no dia
seguinte, "quando estava a meio caminho da instituição, foi orientado a não
retornar mais ao CAPS, uma vez que suas atividades foram suspensas".
Esclareceu que "essa informação lhe foi dada em telefonema do Dr. Leonardo
Sauaia, que tem sido seu médico nos últimos meses".
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
XXXXXX também esclarece a extensão da suspensão: "Quando se
suspendem as atividades, prejudica-se tudo: almoço, medicamentos,
possibilidade de ficar no local, etc.". Apesar do tratamento inadequado que
entende receber, o paciente é enfático: "é muito importante poder ficar nas
dependências do Centro, já que se sente confortável ali, ao contrário de em
outros serviços públicos em que, em função de sua própria doença, sente-se
observado e perseguido".
A paciente XXXXXXXXXXX também agiu para tentar solucionar
os problemas do CAPS. Contudo, como persistiu em seu intento, seu destino pode
ser considerado trágico. Após receber diversas suspensões (na denúncia
formalizada às fls.30, relata que era a quinta suspensão), acabou sendo expulsa do
CAPS Itapeva. A via por ela caminhada é ilustrativa sobre a prática de negação de
atendimento.
Em relato feito de próprio punho, a usuária traz importantes
informações sobre a suspensão, vista pela perspectiva do paciente. Confira-se:
"Venho por mais uma vez expor a situação que eu e outros
pacientes enfrentamos diariamente aqui neste CAPS. Ontem dia
15/06/2010, por volta das 14horas, estávamos na sala de internet
quando o técnico chamado Rogilson entrou na sala falando em voz
bem alta que eramos para sair lá fora para pegar cornetas, apitos e
outros instrumentos para fazer barulho durante o jogo. O que eu e
outros pacientes nos recusamos. Logo em seguida entrou na sala o
médico psiquiatra Manoel dando ordens a uma outra paciente, que
saísse da sala pois o espaço seria fechado, devido ao fato da
funcionária Marly ir assistir o jogo e que todos iriam sair dali.
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
Quando ele repetiu que todos iriam ir eu respondi que não
concordava pois não quero assistir a nenhum jogo e que o médico
Manoel não estava sendo nada democrático. Iniciamos uma
discussão intensa com troca de agressões verbais. Eu disse que não
iria obedecê-lo pois não sou sua filha nem sua empregada, ele
respondeu que eu estava suspensa". - fl.31/32 do procedimento.
Mais adiante, a usuária explica o histórico da prática:
"O advento das punições e suspensões foi instituído aqui no CAPS a
partir de uma proposta feita pela Terapeuta Ocupacional Larissa e
do ex aprimorando de psicologia Wilson, pois segundo eles, estavam
ocorrendo um numero alto de agressões entre pacientes. A
diretoria levou esta proposta na Assembléia dos pacientes e
técnicos das 4ª feiras, e os pacientes que na sua maioria não
consegue discernir calaram-se, a partir daí a ditadura está
instituída aqui no CAPS. Qualquer alteração no
comportamento ou no tom de voz, você é punido com
suspensão, ou ameaçado pelos técnicos. Mesmo se o paciente
está em surto psicótico, paranóico, esquizofrênico, alienado
mental, podemos ser suspenso" - fl.33.
Em sua longa manifestação, a paciente traz ainda outras
informações sobre o cotidiano do CAPS, pelo olhar do paciente, indicando outros
pacientes que também sofreram punições (fls.34).
Por fim, a indignação da paciente está documentada em fichas de
atendimento, quando ela expressamente apôs o seguinte: "estou retornando
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
novamente de uma outra suspensão dada pela chefe de Enfermagem Hanecone
Pereira, de forma arbitrária e truculenta" (fl.44).
As denúncias operadas pelos dois usuários indicados acima
forçaram uma manifestação formal do Diretor Clínico do CAPS Itapeva, Marcel
Kaio, o qual, em ofício dirigido à Defensoria Pública do Estado de São Paulo,
confirma as suspensões. O documento está às fls.47/48 dos autos originários,
destacando-se os seguintes trechos:
"A usuária em questão é portadora de doença da CID 10 F22 +
F60.3 (transtorno delirante persistente + transtorno de
personalidade com instabilidade emocional). (...). A Sra. Maria
Solange foi afastada da convivência por três vezes neste ano por
estar desrespeitando regras de convivência mínimas propostas
dentro do CAPS (faz xingamentos, ofensas, ameaças. (...). O
procedimento da equipe técnica é suspender qualquer usuário que
utilize deste tipo de atitude contra terceiros. Por ter direito, busca
retaliar a equipe através de denúncias formais. O prazo de
suspensão é variável e pode chegar até a 7 dias de afastamento das
atividades, conforme gravidade da agressão". - fls.47/48.
O momento é de demonstração dos fatos, mas é inevitável pontuar
duas informações curiosas contidas no ofício. Parece normal que uma pessoa
que possua transtorno de personalidade com instabilidade emocional apresente
atitudes de altercação verbal. Por outro lado, indaga-se: é adequado que uma
entidade que se preste a tratar esse distúrbio mental se negue a fazê-lo,
justamente em razão de aparentes sintomas da doença? Ademais, muito
curioso, que o próprio médico tenha colocado em seu ofício que a paciente "tem
direito", razão pela qual busca "retaliar a equipe". Parece, Excelência, que vigem
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
dois ordenamentos jurídicos. Um para toda a sociedade; outro, autônomo,
exclusivo para os que habitam o CAPS Itapeva. Neste último é prevista a suspensão
sumária em razão do comportamento normal de uma pessoa doente.
Ainda quanto à senhora Maria Solange, consta, finalmente, que ela
foi expulsa do CAPS, consoante relato acostado às fls.107 do procedimento.
Ainda quanto aos usuários, também consta relato da paciente So
Hee ko, relatando atitudes de ameaça por parte de funcionários do CAPS (fl.103).
Diante de tantas denúncias, era preciso ativar o contraditório,
para propiciar melhor instrução do feito. Assim, considerando que o Centro de
Atenção Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira pertence à estrutura
do Estado de São Paulo, sendo gerido pela Associação Paulista para o
Desenvolvimento da Medicina, buscou-se contato com ambas pessoas jurídicas.
Foi dada oportunidade à Secretaria de Saúde se manifestar, a qual quedou-se
inerte2. A direção do CAPS Itapeva, pela SPDM, por sua vez, ingressou no
procedimento, apresentando relato e documentos3.
Sucede que a própria instituição, a partir dos documentos que
forneceu, admite a prática, esclarecendo seus contornos. Ainda assim, é relevante
o relato dos pacientes, eis que cada parte fornece informações a partir de sua
perspectiva.
2 Ofício enviado pela Defensoria, às fls.97/98, para o Secretário Estadual de Saúde. Não consta resposta.
3 Os documentos estão acostados às fls.196/315 e 323/334 do procedimento.
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
Entre os documentos, constata-se que o tema aqui tratado
permeia as discussões na casa e, diferentemente do que pretendeu colocar a
direção, não conta com a concordâncias dos pacientes. Em atas de assembléia de
pacientes e técnicos, há relatos importantes. Às fls.205, Lauro opina que "castigo
(suspensão) é infantilizar o paciente". Também às fls.205, Lúcia, por sua vez,
preocupando-se com possível arbitrariedade, faz importante indagação: "o que
acontece com funcionário quando este agride verbalmente o usuário?" Não há
notícia de suspensão de funcionários...
Por outro lado, as hipóteses que autorizam a punição e quem deve
aplicá-la também não parecem bem delineadas. Na pauta de assembléia juntada às
fls.202 e seguintes do procedimento, discutiu-se sobre esses temas, sem conclusão
ou com a clareza necessária ao tema. Indicou-se que a "referência deveria aplicar a
punição", mas levantou-se óbice de que ela nem sempre estaria presente. Por outro
lado, parece que agressões físicas sempre levariam a suspensão, enquanto
agressões verbais dependeriam de análise (fl.202, verso).
Instado, o Diretor Clínico do CAPS Itapeva encaminhou relato
pormenorizado das suspensões formalizadas. A partir dessa relação, conclui-se
pela naturalidade com que a prática é utilizada. A relação está acostada às fls.332
do procedimento administrativo da Defensoria Pública, onde constam suspensões
de 1 (um) a 7 (sete) dias, relacionadas desde de agressões físicas a outros
pacientes ou funcionários, ameaças, agressões verbais, consumo de entorpecentes,
dano ao patrimônio público, cobrança de medicamentos. Há, inclusive, hipótese em
que consta a aplicação de suspensão sem motivo aparente ou expresso4.
4 Paciente Claudionete foi suspensa no dia 15 de setembro de 2010; na relação, não há qualquer fundamentação; no relato de ocorrências, às fls.245, também não consta indicação do motivo que ensejou a suspensão.
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
Ao final, há a indicação da quantidade de suspensões aplicadas:
em 2009, 5; em 2010, 12; em 2011, também 12. Anote-se que essa relação foi
fornecida pelo próprio CAPS, de forma que pode não representar todos os casos de
suspensão. Ademais, é certo que referida relação não aponta as situações em que
funcionários valem-se da possibilidade de aplicar a suspensão para promover
tratamento inadequado aos pacientes.
Analisando o livro de ocorrências (fls.209/279), é possível
conhecer um pouco mais do cotidiano de uma unidade de tratamento de saúde
mental, além de perceber como se deu cada ocorrência e quais são as
características da suspensão.
Há relato sobre suspensão nas folhas 224, 225, 231, 233, 236, 238,
239, 244, 248, 249, 252, 253, 257, 260, 263, 264, 265, 269, 271, 272, 273 e 278. Os
casos variam desde de agressões verbais, agressões físicas, pedido de atendimento,
dano ao patrimônio, uso de drogas. As suspensões vem anotadas por médicos,
psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais.
É interesse observar, por outro lado, a extensa listagem de
ocorrências que não ensejaram, especificamente, suspensão. A partir da leitura do
livro, fica claro que agressões verbais, danos ao patrimônio, discussões e até
pequenas vias de fato são práticas comuns no estabelecimento de saúde mental,
possivelmente em razão da peculiaridade dos pacientes que frequentam aquele
local. Assim, há relatos de agressões físicas (fls.246, 248, 249), porte de arma
branca (fl.229), e diversas discussões que acabaram resolvida sem qualquer
punição.
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Parece claro, assim, que dissensos contundentes são prática
comum no CAPS. Alguns casos, levam a suspensão. Outros, são resolvidos sem
punição.
Após a juntada dos documentos, foram realizadas inspeções no
CAPS Itapeva por Conselhos de Fiscalização Profissional. Os respectivos relatórios
de fiscalização constam nos autos (Conselho Regional de Enfermagem –
fls.316/321 e 343/345; Conselho Regional de Nutricionistas – fls.338/339;
Conselho Regional de Fisioterapia – fls.340/341; Conselho Regional de Psicologia –
fls.355/362; Conselho Regional de Educação Física – fls.363/364; Conselho
Regional de Serviço Social – fls.366/368).
A análise dos relatórios permite perceber que a prática de
suspensão está institucionalizada, havendo um discurso padronizado entre os
técnicos. Enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais confirmam as suspensões,
apresentando discurso semelhantes. Os fiscais, em diligências, localizaram novos
casos de suspensões, bem sintomáticos, razão pela qual sua transcrição é
simbólica:
No relatório de inspeção do Conselho Regional de Psicologia foi
analisado um prontuário, destacando-se: “foi identificado um
registro datado de 20/01/2011, de que a paciente falou alto e
o técnico de enfermagem disse que caso continuasse seria
suspensa; ela teria falado mais alto, então foi suspensa”, fl.359;
"A assistente social Sandra Geórgia exemplificou com a situação do
usuário Marcelo Moura que teria ofendido uma enfermeira negra,
foi suspenso durante uma tarde pela própria enfermeira e pela
assistente social" fl.368.
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Importante informar, ainda que a prática de suspensão de
usuários foi levada ao conhecimento do Conselho Estadual de Saúde, o qual, na
193a reunião ordinária manifestou-se expressamente sobre a questão, como consta
às fls.139 dos autos. Destaca-se o entendimento daquele órgão no sentido de que é
“inadmissível a suspensão ou expulsão de usuários dos Centros de Atenção
Psicossocial ou mesmo a ameaça de realizar tais atos, caracterizando-se tais
condutas como negação de atendimento”.
Encerrada a síntese fática, tem-se como comprovado que a
Direção do Centro de Atenção Psicossocial Professor Luis da Rocha Cerqueira
disseminou, no âmbito daquela instituição de cuidado mental, a inveterada
prática de negação de atendimento, bem como a respectiva ameaça de fazê-
lo.
Analisando a prática sob o aspecto jurídico (o que será feito
detalhadamente ao longo desta petição), conclui-se que se trata de odioso ato
administrativo punitivo, cujos elementos essenciais podem ser bem captados.
O sujeito que o pratica é, na verdade, qualquer funcionário que
integre uma equipe de referência do CAPS Itapeva, geralmente aquele que sofre a
agressão. Como visto ao longo da síntese fática, pode ser um médico, um psicólogo,
um enfermeiro ou mesmo um técnico de enfermagem.
O objeto do ato é a suspensão de algumas atividades terapêuticas
promovidas pelo CAPS, desde alimentação, participação em grupos terapêuticos,
entre outros. Segundo se tem noticia, apenas o fornecimento de medicamentos não
é suspenso, ao passo que todas as outras atividades utilizadas pelo CAPS no
tratamento do paciente podem sofrer interrupção.
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
A forma não possui regramento. Não há processo administrativo
prévio, não se exige forma escrita, não há publicidade.
A finalidade declarada é a manutenção de um espaço de
convivência e a reinserção social dos pacientes. Contudo, por outro viés, pelo olhar
dos suspensos, a finalidade é punitiva, sem qualquer efeito terapêutico útil.
Por fim, o motivo, isto é, a hipótese causal que dá ensejo à prática
da suspensão, é extremamente volúvel, variando desde vias de fato, tom de voz
elevado, dano ao patrimônio público, consumo de entorpecentes, pedido enfático
de medicamentos.
A prática não é repudiada pelo CAPS, que a enxerga como
lícita. Não é o entendimento dos pacientes, tampouco da Defensoria Pública.
Destarte, é preciso que haja intervenção judicial para que as regras jurídicas
vigentes na sociedade também tenham incidência sobre aquela instituição, eis que
aquele local está muito longe de ser uma caverna isolada e inacessível de
Newgarth. É, na verdade, uma casa de tratamento de vulneráveis, concebida para
ser o anteparo contra abusos praticados contra doentes mentais, local em que se
espera que o respeito aos direitos individuais seja exemplar.
II - DO DIREITO
II.A - DA DELIMITAÇÃO DA DEMANDA E DA LEGITIMIDADE ATIVA DA
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Depreende-se da síntese fática apresentada que a atuação da
Defensoria Pública do Estado, neste caso, possui destinatário certo e visa tutelar
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
direitos bem delineados. Busca-se, assim, a tutela dos direitos individuais
homogêneos dos usuários do Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz
da Rocha Cerqueira, garantindo-se a eles atendimento terapêutico adequado e
contínuo, sem qualquer tipo de abuso, discriminação ou interferência indevida.
Destarte, o instrumento para a consecução de tal desiderato deve
ser a ação civil pública, formulando-se pedido de tutela inibitória, para preservar
os direitos de todos os pacientes, atuais e futuros, daquele centro de atenção à
saúde mental.
Ademais, buscando uma tutela integral e adequada para o caso,
será preciso analisar se a gestora privada está cumprindo os mandamentos legais
relacionados ao serviço público que pretende gerir.
A população visada é facilmente captada como necessitada, tanto
sob o aspecto econômico, quanto por sua ínsita vulnerabilidade. Não por outro
motivo, diversos pacientes procuraram a Defensoria Pública, apresentando as
denúncias já relatadas. Ademais, compõem grupo vulnerável, que necessita de
atenção especial do Estado.
Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça,
exatamente em situação em que a discussão travada residia na legitimidade ativa
do autor. No caso, pontuou a Corte que "quanto mais democrática uma sociedade,
maior e mais livre deve ser o grau de acesso aos tribunais que se espera seja
garantido pela Constituição e pela lei à pessoa, individual ou coletivamente",
mormente quando se busca tutelar direitos de grupos vulneráveis. Para o Superior
Tribunal de Justiça, "a categoria ético-política, e também jurídica, dos sujeitos
vulneráveis inclui um subgrupo de sujeitos hipervulneráveis, entre os quais se
destacam, por razões óbvias, as pessoas com deficiência física, sensorial ou
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
mental". Destarte, "é dever de todos salvaguardar, da forma mais completa e eficaz
possível, os interesses e direitos das pessoas com deficiência, não sendo à toa que o
legislador refere-se a uma "obrigação nacional a cargo do Poder Público e da
sociedade" (Lei 7.853/89, art. 1°, § 2°, grifo acrescentado)5.
Destarte, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo tem
legitimidade ativa para propor a presente ação, eis que, como Instituição essencial
à função jurisdicional, a qual incumbe a defesa dos necessitados (art. 134 da CF/88
e art. 103 da CESP/89), é Instituição pela qual se concretizam objetivos
fundamentais da República, como o de construir uma sociedade livre, justa e
solidária, e mais especialmente o de erradicar a pobreza e a marginalidade,
reduzindo as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, incs. I e III da CF/88 c/c art.
3º da Lei Complementar Estadual 988/06).
Aliás, entre os objetivos da Defensoria Pública estão a
prevalência e efetividade dos direitos humanos e a garantia dos princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório (artigo 3ºA, III e IV da Lei
Complementar 80/94).
Neste contexto, constitui atribuição institucional da Defensoria
Pública promover ação civil pública para a tutela de qualquer interesse
difuso, coletivo e individual homogêneo (art. 5º, inc. VI, alínea ‘g’ da Lei
Complementar Estadual 988/06), sendo que a todo e qualquer Defensor Público
cumpre executar referidas atribuições institucionais na defesa judicial, no âmbito
coletivo, dos necessitados (art. 50 da Lei Complementar Estadual 988/06). Mais do
que isso, é função institucional da Defensoria Pública "promover a mais ampla
defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos
individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo
5 REsp 931513 / RS, DJe 27/09/2010.ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE
admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e
efetiva tutela", reservando-se especial atenção para "a defesa dos interesses
individuais e coletivos da pessoa portadora de necessidades especiais e de
outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado"
(artigo 4º, X e XI da Lei Complementar 80/94).
A legitimidade em tela, outrossim, é conferida à Defensoria
Pública pelo próprio artigo 5.° da Lei 7.347/85, verbis:
Art. 5. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação
cautelar:
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de
economia mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei
civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio
ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre
concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico. (NR)
Dessa forma, indiscutível a legitimidade da Defensoria Pública
para o ajuizamento de Ação Civil Pública, mormente para a tutela do direito de
grupo hipervulnerável.
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
II. B - DO NOVO PARADIGMA DE CUIDADO DA SAÚDE MENTAL. LEI
10216/2003. COMPREENSÃO DO PACIENTE COMO SUJEITO DE DIREITO, COM
SUAS PECULIARIDADES. CAPS COMO INSTRUMENTO CENTRAL DE ATUAÇÃO.
O CAPS ITAPEVA.
Para bem captar a ilegalidade da prática multicitada, é preciso
conhecer os vetores do tratamento da saúde mental no Brasil, inaugurados com o
advento da Lei 10216, de 06 de abril de 2001.
A Lei nº 10.216/01, fruto de incessante luta do movimento anti-
manicomial, trouxe diversas modificações no que tange ao tratamento de pessoas
portadoras de sofrimento mental. Repudiando as instituições totais como
alternativa terapêutica, referido diploma instituiu um novo olhar sobre a loucura.
Ao contrário de analisá-lo como algo inumano, que transcende o
próprio indivíduo, a reforma psiquiátrica passa a conceber o comprometimento
mental como algo completamente humano, introduzindo a noção de cidadania à
maneira de se lidar com a loucura.
Destarte, aquele acometido de algum distúrbio mental passa a ser
visto como sujeito de direitos, merecendo tratamento que valorize sua noção de
cidadania, mediante técnicas que propiciem sua integração à comunidade em que
vive. Os sinais são absolutamente invertidos: de um modelo focado na internação,
parte-se para alternativas terapêuticos de valorização da liberdade e dos direitos,
adotando-se a internação como medida excepcional e temporária.
A Lei 10216/2003, assim, traz uma série de previsões que
valorizam a cidadania, enxergando o doente como pessoa, garantindo a ele
tratamento digno e adequado. Nesse sentido, a Lei prevê que "são direitos da
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
pessoa portadora de transtorno mental: ter acesso ao melhor tratamento do
sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; ser tratada com
humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde ,
visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na
comunidade; ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; ser
tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis", entre
outros.
Como consequência deste novo modelo, substituem-se os
malfadados manicômios pelos Centros de Atenção Psicossocial. De acordo com
publicação oficial do Governo Federal,
Os CAPS são instituições destinadas a acolher os pacientes com
transtornos mentais, estimular sua integração social e familiar,
apoiá-los em suas iniciativas de busca da autonomia, oferecer-lhes
atendimento médico e psicológico. Sua característica principal é
buscar integrá-los a um ambiente social e cultural concreto,
designado como seu “território”, o espaço da cidade onde se
desenvolve a vida quotidiana de usuários e familiares. Os CAPS
constituem a principal estratégia do processo de reforma
psiquiátrica6
Ainda segundo a publicação estatal, "o objetivo dos CAPS é oferecer
atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o
acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho,
lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e
comunitários".
6 Disponível em http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/SM_Sus.pdfENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE
A regulamentação desses instrumentos da política pública de
cuidado da saúde mental está, além da Lei 10216/2003, na Portaria GM
336/2012, do Ministério da Saúde. No instrumento normativo, há a
conceituação da entidade e, mais do que isso, a indicação das atividades
terapêuticas a serem oferecidas pelo CAPS. Exatamente por representar uma
visão holística do problema, a intervenção terapêutica ultrapassa, em muito, a
simples prescrição medicamentosa.
Abrange, por exemplo, as seguintes atividades terapêuticas:
atendimento a grupo de familiares (reunião de famílias para criar laços de
solidariedade entre elas, discutir problemas em comum, enfrentar as situações
difíceis, receber orientação sobre diagnóstico e sobre sua participação no projeto
terapêutico) atendimento individualizado a famílias (atendimentos a uma
família ou a membro de uma família que precise de orientação e acompanhamento
em situações rotineiras, ou em momentos críticos), orientação (conversa e
assessoramento individual ou em grupo sobre algum tema específico, por exemplo,
o uso de drogas), atendimento psicoterápico (encontros individuais ou em grupo
onde são utilizados os conhecimentos e as técnicas da psicoterapia) , atividades
comunitárias (atividades que utilizam os recursos da comunidade e que envolvem
pessoas, instituições ou grupos organizados que atuam na comunidade. Exemplo:
festa junina do bairro, feiras, quermesses, campeonatos esportivos, passeios a
parques e cinema, entre outras), atividades de suporte social (projetos de
inserção no trabalho, articulação com os serviços residenciais terapêuticos,
atividades de lazer, encaminhamentos para a entrada na rede de ensino, para
obtenção de documentos e apoio para o exercício de direitos civis através da
formação de associações de usuários e/ou familiares), oficinas culturais
(atividades constantes que procuram despertar no usuário um maior interesse
pelos espaços de cultura - monumentos, prédios históricos, saraus musicais, festas
anuais etc. - de seu bairro ou cidade, promovendo maior integração de usuários e
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familiares com seu lugar de moradia), visitas domiciliares (atendimento
realizado por um profissional do CAPS aos usuários e/ou familiares em casa),
desintoxicação ambulatorial (conjunto de procedimentos destinados ao
tratamento da intoxicação/ abstinência decorrente do uso abusivo de álcool e de
outras drogas)7.
Especificamente quanto ao Centro de Atenção Professor Luis
da Rocha Cerqueira, órgão vinculado ao Governo do Estado e que é considerado
um CAPS II, os relatórios de fiscalização comprovam que o local realmente
apresenta uma gama de atividades terapêuticas. Às fls.349, é possível constatar
que o CAPS Itapeva fornece serviço de lavanderia8, bazar, biblioteca, oficina escrita,
cinema, karaoke, salas de convivência, refeitório9, salão de beleza, entre outros.
Na verdade, historicamente, o CAPS Itapeva teve atuação de
vanguarda na aplicação do atual modelo de tratamento da saúde mental. Deveras,
foi o primeiro CAPS do Brasil e, sem dúvida, traçou antecipadamente os
contornos do que veio a ser, posteriormente, previsto em lei.
O que ocorreu, contudo, no meio do caminho? Por qual motivo
uma instituição considerada de vanguarda e que defendia, há muito, o modelo
moderno de tratamento que veio a ser previsto em lei, passou a sofrer diversas
denúncias, justamente por não cumprir mais aqueles comandos?
7 Todos exemplos são extraídos do artigo 4.2.1 da Portaria 336/2002, e também constam da já citada publicação oficial.
8 segundo a fiscalização, pacientes que são moradores de rua podem utilizar o local para lavar seus pertences.
9 são servidas refeições para os pacientes, muitos dos quais dependem dessa alimentação para sua sobrevivência.
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Parece claro que a explicação pode estar justamente na
modificação da gestão, que passou para outra vertente (pouco importa se pública
ou privada; o importante é o conteúdo da gestão, não quem a presta). Daí porque,
como já se adiantou, a tutela jurídica integral deve, necessariamente, enfrentar
essa questão.
Pois bem. Neste momento, o que deve ficar claro é que a
suspensão do paciente, mesmo que implique na manutenção do fornecimento de
medicamento, frustra por completo o novo paradigma de tratamento, eis que
retira do paciente, sumariamente, uma série de atividades terapêuticas, afastando-
o do convívio com seus pares e prejudicando seu tratamento.
Compreendendo bem qual o papel do CAPS dentro da nova
política de cuidado mental, é possível antever que a negação do atendimento
representa vulneração direta do direito dos usuários.
II. C - DA ILEGALIDADE DA NEGAÇÃO DE ATENDIMENTO TERAPÊUTICO.
EXTRAÇÃO ANALÍTICA DOS ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO
IMPUGNADO. VÍCIO GENERALIZADO.
Demonstrada a premissa fática (a existência e os elementos do ato
administrativo de suspensão do atendimento terapêutico), é preciso, neste
momento, extrair os aspectos jurídicos da prática, a fim de demonstrar sua
completa ilegalidade, com a consequente violação do direito dos pacientes do CAPS
Itapeva.
Para demonstrar a mais densa e profunda ilegalidade, parte-se de
uma técnica analítica e didática. Propõe-se a análise de cada um dos elementos do
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ato normativo. Havendo vício de legalidade em um deles, a invalidade atingirá todo
o ato. Contudo, como se verá, os vícios pululam por todo o iter a ser caminhado.
Entende-se adequado iniciar a análise pelo objeto do ato, isto é, o
efeito por ele produzido. Aqui, na verdade, a análise é sobre a própria legalidade
da negação temporária do atendimento. A prática é lícita?
Na verdade, entende-se que a negação do atendimento a um
doente mental viola todo o paradigma de atenção à saúde inaugurado pela Lei
10216/2001. Ademais, esvazia por completo o sentido e a finalidade do CAPS ,
reproduzindo, dentro do instituição, o que há de pior no mundo dos sãos: a
intolerância, a violência, o abuso de poder.
Deveras, como visto, o paciente portador de transtorno mental
tem direito ao melhor tratamento do sistema de saúde, a ser tratada com
humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde e a
ver-se livre de qualquer forma de abuso.
O melhor tratamento é justamente aquele que extraia a máxima
potencialidade dos mecanismos disponibilizados para seu bem estar. A
humanidade do tratamento, por certo, impede a ameaça de negação de
atendimento e mesmo sua ultimação. A negação do atendimento, a seu turno, não
parece ser adotada no interesse exclusivo da saúde do paciente suspenso, mas sim
na manutenção de uma suposta ordem publica. Ver-se impedido de frequentar sua
segunda casa, parece flertar em demasia com o abuso. Um único ato consegue
vulnerar diversos direitos dos usuários.
Ademais, a negação do atendimento implica no esvaziamento do
próprio CAPS e viola por completo sua finalidade e seu regramento.
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Ora, acredita-se que tenha ficado claro que o tratamento para os
portadores de distúrbio mental ultrapassa, em muito, a prescrição de
medicamentos. É justamente por isso que existe o CAPS. Para propor um projeto
terapêutico amplo, que valorize a cidadania dos pacientes, para que eles
enxerguem-se como sujeitos.
Mais do que isso. Existem alguns pacientes que necessitam de
cuidado diário. Deveras, estipula o artigo 1º, §1º da Portaria 336, que o CAPS
poderá atender em regime intensivo, semi-intensivo e não-intensivo. O
primeiro trata de atendimento diário, oferecido quando a pessoa se encontra
com grave sofrimento psíquico, em situação de crise ou dificuldades intensas
no convívio social e familiar, precisando de atenção contínua 10 .
Ora, qual não é a desagradável surpresa de que a paciente
campeã de suspensões, senhora Maria Solange Machado estava, segundo o próprio
Diretor Clínico do CAPS "dentro do chamado regime intensivo de tratamento,
que se caracteriza pelo acolhimento diário diuturno" 11
Assim, pela lógica vigente no CAPS Itapeva, mesmo um paciente
em tratamento intensivo, que merece cuidado diário e contínuo, pode ser
sumariamente suspenso, inclusive por enfermeiros e técnicos de enfermagem,
como se verá.
Há mais!
10 Publicação oficial do Governo Federal - idem.
11 Ofício firmado pelo Diretor Clínico Marcel Kaio, às fls.47.ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE
A suspensão viola diretamente o artigo 22 do Código de Defesa
do Consumidor. Estipula o dispositivo o seguinte:
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas,
concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma
de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços
adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,
contínuos.
Para além de determinar a adequação do serviço, o dispositivo
preconiza que o serviços públicos essenciais devem ser contínuos, isto é, não
podem ser interrompidos.
Não é preciso muito para demonstrar que um serviço de atenção
terapêutica a pessoas hipervulneráveis esteja qualificado pela nota de
essencialidade. A demonstrar a essencialidade, está a elevação do bem jurídico
tutelado (a saúde), a qualificação dos destinatários (cidadãos hipervulneráveis) e,
de uma maneira mais simplória, mas bem ilustrativa, a Lei 7783/1989, a qual
define que são serviços essenciais aqueles ligados a "assistência médica e
hospitalar"12, justamente o que é prestado pelo CAPS.
É claro que, como se sabe, o primeiro elemento de validade de
qualquer ato administrativo é a legalidade estrita. Por óbvio, simplesmente
inexiste autorização legal para que qualquer pessoa suspenda um paciente de seu
tratamento terapêutico. O poder de polícia não parece alcançar tal limite,
exatamente como demonstrado acima. Ainda assim, apenas para demonstrar a
extensão dos vícios, parte-se para a analise dos demais elementos.
12 Artigo 10, II, da Lei 7783/1989, a lei de greve.ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE
Prossegue-se com a análise do sujeito que pratica o ato
administrativo de negação do atendimento. A validade, aqui, refere-se à
competência e legitimidade para negar um atendimento. Ora, tratando-se o
paciente de um sujeito vulnerável, que está em tratamento no CAPS a partir de
prescrição médica, parece claro que apenas o médico referência do paciente
pode suspender o tratamento. Não é, contudo, o que se observou .
Deveras, como demonstrado na síntese fática, o poder de polícia
parece estar disseminado por todo corpo funcional. Assim é que há prova nos
autos de que pacientes foram suspensos por um técnico de enfermagem e por
enfermeira. Nesse sentido, uma prescrição médica é violada, sumariamente,
sem assentimento de outro médico.
Ademais, outro vício bem fica caracterizado na análise daquele
que determina a negação do atendimento. Por se tratar de medida de cunho
claramente punitivo, o mínimo que se exige é que aquele que decide pela
suspensão seja alguém isento, imparcial, necessariamente um terceiro em relação
à contenda que se instalou entre paciente e funcionário. Novamente, violando os
mais basilares princípios jurídicos, há ilegalidade.
No caso, por mais esdrúxulo que se possa parecer, a suposta
vítima é o próprio julgador! Nos casos citados, o auxiliar de enfermagem que
suspendeu a usuária foi o próprio destinatário do tom de voz alto. Com o
perdão da repetição, vale a transcrição do trecho constante no prontuário:
No relatório de inspeção do Conselho Regional de Psicologia foi
analisado um prontuário, destacando-se: “foi identificado um
registro datado de 20/01/2011, de que a paciente falou alto e
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o técnico de enfermagem disse que caso continuasse seria
suspensa; ela teria falado mais alto, então foi suspensa”, fl.359;
No outro, tem-se que a própria enfermeira ofendida é que decidiu
pela aplicação da suspensão. Novamente, vale a transcrição:
"A assistente social Sandra Geórgia exemplificou com a situação do
usuário Marcelo Moura que teria ofendido uma enfermeira negra,
foi suspenso durante uma tarde pela própria enfermeira e pela
assistente social" fl.368.
Destarte, apenas por aqui já se vislumbra o abuso da prática, eis
que um ato de extrema intervenção no projeto terapêutico do paciente é decidido
por agente sem a capacidade técnica suficiente e com parcialidade manifesta,
eis que possui interesse íntimo com a causa.
É hora de analisar a forma do ato. Aqui, consoante a doutrina
mais abalizada, não está apenas a exteriorização do ato, mas sim o procedimento
prévio adotado. Nesse sentido:
"Uma concepção ampla, que inclui no conceito de forma, não só a
exteriorização do ato, mas também todas as formalidades que
devem ser observadas durante o processo de formação da vontade
da Administração, e até os requisitos à publicidade do ato"13
Adiante, conclui a mesma autora que "não há duvida, pois, de
que a observância das formalidades constitui requisito de validade do ato
13 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª edição, São Paulo: Atlas, 2003, página 200.
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administrativo, de modo que o procedimento administrativo integra o
conceito de forma"14.
Pois bem. Tratando-se de medida administrativa que implique na
interferência nos direitos do paciente, seria impositivo que fosse respeitado o
devido processo legal, mormente com a garantia do direito de defesa e do
contraditório.
Deveras, tamanha é a importância dessas garantias
constitucionais, que o Supremo Tribunal Federal definiu que elas possuem
aplicabilidade a relações horizontais, entre particulares. Assim, em mais de uma
oportunidade a Corte Suprema definiu que decisões de suspensão e exclusão de
associados, alunos, et coetera de entidades civis devem adotar procedimento em
que seja respeitado o contraditório e a ampla defesa. Cabe a transcrição da
ementa:
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA
DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA
AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.
RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a
direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das
relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações
travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado.
Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição
vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando
direcionados também à proteção dos particulares em face dos
14 idem, página 201.ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE
poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO
LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem
jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer
associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios
inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por
fundamento direto o próprio texto da Constituição da República,
notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias
fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela
Constituição às associações não está imune à incidência dos
princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos
fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que
encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser
exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e
garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede
constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos
particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de
transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela
própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se
impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas,
em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM
FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO
PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE
CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO
DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As
associações privadas que exercem função predominante em
determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus
associados em relações de dependência econômica e/ou social,
integram o que se pode denominar de espaço público, ainda
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que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC,
sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e,
portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão
do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A
exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer
garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido
processo constitucional, onera consideravelmente o
recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos
autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das
garantias constitucionais do devido processo legal acaba por
restringir a própria liberdade de exercício profissional do
sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a
dependência do vínculo associativo para o exercício profissional
de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos
direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao
contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. RE 201819 / RJ
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Relator(a) p/ Acórdão: Min.
GILMAR MENDES Julgamento: 11/10/2005 Órgão Julgador:
Segunda Turma.
Ora, com muito mais razão essa necessidade se aplica a uma
relação de direito público, que envolve a prestação de um serviço essencial, entre o
Estado e o paciente. São muitos os precedentes em que é definida a necessidade de
observância do contraditório e da ampla defesa em relações estabelecidas entre o
Poder Público, como prestador de serviços, e o cidadão, na condição de usuário.
Veja-se:
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ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. JUBILAMENTO.
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO COM A GARANTIA DA
AMPLA DEFESA. LEGALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. O
desligamento do estudante da instituição de ensino, ainda que
tenha por fundamento o abandono de curso, sem a integralização
de 75% (setenta e cinco por cento) do currículo do curso, deve ser
precedido de procedimento administrativo em que seja
assegurado o contraditório e a ampla defesa. 2. Se observado o
devido processo legal, como no caso, revela-se legítima a exclusão
do aluno, pautada na autonomia didático-científica da instituição
de ensino. 3. Sentença confirmada. 4. Apelação desprovida. TRF1,
AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA -
200940000038450, e-DJF1 DATA:13/02/2013 PAGINA:73.
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR.
PENALIDADE DISCIPLINAR DE DESLIGAMENTO DE ALUNO
SEM OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. VIOLAÇÃO
AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E
DA AMPLA DEFESA. I - O desligamento de integrante do corpo
discente da Instituição de Ensino, ainda que em razão do
descumprimento das regras instituídas pelo regimento interno da
instituição, não dispensa a necessidade do devido processo legal,
devendo ser dada ao estudante a oportunidade de
apresentação de suas razões antes da aplicação de qualquer
medida constritiva a fim de privilegiar o princípio
constitucional da ampla defesa e do contraditório tutelado no
art. 5º, incisos LIV e LV, da Carta Política de 88. Precedentes
deste Tribunal e do egrégio STJ. II - Caso em que a Universidade
de Brasília não observou o devido processo administrativo ao
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jubilar o Impetrante, sendo que a autonomia didático-científica e
administrativa conferida pelo art. 207 da Constituição Federal não
exime as Instituições de Ensino Superior de observarem o devido
processo legal no caso de desligamento de estudante do seu
corpo discente. III - Apelação e remessa oficial a que se nega
provimento a fim de manter a sentença recorrida que assegurou
ao estudante o direito de matricular-se, sem prejuízo da abertura
de processo administrativo no qual se garanta o contraditório e a
ampla defesa. TRF1, AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE
SEGURANÇA - 200834000060184, e-DJF1 DATA:27/08/2012
PAGINA:346
Interessante apontar, ainda, caso similar ao tratado nestes autos.
No precedente, cuidou-se da exclusão de dependente de plano privado de saúde.
Viu-se, pois, violação à própria assistência à saúde, o que, por certo, não foi
tolerado por nossos Tribunais:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.
PLANO DE SAÚDE. DEPENDENTES INDIRETOS. EXCLUSÃO.
AFRONTA AO DIREITO DO CONTRADITÓRIO E DAAMPLA
DEFESA. DESRESPEITO AO CONTIDO NO REGULAMENTO DO
PLANO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DOS SERVIDORES DO
MINISTÉRIO DA AGRICULATURA, PECUÁRIA E
ABASTECIMENTO. ESTATUTO DO IDOSO. DISCRIMINAÇÃO.
VALORES DAS MENSALIDADES. FAIXA ETÁRIA. ILEGALIDADE.
1. Nos casos de suspensão/exclusão de segurados, a
jurisprudência é uníssona no sentido de ser necessário
oportunizar à parte interessada o exercício do contraditório e
da ampla defesa, notadamente pela importância que o
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benefício representa àquele que o verá dele desprovido . 2. A
Administração, ao privar a impetrante do gozo do direito à
assistência médica, unilateralmente, não só violou o direito ao
contraditório e à ampla defesa, como o direito fundamental à
saúde. 3. O desligamento da impetrante do Plano de Saúde da Sul
América não obedeceu aos ditames previstos no Regulamento do
Plano de Assistência à Saúde dos servidores no âmbito do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que prevê as
seguintes ocorrências de desligamento: "a) por morte; b)
demissão do servidor; c) exoneração de servidor sem vínculo; d)
perda da condição de beneficiário de pensão alimentícia; e)
cancelamento voluntário da inscrição; f) quando deixarem de
atender a qualquer das condições de dependência estabelecidas
no Plano; e g) em caso de inadimplência". 4. Caberia, ao Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em consonância com o
princípio da legalidade, que norteia os atos da Administração
Pública, não permitir que a Sul América se negasse a cumprir o
disposto no regulamento, ao excluir da renovação do contrato, por
mera liberalidade, os dependentes indiretos (agregados),
causando-lhes enormes prejuízos. 5. O § 3º do art. 15 do Estatuto
do Idoso, Lei n. 10.741/2003, estabelece que "é vedada a
discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de
valores diferenciados em razão da idade". Nesse diapasão,
apresenta-se ilegal a tabela discriminatória da Sul América Saúde,
que fixa por faixa etária o valor das mensalidades, elevando-o
excessivamente para os idosos. 6. Correta a sentença que
concedeu a segurança para determinar a suspensão do
cancelamento do plano de saúde da impetrante, assegurando-
lhe, assim, a continuidade de sua vinculação ao mesmo, na
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qualidade de agregada do servidor público MIGUEL ARINELLI
NETO, com a conseqüente manutenção dos serviços médico-
hospitalares que lhe vinham sendo prestados, mediante o
pagamento de contribuição mensal não diferenciada da recolhida
pelos demais dependentes indiretos. 7. Apelação da União e
remessa oficial não providas. TRF1, AC - APELAÇÃO CIVEL -
200334000446743, e-DJF1 DATA:14/10/2011 PAGINA:676.
Ora, no caso do CAPS Itapeva, a suspensão é sumária, sem
observância do contraditório ou do direito de defesa. A suposta parte ofendida, no
próprio ato, julga, aplicando a sanção, sem que a outra parte tenha condições de
exercer plenamente sua defesa.
Sintomática, aliás, a informação trazida pelo Diretor Clínico do
CAPS, em reunião com a Defensoria Pública: "se a pessoa discordar ela tem que
tentar conversar com quem decidiu" (fl.183). Pela informação passada, eventual
defesa é feita posteriormente, sem garantia de poder ser exercida ("tentar
conversar") e, pior, direcionada à mesma pessoa que decidiu, muitas vezes o
próprio ofendido.
A irreversibilidade da decisão de negar o atendimento, por outro
lado, também saiu das informações prestadas pelo Diretor: "as decisões de
suspensão são comunicadas à direção, que não interfere" (fl.183).
Patente, portanto, a ilegalidade da forma adotada.
Partindo agora para o motivo, a conclusão continua sendo pela
ilegalidade.
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
Ora, a aplicação da grave exclusão do atendimento, negando ao
paciente a possibilidade de usufruir seus direitos e ter o melhor atendimento
terapêutico, por certo exigiria, no mínimo, hipóteses de cabimento certas. São
ensinamentos basilares do poder administrativo disciplinar, que encontra respaldo
nas garantias ínsitas ao direito penal moderno e mesmo ao denominado direito
administrativo sancionador. Alguém que vai ser punido tem o direito de saber, de
antemão, quais condutas podem lhe provocar a sanção.
Novamente percebe-se a extrema informalidade com que a prática
é adotada contra os pacientes do CAPS Itapeva. Apenas remetendo-se à síntese
fática, percebe-se a mais ampla gama de situações que geraram suspensão de
atendimento. Vias de fato, tom de voz alterado, dano ao patrimônio público, uso de
entorpecentes, cobrança firme de medicamentos em falta. Em todos esses casos já
houve aplicação de suspensão. Os pacientes, portanto, ficam absolutamente
submissos à vontade dos funcionários, que, sob qualquer pretexto, em tese podem
negar o atendimento.
Essa vagueza nas hipóteses de cabimento é aceita e valorizada
pela direção do CAPS Itapeva. Deveras, em reunião técnica entre a Defensoria
Pública e o diretor clínico daquele local, foi dito o seguinte:
"A direção não gosta muito da idéia de formalizar todas as
regras de convívio, pois isso poderia impedir a particularização
das situações e a tomada de decisões distintas em situações
aparentemente semelhantes, em face do projeto terapêutico e das
circunstâncias do caso" - fl.184
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
"Não há um rol das hipóteses e situações que podem levar à
suspensão e nem critérios fixos sobre os dias de suspensão" -
fl.184
Exclusão de atendimento sem hipóteses definidas de cabimento?
Ilegalidade.
Resta analisar apenas a finalidade da negação de atendimento. De
acordo com o CAPS, "o objetivo da suspensão é terapêutico e não punitivo, para
fazer com que a pessoa reflita sobre as conseqüências de seus atos, na medida em que
é isso que ocorrerá na vida em sociedade" - fl.183.
Acredita-se que essa justificativa não convence, por alguns
motivos.
Primeiramente, de rigor apontar que, mesmo instado em diversas
oportunidades, o corpo clínico do CAPS Itapeva ou a Secretaria de Saúde do Estado
não apresentou qualquer literatura especializada que ateste a eficácia deste
tipo de punição como tratamento terapêutico. Ademais, não há notícia de que
qualquer outro CAPS no Brasil utilize deste tipo de postura para conscientizar
os pacientes.
Vale dizer: a justificativa parece bonita, mas carece de
comprovação científica, de pesquisas técnicas, de estudos acadêmicos. Instado, o
CAPS omitiu-se. O que não se pode admitir é que os pacientes do CAPS sejam
utilizados como testes de ensaio, para verificar, às custas de sua saúde, se essa
técnica possui qualquer eficácia curativa.
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
Pelo contrário. Há nos autos diversas opiniões técnicas
contrárias às técnicas utilizadas pelo CAPS. Cite-se, por exemplo, parecer de
assistente social da Defensoria Pública (fl.07), parecer de psicóloga da
Defensoria Pública (fl.10), parecer do Centro de Atendimento Multidisciplinar
da Defensoria Pública (fls.166/169) e recomendação expressa do Conselho
Estadual de Saúde, órgão colegiado permanente e deliberativo, integrante da
estrutura administrativa do Estado de São Paulo, composto por representantes do
governo, prestadores de serviços, profissionais de saúde e usuários15. O Conselho
Estadual de Saúde, na 193a reunião ordinária, manifestou-se expressamente sobre
a questão, como consta às fls.139 dos autos. Destaca-se o entendimento daquele
órgão no sentido de que é “inadmissível a suspensão ou expulsão de usuários
dos Centros de Atenção Psicossocial ou mesmo a ameaça de realizar tais atos,
caracterizando-se tais condutas como negação de atendimento”.
Posteriormente, o mesmo órgão, ciente de que as práticas
persistiam, designou reunião extraordinária, para tratar especificamente sobre o
CAPS Itapeva. Os encaminhamentos constam na ata da reunião:
“Encerrada a discussão foi lida e a proposta de Resolução que foi
votada item a item, conforme solicitação. Item I ‘Que sejam
apuradas todas as irregularidades e possíveis irregularidades
apontadas pela fiscalização do Centro de Atenção Psicossocial Luiz
da Rocha Cerqueira (CAPS ITAPEVA) constantes do processo
001.0001.01968/2011’ Votação: 15 votos a favor. Item II ‘que
em caráter emergencial a Secretaria de Estado da Saúde de São
Paulo assuma a administração do Centro de Atenção Psicossocial
Luiz da Rocha Cerqueira (CAPS Itapeva) de forma direta”.
Votação: 10 votos a favor, 5 contrários e 2 abstenções . Item III
15 Regramento constante da Resolução CES/SP 1, de 29/05/2012.ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE
‘Que no prazo de 3 (três) meses a contar da publicação da
presente resolução o Centro de Atenção Psicossocial Luiz da
Rocha Cerqueira (CAPS Itapeva) seja municipalizado e entregue à
administração do município de São Paulo na figura da Secretaria
Municipal de Saúde de São Paulo.’ Votação: 10 votos a favor, 5
contrários e 2 abstenções”.
Destarte, para além de a finalidade declarada da suspensão não
contar com qualquer respaldo cientifico, tem-se diversas opiniões técnicas e
abalizadas contrárias ao ato, o que é suficiente para demonstrar a inadequação da
medida à finalidade supostamente pretendida.
Contudo, em exercício de imaginação, admita-se, ainda que
temporariamente, que existam, sim, efeitos terapêuticos em negar atendimento,
por mais estranho que isso possa parecer (como negar um atendimento
terapêutico melhorará a saúde do paciente?). Enfim, admita-se.
Ainda assim, parece absurdo admiti-la. Para tanto, vale-se da
célebre citação de Maquiavel, em o Príncipe. Admitir a prática seria o mesmo que
aceitar que "os fins justificam os meios". Como se sabe, esse tipo de pensamento,
atualmente, está absolutamente superado. Na verdade, ao invés de Maquiavel,
deve prevalecer, hoje, os ensinamento de Kant, notadamente a chamada Fórmula
do Objeto, segundo a qual o individuo jamais pode ser utilizado como
instrumento. Interessante observar que esse verdadeiro postulado pode ser
extraído da própria Lei 10216/2001, a qual define como direito do paciente com
transtorno mental "ser tratada com humanidade e respeito e no interesse
exclusivo de beneficiar sua saúde". Ora, do discurso apresentado pela direção do
CAPS Itapeva, fica clara a verdadeira intenção da suspensão: manter a ordem da
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
casa. Para tanto, utiliza-se o paciente como instrumento, punindo-o, suspendendo
seu atendimento terapêutico.
Qualquer atividade humana encontra limites éticos e legais.
Mesmo na atividade médica, não se confere poderes absolutos à equipe, que deve
adequar o tratamento a ditames normativos. Não à toa, há a Resolução CFM nº
1.246/88, DE 08.01.88, o chamado Código de Ética Médica.
Não é, contudo, a postura da Direção do CAPS. Na verdade,
percebe-se extrema preocupação em impedir que qualquer paciente leve para fora
dos muros os problemas que lá ocorrem. Aliás, a maior suspensão de que se tem
notícia, aplicada a então paciente Maria Solange, parece ter ocorrido justamente
porque ela solicitou intervenção de instituições externas para expor os problemas,
inclusive, em uma oportunidade, a Polícia Militar, dada a ausência de
medicamentos.
Nesse sentido, mesmo que a finalidade fosse comprovada, jamais
seria possível admiti-la, por tudo o que foi apresentado ao longo deste tópico: há
vedação legal; o sujeito que a pratica não possui aptidão técnica completa; a forma
adotada viola os mais basilares princípios jurídicos; as hipóteses de cabimento não
são definidas.
O pior, contudo, como já dito, é que o procedimento adotado
sequer conta com respaldo científico, experimentos empíricos, precedentes de
sucesso.
Destarte, por tudo o que foi apresentado, conclui-se pela mais
completa ilegalidade da negação do atendimento, que consegue fulminar todos os
requisitos de validade do ato administrativo.
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III.D – DO CONTRATO DE GESTÃO. DELEGAÇÃO VINCULADA. SUBMISSÃO AOS
CRITÉRIOS LEGAIS E CONTRATUAIS.
O primeiro ponto a ser bem fixado, neste momento, é que não se
pretende discutir a legalidade in abstrato da prestação de serviços de saúde de
forma descentralizada, mediante contrato de gestão entre o Estado e associação
civil, qualificada como organização social.
Deveras, não se desconhece que o Tribunal de Justiça de São Paulo
já decidiu, em algumas oportunidades, pela legalidade e constitucionalidade desta
forma de prestação de serviços públicos.16
No presente caso, como já exposto, a gestão do CAPS Itapeva é
feita justamente por essa estratégia jurídica, já que há delegação da prestação do
serviço para a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM).
Parece induvidoso, por outro lado, que essa delegação possui
critérios e condições. Por certo, o órgão público não endossa um cheque em branco
ao gestor civil, mas sim transfere a prestação do serviço público de maneira
condicionada.
As condições apostas podem ter duas origens: legal e contratual.
As de ordem legal decorrem do próprio ordenamento jurídico
positivado e consubstanciam a obediência, pela prestadora de serviços, das
normas legais que regulamentam o serviço público delegado. Destarte, ao assumir
16 APELAÇÃO N. 0382286-50.2009.8.26.0000, 2ª Câmara de Direito Público do TJSP.
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a prestação de um serviço público, é imperioso que a organização social respeite os
princípios e regras que normatizam o serviço. Trata-se de decorrência lógica de
um Estado de Direito.
Pense-se na prestação de um serviço público educacional nos
moldes de delegação. Ora, por óbvio, a prestadora deverá manter estrita
observância à legislação pertinente, notadamente a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional.
A existência de condições e a reversibilidade da delegação podem
ser observadas na legislação pertinente. Deveras, de acordo com a LEI
COMPLEMENTAR ESTADUAl Nº 846, DE 04 DE JUNHO DE 1998, são previstos
diversos mecanismos de fiscalização da prestação de serviço pela entidade
privada.
De acordo com o artigo 6º de mencionado diploma legal, “entende-
se por contrato de gestão o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade
qualificada como organização social, com vistas à formação de uma parceria entre
as partes para fomento e execução de atividades relativas à área da saúde ou da
cultura”.
Ademais, ainda de acordo com a lei, na elaboração do contrato de
gestão devem ser observados os princípios inscritos no artigo 37 da Constituição
Federal, bem como a “especificação do programa de trabalho proposto pela
organização social, estipulação das metas a serem atingidas e respectivos prazos
de execução”.
Exatamente como decorrência destas obrigações, é previsto o
procedimento de desqualificação, nos moldes estipulados no artigo 18 do
diploma normativo em comento.
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Pois bem. Tratando-se da delegação de serviço público de saúde, a
gestora do serviço deverá atentar para a aplicação do arcabouço normativo
correlato. Chega-se, então, ao tratado nestes autos. Ora, a Associação Paulista para
o Desenvolvimento da Medicina, ao assumir a gestão do CAPS Itapeva, deveria,
como primeira e lógica atribuição decorrente do contrato de gestão, prestar
serviço público nos conformes legais, acatando e prezando pelos princípios
jurídicos que informam o tratamento da saúde mental em solo pátrio.
Jamais seria possível à SPDM simplesmente ultrapassar os
ditames legais e impor uma nova forma de tratamento, especialmente se esta
suposta inovação colide com a legislação em vigor.
Na verdade, a obrigatoriedade de a prestadora de serviços
cumprir os ditames legais é estipulada expressamente na legislação em
vigor. Deveras, estatui o artigo 6º, §2º da Lei Complementar 846/98 que “a
organização social da saúde deverá observar os princípios do Sistema Único
de Saúde, expressos no artigo 198 da Constituição Federal e no artigo 7º da
Lei nº 8080, de 19 de setembro de 1990”.
No presente caso, foi exaustivamente demonstrado que a prática
assumida pela direção do CAPS Itapeva colide frontalmente com o modelo legal
de saúde mental, consubstanciado na Lei 10826. Para piorar, ficou claro que a
prática ilegal não é só admitida pela gestora, mas defendida com veemência, eis
que, mesmo após diversas intervenções extrajudiciais, seguiu aplicando-a. Apenas
daí, percebe-se clara inaptidão para a gestão do serviço, que decorre, aliás, de
expresso comando normativo, já transcrito (parece claro que a organização social
ré não está observando os princípios aplicáveis ao serviço público que pretende
prestar).
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A outra fonte de obrigações, como dito, tem viés contratual e pode
ser observada no contrato de gestão firmado entre o Estado de São Paulo e a
Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina. É justamente neste
documento que são fixadas as concretas obrigações a serem cumpridas pela
gestora. Sucede que as tentativas de acesso da Defensoria Pública a este
documento foram infrutíferas.
No caso, aplica-se o contido no artigo 355 do Código de Processo
Civil: o juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa, que se ache
em seu poder. Ao analisar o conteúdo do contrato de gestão, por certo ficará ainda
mais claro o descumprimento aos comandos acordados, especificamente quanto à
forma de prestação do serviço público.
Deveras, para a adequada tutela jurídica da situação apresentada,
não basta a aposição de mandado de proibição (impedindo que haja novas
suspensões de tratamento). A prática, como já colocado, está incorporada e
institucionalidade na direção, refletindo um olhar sobre o tratamento da saúde
mental que não é condizente com o modelo legal.
Exatamente por isso, é preciso caminhar um pouco mais, para
questionar e efetivamente fiscalizar a gestão do CAPS ITAPEVA.
Anote-se, por fim, que não se trata de conclusão isolada, ou
mesmo solitária da Defensoria Pública. Ao revés, o Conselho Estadual de Saúde,
em reunião extraordinária realizada em 24 de agosto de 2012, aprovou os
seguintes encaminhamentos:
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“que sejam apuradas todas as irregularidades e possíveis
irregularidades apontadas pela fiscalização do Centro de
Atenção Psicossocial Luiz da Rocha Cerqueira constantes no
processo 001.0001.001968/2011” – aprovação unânime.
“que em caráter emergencial a Secretaria de Estado da Saúde
de São Paulo assuma a administração do Centro de Atenção
Psicossocial Luiz da Rocha Cerqueira de forma direta” –
aprovação por 10 (dez) votos a favor.
Finalizando esta parcela da demanda, é preciso advertir, ainda,
que é dever do Estado, isto é, do ente concedente, fiscalizar a prestação dos
serviços pela gestora privada, o que, infelizmente, não tem ocorrido.
Estipula o artigo 9a do diploma já citado que “a execução do
contrato de gestão celebrado por organização social será fiscalizada pelo
Secretário de Estado da Saúde”. Ocorre que, mesmo formalmente notificada das
irregularidades apontadas (tanto por ofício expedido pela Coordenação do Núcleo
de Direitos Humanos da Defensoria Pública, quanto por deliberação do Conselho
Estadual de Saúde), a Secretaria do Estado não promoveu investigações, muito
menos a regularização das irregularidades.
Destarte, a adequada tutela também deve abranger essa questão.
IV - DA TUTELA ANTECIPADA.
A Constituição Federal de 1988 é terreno fértil à tutela de
urgência, na medida em que garante o acesso à justiça, a tutela jurisdicional
adequada (art. 5º, XXXV), bem como a duração razoável do processo (art. 5º,
LXXVIII); tudo a possibilitar a plena eficácia do direito no plano processual.
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Acrescente com Nery e Nery17 que “não é suficiente o direito à
tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja adequada, sem o que estaria
vazio o princípio. Quando a tutela adequada para o jurisdicionado for medida
urgente, o juiz, preenchidos os requisitos legais, tem de concedê-la,
independentemente de haver lei autorizando, ou, ainda, que haja lei proibindo a
tutela urgente.”
Na mesma linha de raciocínio, concluem os referidos
doutrinadores que “isto ocorre casuisticamente no direito brasileiro, com a edição
de medidas provisórias ou mesmo de leis que restringem ou proíbem a concessão
de liminares, o mais das vezes contra o poder público. Essas normas têm de ser
interpretadas conforme a Constituição. Se forem instrumentos impedientes de o
jurisdicionado obter a tutela jurisdicional adequada, estarão em desconformidade
com a Constituição e o juiz deverá ignorá-las, concedendo a liminar
independentemente de a norma legal proibir essa concessão”.
A ação civil pública, muito por conta de sua finalidade, prevê que,
como ensina Rodolfo Camargo Mancuso18, “conjugando-se os arts. 4º e 12º da Lei
7.347/85, tem-se que a tutela de urgência há de ser obtida através de liminar que,
tanto pode ser pleiteada na ação cautelar (antecedente ou incidente, isto é
interposta antes ou no curso da ação civil pública) ou no bojo da própria ação civil
pública”.
Os requisitos para a concessão do mandado liminar são
insofismáveis no presente caso, sob pena de os pacientes continuarem sob a
constante ameaça de exclusão de atendimento.
17 Nery Jr., Nelson e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado. 10ª ed. Ed. RT. pág.1.115.
18 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. Cit., pág. 201.
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A plausibilidade do direito invocado, o fumus boni iuris,
evidencia-se por se tratar de direito fundamental à saúde dos cidadãos a receber o
tratamento médico necessário, sem qualquer forma de abuso, discriminação ou
exclusão de mecanismo terapêutico útil.
Deveras, acredita-se ter ficado bem demonstrada a ilegalidade da
negação do atendimento, a qual, repita-se, viola todo o regramento do cuidado da
saúde mental, é aplicada pelos próprios funcionários supostamente ofendidos, sem
hipóteses predefinidas, com desrespeito ao devido processo legal, sendo destituída
de qualquer respaldo científico.
No que diz respeito ao periculum in mora, Luiz Guilherme
Marinoni19 leciona: “basta que se demonstre a probabilidade da manutenção
da situação ilícita para que esteja preenchido o pressuposto do periculum in
mora. Se o direito é provável, ou melhor, se o ilícito é provável, e há também
probabilidade de o ilícito prosseguir, não há por que obrigar o autor a
esperar o tempo necessário à prolação da sentença para que o ilícito seja
removido.” Tamanha a evidência da ilegalidade que, nas lições de Marinoni, já
estaria presente a possibilidade da tutela antecipada.
Sucede que, para além da evidência, há também urgência.
Consoante demonstrado, a direção do CAPS Itapeva mostra-se absolutamente
refratária a rever a prática. Inclusive, releva recomendação do Conselho Estadual
de Saúde, utilizando como capa protetora o contrato de gestão.
19 MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela específica: (arts. 461 CPC e 84 CDC). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
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Para piorar a situação de urgência, tem-se que ocorreu, há pouco,
demissão generalizada no CAPS Itapeva, ao que parece, desligando-se
justamente os funcionários que eram refratários às técnicas adotadas e
demonstradas sobejamente nesta inicial.
Para demonstrar a urgência que o fato novo demonstra, isto é, o
periculum in mora, vale-se de trecho de manifesto publicado na internet:
"Queremos noticiar, por meio deste brevíssimo texto escrito às pressas, a difícil
jornada que nós, profissionais da saúde mental, temos enfrentado; em especial nestes
últimos dias. O intuito aqui é transmitir que, recentemente, e mesmo não estando na
ditadura, sofremos um golpe (...) O CAPS Professor Luís da Rocha Cerqueira –
bastante conhecido como CAPS Itapeva – teve nos seus últimos anos sob a gestão da
Organização Social SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento para a
Medicina). O nome desta organização, que também gerencia outros equipamentos de
saúde espalhados pela cidade de São Paulo, já sugere que a sua preocupação é bem
específica. A sua administração tem comprovado que o seu interesse é
exclusivamente a medicina, interesse este que não se estende aos pacientes nem
tampouco à saúde mental. No início desta semana, fomos surpreendidos com a
notícia de que haveria uma demissão em massa – na qual cerca de 30 profissionais
em regime de CLT foram desligados abruptamente do serviço (...); A nossa hipótese é
que este corte de vários profissionais alocados neste CAPS foi um pretexto para fazer
a “faxina”, ou seja, retirar aqueles que incomodam, que, no entender da direção,
“atrapalham” porque relembram incessantemente os princípios reformistas, que
entendem que o CAPS é um lugar de uma construção coletiva que leva em
consideração seus usuários e profissionais para a efetuação de qualquer mudança,
que enfrentam a loucura sem querer normatizá-la, que não evita os conflitos que
existem em todo e qualquer ambiente institucional (...)"20.
20 Disponível em http://www.redehumanizasus.net/60856-demissao-em-massa-no-centro-de-atencao-psicossocial-caps-itapeva-a-historia-se-repete
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Pede-se, assim, liminarmente, a concessão antecipada dos efeitos
da tutela, para condenar o Estado de São Paulo e a gestora do Centro de Atenção
Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira, a Associação Paulista para o
Desenvolvimento da Medicina, por meio de quaisquer funcionários, prepostos ou
gestores, que se abstenham de suspender/negar qualquer instrumento
terapêutico oferecido pelo CAPS aos pacientes que lá se encontram em
tratamento, sob pena de multa de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) para
cada suspensão aplicada.
Ainda, que o Estado de São Paulo e a gestora do Centro de Atenção
Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira, a Associação Paulista para o
Desenvolvimento da Medicina, por meio de quaisquer funcionários, prepostos ou
gestores, sejam condenados a se absterem de prometer, ameaçar ou utilizar
de qualquer forma a negação do atendimento/suspensão contra os pacientes
do CAPS Itapeva, sob pena de multa de R$50.000,00 (cinquenta mil reais)
para cada ameaça ou promessa.
Ademais, buscando a tutela integral e adequada da situação e
considerando que o Estado tem se omitido em seu dever de fiscalizar a execução
do contrato e dos serviços prestados pela gestora privada, requer-se,
liminarmente, que seja determinado ao Estado, por meio da Secretaria
Estadual da Saúde, que efetive as providências relacionadas ao previsto no
artigo 9º da Lei Complementar Estadual nº 846/98, adotando as medidas
necessárias e pertinentes para a correção das irregularidades apontadas,
devendo apresentar, no prazo de 30 (trinta) dias, relatório circunstanciado
sobre as irregularidades constatadas e quais as providências a serem
adotadas para a respectiva correção.
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Por fim, requer-se, liminarmente, que o Estado de São Paulo
assuma a gestão direta do Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz da
Rocha Cerqueira, devendo essa determinação ser novamente avaliada quando da
apresentação de relatório circunstanciado pela Secretaria Estadual de Saúde, nos
moldes anteriormente pleiteados.
V - DOS PEDIDOS.
Ao final, pede-se a procedência do pedido, nos seguintes termos:
a) que o Estado de São Paulo e a gestora do Centro de Atenção
Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira, a Associação Paulista para o
Desenvolvimento da Medicina, por meio de quaisquer funcionários, prepostos ou
gestores, sejam condenados a se absterem de suspender/negar qualquer
instrumento terapêutico oferecido pelo CAPS aos pacientes que se
encontrem em tratamento, sob pena de multa de R$50.000,00 (cinquenta mil
reais) para cada suspensão aplicada;
b) que o Estado de São Paulo e a gestora do Centro de Atenção
Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira, a Associação Paulista para o
Desenvolvimento da Medicina, por meio de quaisquer funcionários, prepostos ou
gestores, sejam condenados a se absterem de prometer, ameaçar ou utilizar
de qualquer forma a negação ou suspensão de qualquer instrumento
terapêutico oferecido pelo CAPS contra os pacientes em tratamento, sob
pena de multa de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada ameaça ou
promessa;
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c) que o Estado, por meio da Secretaria Estadual da Saúde,
adote as medidas necessárias e pertinentes para a correção das
irregularidades apontadas, em prazo razoável, fixado em 90 (noventa dias);
d) que seja determinada a revogação do contrato de gestão
estabelecido entre o Estado de São Paulo e a Associação Paulista para o
Desenvolvimento da Medicina, cujo objeto é a gestão do Centro de Atenção
Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira;
e) que os réus sejam condenados a pagar honorários de
sucumbência à Defensoria Pública do Estado de São Paulo (AgRg no REsp
1084534/MG, DJ. 12/02/2009);
Outrossim, requer-se a Vossa Excelência:
f) a citação dos Réus, na pessoa de seus representantes legais,
para contestar, sob pena de revelia;
g) a contagem em dobro de todos os prazos processuais e a
intimação pessoal, com carga dos autos, da Defensoria Pública do Estado, na
pessoa do Coordenador do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos,
na Rua Boa Vista nº 103, 11º Andar, São Paulo - SP, CEP: 01014-001, na forma do
art. 5º, §5º, da Lei 1.060/50 e art. 128, I, da LC 80/94;
h) a intimação do ilustre representante do Ministério Público do
Estado de São Paulo, nos termos do art. 7º, § 1º da Lei 7.347/85;
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i) Que as partes ré exibam o contrato de gestão entre elas
firmado, cujo objeto seja a gestão do Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz
da Rocha Cerqueira, com fundamento no artigo 355 do Código de Processo Civil.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos
pelo direito, em especial, pericial, documental e oral.
Nos termos do artigo 365, III, Código de Processo Civil, declaram-
se autênticas as cópias que acompanham a presente impetração.
Dá-se à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
Finalmente, requer-se a dispensa quanto ao pagamento de custas,
emolumentos e outros encargos, à vista do disposto no art. 18 da Lei n. 7347/85.
São Paulo, 26 de abril de 2013.
Defensor(a) Público(a) Unidade de XXXXXXXXXXX
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