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Cultura e opulência do Brasilpor suas drogas e minas
André João Antonil
Prefácio: Ilmar Rohloff de Mattos
América Latina: a pátria grandeDarcy Ribeiro
Prefácio: Eric Nepomuceno
Os Correios, reconhecidos por prestar serviços postais com
qualidade e excelência aos brasileiros, também investem em
açõesquetenhamaculturacomoinstrumentodeinclusãosocial,
pormeiodaconcessãodepatrocínios.Aatuaçãodaempresavisa,
cadavezmais,contribuirparaavalorizaçãodamemóriacultu-
ralbrasileira,ademocratizaçãodoacessoàculturaeofortaleci-
mentodacidadania.
ÉnessesentidoqueosCorreios,presentesemtodooterritório
nacional, apoiam, com grande satisfação, projetos da natureza
desta Biblioteca Básica Brasileira e ratificam seu compromisso
emaproximarosbrasileirosdasdiversas linguagensartísticase
experiênciasculturaisquenascemnasmaisdiferentesregiões
dopaís.
A empresa incentiva o hábito de ler, que é de fundamental
importância para a formação do ser humano. A leitura possibi-
litaenriquecerovocabulário,obterconhecimento,dinamizaro
raciocínioeainterpretação.Assim,osCorreiosseorgulhamem
disponibilizaràsociedadeoacessoalivrosindispensáveisparao
conhecimentodoBrasil.
Correios
O livro, essa tecnologia conquistada, já demonstrou ter a
maiorlongevidadeentreosprodutosculturais.Noentanto,mais
queossuportesfísicos,asideiasjádemonstraramsobreviverain-
damelhoraosanos.EsseéocasodaBibliotecaBásicaBrasileira.
EsseprojetoculturalepedagógicoidealizadoporDarcyRibeiro
tevesuassementeslançadasem1963,quandoforampublicados
osprimeirosdezvolumesdeumacoleçãoessencialparaoconhe-
cimentodopaís.SãotítuloscomoRaízes do Brasil,Casa-grande
& senzala,A formação econômica do Brasil,Os sertõeseMemórias de
um sargento de milícias.
Esse ideal foi retomado com a viabilização da primeira fase
dacoleçãocom50títulos.Aotodo,360milexemplaresserãodis-
tribuídos entre as unidades do Sistema Nacional de Bibliotecas
Públicas,contribuindoparaaformaçãodeacervoeparaoacesso
públicoegratuitoemcercade6.000bibliotecas.Trata-sedeuma
iniciativaousadaàqualaPetrobrasvemjuntarsuasforças,cola-
borandoparaacompreensãodaformaçãodopaís,deseuimagi-
nário e de seus ideais, especialmente num momento de grande
otimismoeprojeçãointernacional.
Petrobras - Petróleo Brasileiro S. A.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil ix
sumário
Apresentação xvii
Prefácio–IlmarRohloffdeMattos xix
Aos senhores de engenhos e lavradores do açúcar e do tabaco e aos que se ocupam em tirar ouro das minas do estado do Brasil 3
PRIMEIRAPARTE
Cultura e opulência do Brasil na lavra do açúcar
no engenho real moente e corrente 5
Proêmio 7
Licenças 9
Livro I
I– Docabedalquehádeterosenhordeum
engenhoreal 13
II – Comosehádehaverosenhordeengenho
nacompraeconservaçãodasterrasenos
arrendamentosdelas 17
III – Comosehádehaverosenhordoengenho
comoslavradoreseoutrosvizinhos,
eestescomosenhor 20
IV – Comosehádehaverosenhordoengenho
naeleiçãodaspessoaseoficiaisqueadmitir
aoseuserviço,eprincipalmentedaeleição
docapelão 23
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r ox
V – Dofeitor-mordoengenho,edosoutros
feitoresmenoresqueassistemnamoenda,
fazendasepartidosdacana:suasobrigações
esoldadas 27
VI – Domestredoaçúcaresoto-mestre,aquem
chamambanqueiro,edoseuajudante,a
quemchamamajuda-banqueiro 31
VII – Dopurgadordeaçúcar 34
VIII – Docaixeirodoengenho 35
IX – Comosehádehaverosenhordoengenho
comseusescravos 37
X – Comosehádehaverosenhordoengenho
nogovernodasuafamíliaenosgastos
ordináriosdecasa 43
XI– Comosehádehaverosenhordoengenho
norecebimentodoshóspedes,assim
religiososcomoseculares 45
XII – Comosehádehaverosenhordoengenho
comosmercadoreseoutrosseus
correspondentesnapraça;edealguns
modosdevenderecompraroaçúcar,
conformeoestilodoBrasil 47
Livro II
I – Daescolhadaterraparaplantar
canas-de-açúcareparaosmantimentos
necessárioseprovimentodoengenho 51
II – Daplantaelimpasdascanasedadiversidade
quehánelas 53
III – Dosinimigosdacana,enquantoestáno
canavial 56
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xi
sumário IV – Docortedacanaesuaconduçãoparao
engenho 58
V – Doengenhooucasademoeracana,
ecomosemoveamoendacomágua 62
VI – Domododemoerascanas,
edequantaspessoasnecessitaamoenda 69
VII – Dasmadeirasdequesefazamoenda,
etodoomaismadeiramentodoengenho,
canoasebarcosedoquesecostumadaraos
carpinteiroseoutrossemelhantesoficiais 72
VIII – Dacasadasfornalhas,seuaparelhoelenha
dequehámister,edacinzaesuadecoada 75
IX – Dascaldeirasecobres,seuaparelho,
oficiaisegentedequenelashámister,
einstrumentosqueusam 79
X – Domododelimparepurificarocaldo
dacananascaldeirasenoparoldecoar,
atépassarparaastachas 83
XI – Domododecozerebateromeladonas
tachas 86
XII – Dastrêstêmperasdomeladoesuajusta
repartiçãopelasfôrmas 89
Livro III
I – Dasfôrmasdoaçúcaresuapassagem
dotendalparaacasadepurgar 93
II – Dacasadepurgaroaçúcarnasfôrmas 95
III – Depessoasqueseocupamempurgar,
mascavar,secareencaixaroaçúcar,edos
instrumentosqueparaissosãonecessários 97
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxii
IV – Dobarroquesebotanasfôrmasdoaçúcar:
qualdeveser,ecomosehádeamassar,
eseébomternoengenhoolaria 99
V – Domododepurgaroaçúcarnasfôrmas,
edetodoobenefícioqueselhefaznacasa
depurgar,atésetirar 101
VI – Domododetirar,mascavaresecaroaçúcar 105
VII – Dopeso,repartiçãoeencaixamentodo
açúcar 108
VIII – Deváriascastasdeaçúcar,que
separadamenteseencaixam;marcasdas
caixasesuaconduçãoaotrapiche 110
IX – Dospreçosantigosemodernosdoaçúcar 113
X – Donúmerodascaixasdeaçúcarquese
fazemcadaanoordinariamentenoBrasil 115
XI – Quecustaumacaixadeaçúcardetrintae
cincoarrobas,postanaalfândegadeLisboa
ejádespachada,edovalordetodooaçúcar
quecadaanosefaznoBrasil 116
XII – Doquepadeceoaçúcardesdeoseu
nascimentonacanaatésairdoBrasil 120
SEGUNDAPARTE
Cultura e opulência do Brasil na lavra do tabaco 125
I – ComosecomeçouatratarnoBrasilda
plantadotabaco,eaqueestimaçãotem
chegado 127
II – Emqueconsistealavradotabaco,ede
comosesemeia,plantaelimpa,eemque
temposehádeplantar 129
III – Comosetiramecuramasfolhasdotabaco;
comodelassefazemebeneficiamascordas 131
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xiii
sumário IV – Comosecuraotabacodepoisdetorcido
emcorda 132
V – Comoseenrolaeencouraotabaco,eque
pessoasseocupamemtodaafábricadele,
desdeasuaplantaatéseenrolar 133
VI – Dasegundaeterceirafolhasdotabaco,e
dediversasqualidadesdele,parasemascar,
cachimbarepisar 136
VII – Comosepisaotabaco;dogranidoeempó;
ecomoselhedáocheiro 137
VIII – Dousomoderadodotabacoparaasaúde,
edademasianocivaàmesmasaúde,de
qualquermodoqueseusedele 139
IX – Domodocomquesedespachaotabaco
naalfândegadaBahia 141
X – Quecustaumrolodetabacodeoito
arrobaspostodaBahianaalfândegade
Lisboaejádespachadoecorrentepara
sairdela 143
XI – DaestimaçãodotabacodoBrasilnaEuropa
enasmaispartesdomundo,edosgrandes
emolumentosquedeletiraaFazendaReal 145
XII – Daspenasdosquelevamtabaconão
despachadonasalfândegas,edasindústrias
dequeseusaparaselevardecontrabando 147
TERCEIRAPARTE
Cultura e opulência do Brasil pelas minas do ouro 151
I – Dasminasdoouroquesedescobriram
noBrasil 153
II – Dasminasdeouro,quechamamgerais,
edosdescobridoresdelas 155
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxiv
III – DeoutrasminasdeouronoriodasVelhas
enoCaeté 157
IV – Dorendimentodosribeirosedediversas
qualidadesdeouroquedelessetira 158
V–Daspessoasqueandamnasminasetiram
ourodosribeiros 161
VI – Dasdatasourepartiçõesdasminas 163
VII – Daabundânciademantimentos,ede
todoousualquehojehánasminas,edo
poucocasoquesefazdospreços
extraordinariamentealtos 165
VIII – Dediversospreçosdoourovendidono
Brasiledoqueimportaoquecadaano
ordinariamentesetiradasminas 169
IX – DaobrigaçãodepagaraEl-Reinossosenhor
aquintapartedoouroquesetiradas
minasdoBrasil 172
X – RoteirodocaminhodaviladeSãoPaulo
paraasminasgeraiseparaoriodasVelhas 185
XI – Roteirodocaminhovelhodacidadedo
RiodeJaneiroparaasminasgeraisdos
CataguásedoriodasVelhas 189
XII – Roteirodocaminhonovodacidadedo
RiodeJaneiroparaasminas 190
XIII – RoteirodocaminhodacidadedaBahia
paraasminasdoriodasVelhas 193
XIV – Mododetiraroourodasminasdo
Brasileribeirosdelas,observadodequem
nelasassistiucomogovernadorArturdeSá 195
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xv
sumário XV – Notíciasparaseconheceremasminasde
prata 200
XVI – Mododeconheceraprataedebeneficiar
osmetais 203
XVII– DosdanosquetemcausadoaoBrasila
cobiçadepoisdodescobrimentodoouro
nasminas 206
QUARTAPARTE
Cultura e opulência do Brasil pela abundância do gado e courama e outros contratos reais que se rematam
nesta conquista 209
I – Dagrandeextensãodeterrasparapasto,
cheiasdegado,quehánoBrasil 211
II – Dasboiadasqueordinariamentesetiram
cadaanodoscurraisparaascidades,vilas
erecôncavosdoBrasil,assimparaoaçougue
comoparaofornecimentodasfábricas 214
III – Daconduçãodasboiadasdosertãodo
Brasil;preçoordináriodogadoquesemata
edoquevaiparaasfábricas 216
IV – Quecustamumcouroemcabeloeummeio
desolabeneficiadoatésepôrdoBrasilna
alfândegadeLisboa 218
V – Resumodetudooquevaiordinariamente
cadaanodoBrasilparaPortugal,edoseu
valor 220
ÚLTIMO– QuantoéjustoquesefavoreçaoBrasil,
porserdetantautilidadeaoreino
dePortugal 222
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xvii
apresentação
a m é r i c a l at i n a – a pát r i a g r a n d e | d a r c � r i b e i r o xi
apresentação
AFundaçãoDarcyRibeirorealiza,depoisde50anos,osonho
sonhado pelo professor Darcy Ribeiro, de publicar a Coleção
BibliotecaBásicaBrasileira–aBBB.
A BBB foi formulada em 1962, quando Darcy tornou-se o
primeiroreitordaUniversidadedeBrasília–UnB.Foiconcebida
comoobjetivodeproporcionaraosbrasileirosumconhecimento
maisprofundodesuahistóriaecultura.
Darcy reuniu um brilhante grupo de intelectuais e profes-
sorespara, juntos,criaremoqueseriaauniversidadedofuturo.
Eraosonhodeumageraçãoqueconfiavaemsi,quereivindicava
–comoDarcyfezaolongodavida–odireitodetomarodestino
emsuasmãos.DessaentregagenerosanasceuaUniversidadede
Brasíliae,comela,muitosoutrossonhoseprojetos,comoaBBB.
Em1963,quandoministrodaEducação,DarcyRibeiroviabili-
zouapublicaçãodosprimeiros10volumesdaBBB,comtiragem
de15.000coleções,ouseja,150millivros.
A proposta previa a publicação de 9 outras edições com 10
volumescada,poisaBibliotecaBásicaBrasileiraseriacomposta
por100títulos.AcontinuidadedoprogramadeediçõespelaUnB
foiinviabilizadadevidoàtruculênciapolíticadoregimemilitar.
Comamissãodemantervivosopensamentoeaobradeseu
instituidore,sobretudo,comprometidaemdarprosseguimento
àssuaslutas,aFundaçãoDarcyRibeiroretomouapropostaea
atualizou,configurando,assim,umanovaBBB.
Aliada aos parceiros Fundação Biblioteca Nacional e Editora
UnB, a Fundação Darcy Ribeiro constituiu um comitê editorial
que redesenhou o projeto. Com a inclusão de 50 novos títulos,
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxviii b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxii
a Coleção atualmente apresenta 150 obras, totalizando 18 mil
coleções, o que perfaz um total de 2.700.000 exemplares, cuja
distribuiçãoserágratuitaparatodasasbibliotecasqueintegram
oSistemaNacionaldeBibliotecasPúblicas,eocorreráaolongo
detrêsanos.
A BBB tem como base os temas gerais definidos por Darcy
Ribeiro: O Brasil e os brasileiros; Os cronistas da edificação;
Culturapopulareculturaerudita;EstudosbrasileiroseCriação
literária.
Impulsionados pelas utopias do professor Darcy, apresenta-
mos ao Brasil e aos brasileiros, com o apoio dos Correios e da
Petrobras, no âmbito da Lei Rouanet, um valioso trabalho de
pesquisa,comodesejodequenosreconheçamoscomoaNova
Roma, porém melhor, porque lavada em sangue negro, sangue
índio, tropical.ANaçãoMestiçaqueserevelaaomundocomo
uma civilização vocacionada para a alegria, a tolerância e a
solidariedade.
Paulo de F. RibeiroPresidente
FundaçãoDarcyRibeiro
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xix
prefácio – Ilmar Rohloff de Mattos
Um curioso e útil livro em quatro momentos
I – Lisboa, março de 1711
Demodoexcessivamenteapressado,talvezporquedesacostu-
madosaandardevagar,percorreramruasevielasatéchegarao
pontodesejado.Lá,naoficina real deslandesiana,deveriamrecolher
osexemplaresdeumaobrarecentementeimpressa,haviauma
ou duas semanas apenas, para sua posterior destruição, pelo
pilãooupelaschamas–porordemdoRei!Dentreaquelesdes-
conhecidos, cujos nomes ali ninguém sabia e não se mostrava
interessadoemsaber,umdelestalveztenhaindagadoaValentim
daCosta,o tipógraforeale responsávelpelaoficina,a respeito
doautordolivroquebuscavam,umcertoAndréJoãoAntonil,
tendoouvidoemrespostaumnadasei,aomesmotempoemque
Valentim talvez tenha considerado a possibilidade de exibir a
páginaquecontinhaoProêmiodaobra,naqualerapossíveller:
E se alguém quiser saber o Autor desse curioso e útil traba-
lho, ele é um amigo do bem público chamado O Anônimo
Toscano.
Masnãoofez.Ouporquenãoignoravaqueaqueleshomens
de falas arrogantes e atitudes truculentas não estavam ali para
tal,ouporquenãosoubessemler,ouaindaporambasasrazões.
Otipógrafo–queestudaraemCoimbraeeracavaleiroprofesso
da Ordem de Cristo – talvez tenha lamentado a oportunidade
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxx
perdida por aqueles homens de, percorrendo aquelas páginas
iniciais,aindaquedemodotambémapressado,saberaquemera
dedicadoCultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas,pois
esteeraotítulodolivroquebuscavam,assimcomodetomarco-
nhecimentodasLicenças–doSantoOfício,doOrdinárioedoPaço
–nelascontidasporobrigação,expedidasentre8denovembrode
1710e17dejaneirodoanoseguinte,autorizandoaimpressãoda
obra,aqualumavezrealizada“tornaria para se conferir, e dar licen-
ça que corra, e sem ela não correrá”,ouseja,alicençaparacircular,
tornando-sedeconhecimentopúblico.Poderiamtambémterlido
que da licença do Santo Ofício constava uma afirmativa pouco
comum,aodizerseraobra“muito merecedora da licença que pede;
porque por este meio saberão os que se quiserem passar ao Estado do
Brasil o muito que custam as Culturas do Açúcar, Tabaco e Ouro, que
são mais doces de possuir no Reino que de cavar no Brasil”.Todavia,a
presençadaqueleshomensalieraumaevidênciadequeaordem
doReisebaseavaemumaavaliaçãodiversa.
Emconsultadatadade17demarço,osmembrosdoConselho
Ultramarino expunham ao soberano português os inconve-
nientes,oumuitomaisdoqueisso,desedeixarcorrerumlivro
impresso“com o nome suposto”.Mastambém,esobretudo,porque
“... entre outras coisas... se expõem também muito distintamente todos
os caminhos que há para as minas do ouro descobertas, e se apontam
outras que ou estão para descobrir ou por beneficiar. E como estas par-
ticularidades e outras muitas de igual importância, que se manifestam
no mesmo livro, convém muito que não se façam públicas, nem possam
chegar à notícia das nações estranhas pelos graves prejuízos que disso
podem resultar à conservação daquele Estado, da qual dependem em
grande parte a deste Reino e a de toda a Monarquia”.Edaíresultaria,
trêsdiasdepois,aordemdeDomJoãoVpararecolherosexempla-
resimpressos,osquaisemsuaquasetotalidadeaindaseencon-
travamnaquelaoficina.Adecisãodaquelequeficariaconhecido
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xxi
comoOMagnânimosomava-seatantasoutrasnoesforçotanto
deumamaiorcentralizaçãodeseupoderquantodepreservação
deumimpériocrescentementeameaçadoporinimigosexternos
eporinstabilidadeinterna,particularmenteemsuaparteameri-
cana.Naquelemomento,restava,então,–sempreporordemdo
Rei–identificarO Anônimo Toscano.Mastalsóaconteceriacerca
de170anosdepois...
II – Luca, 1649 – Rio de Janeiro, 1886
Foi em 1649, em Luca, na Toscana, que nasceu João Antônio
Andreoni. Quase nada se sabe de seus pais, Clara Maria e João
MariaAndreoni,assimcomodosprimeirosanosdesuavida.Sabe-
-se,porém,queapósterestudadoDireitoCivilnaUniversidadede
Perúgia,durantetrêsanos,ingressounaCompanhiadeJesus,em
Roma,malcompletara18anosdeidade.Ali,durantesuaforma-
ção,conviveuintensamentecomoPadreAntônioVieira,aquem
deveria muitos dos ensinamentos e orientações que pautariam
suavidanasconquistasamericanasdoReidePortugal;juntamen-
tecomele,embarcariaemLisboaparaaAméricaportuguesa,no
iníciode1681.NacidadedoSalvador,nacapitaniarealdaBahia,
em1683,fezaprofissãosolenedosquatrovotos,recebendo-ado
Padre Alexandre de Gusmão, e na América portuguesa perma-
neceriaatésuamorte,em1716,noRealColégiodosJesuítas,em
Salvador.
Os35anosdeumavidaintensanoEstadodoBrasilcoincidi-
riam,emgrandeparte,comosanosdedeslocamentodoeixodo
ImpérioportuguêsparaoAtlântico,reveladorquerdovaloreda
importânciaassumidospelosdomínioseconquistasnaAmérica
portuguesanoconjuntodaMonarquia,querdodeslocamentoda
aventuramarítimaparaado“sertão”,oquereafirmavaalógica
dopoderterritorialistaquecaracterizavaosgovernantesibéricos
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxxii
emsuatendênciaaidentificaropodercomaextensãoeadensi-
dadepopulacionaldeseusdomínios.DaHistória da companhia de
Jesus no Brasil,doPadreSerafimLeite,S.J.(RiodeJaneiro,1949,v.
VII-VIII),redigidaapartirdeminuciosapesquisanosarquivosda
CompanhiaemRoma,emergea faina lúcidaesempredetermi-
nadadaqueleque,comforteformaçãojurídicaeexímioconhe-
cimentodalíngualatina,foimestredenoviços,reitordoColégio
da Bahia, secretário de vários provinciais, confessor de dois go-
vernadores-gerais,ProvincialdoBrasil...Na“Introdução”deAlice
CanabravaaumadasediçõesbrasileirasdeCultura e opulência do
Brasil(Cia.EditoraNacional,1967),aanáliseprimorosadasdiver-
sasfacesdavidadaqueleque,sendo“bomreligioso,oseumundo,
entretanto,nãoéodaoração,dapenitência,doapostolado.Sua
mentenãosealheiadaesferadosecular,decujaobservaçãocons-
trutivaseentretémenacuriosidadedelaseinquieta”.Múltiplas
e não raro estafantes atividades, expressas e desdobradas em
inúmerostextos,elesprópriosoutramaneiradeestarnomundo
–atributodefinidordocorpoaoqualpertencia.Umavidainten-
sa cujos momentos significativos se apresentam, antes de tudo,
comoíndicesdeumdeslocamentoquemotivavaprojetosepo-
líticas,esperançasetemores,divergênciasedisputastraduzidas
emtensõesqueconduziamaaproximaçõeseafastamentosentre
osdiferentesinteressesenvolvidos.Masmomentossignificativos
deumavidaintensaqueeramtambém,esobretudo,fatorescons-
titutivosdaqueledeslocamento,esboçandoumquadronovoque
fariaDomJoãoVdizer,emcertaocasião,seroBrasil“avacade
leitedaMonarquia”.
Assim,JoãoAntônioAndreoniparecianãosecansarderefletir
sobreasexperiênciasquevivia,quasesempretendoemvista“a
melhor e a mais útil Conquista, assim da administração do im-
périoparaaFazendaReal,comoparaobempúblico,dequantas
outrascontaoReinodePortugal”,comonãoduvidaemafirmar
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xxiii
noúltimocapítulo–“Quanto é justo que se favoreça o Brasil, por ser
de tanta utilidade ao Reino de Portugal”–desuaobramaisconheci-
da,quevocê,leitor,oratememmãos.Reflexõesquesetraduziam
emproposiçõeseaçõesqueinstigavamseusparesdaCompanhia;
assimcomoasautoridadescoloniais,dasquaisemnãorarasopor-
tunidades esteve muito próximo; e ainda aquelas do Reino. Ou
nãoéoqueseapresentanoreferidocapítuloaoperguntarseos
moradoresdoBrasilnãomerecem“lograr o favor de sua Majestade
e de todos os seus Ministros nos despachos das petições que oferecem, e
na aceitação dos meios que para alívio e conveniência dos Moradores
as Câmaras desse Estado humildemente propõem?”.Umaindagação
quetalveztenhasidointerpretadapelosmembrosdoConselho
Ultramarino como uma crítica à morosidade de suas decisões,
no momento em que, como evidência marcante das disputas e
tensõesentreosinteressespresentesnoReinoenasconquistas,
aqueleórgãodisputavaapreponderâncianoditarda“administra-
ção do império”,conformeapareciademodoinequívoconajárefe-
ridaconsultade1711emque,aoproporoconfiscodaobra“com o
nome suposto”,(re)afirmavaolugarprivilegiadoquereivindicava
emrelaçãoaostradicionaisórgãoscensoresdoEstadoportuguês.
Reflexões,proposiçõeseaçõesque,emdeterminadascircuns-
tâncias,acabavamporcolocaremcamposdistintoseopostosos
própriosmembrosdaCompanhia,comoareferenteàproibição
da escravização dos nativos americanos. Ou ainda aquelas con-
cernentes a decisões emanadas do Reino, no último decênio do
séculoXVII,queproibiamaidaaoBrasildepadresestrangeiros
elhesvedavaoexercíciodeinúmerasfunções,comoademestre
dosnoviços,superioresdecasas,colégiosoumissõesedesecre-
táriodoProvincial,asquaisseacrescentariaoutrade1711expul-
sandoosestrangeiroseoseclesiásticosdaregiãodasMinas.Em
todosessescasos,oPadreVieirasituou-seemcampoopostoaode
Andreoni.Senocasodasinterdiçõesaosreligiososestrangeiros
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxxiv
por um momento Andreoni pareceu revelar desânimo, muitorapidamente reagiria. No quadro de tensões que distinguiam oReinoeasconquistasdaAmérica,decorrentesdosinúmerosin-teressesemdisputa láecá,aquesesomavaa frágilposiçãodoReinonapolíticaeuropeia,evidenciadanosacontecimentosrela-cionadosàGuerradeSucessãodaEspanha,dosquaisaincursãodocorsáriofrancêsDuclercnoRiodeJaneiro,em1710,eraindícionãoexclusivo,adecisãodeseidentificarnoProêmiodeum curio-so e útil trabalhocomoO Anônimo Toscano serevelavacautela,porcertonãodeixava,talvez,deencerrarumpoucodedesafio.Desdeentãodeveterbuscadoumpseudônimo–“onomesuposto”dasautoridadescensoras–,tendosedecidoemcertomomento,tal-vez,porcomporumanagramadeseupróprionome–AndréJoãoAntonil.Umanagramaquaseperfeito,completadoporum“L”aofinal.Nãodeixavadereafirmar,assim,aindaquequaseunicamen-te para si próprio, sua condição de estrangeiro na terra em quedecidirapermanecer,o“L”de“Luquense”referindo-seàsuapátria,aterradeseuspais.
Pouco mais de sete décadas depois, no Rio de Janeiro, o his-toriador Capistrano de Abreu afirmava no prólogo de um pe-quenoopúsculo–Informações e fragmentos históricos do Padre José de Anchieta, S. J. –, publicado pela Imprensa Nacional, ser JoãoAntônioAndreonioverdadeironomedeAndréJoãoAntonil.Eestavaprontoparademonstrá-lodemodoincontestável,nomes-momovimentoemqueaoesclarecerumenigmapareciaproporoutro, tendo sido ou não proposital a decisão de anunciar suadescobertanaapresentaçãodaobradaqueleaquemCultura e opu-lência do Brasileradedicado.Todavia,oqueimportaéque,agora,aobramagistraldeAntonil/Andreoniseapresentavacompleta.Desdeentão,elapoderiacorrer deumamaneiradiversa,porquecorrerapresentar-se-ia justamentecomosignificadoqueporor-demdoReisetentarainterditar:“tornar-senotório,amplamente
conhecido”.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xxv
III – Paris, 1965
Porque “ensinava o segredo do Brasil aos brasileiros, mostrando
toda a sua possança, justificando todas as suas pretensões, esclarecen-
do toda a sua grandeza” o livro de Antonil fora proibido, dizia
CapistranodeAbreu,emCapítulos de história colonial, publicado
em1907.Projetava,semdúvida,noAnônimo Toscano osentimento
nacionalqueconformavaoseufazerhistoriográfico.Pesquisador
incansável, afeito à leitura crítica de documentos conhecidos e
outros inéditos, Capistrano desconhecia, provavelmente, a con-
sultadoConselhoUltramarino,eaíresideoutradasrazõesdeum
equívoco. Para aquela consulta a historiadora francesa Andrée
Mansuy teve sua atenção despertada a partir de uma carta de
DiogoMendonçaLealaoDuquedeCadaval,presidentedaquele
Conselho,naqualindicavaasmedidastomadasparaaapreensão
daobra.
Essa e outras descobertas decorrentes de laboriosa pesquisa
fundamentamumaeruditatesededoutoramento,defendidana
Sorbonneem1965,esórecentementepublicadanoBrasil(Edusp,
2007).Nela,alémdeprocedimentosnormativosparaafixaçãodo
texto,oconhecimentodaobradeAntonilseamplia,afirmativase
conclusõesanterioressãoreavaliadas,edaanáliseinternadetre-
chosdaobraedoconfrontocomdocumentoscontemporâneos
emergemconclusõesinstigantes.
AbroCultura e opulência do Brasil.Comahistoriadorafrance-
sa,masnãoapenascomela,sigoporsuasdiferentespartes–Na
lavra do açúcar;Na lavra do tabaco;Pelas minas do ouro;ePela abun-
dância do gado e courama.Deimediato,aconstataçãodaintenção
explícita do autor de oferecer “estas notícias práticas, dirigidas a
obrar com acerto; que é o que em toda a ocupação se deve desejar”.
Quatrodiferentespartesnãoapenasemsuastemáticas,mas
também em sua extensão. A primeira delas distribuída em três
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxxvi
livros, com doze capítulos cada, num total de 105 páginas, um
poucomaisdametadedaspáginasdaediçãoprinceps,asquais
insinuam ter tido Antonil, inicialmente, a intenção de apenas
produzirumaobrasobreaLavra do açúcar.Umapartequesedis-
tingue, antes de tudo, por se diferenciar de modo marcante das
descrições e narrativas da América portuguesa que a antecede-
ram.Aexperiênciavividapeloautornelaserevelaplenamente,
nãoobstanteeleinformeaopresumidoleitorque–apenas–“no
espaço de oito ou dez dias, que aí estive, [pude] tomar notícia de tudo
o que o fazia tão celebrado, e quase Rei dos Engenhos Reais”.Referia-
-se ao engenho de Sergipe do Conde, um dos mais importantes
doEstadodoBrasil,depropriedadedaCompanhiadeJesus,que
foraobjetodedisputaentreospadresdoColégiodeSantoAntão
deLisboaeaquelesdoColégiodaBahia,duranteoséculoXVII.
Páginas e trechos inesquecíveis, plenos de imagens, metáforas
ealegoriasbarrocas–quemserácapazdeesqueceroúltimoca-
pítulodestaparte,noqualse fala Do que padece o açúcar desde o
seu nascimento na cana até sair do Brasil?–,contendoconselhose
reflexõesdeordemmoraleprática,asprimeirasnecessariamente
referidasàmoralcristã,easúltimasprovenientesdeumsabermais
antigo,ambaspossibilitandonoseuentrecruzarqueaquelaparte
setornasse,noentenderdeAndréeMansuy,aprimeiraetalvez
únicamanifestaçãoliteráriaemlínguaportuguesadeumatradi-
çãoliteráriaqueremontaaostextosdeVarrãoeCatão,oAntigo,
emparticularDe Re Rustica,osquaissustentavamreflexõesseme-
lhantesdeescritoresfrancesesdoséculoXVII,aosquaisAntonil
certamentetiveraacesso.
Partesredigidasemdiferentesmomentos,comoépossívelper-
cebernosdadosedatasnelasapresentados;mastambémpartes
cujasfraseseexpressõesnelaspresentesdemonstramqueaquilo
queéapresentadonãoéfrutosempredeumaexperiênciadireta,
esimdeinformaçõesdeterceiros,comoemPelas minas do ouro.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xxvii
Alguns dos capítulos, agora. Como aquele em que o saber
jurídico que distinguia o autor foi mobilizado para valorizar a
lealdadedossúditosaoSoberano,expressana“obrigação de pagar
a El-Rei Nosso Senhor a quinta parte do Ouro que se tira das Minas
do Brasil”. Ou também os que apresentavam, detalhadamente,
os quatro Roteiros dos caminhos para as Minas, o que despertaria
apreensãoentreasautoridadesdoReino.Ouaindaocapítuloque,
seestendendoporcincopáginas,cuidavade“Como se há de haver
o Senhor de Engenho com seus escravos”, mobilizando ali também
valorescristãoseconsideraçõespráticasparaogovernodaCasa
–entenda-se,dosescravos–,lembrandoaossenhoresque“o que
pertence ao sustento, vestido e moderação do trabalho, claro está, que se
lhes não deve negar”,aoladodaobservaçãodequenaescolhados
mesmos,procedentesde“naçõesdiversaseunsmaisboçaisque
outros,edeforçasmuitodiferentes”,deveriamserpreferidos“os
quenasceramnoBrasilousecriaramdesdepequenosemcasados
brancos”,porque,“levandobomcativeiro,qualquerdelesvalepor
quatroboçais”.
“Útil e curioso trabalho”,ondeemcadapassagem,emtodasas
páginas,o amigo do bem públicofalavaaseusprováveisleitores–
masnãoporordemdoRei.
IV – Recife, 1967
Quantos exemplares de Cultura e opulência do Brasil por suas
drogas e minasescaparamàsanhadoRei?Hoje,temosnotíciade
setedeles!Dosoriginaismanuscritosnãomaissetevenotícia.
Aoqueparece,umexemplarteriachegadoaoBrasilaindano
séculoXVIII,noseuinício,poraparecerdeleumtrechotranscrito
emdocumentoredigidoporumIntendentedasMinas,em1738.
A parte primeira da obra, dedicada à Lavra do açúcar, foi reim-
pressanoReino,pelaTipografiadoArcodoCego,em1800,como
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxxviii
partedotomoIdeO fazendeiro do Brasil,defreiJoséMarianoda
ConceiçãoVeloso.Desdeentão,parcialouintegralmente,emedi-
çõesbemoumalcuidadas,olivrodeAntonilapresenta-seàdispo-
siçãodasquestões formuladasporestudiosos,pesquisadoresou
simplesleitoresinteressados.
Dentreelas,umaediçãosedestacademodoespecial:aedição
realizadapeloMuseudoAçúcar,em1967–umaediçãofac-similar.
Porque,pormaisbemcuidadassejamas(re)ediçõesdeumtexto,
nenhuma delas restitui o conjunto de informações da edição
princeps de um livro. Como se fosse completada uma viagem
redonda, esta permite voltar à oficina real Deslandesiana, nela
ingressandoporoutraporta.Acapa;afolhaderosto,ondedia-
logamaspalavrasea imagemcuidadosamenteescolhidapelo
tipógraforeal;adedicatória,redigidanomomentodasegunda
abertura do processo de canonização do Padre Anchieta, em
1708, implicando despesas que o autor tentava ajudar a cobrir
pormeiodeumconviteaosdevotos,principalmenteossenho-
resdeengenho–indíciosreveladoresdetudo(ouquasetudo)
quecercaotexto,foradotexto,agregando-lhesentidoepossibi-
litandosuaplenacaracterizaçãocomoobjetodecultura.Outros
tantoscaminhos,conduzindoaminasaindaemparteinexplo-
radas–eforadoalcancedasordensdoRei.
ilmar rohloff de mattos é professor da puc-rio – pontifícia universidade católica. doutor em história social pela usp – universidade de são paulo.
CULTURA E OPULÊNCIA DO BRASILPOR SUAS DROGAS E MINAS
Comváriasnotíciascuriosasdomododefazeroaçúcar;
plantarebeneficiarotabaco;tirarourodasminas;
edescobrirasdaprata;
e dos grandes emolumentos que esta conquista da
América Meridional dá ao reino de Portugal, com
esses e outros gêneros, e contratos reais.
Obra de
ANDRÉJOÃOANTONIL
Oferecida
aosquedesejamverglorificadonosaltaresaovenerável
PadreJosédeAnchieta,sacerdotedaCompanhiadeJesus,
missionárioapostólicoenovotaumaturgodoBrasil.
LISBOAna Oficina Real Deslandesiana,
com as licenças necessárias, ano de 1711.
[Folhaderostoda1ª edição]
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 5
aos senhores de engenhos e lavradores do açúcar e do tabaco e aos que se ocupam
em tirar ouro das minas do estado do brasil
D evetantooBrasilaovenerávelPadreJosédeAnchieta,umdosprimeirosemaisfervorososmissionáriosdesta
AméricaMeridional,queàbocacheiaochamaseugrandeapós-tolo e novo taumaturgo pela luz evangélica que comunicou atantosmilharesdeíndiosepelosinumeráveismilagresqueobrouemvidaeobracontinuamente,invocadoparabenefíciodetodos.Porém,confessarestasobrigaçõesenãocooperaràglóriadetãoinsignebenfeitornãobastaparaumverdadeiroagradecimento,devido justamente e esperado. Para excitar, pois, este piedosoafetonosânimosdetodososquemaisfacilmentepodemajudarcomoagradecidoseliberaisobratãosanta,comoéacanonizaçãodeumvarãotãoilustre,procureiacompanharestajustapetiçãocomalgumadádivaquepudesseagradar,eserdealgumautilida-deaosquenosengenhosdoaçúcar,nospartidosenaslavourasdotabaco,enasminasdoouroexperimentamofavordocéucomnotávelaumentodosbenstemporais.Portanto,comestalimitadaofertaprovocoaquelagenerosaliberalidade,quenãoconsenteserrogada,pornãoparecerque,dando,quervenderbenefícios.EaomesmoVenerávelPadreJosédeAnchietapeçoencarecidamentequequeiraalcançardeDeuscentuplicadaremuneraçãonaTerraenoCéuaquemsedeterminarapromovercomalgumaesmolaassuashonras,paraquepublicadasnostemplosecelebradasnosaltares, acrescentem também maior glória àquele Senhor que éhonradonahonradossantos,eglorificadoemsuasglórias.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 7
cultura e opulência do brasil na lavra do açúcar no engenho real
moente e corrente
Trata-se:
• Dosenhordoengenhodoaçúcar,dosfeitoreseoutros
oficiaisqueneleseocupam,suasobrigaçõesesalários;
• Damoenda,fábricaeoficinasdoengenhoedoqueem
cadaumadelassefaz;
• Daplantadascanas,suaconduçãoemoagem;edecomo
sefaz,purgaeencaixaoaçúcarnoRecôncavodaBahia,
noBrasil,paraoreinodePortugal,eseusemolumentos.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 9
proêmio
Q uem chamou às oficinas, em que se fabrica o açúcar,
engenhos acertou verdadeiramente no nome. Porque
quemquerqueasvê,econsideracomareflexãoquemerecem,é
obrigadoaconfessarquesãoumdosprincipaispartoseinvenções
do engenho humano, o qual, como pequena porção do Divino,
sempresemostra,noseumododeobrar,admirável.
Dosengenhos,unssechamamreais,outros,inferiores,vulgar-
menteengenhocas.Osreaisganharamesteapelidoporteremtodas
aspartesdequesecompõemetodasasoficinas,perfeitas,cheias
degrandenúmerodeescravos,commuitoscanaviaisprópriose
outrosobrigadosàmoenda;eprincipalmenteporteremarealeza
demoeremcomágua,àdiferençadeoutros,quemoemcomcava-
-loseboisesãomenosprovidoseaparelhados;ou,pelomenos,
commenorperfeiçãoelargueza,dasoficinasnecessáriasecom
pouconúmerodeescravos,parafazerem,comodizem,oengenho
moenteecorrente.
E porque algum dia folguei de ver um dos mais afamados
que há no Recôncavo, à beira-mar da Bahia, a quem chamam o
engenhodeSergipedoConde,movidodeumalouvávelcuriosi-
dade,procurei,noespaçodeoitooudezdiasqueaíestive,tomar
notícia de tudo o que o fazia tão celebrado, e quase rei dos en-
genhos reais. E valendo-me das informações que me deu quem
oadministroumaisdetrintaanoscomconhecidainteligência,e
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o10
comacrescentamentoigualàindústria,edaexperiênciadeum
famosomestredeaçúcarquecinquentaanosseocupounesseofí-
ciocomventurososucesso,edosmaisoficiaisdenome,aosquais
miudamente perguntei o que a cada qual pertencia, me resolvi
adeixarnesteborrãotudoaquiloquenalimitaçãodotemposo-
breditoapressadamente,mascomatenção,ajunteieestendicom
omesmoestiloemododefalarclaroechãoqueseusanosenge-
nhos;paraqueosquenãosabemoquecustaadoçuradoaçúcara
quemolavra,oconheçamesintammenosdarporeleopreçoque
vale;equemdenovoentrarnaadministraçãodealgumengenho,
tenhaestasnotíciaspráticas,dirigidasaobrarcomacerto,queé
oqueemtodaocupaçãosedevedesejareintentar.E,paramaior
clarezaeordem,repartiemvárioscapítulostudooquepertence
aestadrogaeaquemporelaenelatrabalha;começando,depois
derelatarasobrigaçõesdecadaqual,desdeaprimeiraorigemdo
açúcardacana,atéasuacabalperfeiçãonascaixas,conformeo
meulimitadocabedal,quepelomenosserviráparadaraoutros
demelhorcapacidadeepenamaisligeiraebem-aparadaalgum
estímulodeaperfeiçoaresteembrião.Esealguémquisersabero
autordestecuriosoeútiltrabalho,eleéumamigodobempúbli-
cochamado
O Anônimo Toscano
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 11
licenças
Do Santo Ofício
I lustríssimoSenhor
Revi este livro, intitulado Cultura e opulência do Brasil,
mencionadonapetiçãoacima,e,sendoaobradeengenho,pela
boadisposiçãocomqueoseuautorocompôs,émuitomerece-
dorada licençaquepede;porqueporestemeio, saberãoosque
se quiserem passar ao Estado do Brasil o muito que custam as
culturasdoaçúcar,tabacoeouro,quesãomaisdocesdepossuir
noReinoquedecavarnoBrasil.Nãocontémestelivrocoisaque
sejacontranossaSantaFéoubonscostumes,eporissosepode
estamparcomletrasdeouro.Esteéomeuparecer,queponhoaos
pésdeV.Ilustríssima,paramandarfazeroqueforservido.
SantaAnadeLisboa,em8denovembrode1710
Fr. Paulo de São Boaventura
NãocontémesteTratadocoisasuspeitosacontranossaSanta
Fé e pureza dos bons costumes, e, assim sendo, V. Ilustríssima
servidopodeconcederalicençaquepedeoAutor.
Trindade,em30denovembrode1710
Fr. Manuel da Conceição
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o12
Vistas as informações, pode-se imprimir o livro intitulado
Cultura e opulência do Brasil,e,impresso,tornaráparaseconferire
darlicençaquecorraesemelanãocorrerá.
Lisboa,5dedezembrode1710
Moniz. Hasse. Monteiro. RibeiroFr. Encarnação. Rocha. Barreto
Do Ordinário
Pode-seimprimirolivrointituladoCultura e opulência do Brasil
eimpressotorneparaseconferiredarlicençaquecorraesemela
nãocorrerá.
Lisboa,12dedezembrode1710
B. de Tagaste
Do Paço
Senhor:
ViolivroqueV.Majestadefoiservidoremeter-me;seuautor,
André João Antonil; e sobre não achar nele coisa que encontre
orealserviçodeV.Majestade,mepareceserámuitoútilparao
comércio,porquedespertaráasdiligênciaseincitaráaquesepro-
curem tão fáceis interesses. Julgo-o muito digno da licença que
pede;V.Majestadeordenaráoqueforservido.
SãoDomingosdeLisboa,15dejaneirode1711
Fr. Manuel Guilherme
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 13
Quesepossaimprimir,vistasaslicençasdoSantoOfícioe
OrdinárioedepoisdeimpressotornaráàMesa,paraseconferir
etaxar,esemissonãocorrerá.
Lisboa,17dejaneirode1711
Oliveira. Lacerda. Carneiro. Botelho. Costa
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 15
ido cabedal que há de ter o senhor
de um engenho real
O sersenhordeengenhoétítuloaquemuitosaspiram,
porquetrazconsigooserservido,obedecidoerespeita-
dodemuitos.Esefor,qualdeveser,homemdecabedalegoverno,
bemsepodeestimarnoBrasilosersenhordeengenho,quanto
proporcionadamente se estimam os títulos entre os fidalgos do
Reino. Porque engenhos há na Bahia que dão ao senhor quatro
milpãesdeaçúcareoutrospoucomenos,comcanaobrigadaà
moenda,decujorendimentolograoengenhoaomenosametade,
comoqualqueroutra,quenelelivrementesemói;eemalgumas
pares,aindamaisqueametade.
Dossenhoresdependemoslavradoresquetêmpartidosarren-
dadosemterrasdomesmoengenho,comocidadãosdosfidalgos;
e quanto os senhores são mais possantes e bem-aparelhados de
todoonecessário,afáveiseverdadeiros,tantomaissãoprocura-
dos,aindadosquenãotêmacanacativa,ouporantigaobrigação,
ouporpreçoqueparaissorecebem.
Servemaosenhordoengenho,emváriosofícios,alémdoses-
cravosdeenxadaefoicequetêmnasfazendasenamoenda,efora
osmulatosemulatas,negrosenegrasdecasa,ouocupadosemou-
tras partes, barqueiros, canoeiros, calafates, carapinas, carreiros,
oleiros,vaqueiros,pastoresepescadores.Temmais,cadasenhor
destes,necessariamente,ummestredeaçúcar,umbanqueiro
eumcontrabanqueiro,umpurgador,umcaixeironoengenhoe
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o16
outronacidade, feitoresnospartidoseroças,umfeitor-mordo
engenho,eparaoespiritualumsacerdoteseucapelão,ecadaqual
destesoficiaistemsoldada.
Todaaescravaria(quenosmaioresengenhospassaonúmero
decentoecinquentaeduzentaspeças,contandoasdospartidos)
quermantimentosefarda,medicamentos,enfermariaeenfermei-
ro;e,paraisso,sãonecessáriasroçasdemuitasmilcovasdeman-
dioca.Queremosbarcosvelame,cabos,cordasebreu.Queremas
fornalhas,queporseteeoitomesesardemdediaedenoite,muita
lenha;e,paraisso,hámisterdoisbarcosvelejadosparasebuscar
nosportos,indoumatrásdooutrosemparar,emuitodinheiro
para a comprar; ou grandes matos com muitos carros e muitas
juntasdeboisparasetrazer.Queremoscanaviaistambémsuas
barcas,ecarroscomdobradasesquipaçõesdebois,queremenxa-
dasefoices.Queremasserrariasmachadoseserras.Queramoenda
detodaacastadepausdeleidesobressalente,emuitosquintais
de aço e ferro. Quer a carpintaria madeiras seletas e fortes para
esteios,vigas,aspaserodas;epelomenososinstrumentosmais
usuais,asaber,serras,trados,verrumas,compassos,regras,esco-
pros,enxós,goivas,machados,martelos,cantisejunteiras,pregos
eplainas.Querafábricadoaçúcarparóisecaldeiras,tachaseba-
ciaseoutrosmuitosinstrumentosmenores,todosdecobre,cujo
preçopassadeoitomilcruzados,aindaquandosevendenãotão
carocomonosanospresentes.Sãofinalmentenecessárias,além
dassenzalasdosescravos,ealémdasmoradasdocapelão,feitores,
mestre,purgador,banqueiroecaixeiro,umacapeladecentecom
seusornamentosetodooaparelhodoaltar,eumascasasparao
senhor do engenho, com seu quarto separado para os hóspedes
que,noBrasil,faltototalmentedeestalagens,sãocontínuos;eo
edifício do engenho, forte e espaçoso, com as mais oficinas e a
casadepurgar,caixaria,lambiqueeoutrascoisas,que,pormiú-
das,aquiseescusaapontá-las,edelassefalaráemseulugar.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 17
O que tudo bem considerado, assim como obriga a uns ho-
mens de bastante cabedal e de bom juízo a quererem antes ser
lavradores possantes de cana, com um ou dois partidos de mil
pãesdeaçúcar,comtrintaouquarentaescravosdeenxadaefoi-
ce,doquesersenhoresdeengenhoporpoucosanos,comalida
eatençãoquepedeogovernodetodaessafábrica;assim,épara
pasmar,comohojeseatrevemtantosalevantarengenhocastanto
quechegaramateralgumnúmerodeescravos,eacharamquem
lhesemprestassealgumaquantidadededinheiro,paracomeçar
atratardeumaobradequenãosãocapazesporfaltadegoverno
edeagência,emuitomaisporficaremlogonaprimeirasafratão
empenhadosemdívidasquenasegundaouterceira jásedecla-
raramperdidos;sendojuntamentecausaqueosquefiaramdeles
dando-lhes fazenda e dinheiro também quebrem e que outros
zombemdasuamalfundadapresunção,quetãodepressaconver-
teuempalhasecaaquelaprimeiraverduradeumaaparentemas
enganosaesperança.
Eaindaquenemtodososengenhossejamreais,nemtodospu-
xemportantosgastosquantosatéaquitemosapontado,contudo,
entendacadaqualque,comasmortesefugidasdeservos,ecom
aperdademuitoscavaloseboisecomassecasquedeimprovi-
soapertamemirramacanaecomosdesastresqueacadapasso
sucedem, crescem os gastos mais do que se cuidava. Entenda
tambémqueospedreirosecarapinaseoutrosoficiais,desejosos
deganharàcustaalheia,lhefacilitarãotudodetalsortequelhe
parecerá o mesmo levantar um engenho que uma senzala de
negros;equandocomeçaraajuntarosaviamentos,acharájáter
despendidotudooquetinha,antesdesepôrpedrasobrepedra,
enãoterácomquepagarassoldadas,crescendodeimprovisoos
gastos,comoporcausadasenxurradasosrios.
Também,senãotiveracapacidade,modoeagênciaquesere-
quernaboadisposiçãoegovernodetudo,naeleiçãodosfeitores
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o18
eoficiais,naboacorrespondênciacomoslavradores,notratoda
gentesujeita,naconservaçãoelavouradasterrasquepossui,ena
verdadeepontualidadecomosmercadoreseoutrosseuscorres-
pondentesnapraça,acharáconfusãoeignomínianotítulodese-
nhordeengenho,dondeesperavaacrescentamentodeestimação
edecrédito.Porisso,tendojáfaladodoquepertenceaocabedal
quehádeter,tratareiagoradecomosehádehavernogoverno;e
primeiramentedacompraeconservaçãodasterraseseusarren-
damentosaos lavradoresquetem;e logodaeleiçãodosoficiais
que há de admitir ao seu serviço, apontando as obrigações e as
soldadasdecadaumdeles,conformeoestilodosengenhosreais
daBahia;e,ultimamente,dogovernodomésticodasuafamília,
filhoseescravos, recebimentodoshóspedesepontualidadeem
darsatisfaçãoaquemdeve,doquedependeaconservaçãodoseu
créditoqueéomelhorcabedaldosqueseprezamdehonrados.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 19
iicomo se há de haver o senhor de engenho
na compra e conservação das terras e nos arrendamentos delas
S eosenhordoengenhonãoconheceraqualidadedaster-
ras,comprarásalõespormassapéseapicusporsalões.Por
isso,valha-sedasinformaçõesdoslavradoresmaisentendidos,e
atentenãosomenteàbaratezadopreço,mastambématodasas
conveniênciasquesehãodebuscarparater fazendacomcana-
viais,pastos,águas,roçasematos;e,emfaltadestes,comodidade
parateralenhamaispertoquepuderser,eparaescusaroutros
inconvenientes que os velhos lhe poderão apontar, que são os
mestresaquemensinaramotempoeaexperiência,oqueosmo-
çosignoram.
Muitos vendem as terras que têm, por cansadas, ou faltas de
lenha; outros, porque não se atrevem a ouvir tantos recados,
semelhantes aos que se davam a Jó, do partido queimado, dos
boisatolados,dosescravosmortosedoaçúcarperdido.Outros,
obrigadosavendercontraavontadeporcausadoscredoresque
osapertam,bempodeserqueofereçamterrasnovasefortes;po-
rém,ocompradorcorreentãooutroriscodecomprardemandas
eternas,pelasobrigaçõesehipotecasaqueestãorepetidasvezes
sujeitas.Portanto,nessecaso,faleocompradorcomosletrados,
pergunteaoscredoresqueéoquepretendem;e,sefornecessário,
comautoridadedojuizciteatodos,parasaberoquenaverdadese
deve;nemconcluaacompra,antesdevercomseusolhosqueéo
quecompra,quetítulosdedomíniotemovendedor,eseosditos
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o20
benssãovinculadosoulivres,esetêmpartenelesórfãos,mostei-
rosouigrejas,paraquesenãofalteaofazerdaescrituraaalguma
condiçãoousolenidadenecessária.Vejatambémasdemarcações
dasterras,seforammedidasporjustiça,eseosmarcosestãoem
ser,ousehámisteraviventá-los,quetaissãoosco-heréusasaber,
seamigosdejustiça,deverdadeedepaz,ou,pelocontrário,trapa-
ceirosdesinquietoseviolentos;porquenãohápiorpestequeum
mauvizinho.
Feitaacompra,nãofalteaseutempoàpalavraquedeu,pague
esejapontualnestaparte;eatenteàconservaçãoemelhoramen-
to do que comprou, e principalmente use de toda a diligência
para defender os marcos e as águas de que necessita para moer
oseuengenho;emostreaosfilhoseaosfeitoresosditosmarcos,
paraquesaibamoquelhespertenceepossamevitardemandas
e pleitos que são uma contínua desinquietação da alma e um
contínuosangradorderiosdedinheiroquevaiaentrarnascasas
dosadvogados,solicitadoreseescrivães,compoucoproveitode
quempromoveopleito,aindaquandoalcança,depoisdetantos
gastosedesgostos,emseufavorasentença.Nemdeixeospapéis
easescriturasquetemnacaixadamulherousobreumamesa
expostaaopó,aovento,àtraçaeaocupim,paraquedepoisnão
sejanecessáriomandardizermuitasmissasaSantoAntôniopara
acharalgumpapelimportantequedesapareceu,quandohouver
misterexibi-lo.Porquelheaconteceráqueacriadaouservatire
duasoutrêsfolhasdacaixadasenhoraparaembrulharcomelas
oquemaislheagradar;eofilhomaispequenotirarátambémal-
gumasdamesa,parapintarcaretas,ouparafazerbarquinhosde
papel,emquenaveguemmoscasegrilos;oufinalmente,ovento
faráquevoemforadacasasempenas.
Paraterlavradoresobrigadosaoengenho,énecessáriopassar-
-lhesarrendamentodasterrasemquehãodeplantar.Estescostu-
mamfazer-sepornoveanos,eumdedespejo,comobrigaçãode
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 21
deixarem plantadas tantas tarefas de cana, ou por dezoito anos
e mais, com as obrigações e número de tarefas que assentarem,
conformeocostumedaterra.Porém,há-sedeadvertirqueosque
pedem arrendamento sejam fazendeiros e não destruidores da
fazenda,desortequesejamdeproveitoenãodedano.E,naescri-
turadoarrendamento,sehãodepôrascondiçõesnecessárias,v. g.,
quenãotirempausreais,quenãoadmitamoutrosemseulugar
nasterrasquearrendam,semconsentimentodosenhordelas;e
outras que se julgarem necessárias para que algum deles, mais
confiado,delavradorsenãofaçalogosenhor.Eparaissoseriaboa
prevençãoterumafórmulaounotadearrendamentos,feitapor
algumletradodosmaisexperimentados,comdeclaraçãodecomo
sehaverãodespejandoacercadasbenfeitorias,paraqueofimdo
tempodoarrendamentonãosejaprincípiodedemandaseternas.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o22
iiicomo se há de haver o senhor do engenho com os lavradores e outros vizinhos, e estes com o senhor
O termuitafazendacria,comumente,noshomensricos
epoderosos,desprezodagentemaisnobre;e,porisso,
Deusfacilmentelhatira,paraquenãosesirvamdelaparacrescer
nasoberba.Quemchegoua ter títulodesenhorparecequeem
todosquerdependênciadeservos.Eistoprincipalmentesevêem
algunssenhoresquetêmlavradoresemterrasdoengenho,oude
canaobrigadaamoernele,tratando-oscomaltivezearrogância.
Dondenasceoseremmalquistosemurmuradosdosqueosnão
podemsofrer;equemuitossealegremcomasperdasedesastres
quederepentepadecem,pedindoosmiseráveisoprimidosacada
passojustiçaaDeus,porseveremtãoavexadosedesejandover
aosseusopressoreshumilhados,assimcomoomédicodesejae
procuratirarforaamalignidadeeabundânciadohumorpecante
quefazocorpoindispostoedoente,paralhedarestasortenão
somentevida,mastambémperfeitasaúde.
Nada,pois,tenhaosenhordoengenhodealtivo,nadadear-
roganteesoberbo,antes,sejamuitoafávelcomtodoseolhepara
osseuslavradorescomoparaverdadeirosamigos,poistaissãona
verdade,quandosedesentranhamparatrazeremosseuspartidos
bem-plantadoselimpos,comgrandeemolumentodoengenho,e
dê-lhestodooadjutórioquepuderemseusapertos,assimcoma
autoridadecomocomafazenda.Nemponhamenorcuidadoem
sermuitojustoeverdadeiro,quandochegarotempodemoera
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 23
cana e de fazer e encaixar os açúcares, porque não seria justiça
tomarparasiosdiasdemoerquedevedaraoslavradoresporseu
turno,oudaraummaisdiasqueaoutrooumisturaroaçúcarque
sefezdeumlavrador,comodatarefadeoutro,ouescolherparasi
omelhoredaraolavradorosomenos.E,paraevitarestasdúvidas
equalqueroutrasuspeitasemelhante,aviseoumandeavisarcom
tempoaquempordireitosesegue,paraquepossacortarecarrear
acanaetê-lanamoendaaoseudia,ehajanasformasseusinal
paraquesedistingamdasoutras.Nemestranhequeoslavradores
queiramvernotendalecasadepurgar,nobalcãoecasadeen-
caixar,aoseuaçúcar,poistantolhescustouchegá-loapôrnesse
estadoetantaamarguraprecedeuaestalimitadadoçura.
Tambémseriasinaldeterruimcoraçãofazermávizinhança
aosquemoemacanalivreemoutrosengenhos,sóporqueanão
moemnoseu,nemterboacorrespondênciacomossenhoresde
outrosengenhossóporquecadaqualdelesfolgademoertanto
comooutro,ouporqueaalgumdeleslhevaimelhorcommenos
gastoesemperdas.E,seainvejaentreosprimeirosirmãosque
houvenomundofoitãoarrojadaquechegouaensanguentaras
mãosdeCaimcomosanguedeAbel,porqueAbellevavaabênção
docéueCaimnão,porsuaculpa,quemduvidaquepoderiache-
gararenovarsemelhantestragédiasaindahojeentreosparentes,
poishánoBrasilmuitasparagensemqueossenhoresdeengenho
sãoentresimuitochegadosporsangueepoucounidosporca-
ridade,sendoointeresseacausadetodaadiscórdia,ebastando
talvezumpauquesetireouumboiqueentreemumcanavialpor
descuidoparadeclararoódioescondidoeparaarmardemandase
pendênciasmortais?Oúnicoremédio,pois,paraatalharpesados
desgostos é haver-se com toda a urbanidade e primor, pedindo
licençaparatudo,cadavezquefornecessáriovaler-sedoquetêm
osvizinhos,epersuadir-seque,senegamoquesepede,serápor-
queanecessidadeosobriga.Equandoaindaseconhecesseque
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o24
onegar-seépordesprimor,averdadeiraemaisnobrevingança
serádarlogoaquemnegouoquesepediunaprimeiraocasião,
dobradodoquepede,paraquedestasortecaiaporbommodona
contadecomodeviaproceder.
Sobre todos, porém, os que se devem haver com maior res-
peitoparacomosenhordoengenhosãooslavradoresquetêm
partidos obrigados à sua moenda; e muito mais os que lavram
emterrasemqueosenhorlhestemarrendado,particularmente
quandodestasortecomeçaramsuavidaechegaramporestavia
atercabedal,porqueaingratidãoeofaltaraorespeitoecortesia
devidasãonotadignadesermuitoestranhada,eumagradeci-
mentoobsequiosocativaaosânimosdetodoscomcorrentesde
ouro.Porém,esserespeitonuncahádesertalqueinclineaobrar
contra justiça, principalmente quando forem induzidos a fazer
coisa contrária à lei de Deus; como seria a jurar em demandas
crimes,oucíveiscontraaverdade,epôr-semalcomosquecom
razãosedefendem.Eoquetenhoditodossenhoresdoengenho
digotambémdassenhoras,asquais,postoquemereçammaior
respeitodasoutras,nãohãodepresumirquedevemsertratadas
como rainhas, nem que as mulheres dos lavradores hão de ser
suas criadas e aparecer entre elas como a lua entre as estrelas
menores.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 25
ivcomo se há de haver o senhor do engenho
na eleição das pessoas e oficiais que admitir ao seu serviço, e principalmente
da eleição do capelão
S e em alguma coisa mais que em outra há de mostrar o
senhor do engenho a sua capacidade e prudência, esta
semdúvidaéaboaeleiçãodaspessoaseoficiaisquehádeadmitir
aoseuserviçoparaobomgovernodoengenho.Porque,sendoa
eleiçãofilhadaprudência,comrazãosearguiráde imprudente
quemescolherpessoasouderuimvida,ouineptasparaoquehão
defazer.EclaroestáqueunscomaruimvidadesagradarãoaDeus
eaoshomenseserãocausademuitosebempesadosdesgostose
outroscomaineptidãocausarãodanonãoordinárioàfazenda.E
istolhepoderãoestranharcomrazão,nãosóosdecasa,pormais
chegadosaqueimar-seouachamuscar-secomoseutrato,mas
também os de fora e principalmente os lavradores, obrigados a
experimentarsemculpaosprejuízosqueseseguemaoseuma-
logradosuor,denãosaberemosoficiaisoquerequeroseuofício.
Oprimeiro,quesehádeescolhercomcircunspeçãoeinforma-
çãosecretaaoseuprocedimentoesaber,éocapelão,aquemse
hádeencomendaroensinodetudooquepertenceàvidacristã,
paradestasortesatisfazeràmaiordasobrigaçõesquetem,aqual
édoutrinaroumandardoutrinarafamíliaeescravos,nãojápor
umcriouloouporumfeitorque,quandomuito,poderáensinar-
-lhesvocalmenteasoraçõeseosmandamentosdaleideDeuseda
Igreja,masporquemsaibaexplicar-lhesoquehãodecrer,oque
hãodeobrar,ecomohãodepediraDeusaquilodequenecessitam.
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E,paraisso,sefornecessáriodaraocapelãoalgumacoisamais
doquesecostuma,entendaqueesteseráomelhordinheiroque
sedaráemboamão.
Tem,pois,ocapelãoobrigaçãodedizermissanacapeladoen-
genhoaosdomingosediassantos,ficando-lhelivreaaplicação
dasmissasnosoutrosdiasdasemanaporquemquiser,salvose
se concertar de outra sorte com o senhor da capela, recebendo
estipêndioproporcionadoaotrabalho.E,nosmesmosdomingos
e dias santos, ou pelo menos nos domingos, se se admitir com
estaobrigaçãoexplicaráadoutrinacristã,asaber,osprincipais
mistérios da fé e o que Deus e a santa Igreja mandam que se
guarde.Quãograndemaléopecadomortal.Quepenalhetem
Deus aparelhado nesta e na outra vida, onde a alma vive e vi-
verá imortalmente. Que remédio nos deu Deus na encarnação
e morte de Jesus Cristo, seu santíssimo Filho, para que se nos
perdoassemassimasculpas,comoaspenasquepelasculpasse
devem pagar. De que modo havemos de confessar os pecados
e pedir a Deus perdão deles com verdadeiro arrependimento e
propósito firme de não tornar a cometê-los, ajudados da graça
divina.Emqueconsistefazerpenitênciadeseuspecados.Quem
está no Santíssimo Sacramento do altar; porque está aí e se re-
cebe;comquedisposiçãosehádereceberemvidaeporviático
nadoençamortal.Quantoimportaganharasindulgências,para
descontaroquesedevepagarnoPurgatório.Comocadaqualse
há de encomendar a Deus para não cair em pecado e oferecer-
-lhe pela manhã todo o trabalho do dia. Quanto são dignos de
abominaçãoosfeiticeirosecuradoresdepalavras,eosqueaeles
recorrem,deixandoaDeus,dequemvemtodooremédio;osque
dãopeçonhaoubebidas(comodizem),paraabrandareinclinar
asvontades;osborrachos,osamancebados,osladrões,osvingati-
vos,osmurmuradoreseosquejuramfalso,oupormalignidade,
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 27
oupor interesse,ouporrespeitoshumanos.E,finalmente,que
prêmioequepenahádedarDeuseternamenteacadaqual,con-
formeobrounestavida.
Procurará também a aprovação para ouvir de confissão aos
seus aplicados e para que, sendo sacerdote e ministro de Deus,
lhespossaservirfrequentementederemédio,nãosecontentan-
do só com acudir no artigo da morte aos doentes. Mas advirta,
na administração deste sacramento, que não é o senhor dele,
pormuitaautoridadequetenha;porqueseopenitentenãofor
dispostoporcausadeestaramancebadoouandarcomódiodo
próximooupornãotratarderestituirafamaouafazendaque
deve,aindaquefosseomesmosenhordoengenho,onãoháde
absolver;enistopoderiahaver,porrespeitohumano,grandeen-
cargodeconsciência,eculpabemgrave.
Corretambémporsuacontapôrtodosempazeatalhardiscór-
diaseprocurarque,nacapelaemqueassiste,sejaDeushonradoe
aVirgem,senhoranossa,cantando-lhenossábadosasladainhas,
enosmesesemqueoengenhonãomói,oterçodorosário,não
consentindorisadas,nemconversaçõesepráticasindecentes,
não só na capela, mas nem ainda no copiar, particularmente
quandosecelebraosantosacrifíciodamissa.
Advirta,alémdisso,denãorecebernoivos,nembatizarforade
algumcasodenecessidade,nemdesobrigarnaquaresmapessoa
alguma,semlicençain scriptisdovigárioaquempertencerdá-la,
nemfazercoisaquetoqueàjurisdiçãodospárocos,paraquenão
incorranaspenasecensurasquesobreissosãodecretadas,ede-
baldesequeixedoseudescuidoouignorância.
Finalmente, façamuitopormorar foradacasadosenhordo
engenho,porqueassimconvémaambos,poisésacerdote,enão
criado, familiardeDeusenãodeoutrohomem,nemtenhaem
casaescravaparaoseuserviçoquenãosejaadiantadadeidade,
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o28
nemsefaçamercadoraodivinoouaohumano,porquetudoisto
muitoseopõeaoestadoclericalqueprofessa,eselheproíbepor
váriossumospontífices.
Oquesecostumadaraocapelãocadaano,peloseutrabalho,
quandotemasmissasdasemanalivres,sãoquarentaoucinquen-
tamil-réis;ecomoquelhedãoosaplicados,vemfazerumapor-
çãocompetente,bem-ganhada,seguardartudooqueacimaestá
dito.Esehouverdeensinaraosfilhosdosenhordoengenho,se
lheacrescentaráoqueforjustoecorrespondenteaotrabalho.
Nodiaemquesebotaacanaamoer,seosenhordoengenho
nãoconvidaraovigário,ocapelãobenzeráoengenhoepediráa
Deusquedêbomrendimento,equelivreosqueneletrabalham
de todo o desastre. E quando, no fim da safra, o engenho pejar,
procuraráquetodosdeemaDeusasgraçasnacapela.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 29
vdo feitor-mor do engenho,
e dos outros feitores menores que assistem na moenda, fazendas e partidos da cana:
suas obrigações e soldadas
O sbraçosdequesevaleosenhordoengenhoparaobomgovernodagenteedafazendasãoosfeitores.Porém,
secadaumdelesquisersercabeça,seráogovernomonstruosoeumverdadeiroretratodocãoCérbero,aquemospoetasfabulo-samentedãotrêscabeças.Eunãodigoquesenãodêautoridadeaos feitores; digo que esta autoridade há de ser bem-ordenadae dependente, não absoluta, de sorte que os menores se hajamcom subordinação ao maior, e todos ao senhor a quem servem.Convémqueosescravossepersuadamdequeofeitor-mortemmuito poder para lhes mandar e para os repreender e castigarquandofornecessário,porémdetalsortequetambémsaibamquepodemrecorreraosenhorequehãodeserouvidoscomopedeajustiça.Nemosoutrosfeitores,porteremmandado,hãodecrerque o seu poder não é coartado nem limitado, principalmenteno que é castigar e prender. Portanto, o senhor há de declararmuitobemaautoridadequedáacadaumdeles,emaisaomaior,e,seexcederem,hádepuxarpelasrédeascomarepreensãoqueosexcessosmerecem;masnãodiantedosescravos,paraqueou-travezsenão levantemcontrao feitor,eeste leveamaldeserrepreendidodiantedelesesenãoatrevaagoverná-los.Sóbastaráqueporterceirapessoasefaçaentenderaoescravoquepadeceueaalgunsoutrosdosmaisantigosdafazendaqueosenhorestra-nhoumuitoaofeitoroexcessoquecometeueque,quandosenãoemende,ohádedespedircertamente.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o30
Aosfeitoresdenenhumamaneirasedeveconsentirodarcoi-
ces,principalmentenasbarrigasdasmulheresqueandampejadas,
nemdarcompaunosescravos,porquenacólerasenãomedem
osgolpes,epodemferirmortalmentenacabeçaaumescravode
muitopréstimo,quevalemuitodinheiro,eperdê-lo.Repreendê-
-losechegar-lhescomumcipóàscostascomalgumasvarancadas
éoqueselhespodeedevepermitirparaensino.Prenderosfugi-
tivoseosquebrigaramcomferidasouseembebedaram,paraque
osenhorosmandecastigarcomomerecem,édiligênciadignade
louvor.Porém,amarrarecastigarcomcipóatécorrerosanguee
meter no tronco, ou em uma corrente por meses (estando o se-
nhornacidade)aescravaquenãoquisconsentirnopecadoou
ao escravo que deu fielmente conta da infidelidade, violência e
crueldadedofeitorqueparaissoarmoudelitosfingidos,istode
nenhummodosehádesofrer,porqueseriaterumlobocarniceiro
enãoumfeitormoderadoecristão.
Obrigação do feitor-mor do engenho é governar a gente e
reparti-laaseutempo,comoébem,paraoserviço.Aelepertence
saberdosenhoraquemsehádeavisarparaquecorteacanae
mandar-lhelogorecado.Tratardeaviarosbarcoseoscarrospara
buscaracana,fôrmaselenha.Darcontaaosenhordetudooqueé
necessárioparaoaparelhodoengenho,antesdecomeçaramoer,
e,logoacabadaasafra,arrumartudoemseulugar.Vigiarquenin-
guémfalteàsuaobrigação,eacudirdepressaaqualquerdesastre
quesuceda,paralhedar,quandopuderser,oremédio.Adoecendo
qualquer escravo, deve livrá-lo do trabalho e pôr outro em seu
lugaredarparteaosenhorparaquetratedeomandarcurar,eao
capelãoparaqueoouçadeconfissão,eodisponha,crescendoa
doença,comosmaissacramentosparamorrer.Advirtaquenão
semetamnocarroosboisquetrabalharammuitonosdiasantece-
dentes,equeemtodooserviço,assimcomosedáalgumdescanso
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 31
aosboiseaoscavalos,assimsedê,ecommaiorrazão,porsuas
esquipaçõesaosescravos.
Ofeitordamoendachamaaseutempoasescravas,recebea
canaeamandaviremeterbemnoseixosetirarobagaço,aten-
tandoqueasnegrasnãodurmam,peloperigoquehádeficarem
presasemoídas,selhesnãocortaremasmãos,quandoistosuce-
da,emandandojuntamentedivertiraáguadaroda,paraquepare.
Procuraquedevinteequatroemvinteequatrohorasselavea
moendaequeocaldoválimpoeseguindeparaoparol.Pergunta
quantocaldohámisternascaldeiras,paraquesaibacomesteavi-
sosehádemoermaiscanaoupararatéquesedêvazão,paraque
nãoazedeoquejáestánoparol.
Osfeitoresqueestãonopartidosenasfazendastêmàsuacon-
tadefenderasterraseavisarlogoaosenhorseháquemsemeta
dentrodasroças,canaviaisematos,paratomaroquenãoéseu.
Assistir onde os escravos trabalham, para que se faça o serviço
comoébem.Saberostemposdeplantar,limparecortaracanaede
fazerroças.Conheceradiversidadedasterrasqueháparaservir-
-sedelasparaoqueforemcapazesdedar.Tomaracadaescravoa
tarefaeasmãosqueéobrigadoaentregar.Atentarparaoscami-
nhosdoscarrosquesejamtaisqueporelessepossaconduzira
canaealenhadesortequenãofiquemnalama,equetambémos
carrosseconsertemquandofornecessário.Verquecadaescravo
tenhasuafoiceeenxadaeomaisquehámisterparaoserviço.E
estejamuitoatentoquesenãopegueofogonoscanaviaispordes-
cuidodosnegrosboçais,queàsvezesdeixamaoventootiçãode
fogoquelevaramconsigoparausaremdocachimbo;e,emvendo
qualquerlabareda,acuda-lhelogocomtodaagenteecortecom
foicesocaminhoàchamaquevaicrescendo,comgrandeperigo
deseperderememmeiahoramuitastarefasdecana.
Aindaquesesaibaatarefadacanaqueumnegrohádeplantar
emumdia,eaquehádecortar,quantascovasdemandiocaháde
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o32
fazerearrancarequemedidadelenhahádedar,comosediráem
seulugar,contudo,hãodeatentarosfeitoresàidadeeàsforças
decadaqual,paradiminuíremotrabalhoaosqueelesmanifes-
tamenteveemquenãopodemcomtanto,comosãoasmulheres
pejadas depois de seis meses, e as que há pouco que pariram e
criam,osvelhoseasvelhaseosquesaíramaindaconvalescentes
dealgumagravedoença.
Ao feitor-mor dão nos engenhos reais sessenta mil-réis. Ao
feitordamoenda,ondesemóiporseteeoitomeses,quarentaou
cinquentamil-réis,particularmenteseselheencomendaalgum
outroserviço,mas,ondehámenosquefazer,enãoseocuparem
outracoisa,dãotrintamil-réis.Aosqueassistemnospartidose
fazendas, também hoje, onde a lida é grande, dão quarenta ou
quarentaecincomil-réis.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 33
vido mestre do açúcar e soto-mestre,
a quem chamam banqueiro, e do seu ajudante, a quem chamam ajuda-banqueiro
A quemfazoaçúcar,comrazãosedáonomedemestre,porque o seu obrar pede inteligência, atenção e ex-
periência,eestanãobastaquesejaqualquer,masénecessáriaa experiência local, a saber, do lugar e qualidade da cana, ondeseplantaesemói;porqueoscanaviais,deumaparte,dãocanamuitoforte,edeoutra,muitofraca.Diversosumotemacanadasvárzeasdoquetemadosouteiros:adasvárzeasvemmuitoagua-centaeocaldodelatemmuitoquepurgarnascaldeiras,epedemais decoada; a dos outeiros vem bem açucarada e o seu caldopedemenostempoemenosdecoadaparasepurificareclarificar.Nastachashámelado,quequermaiorcozimentoeháoutrodemenor; um logo se condensa na batedeira, outro, mais devagar.Dastrêstêmperasquesehãodefazerparaencherasfôrmas,depen-deopurgar-seoaçúcarbemoumal,conformeelassão.Seomes-tresefiardoscaldeireirosedostacheiros,umasvezescansados,outrassonolentoseoutrasalegresmaisdoqueconvém,ecomacabeçaesquentada,acontecer-lhe-áverperdidaumaeoutramela-dura,semlhepoderdarremédio.Porisso,vigieemcoisadetantaimportância; e se o banqueiro e o ajuda-banqueiro não tiveremainteligênciaeaexperiêncianecessáriasparasuprirememsuaausência,nãodescansesobreeles,ensine-os,avise-ose,seforne-cessário,repreenda-os,pondo-lhesdiantedosolhosoprejuízodosenhor do engenho e dos lavradores, se se perder o melado nastachasouseformaltemperadoparaasfôrmas.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o34
Vejaqueofeitordamoendamoderedetalsorteomoerque
lhenãovenhaaoparolmaiscaldodoquehámister,parapoderlhe
darvazãoantesquesecomeceazedar,purgando-o,cozendo-oe
batendo-oquandoénecessário.
Antesdesebotaradecoadanascaldeirasdocaldo,experimen-
tequeelaé,edepoisvejacomooscaldeireirosabotam,equando
hãodeparar,nemconsintaqueameladurasecoeantesdeverse
ocaldoestápurificado,comohádeser;eomesmodigodapassa-
gemdeumaparaoutratacha,quandosehádecozerebater,sendo
aalmadetodoobomsucessoadiligenteatenção.
Ajustiçaeaverdadeoobrigamanãomisturaroaçúcardeum
lavradorcomodooutro;e,porisso,nasfôrmasquemandapôr
notendal,façaquehajasinalcomquesepossamdistinguirdas
outrasquepertencemaoutrosdonosparaqueomeueoteu,ini-
migosdapaz,nãosejamcausadebulhas.E,paraqueasuaobra
sejaperfeita,tenhaboacorrespondênciacomofeitordamoenda,
quelheenviaocaldo,comobanqueiroeosoto-banqueiro,que
lhesucedemdenoitenoofício,ecomopurgadordoaçúcar,para
quevejamjuntamentedondenasceopurgarbemoumalemas
fôrmas,esejamentresicomoosolhosqueigualmentevigiame
comoasmãosqueunidamentetrabalham.
O que até agora está dito pertence em grande parte ao ban-
queiro também, que é o soto-mestre, e ao soto-banqueiro, seu
ajudante.E,alémdisso,pertenceaestesdoisoficiaistercuidado
dotendaldasfôrmas,detapar-lhesosburacos,cavar-lhesascovas
debagaçocomcavadores,endireitá-lasebotarnelasoaçúcarfeito
comastrêstêmperas,dasquaissefalaráemseulugar;e,depoisde
trêsdias,enviá-lasparaacasadepurgar,ousobrepaviolas,ouàs
costasdosnegrosparaqueopurgadortratedelas.
Devem também procurar que se faça a repartição justa dos
clarosentreosescravos, conformeosenhorordenar, e quenes-
tacasahajatodaalimpezaeclaridade,água,decoadaetodosos
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 35
instrumentos dos quais nela se usa. E ao mestre pertence ver,
antesdecomeçaroengenhoamoer,seosfundosdascaldeirase
dastachastêmnecessidadedeserefazerem,eseosassentosdelas
pedemnovoemaisfirmeconserto.
Asoldadadomestredeaçúcarnosengenhosquefazemquatro
ou cinco mil pães, particularmente se ele visita também a casa
depurgar,édecentoetrintamil-réis;emoutrosdão-lhesócem
mil-réis.Aobanqueiro,nosmaiores,quarentamil-réis;nosmeno-
res,trintamil-réis.Aosoto-banqueiro(quecomumenteéalgum
mulatooucriouloescravodecasa)dá-setambémnofimdasafra
algummimo,seserviucomsatisfaçãonoseuofício,paraquea
esperança deste limitado prêmio o alente suavemente para o
trabalho.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o36
viido purgador de açúcar
A o purgador do açúcar pertence ver o barro que vem
paraojirauasecar-sesobreocinzeiro,seéqualdeveser,
comosediráemseulugar;olharparaoamassador,seandacomo
deve,comorodonococho,furarospãesnasfôrmaselevantá-las.
Conhecerquandooaçúcarestáenxutoequandoétempodelhe
botar o primeiro barro; e como este se há de estender e quanto
temposehádedeixar,antesdelhebotarosegundo;comoselhe
hãodedarasumidadesoulavagensequantasselhehãodedar;
equaissãoossinaisdepurgarounãopurgarbemoaçúcar,con-
formeasdiversasqualidadesetêmperas.Aeletambémpertence
tercuidadodosmeles,ajuntá-los,cozê-losefazerdelesbatidos,ou
guardá-losparafazeraguardente.Deve,juntamente,usardetoda
adiligênciaparaquenãosesujemostanquesdomel,edealguma
indústriaparaafugentaraosmorcegosquecomumentesãoapra-
gaquasedetodasascasasdepurgar.
Ao purgador de quatro mil pães de açúcar, dá-se soldada de
cinquenta mil-réis. Aos que têm menos trabalho dá-se também
menos,comadevidaproporção.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 37
viiido caixeiro do engenho
O queaquisediránãopertenceaocaixeirodacidade,
porqueestetratasódereceberoaçúcar,jáencaixado,
de o mandar ao trapiche, de o vender ou embarcar, conforme
o senhor do engenho o ordenar, e tem livro da razão de dar e
haver,ajustaascontaseservedeagente,contador,procurador
edepositáriodeseuamo,aoqual,sealidaégrande,dá-sesolda-
dadequarentaoucinquentamil-réis.Faloaquidocaixeiroque
encaixaoaçúcar,depoisdepurgado.Esuaobrigaçãoémandar
tiraroaçúcardasfôrmas,estandojápurgadoeenxuto,emdias
clarosedesol;assistirquandosemascavaequandosebeneficia
no balcão de secar, partindo-o, quebrando-o como se dirá em
seulugar.Eleéquepesaoaçúcarequeorepartecomfidelidade
entreoslavradoreseosenhordoengenho;etiraodízimoque
sedeveaDeuseavintenaouquintoquepagamosquelavram
emterrasdoengenho,conformeoconcertofeitonosarrenda-
mentoseoestiloordináriodaterra,oqualemvárioslugaresé
diverso; e tudo assenta, para dar conta exatamente de tudo. A
eletambémpertencelevantarascaixasemandá-lasbarrearnos
cantos,encaixaremandarpilaroaçúcarcomadivisãobranco
macho,dobatidoemascavo;fazerascaraseosfechos,quando
assimlhoencomendaremosdonosdoaçúcare,finalmente,pre-
garemarcarascaixaseguardaroaçúcarquesobejouparaseus
donosemlugarseguroenãoúmido,eosinstrumentosdeque
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o38
usa.Entregaascaixas,quandosehãodeembarcar,comordem
dequemasrecadaoucomodonodelas,ouporqueasalcançou
por justiça, como muitas vezes acontece, fazendo os credores
penhora do açúcar dos devedores, antes que saia do engenho;
edetudopediráreciboeclareza,parapodercontadesiaquem
lhapedir.
A soldada do caixeiro nos engenhos maiores é de quarenta
mil-réis;esefeitorizaalgumapartedodiaoudenoite,dão-se-
-lhecinquentamil-réis;nosmenores,dãotrintamil.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 39
ixcomo se há de haver o senhor do engenho
com seus escravos
O sescravossãoasmãoseospésdosenhordoengenho,
porquesemelesnoBrasilnãoépossívelfazer,conser-
var e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente. E do modo
comosehácomeles,dependetê-losbonsoumausparaoserviço.
Porisso,énecessáriocomprarcadaanoalgumaspeçasereparti-
-laspelospartidos,roças,serrariasebarcas.Eporquecomumente
sãodenaçõesdiversas,eunsmaisboçaisqueoutrosedeforças
muitodiferentes,sehádefazerarepartiçãocomreparoeescolha,
enãoàscegas.OsquevêmparaoBrasilsãoardas,minas,congos,
deSãoTomé,deAngola,deCaboVerdeealgunsdeMoçambique,
quevêmnasnausdaÍndia.Osardaseosminassãorobustos.Osde
CaboVerdeedeSãoTomésãomaisfracos.OsdeAngola,criados
emLuanda,sãomaiscapazesdeaprenderofíciosmecânicosque
osdasoutraspartes jánomeadas.Entreoscongos,hátambém
algunsbastantesindustriososebonsnãosomenteparaoserviço
dacana,masparaasoficinaseparaomeneiodacasa.
UnschegamaoBrasilmuitorudesemuitofechadoseassim
continuamportodaavida.Outrosempoucosanossaemladinos
e espertos, assim para aprenderem a doutrina cristã como para
buscaremmododepassaravidaeparaselhesencomendarum
barco, para levarem recados e fazerem qualquer diligência das
que costumam ordinariamente ocorrer. As mulheres usam de
foiceedeenxada,comooshomens;porém,nosmatos,somente
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os escravos usam de machado. Dos ladinos, se faz escolha para
caldeireiros, carapinas, calafates, tacheiros, barqueiros e mari-
nheiros, porque estas ocupações querem maior advertência. Os
que desde novatos se meteram em alguma fazenda, não é bem
quesetiremdelacontrasuavontade,porquefacilmenteseamo-
finamemorrem.OsquenasceramnoBrasil,ousecriaramdesde
pequenosemcasadosbrancos,afeiçoando-seaseussenhores,dão
boacontadesi;elevandobomcativeiro,qualquerdelesvalepor
quatroboçais.
Melhoresaindasão,paraqualquerofício,osmulatos;porém,
muitosdeles,usandomaldofavordossenhores,sãosoberbose
viciosos,eprezam-sedevalentes,aparelhadosparaqualquerde-
saforo.E,contudo,eleseelasdamesmacor,ordinariamente le-
vamnoBrasilamelhorsorte;porque,comaquelapartedesangue
debrancosquetêmnasveiase,talvez,dosseusmesmossenhores,
osenfeitiçamdetalmaneira,quealgunstudolhessofrem,tudo
lhesperdoam;eparecequesenãoatrevemarepreendê-los:antes,
todososmimossãoseus.Enãoéfácilcoisadecidirsenestaparte
sãomaisremissosossenhoresouassenhoras,poisnãofaltaen-
treeleseelasquemsedeixegovernardemulatos,quenãosãoos
melhores,paraqueseverifiqueoprovérbioquediz:queoBrasilé
infernodosnegros,purgatóriodosbrancoseparaísodosmulatos
edasmulatas;salvoquandoporalgumadesconfiançaouciúme
oamorsemudaemódioesaiarmadodetodoogênerodecruel-
dadeerigor.Bomévaler-sedesuashabilidadesquandoquiserem
usarbemdelas,comoassimofazemalguns;porémnãoselheshá
dedartantoamãoquepeguemnobraço,edeescravossefaçam
senhores.Forrarmulatasdesinquietaséperdiçãomanifesta,por-
queodinheiroquedãoparaselivraremrarasvezessaideoutras
minasquedosseusmesmocorpos,comrepetidospecados;e,de-
poisdeforras,continuamaserruínademuitos.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 41
Opõem-se alguns senhores aos casamentos dos escravos e
escravas,enãosomentenãofazemcasodosseusamancebamen-
tos, mas quase claramente os consentem, e lhes dão princípio,
dizendo:Tu, fulano,aseutempo,casaráscomfulana;edaípor
dianteosdeixamconversarentresicomosejáfossemrecebidos
pormaridoemulher;edizemqueosnãocasamporquetemem
que, enfadando-se do casamento, se matem logo com peçonha
oucomfeitiços,não faltandoentreelesmestres insignesnesta
arte.Outros,depoisdeestaremcasadososescravos,osapartam
detalsorte,poranos,queficamcomosefossemsolteiros,oque
nãopodemfazeremconsciência.Outrossãotãopoucocuidado-
sosdoquepertenceàsalvaçãodosseusescravosqueostêmpor
muito tempo no canavial ou no engenho, sem batismo; e, dos
batizados,muitosnãosabemqueméoseuCriador,oquehãode
crer,queleihãodeguardar,comosehãodeencomendaraDeus,
aquevãooscristãosàigreja,porqueadoramahóstiaconsagra-
da, que vão a dizer ao padre, quando ajoelham e lhe falam aos
ouvidos,setêmalma,eseelamorre,eparaondevai,quandose
apartadocorpo.E,sabendologoosmaisboçaiscomosechama
e que é seu senhor, quantas covas de mandioca hão de plantar
cadadia,quantasmãosdecanahãodecortar,quantasmedidas
delenhahãodedar,eoutrascoisaspertencentesaoserviçoordi-
náriodeseusenhor,esabendotambémpedir-lheperdão,quan-
doerrarameencomendar-se-lheparaqueosnãocastigue,com
prometimentodeemenda,dizemossenhoresqueestesnãosão
capazesdeaprenderaconfessar-se,nemdepedirperdãoaDeus,
nemderezarpelascontas,nemdesaberosdezmandamentos;
tudoporfaltadeensino,epornãoconsideraremacontagrande
quede tudo istohãodedaraDeus,pois (comodizSãoPaulo),
sendo cristãos e descuidando-se dos seus escravos, se hão com
elespiordoquesefosseminfiéis.Nemosobrigamosdiassantos
aouvirmissa,antestalvezseocupamdesortequenãotêmlugar
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paraisso;nemencomendamaocapelãodoutriná-los,dando-lhes
porestetrabalho,sefornecessário,maiorestipêndio.
Oquepertenceaosustento,vestidoemoderaçãodotrabalho,
claroestá,queselhesnãodevenegar,porqueaquemoservedeve
osenhor,dejustiça,darsuficientealimento,mezinhasnadoença
emodocomquedecentementesecubraevista,comopedeoesta-
dodoservo,enãoaparecendoquasenupelasruas;edevetambém
moderaroserviçodesortequenãosejasuperioràsforçasdosque
trabalham,sequerquepossamaturar.NoBrasil,costumamdizer
que para o escravo são necessários três PPP, a saber, pau, pão e
pano.E,postoquecomecemmal,principiandopelocastigoque
é o pau, contudo, provera a Deus que tão abundantes fossem o
comereovestircomomuitasvezeséocastigo,dadoporqualquer
causapoucoprovada,oulevantada;ecominstrumentosdemuito
rigor,aindaquandooscrimessãocertos,dequesenãousacom
osbrutosanimais,fazendoalgumsenhormaiscasodeumcavalo
quedemeiadúziadeescravos,poisocavaloéservido,etemquem
lhebusquecapim,tempanoparaosuor,eselaefreiodourado.
Dosescravosnovossehátermaiorcuidado,porqueaindanão
têmmododeviver,comoosquetratamdeplantarsuasroças;
eosqueastêmporsuaindústria,nãoconvémquesejamsóre-
conhecidosporescravosnarepartiçãodotrabalhoeesquecidos
nadoençaenafarda.OsdomingosediassantosdeDeus,elesos
recebem, e quando seu senhor lhos tira e os obriga a trabalhar,
comonosdiasdeserviço,seamofinamelherogammilpragas.
Costumam alguns senhores dar aos escravos um dia em cada
semana, para plantarem para si, mandando algumas vezes com
eles o feitor, para que se não descuidem; e isto serve para que
nãopadeçamfomenemcerquemcadadiaacasadeseusenhor,
pedindo-lhearaçãodefarinha.Porém,nãolhesdarfarinha,nem
diaparaaplantarem,equererquesirvamdesola solnoparti-
do,dedia,edenoitecompoucodescansonoengenho,comose
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 43
admitiránotribunaldeDeussemcastigo?Seonegaraesmola
aquemcomgravenecessidadeapedeénegá-laaCristoSenhor
nosso,comoEleodiznoEvangelho,queseránegarosustentoe
ovestidoaoseuescravo?Equerazãodarádesiquemdáserafina
esedaeoutrasgalas,asquesãoocasiãodasuaperdição,edepois
negaquatrooucincovarasdealgodãoeoutraspoucasdepano
da serra, a quem se derrete em suor para o servir e apenas tem
tempoparabuscarumaraizeumcaranguejoparacomer?Ese,
emcimadisto,ocastigoforfrequenteeexcessivo,ouseirãoem-
bora,fugindoparaomato,ousematarãopersi,comocostumam,
tomando a respiração ou enforcando-se, ou procurarão tirar a
vidaaosquelhadãotãomá,recorrendo(sefornecessário)aartes
diabólicas,ouchamarãodetalsorteaDeus,queosouviráefará
aossenhoresoquejáfezaosegípcios,quandoavexavamcomex-
traordináriotrabalhoaoshebreus,mandandoaspragasterríveis
contrasuas fazendasefilhos,quese leemnaSagradaEscritura,
oupermitiráque,assimcomooshebreusforamlevadoscativos
paraaBabilônia,empenadodurocativeiroquedavamaosseus
escravos,assimalgumcruelinimigoleveessessenhoresparasuas
terras,paraquenelasexperimentemquãopenosaéavidaqueeles
deramedãocontinuamenteaosseusescravos.
Não castigar os excessos que eles cometem seria culpa não
leve, porém estes se hão de averiguar antes, para não castigar
inocentes,esehãodeouvirosdelatadose,convencidos,castigar-
-se-ãocomacoitesmoderadosoucomosmeteremumacorrente
deferroporalgumtempooutronco.Castigarcomímpeto,com
ânimovingativo,pormãoprópriaecominstrumentosterríveise
chegartalvezaospobrescomfogooulacreardente,oumarcá-
-losnacara,nãoseriaparasesofrerentrebárbaros,muitomenos
entrecristãoscatólicos.Ocertoéque,seosenhorsehouvercom
osescravoscomopai,dando-lhesonecessárioparaosustentoe
vestido,ealgumdescansonotrabalho,sepoderátambémdepois
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haver como senhor, e não estranharão, sendo convencidos das
culpasquecometeram,dereceberemcommisericórdiaojustoe
merecidocastigo.Ese,depoisdeerraremcomofracos,vierempor
simesmosapedirperdãoaosenhoroubuscarempadrinhosque
osacompanhem,emtalcasoécostume,noBrasil,perdoar-lhes.
Ebeméquesaibamqueistolheshádevaler,porque,deoutra
sorte,fugirãoporumavezparaalgummocambonomato,ese
foremapanhadospoderáserquesematemasimesmos,antes
queosenhorchegueaaçoitá-losouquealgumseuparentetome
àsuacontaavingança,oucomfeitiço,oucomveneno.
Negar-lhestotalmenteosseusfolguedos,quesãooúnicoalí-
viodoseucativeiro,équerê-losdesconsoladosemelancólicos,de
poucavidaesaúde.Portanto,nãolhesestranhemossenhoreso
criaremseusreis,cantarebailarporalgumashorashonestamen-
teemalgunsdiasdoano,eoalegrarem-seinocentementeàtarde
depoisdeteremfeitopelamanhãsuasfestasdeNossaSenhorado
Rosário,deSãoBeneditoedooráculodacapeladoengenho,sem
gastodosescravos,acudindoosenhorcomsualiberalidadeaos
juízes e dando-lhes algum prêmio do seu continuado trabalho.
Porqueseos juízese juízasda festahouveremdegastardoseu,
serácausademuitosinconvenienteseofensasaDeus,porserem
poucososqueopodemlicitamenteajuntar.
Oquesehádeevitarnosengenhoséoemborracharem-secom
garapa azeda, ou aguardente, bastando conceder-lhes a garapa
doce,quelhesnãofazdano,ecomelafazemseusresgatescomos
queatrocolhesdãofarinha,feijões,aipinsebatatas.
Verqueossenhorestêmcuidadodedaralgumacoisadossobe-
josdamesaaosseusfilhospequenosacausadequeosescravosos
sirvamdeboavontadeequesealegremdelhesmultiplicarservos
eservas.Pelocontrário,algumasescravasprocuramdepropósito
aborto, só para que não cheguem os filhos de suas entranhas a
padeceroqueelaspadecem.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 45
xcomo se há de haver o senhor do engenho
no governo da sua família e nos gastos ordinários de casa
P edindoafábricadoengenhotantosetãograndesgastos
quantosacima dissemos,bemsevê aparcimôniaqueé
necessárianosparticularesdecasa.Cavalosderespeitomaisdos
que bastam, charameleiros, trombeteiros, tangedores e lacaios
mimosos não servem para ajuntar fazenda, para diminuí-la em
pouco tempo com obrigações e empenhos. E muito menos ser-
vemasrecreaçõesamiudadas,osconvitessupérfluos,asgalas,as
serpentinaseojogo.E,porestecaminho,algunsempoucosanos
doestadodesenhoresricoschegaramaodepobresearrastados
lavradores,semteremquedardedoteàsfilhas,nemmodopara
encaminharhonestamenteaosfilhos.
Mau é ter nome de avarento, mas não é glória digna de lou-
vor o ser pródigo. Quem se resolve a lidar com engenho, ou se
háderetirardacidade,fugindodasocupaçõesdarepública,que
obrigamadivertir-se,ouhádeteratualmenteduascasasabertas,
comnotávelprejuízoondequerquefalteasuaassistência,ecom
dobradadespesa.Terosfilhossempreconsigonoengenhoécriá-
-los tabaréus, que nas conversações não saberão falar de outra
coisamaisquedocão,docavaloedoboi.Deixá-lossósnacidade
édar-lhesliberdadeparasefazeremlogoviciososeencherem-se
devergonhosasdoenças,quesenãopodemfacilmentecurar.Para
evitar,pois,umeoutroextremo,omelhorconselhoserápô-los
emcasadealgumparenteouamigograveehonrado,ondenão
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o46
hajaocasiõesdetropeçar,oqualfolguededarboacontadesi,e
comtodaafidelidadeavisedobomoumauprocedimentoedo
proveitoounegligêncianoestudo.Nemconsintaqueamãelhes
remetadinheirooumandesecretamenteordensparaissoaoseu
correspondenteouaocaixeiro,nemcreiaqueoquepedempara
livrosnãopossasertambémparajogos.E,porisso,aviseaoprocu-
radoreaomercadordequemsevalequelhesnãodêcoisaalguma
semsuaordem.Porque,parapedirem,serãomuitoespeculativos
esaberãocogitarrazõesepretextosverossímeis,principalmente
seforemdosquejáandamnocursoetêmvontadedelevartrês
anosdeboavidaàcustadopaioudotio,quenãosabemoquese
passa nacidade,estandonosseuscanaviais,equandose jactam
nas conversações de ter um Aristóteles nos pátios, pode ser que
tenhamnapraçaumAsínioouumAprício.Porém,seseresolvera
terosfilhosemcasa,contentando-secomquesaibamler,escrever
econtareteralgumatalqualnotíciadesucessosehistórias,para
falarementregente,nãosedescuidedevigiarsobreeles,quando
aidadeopedir,porquetambémocampolargoélugardemuitali-
berdadeepodedarabrolhoseespinhos.Esesefazcercadoaosbois
eaoscavalos,paraquenãovãoforadopasto,porquesenãoporá
tambémalgumlimiteaosfilhos,assimdentrocomoforadecasa,
mostrando a experiência ser assim necessário? Contando que a
circunspecçãosejaprudente,eademasianãoacrescentemalícia.
Omelhorensino,porém,éoexemplodobomprocedimentodos
pais,eodescansomaisseguroédaraseutempoestadoassimàs
filhascomoaosfilhos;esesecontentaremcomaigualdade,não
faltarãocasasondesepossamfazertrocasereceberrecompensas.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 47
xicomo se há de haver o senhor do engenho
no recebimento dos hóspedes, assim religiosos como seculares
A hospitalidade é uma ação cortês, e, também, virtude
cristã,enoBrasilmuitoexercitadaelouvada;porque,
faltando fora da cidade as estalagens, vão necessariamente os
passageirosadarconsigonosengenhos,etodosordinariamente
achamdegraçaoqueemoutrasterrascustadinheiro;assimos
religiososquebuscamsuasesmolas,quenãosãopoucos,eosmis-
sionáriosquevãopeloRecôncavoepelaterradentrocomgrande
proveitodasalmas,aexercitarseusministérios,comoossecula-
resque,oupornecessidade,ouporconhecimentoparticular,ou
porparentes,buscamdecaminhoagasalho.
Tercasaseparadaparahóspedeségrandeacerto,porqueme-
lhorserecebemecommenorestorvodafamíliaesemprejuízo
dorecolhimentoquehãodeguardarasmulhereseasfilhaseas
moças de serviço interior, ocupadas no aparelho do jantar e da
ceia.
Otratamentonãohádeexcederoestadodaspessoasquese
recebem,porquenodiscursodoanosãomuitas.Acriaçãomiúda,
oualgunspeixesdomarouriovizinho,comalgummariscodos
mangueseoquedáomesmoengenhoparadoce,bastaparaque
ninguém se possa queixar com razão. Avançar-se a mais (salvo
num caso particular por justos respeitos) é passar dos limites
e impossibilitar-se a poder continuar igualmente pelo tempo
futuro.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o48
Daresmolasédar juroaDeus,quepagacentoporum;mas,
emprimeiro lugar,estápagaroquesedevede justiça,edepois
estender-sepiamenteasesmolas,conformeocabedaleorendi-
mentodosanos.E,nestaparte,nuncasearrependeráosenhorde
engenho de ser esmoler e aprenderãoos filhos a imitar o pai; e
deixando-osinclinadosàsobrasdemisericórdia,osdeixarámuito
ricos,ecomriquezasseguras.
Paraosvadios,tenhaenxadasefoices,esesequiseremdeter
noengenho,mande-lhesdizerpelofeitorque,trabalhando,lhes
pagarãoseujornal.E,destasorte,ouseguirãoseucaminho,oude
vadiossefarãojornaleiros.
Tambémnãoconvémqueomestredoaçúcar,ocaixeiroeos
feitorestenhamemsuascasas,portemponotável,pessoasdaci-
dadeoudeoutraspartes,quevêmapassartempoociosamente;e
muitomaisseforemsolteirosemoços,porqueestesnãoservem
senão para estorvar aos mesmos oficiais que hão de atender ao
que lhes pertence, e para desinquietar as escravas do engenho,
quefacilmentesedeixamlevardoseupoucomoderadoapetitea
obrarmal.Eistoselhesdeveintimaraoprincípio,paraquenão
acarretematrásdesisobrinhosouprimos,quecomseusvícios
lhesdeempesadosdesgostos.
Osmissionários,quedesinteressadamentevãofazerseuofício,
devem ser recebidos com toda a boa vontade, para que, vendo
esquivanças,nãovenhamaentenderqueosenhordoengenho,
porpoucoafeiçoadoàscoisasdeDeus,oupormesquinho,oupor
outroqualquerrespeito,nãofolgacomamissão,naqualseajus-
tamasconsciênciascomDeus,sedáinstruçãoaosignorantes,se
atalhaminimizadeseocasiõesescandalosasdeanoseseprocura
quetodostratemdasalvaçãodesuasalmas.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 49
xiicomo se há de haver o senhor do engenho com os
mercadores e outros seus correspondentes na praça; e de alguns modos de vender e comprar
o açúcar, conforme o estilo do brasil
O créditodeumsenhordeengenhofunda-senasuaver-
dade,istoé,napontualidadeefidelidadeemguardar
aspromessas.E,assimcomoohãodeexperimentarfieloslavra-
doresnosdiasqueselhesdevemdarparamoerasuacana,ena
repartiçãodoaçúcarquelhescabe,osoficiaisnaspagasdassolda-
das,osquedãoalenhaparaasfornalhas,madeiraparaamoenda,
tijolosefôrmasparaacasadepurgar,tábuasparaencaixar,bois
ecavalosparaafábrica,assimtambémsehádeacreditarcomos
mercadoresecorrespondentesnapraça,quelhederamdinheiro,
paracomprarpeças,cobre,ferro,aço,enxárcias,breu,velaseou-
trasfazendasfiadas.Porque,seaoseutempodafrotanãopagarem
oquedevem,nãoterãocomqueseaparelhemparaasafravin-
doura,nemseacharáquemqueiradaroseudinheirooufazenda
nasmãosdequemlhanãohádepagar,outãotardeecomtanta
dificuldadequesearrisqueaquebrar.
Háanosemque,pelamuitamortalidadedosescravos,cavalos,
éguasebois,oupelopoucorendimentodacana,nãopodemos
senhoresdeengenhochegaradarasatisfaçãointeiradoquepro-
meteram.Porém,nãodandosequeralgumaparte,nãomerecem
alcançar as esperas que pedem, principalmente quando se sabe
quetiveramparadesperdiçareparajogaroquedeviamguardar
parapagaraosseuscredores.
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Nosoutrosanosderendimentossuficiente,ecomperdasmo-deradas,ousemelas,nãohárazãoparafaltaraosmercadoresoucomissários,quenegociamporseusamos,aosquaisdevemdarcontadesie,por isso,nãoémuitoparaseestranharse,experi-mentandofaltar-seportantotempoàpalavracomlucroverda-deiramentecessanteedanoemergente,levantamcomjustamo-deraçãoopreçoda fazenda,quevendemfiada,equeDeussabequandopoderãoarrecadar.
Comprar antecipadamente o açúcar por dois cruzados, v. g.,que a seu tempo comumente vale doze tostões e mais, tem suadificuldade,porqueocompradorestásegurodeganhar,eovende-dorémoralmentecertoquehádeperder,particularmentequan-dooquedáodinheiroantecipadonãoohaviadeempregaremoutracoisa,antesdotempodeoembarcarparaoReino.
Quemcompraouvendeantecipadamentepelopreçoqueva-leráoaçúcarnotempodafrotafazcontratojusto,porqueassimocomprador,comoovendedor,estãoigualmentearriscados.Eistoseentendepelomaiorpreçogeralqueentãooaçúcarvaler,enãopelo preço particular, em que algum se acomodar, obrigado danecessidadedevendê-lo.
Comprarapagamentosédarlogodecontadoalgumapartedopreço,edepoispagarporquartéis,outantoporcadaano,confor-meoconcerto,atéseinteirardetudo.Epoderápôr-seapenadetantoscruzadosmais,sesefaltaraalgumpagamento,masnãosepoderápretenderquesepaguejurodosjurosvencidos,porqueojurosósepagadoprincipal.
Quem diz: vendo o açúcar cativo quer dizer: vendo-o comobrigaçãodeocompradorpagartodasascustas, tirandoostrêstostõesquesepagamnaBahia,porqueestescorremporcontadequemocarrega.
Venderoaçúcarlivreadeztostões,v. g.,porcadaarroba,querdizer:queocompradorhádedaraovendedordeztostõesporcadaarroba,ehádefazertodososgastosàsuacusta.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 51
Quemcomprouoaçúcarcativoeodespachouovendedepois
livre,eocompradorfazosgastosqueseseguem.
Comprar o açúcar por cabeças quer dizer: comprar as caixas
deaçúcarpelonúmerodasarrobasquetemnamarca,commeia
arrobamenosdequebra.
Quandosepesaumacaixadeaçúcarparapagarosdireitos,se
o pesador pesa favorável diz, v. g., que a caixa de trinta arrobas
temvinteeoito.Eisto,El-Reiosofre,econsente,defavor.Porém,
essacaixanãosevendeporessepeso,maspeloquenaverdadese
acharquandovaiapesar-senabalançaforadaalfândega,queaí
está,parasetirartodaadúvida.
Venderas terraspormenosdoquevalem,comobrigaçãode
semoeracanaquenelasseplantar,noengenhodovendedor,é
contratolícitoejusto.
Comprarumsenhordeengenhoaumlavrador,quetemcana
livreparaamoerondequiser,aobrigaçãodeamoernoseuenge-
nho,enquantolhenãorestituirodinheiroqueparaissolhedeu
quandocomprouaditaobrigação,pratica-senoBrasilmuitasve-
zes,eosletradosodefendemporcontratojusto,porqueistonão
édardinheiroemprestadocomobrigaçãodemoer,masécom-
praraobrigaçãodemoernoseuengenhoparaganharametade
doaçúcar,ficandoaportaabertaaolavradorparaselivrardessa
obrigação todas as vezes que tornar a entregar ao comprador o
dinheiroquerecebeu.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 53
ida escolha da terra para plantar
canas-de-açúcar e para os mantimentos necessários e provimento do engenho
A sterrasboasoumássãoofundamentoprincipalpara
terumengenhorealbomoumaurendimento.Asque
chamammassapés,terrasnegrasefortes,sãoasmaisexcelentes
para a planta da cana. Seguem-se, atrás destas, os salões, terra
vermelha, capaz de poucos cortes, porque logo enfraquece. As
areíscas,quesãoumamisturadeareiaesalões,servemparaman-
diocaelegumes,masnãoparacanas.Eomesmodigodasterras
brancas,quechamamterrasdeareia,comosãoasdoCamamue
daSaubara.
Aterraqueseescolheparaopastoaoredordoengenhoháde
teráguaehádesercercada,oucomplantasvivas,comosãoas
depinhões,oucomestacasevarasdomato.Omelhorpastoéo
quetemmuitagrama,parteemouteiroeparteemvárzea,porque,
desta sorte, em todo o tempo, ou em uma ou em outra parte,
assimosboiscomoasbestasacharãoquecomer.Opastoseháde
conservarlimpodeoutraservas,quematamagrama,enotempo
doinvernosehãodebotarforadeleosporcos,porqueodestroem
fossando. Nele há de haver um ou dois currais, onde se metam
osboisparacomeremosolhosdacanaeparaestarempertodo
serviçodoscarros.Etambémasbestasserecolhemnoseucurral,
paraasnãohaverdebuscarespalhadas.
Andamnopasto,alémdaséguasebois,ovelhasecabras;eao
redor do engenho a criação miúda, como são perus, galinhas e
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patos,quesãooremédiomaisprontoparaagasalharoshóspedes
quevêmdeimproviso.Mas,porqueasovelhaseoscavalosche-
gammuitocomodenteàraizdagrama,sãodeprejuízoaopasto
dosbois,eporissoseodestesfossediversoseriamelhor.
Osmatosdãoasmadeirasealenhaparaasfornalhas.Osman-
guesdãocaibrosemarisco.Eosapicus(quesãoascoroasquefaz
omarentresieaterrafirmeeascobredemaré)dãoobarro,para
purgaroaçúcarnasfôrmaseparaaolaria,quenaopiniãodeal-
gunssenãoescusanosengenhosreais.
Detodasestascastasde terras temnecessidadeumengenho
real,porqueumasservemparacanas,outrasparamantimentoda
genteeoutrasparaoaparelhoeprovimentodoengenho,alémdo
queseprocuradoreino.Porém,nemtodososengenhospodem
terestadita;antes,nenhumseacharáaquemnãofaltealguma
destascoisas.Porque,aosqueestãoàbeira-mar,comumentefal-
tamasroçasea lenha,eaosqueestãopela terradentro faltam
outras muitas conveniências que têm os que estão à beira-mar,
noRecôncavo.Contudo,deterounãoterosenhordoengenho
cabedalegente,feitoresfiéisedeexperiência,boisebestas,barcos
ecarros,dependeomenearegovernarbemoumaloseuenge-
nho.E,senãotivergenteparatrabalharebeneficiarasterrasaseu
tempo,seráomesmoquetermatobravocompoucoounenhum
rendimento,assimcomonãobastaparaavidapolíticaterbom
natural,senãohouvermestrequecomoensinotratedeoperfei-
çoar,ajudando-o.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 55
iida planta e limpas das canas e da diversidade
que há nelas
F eitaaescolhadamelhorterraparaacana,roça-se,quei-
ma-seelimpa-se,tirando-lhetudooquepodiaservirde
embaraço, e logo abre-se em regos, altos palmo e meio e largos
dois,comseucamalhãonomeio,paraquenascendoacananão
seabafe;enestesregosouseplantamosolhosempé,ousedeitam
ascanasempedaços, trêsouquatropalmoscompridos;ese for
canapequena,deita-setambéminteira,umajuntoàoutra,ponta
compé:cobrem-secomaterramoderadamente.E,depoisdepou-
cosdias,brotandopelosolhos,começampoucoapoucoamostrar
suaverduraàflordaterra,pegandofacilmenteecrescendomais,
oumenos,conformeaqualidadedaterraouofavoroucontrarie-
dadedostempos.Mas,seforemmuitojuntas,ousenalimpalhes
chegaremmuitoaterra,nãopoderãofilhar,comoébem.
Aplantadacana,noslugaresaltosdaBahia,começadesdeas
primeiraságuasnofimdefevereiroounosprincípiosdemarço
esecontinuaatéofimdemaio;enasbaixasevárzeas(quesão
mais frescas e úmidas), planta-se também nos meses de julho e
agosto,eporalgunsdiasdesetembro.Todaacanaquenãoforseca
ouviciada,nemdecanudosmuitopequenos,serveparaplantar.
Deseraterranovaeforte,segue-seocrescernelaacanamuito
viçosa,eaestachamamcanabrava,aqual,aprimeiraesegunda
vez que se corta, não costuma fazer bom açúcar, por ser muito
aguacenta. Porém, daí por diante, depois de esbravejar a terra,
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aindaquecresçaextraordinariamente,étãoboanorendimento
comoformosanaaparência;edestas,àsvezesseachamalgumas
altassete,oitoenovepalmos,etãobempostasnocanavialcomo
oscapitãesnosexércitos.
Amelhorcanaéadecanudocompridoelimpo,easquetêm
canudospequenosebarbadossãoaspiores.Nasceoteremcanu-
dospequenos,oudaseca,oudofrio,porqueumaeoutracoisaas
apertam,eoterembarbasprocededelhesfaltaremcomalguma
limpa,aseutempo.Começa-seaalimparacana,tantoquetiver
mondaouervadetirar.Noinverno,aervaquesetiratornalogo
anascer,easlimpasmaisnecessáriassãoaquelasprimeirasque
se fazemparaqueacanapossacrescereocapimnãoaafogue,
porque, depois de crescidas, vencem melhor as ervas menores.
Eassimvemosqueosprimeirosvíciossãoosquebotamaper-
derumbomnatural.Ascanasqueseplantamnosouteirossão
ordinariamentemaislimpasqueasqueseplantamnasvárzeas,
porqueassimcomoocorreraáguadoouteiroécausaquesenão
criemneletãofacilmenteoutraservas,assimoajuntar-seelana
várzeaécausadeseterestasempremuitoúmidae,conseguinte-
mente,muitodispostaparacriardenovoocapim.
Porisso,emumasterrasàsvezesnãobastamtrêslimpaseem
outrao lavrador,comasegundadescansa,conformeos tempos
maisoumenoschuvosos.Assimcomoháfilhos tãodóceisque
comaprimeiraadmoestaçãoseemendameparaoutrosnãobas-
tamrepetidoscastigos.
Assocas também(quesãoasraízesdascanascortadasaseu
tempo ou queimadas por velhas ou por caídas de sorte que se
nãopossamcortar,oupordesastre)servemparaplantaporque,
senãomorrerempelomuitofrio,oupelamuitaseca,chegando-
-lhesaterra,tornamabrotarepodemdestasorterenovaraocana-
vialporcincoouseisanosemais.Tantovaleaindústriaparatirar
proveito,aindadoquepareceriainútilesedeixariaporperdido.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 57
Verdadeéque,descansandoaterra,perdetambémasocaovigor,
edepoisdeseisouseteanosacanaseacanhaefacilmentesemur-
chaatéficarsecaeazougada.Epor issonãosehádepretender
da terra nem da soca mais do que pode dar, particularmente se
não for ajudada com algum benefício, e a advertência do bom
lavradorconsisteemplantardetalsortesucessivamenteacana
que,cortando-seavelhaparaamoenda,fiqueanovaempépara
asafravindoura,edestasortealimentecomasuaverduraaes-
perança do rendimento que se prepara, que é o prêmio do seu
continuadotrabalho.Plantarumatarefadecanaséomesmoque
plantarnoespaçodetrintabraçasdeterraemquadra.Finalmente,
porqueadiversidadedasterrasedosclimaspedediversacultura,
énecessárioinformar-seeseguiroconselhodosvelhos,aosquais
ensinarammuitootempoeaexperiência,perguntandoemtudo
oqueseduvidar,paraobrarcomacerto.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o58
iiidos inimigos da cana, enquanto está no canavial
A sinclemênciasdocéusãooprincipalinimigoquetêm
ascanas,assimcomoosoutrosfrutosenovidadesda
terra,querendoDeus,commuitarazão,quesearmemcontranós
oselementos,porcastigodasnossasculpas,ouparaoexercícioda
paciênciaouparaquenoslembremosqueEleéoautordetodas
ascoisas,eaElerecorramosemsemelhantesapertos.
Os canaviais nos outeiros resistem mais às chuvas quando
sãodemasiadas,porémsãoosprimeirosaqueixar-sedaseca.Pelo
contrário,asvárzeasnãosentemtãodepressaaforçadoexcessivo
calor,masnaabundânciadaságuaschoramprimeirosuasperdas.
AcanadaBahiaqueráguanosmesesdeoutubro,novembroede-
zembroeparaaplantanovaemfevereiro,equertambém,suces-
sivamente,sol,oqualcomumentenãofalta;assimnãofaltassem
nossobreditosmesesaschuvas.Porém,oinimigomaismolestoe
maiscontínuoedomésticodacanaéocapim,pois,maisoume-
nosatéofim,apersegue.E,por isso, tendooplantareocortar
seus tempos certos, o limpar obriga os escravos dos lavradores
a iremsemprecomaenxadanamão;eacabadaqualqueroutra
ocupaçãoforadocanavial,nuncasemandamdebaldeaalimpar.
Exercício que deveria ser também contínuo nos que tratam da
boacriaçãodosfilhosedaculturadoânimo.E,aindaquesóeste
inimigobastepormuitos,nãofaltamoutrosdenãomenoresen-
fado e moléstia. As cabras, tanto que a cana começa a aparecer
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 59
foradaterra,logoavãoinvestir;osboiseoscavalos,aoprincípio,
lhecomemosolhosedepoisaderrubameapisam;osratoseos
porcosaroem;osladrõesafurtamafeixes,nempassarapazou
caminhantequesenãoqueirafartaredesenfadaràcustadequem
aplantou.E,postoqueoslavradoresseacomodemdequalquer
modoasofrerosfurtospequenosdosfrutosdoseusuor,veem-se
àsvezesobrigados,deumajustador,amatarporcos,cabrasebois,
queoutrosnãotratamdedivertireguardarnospastoscercados,
ouempartemaisremotaainda,depoisderogadoseavisadosque
ponhamcobroaestedano;dondeseseguemqueixas,inimizades
e ódios, que se rematam com mortes ou com sanguinolentas e
afrontosasvinganças.Porisso,cadaqualtratededefenderosseus
canaviaisedeevitarocasiõesdeoutrossequeixaremjustamente
do seu muito descuido, medindo os danos alheios com o senti-
mentodospróprios.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o60
ivdo corte da cana e sua condução para o engenho
C omeçandooengenhoamoer(oquenoRecôncavoda
Bahia costuma ter seu princípio em agosto), começa
também o tempo de meter a foice na cana que disto é capaz; e
parabem,antesdesecortar,hádeestardezesseteoudezoitome-
sesnaterraedaípordiante,seamuitasecanãoaapertar,pode
seguramenteestarnamesmaterraseteouoitomeses.Tanto,pois,
queestiverdevez,semandarápôrnelaafoice,tendojácertoo
diaemquesehádemoer,paraquenãofiquedepoisdecortadaa
murchar-senoengenho,ousenãoseque,expostaaosolnoporto,
seestefordistantedamoenda;preferindoolavradorque,avisado,
trouxeprimeiroacanaparaoengenho,atéseacabarinteiramen-
teasuatarefa,eperdendoovagarosoolugarquelhecabia,sepor
seudescuidodeixoupassarodiasinalado.Eosenhordoengenho
éoquereparteosdias,assimparamoerasuacana,comoadosla-
vradores,conformecabeacadaqualporseuturno,emandaaviso
pelofeitoraseutempo.
Quandosecortaacana,semetemdozeatédezoitofoicesno
canavial, conforme for a cana grande ou pequena. E a que se
mandaamoerdeumavezchama-seumatarefa,quevemaser
vinteequatrocarrosdecana,tendocadacarroajustamedidade
oitopalmosdealto,esetedelargo,capazdemaisoumenosfei-
xesdecana,conformeelaforgrandeoupequena,porquemenos
feixes de cana grande bastam para fazer a tarefa e mais hão de
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 61
sernecessáriosseforcanapequena,poisapequenaocupamenor
lugarassimnocarrocomonobarco,eagrandeocupaemumae
outrapartemaiorespaço,peloquetemdemaiorcomprimento
e grossura. Raro, porém, será o carro que traga mais de cento e
cinquentafeixesdecana,eossenhoresdospartidos,peloscortes
antecedentes, sabem muito bem quantas tarefas têm nos seus
canaviais.
Aprimeiracanaquesehádecortaréavelha,quenãopode
esperar,costumequenãoguardaamorte,cujafoicecortaindife-
rentementemoçosevelhos.Eesta,corte-seatempo,quesenão
façaprejuízoàsoca,conformeasterras,maisoumenosfrias,eos
diasdemaioroumenorcalor,esemchuva.Edistoprocedenão
sepodercortaracanaemumasterrasdepoisdofimdefevereiro,
eemoutrascortar-seaindaemmarçoeabril.Quantoaocorteda
cananova:seolavradorformuitoambicioso,edesejosodefazer
muitoaçúcar,cortarátudoemumasafra,eachar-se-ácompouco
ounadanaoutra.Porisso,ocortedanovahádetersuacontaese
hádeatentaraofuturo,conformeoquesetemplantado,usando
de uma repartição considerada e segura, que é o que ditam em
qualqueroutraobraounegócio,aboaeconomiaeprudência.
Assim, os escravos como as escravas se ocupam no corte da
cana;porém,comumenteosescravoscortameasescravasamar-
ramosfeixes.Constaofeixededozecanas,etemporobrigação
cadaescravocortarnumdiasetemãosdedezfeixesporcadadedo,
quesãotrezentosecinquentafeixes,eaescravahádeamarrarou-
trostantoscomosolhosdamesmacana;e,selhessobejartempo,
seráparaogastaremlivrementenoquequiserem.Oquenãose
concedenalimpadacana,cujotrabalhocomeçadesdeosolnas-
cidoatéosolposto,comotambémemqualqueroutraocupação
quesenãodáportarefa.Eocontaratarefadocorte,comoestá
dito,pormãosededos,éparaseacomodaràrudezadosescravos
boçais,quedeoutrasortenãoentendem,nemsabemcontar.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o62
Omododecortaréoseguinte:pega-secomamãoesquerdaem
tantascanasquantaspodeabarcar,ecomadireitaarmadadefoi-
ceselhetiraapalha,aqualdepoissequeimaoupelamadrugada,
oujádenoite,quando,acalmando,oventoderparaissolugar,e
serveparafazeraterramaisfértil;logo,levantandomaisacimaa
mãoesquerda,botam-seforacomafoiceosolhosdacana,eestes
dão-seaosboisacomer;e,ultimamente,tornandocomaesquerda
maisabaixo,corta-serenteaopé,equantoafoiceformaisrasteira
àterra,melhor.Quemsegueaoquecorta(quecomumenteéuma
escrava)ajuntaascanaslimpas,comoestádito,emfeixes,adoze
porfeixe,ecomosolhosdelaosvaiatando;e,assimatados,vão
noscarrosaoporto,ou,seoengenhoforpelaterradentro,chega
ocarroàmoenda.
A condução da cana por terra faz-se nos carros; e, para bem,
cadafazendahádeterdois,e,seforgrande,aindamais.Pormar,
vemnasbarcassemvela,comquatrovaras,queservememlugar
deremosnasmãosdeoutrostantosnegrosmarinheiroseoarrais,
quevaiaoleme;e,paraisso,hámisterduasbarcascapazes,como
as que chamam rodeiras. O lavrador tem obrigação de cortar a
canaedeaconduziràsuacustaatéoporto,ondeobarcodose-
nhordoengenhoarecebeelevadegraçaatéamoendapormar,
pondo-anoditobarcoosescravosdolavradorearrumando-ano
barcoosmarinheiros.Mas,seforengenhopelaterraadentro,toda
a condução por terra até a moenda corre por conta do dono da
cana,quersejalivrementedada,querobrigadaaoengenho.
Conduziracanaporterraemtempodechuvaselamaséque-
rermatarmuitosbois,particularmentesevieramdeoutraparte
magros e fracos, estranhando o pasto novo e o trabalho. O que
muito mais se há de advertir na condução das caixas, como se
diráemseulugar.Por isso,osbois,quevêmdosertãocansados
emaltratadosnocaminho,parabemnãosehãodepôrnocarro,
senãodepoisdeestarempelomenosanoemeionopastonovo,e
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 63
deseacostumarempoucoapoucoaotrabalhomaisleve,come-
çandopelotempodoverão,enãonodoinverno;deoutrasorte,
sucederáveroqueseviuemumdestesanospassados,emque
morreram,sóemumengenho,duzentoseonzebois,partenas
lamas,partenamoendaepartenopasto.Esemoendocomágua
eusandodebarcosparaaconduçãodacana,énecessárioterno
engenhoquatrooucincocarroscomdozeoucatorzejuntasde
boismuitofortes,quantoshaverámisterquemmóicombestas
eboisetemcanaprópriaparaseconduzirdelongeàmoenda?
Advirta-semuitonisso,parasecomprarematempoosboisetais
quais são necessários, dando antes oito mil-réis por um só boi
mansoeredondodoqueoutrotantopordoispequenosemagros,
quenãotêmforçasparaaturaremnotrabalho.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o64
vdo engenho ou casa de moer a cana, e como se move a moenda com água
A indaqueonomedeengenhocompreendatodooedi-
fício, com as oficinas e casas necessárias para moer a
cana,cozerepurgaroaçúcar,contudo,tomadomaisemparticu-
lar,omesmoédizercasadoengenhoquecasademoeracana,
comoartifícioqueengenhosamenteinventaram.Etendonósjá
chegadoaestacasacomacanaconduzidaparaamoenda,dare-
mosalgumanotíciadoqueelaéedoquenelaseobra,paraespre-
meroaçúcardacana,valendo-medoquevinoengenhorealde
SergipedoConde,queentretodososdaBahiaéomaisafamado.
Levanta-seàbordadoriosobredezessetegrandespilaresde
tijolo,largosquatropalmos,altosvinteedois,edistantesumdo
outroquinze,umaaltaeespaçosacasa,cujotetocobertodetelha
assentasobretirantes,frechaisevigasdepaus,quechamamde
lei,quesãodosmais fortesquehánoBrasil,aquemnenhuma
outraterralevanestapartevantagem,comduasvarandasaore-
dor:umapararecebercanaelenha,outraparaguardarmadeiras
usuaisdesobressalente.Eaestachamamcasadamoenda,capaz
derecebercomodamentequatrotarefasdecanasemperturbação
eembaraçodosquenecessariamentehãodelidarnaditacasa,e
dosqueporelapassam,sendocaminhoabertoparaqualquerou-
traoficina,eparticularmenteparaascasasimediatamentecon-
tíguasdasfornalhasedascaldeiras,contandodecomprimento
todoesteedifíciocentoenoventaetrêspalmoseoitentaeseisde
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 65
largo.Mói-senestacasaacanacomtalartifíciodeeixoserodas
quebemmereceparticularreflexãoemaisdistintanotícia.
Tomam para mover a moenda do rio acima, onde faz a sua
quedanatural,aquechamamlevada,quevemaserumaporção
bastantedeáguadoaçudeoutanque,queparaissotem,divertida
comrepresasdepedraetijolodoseucurso,elevadacomdeclina-
çãomoderadaporumregocapazefortenasmargens,paraque
aáguaváunidaemelhorseconserve,cobrandonadeclinação
cadavezmaiorímpetoeforça,comseusangradorparaadivertir,
sefornecessário,quandoporrazãodaschuvasoucheiasviesse
maisdoquesepretendeecomoutraaberturaparaduasbicas,
uma que leva água para a casa das caldeiras, e outra que vai a
refrescaroaguilhãodarodagrandedentrodamoenda,servindo-
-se,paraacomunicaraooutroaguilhão,deumatábua,eassim
vai a entrar no cano de pau, que chamam caliz, sustentado de
pilaresdetijoloenapartesuperiordescoberto,cujoextremoin-
clinadosobreoscubosdarodasechamaferidor,porqueporele
vaiaáguaaferirosditoscubos,dondeseoriginaecontinuaoseu
moto.Assentamosaguilhõesnoeixodestaroda,umapelaparte
deforaeoutropelapartededentrodacasadamoenda,sobreseus
chumaceirosdepau,comchapadebronze,eaestessustentam
duasvirgens,ouesteiosdefora,eduasdedentro,comseubrin-
quete,queéatravessaemqueosaguilhõesseencostam.E,sobre
estes, como dissemos, vai sempre caindo uma pequena porção
deágua,paraosrefrescar,desortequepelocontínuomotonão
ardam,temperando-secomaáguasuficientementeocalor.
Asaspasdarodalargaegrandesustentamosarcosoucírculos
dela,edentroaparecemoscubosoucovasfeitasnomeiodaroda
eunidosumaooutrocomofundofechadodoforrointeriorda
mesma roda entre os dois arcos dela, assegurados com muitas
cavilhasdeferro,ecomsuasarruelasechavetasmetidaseatra-
vessadas para enchavetar as pontas das cavilhas, causa de não
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o66
buliremosarcosnemoscubosaocairdaáguaedeirarodacom
suas voltas segura. Perto da roda, pela banda de fora, estão dois
esteios,altosegrossos,comtrês travessas,asseguradas também
de outra parte, uma das quais sustenta a extremidade do caliz,
duasaoferidoreoutraaopejadordoengenho.Éopejadoruma
tábua, pouco mais larga que a roda, de dez ou doze palmos de
comprimento, com suas bordas, semelhante a um grande tabu-
-leiro, debaixo do feridor, com uma cavilha chavetada, de sorte
quesepossajogarebulircomelasemresistênciae,porisso,se
fazoburacodacavilhabastantementelargo;enaparteinferior
tem,noladoquesevaiencostaràparededamoenda,umespigão
de ferro,preso tambémcomumaargolade ferro que, entrando
porumaaberturapeladitaparede,comsuamãooucabo,emo
qualseencavilhasobreumesteioquechamammourão,àma-
neiradeengonços,ficaàdisposiçãodequemestánamoendao
mandá-lopararouandarcomoquiser,empurrandooupuxando
pelopejador,oqual,pondo-sesobreoscubos,impedeaoferidor
odar-lheomotocomaquedadaágua;etornandoadescobrir
aoscubos,tornaamover-searodaecomarodaamoenda.Eisto
é muito necessário em qualquer desastre que pode acontecer,
paralheacudirdepressaeatalharosperigos.Echamamaesta
tábua pejador, porque também ao parar do engenho chamam
pejar;porventura,porsepejarumengenhorealdeserretardado
ouimpedido,aindaporuminstanteedenãosersempre,como
érazão,moenteecorrente.Eistoquantoàparteexteriordamo-
enda,dondeprincipiaoseumovimento.
Entrando,pois,nacasainterior,omodocomquesecomunica
o moto por suas partes à moenda é o seguinte. O eixo da roda
grandeque,comotemosdito,pelapartedeforasemetedentro
dacasadoengenho,temnoseuremateinterior,chegadoaonde
assenta o aguilhão sobre o brinquete e esteios, um rodete fixo
e armado de dentes, que o cerca; e este, virado ao redor pelo
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 67
caminho do dito eixo, apanha sucessivamente na volta que dá
comseusdentes,outrosdeoutrarodasuperior,tambémgrande,
quechamamvolandeira,porqueoseumododeandarcircular-
mentenoarsobreamoendaseparececomovoardeumpássaro,
quandodánoarseusrodeios.Osdentesdorodetequeeuvieram
trintaedois,eosdavolandeira,centoedoze.Eporqueasaspas
davolandeirapassampelopescoçodoeixograndedamoenda,
porelasselhecomunicaoimpulso,eeste,recebidododitoeixo
grande,cercadodeentrosasedentes,secomunicatambémadois
outros eixos menores que têm, de ambas as ilhargas, dentados
e abertos igualmente, com suas entrosas do mesmo modo que
temosditodogrande;ecomestesdenteseentrosassecausao
moto,comqueuniformementeoacompanham.
Asaspasdavolandeirasãooito,quatrosuperioresequatroinfe-
riores,easinferiorestêmsuascontra-aspas,paramaiorsegurança.
Ostrêseixosdamoendasãotrêspausredondosdecorpoesférico,
altonosmenoresiguaiscincopalmosemeio,enomaior,queéo
domeio,altoseispalmosetambémdeesferamaiorqueosoutros,
eporeleiçãoomelhor,porque,jogandocomosdois,quenasilhar-
gascontinuamenteoapertam,gasta-semaisqueosoutros,e,por
isso,porboaregra,osmenorestêmnovedenteseomaior,onze,e
sóeste(parafalarmoscomalínguadosoficiais)temseupescoçoe
cabeçaalta,conformeaalturadoengenho,e,comumente,aotodo
vemateroditoeixodozepalmosdealto,cujacabeçadedoispal-
mosemeio,maisdelgadaqueopescoço,entraporumpaufurado
quechamamporca,sustentadodeduasvigasdequarentaedois
palmos, as quais assentam sobre quatro esteios altos dezessete
palmos e grossos quatro, com suas travessas proporcionada-
mentedistantes.E,aindaqueosoutrosdoiseixosmenoresnão
têmpescoço,contudo,pelapartedecima,entramquantobasta
comsuapontaouaguilhão,porunspausfurados,quechamam
mesasougatos,comqueficamdireitosesegurosempé.Oscorpos
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dostrêseixos,dametadeparabaixo,sãovestidosigualmentede
chapasdeferrounidasepregadascompregosfeitosparaestefim
comacabeçaquadradaebem-entrante,paraseigualaremcomas
chapas,debaixodasquaisoscorposdoseixossãotorneadoscom
tornosdepausdeleiparaquefiqueamadeiramaisduraemais
capazderesistiraocontínuoapertoquehádepadecernomoer.
Sobreaschapasapareceumcírculooufaixadepau,queéaoutra
partedocorpodosmesmoseixos,despidadeferro;elogoimedia-
tamentesesegueocírculodosdentesdepaudelei,encaixadosno
eixocomsuasentrosas(quesãoumascavadurasouvãosrepar-
tidosentredenteedente)paraentraremesaíremdelasosdentes
dosoutroseixoscolaterais,quepara issosão emtudo iguaisos
denteseasentrosas,asaber:osdentesnagrossuraenaalturaeas
entrosasnalarguraeprofundezadoencaixamentoouvazioque
comumente saem do corpo do eixo, comprimento de cinco ou
seisdedos,delarguradeumamão,edequatrooucincodedosde
costa,deformaquasechataenosextremosredonda.E,aindaque
entre dente e dente dos eixos menores haja espaço medido por
compasso de igual medida, que é um palmo grande, os do eixo
maior têm de mais a mais tanto espaço além do palmo quanto
ocupariaagrossuradeumamoedadedoiscruzados,eistosefaz
paraqueestejamemsuacontaenãoentremnomesmotempoos
dentesdoseixoscolaterais,masumsesigaatrásdeoutroedesta
sortesecontinueemtodosostrêsomotoquesepretende.E,por
isso,tambémosdenteseasentrosasdeumeixosehãodedesen-
contrardosdenteseentrosasdeoutro,asaber,aodentedoeixo
grandehádecorresponderaentrosadopequeno,eaodentedo
pequeno,aentrosadogrande.Sãoosdentes(comodizia)naparte
quesaiforadoeixoalgumtantochatos,enofimquaseredondos,
largos quatro ou cinco dedos, e outro tanto grossos, e entram
quaseoutrosquatrodedospelasuaraiznoeixo,ondeseassegu-
ram,alémdapartecomquefazemparedeàsentrosas,quesãona
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 69
mesmacontaquatrooucincodedosprofundas.Sobreosdentesdos
eixosmenoresficaaterceirapartedopaudescobertaeseremata
a modo de degraus em dois círculos menores, vestidos de duas
argolasde ferrodagrossuradeumdedoemeio, larguradetrês
dedos;enapontadopausevazadetalsortequeentreneleuma
buchaquadradadedoisoutrêspalmos,desapupira-mirim,aqual
buchatambémempartesevazaenelaseencaixaoaguilhãode
ferro,comprimentodetrêspalmos,grossuradeumcaibro,àforça
depancadas,comumvaivémdeferro.E,paramelhorsegurança
doaguilhãoedabucha,seabrenacabeçadosquatroladosdabu-
cha,comumapalmetadeferro,àforçadepancadasdovaivém,e
selhemetemumaspalmetasoucunhasmenoresdepaudelei,
paranãoaluir.E,pelomesmoestilodedegrauseargolas,buchae
aguilhão,comquetemosdito,seremataapartesuperiordosdois
eixosmenores,serematamtambémaspartesinferioresdetodos
três,ajuntando,demais,acadaaguilhão,seupiãodeferro,calçado
deaçodagrossuradeumamaçã,quetambémseencaixapelapar-
tesuperioratédoisdedosdentrodoaguilhãoepelaparteinferior
põemapontasobreoutroferrochato,quechamammancal,de
comprimentodeumpalmo,tambémcalçadodeaço,paraquese
nãofurecomocontínuovirarquesobreelefazopião.Etodos
estestrêseixosoucorposdamoenda,aondechegaopiãoaoman-
cal,assentamsobreumpau,quechamamponte,decomprimento
de quinze ou dezesseis palmos, e para sustentar toda a moenda
forteeseguraservemquatrovirgens,quesãoquatroesteios,altos
daterranovepalmos,egrossossete,semelhantesnoseuofíciode
susteraosquesustentamasvigasgrandeseaporcaoupaufurado,
porondepassaapontadoeixograndequesobreosoutroscolate-
raisselevantaatéaditaaltura,comoparteprincipaldamoenda.
Sobreestasvirgens,depontaaponta,vãounspaus,quechamam
mesas, quase um palmo de grossura, e vinte de comprimento,
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o70
sobreasquaisdescansamastravessas,quechamamgatos,emque
semovemoseixospelapartesuperior;e sobreestesvaioutro
andaraocomprido,detábuas,quechamamagulhas,asquaisser-
vemparasegurarascunhascomqueseapertaamoenda.
Olugarondesepõemosfeixesdecana,queimediatamente
hádepassarparaseespremerentreoseixos,sãodoistabuleiros,
um de uma parte, e outro de outra, que têm seus encaixes ou
meioscírculosaoredordoseixosdamoenda,afastadosdelestan-
to quanto basta para não lhes impedir suas voltas. E o estarem
ostabuleiroschegadosaoseixoséparaquenãocaiaacana,ou
obagaçodela,pertodosaguilhõeseretardedealgummodoaos
piões,eparaquesenãosujeocaldoquesaidacanamoída.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 71
vido modo de moer as canas,
e de quantas pessoas necessita a moenda
M oem-seascanasmetendoalgumasdelas,limpasda
palhaedalama(queparaisso,sefornecessário,se
lavam), entre dois eixos, onde, apertadas fortemente, se espre-
mem,metendo-senavoltaquedãooseixos,osdentesdamoenda
nasentrosas,paramaisasapertareespremerentreoscorposdos
eixos chapeados, que vêm a unir-se nas voltas; e, depois delas
passadas,torna-sedeoutraparteapassarobagaço,paraquesees-
premamais,edetodoosumo,oulicorqueconserva.Eestesumo
(aoqualdepoischamamcaldo)caidamoendaemumacochade
pau,queestádeitadadebaixodapontedosaguilhões,edaícorre
porumabicaaumparolmetidonaterra,quechamamparoldo
caldo,dondeseguindacomdoiscaldeirõesoucubosparacima,
comroda,eixoecorrentes,evaiparaoutroparol,queestáemum
sobradinhoalto,aquemchamamguinda,paradaípassarparaa
casadascaldeiras,ondesehádelimpar.
Noespaçodevinteequatrohoras,mói-seumatarefaredonda
devinteecincoatétrintacarrosdecana,eemumasemanadas
que chamam solteiras (que vem a ser sem dia santo) chegam a
moer sete tarefas, e o rendimento competente é uma fôrma ou
pãodeaçúcarporfoice,asaber,quantocortaumnegroemum
dia.Nemofazermaisaçúcardependedemoermaiscana,masser
acanadebomrendimento,asaber,bemaçucarada,nãoaguacen-
ta,nemvelha.Semeteremmaiscanaoubagaçodoqueconvém,
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o72
haveráriscodesequebrarorodete,eamoendadarádesierange-
ránapartedecima,epoderáserquesequebrealgumaguilhão.
Seaáguaquemovearodaformuita,moerátantacanaquenãose
lhepoderádarvazãonacasadascaldeiras,eocaldoazedaráno
paroldecoar,pornãosepodercozeremtantaquantidade,nemtão
depressanastachas.E,porisso,ofeitordamoendaeomestredo
açúcarhãodeveroqueconvém,paraquesenãopercaatarefa.
O lugardemaiorperigoquehánoengenho é o da moenda,
porquesepordesgraçaaescravaquemeteacanaentreoseixos,
ouporforçadosono,ouporcansada,ouporqualqueroutrodes-
cuido,meteudesatentamenteamãomaisadiantedoquedevia,
arrisca-seapassarmoídaentreoseixos,senãolhecortaremlogo
amãoouobraçoapanhado,tendoparaissojuntodamoendaum
facão,ounãoforemtãoligeirosemfazerpararamoenda,diver-
tindocomopejadoraáguaquefereoscubosdaroda,desorteque
deemdepressaaquempadece,dealgummodo,oremédio.Eeste
perigoéaindamaiornotempodanoite,emquesemóiigualmen-
tecomodedia,postoqueserevezemasquemetemacanapor
suasesquipações,particularmenteseasqueandamnestaocupa-
çãoforemboçaisoucostumadasaseemborracharem.
Asescravasdequenecessitaamoendasãoseteouoito,asa-
ber:trêsparatrazercana,umaparaameter,outraparapassaro
bagaço,outraparaconsertareacenderascandeias,quenamoen-
dasãocinco,eparalimparocochodocaldo(aquemchamamco-
cheiraoucalumbá)eosaguilhõesdamoendaerefrescá-loscom
águaparaquenãoardam,servindo-separaissodoparoldaágua,
quetemdebaixodorodete,tomadadaquecaidoaguilhão,como
também para lavar a cana enlodada, e outra, finalmente, para
botarforaobagaço,ounorio,ounabagaceira,parasequeimar
aseutempo.E,sefornecessáriobotá-loempartemaisdistante,
não bastará uma só escrava, mas haverá mister de outra que a
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 73
ajude,porque,deoutrasorte,nãosedariavazãoatempo,eficaria
embaraçadaamoenda.
Sobreoparoldocaldoque,comotemosdito,estámetidona
terra,háumaguindadeira,quecontinuamenteguindaparacima
comdoiscubosocaldo,etodasassobreditasescravastêmneces-
sidadedeoutrastantas,queasrevezemdepoisdeencheremoseu
tempo,quevemaserametadedeumdiaeametadedanoite,e
todasjuntaslavamdevinteequatroemvinteequatrohorascom
águaevasculhosdepiaçabatodaamoenda.Atarefadasguinda-
deiraséguindarcadaumatrêsparóisdecaldo,quandofortem-
po,paraencherascaldeiras,elogooutraoutrostrês,sucedendo
destasorteumaàoutra,paraquepossamaturarno trabalho.E
paraobomgovernodamoenda,alémdofeitorqueatendeatudo,
nestelugarmaisqueemoutros,partedediaepartedenoite,há
umguardaouvigiadordamoenda,cujoofícioéatentar,emlugar
dofeitor,queacanasemetaepassebementreoseixos,quese
despejeetireobagaço,queserefresquemelimpemosaguilhõese
aponte;e,sucedendoalgumdesastrenamoenda,eleéoquelogo
acodeemandaparar.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o74
viidas madeiras de que se faz a moenda, e todo o mais madeiramento do engenho, canoas e barcos e do que se costuma dar aos carpinteiros e outros semelhantes oficiais
A ntesdepassardamoendaparaasfornalhasecasadas
caldeiras,parece-menecessáriodarnotíciadospause
madeirasdequesefazamoendaetodoomaismadeiramentodo
engenho,quenoBrasilsepodefazercomescolha,pornãohaver
outrapartedomundotãoricadepausseletosefortes,nãosead-
mitindonestafábricapauquenãosejadelei,porqueaexperiência
temmostradoserassimnecessário.Chamampausdeleiaosmais
sólidos, de maior dura e mais aptos para serem lavrados, e tais
sãoosdesapucaia,desapupira,desapupira-cari,desapupira-
-mirim,desapupira-açu,devinhático,dearco,dejetaíamarelo,de
jetaípreto,demessetaúba,demaçaranduba,pau-brasil,jacarandá,
pau-de-óleo,picaíeoutrossemelhantesaestes.Omadeiramento
dacasadoengenho,casadasfornalhasecasadascaldeiraseade
purgarparabemhádeserdemaçaranduba,porqueédemuita
dura e serve para tudo, a saber, para tirantes, frechais, sobrefre-
chais,tesourasoupernasdeasna,espigõeseterças,edestacastade
pauháemtodooRecôncavodaBahiaeemtodaacostadoBrasil.
Os tirantes e frechais grandes valem três a quatro mil-réis, e às
vezesmais,conformeoseucomprimentoegrossura,assimtoscos
comovêmdomato,sócomaprimeiralavradura.Oseixosdamoen-
dasefazemdesapucaiaoudesapupira-cari;aponta,oucabodo
eixo grande, de pau-d’arco ou de sapupira, os dentes dos três
eixos da moenda, do rodete e da volandeira são de messetaúba.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 75
Asrodasdaágua,depau-d’arco,oudesapupiraoudevinhático.
Osarcosdorodeteevolandeiraeasaspasecontra-aspas,desapu-
pira.Asvirgensemaisesteiosevigas,dequalquerpaudelei.Os
carros,desapupira-mirim,oudejetaí,oudesapucaia.Acaliz,de
vinhático.Ascanoas,depicaí,joiarana,utussicaeangelim.Asca-
vernasebraçosdosbarcos,desapupiraoudelandim-carvalho,ou
desapupira-mirim;aquilha,desapupiraoudeperoba;osforros
ecostados,deutim,peroba,buranhémeunhuíba;osmastos,de
inhuibatam;asvergas,decamaçari;oleme,deavernoouangelim;
ascurvaseasrodasdaproaepopa,desapupira,comseuscorais
metidos;asvaras,demangue-branco,eosremos,delindiranaou
dejenipapo.
Ascaixasemquesemeteoaçúcarsefazemdejequitibáeca-
maçari;e,não,havendodestasduascastasdepauquantobasta,se
poderãovalerdeburissicaparafundosetampos.Eestastábuas
paraascaixasvêmdaserrariajáserradas,enoengenhosósele-
vantam,endireitameaparamehãode ternos lados,parabem,
doispalmosemeiodelargo,eomesmodecomprimento.Valia
umacaixa,nosanospassados,dezoudozetostões,agorasubiram
amaiorpreço.
Umeixodamoenda,tosconomato,etorradosónaspontas,
ou ainda, oitavado, vale quarenta, cinquenta e sessenta mil-réis
emais,conformeaqualidadedopaueanecessidadequehádele.
OsquevêmdePortoSeguroePatipesãosomenos,porseremcria-
dosemvárzeas;osmelhoressãoosquevêmdaPitangaedaTerra
NovaacimadeSantoAmaro.Todaamoendaimportamaisdemil
cruzados,alémdarodagrandedaágua,que,porsercheiadecavi-
lhasecubos,valemaisdeduzentosmil-réis.
Aocarapinadamoendasedãocincotostõescadadiaasecoe,
selhederemdecomer,dá-se-lheumcruzadoeaindamaisnestes
anos,emquetodosospreçossubiram.Quaseomesmosedáaos
carapinasdeobrabranca.Aoscarapinasdebarcoseaoscalafates
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o76
sedãoasecosetetostõesemeioeseistostõesouduaspatacas,se
lhes derem de comer. Um barco, velejado para carregar lenha e
caixas,custaquinhentosmil-réis;umbarcoparaconduzircana,
trezentosmil-réis;eumarodeira,quatrocentosmil-réis.Ascanoas
vendem-seconformeasuagrandezaequalidadedopau.Porisso,
sendoasdequecomumenteseusamnosengenhos,umaspeque-
naseoutrasmaiores,maioroumenortambémseráopreçodelas,
asaber,devinte,trinta,quarentaecinquentamil-réis.
Cortam-seospausnomatocommachadosnodiscursodetodo
oano,guardandoasconjunçõesdalua,asaber,trêsdiasantesda
luanova,outrêsdiasdepoisdelacheia,etiram-sedomatodiver-
samente,porquenasvárzeasunsosvãorolandosobreestivas;e
outrososarrastamapoderdeescravos,quepuxam;enosouteiros,
tambémsearrastampuxando.Istoseentendeondenãohálugar
deusarosbois,porseraparagemoumuitoapique,oumuitofun-
daeabertaemcovões.Mas,ondepodempuxarosbois,setiram
domatocomtiradeiras,amarrandocomcordasoucomcipósou
couros a tiradeira, segurada bem com chavelha; e, na lama, em
tempodechuva,dizemquesearrastammelhorqueemtempode
seca,porquecomachuvamaisfacilmenteescorregam.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 77
viiida casa das fornalhas, seu aparelho e lenha
de que há mister, e da cinza e sua decoada
J unto à casa da moenda, que chamam casa do engenho,
segue-seacasadasfornalhas,bocasverdadeiramentetraga-
dorasdematos,cárceredofogoefumoperpétuoevivaimagem
dosvulcões,VesúvioseEtnasequasedissedoPurgatóriooudo
Inferno.Nemfaltampertodestasfornalhasseuscondenados,que
sãoosescravosboubentoseosquetêmcorrimentos,obrigadosa
estapenosaassistênciaparapurgaremcomsuorviolentooshu-
moresgálicosdequetêmcheiosseuscorpos.Veem-seaí,também,
outrosescravos,facinorosos,que,presosemcompridasegrossas
correntesdeferro,pagamnestetrabalhosoexercícioosrepetidos
excessosdasuaextraordináriamaldade,compoucaounenhuma
esperançadaemenda.
Nosengenhosreais,costumahaverseisfornalhasenelasou-
trostantosescravosassistentes,quechamammetedoresdalenha.
Asbocasdasfornalhassãocercadascomarcosdeferro,nãosópara
que sustentem melhor os tijolos, mas para que os metedores, no
meterdalenha,nãopadeçamalgumdesastre.Temcadafornalha
sobreabocadoisbueiros,quesãocomoduasventas,porondeo
fogoresfolega.Ospilaresqueselevantamentreumaeoutrahão
desermuitofortes,detijoloecal,masocorpodasfornalhasfaz-se
detijolocombarro,pararesistirmelhoràveementeatividadedo
fogo,aoqualnãoresistirianemacal,nemapedramaisdura;e
asqueservemparaascaldeirassãoalgumacoisamaioresqueas
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o78
queservemparaastachas.Oalimentodofogoéalenha,esóo
Brasil,comaimensidadedosmatosquetem,podiafartar,como
fartouportantosanos,efartaránostemposvindouros,atantas
fornalhas,quantassãoasquesecontamnosengenhosdaBahia,
PernambucoeRiodeJaneiro,quecomumentemoemdediaede
noite,seis,sete,oitoenovemesesdoano.E,paraquesevejaquão
abundantessãoestesmatos,sóosdeJaguaripebastamparadar
lenhaaquantosengenhosháàbeira-marnoRecôncavodaBahia,
e,defato,quasetodosdestapartesóseproveem.Começaocortar
dalenhaemJaguaripenosprincípiosdejulho,porquenaBahiaos
engenhoscomeçamamoeremagosto.
Temobrigaçãocadaescravodecortarearrumar,cadadia,uma
medidadelenha,altasetepalmoselargaoito,eestaétambém
amedidadeumcarro,edeoitocarrosconstaatarefa.Ocortar,
carregar,arrumarebotaralenhanobarcopertenceaquemven-
de;oarrumá-lanobarcocorreporcontadosmarinheiros.Hábar-
coscapazesdecincotarefas,hádequatro,hádetrês,ecustacada
tarefadoismilequinhentosréis,quandoosenhordoengenhoa
mandabuscarcomoseubarco;e,seviernobarcodovendedor,
ajustar-se-á, demais, o frete, conforme a maior ou menor dis-
tânciadoporto.Umengenhoreal,quemóioitoounovemeses,
gasta,umanoporoutro,doismilcruzadosnalenha;ehouveano
emqueoengenhodeSergipedoCondegastoumaisdetrêsmil
cruzados,pormoermaistempo,eporcustaralenhamaiscaro.
Vemalenhaembarcosavela,comquatromarinheiroseoarrais,
e,parabem,osenhordoengenhohádeterdoisbarcos,paraque,
emchegandoum,volteooutro.Omelhorsortimentodalenha
é aquele cuja metade consta de rolos grandes e travessos, que
sãomenores,eoutradelenhamiúda,porqueagrossaservepara
armarasfornalhaseparacozeroaçúcarnastachas,ondeéneces-
sáriomaiorfogo,parasecoalhar;amedianaserveparafazerliga
comagrossa,eamiúdaserveparalimparbemocaldodacana
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 79
nascaldeiras,porque,paraselevantarbemaescuma,demandam
continuamentelabaredasdechama.E,porisso,agrossasecha-
malenhadetachas,eamiúda,lenhadecaldeiras.
Chegadaalenhaaoportodoengenho,arruma-senasuabaga-
ceira,esempreébemque,diante,oupertodasfornalhas,estejam
arrumadascincoouseistarefasdelenha.Gastamdoisbarcosde
cana,ordinariamente,umdelenha,seforlenhasortida,porque,
seformiúda,nãobasta.Oprimeiroaparelhodalenha,parasebotar
fogoàfornalha,chama-searmar,eistovemaserempurrarrolose
estendê-losnolastro(oquesefazcomvarasgrandes,quechamam
trasfogueiros) e sobre eles cruzar travessos e lenha miúda, para
que,levantada,cheguemaisfacilmentecomachamaaosfundos
dascaldeirasetachas.Eometedorhádeestaratentoaoquelhe
mandam os caldeireiros, botando precisamente a lenha, que os
de cima conhecem e avisam ser necessária, assim para que não
transbordeocaldooumeladodoscobres,comoparaquenãofalte
oferver.Porque,senãoferveremsuaconta,nãosepoderálimpar
bemdaimundíciaquehádeviracima,parasetirareescumardas
caldeiras.Porém,paraastachas,quantomaisfogo,melhor.
A cinza das fornalhas serve para fazer decoada, e esta para
limpar ao caldo da cana nas caldeiras, e para que saia o açúcar
maisforte.Paraisso,arrasta-secomrododeferroatéabocadas
fornalhas,poucoapouco,acinzaeborralho,edaí,comumapá
deferro,setiraeselevasobreamesmapáparaocinzeiro,queé
umtanquedetijolosobrepilaresdepedraecal,defiguraquadra-
da,comsuasparedesaoredor,eaquiseconservaquenteeassim
quente se põe nas tinas, que para isso estão levantadas da terra
sobre uns esteios de três palmos. Aí, depois de bem caldeada e
arrumada,selhebotaágua,tiradadeumtachogrande,queestá
fervendosobreasuaproporcionadafornalha,pertodocinzeiro.E
paraissoserveaáguaquepassapelabicaevaiàcasadascaldeiras;
ecoandoestaáguapelacinza,atépassarpelosburacosquetêmas
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o80
tinasnofundocobraonomededecoadaevaiacairnasfôrmas
ouvasilhasenterradasatéametade,edaísetiracomumcocoe
sepassaemumtachoparaacasadascaldeiras,ondesereparte
pelasfôrmasqueestãopostasentreascaldeiraseserveparaoscal-
deireirosajudaremcomelaaocaldo,comosediráemseulugar.
Há-seporémdeadvertirquenemtodaalenhaéboaparasefa-
zerdecoada,porquenemospausfortes,nemalenhasecaservem
paraisso.Earazãoéporqueospausfortesfazemmaiscarvãodo
quecinza,ealenhamiúdadápoucacinzaesemforça.Amelhor
éadosmangues-brancosedepaus-moles,asaber,adecajueiros,
aroeirasegameleiras.Eparaseconhecerseadecoadaéperfeita,
há-sedeprovar,tocandoalínguacomumapingadelasobreapon-
tadodedo,esearderseráboa;senãoarder,seráfraca.Também,se
sobejarcinzadeumanoparaoutronascaixasondeacostumam
guardar, antes de se pôr nas tinas, deve tornar a aquentar-se no
cinzeiro,oumisturar-secomaprimeiraquesetirardasfornalhas
comborralho,porque,seantesenfraqueceu,comestebenefício
tornaacobrarseuvigor.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 81
ixdas caldeiras e cobres, seu aparelho,
oficiais e gente de que nelas há mister, e instrumentos que usam
A terceira parte deste edifício superior às fornalhas é
a casa dos cobres; porque, ainda que esta se chame
comumenteacasadascaldeiras,nãosãoelassóquetêmlugar
nestaparte,masoutrosgrandesvasosdecobre,comosãoparóis,
baciasetachas;edestesvasostêmosengenhosreaisdoisternos
sempreemobra,porquedeoutrasortenãopoderiamdarvazão
ao caldo que vem da moenda. Estes são cobres postos sobre a
abóbadadasfornalhasemassentosouencostadoresdetijoloe
calaoredor,abertosdetalsorteque,comofundo,quemetem
dentrodamesmafornalha,tapacadaqualaaberturaemquese
recebe;eentraporelaproporcionadamenteaocorpoquetem,a
saber,menosastachasemuitomaisascaldeiras.Eassimcomo
temsuaparede,quedivideumadeoutra,eoutraparedequedi-
videestacasadaoutracontíguadoengenho,assimtemdiante
de si um ou dois degraus, por onde se sobe a obrar neles com
os instrumentos necessários nas mãos, e com bastante espaço
para dominar sobre eles com ajustada altura e distância; e, ao
redorde todaaparede dianteira,comcaminho desafogadono
meio,estáotendaldasfôrmasemquesebotaoaçúcarjácozido
acoalhareécapazdeoitentaemaisfôrmas.
Constaumtermoouordemdecobres(alémdoparoldocal-
doedoparoldaguinda,queficamnacasadamoenda)deduas
caldeiras,asaber,dadomeioedaoutrademelar,deumparolda
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o82
escuma,deumparolgrande,quechamamparoldomelado,ede
outromenor,quesechamaparoldecoar,deumternodetachas,
quesãoquatro,asaber:adereceber,adaporta,adecozereade
bater;e,finalmente,deumabacia,queservepararepartiroaçúcar
nasfôrmas.Edeoutrostantoscobresdeigualoupoucomenor
grandezaconstaoutroandarsemelhante.
Leva o parol do caldo de um engenho real vinte arrobas de
cobre;oparoldaguinda,outrasvintearrobas;asduascaldeiras,
sessentaarrobas;oparoldaescuma,dozearrobas;oparoldome-
lado,quinzearrobas;oparoldecoar,oitoarrobas;oternodasqua-
trorachas,anovearrobascadauma,trintaeseisarrobas;abacia,
quatroarrobas,queemtudosãocentoesetentaecincoarrobasde
cobre,oqual,vendendo-selavrado,quandoébarato,aquatrocen-
tosréisalibra,importadoiscontoseduzentosequarentamil-réis,
quesãocincomileseiscentoscruzados.Eseseacrescentaroutro
ternodecobresmenores,ouiguais,cresceráproporcionadamente
oseuvalor.
Aparteemqueascaldeiraseastachasmaispadeceméofun-
do;e,seesteforderuimcobre,enãotiveragrossuranecessária,
nãosepoderálimparocaldocomoébem,nascaldeiras,eofogo
queimaránastachasaoaçúcar,antesdesecozerebater.Porisso,
nosengenhosreais,quemoemseteeoitomesesdoano,setor-
namarefazertodososfundosdascaldeirasetachas.
Aspessoasqueassistemnestacasasãoomestredoaçúcar,o
qualpresideatodaaobra;ecorreporsuacontajulgarseocaldo
estájálimpo,eoaçúcarcozidoebatidoquantopede,paraestar
em sua conta; assiste às têmperas e ao repartimento delas nas
fôrmas,alémdoquelhecabefazernacasadepurgar,dequefala-
remosnoseuprópriolugar.Asuaassistênciaprincipalédedia,
e,aochegardanoite,entraafazeromesmoobanqueiro,queé
comoocontramestredestacasa;edainteligência,experiênciae
vigilânciadeumeoutrodependeemgrandeparteofazer-sebom
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 83
oumauaçúcar.Porque,aindaqueacananãosejaqualdeveser,
muito pode ajudar a arte no que faltou à natureza. E, pelo con-
trário,poucoimportaqueacanasejaboa,seofrutodelaeotra-
balhodetantocustosebotaremaperderpordescuido,comnão
pequeno encargo de consciência para quem recebe avantajado
estipêndio.Temmais,porobrigação,obanqueiro,repartirdenoi-
teoaçúcarpelasfôrmas,assentá-lasnotendaleconsertá-lascom
cipó.E,paralhediminuirotrabalhonestasúltimasobrigações,
temumajudantededia,aquemchamamajuda-banqueiro,oqual
tambémreparteoaçúcarpelas fôrmas,assenta-aseconserta-as,
comoestádito.
Revezam-senascaldeirasoitocaldeireiros,divididosemduas
esquipações,umemcadauma,deassistênciacontínuaatéentre-
gá-laaoseusucessor,escumandoocaldoqueferve,comcubose
tachos.Obrigaçãodecadacaldeireiroéescumartrêscaldeirasde
caldo,quechamamtrêsmeladuras;eaúltimasechamadeentre-
ga,porqueadevedarmeiolimpaaocaldeireiroqueovemrender.
E,paraestastrêsmeladuras,lhehádedaraguindadeiraocaldode
quehámister,aseutempo,asaber,acabadodeescumarelimpar
umameladura,dar-lheoutra.
Nastachastrabalhamquatrotacheirosporesquipaçõesdeas-
sistência,umemcadaternodetachas;etêmporobrigação,cada
um deles, cozer e bater tanto açúcar quanto é necessário para
seencherumavendadefôrmas,quevemaserquatrooucinco
fôrmas.
Serve,finalmente,paravarreracasaeparaconsertareacen-
der as candeias (que são seis e ardem com azeite de peixe), e
paratirarassegundaseterceirasescumasdoseupróprioparol
etorná-lasabotarnacaldeira,umaescrava,aquemchamam,por
alcunha,acalcanha.
Étambémestacasalugardepenitentes,porquecomumentese
veemnelaunsmulatoseunsnegroscrioulosexercitaroofício
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o84
detacheirosecaldeireiros,amarradoscomgrandescorrentesde
ferroaumcepo,ouporfugitivos,ouporinsignesemalgumgêne-
rodemaldade,paraquedestasorteoferroeotrabalhoosaman-
sem.Mas,entreeles,hátambémàsvezesalgunsmenosculpados
e,ainda, inocentes,porserosenhoroudemasiadamentefácila
creroquelhedizem,oumuitovingativoecruel.
Osinstrumentosqueseusamnacasadascaldeirassãoescu-
madeiras, pombas, reminhóis, cubos, passadeiras, repartideiras,
tachos, vasculhos, batedeiras, bicas, cavadores, espátulas e pica-
deiras.Dasescumadeirasepombasgrandesusamoscaldeireiros;
servem as escumadeiras para limpar; as pombas, para botar o
caldodeumacaldeiraparaoutra,oudacaldeiraparaoparol;e,
por issooscabos,assimdeumascomodeoutras, têmquatorze
ouquinzepalmosdecomprido,parasepoderemmenearbem.Os
reminhóisservemparabotaráguaedecoadanascaldeiras,epara
ajudarostacheirosabotaroaçúcarnarepartideira,parairàsfôr-
mas.Dasescumadeirasmaispequenas,batedeirasepassadeiras,
picadeiras e vasculhos, usam os tacheiros da repartideira, cava-
dor e espátulas o banqueiro e o ajuda-banqueiro; e dos tachos,
cubosebicasusaacalcanha,paratiraraescumadoseupróprio
paroletorná-laapôrnacaldeira.Serveovasculhoparatiraralgu-
maimundíciaaoredordastachas,apicadeiraparatiraroaçúcar
queestácomogrudadonasmesmastachas,eocavadorparafazer
nobagaçodotendalascovasondesepõemasfôrmas.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 85
xdo modo de limpar e purificar o caldo da cana
nas caldeiras e no parol de coar, até passar para as tachas
G uindando-seosumodacana(quechamamcaldo)para
oparoldaguinda,daívaiporumabicaaentrarnacasa
doscobres;eoprimeirolugaremquecaiéacaldeira,quechamam
domeio,paranelaferverecomeçarabotarforaaimundíciacom
quevemdamoenda.Ofogofaznestetempooseuofício,eocaldo
botaforaaprimeiraescuma,aquechamamcachaça,eesta,por
serimundíssima,vaipelasbordasdascaldeirasbem-ladrilhadas
foradacasa,porumcanoenterrado,quearecebeporumabicade
pau,metidadentrodoladrilhoqueestáaoredordacaldeira,evai
caindopeloditocanoemumgrandecochodepaueservepara
asbestas,cabras,ovelhaseporcos;eemalgumaspartestambém
osboisalambem,porquetudooqueédoce,aindaqueimundo,
deleita. E, para que o fogo não levante a escuma mais do que é
justo, e dê lugar de se limpar o caldo, como é bem, botam-lhe
oscaldeireiros,dequandoemquando,águacomumreminhol,
edestasortesereprimeademasiadaforçadafervura,eocaldo
aindaimundoselimpa.
Saídaaprimeiraescumaporsimesma,começamoscaldeirei-
ros,comgrandesescumadeirasdeferro,aescumarocaldoeaju-
dá-lo,echamamajudarocaldoobotar-lhedequandoemquando
jáumreminholdedecoada,jáoutrodeágua,queaítêmperto:a
águanastinaseadecoadanasfôrmas.Serveaáguaparalavaro
caldoeadecoada,paraquetodaaimundíciaquerestanacaldeira
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o86
venhamaisdepressaarriba,enãoassentenofundo.Servetam-
bémparacondensaroaçúcarefazê-lomaisforte,incorporando-
-secomocaldo,domodoqueseincorporaosalcomaágua.Esta
segundaescumaseguardaecaiporoutrabicadamesmabordado
ladrilhoparaoparolmaisbaixoeafastadodofogo,quesechama
paroldaescuma;edaí,comcuboetachotornaabotá-loanegra
calcanha,quetemistoporofício,namesmacaldeiraparapurifi-
car,quechamamrepassar;evaiporumabicadepau,encavilhada
sobreumesteiodeigualalturadascaldeiras(aquechamamviola,
porimitarnofeitioaesteinstrumento),larganocorpoouparte
emquerecebeaescuma,eestreitanocano,porondecainacaldei-
ra.Etantoqueocaldoaparecebemlimpo(oqueseconhecepela
escumaepelosolhoseempolasquelevanta,cadavezmenorese
maisclaros)comumapombagrande(queéumvasocôncavode
cobre,comseupaudecobrecompridodozeouquinzepalmos),o
botamnasegundacaldeira,quechamamdemelar,eaquiseacaba
depurificar,comomesmobenefíciodeáguaedecoada,atéficar
totalmente limpo.Deixa-se limparocaldonacaldeiradomeio,
comumentepeloespaçodemeiahora;e,jámeiopurgado,passaa
cairnacaldeirademelarporumahora,oucincoquartos,atéaca-
bardeseescumar;enuncasetiratodoocaldodascaldeiras,por
razãodoscobres,quepadeceriamdetrimentodofogo,masselhes
deixamdoisoutrêspalmosdecaldoesobreestesebotaonovo.A
escuma,também,destasegundacaldeiravaiaoparoldaescuma,
edaítornaparaaprimeiraousegundacaldeira,atéofimdatare-
fa,edestaescumatomamosnegrosparafazeremsuagarapa,que
éabebidadequemaisgostamecomqueresgatamdeoutrosseus
parceirosfarinha,bananas,aipinsefeijões,guardando-aempotes
atéperderadoçuraeazedar-se,porqueentãodizemqueestáem
seupontoparasebeber,oxalácommedidaenãoatéseemborra-
charem.Àderradeiraescumadaúltimameladura,queéaúltima
purificação do caldo, chamam claros, e estes, misturados com
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 87
águafria,sãoumaregaladabebida,pararefrescaretirarasedenas
horasemquesefazmaiorcalma.Finalmente,tantoqueomestre
do açúcar julgar que a meladura está limpa, o caldeireiro, com
umapomba,botaocaldo,aquejáchamammel,noparolgrande,
que chamam parol do melado, e está fora do fogo, mas junto à
mesma caldeira, donde o coam para outro parol mais pequeno,
quechamamparoldecoar,companoscoadoresestendidossobre
umagrade.E,paraquenãocaiaalgumapartedelenapassagem
deumparolparaoutro,eseperca,botam-lheumatelha,defôrmade
purgar,que,comoseuarcoevoltaabarcaaosbeiçosdeambosos
paróisporondecorreocaldoquecainopassardapombaevai
daremumouemoutroparol,e,destasorte,nemumasópinga
seperdedaqueledocelicor,quebastantesuor,sangueelágrimas
custaparaseajuntar.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o88
xido modo de cozer e bater o melado nas tachas
E standojáocaldopurificadoecoado,passaacozer-senas
tachas,ajudadasdemaiorfogoechamadaquehãomister
ascaldeiras,contantoqueosfundostenhamagrossurabastante
para resistir à maior atividade que neste lugar se requer. E se o
meladoselevantardesortequeameacetransbordar,botando-lhe
umpoucodesebo,logoamainaesecala.Oquetalveztambém
fariaumaboarazão,sehouvessequemasugerissenotempoem
queaindignaçãoquersairforadeseuslimites.Dizemque,sese
botassequalquerlicorazedonascaldeirasounastachascomo,v. g.,
sumodelimãoououtrosemelhante,omeladonuncasepoderia
coalharnemcondensar,comosepretende,ealegamcasossegui-
dos.Porém,istonãoparecesercerto,falandodequalquercastade
licorazedo,senãododelimão,porquejáhouvequembotouno
caldocachaçaazedaemquantidadebastante,ouporfazerpeça,
ou por enfado ou impaciência, e, contudo, coalhou muito bem
a seu tempo. Só de alguns ânimos se verifica que, por um leve
desgosto,botamaperderumgrandecúmulo,enãodequaisquer
benefícios.Ocertoéque,empassandoomeladooumelparaas
tachas,pedemaiorvigilânciaeatençãodostacheiros,banqueiro
e soto-banqueiro e mestre, porque este propriamente é o lugar
emqueobracomomestreinteligenteeondeénecessáriotodoo
cuidadoeartifício.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 89
Passando,pois,omeladodoparoldecoarparaoternodastachas,
correporcadaumadelas,ordenadamente,eparaemcadauma
quantofornecessário,enãomais,paraofimqueemcadaqualse
pertence.Naprimeiratacha,quesechamaadereceber,fervee
começaacozer-se,eselhetiramasescumasmaisfinas,quecha-
mam netas, e se botam com uma pequena escumadeira numa
fôrmaqueaíestáposta,eseasquiseremaproveitar,comoébem,
farãodelas,nofimdasemana,umpãodeaçúcarsomenos,por-
que esta escuma não torna à tacha, como torna a do caldo às
caldeiras.Datachadereceber,ondeestápoucotempo,passa-se
omeladocomumapassadeiradecobre(queédofeitiodeuma
pombapequena)paraasegundatacha,quechamamdaporta,
eaqui,continuandoafervereengrossar;selançardesiparaa
borda alguma imundícia, tira-se e limpa-se ao redor com um
vasculho,queécomoumpincelouescovadeembira,amarrado
napontadeumavara;enestatachasedeixaestarmaistempo,
atéficarjámeiocozido.Daqui,comamesmapassadeira,sebota
naterceiratacha,quechamamdecozer,porqueaindaquenas
outrastambémsecoza,contudo,aquiacabadesecozeredese
condensarperfeitamente,atéestaremseupontoparasebater,
eistoohádejulgaromestre,ouemseulugarobanqueiro,pelo
corpoegrossuraquetem.Eestandodestasorte,chama-semel
emponto,grossosuficientementeecompacto,ejádispostopara
passaràquartatacha,quechamamtachadebaterondesemexe
comumabatedeira,queésemelhanteàescumadeira,mascom
seubeiçoesemfuros;ebate-se,parasenãoqueimar,equando
otembembatido,ecombastantecozimento,olevantamcom
amesmabatedeirasobreatachaaoalto,quepodeser;eaisso
chamam desafogar, no que os tacheiros mostram destreza sin-
gular,econtinuamassim,maisoumenos,conformepedemas
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o90
trêstêmperasquesehãodefazerdoaçúcar,quehádeirparaas
fôrmas.Dasquaistêmperas,porseremtãonecessáriasediferen-
tes,serábemfalarnocapítuloseguinte.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 91
xiidas três têmperas do melado
e sua justa repartição pelas fôrmas
A ntesdepassaromeladoparaasfôrmas,estandoainda
natachadebater,sehádeajustarocozimentoàstêm-
perasquepedealeidebemrepartir.Etrêssãoelas,eentresidi-
ferentes,ecadaumalevacozimentodiverso.Assim,pordiversos
modos,ecomrepetidasrazões,procuramostemperarosânimos
alteradosdequalquerpaixãoveemente.
Chama-se a primeira têmpera de principiar, ou têmpera de
bacia,aqualconstademelsolto,porquetemmenoscozimento;
eéoprimeiroquesetiradatachadebaterlogonoprincípio,ese
botaemumabaciaforadofogo,apardastachascomabatedeira,
ondesemexecomespátulaoucomreminholviradocomaboca
parabaixo.E tendo jáobanqueiroouoajuda-banqueiroapare-
lhado quatro ou cinco fôrmas no tendal, dentro de umas covas
debagaço,comseuburacofechado,eigualmentealtas,àsquais
chamam venda, se passa esta têmpera com reminhol dentro de
umarepartideira,earepartepelasditasquatrooucincofôrmaso
banqueiroouoajuda-banqueiro,oualgumtacheiro,porém,com
ordemdomestre,botandoigualmenteemcadaumadelasasua
porção,desortequefiquelugarparareceberasoutrasduastêm-
perasquelogosehãodeseguir.
Asegundachama-setêmperadeigualar,etemmaiorcozimen-
toporqueomelquetrazestevemaistemponatachadebatere,
aí,mexidoeengrossado,foimaisbatido.Eesta,tambémtiradada
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o92
tachaepostaemexidacomreminholnabacia,passaparaasditas
quatrofôrmasnarepartideira,ecomigualporçãoserepartepor
elas,ondecomespátulassemexemaisqueaprimeira.
Segue-se,porúltimo,aterceira,quechamamtêmperadeen-
cher,aqualtemjátodoocozimentoegrossuranecessária,ecom
elapassadaparaabaciaemexidaaindamaiscomoreminhole
levadanarepartideiraparaotendalseenchemasfôrmas,conti-
nuandocomaespátulaamexernelastodasastrêstêmperas,de
sortequeperfeitamenteseincorporemedetrêssefaçaumsócor-
po.Estebenefícioétãonecessárioque,semele,oaçúcarpostonas
ditasfôrmasnãosepoderiadepoisbranquearepurgar.Porque,se
sebotassenasfôrmassóatêmperaquetemcozimentoperfeito,
coalhariaesecondensariadetalsortequenãopoderiapassarpor
eleaáguaqueohádelavar,depoisdeserbarreado.Eseatêmpera
fossetotalmentesolta,escorreriatodooaçúcardasfôrmasnacasa
depurgaresedesfariatodoemmel.Eassim,comamisturadas
trêstêmperas,secoalhadetalsortequeficalugaràáguadepassar
poucoapouco,conservando-seoaçúcardensoe forte;e recebe
obenefíciodesebranquear,semoprejuízodesederreter,senão
quanto basta para perfeitamente se purgar. E achar este meio,
comacertarbemnastêmperas,éamelhorindústriaeartifíciodo
mestre, assim como esta é a maior dificuldade no exercício das
virtudes,queestãonomeiodedoisextremosviciosos.
O melado que se dá em pratos e vasilhas para comer é o da
primeiraesegundatêmperas.Doda terceira,bembatidonare-
partideira, se fazem as rapaduras, tão desejadas dos meninos, e
vemasermeladocoalhadosobreumquartodepapel,comtodas
as quatro partes levantadas como se fossem paredes dentro das
quaisendureceesfriando-se,decomprimentoelarguradapalma
damão.Ebem-aventuradoorapazquechegaaterumpardelas,
fazendo-semaisdeboavontadelambedordestesdocespapéisdo
queescrivãonosquelhedãoparatrasladaralfabetos.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 93
Comissoseentenderádondenasceoterestadocedrogatantos
nomesdiversos,antesdelograromaisnobreeomaisperfeitode
açúcar;porque,conformeoseuprincípio,melhoriaeperfeição,e
conformeosestadosdiversospelosquaispassa,vaitambémmu-
dando de nomes. E assim, na moenda, chama-se sumo da cana;
nosparóisdoengenho,atéentrarnacaldeiradomeio,caldo;nes-
ta,caldofervido;nacaldeirademelar,clarificado;nabacia,coado;
nastachas,melado;ultimamente,têmpera;enasfôrmas,açúcar,
decujasdiversasqualidadesfalaremos,quandochegarmosavê-lo
postonascaixas.
Osclaros,ouúltimaescumadasmeladuras,que,comotemos
dito,servemparaagarapadosnegros,selhesrepartemalternada-
menteporestaordem.Nofimdeumatarefa,sedãoaosqueassis-
temnacasadascaldeirasenasfornalhas;nofimdeoutratarefa,se
dãoàsescravasquetrabalhamnacasadamoenda;edepoisdesta,
sedãoaosquebuscamcaranguejosemariscos,paraserepartirem,
eaosbarqueirosquetrazemacanaealenhaaoengenho.Esem-
preserepeteadistribuiçãocomamesmaordem,paraquetodos
osquesentemopesodotrabalhocheguemtambémateroseu
pote,queéamedidacomquesereparteesteseudesejadonéctar
eambrosia.
Quandosemandapararoupejaroengenhoaosdomingose
diassantos,tira-sedosfundosdastachas,comumapicadeirade
ferro,omeladoqueficounelesgrudado,porquecomestenãopo-
deriamesfriar-se;e,alémdisto,selhesbotaágua,paraquesenão
queimemoscobres,eservejustamenteparaoslavar,eassimse
deixamasditastachas,atéentrarnelasomelquesehádecozer.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 95
idas fôrmas do açúcar e sua passagem
do tendal para a casa de purgar
S ãoasfôrmasdoaçúcarunsvasosdebarroqueimadona
fornalhadastelhas,etêmalgumasemelhançacomossi-
nos,altastrêspalmosemeio,eproporcionadamentelargas,com
maiorcircunferêncianaboca,emaisapertadasnofim,ondesão
furadas,paraselavarepurgaroaçúcarporesteburaco.Vendiam-
-se por quatro vinténs, salvo se a falta delas e o descuido de as
procuraraseutempolhesacrescentassemovalor.
O serem de ruim barro, e malqueimadas, é defeito notável,
comotambémoserempequenas.Asboassãocapazesdedarpães
detrêsarrobasemeia.Têmnacasadascaldeirasseutendal,cheio
debagaçodecanaquevemdabagaceira,oqual,cavadocomum
cavadordeferrooudepau,servedecamaoucova,paraneleseas-
sentaremasfôrmasdireitasemduasfileirasiguais;e,comotemos
dito acima, de cada quatro ou cinco fôrmas consta uma venda.
Antesdebotarnelasoaçúcar,selhestapaoburacoquetêmno
fundo,comseustacosdefolhadebanana,eseasseguramcomar-
cosdecipóecanabrava,paraquecomademasiadaquantidadedo
açúcarnãoarrebentem.Logoselhesbotaoaçúcarportêmperas,
comojá temosdito,oqual,noespaçodetrêsdias,endurecedi-
versamente,unsmais,outrosmenos;eaoquemaisseendurecee
dificultosamentesequebra,chamamaçúcardecarafechada;eao
quefacilmentecomqualquerpancadasequebra,chamamaçúcar
decaraquebrada.Metáforasquetambémexprimemasdiversas
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o96
naturezas e condições dos homens, uns tão vidrentos, e outros
tãotolerantes.E,deserbomoumauaçúcar,dependeofazeras
vendasdemaisoumenosfôrmas.Porqueparaobom,quecoalha
depressa,bastatomarquatrofôrmas;e,paraoquecoalhamaisde-
vagar,tomam-seseis,seteeoitofôrmas,paraquecriecomomaior
tempoqueénecessárioparaenchertodas,maisgrão.Daípassaàs
costasdosnegros,ousobrepaviolas,paraacasadepurgar,daqual
logofalaremos.
Fazumengenhoreal,dedoisternosdetachas,seacanaren-
der bem, cada semana solteira, perto e passante de duzentos
pães de açúcar; mas, se não render, apenas dá cento e vinte. E
orenderpouconasceoudeseracanamuitovelha,ouporser
muitoaguacenta,provabemclaradeseremosextremos,quais-
querquesejam,viciosos.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 97
iida casa de purgar o açúcar nas fôrmas
A casadepurgarécomumenteseparadadoedifíciodo
engenho,eamelhordequantashánoRecôncavoda
Bahia é, sem dúvida, a do engenho de Sergipe do Conde, fabri-
cadadepedraecaleemadeiradacompausdemaçaranduba,e
cobertacomtodooasseiodetelhas,decomprimentodequatro-
centos e quarenta e seis palmos e oitenta e seis de largura, di-
vididaemtrêscarreirasdeandainas,comvinteeseispilaresde
tijolonomeio,altosquinzepalmosemeio,elargosquatro,para
sustentaremoteto,queassentaaoredorsobreparedeslargase
fortes.Recebeestacasaaluzearnecessárioporcinquentaeduas
janelas,altaoitopalmoselargasseis,vinteetrêsdecadabanda,
trêsnafacha-dacomsuaportaetrêsnatestada.Repartem-seas
andainas por quartéis de tábuas abertas em redondo sobre pi-
laresdetijolo,altosdaterrasetepalmos;e levacadatábuadez
destasaberturas,parareceberoutrastantasfôrmas,desorteque
portodassãocapazesdepurgar,comodamente,nomesmotem-
po,atédoismilpães.Debaixodasditastábuasassimabertas,há
outrastantastábuasdomesmocomprimento,cavadasàmaneira
deregos,einclinadasnapartedianteira,queservemdebicasou
correntes,porondecorreomelquecaidosburacosdasfôrmas,
em que se purga o açúcar, aos tanques enterrados; e há no fim
umafornalhaparaocozeretornarafazerdeleaçúcar,comseu
tendal,capazdequarentafôrmas.Hátambémnaentrada,àmão
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o98
esquerda da porta, uma casinha de madeira, para nela guardar
o açúcar que sobejou ao encaixar, e quantos instrumentos são
necessáriosparabarrear,mascavar,secareencaixar;eoprimeiro
espaçodacasadepurgar,capazdetrezentascaixas,antesdeche-
garàsandainasdasfôrmas,servedecaixariamaisresguardadae
segura,comaportaaopoente,paraque,gozandotodaatardedo
sol,defendacomoseucaloraoaçúcardomaiorinimigoquetem,
depoisdefeitoeencaixado,queéaumidade.
Diantedaportadacasadepurgar,levanta-se,sobreseispilares,
umalpendredeoitentaedoispalmosdecomprimentoevintee
quatrodelargo,debaixodoqualestáobalcãodemascavar;eda
outraparteestáocochoparaamassarobarro,quesebotanasfôr-
mas,parapurgaroaçúcar;e,maisadiante,obalcãoparaosecar,
compridooitentapalmoselargocinquentaeseis,sustentadode
vinteecincopilaresdetijolo,maisaltonomeio,ecombastante
inclinaçãonoslados,paraescorrermelhoraáguaquecairdocéu,
eserdemaisdura.E,paraisso,servetambémserfeitodepaude
lei,asaber,demaçaranduba,devinhático,capazdesessentatol-
dosedesecarnomesmotempooutrostantospãesdeaçúcar.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 99
iiide pessoas que se ocupam em purgar,
mascavar, secar e encaixar o açúcar, e dos instrumentos que para isso são necessários
O nde não há purgador (que sempre seria bem tê-lo),
presidetambémnacasadepurgaromestredeaçúcar,a
quempertencejulgarquandosehádebotaroprimeiroeosegun-
dobarronasfôrmas,quandosehádeumedecereborrifarmais
ou menos, conforme a qualidade do açúcar, e quando se há de
tirarobarroeoaçúcardasfôrmas.Mas,aindaquehajapurgador
distinto,comsuasoldada,sempreserábemqueesteseaconselhe
comomestre,paraobrarcommaioracerto,equetenhamambos
entresitodaaboacorrespondência,paraquefiquemmaisbem
servidos assim o senhor do engenho como os lavradores, e eles
maisacreditadosemseusofícios.
Presideaobalcãodemascavaredesecareaopesoeaoencaixar
doaçúcarocaixeiro,ecorreporsuacontarepartireassentarcom
todaaverdadeefidelidadeoquecabeacadaqualdesuaparte:
pregaremarcarascaixaseentregá-lasaseusdonos.
Trabalhamnacasadepurgarquatroescravas,esãoasqueentai-
pamebotambarronasfôrmasdoaçúcarelhedãosuaslavagens.
Nobalcãodemascavarassistemduasnegrasdasmaisexperimen-
tadas,quechamammãesdobalcão,ecomoutrasomascavame
apartamoinferiordomelhorunsnegros,quetrazemeaventam
asfôrmasetiramdelasospãesdeaçúcar,eoamassadordobarro
depurgar,queétambémoutronegro.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o100
Nobalcãodesecar trabalhamasmesmasduasmães,comas
suascompanheiras,quesãoatédez,estendendoostoldoseque-
brandocomtoletesaslascaseostorrõesgrandesemoutrosme-
nores,atrásdosquebradoresdospães.E,nacaixaria,ajudamao
caixeironopesoeencaixamentodoaçúcarasnegrasenegrosque
sãonecessários,comotambémnopilar,igualar,pregaremarcar.
Osinstrumentosqueseusamnacasadepurgarsãofuradores
deferro,parafurarospãesemdireituradoburacodasfôrmas,ca-
vadorestambémdeferro,paracavaropãonomeiodaprimeira
cara,antesdelhebotaroprimeiroesegundobarros,emacetes,
para o entaipar. No balcão de mascavar, usam de couros para
aventarsobreelesasfôrmas,defacõesemachadinhos,paramas-
cavar,edetoletes,paraquebraroaçúcarmascavado.Nobalcão
desecarsãonecessáriosfacões,toleteserodoseopauquebrador
dequatroladosdecostaparaquebrarospãesdeaçúcar.Nopeso,
balanças,pesosdeduasarrobaseoutrosmenores,comodatara,
pásepanacus.Nacaixaria,pilões,rodo,paudeassentar,aoqual
unschamammolequedeassentar,eoutros,juiz;enxó,verrumas,
martelos e pregos, pé de cabra, para tirar pregos das caixas, e o
gastalho,queserveparaunirastábuasrachadasouabertas,me-
tendosuascunhasentreosladosdatábuaeosdentesoubraços
dogastalho,queaabraçaporcimaedescepelas ilhargas;eas
marcasdeferro,comquesemarcaedeclaraaqualidadedoaçú-
car,onúmerodasarrobaseosinaldoengenho,emquesefeze
encaixou.E,destasorte,qualquerartesevaledeseusinstrumen-
tos,parafacilitarotrabalho,esaircomsuasobrasperfeitas,oque
semelesnãopoderiaalcançar,nemesperar.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 101
ivdo barro que se bota nas fôrmas do açúcar:
qual deve ser, e como se há de amassar, e se é bom ter no engenho olaria
O barro com que se purga o açúcar tira-se dos apicus,
quecomotemosdito,sãoascoroasquefazomarentre
sieaterrafirme,eascobreamaré.Vemesteembarcos,canoasou
balsas,quesãoduascanoasjuntas,compausatravessados,esobre
elestábuas,nasquaisseamontoaobarro.Chegadoaoengenho,
põem-seemlugarseparado;e,daípassaasecar-sedentrodacasa
dasfornalhas,sobreumandardepausseguradocomesteios,que
chamamjirau,sobreocinzeiro,quandotemseuborralho,queé
a cinza misturada com brasas. E, ainda que se seque em quinze
dias,contudoaísedeixa,tomandoaseutempoaquantidadeque
fornecessáriaparabarrearasfôrmasjácheias,comosediráem
seulugar.Seco,sedesfazcommacetes,quesãopausparapisar,
edaísebotaemumacanoavelha,oucochogrande,depau,ese
vai desfazendo com água, movendo-o e amassando-o com seu
rodoonegroamassador,queseocupanestetristetrabalho,pois
osoutrosescravos,quecortametrazemcana,eosqueobramna
moenda,nascaldeiras,nastachas,nacasadepurgarenosbalcões,
sempretêmemquepetiscar,esóestemiserável,eosquemetem
lenhanasfornalhas,passamemseco.E,aindaquedepoistodos
tenhamsuapartenarepartiçãodagarapa,contudo,sentemmui-
tootrabalhosemestelimitadoalívioentredia.Mas,nãofaltam
parceiros que se compadeçam da sua sorte, dando-lhes já uma
cana,jáumpoucodemelouaçúcar;equandofaltassenosoutros
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o102
a compaixão, não faltaria a eles a indústria, para buscarem seu
remédio,tirandodondequerquantopodem.
Osinaldeestarbemamassadoobarroénãoterjágodilhões,
quesãounstorrõezinhosaindanãodesfeitos;entãoestáemseu
pontoquando,botando-lheumpedaçodetelha,ouumcacode
fôrma,sesustémnasuperfície,semiraofundo.Docochosetira
comumacuia,esebotaemtachosdecobre,enelesolevampara
acasadepurgar,onde,comumreminholdecobre,setirados
tachoseserepartepelasfôrmas,quandofortempo,domodoque
sedirámaisabaixo.
Terolarianoengenho,unsdizemqueescusamaioresgastos,
porque sempre no engenho há necessidade de fôrmas, tijolo e
te-lhas. Porém, outros entendem o contrário, porque a fornalha
daolariagastamuitalenhadearmar,emuitadecaldear,eade
caldearhádeserdemangues,osquais,tirados,sãoadestruição
do marisco, que é o remédio dos negros. E, além disso, a olaria
querserviçodeseis,ousetepeças,quemelhorseempregamno
canavialounoengenho,queroleirocomsoldada,rodaeapare-
lho,equerapicus,oubarreiro,dondesetirebombarro,etudoisto
pedemuitogasto,ecommuitomenossecompramasfôrmaseas
telhasquesãonecessárias.Omelhorconselhoémeterumcrioulo
emalgumaolaria,porqueesteganhaametadedoquefaz,eem
umanochegaafazertrêsmilfôrmas,dasquaisosenhorsepode
valercompoucodispêndio.Tendo,porém,osenhordoengenho
muita gente, lenha e mangues para mariscar de sobejo, poderá,
também,terolaria,eserviráestaoficinaparagrandeza,utilidade
ecomodidadedoengenho.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 103
vdo modo de purgar o açúcar nas fôrmas,
e de todo o benefício que se lhe faz na casa de purgar, até se tirar
E ntrandoasfôrmasnacasadepurgar,sedeitamsobreas
andainas,eselhestiraotacoquelhesmeteramnotendal;
elogocomumfuradoragudodeferro,decomprimentodedois
palmosemeio,sefuramospãesàforçadepancadas,usandopara
isso um macete; e, furados, se levantam e endireitam as fôrmas
sobreastábuas,quechamamdefuros,entrandoporelesquanto
bastaparasesusteremseguras;eassimsedeixamporquinzedias
sembarro,começandologoapurgar,epingandopeloburacoque
têmoprimeiromel,oqual,recebidodebaixo,nasbicas,correaté
darnoseutanque.Estemeléinferior,edá-senotempodoinver-
noaosescravosdoengenho,repartindoacadaqualcadasemana
umtacho,edoisacadacasal,queéomelhormimoeomelhor
remédioquetêm.Outros,porém,otornamacozer,ouovendem
para isso aos que fazem dele açúcar branco batido, ou estilam
aguardente.
Passadososquinzedias,daípordiantesepodebarrearsegu-
ramente,oquesefazdestemodo.Cavamprimeiroasquatroes-
cravaspurgadeiras,comcavadeirasdeferro,nomeiodacarada
fôrma(queéapartesuperior)oaçúcarjáseco,elogootornama
igualareentaiparmuitobem,commacetes;botam-lhe,então,o
primeirobarro,tirando-ocomumreminholdostachosquevie-
ramcheiosdeledoseucocho,estandojáamassadoemsuaconta,
ecomapalmadamãooestendemsobretodaacaradafôrma,alto
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o104
doisdedos.Aosegundoouterceirodia,botamemcimadomesmo
barromeioreminhol,ouumacuiaemeiadeágua,eparaquenão
caianobarrodepancada,ecaindofaçacovasnoaçúcar,recebem
sobreamãoesquerda,chegadaaobarro,aáguaquebotamcoma
direita,mexemlevementeobarrodesorteque,comosdedos,não
cheguem a bulir na cara do açúcar. E a este benefício chamam
umedecer, borrifar e dar lavagens, ou também dar umidades, e
destasoprimeirobarronãolevamaisqueuma,eestánafôrma
seisdias,dondesetirajáseco,ecava-seoutravezoaçúcarnomeio,
comosefezaoprincípio,eentaipa-se;e,comamesmadiligência,
selhebotaosegundobarro,oqualestánafôrmaquinzedias,e
levaseis,seteemaisumidades,conformeaqualidadedoaçúcar,
porqueoqueéfortequermaisumidades,resistindoàáguaquehá
decorrerporele,purgando-o,àsvezesaténoveedezumidades.
E,seforfraco,logoarecebe,eficaemmenostempolavado,mas
dissonãosealegraodonodoaçúcar,porqueantesoquiseramais
fortedoquetãodepressapurgado.Tambémnoverãoénecessário
repetiraslavagensmaisvezes,asaber,dedoisemdois,oudetrês
emtrêsdias,conformeocalordotempo,advertindode lhedar
estaslavagensantesqueobarrochegueaabrir-seemgretaspor
seco.Notempodoinverno,tambémsedeixaoprimeirobarroseis
dias,ealgunsnãolhedãooutraumidademaisqueatrazconsigo,
principalmenteseforemdiasdechuva.Porém,tiradooprimeiro
epostoosegundo,dão-lheseis,seteeoitoumidades,detrêsem
trêsdias,conformeaqualidadedoaçúcar,econformeobedeceràs
ditaslavagens.
Como o açúcar vai purgando, assim se vai branqueando por
seus graus, a saber, mais na parte superior, menos na do meio,
pouconaúltima,equasenadanospésdasfôrmas,aosquaischa-
mamcabuchos,eestemenospurgadoéoquesechamamasca-
vado.Também,comovaipurgando,vaidescendoobarropouco
apoucodentrodafôrma,e,sepurgarbemdevagar,descendosó
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 105
meiamão,quechamammedidadechave,evemaserdesdearaiz
dodedopolegaratéapontadodedomostrador,apurgaçãoserá
boa,ederendimentodemaisaçúcar,eforte;mas,sepurgarapres-
sadamente,renderápouco.
Opurgarmaisdepressaoumaisdevagaroaçúcarnasfôrmas
nascepartedaqualidadedacanaboaoumáepartedocozimento
feitoetemperadoemseuponto.Porque,seocozimentoformais
doqueéjusto,ficaráoaçúcarempanturrado,enuncasepoderá
purgarbem,resistindoàslavagens,nãoporforte,maspordema-
siadamentecozido,eistoseconhecerádenãopurgarenãodescer
obarrosnasfôrmas.Pelocontrário,seoaçúcarlevarpoucocozi-
mento,eatêmperaformuitosolta,irápelamaiorpartedesfeito
emmelparaascorrentes.Ofazeremospãesdoaçúcarolhos,isto
é,terementreoaçúcarbrancoveiasdemascavado,unsdizemque
procededebotarmalasumidadesnobarrodasfôrmas,eoutros
dastêmperasmaisoumenosquentes,oudesigualmentebotadas.
Omelquecaidasfôrmas,depoisdelhesbotarembarro,torna
acozer-se,eabater-senastachas,queparaissoestãodestinadas,
comsuabacia;esefazdeleaçúcar,quechamambrancobatido;e
dátambémseumascavado,quechamammascavadobatido.Ou
seestiladeleaguardente,queeununcaaconselhariaaosenhor
doengenho,paranãoterumacontínuadesinquietaçãonasenza-
ladosnegros,eparaqueosseusescravosnãosejamcomaaguar-
dentemaisborrachosdoqueosfazacachaça.
Oprimeirobarroquesepôsnafôrma,altodoisdedos,quando
setirajáseco,temsóalturadeumdedo,queédepoisdeseisdias;
quandosetiraosegundo(quesebotoucomamesmaalturade
dois dedos), depois de quinze dias, tem só meio dedo de altura.
Acabandooaçúcardepurgar,paramtambémaslavagens;e,três
ouquatrodiasdepoisdaúltima,tira-seosegundobarro,jáseco,e,
depoisdobarrofora,dão-lhemaisoitodiasparaacabardeenxu-
gareescorrer,eentãosepodetirar.Nemcarecedeadmiraçãooser
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o106
obarro,quedesuanaturezaéimundo,instrumentodepurgaro
açúcarcomsuaslavagens,assimcomocomalembrançadonosso
barro,ecomaslágrimassepurificamebranqueiamasalmas,que
anteseramimundas.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 107
vido modo de tirar, mascavar e secar o açúcar
C hegandootempodetiraroaçúcardasfôrmas,sepassa-
rãoemumdiamuitoclarotantasquantaspodereceber
obalcãodesecar;epassamàscostasdosnegros,ouempaviolas,
dacasadepurgarparaobalcãodemascavar.E,quantoaoserodia
muitoclaro,épontodegrandeadvertência,porqueseoaçúcarse
umedecer,aindaqueotornempôraosol,nuncamaistornaaser
perfeitocomoera,assimcomooqueficoudeumanoparaoutro
perde tal sorte o vigor e alvura que nunca mais torna a cobrar;
propriedadetambémdapurezaque,umavezofendida,nuncator-
naaseroquefoi.Presideatodoestebenefícioocaixeiro,ecorre
porsuacontaoqueagoradirei.Aopédobalcão,quechamamde
mascavar,seaventamasfôrmassobreumcouro,quevemaser
bulirnelasdevagarcomasbocasviradasparaoditocouro,para
quesaiambemospães,osquais,postossucessivamenteporum
negrosobreumtoldoqueestáestendidonestebalcão,pormãode
umanegra(àqualchamammãedobalcão),selhestiracomum
facãotodoaqueleaçúcarmalpurgado,edecorparda,quetêmna
parteinferior,eistosedizmascavar,eaotalaçúcarchamamde-
poismascavado.E,entretanto,outrasuacompanheira,queédas
maispráticas,tiracomummachadinhodomesmomascavado
omaisúmido,quechamampédafôrma,oucabucho,eestetorna
paraacasadepurgaremoutrasfôrmas,atéacabardeseenxugar;
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o108
elogooutrasnegrasquebramcomtoletesostorrõesdomascava-
dosobreumtoldo,quetambémhádeiraobalcãodesecar.
Aperfeiçãodospãesconsisteemterempoucomascavado,e
daremduasarrobasemeiadeaçúcarbranco,que,conformeame-
didadasfôrmasdaBahia,émuitobomrendimento.Sequiserem
fazercarasdeaçúcarparamimos,ocaixeirocortaráaquimesmo
comumfacãoaprimeirapartedopão,desorteque,endireitada
eaplainada,tenhaumaarrobadepeso;eestas,depoisdeestarem
aosol,empalham-seouencouram-seevãoparaoreino.Também,
sequiserfazerlascas,cortaráaopão(depoisdesetiraromascava-
do)emseisouoitopartes,easendireitarátodasdequatrocantos
emquadra,parairemtãovistosascomodoces.E,querendofazer
fechosoucaixasdeencomenda,escolherádapartedoaçúcarque
couberaquemasmandafazer,omaisfino,queéodascarasdas
fôrmas,atédezarrobasporfecho,etrintaatétrintaecincopor
caixa.E,doquetemosditoatéagora,seentenderábemoquerem
dizerestesnomes,quesignificamváriasrepartiçõesdeaçúcar,a
saber:caixa,fecho,pão,cara,lasca,torrãoemigalhas,guardando
paraoutrocapítuloodarnotíciadeváriasqualidadesediferenças
deaçúcar.
Passando,pois,dobalcãodemascavarparaobalcãodesecar:
levam-se,emprimeirolugar,paraele,tantostoldosquantossão
necessáriosparaoaçúcarquenaquelediasehádesecar.E,seforde
diversosdonos,conheceráarepartiçãoquecabeacadaqual,pelos
toldoscontinuadosnamesmafileira,sepertenceremaomesmo,
oudescontinuados,seforemdediversossenhores;eoquesediz
doaçúcarbrancosehádedizertambémdomascavado,repartido
pelomesmoestilonassuasprópriasfileiras.Istofeito,levamos
pães para os toldos, e, com um pau grande e redondo no cabo,
emquesepega,enorematedefeitiochato,comoumalançasem
ponta (aoqualchamamdequebrador,oumolequedequebrar),
quebramemquatropartesaospães,ecadaumadestasemoutras
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 109
quatro;elogooutros,comfacões,dividemasmesmasemtorrões;
eestessucessivamentesetornamapartircomtoletesemoutros
torrõesmenores;e,finalmente,depoisdeestaremjáporalgum
tempoaosol,acabam-sedequebraremtorrõezinhospequenos.
Eguarda-sedepropósitoestaordememquebraraoaçúcarpara
que,tendoalgumaumidade,quebradopoucoapouco,seentese
enãosefaçalogoemmigalhasouempó.Estandoassimesten-
dido, pegam nas pontas dos toldos, e, levantando-as, fazem em
cadatoldoummontão,eentretantoaquentam-seastábuaseos
toldos,elogotornamaabriraquelesmontescomrodos,e,des-
ta sorte, as partes que eram interiores ficam expostas ao sol, e
asoutrasestendidassobreaspontasdostoldos,sentemocalor
queeleseastábuasganharam.Espalhado,torna-seamexercom
rodos de camboá, como eles dizem, a saber: um de uma banda
eoutrodeoutra,empurrandocadaumdasuaparteoaçúcar,e
puxando por ele por modo oposto ao que faz no mesmo toldo
onegrofronteiro,atéacabardesecar.E,sederepenteaparecer
algumanuvemqueameacedarchuva,logoacodetodaagente
ainda (se for necessário) a que trabalha na moenda, pejando o
engenhoatéserecolhernosmesmostoldosoaçúcardentroda
casadeencaixar,ouemoutrapartecoberta;edaquitornaoutra
vezparaobalcão,emoutrodiaclaro,estandoastábuasenxutas.
Que,seotempoderlugardeenxugarperfeitamenteoaçúcarno
mesmodianobalcão,passarálogo(domodoqueagoradirei)ao
peso,eseencaixarácomsuaregra.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o110
viido peso, repartição e encaixamento do açúcar
D o balcão de secar vai o açúcar em toldos ao peso, es-
tandopresenteocaixeiro,quetudoassentacomfide-
lidade e verdade, para que se dê justamente a cada um o que é
seu.E,para isso,hábalançasgrandesepesosdeduasarrobas,e
outrosmenores,delibras,compesotambémdetaradopanacu,
emquevaioaçúcaraopeso,usandodepápequenaparatiraro
quesobeja,ouajuntaroquefalta.E,assimcomoasduasmãesdo
balcãoajudamaopeso,paradarlugaraocaixeiro,queestáassen-
tandooquepesa,assimdoisnegroslevamoaçúcarpesadoparaas
caixas,enxutasebem-aparelhadas,asaber,barreadaspordentro
nasuntascombarro,e folhassecasdebananeirasobreobarro,
pondoigualmentetantoaçúcarnacaixadosenhordoengenho
quantonacaixadolavradorcujacanasemoeunomesmoenge-
nho,sendolavradordesuasprópriasterrasenãodasdoengenho,
porque se as terras forem do engenho paga também o lavrador
vintena,ouquinto,quevemaser,alémdametadedecadacinco
pãesum,ouumdecadavinte,conformeousodasterras,porque,
emPernambuco,pagaquintoenaBahia,vintena,ouquindena,
quevemaserdequinzeum,conformeoqueseajustounosarren-
damentos,porseremasterrasjáderendimento,oupornecessita-
remdemenoslimpas.E,assimcomosepesaereparteigualmente
obranco,assimsepesaerepartedomesmomodoomascavado
entreosenhordoengenhoeolavradorquemói,comotemosdito,
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 111
demeias;esóficamosmelesporemcheioaosenhordoengenho,
porrazãodosmuitosgastosquefaz.Tira-setambémodízimoque
sedeveaDeus,oquevemaserdedezum,eesteficanoengenho,e
põe-senascaixasqueantecipadamentemandaocontratadordos
dízimosaocaixeirovazias,edeleastornaacobrarcheias.
Oaçúcarquesebotanascaixasaoprincípiosomenteseigua-
lacomrodoepilões,enãosepila,paraquesenãoquebremas
caixas.Porém,depoisdebotarnelasdoisoutrêspesos,quevêm
aserquatroouseisarrobas,entãosepilacomoitooudezpilões,
quatrooucincodecadabanda,paraqueassenteunidoigualmen-
te.E,aindaqueaderradeiraporçãodoaçúcar,quesechamacara
dacaixa,ébemquesejadomaisescolhido;contudo,seriagrande
descréditodoengenho,enganoemanifestainjustiçasenomeio
sebotassembatidosenacaraaçúcarmaisfino,paraencobrircom
bomoruim,efazertambémaoaçúcarhipócrita.
Acabadodeencheracaixa,iguala-secomrodoecomumpau
chatoegrosso,queunschamam-lhemolequedeassentar,outros,
juiz;e logoseprega,usandodeverruma,pregosemarteloedo
gastalho ou gato, para apertar alguma tábua rachada do modo
queacimaestádito.Levaumacaixaoitentaeseispregos,eulti-
mamentesemarcadomodoquediremos,conformeadiferença
doaçúcar,queagorasehádeexplicar.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o112
viiide várias castas de açúcar, que separadamente se encaixam; marcas das caixas e sua condução ao trapiche
A ntesdemarcarascaixas,énecessáriofalardeváriascas-tasdeaçúcar,queseparadamenteseencaixam,porque
tambémnestadrogahásuanobreza,hácastavil,hámistura.Há,primeiramente,açúcarbrancoemascavado;obrancotomaestenomedacorquetem,emuitoselouvaeestimanoaçúcarmaisadmirável,porquantoselhecomunicadobarro.Omascavadodecorpardaéoquesetiradofundodasfôrmas,aquechamampésoucabuchos.Dobrancoháfino,háredondoehábaixo;etodosestessãoaçúcaresmachos.Ofinoémaisalvo,maisfechadoedemaiorpeso,etaléordinariamenteaprimeiraparte,quechamamcara da fôrma. O redondo é algum tanto menos alvo, e menosfechado;etalécomumenteodasegundapartedafôrma;edigocomumenteporquenãoéestaregrainfalível,podendoacontecerqueacaradealgumasfôrmassejamenosalvaemenosfechadaqueasegundapartedeoutrafôrma.Obaixoéaindamenosalvoequasetrigueironacor;e,aindaquesejafechadoeforte,contudo,portermenosalvura,chama-sebaixoouinferior.
Alémdestastrêscastasdebranco,háoutro,quechamambran-cobatido,feitodomelqueescorreudasfôrmasdomachonacasadepurgar,cozidoebatidooutravez;esaiàsvezestãoalvoefortecomoomacho.E,assimcomohámascavadomacho,queéopédasfôrmasdobrancomacho,assimháomascavadobatido,queéopédas fôrmasdobrancobatido.Oquepingadas fôrmasdomacho,quandosepurga,chama-semel;eoqueescorredobatido
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 113
brancochama-seremel.Domel,unsfazemaguardente,estilando-
-o,outrosotornamacozer,parafazerembatidos,eoutrosoven-
demapanelasaosqueoestilamoucozem;eomesmodigodo
remel.
Vistaadiversidadedosaçúcares,segue-sefalardasmarcasque
sehãodepôrcomamesmadistinçãonascaixas.Marcam-seas
caixascomferroardenteoucomtinta;trêssãoasmarcasquehá
de levar cada caixa, a saber: a das arrobas, a do engenho e a do
senhoroumercadorporcujacontaseembarca.Amarcadefogo
donúmerodasarrobassepõeemcima,nacabeçadacaixa,junto
aotampo,começandodocantodabandadireita,detalsorteque
abarquejuntamenteacabeçadacaixaeotampo.Eistosefazpara
que,sedepoisseabrisseacaixa,seconheçamaisfacilmente,pelas
partesdamarca,queestãonacabeça,enãocorrespondemàsou-
traspartes,queestãonabordadotampo.
Amarcadoengenho,tambémdefogo,sepõenamesmatesta
dacaixa, juntoaofundo,nocantodabandadireita,paraquese
possam averiguar as faltas que poderia haver no encaixamento
doaçúcar.Porque,assimcomoàsvezesnaspipasdebreuquevêm
de Portugal se acham pedras breadas, e nas peças de linho fino
porforanomeioseachapanodeestopa,oumenornúmerode
varasqueasqueseapontamnafacedapeça,assimsepoderiam
mandarnascaixasdeaçúcarmenosarrobasdasqueseapontam
namarca,enomeiodacaixaaçúcarmascavadoporbranco,como
játemacontecido,porculpadealgumcaixeiroinfiel.
Amarcadosenhordoaçúcaroudomercador,porcujaconta
seembarca,sefordefogo,sepõenomeiodaditatestadacaixa;e,
senãofordefogo,põe-senomesmolugarcomtintaoseunome,
oqualsepoderátirarcomumaenxó,quandosevendesseacaixaa
outromercador,pondonaditaparteonomedequemacomprou.
Levaamarcadobrancomachoumsó“B”;obrancobatido,dois
“BB”.Omascavadomacho,um“M”;omascavadobatido,um“M”
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o114
eum“B”.Amarca,v. g.,doengenhodeSergipedoCondelevaum
“S”,daPitanga,um“P”.Eamarca,v. g.,docolégiodaCompanhia
deJesuslevaumacruzdentrodeumcírculodestafigura:+.
Nos engenhos à beira-mar, levam-se as caixas ao porto desta
sorte.Comroloseespequespassamumaatrásdeoutradacasa
dacaixariaparaumacarreta,feitaparaissomesmomaisbaixa,e
sobreestaselevacadacaixaatéoporto,puxandopelascordasos
negrosdequemamandaembarcarporsuaconta.
Dos engenhos, pela terra dentro, vem cada caixa sobre um
carro,comtrêsouquatrojuntasdebois,conformeaslamasque
hãodevencer;enistocustacaroodescuido,porque,pornãoas
trazerem no tempo do verão, depois do inverno, estazam-se e
matam-seosbois.
Doportopassamsobretábuasgrossasapiqueparaobarco;e,
aoentrar,hãodetermãonelacomsocairo,paraquenãocaiade
pancadaepadeçaalgumdetrimento.Nobarcosehãodearrumar
ascaixasmuitobem,paraquevãosegurasnemsemetammais,
antesmenosdasqueobarcopoderecebere levar;esejafortee
bem-velejado,ecomarraispráticodascoroasepedrasecomma-
rinheirosnãoatordoadosdaaguardente,saindocombomtempo
emaré.
Doengenhoatéotrapiche,ouatéanauemqueseembarca,
pagacadacaixaquevempormarumapatacadefrete.Aoentrar
esairdotrapiche,meiapataca.Noprimeiromês,quercomeçado
só,queracabado,aindaquenãofossemmaisquedoisdias,paga
doisvinténs;nosoutrosmesesseguintes,umvintémcadamês.E,
seotrapicheiroouocaixeirodotrapichevenderporcomissãodo
donoalgumaçúcar,ganhaumapatacaporcadacaixa.
E,comisso,temoslevadooaçúcardocanavial,ondenasce,até
osportosdoBrasil,dondenavegaparaPortugal,paraserepartir
pormuitascidadesdaEuropa.Faltaagoradizeralgumacoisados
preçosantigosemodernosporquesãohojetãoexcessivos.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 115
ixdos preços antigos e modernos do açúcar
D evinteanosaestapartemudaram-semuitoospreços,
assimdoaçúcarbrancocomodomascavadoebatido.
Porqueobrancomacho,quesevendiaporoito,noveedeztostões
aarroba,subiudepoisadoze,quinzeedezesseis,eultimamentea
dezoito, vinte e vinte e dois e vinte e quatro tostões; e depois
tornouadezesseis.Osbrancosbatidos,queselargavamporsete
eoitotostões,subiramadozeeacatorze.Omascavadomacho,
que valia cinco tostões, vendeu-se por dez e onze e ainda mais.
Eomascavadobatido,cujopreçoeraumcruzado,chegouaseis
tostões.
A necessidade obriga a vender barato e a queimar (como di-
zem) o açúcar fino, que tanto custa aos servos, aos senhores de
engenhoeaoslavradoresdacana,trabalhandoegastandodinhei-
ro.Tambémafaltadenaviosécausadesenãodarporeleoque
vale.Mas,otercrescidotantonestesanosopreçodocobre,ferroe
pano,edomaisdequenecessitamosengenhos,eparticularmen-
teovalordosescravosqueosnãoqueremlargarpormenosde
cemmil-réis,valendoantesquarentaecinquentamil-réisosme-
lhores,éaprincipalcausadehaversubidotantooaçúcardepois
dehavermoedaprovincialenacionaledepoisdedescobertasas
minasdeouro,queserviramparaenriquecerapoucoseparades-
truiramuitos,sendoasmelhoresminasdoBrasiloscanaviaiseas
malhadas,emqueplantaotabaco.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o116
Seseatentarparaovalorintrínsecoqueoaçúcarmereceter
pelasuamesmabondade,nãoháoutradrogaqueoiguale.E,se
tantosabeatodosasuadoçuraquandoocomem,nãohárazão
paraquesenãolhedêtalvalorextrínsecoquandosecomprae
vende, assim pelos senhores de engenho e pelos mercadores,
comopelomagistradoaquempertenceajustá-lo,quepossadar
portantadespesaalgumganhodignodeserestimado.Portanto,
sesereduziremospreçosdascoisasquevêmdoReinoedosescra-
vosquevêmdeAngolaecostadeGuiné,aumamoderaçãocom-
petente,poderãotambémtornarosaçúcaresaopreçomoderado
de dez e doze tostões, parecendo a todos impossível o poderem
continuardeumaeoutrapartetãodemasiadosexcessos,semse
perderoBrasil.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 117
xdo número das caixas de açúcar que se fazem
cada ano ordinariamente no brasil
C ontam-se no território da Bahia, ao presente, cento equarentaeseisengenhosdeaçúcarmoentesecorrentes,
alémdosquesevãofabricando,unsnoRecôncavo,àbeira-mar,eoutrospelaterradentro,quehojesãodemaiorrendimento.OsdePernambuco,postoquemenores,chegamaduzentosequarentaeseis,eosdoRiodeJaneiro,acentoetrintaeseis.
Fazem-se,umanoporoutro,nosengenhosdaBahia,catorzemilequinhentascaixasdeaçúcar.Destas,vãoparaoReinocator-zemil,asaber:oitomildebrancomacho,trêsmildemascavadomacho,mileoitocentasdebrancobatido,mileduzentasdemas-cavadobatido;equinhentasdeváriascastassegastamnaterra.
As que se fazem nos engenhos de Pernambuco, um ano poroutro,sãodozemiletrezentas.VãodozemilecemparaoReino,asaber:setemildebrancomacho,duasmileseiscentasdemas-cavadomacho,milequatrocentasdebrancobatido,milecemdemascavadobatido;egastam-senaterraduzentasdeváriascastas.
NoRiodeJaneiro,fazem-se,umanoporoutro,dezmiledu-zentasevinte.AsdezmilecemvãoparaoReino,asaber:cincomil e seiscentas de branco macho, duas mil e quinhentas demascavadomacho,mileduzentasdebrancobatido,oitocentasde mascavado batido; e ficam na terra cento e vinte de váriascastas,paraogastodela.
EjuntastodasestascaixasdeaçúcarquesefazemumanoporoutronoBrasil,vêmasertrintaesetemilevintecaixas.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o118
xique custa uma caixa de açúcar de trinta e cinco arrobas, posta na alfândega de lisboa e já despachada, e do valor de todo o açúcar que cada ano se faz no brasil
D orolquesesegue,constaráprimeiramente,comexata
distinção,ocustoquefazumacaixadeaçúcarbranco
machodetrintaecincoarrobas,desdequeselevantaemqualquer
engenhodaBahiaatésepôrnaalfândegadeLisboa,epelaporta
delafora;elogooquecustamumademascavadomacho,umade
brancobatidoeumademascavadobatido.Emsegundolugar,o
resumodovalordetodooaçúcarquecadaanosefaznassafrasda
Bahia,PernambucoeRiodeJaneiro.
Custosdeumacaixadeaçúcarbrancomachodetrintaecinco
arrobas
Pelocaixãonoengenho,aomenos.................... 1$200
Porselevantaroditocaixão........................... $050
Por86pregosparaoditocaixão....................... $320
Por35arrobasdeaçúcara1$600 . . . . .................. 56$000
Porcarretoàbeira-mar............................... 2$000
Porcarretodoportodomaratéotrapiche............ $320
Porguindastenotrapiche............................. $080
Porentradanomesmotrapiche....................... $080
Poralugueldomêsnoditotrapiche................... $020
Porsebotarforadotrapiche........................... $160
Pordireitosdosubsídiodaterra....................... $300
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 119
Pordireitoparaofortedomar ........................ $080
Porfretedonavioa20$ ................................11$520
PordescargaemLisboa,paraaalfândega.............. $200
Porguindastenapontedaalfândega.................. $040
Porserecolherdaponteparaoarmazém.............. $060
Porseguardarnaalfândega............................ $050
Porcascaveldearquear,porcadaarco................. $080
Porobras,tarasemarcas............................... $060
Poravaliaçãoedireitosgrandes,a800réis,ea20por100 . 5$600
Porconsuladoa3por100.............................. $840
Porcombóia140réisporarroba...................... 4$900
Pormaioria........................................... $600 ______
O que tudo importa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84$560
Custosdeumacaixadeaçúcarmascavadomachodetrintae
cincoarrobas
Por35arrobasdoditoaçúcara1$000.................. 35$000
Poravaliaçãoedireitos,a450réisea20por100....... 3$150
Porconsuladoa3por100............................. $472
Portodososmaisgastos .............................. 22$120 ______
O que tudo importa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60$742
Custosdeumacaixadeaçúcarbrancobatidodetrintaecinco
arrobas
Por35arrobasdoditoaçúcara1$200 ................. 42$000
Poravaliaçãoedireitosa600réisea20por100....... 4$720
Porconsuladoa3por100 ............................. $648
Portodososmaisgastos .............................. 22$120 ______
O que tudo importa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69$488
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o120
Custosdeumacaixadeaçúcarmascavadobatidodetrintae
cincoarrobas
Por35arrobasdoditoaçúcara640réis ............... 22$400
Poravaliaçãoedireitos,a300réisea20por100 ...... 2$100
Porconsuladoa3por100............................. $315
Portodososmaisgastos .............................. 22$120 ______
O que tudo importa ................................. 46$935
Caixas de açúcar que ordinariamente se tiram cada ano da
Bahia;eoqueimportaovalordelasatrintaecincoarrobas
Por8.000caixasdebrancomachoa84$560...... 676:480$000
Por3.000caixasdemascavadomachoa60$742.. 182:226$000
Por1.800caixasdebrancobatidoa69$488 ...... 125:078$400
Por1.200caixasdemascavadobatido,a46$935.. 56:322$000
Por500caixasquesegastamnaterra,a60$200.. 30:100$000 ____________
São 14.500caixas, e importam . . . . . . . . . . . . . . . . 1.070:206$400
Caixas de açúcar que ordinariamente se tiram cada ano de
Pernambuco;eoqueimportaovalordelas,atrintaecincoarrobas
Por 7.000caixasdebrancomachoa78$420...... 548:940$000
Por 2.600caixasdemascavadomachoa54$500.. 141:700$000
Por1.400caixasdebrancobatidoa63$200....... 88:480$000
Por1.100caixasdemascavadobatidoa39$800 .. 43:780$000
Por200caixasquesegastamnaterra,a56$200 .. 11:240$000 ___________
São 12.300caixas, e importam . . . . . . . . . . . . . . . . 834:140$000
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 121
CaixasdeaçúcarqueordinariamentesetiramcadaanodoRio
deJaneiro,eoqueimportaovalordelasatrintaecincoarrobas
Por5.600caixasdebrancomachoa72$340....... 405:104$000
Por2.500caixasdemascavadomachoa48$220 .. 120:550$000
Por1.200caixasdebrancobatidoa59$640 ....... 71:568$000
Por800caixasdemascavadobatidoa34$120..... 27:296$000
Por120caixasparaogastodaterra,a52$320..... 6:278$400 ___________
São 10.220caixas, e importam . . . . . . . . . . . . . . . . 630:796$100
Resumodoqueimportatodooaçúcar
OdaBahia,milesetentacontos,duzentoseseismilequatro-
centosréis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.070:206$400
OdePernambuco,oitocentosetrintaequatrocontos,centoe
quarentamil-réis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 834:140$000
OdoRiode Janeiro, seiscentose trintacontos, setecentose
noventaeseisequatrocentosréis.............. 630:796$400 ____________
Soma tudo dois mil, quinhentos e trinta e cinco contos, cento
e quarenta e dois mil e oitocentos réis . . . . . . . . 2.535:142$800
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o122
xiido que padece o açúcar desde o seu nascimento na canaaté sair do brasil
É reparosingulardosquecontemplamascoisasnaturais
verqueasquesãodemaiorproveitodogênerohumano
nãosereduzemàsuaperfeiçãosempassaremprimeiropornotá-
veisapertos;eistosevêbemnaEuropanopanodelinho,nopão,
noazeiteenovinho,frutosdaterratãonecessários,enterrados,
arrastados,pisados,espremidosemoídosantesdechegaremaser
perfeitamenteoquesão.Enósmuitomaisovemosnafábricado
açúcar,oqual,desdeoprimeiroinstantedeseplantaratéchegar
àsmesasepassarentreosdentesasepultar-senoestômagodos
queocomem,levaumavidacheiadetaisetantosmartíriosque
osqueinventaramostiranoslhesnãoganhamvantagem.Porque
sea terra,obedecendoao impériodoCriador, deu liberalmente
acanapararegalarcomasuadoçuraospaladaresdoshomens,
estes,desejososdemultiplicaremsideleitesegostos,inventaram
contra a mesma cana, com seus artifícios, mais de cem instru-
mentosparalhemultiplicaremtormentosepenas.
Porisso,primeiramentefazemempedaçosasqueplantameas
sepultamassimcortadasnaterra.Mas,elastornandologoquase
milagrosamentearessuscitar,quenãopadecemdosqueaveem
saircomnovoalentoevigor?Jáabocanhadasdeváriosanimais,já
pisadasdasbestas,jáderrubadasdovento,eaofimdescabeçadase
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 123
cortadascomfoices.Saemdocanavialamarradas;e,oh!,quantas
vezes antes de saírem daí são vendidas! Levam-se, assim presas,
ounoscarrosounosbarcosàvistadasoutras,filhasdamesma
terra,comoosréus,quevãoalgemadosparaacadeia,ouparao
lugardosuplício,padecendoemsiconfusãoedandoamuitos
terror. Chegadas à moenda, com que força e aperto, postas en-
treoseixos,sãoobrigadasadarquantotêmdesubstância?Com
quedesprezoselançamseuscorposesmagadosedespedaçados
ao mar? Com que impiedade se queimam sem compaixão no
bagaço?Arrasta-sepelasbicasquantohumorsaiudesuasveias
e quanta substância tinham nos ossos; trateia-se e suspende-se
naguinda,vaiafervernascaldeiras,borrifado(paramaiorpena)
dosnegroscomdecoada;feitoquaselamanococho,passaàfar-
taràsbestaseaosporcos,saidoparolescumadoeselheimputaa
bebedicedosborrachos.Quantasvezesovãovirandoeagitando
com escumadeiras medonhas? Quantas, depois de passado por
coadores,obatemcombatedeiras,experimentandoeledetacha
emtachaofogomaisveemente,àsvezesquasequeimado,eàs
vezesdesafogueadoalgumtanto,sóparaquechegueapadecer
maistormentos?Crescemasbatedurasnastêmperas,multiplica-
-seaagitaçãocomasespátulas,deixa-seesfriarcomomortonas
fôrmas, leva-separaacasadepurgar,semteremcontraeleum
mínimo indício de crime, e nela chora, furado e ferido, a sua
tãomalogradadoçura.Aqui,dão-lhecombarronacara;e,para
maior ludíbrio,atéasescravas lhebotam,sobreobarrosujo,
aslavagens.Corremsuaslágrimasportantosriosquantassãoas
bicasqueasrecebem;etantassãoelasquebastamparaencher
tanquesprofundos.Oh,crueldadenuncaouvida!Asmesmaslá-
grimasdoinocentesepõemafervereabaterdenovonastachas,
asmesmas lágrimasseestilamà forçade fogoemlambique;e,
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o124
quantomaischorasuasorte,entãotornamadar-lhenacaracom
barro,etornamasescravasalançar-lheemrostoaslavagens.Sai
destasortedopurgatórioedocárceretãoalvocomoinocente;e
sobreumbaixobalcãoseentregaaoutrasmulheres,paraquelhe
cortemospéscomfacões;eestas,nãocontentesdelhoscortarem,
em companhia de outras escravas, armadas de toletes, folgam
delhesfazerosmesmospésemmigalhas.Daí,passaaoúltimo
teatrodeseustormentos,queéoutrobalcão,maioremaisalto,
onde,expostoaquemquisermaltratar,experimentaoquepodeo
furordetodaagentesentidaeenfadadadomuitoquetrabalhou
andandoatrásdele;e,porisso,partidocomquebradores,cortado
comfacões,despedaçadocomtoletes,arrastadocomrodos,pisa-
dodospésdosnegrossemcompaixão,fartaacrueldadedetantos
algozesquantossãoosquequeremsubiraobalcão.Examina-se
porrematenabalançadomaiorrigoroquepesa,depoisdefeito
em migalhas; mas os seus tormentos gravíssimos, assim como
nãotêmconta,assimnãoháquempossabastantementeponde-
rá-losoudescrevê-los.Cuidavaeuque,depoisdereduzidoelea
esteestadotãolastimoso,odeixassem;masvejoque,sepultado
emumacaixa,nãosefartamdeopisarcompilões,nemdelhe
darnacara,jáfeitaempó,comumpau.Pregam-nofinalmentee
marcamcomfogoaosepulcroemquejaz;e,assimpregadoese-
pultado,tornapormuitasvezesaservendidoerevendido,preso,
confiscadoearrastado;e,selivradasprisõesdoporto,nãolivra
dastormentasdomar,nemdodegredo,comimposiçõesetribu-
tos,tãosegurodesercompradoevendidoentrecristãoscomoar-
riscadoaserlevadoparaArgelentremouros.E,aindaassim,sem-
predoceevencedordeamarguras,vaiadargostoaopaladardos
seusinimigosnosbanquetes,saúdenasmezinhasaosenfermos
egrandeslucrosaossenhoresdeengenhoeaoslavra-doresque
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 125
operseguirameaosmercadoresqueocomprarameolevaram
degradadonosportosemuitomaioresemolumentosàFazenda
Realnasalfândegas.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 127
cultura e opulência do brasil na lavra do tabaco
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 129
icomo se começou a tratar no brasil
da planta do tabaco, e a que estimação tem chegado
S eoaçúcardoBrasilotemdadoaconheceratodososrei-
nos e províncias da Europa, o tabaco o tem feito muito
mais afamado em todas as quatro partes do mundo, nas quais
hojetantosedeseja,ecomtantasdiligênciaseporqualquervia
seprocura.Hápoucomaisdecemanosqueestafolhasecomeçou
aplantarebeneficiarnaBahia;evendooprimeiroqueaplantou
olucro,postoquemoderado,queentãolhederamumaspoucas
arrobas, mandadas com alguma esperança de algum retorno a
Lisboa,animou-seaplantarmais,nãotantoporcobiçadenego-
ciante,quantoporselhepedirdosseuscorrespondenteseamigos
quearepartiamporpreçoacomodado,porémjámaislevantado.
Atéque, imitadoporvizinhos,quecomambiçãoaplantarame
enviaramemmaiorquantidade,e,depois,porgrandepartedos
moradores dos campos, que chamam da Cachoeira, e de outros
dosertãodaBahia,passoupoucoapoucoaserumdosgênerosde
maiorestimaçãoquehojesaemdestaAméricameridionalparao
ReinodePortugaleparaosoutrosreinoserepúblicasdenações
estranhas.E,destasorte,umafolhaantesdesprezada,equasedes-
conhecida,temdadoedáatualmentegrandescabedaisaosmora-
doresdoBrasileincríveisemolumentosaoseráriosdospríncipes.
Desta,pois,falaremosagora,mostrandoprimeiramentecomo
se semeia e planta, como se limpa e colhe, como se beneficia e
cura,comoseenrolaedespachanaalfândega.2.Comosepisaese
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o130
lhedáocheiro,qualémelhorparamascar,qualparaocachimbo
equalparasepisar,eseogranidoouoempó.3.Dousomoderado
deleparaasaúde,edoimoderadoeviciosonaquantidade,nolu-
garenotempo.4.Dosrolosquecadaanoordinariamenteseem-
barcamdoBrasilparaPortugal,dovalordelenaBahiaenoReino,
daspenasparasenãomandarouintroduzirsemdespacho,edos
artifíciosparasepassardecontrabando,nãoobstanteavigilância
dosguardas,assimdentrocomoforadePortugal.E,finalmente,
dorendimentodestecontratoedarepartiçãodotabacoportodas
aspartesdomundo.Tudoconformeasnotíciascertasqueprocu-
reiemederamosmaisinteligentesemaisversadosnestalavra,
aosquais,noquedirei,mereporto.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 131
iiem que consiste a lavra do tabaco,
e de como se semeia, planta e limpa, e em que tempo se há de plantar
T odaalavraeculturadotabacoconsiste,porsuaordem,
em se semear, plantar, limpar, capar, desfolhar, colher,
espinicar,torcer,virar,ajuntar,enrolar,encourarepisar;edetudo
istoiremosfalandonoscapítulosseguintes.E,começandoneste
pelaplanta: semeia-seestaemcanteirosbem-estercados,ouem
queimadasfeitasnomato,ondeháterraconvenienteparaissoe
aparelhadasnomesmoanoemquesehádesemear.Otempoem
quecomumentesesemeiasãoosmesesdemaio,junhoejulho;
e,depoisdenascidaasemente,nascetambémcomelaalgumca-
pim,oqualsetiracomtento,quesenãoarranquepordescuido
comocapimviciosoaplantainocente.
Tendo a planta já um palmo, ou pouco menos, de altura, se
passa dos canteiros, onde nasceu, para os cercados ou currais,
ondesehádecriar,cujaterra,quantomaisestercada,émelhor.
Mas,senosditoscurraismoroupormuitotempoogado,há-sede
tirarantesalgumapartedoesterco,paraqueaforçadele,ainda
nãocurtidodotempo,nãoqueimeaplanta,emvezdeaajudar.
Distribui-se a dita terra em regos, com riscador, para que a
plantafiquevistosa.Adistânciadeumregodeoutroédecinco
palmos,eadasplantasentresiédedoispalmosemeio,paraque
sepossamestenderecrescerfolgadamente,semumaserdeem-
baraçoàoutra.Planta-seemcovasdeumpalmo,quantocavaa
enxadametida;eestasseenchemdeterrabem-estercadaecom
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o132
vigilânciaecuidadosecorreaditaplantatodososdiasparaver
setemlagarta,eestalogosemata,paraanãocomer,sendotenra.
Os inimigos da planta são, ordinariamente, além da lagarta, a
formiga,opulgãoeogrilo.Alagarta,empequena,corta-lheopé
ouraizdebaixodaterra,e,emcrescendo,corta-lheasfolhas.O
mesmofaztambémaformiga,eporissosepõemnosregos,onde
estaaparece,outrasfolhasdemandiocaouaroeira,paraquede-
lascomamasformigasenãocheguemacortarecomerasdota-
baco,que,sendocortadasdestasorte,nãoservem.Opulgão,que
éummosquitopreto,poucomaiorqueumapulga,fazburacos
nasfolhas,eestas,assimfuradas,nãoprestamparasefazerdelas
torcida. O grilo, enquanto a planta é pequena, a corta rente da
terra,e,sendojácrescida,tambémseatreveacortar-lheasfolhas.
Sendo a folha já bastantemente crescida, se lhe chega ao pé
aquelaterraquesetiroudascovasemquefoiplantada,daquela
partequeficouarrumadamaisalta;porém,emtempodeinverno,
nãoseapertamuito,porquetodaestáúmida;noverão,aperta-se
mais,paraqueaterraadefendaeaumidade,postoquemenor,lhe
dêoprimeiroalimento.Eistofazquemaplanta.
Estandoaplantaemsuaconta,comoitoounovefolhas,con-
formeaforçacomquevemcrescendo,selhetiraoolhodecima,
ougrelo,antesdeespigar,oque,poroutrafrase,chamamcapar.E
porquefaltando-lheesteolho,nasceemcadapédasfolhasoutro
olho,todosestesolhossehãodebotarfora(eaistochamamde-
solhar)paraquenãotiremsustânciaàsfolhas.Eestadiligência
se faz pelo menos de oito em oito dias; e mais frequentemente
se visitam e correm os regos para tirar o capim, até estarem as
folhas sazonadas, o que se conhece por aparecerem nelas umas
nódoasamarelas,ouporestarjápretopordentroopédafolha,o
quecomumentesucedeaoquartomêsdepoisdepostasemsuas
covasasplantas.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 133
iiicomo se tiram e curam as folhas do tabaco; como delas se fazem e beneficiam as cordas
Q uebram-seasfolhasrentedahásteacomotalo,ejuntasemcasasedeixamestarassimporvinteequatrohoras,
poucomaisoumenos;elogoantesdeseesquentaremesecarem,sedependuramduaseduaspelopé,metidasentreapalha(dequeconstamascasasemquesebeneficiam)easvaras,ou,emoutraparte,ondelhesdêoventomaslhesnãochegueosol,porqueseestelheschegasse,logosesecariameperderiamasustância.E,tantoqueestiveremenxutasemsuaconta,quepoucomaisoumenosserádepoisdeestaremassimdependuradasdoisdias, sebotamnochão,eselhestiraamaiorpartedotalopelaparteinfe-rior,comodevidocuidado,paraquenãoserasguecomodesviodotalo;eaistochamamespinicar.Eentãosedobrampelomeioasmelhores,quehãodeservirdecapaparaacordaquesehádefa-zerdetodasasmaisfolhas.Eadvirta-sequeasfolhasquesetiraramemumdianãosehãodemisturarsenãocomasquesetiraremnodiaseguinte,paraquesejamigualmentesazonadas;e,senãoforemassim,umasprejudicarãoaobomconcertodasoutras.
Curadasasfolhasetiradojáotalo,comoestádito,delassefazuma corda da grossura quase de três dedos. E, para isso, haverárodaeumtorcedorestendido,paraqueacordafiqueunida,igualeforte,eatrásdeleestaráoutro,colhendoatorcidasobreumpauou sobre o aparelho, como qualquer outra corda simples e nãocomoasquesefazemdecordões;ejuntodotorcedorvãoosrapa-zes,quedãoasfolhasparasetorcerememcorda.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o134
ivcomo se cura o tabaco depois de torcido em corda
F eitaacordadocomprimentoquequiseremeenrodilhada
emumpau,sedesenrolacadadia,asaber,pelamanhãe
ànoite,epassa-seaoutropau,paraquenãoarda;enapassagem
sevaitorcendoeapertandobrandamente,paraquefiquebemli-
gadaedura.E,tantoqueficarpreta,vira-sesóumavezcadadia;
e,comosevaiaperfeiçoando,sediminuemasviraduras,atéficar
em estado que se possa recolher sem temor de que apodreça. E
comumente este benefício costuma durar quinze ou vinte dias,
conformevaiotempomaisoumenosúmidoouseco.
Segue-se atrás disto o que chamam ajuntar, que vem a ser
pôrtrêsbolasdecordadetabacoemumpau,ondeficaatéque
chegueotempodeenrolar.E,entretanto,guardam-seestasbolas
notendal,queécomoumandaimealto,comseusregosembaixo,
parareceberemacaldaquebotamdesiessasbolas,eestaseajunta
eguardaparadepoisusardela,quandofortempodeenrolar.
O último benefício que se lhe faz é o seguinte: tempera-se a
caldadomesmotabacocomseuscheirosdeerva-doce,alfavaca
emanteigadeporco;equemfazmanojosdeencomendabota-
-lhealmíscarouâmbar,seotem;eporestacaldamisturadacom
mel de açúcar (quanto mais grosso, melhor) se passa a mesma
cordadetabacoumavez,elogosefazemrolos,domodoseguinte.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 135
vcomo se enrola e encoura o tabaco,
e que pessoas se ocupam em toda a fábrica dele,
desde a sua planta até se enrolar
P araenrolarotabaco,dobramacordajácuradaemelada,
de comprimento de três palmos, sobre uma estaca não
muitogrossaeleve,quenasextremidadestemquatrotabuinhas
emcruz,sobreasquais,dobradaeseguradadeumaeoutraparte
aditacorda,sevaienrolandoatéofim,puxandosemprebeme
unindoumadobracomoutra,desortequenãofiquevãoalgum
entre as dobras. E para que as cabeças fiquem sempre direitas,
alémdascruzetasquelevam,lhesvãometendofolhasdeurucuri
nosvãos,paraquefiquembemunidascomasdobrasdedentro.
Acabado o rolo, se cobre primeiramente com folhas de cara-
vatásecas,amarradascomembira;edepoisselhefazumacapa
decourodamedidadorolo,aqual,cosidaeapertadamuitobem,
marca-se com a marca do seu dono. E desta sorte vão os rolos
porterraemcarrosepormarembarcosaseremdespachadosna
alfândega,antesdesemeteremnasnaus.Ecadarolopesacomu-
menteoitoarrobas.
Vindo agora a falar das pessoas que se ocupam na fábrica e
culturadotabaco,elaétalqueatodosdáquefazer,porquenela
trabalham grandes e pequenos, homens e mulheres, feitores e
servos.Mas,nemtodosservemparaqualquerministério,dosque
acima ficam referidos. Para semear e plantar a folha é necessá-
rioquesejapessoaqueentendadisso,paraqueseguardebemo
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o136
modo,adireituraeadistância,assimdoregocomodascovas.O
cavarascovaspertenceaosqueandamnoserviçocomaenxada;
osrapazesbotamospésdaplanta,asaber,umemcadaumadas
covas,quejáficamfeitas.Eoqueplantaaperta-lheaterraaopé
maisoumenos,conformeaumidadedela.Todaagenteseocupa
emcataralagartaduasvezesnodia,asaber,pelamadrugadae
depoisdeestarosolposto,porquedediaestádebaixodaterra,
eosinaldeestaraíéoachar-sealgumafolhacortadadenoite.
Chegar-lheaterracomaenxadaétrabalhodosgrandes.Capar
aplantajácrescida,istoé,tirar-lheoolhoougrelonapontada
hástea,éofíciodenegrosmestres.Desolhar,quevemasertirar
os outros olhos que nascem entre cada folha e a hástea, fazem
pequenosegrandes.Apanharoucolherasfolhasédequemsabe
conhecer quando é tempo, pelo sinal que tem a folha onde se
pegacomahástea, queéoseraíde corpreta.Toda a gentede
serviçoseocupaemdependurarasfolhasnosaltos,eistosefaz
comumentedenoite.Pinicarouespinicarouespicar,quetudo
éomesmo,evemasertirarotaloàsfolhasdotabaco,étraba-
lholeve,depequenosegrandes.Torcerasfolhas,fazendodelas
corda, encomenda-se a algum negro mestre; e o que anda com
arodaouengenhodetorcerhádesernegrorobusto;etambém
botaracapaàcorda,paraquefiquebemredonda,éobradenegro
experimentado.Osrapazesdãoaotorcedorasfolhasetambém
ascapasaoquevaicobrindocomasmelhoresacorda,eomes-
moquebotaascapaséoqueenrola.Opassarascordasdeum
pauparaoutrocorreporcontadedoisnegros,dosquaisumestá
noviradoreoutrovaidesandandoacordaenroladanopau.Os
queviramoumudamacordadeumpauparaoutrosãonegros
mestres,eemcadaviradorsãonecessários três:umque largue
acorda,outroqueacolhaeoutroqueandenovirador.Ajuntar,
queépôracordadetrêsbolasemumpau,éobradosnegrosmais
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 137
destros,esãotrês,eàsvezesquatro,porquenãobastaumsóno
virador, mas há mister de dois, para que apertem bem a corda.
Enrolar,finalmente,éocupaçãodebonsoficiais,paraquefique
aobrasegura.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o138
vida segunda e terceira folhas do tabaco, e de diversas qualidades dele, para se mascar, cachimbar e pisar
T udooqueestáditoatéaquidotabaco,quechamamda
primeirafolha,evaleomesmoqueodaprimeiracolhei-
ta,sehádeentendertambémdodasegundaeterceirafolhas,se
aterraajudarparatantoeforparaissoajudadacomobenefício
dotempoedoesterco.Portanto,tiradastodasasprimeirasfolhas,
corta-seahásteamenosdeumpalmosobreaterra,paraquebro-
temassegundas;e,crescendoelas,selhestiram(comoestádito
acima)osolhosdostroncoseocapimdosregos;eomesmobene-
fícioquesefezàsprimeirasfolhassefazàsdasegundacolheita.E,
seaterraforforte,faz-seaterceiraemultiplicam-seosrolos.
Otabacodaprimeirafolhaéomelhor,omaisforteeoquemais
dura,eesteserveparaocachimboeparasemascarepisar.Ofraco
parasemascarnãoserve,esóprestaparasebebernocachimbo.
Osqueoquiserempisarhãodeajuntaraomelhoraquelestalos
quesetiramdasfolhas,depoisdeestarembemsecos,porqueestes,
pisadoscomasfolhas,fazemaotabacoforteedeboacor.E,para
otabacoempó,odasAlagoasdePernambucoeodosCamposda
CachoeiraedasCapivarassãoosmelhores.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 139
viicomo se pisa o tabaco; do granido e em pó;
e como se lhe dá o cheiro
P ara se pisar o tabaco, há de ser bem seco, ou ao sol, ou
embacias,oufornosdecobre,comatençãoparaquenão
queime,e,porisso,sehádemexercontinuamente;eospilõesem
quesepisahãodeserdepedra-mármore,comasmãosdepisar
depau.Pisado,peneira-se,eoqueestivercapazsetiraàparte,e
omaisgrossosetornaapisar,atésereduzirempó.Eesteéoque
comumentemaisseprocuraeseestima.
DogranidoseusamuitonaItália,efaz-sedestasorte.Toma-se
o tabaco já feito em pó e põe-se em um alguidar vidrado, bota-
-se-lhe em quantidade moderada algum mel ou calda de tabaco, e
seestaformuitogrossasefarálíquida,comumpoucodevinho.
Depois,paraqueseváincorporando,semexemuitobeme,me-
xido, se levanta e meneia-se entre as mãos, como quem faz bo-
linhos;e,estandoassimúmido,sepassaporumaoropemafina,
enestapassagempelosburaquinhosdaoropemase formamos
granidos,comoosdapólvorafina,eficaotabacogranido.Eoque
nãopassapelooropema,porseraindagrosso,torna-seamenear,
comoestádito,entreasmãos,atésercapazdepassar.Passado,se
secaaosolsemsemexer,paraquenãotorneaamassar-seeperca
oserdegranido.
Depois de o tabaco granido estar seco, se lhe quiserem dar
algum cheiro, borrifa-se com água cheirosa, ou põe-se no mes-
mo vaso em que se recolheu uma baunilha inteira, ou alguma
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o140
quantidade de âmbar, ou de algália ou de almíscar. Porém, o
tabacoempónãoécapazdeserborrifadocomáguacheirosa,
porquecomelaseamassariaenãoficaria,comosepretendeu,
soltoempó.
OtabacoquesepisanoBrasilvaisemmistura,singeloelegíti-
moemtudo;e,porisso,tantoseestima.Mas,oquesepisaemal-
gumaspartesdaEuropavende-setãoviciadoqueapenasmerece
onomedetabaco,poiscomeleatéascascasdelaranjasepisam.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 141
viii
do uso moderado do tabaco para a saúde, e da demasia nociva à mesma saúde,
de qualquer modo que se use dele
O s que são demasiadamente afeiçoados ao tabaco o
chamam erva santa, nem há epíteto de louvor que
lhenãodeemparadefenderoexcessodignoderepreensãoede
nota.Homensháque,parece,nãopodemviversemestequinto
elemento, cachimbando a qualquer hora em casa e nos cami-
nhos, mascando as suas folhas, usando de torcidas e enchendo
osnarizesdestepó.Eestademasianãosomentesevênosmarí-
timosenostrabalhadoresdequalquercasta,forroseescravos,os
quaisestãopersuadidosdequesócomotabacohãodeteralento
e vigor, mas também em muitas pessoas nobres e ociosas, nos
soldadosdentrodocorpodaguarda,eemnãopoucoseclesiásti-
cos,clérigosereligiosos,naopiniãodosquaistodaessademasia
sedefende,aindaquandosevêmanifestamentequenãoseusa
pormezinha,maspordargostoaumexcessivoemal-habituado
prurito.Eu,quedemodoalgumusodele,ouvidizerqueofumo
do cachimbo, bebido pela manhã em jejum moderadamente,
desseca as umidades do estômago, ajuda para a digestão e não
menos para a evacuação ordinária, alivia ao peito que padece
fluxãoasmáticaediminuiadorinsuportáveldosdentes.
Omascá-lonãoétãosadio,porém,assimcomomascadopela
manhã, em jejum, moderadamente, serve para dessecar a abun-
dânciadoshumoresdoestômago,assimousoimoderadoorelaxa;
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e,pelacontinuação,obramenos,alteraogosto,fazgraveobafo,
negrososdentes,edeixaosbeiçosimundos.
Usamalgunsdetorcidasdentrodosnarizes,parapurgarpor
estaviaacabeçaeparadivertiroestilicídioquevaiacairnas
gengivasecausadoresdedentes,e,postaspelamanhãeànoite,
nãodeixamdeserdeproveito.Sóseencomenda,aosqueusam
delas,oevitaremaindecênciaquecausaoaparecercomelasfora
dosnarizesecomumagotadeestilicídiosempremanante,que
sujaabarbaecausanojoaquemcomelesconversa.
Sendo o tabaco em pó o mais usado, é certamente o menos
sadio,assimpelademasiacomquesetoma,quepassademezi-
nhaaservício,comoporimpediromesmocostumeexcessivoos
bonsefeitosquesepretendemequetalvezcausariaseousofosse
maismoderado.Deixando,porém,derepararnestaviciosasuper-
fluidade, só lembro quando dois sumos pontífices, Urbano VIII
e Inocêncio X, estranharam o usar dele nas igrejas, pela grande
indecênciaquerepararame julgaramsereste intolerávelabuso
dignodesenotareestranharnossecularesemaisnoseclesiásti-
cospoucoacautelados,aindaquandoassistemnocoroaosofícios
divinos, e muito mais nos religiosos, que devem dar exemplo a
todos(emaiormentenoslugaressagrados)degravidadeemodés-
tia.E,porisso,ambosossobreditospontíficeschegaramaproibi-
-lo,comexcomunhãomaior;oprimeiro,comumbrevede30de
janeirodoanode1642,oproibiunaigrejadeSãoPedroemRoma
enoadroealpendredoditotemplo,osegundocomoutrobreve,
debaixodamesmapena,aos8dejaneirode1650,nasigrejasde
todoumarcebispadoemqueseiaintroduzindoestademasiacom
escândalo.E,emalgumasreligiõesmaisobservantes,seproibiu
ousopúblicodotabaconasigrejas,comprivaçãodevozativae
passiva,istoé,sobpenadenãopoderemsereleitosostransgresso-
resnempoderemescolheraoutrosparasuperioreseparaoutros
ofíciosdaOrdem.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 143
ixdo modo com que se despacha o tabaco
na alfândega da bahia
B eneficiado e enrolado o tabaco, e pago o seu dízimo
a Deus, que é de vinte arrobas uma (e rende este dízi-
mo, um ano por outro, dezoito mil cruzados, como consta do
arrendamento do dízimo que se tira da Cachoeira da Bahia, e
suasfreguesiasanexas,foraoqueselavrapelasmaispartesdo
sertãodelaemSergipeDel-Rei,Cotinguiba,RioReal,Ihambupe,
MontegordoeTorre,queapartadodorendimentododízimodo
açúcaremaismeunçasrendedezatédozemilcruzados),vem
pagandoseuscarretosefretesparaacidadedaBahiaatésemeter
emumasuaprópriaalfândega,ondesedespachamparaLisboa,
umanoporoutro,devinteecincomilrolosparacima,osquais
pagam,porumcontratodaCâmera,asetentaréisporcadarolo,
edestestemEl-Reiaterceiraparte,easduassãoparaopresídio
damesmacidade,queimportamcincomilcruzados.
Pagammaisaumabalançaatrêsréisporarroba,queaCâmera
arrenda da mesma forma já dita, e importa mil e duzentos
cruzados.
Destetabacosepermiteaextraçãodetrezemilarrobasparaa
navegaçãodacostadaMina,quesearrumamemcincomilrolos
pequenosdetrêsarrobas,osquaistambémpagamasetentaréis
porcadaroloparaosobreditocontratodaCâmera,eimportamil
cruzados.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o144
DestastrezemilarrobassepagampordízimoaEl-Reiquatro
vinténsporarrobaepagam-senaCasadosContos,oqueimporta
trêsmilcruzados.
VãoparaoRiode Janeiro, todososanos, trêsmilarrobas,as
quaisnadapagamnaBahia,masvãopagarnoditoRiodeJaneiro
vinteecincomilcruzadoscadaano,porcontratodeEl-Rei,oqual
poucomaisoumenosportantosearrenda.
Etudooquenestecapítulododespachodotabacoestádito
importasessentaecincomileduzentoscruzados.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 145
xque custa um rolo de tabaco de oito arrobas
posto da bahia na alfândega de lisboa e já despachado e corrente para sair dela
O rolodotabaco 8$000
Ocouroeoenroladonele 1$300
OfreteparaoportodaCachoeira $550
OaluguernoarmazémdaCachoeira $040
OfreteparaacidadedaBahia $080
Adescarganoarmazémdacidade $020
Oaluguernoarmazémdacidade $040
Ochegaràbalançadopeso $010
Opesar,adezréisporrolo,ebotarfora $010
Opesodabalança,atrêsréisporarroba $024
DireitosefretesemaisgastosemLisboa 2$050 ______
O que tudo importa doze mil, cento e vinte
e quatro réis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12$124
Vãoordinariamente,cadaano,daBahia,vinteecincomilrolos
detabaco;eadozemil,centoevinteequatroréis,importam
trezentosetrêscontosecemmil-réis. . . . . . . . . . 303:100$000
Vão, ordinariamente, cada ano, das Alagoas de Pernambuco,
dois mil e quinhentos rolos; e a dezesseis mil, seiscentos e
vinteréis,porsermelhorotabaco,importamquarentaeum
contos,quinhentosecinquentamil-réis . . . . . . . . . 41:550$000
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o146
Importatodoestetabacotrezentosequarentaequatrocontos,
seiscentosecinquentamil-réis .................. 344:650$000
E, reduzidos a cruzados, são oitocentos e sessenta e um mil,
seiscentosevinteecincocruzados.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 147
xida estimação do tabaco do brasil na europa
e nas mais partes do mundo, e dos grandes emolumentos que dele tira a fazenda real
D oqueatéagorasetemdito,facilmentesepodeenten-
deraestimaçãoevaloraquetemchegadootabaco,e,
maisparticularmente,odoBrasil.Pois(comodisseaoprincípio),
havendopoucomaisdecemanosquesecomeçouaplantarebe-
neficiarnaBahia, foramasprimeirasarrobasquesemandaram
aLisboa,comoumasementeiradedesejos,paraquecadaanose
pedissemlogoesemandassemmaisemaisarrobas.E,passando
demimoasermercancia,hojeapenasostantosmilharesdero-
losquelevamasfrotassãobastantesparasatisfazeraoapetitede
todasasnações,nãosomentedaEuropa,mastambémdasoutras
partes do mundo, donde encarecidamente se procuram. Vale
umalibradetabacopisado,emLisboa,devinteatévinteequatro
tostões,conformeémaisoumenosfino,eoqueEl-Reitiradeste
contratocadaanosãodoismilhõeseduzentosmilcruzados.Nem
hojetêmospríncipesdaEuropacontratodemaiorrendimento,
pelamuitaquantidadedetabacoquesegastaemtodasascidades
evilas.
Sirva deprova oquecontaEngelgraveno primeiro tomo da
Luz evangélica, na dominga quinta depois do Pentecoste, ao § I,
alegandopor testemunhodoquedizaohistoriadorBarnabéde
Rijcke,comocertamenteinformado.Diz,pois,esseautor,quena
cidadedeLondres,cabeçadaGrã-Bretanha,povoadademaisde
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oitocentas mil almas, passam as vendas do tabaco o número
desetemil;e,dandoquecadaumadestasnãovendamaiscada
dia que um florim e meio de tabaco, importará o que se vende
cadadiadezmilequinhentosflorins,osquais,reduzidosàmoeda
portuguesa,emquecadaflorimsãodoistostões,importamcinco
mileduzentosecinquentacruzados.E,consequentemente,oque
se vende só em Londres, em um ano, que consta de trezentos e
sessenta e cinco dias, importa um milhão, novecentos e dezes-
seismil,duzentosecinquentacruzados.Eaquesomachegaráo
quesevendecadaanoemtodaaGrã-Bretanha,emFlandres,em
França,emtodaaEspanhaeemItália?Paranãofalaremoutras
partesedoquevaiparaforadaEuropa,particularmenteàsÍndias,
OrientaleOcidental,procurando-seodoBrasil,pormaisperfeito
emaisbemcurado,emmaiorquantidadedaqueselhepodeman-
dar,pornãofaltaremoscomissáriosaosmercadoresquetratam
deproveraspartesmaispróximas.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 149
xiidas penas dos que levam tabaco não
despachado nas alfândegas, e das indústrias de que se usa para
se levar de contrabando
Q ualquer descaminho do tabaco, por qualquer destas
partes do Brasil, fora do registro e guias, debaixo do
que tudo vai despachado, tem por pena a perda do tabaco e da
embarcaçãoemqueseacharemaiscincoanosdedegredopara
Angolaaoautordestaculpa.Porém,muitomaioressãoaspenas
quetêmostransgressoresdobandoemPortugal.Eemoutrosrei-
nossãotantasetãogravesqueacadapassosãocausadaruínade
muitas famílias. E quanto mais rigorosas são estas penas, tanto
maiorprovasãodomuitoaquesubiuocontratoedograndelu-
croquetêmdeletodosospríncipes.
Mas,aindamaiorprovadograndevalorelucroquedáotabaco
é o perderem muitos, por ambição, o temor destas penas, arris-
cando-seaelascomdesprezodoperigodeseveremcompreen-
didosnasmesmasmisériasaqueoutrossereduziramporserem
tãoconfiados.E,paraisso,parecequenãoháindústriadequese
nãouseparaoembarcaretirardasembarcaçõesàsescondidas,à
vistadosmesmosministrosquecomoArgosdecemolhosvigiam
quandonãosãojuntamenteBriaréusdecemmãospararecebere
maismudosqueospeixesparacalar.Paraapontaralgumasdestas
indústrias,direi,porrelaçãodoscasosemqueseapanharamnão
poucos,queunsmandaramotabacodentrodaspeçasdaartilharia,
outrosdentrodascaixasefechosdoaçúcar,outrosarremedando
ascarastambémdeaçúcar,muitobemencouradas.Serviram-se
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o150
outrosdosbarrisdefarinhadaterra,dosdebreuedosdemelado,
cobrindocomasuperfíciementirosaoqueiadentroemfolhas
deflandres.Outrosvaleram-sedascaixasderoupas,fabricadasa
dois sobrados, para dar lugar a esconderijos, de frasqueiras que
estãoàvista,pondoentreosfrascosdevinhooutrostambém,de
tabaco.Quantofoievaicadaanonasobrasmortase forrosdas
câmerasedasvarandasdasnaus?Quantonascurvasqueparaisso
naspartesmaisescurasseforram?Enãofaltouquemlhedesse
lugaratédentrodeumasimagensocasdesantos,assimcomouns
carpinteiros de navios o esconderam em paus ocos, misturados
entreosoutrosdequecostumamvaler-se.Deixooqueentraesai
emalgibeirasgrandesdecourodosquevãoevêmdasnauspara
osportos,comrepetidasidasevoltas,debaixodelobasetúnicas,
eoquesearrastadebaixodosbatéisedaspipasdaaguadapelas
ondasdomar.Nuncaacabaríamos,sequiséssemosrelatarasin-
vençõesquesugeriuacautelaambiciosa,porémsemprearriscada
emuitasvezesdescoberta,comsucessoinfeliz.Oqueclaramente
provaaestimação,oapetiteeaesperançadolucro,queaindaen-
treriscosacompanhaaotabaco.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 153
cultura e opulência do brasil pelas minas do ouro
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 155
idas minas do ouro
que se descobriram no brasil
F oisemprefamaconstantequenoBrasilhaviaminasde
ferro,ouroeprata.Mas,também,houvesemprebastan-
te descuido de as descobrir e de aproveitar-se delas, ou porque,
contentando-seosmoradorescomosfrutosquedáaterraabun-
dantementenasuasuperfície,ecomospeixesquesepescamnos
riosgrandeseaprazíveis,nãotrataramdedivertirocursonatural
destes, para lhes examinarem o fundo, nem de abrir àquela as
entranhas,comopersuadiuaambiçãoinsaciávelaoutrasmuitas
nações,ouporqueogêniodebuscaríndiosnosmatososdesviou
destadiligênciamenosescrupulosaemaisútil.
NaviladeSãoPaulohámuitapedrausual,parafazerparedes
ecercas,aqual,comacor,comopesoecomasveiasquetemem
si, mostra manifestamente que não desmerece o nome que lhe
deramdepedra-ferro,equedondeelasetira,ohá.Oquetambém
confirmaatradiçãodequejásetirouquantidadedeleeseachou
sermuitobomparaasobrasordináriasqueseencomendamaos
ferreiros.E,ultimamente,naserraIbiraçoiaba,distanteoitodias
daviladeSorocaba,edozedaviladeSãoPaulo,ajornadasmode-
radas,ocapitãoLuísLopesdeCarvalho,indolápormandadodo
governadorArturdeSá,comumfundidorestrangeiro,tirouferro
etrouxebarras,dasquaissefizeramobrasexcelentes.
Quehaja,também,minasdepratanãoseduvida,porquena
serradasColunas,quarentaléguasalémdaviladeItu,queéuma
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o156
dasdeSãoPauloaolestedireito,hácertamentemuitaprata,e
fina.NaserradeSabarabuçutambémahá.DaserradeGuamuré,
defronte do Ceará, tiraram os holandeses quantidade dela, no
tempo em que estavam de posse de Pernambuco. E, na serra de
Itabaiana,hátradiçãoqueachouprataoavôdocapitãoBelchior
da Fonseca Dória. E em busca de outra, foi além do rio de São
FranciscoLopodeAlbuquerque,quefaleceunestasuamalograda
empresa.
Mas, deixando as minas de ferro e de prata, como inferiores,
passemosàsdoouro, tantasemnúmeroetãorendosasaosque
delasotiram.E,primeiramente,écertoquedeumouteiroalto,
distantetrêsléguasdaviladeSãoPaulo,aquemchamamJaraguá,
se tirou quantidade de ouro que passou de oitavas a libras. Em
Parnaíba, também junto da mesma vila, no cerro Ibituruna, se
achou ouro e tirou-se por oitavas. Muito mais, e por muitos
anos,secontinuouatiraremParanaguáeCuritiba,primeiropor
oitavas,depoisporlibras,quechegaramaalgumaarroba,posto
quecommuitotrabalhoparaoajuntar,sendoorendimentono
catarlimitado,atéqueselargaram,depoisdeseremdescobertas
pelospaulistasasminasgeraisdosCataguáseasquechamamdo
Caeté,easmaismodernasnoriodasVelhaseemoutraspartes
quedescobriramoutrospaulistas;edetodasestas iremosagora
distintamentefalando.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 157
iidas minas de ouro, que chamam gerais,
e dos descobridores delas
H á poucos anos que se começaram a descobrir as mi-
nasgeraisdosCataguás,governandooRiodeJaneiro
ArturdeSá;eoprimeirodescobridordizemquefoiummulato
que tinha estado nas minas de Paranaguá e Curitiba. Este, indo
aosertãocomunspaulistasabuscaríndios,echegandoaocerro
Tripuí,desceuabaixocomumagamelaparatiraráguadoribeiro
quehojechamamdoOuroPreto,e,metendoagamelanariban-
ceiraparatomarágua,eroçando-apelamargemdorio,viudepois
quehavianelagranitosdacordoaço,semsaberoqueeram,nem
oscompanheiros,aosquaismostrouosditosgranitos,souberam
conhecer e estimar o que se tinha achado tão facilmente, e só
cuidaram que aí haveria algum metal não bem formado, e por
issonãoconhecido.Chegando,porém,aTaubaté,nãodeixaram
deperguntarquecastademetalseriaaquele.E,semmaisexame,
venderamaMigueldeSousaalgunsdestesgranitos,pormeiapa-
tacaaoitava,semsaberemelesoquevendiam,nemocomprador
quecoisacomprava,atéqueseresolveramamandaralgunsdos
granitosaogovernadordoRiodeJaneiro,ArturdeSá;efazendo-se
examedeles,seachouqueeraourofiníssimo.
EmdistânciademeialéguadoribeirodoOuroPreto,achou-
-seoutramina,quesechamaadoribeirodeAntônioDias;edaí
a outra meia légua, a do ribeiro do Padre João de Faria; e, junto
desta, pouco mais de uma légua, a do ribeiro do Bueno e a de
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o158
BentoRodrigues.E,daíatrêsdiasdecaminhomoderadoatéo
jantar,adoribeirãodeNossaSenhoradoCarmo,descobertapor
João Lopes de Lima, além de outra, que chamam a do ribeiro
Ibupiranga.Etodasestastomaramonomedosseusdescobrido-
res,quetodosforampaulistas.
Também há uma paragem no caminho para as ditas minas
gerais, onze ou doze dias distante das primeiras, andando bem
atéas trêshorasda tarde,aqualparagemchamamadoriodas
Mortes,pormorreremnelaunshomensqueopassaramnadando,
eoutrosquesemataramàspelouradas,brigandoentresisobrea
repartiçãodosíndiosgentiosquetraziamdosertão.Enesterio,e
nosribeirosquedeleprocedem,eemoutrosquevêmadarnele,
seachaouro,eserveestaparagemcomodeestalagemdosquevão
àsminasgerais,eaíseproveemdonecessário,porteremhojeos
queaíassistemroçasecriaçãodevender.
NãofalodaminadaserradeItatiaia(asaber,doourobranco,
queéouroaindanãobemformado),distantedoribeirodoOuro
Pretooitodiasdecaminhomoderadoatéojantar,porquedesta
nãofazemcasoospaulistas,porteremasoutras,deouroformado
edemuitomelhorrendimento.Eestasgerais,dizemqueficamna
alturadacapitaniadoEspíritoSanto.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 159
iiide outras minas de ouro no rio das velhas
e no caeté
A lém das minas gerais dos Cataguás, descobriram-se
outras por outros paulistas no rio que chamam das
Velhas,eficam,comodizem,naalturadePortoSeguroedeSanta
Cruz.EestassãoadoribeirodoCampo,descobertapelosargento-
-mor Domingos Rodrigues da Fonseca, a do ribeiro da Roça dos
Penteados,adeNossaSenhoradoCabo,daqualfoidescobridoro
mesmosargento-morDomingosRodrigues, ade NossaSenhora
de Monserrate, a do ribeiro do Ajudante; e a principal do rio
das Velhas é a do cerro de Sabarabuçu, descoberta pelo tenente
ManuelBorbaGato,paulistaquefoioprimeiroqueseapoderou
delaedoseuterritório.
Hámuitasoutrasminasnovas,quechamamdoCaeté,entre
asminasgeraiseasdoriodasVelhas,cujosdescobridoresforam
vários,eentreelasháadoribeiroquedescobriuocapitãoLuís
do Couto, que da Bahia foi para essa paragem com três irmãos,
grandesmineiros,alémdeoutras,quesecretamenteseachame
senãopublicam,paraseaproveitaremosdescobridoresdelasto-
talmente,enãoassujeitaremàrepartição,easqueultimamente
descobriuocapitãoGarciaRodriguesPais,quandofoiabrircami-
nhonovodetrásdacordilheiradaserradosÓrgãos,nodistritodo
RiodeJaneiro,porondecortaorioParaíbadoSul.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o160
iv do rendimento dos ribeiros e de diversas qualidades de ouro que deles se tira
D asminasgeraisdosCataguásasmelhoresedemaior
rendimento foram, até agora, a do ribeiro do Ouro
Preto,adoribeirãodeNossaSenhoradoCarmoeadoribeirode
BentoRodrigues,doqual,empoucomaisdecincobraçasdeterra,
setiraramcincoarrobasdeouro.TambémoriodasVelhasémui-
toabundantedeouro,assimpelasmargenscomopelasilhasque
tem,epelamadreouveiodaágua,edelesetemtiradoesetira
ainda,emquantidadeabundante.
Chamamospaulistasribeirodebomrendimentooquedáem
cadabateadaduasoitavasdeouro.Porém,assimcomohábatea-
dasdemeiaoitavaedemeiapataca,assimhátambémbateadasde
três,quatro,cinco,oito,dez,quinze,vinteetrintaoitavasemais,
eistonãopoucasvezessucedeunadoribeirão,nadoOuroPreto,
nadeBentoRodriguesenadoriodasVelhas.
Osgrãosdemaiorpesoquesetiraramforamumdenoventae
cincooitavas, outrodetrêslibras,querepartiramentresitrêspes-
soascomummachado,outro,quepassoudecentoecinquenta
oitavas,emformadeumalínguadeboi,quesemandouaogover-
nadordaNovaColônia,eoutromaiordeseislibras.
Quantoàsqualidadesdiversasdoouro,sabe-sequeoouro,a
quemchamampreto,portemnasuperfícieumacorsemelhante
àdoaço,antesdeiraofogo,provando-secomodentelogoaparece
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 161
amarelo, vivo, gemado, e é o mais fino, porque chega quase a
vinteetrêsquilates;equandoselhepõeocunho,nafundição,
fazgretasnabarreta,comosearrebentassedetodasaspartes;e
pordentrodátaisreflexosqueparecemraiosdosol.Odoribei-
rãoémaismiúdoemaispolme,ecompetenabondadecomo
ouropreto,porquechegaavinteedoisquilates.Oourodori-
beirodeBentoRodrigues,postoquesejamaisgrossoepalpável,
ebemamarelo,contudonãotemaperfeiçãodoouropretoe
doourodoribeirão,mas,quandomuito,chegaavintequilates.O
ourodoribeirãodoCampo,eodoribeirãodeNossaSenhorado
Monserrate,égrosso,emuitoamarelo,etemvinteeumquilates
emeio.OourodoriodasVelhaséfiníssimoechegaavintee
doisquilates.Oouro,finalmente,doribeirodeItatiaiaédecor
branca,comoaprata,pornãoestaraindabem-formado,como
dissemosacima,edestesefazpoucocaso,postoquealgunsdi-
gamque,indoaofogoàsvezespormaisformado,foimostrando
acoramarela.
Houveanoemque,detodasestasminasouribeiros,setiraram
maisdecemarrobasdeouro,foraoquesetiravaetiraescondida-
mentedeoutrosribeirosqueosdescobridoresnãomanifestaram,
paraosnãosujeitaremlogoàrepartição.E,seosquintosdeEl-Rei
chegaramadezesseteeavintearrobas,sonegando-setantoouro
nãoquintado,bemsedeixaverqueoouroquecadaanosetira,
sem encarecimento algum, passa de cem arrobas, e que nestes
dezanospassadossetemtiradomasdemilarrobas.E,senospri-
meirosanosnãochegaramacemarrobas,nosoutroscertamente
passaram. E continuando ao presente o rendimento com igual
oumaiorabundânciaporrazãodomaiornúmerodosqueseem-
pregamemcatar,sóosquintosdevidosaSuaMajestadeseforam
notavelmentediminuindo,ouporsedivertirparaoutraspartes
o ouro em pó, ou por não ir à Casa do Quintos, ou por usarem
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o162
algunsdecunhosfalsos,comenganomaisdetestável.Mas,ainda
assim,nãodeixouSuaMajestadedetergrandelucronaCasada
MoedadoRiodeJaneiro,porquecomprandooouroadozetostões
aoitava,ebatendo-seemdoisanostrêsmilhõesdemoedanacio-
naleprovincialdeouro,foilucrandoseiscentosmilcruzadosde
avanço.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 163
vdas pessoas que andam nas minas
e tiram ouro dos ribeiros
D asedeinsaciáveldoouroestimuloutantosadeixarem
suasterraseameterem-seporcaminhostãoásperos
comosãoosdasminas,quedificultosamentesepoderádarconta
donúmerodaspessoasqueatualmenteláestão.Contudo,osque
assistiramnelanestesúltimosanosporlargotempo,eascorre-
ramtodas,dizemquemaisdetrintamilalmasseocupam,umas
acatar,eoutrasamandarcatarnosribeirosdoouro,eoutrasem
negociar,vendendoecomprandooquesehámisternãosóparaa
vida,masparaoregalo,maisquenosportosdomar.
Cadaano,vemnasfrotasquantidadedeportuguesesedees-
trangeiros,parapassaremàsminas.Dascidades,vilas,recôncavos
esertõesdoBrasil,vãobrancos,pardosepretos,emuitosíndios,
dequeospaulistasseservem.Amisturaédetodaacondiçãode
pessoas:homensemulheres,moçosevelhos,pobresericos,no-
breseplebeus,seculareseclérigos,ereligiososdediversosinstitu-
tos,muitosdosquaisnãotêmnoBrasilconventonemcasa.
Sobreestagente,quantoaotemporal,nãohouveatéopresen-
tecoaçãoougovernoalgumbem-ordenado,eapenasseguardam
algumas leis, que pertencem às datas e repartições dos ribeiros.
No mais, não há ministros nem justiças que tratem ou possam
tratardocastigodoscrimes,quenãosãopoucos,principalmente
doshomicídiosefurtos.Quantoaoespiritual,havendoatéagora
dúvidas entre os prelados acerca da jurisdição, os mandados de
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umaeoutraparte,oucomocuras,oucomovisitadores,seacha-
ram bastantemente embaraçados, e não pouco embaraçaram a
outros,quenãoacabamdesaberaquepastorpertencemaqueles
novosrebanhos.E,quandoseaverigúeodireitodoprovimento
dospárocos,poucohãodesertemidoserespeitadosnaquelasfre-
guesiasmóveisdeumlugarparaoutro,comoosfilhosdeIsrael
nodeserto.
Teve El-Rei nas minas, por superintendente delas, ao desem-
bargadorJoséVazPinto,oqual,depoisdedoisoutrêsanos,tor-
nouarecolher-separaoRiodeJaneirocombastantecabedal,e
dele, suponho,ficariaplenamente informado do quepor lávai,
equeapontariaadesordemeoremédiodelas,sefossepossívela
execução.
Assiste também nas minas um Procurador da Coroa, e um
Guarda-mor, com seu estipêndio. Houve, até agora, Casa de
QuintaremTaubaté,naviladeSãoPaulo,emParati,enoRiode
Janeiro, e em cada uma destas casas há um provedor, um escri-
vãoeumfundidor,que,fundidooouroembarretas,lhepõemo
cunhoreal,sinaldoquintoquesepagouaEl-Reidesseouro.
HavendoCasadaMoedaedosQuintosnaBahia,enoRiode
Janeiro (por serem estes os dois polos aonde vai parar todo o
ouro), teria Sua Majestade muito maior lucro do que até agora
teve, e muito mais se nas Casas da Moeda, bem-fornecidas dos
aparelhos necessários, houvesse sempre dinheiro pronto para
compraroouroqueosmineirostrazemefolgamdeovendersem
detença.
AgorasoubemosqueSuaMajestademandagovernador,minis-
trosdeJustiça,e levantarumterçodesoldadosnasminas,para
quetudotomemelhorformaegoverno.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 165
vi das datas ou repartições das minas
P araevitaraconfusão,otumultoeasmortesquehaveria
nodescobrimentodosribeirosdeouro,seassentouoque
pertenceàsrepartiçõesdestasorte.Temodescobridoraprimeira
data,comodescobridor,eoutracomomineiro;segue-seaquecabe
aEl-Rei,e,atrásdesta,adoguarda-mor;asoutrassedistribuem
porsortes.Asquechamamdatasinteirassãodetrintabraçasem
quadra,etaissãoadeEl-Reieasdodescobridoreguarda-mor.As
outras, que se dão por sortes, têm a extensão proporcionada ao
número dos escravos que trazem para catar, dando duas braças
emquadraporcadaescravoouíndio,dequeseservemnascatas;
eassim,aquemtemquinzeescravossedáumadatainteirade
trintabraçasemquadra.Paraseradmitidoàrepartiçãoporsortes,
é necessário fazer petição ao superintendente das ditas reparti-
ções,aoqualsedápelodespachodapetiçãoumaoitavadeouroe
outraaoseuescrivão;eàsvezesaconteceoferecerem-sequinhen-
taspetiçõeselevaremorepartidoreoescrivãomiloitavasenão
tirarem todos os mineiros juntos outro tanto de tais datas, por
falharemnoseurendimento;e,porisso,procuramoutrasdatas,
havendodescobrimentodenovosribeiros.AdatadeEl-Reilogo
se vende a quem mais oferece e pode também qualquer vender
outrocarasuadata;enistosevirameveemacadapassováriose
diferentessucessos,tirandounsmineirosdepoucasbraçasmuito
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ouro,eoutros,demuitas,pouco;ejáhouvequemporpoucomais
demiloitavasvendeudata,daqualocompradortirousetearro-
basdeouro.Peloquesetemporjogodebemoumal-afortunado,
otirarounãotirarourodasdatas.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 167
viida abundância de mantimentos, e de todo o
usual que hoje há nas minas, e do pouco caso que se faz dos preços
extraordinariamente altos
S endoaterraquedáouroesterilíssimadetudoodequese
hámisterparaavidahumana,enãomenosestérilamaior
partedoscaminhosdasminas,nãosepodecreroquepadeceram
ao princípio os mineiros por falta de mantimentos, achando-se
nãopoucosmortoscomumaespigademilhonamão,semterem
outrosustento.Porém,tantoqueseviuaabundânciadoouroque
setiravaealarguezacomquesepagavatudooqueláia,logose
fizeramestalagenselogocomeçaramosmercadoresamandaràs
minasomelhorquecheganosnaviosdoReinoedeoutraspar-
tes,assimdemantimentos,comoderegaloedepomposoparase
vestirem,alémdemilbugiariasdeFrança,quelátambémforam
dar.E,aesterespeito,detodasaspartesdoBrasil,secomeçoua
enviartudooquedáaterra,comlucronãosomentegrande,mas
excessivo.E,nãohavendonasminasoutramoedamaisqueouro
empó,omenosquesepediaedavaporqualquercoisaeramoita-
vas.Daquiseseguiumandarem-seàsminasgeraisasboiadasde
Paranaguá,eàsdoriodasVelhasasboiadasdoscamposdaBahia,
etudoomaisqueosmoradoresimaginarampoderiaapetecer-se
de qualquer gênero de coisas naturais e industriais, adventícias
e próprias. E, ainda que hoje os preços sejam mais moderados,
contudoporeiaquiumrol,feitosinceramenteporquemassistiu
nasgeraistrêsanos,dospreçosdascoisasqueporcomumassento
lásevendiamnoano1703,repartindo-oemtrêsordens,asaber:
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ospreçosquepertencemàscoisascomestíveis;osdovestuárioe
armas;eosdosescravosecavalgaduras,quesãoosseguintes:
Preçosdascoisascomestíveis
Porumarês,oitentaoitavas.
Porumboi,cemoitavas.
Porumamãodesessentaespigasdemilho,trintaoitavas.
Porumalqueiredefarinhademandioca,quarentaoitavas.
Porseisbolosdefarinhademilho,trêsoitavas.
Porumpaio,trêsoitavas.
Porumpresuntodeoitolibras,dezesseisoitavas.
Porumpastelpequeno,umaoitava.
Porumalibrademanteigadevaca,duasoitavas.
Porumagalinha,trêsouquatrooitavas.
Porseislibrasdecarnedevaca,umaoitava.
Porumqueijodaterra,trêsouquatrooitavas,conformeopeso.
Porumqueijoflamengo,dezesseisoitavas.
PorumqueijodeAlentejo,trêsequatrooitavas.
Porumabocetademarmelada,trêsoitavas.
Porumfrascodeconfeitosdequatrolibras,dezesseisoitavas.
Porumacaradeaçúcardeumaarroba,32oitavas.
Porumalibradecidrão,trêsoitavas.
Por um barrilote de aguardente, carga de um escravo, cem
oitavas.
Por um barrilote de vinho, carga de um escravo, duzentas
oitavas.
Porumbarrilotedeazeite,duaslibras.
Porquatrooitavasdetabacoempócomcheiro,umaoitava.
Porseisoitavasdetabacosemcheiro,umaoitava.
Porumavaradetabacoemcorda,trêsoitavas.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 169
Preçodascoisasquepertencemaovestuárioearmas
Porumacasacadebaetaordinária,dozeoitavas.
Porumacasacadepanofino,vinteoitavas.
Porumavestedeseda,dezesseisoitavas.
Porunscalçõesdepanofino,noveoitavas.
Porunscalçõesdeseda,dozeoitavas.
Porumacamisadelinho,quatrooitavas.
Porumasceroulasdelinho,trêsoitavas.
Porumpardemeiasdeseda,oitooitavas.
Porumpardesapatosdecordovão,cincooitavas.
Porumchapéufinodecastor,dozeoitavas.
Porumchapéuordinário,seisoitavas.
Porumacarapuçadeseda,quatrooucincooitavas.
Porumacarapuçadepanoforradadeseda,cincooitavas.
Porumabocetadetartarugaparatabaco,seisoitavas.
Porumabocetadeprataderelevoparatabaco,setemoitooi-
tavasdeprata,dãodezoudoze,deouro,conformeofeitiodela.
Porumaespingardasemprata,dezesseisoitavas.
Porumaespingardabenfeitaeprateada,centoevinteoitavas.
Porumapistolaordinária,dezoitavas.
Porumapistolaprateada,quarentaoitavas.
Porumafacadepontacomcabocurioso,seisoitavas.
Porumcanivete,duasoitavas.
Porumatesoura,duasoitavas.
EtodaabugiariaquevemdeFrançaedeoutraspartes,vende-
-seconformeodesejoquemostramterdelaoscompradores.
Preçosdosescravosedascavalgaduras
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o170
Porumnegrobenfeito,valenteeladino,trezentasoitavas.
Porummolecão,duzentasecinquentaoitavas.
Porummoleque,centoevinteoitavas.
Porumcrioulobomoficial,quinhentasoitavas.
Porummulatodepartes,ouoficial,quinhentasoitavas.
Porumbomtrombeteiro,quinhentasoitavas.
Porumamulatadepartes,seiscentasemaisoitavas.
Porumanegraladinacozinheira,trezentasecinquentaoitavas.
Porumcavalosendeiro,cemoitavas.
Porumcavaloandador,duaslibrasdeouro.
Eestespreços,tãoaltosetãocorrentesnasminas,foramcausa
desubiremospreçosdetodasascoisas,comoseexperimentanos
portos das cidades e vilas do Brasil, e de ficarem desfornecidos
muitosengenhosdeaçúcardaspeçasnecessáriasedepadecerem
os moradores grande carestia de mantimentos, por se levarem
quasetodosondevendidoshãodedarmaiorlucro.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 171
viiide diversos preços do ouro vendido no brasil
e do que importa o que cada ano ordinariamente se tira das minas
V ários foram os preços do ouro no discurso destes
anos,nãosóporrazãodaperfeiçãodeum,maiorque
adooutro,porserdemaissubidosquilates,mastambémares-
peitodoslugaresondesevendia,porquemaisbaratosevende
nasminasdoquenaviladeSãoPauloedeSantos;emuitomais
valenascidadesdoRiodeJaneiroedaBahiadoquenasvilas
referidas. Também muito mais vale quintado do que em pó,
porqueoquesevendeempósaidofogocombastantesquebras,
alémdoquevaidediferençaporrazãodoquesepagou,ounão
sepagoudequintos.
UmaarrobadeouroempópelopreçodaBahia,acatorzetos-
tõesaoitava,importacatorzemil,trezentosetrintaeseiscruza-
dos.Quintado,pelopreçodaBahia,adezesseis tostõesaoitava,
importadezesseismil,trezentoseoitentaequatrocruzados.
Umaarrobadeouroempó,pelopreçodoRiodeJaneiro,tre-
zetostõesaoitava,importatrezemil,trezentosedozecruzados.
Quintado,aquinzetostõesaoitava,importaquinzemil,trezentos
esessentacruzados.
Dondesesegueque,tirando-secadaanomaisdecemarrobas
deouro,aquinzetostõesaoitava,preçocorrentenaBahiaeno
RiodeJaneiro,sendoquintado,vemaimportarcadaanoummi-
lhão,quinhentosetrintaeseismilcruzados.Dasquaiscemarro-
bas,sesequintarem,comoéjusto,cabemaSuaMajestadevinte
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o172
arrobas,queimportamtrezentosesetemileduzentoscruzados,
masécertoquecadaanosetirammaisdetrezentasarrobas.
Ecomistonãopareceráincríveloqueporfamaconstantese
contahaveremajuntadoemdiversostemposassimunsdescobri-
dores dos ribeiros nomeados, como uns mais bem afortunados
nas datas, e também os que, metendo gados e negros para os
venderem por maior preço, e outros gêneros mais procurados,
ouplantando,oucomprandoroçasdemilhonasminas,seforam
aproveitandodoqueoutrostiraram.Nãofalando,pois,dogrande
cabedalquetirouogovernadorArturdeSá,queduasvezesfoia
elasdoRiodeJaneiro,nemdosqueajuntaramuma,duasetrês
arrobas,quenãoforampoucos.Tem-seporcertoqueBaltazarde
Godóideroçasecatasajuntouvintearrobasdeouro.Devários
ribeiros e da negociação com roças, negros e mantimentos, fez
Francisco de Amaral mais de cinquenta arrobas. Pouco menos,
Manuel Nunes Viana e Manuel Borba Gato, e com bastante ca-
bedalserecolheuparaSãoPauloJoséGóisdeAlmeidaeparao
CaminhoNovoGarciaRodriguesPais.JoãoLopesdeLimatirou
do seu ribeirão cinco arrobas; os Penteados, de suas lavras e in-
dústrias, sete arrobas; Domingos da Silva Moreira, de negócio e
lavra,cincoarrobas;RafaelCarvalho,cincoarrobas;JoãodeGóis,
cincoarrobas;AmadorBuenodaVeiga,doriodoOuroPreto,do
ribeirãoedeoutraspartes,oitoarrobas.E,finalmente,deixando
outrosmuitobemaproveitados,TomásFerreiraabarcandomui-
tasboiadasdegado,queiadoscamposdaBahiaparaasminas,e
comprandomuitasroças,eocupandomuitosescravosnascatas
deváriosribeiros,chegouatermaisdequarentaarrobasdeouro,
parteemsereparteparasecobrar.Mas,tratandodecobraroouro
quese lhedevia,houveentretantoquemlhedeupordesgostos
umas poucas balas de chumbo, que é o que sucede não poucas
vezesnasminas.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 173
Também com vender coisas comestíveis, aguardente e gara-
pas,muitosembrevetempoacumularamquantidadeconsiderá-
veldeouro.Porque,comoosnegroseíndiosescondembastantes
oitavasquandocatamnosribeirosenosdiassantosenasúltimas
horasdodia,tiramouroparasi,amaiorpartedesteourosegasta
emcomerebeber,e insensivelmentedáaosvendedoresgrande
lucro,comocostumadarachuvamiúdaaoscampos,aqual,con-
tinuandoaregá-lossemestrondo,osfazmuitoférteis.E,porisso,
atéoshomensdemaiorcabedalnãodeixaramde se aproveitar
por este caminho dessa mina à flor da terra, tendo negras cozi-
nheiras,mulatasdoceirasecrioulostaverneiros,ocupadosnesta
rendosíssimalavraemandandovirdosportosdomartudooque
agulacostumaapetecerebuscar.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o174
ixda obrigação de pagar a el-rei nosso senhor a quinta parte do ouro que se tira das minas do brasil
D edoismodossepodetrataresteponto,asaber:oupelo
quepertenceaoforoexternopelasleiseordenaçõesdo
Reino,oupeloquepertenceaoforointerno,atendendoàobriga-
çãoemconsciência.
Quanto à primeira parte, consta pela Ordenação de Portugal,
liv. 2 tít. 26 § 16 que entre os Direitos Reais se contam os veeiros e
minas de ouro e prata e qualquer outro metal.
Enotítulo28domesmolivro2,expressamentesedeclaraque,
nasdatasoudoaçõesfeitas,nuncaseentenderãocompreendidos
osveeiroseminas.Porquanto(dizaOrdenação) em muitas doações
feitas por Nós e pelos Reis nossos Antecessores, são postas algumas
cláusulas muito gerais e exuberantes; declaramos que por tais doações
e cláusulas nelas contidas nunca se entende serem dados os veeiros e
minas de qualquer sorte que sejam, salvo se expressamente forem no-
meadas e dadas na dita doação. E, para a prescrição das ditas coisas,
não se poderá alegar posse alguma, posto que seja imemorial.
Podendo,pois,El-Reitiraràsuacustadasminasquereserva
para si os metais que são o fruto delas, atendendo aos gastos
queparaissosãonecessários,equerendoanimaraosseusvas-
salos ao descobrimento das ditas minas e a participarem do
lucrodelas,assentou,comosediznotít.34,doditolivro2das
Ordenações,quede todos os metais que se tirarem, depois de fundidos
se apurados, paguem o quinto, em salvo de todos os custos.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 175
Eparasegurarquelhepagasseoditoquinto,mandouqueos
ditosmetaissemarcassemequesenãopudessemvenderantesde
seremquintados,nemforadoReino,sobpenadeperderafazenda
ededegredodedezanosparaoBrasil,comoconstadoditotít.
34,§5.E o que vender dos ditos metais antes de serem marcados, ou em
madre antes de fundidos, perderá a fazenda e será degredado dez anos
para o Brasil. AtéaquiaOrdenação.
E os doutores que falaram nesta matéria, assim portugueses
como de outras nações, afirmam concordemente serem de tal
sorteasminasdoDireitoReal,porrazãodosgastosqueEl-Reifaz
emproldarepública,queporestacausanãoospodealienar.Veja-
se,entreoutrosportugueses,PedroBarbosa,ad. L. Divortio,§“Sivir
ff.Solutomatrimonio”,anº17usquead21.Cabedo,parte2,decis.
55“devenismetallor”.Pegas,ad Ord. Regni Port.,lib.2,tít.28,nº24,
comosautoresdeoutrosreinos,quealegamparticularmentea
LucasdaPena,L.“Quicumquedesertum”,col.2postprincipium
Cod. de omni agro deserto, e Rebuffo, tom. 2, ad leges Galliae, tít.
“ut beneficia ante vacationem”, art. 1, glossa ult. post medium,
pág.346.E,alémdestes,veja-seSolorzano,deIndiar. Gubern.,tom.
2, lib.1,cap.13,nº55,&lib.5,cap.1,nº19,comoutrosmuitos,
quetraz:oqualdizseresteocostumedetodasasgentes.“Quade
causa(dizditonº55)metallorumfodiendorumjusipsiRomani&
postmodumaliaegentesinterRegaliacomputarunt&propriead
locorumsupremosPrincipespertineresanxerunt.”
Eporquenestamatériabeméouvirtambémaosteólogos,seja
oprimeirooP.Molina,De Justit. & Jure,disp.54, tãoversadono
direitocomonateologia,emuitoparticularmentenoDireitode
Portugal. “Regulariter (diz ele) de jure civili, vel communi, vel
particulariumRegnorum,ubicumquevenaemetallorumfuerint
repertae,meritosolentessedeputataePrincipi,autReipublicaead
sumptuspublicos,oneraqueReipublicaesustinenda”;unde§16,
tít.26, lib.2,Ord. Lusitaniae Regni, sichabet:Item Direito Real é os
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veeiros e minas de ouro e prata ou qualquer outro metal. “Ut tamen
lucri spe homines alliciantur ad eas in bonum publicum quae-
rendas,etaperiendas,statuisolentvariaelegesprotemporumet
locorumvarietate,quibusvelparsaliquaeorum,quaeindefue-
rintextracta,velpraemiaaliisinventoribusconstituuntur.”E in
terminis,pelaOrdenaçãodePortugal,diz:“Concessumetstatutum
estutdeductisexpensisquintametallorumparsquaeindeextrac-
tafuerit,Regipersolvatur.”
OpadreVasquez,in Opusculis Moralibus de Restitutione,cap.5,§
4,dub.2,falandodoreinodeCastela,diz:“Innostroregnoappli-
catasuntpatrimonioRegioquaecumquemineralia,ubimetalla
fiuntargenti,auri,etargentiviviper1”.6.Recop.,tít.13.1.4.“Sed
quojure(dizele)Rexpotueritsibiapplicaremineraliaomnia,in
fundisetiamprivatisprocreata,nullusauthorumdixitquoscitavi.
Mihi videtur ad haec dicendum, quod quamvis mineralia jure
naturalisintdominiipsiusagri,potuithocjusmineraliumaban-
tiquoesseinductum,quod sint Regii patrimonii:eaenimconditione
potuerunthujusregniterrae,etpraediadistribui,uttamenmine-
raliaregibusreservatamanerent,suopatrimonioannumerata.”
EamesmarazãodáMolina,De Just. et Jure,disp.56,§ult.,por
estaspalavras:“Licetenimstandoinsologentiumjure,eainventa
quae domino carent, sint primo occupantis, nihilominus que-
madmodumjuscivilestatuerepotuit,utquicasuthesaurumin
agroalienoinveniret,in interiori et exteriori foro tenereturtribuere
illiusdimidiumdominoagri,quiveroillumdeindustriainveni-
ret,tenereturtribuereeidemtotum;curetiamnonpoteritsimili
modostatuereutadsustinendaReipublicaeonera,thesauri,qui
deincepsinvenientur,pertineantintegriadRegem,aututinillis
certamaliquamhabeatpartem?Neque,enimideststatuereali-
quid contra jus gentium, sed rationabili ex causa impedire, ne
dominiumthesauriinventisitalicujus,cujusessetstandoinsolo
naturaliacgentiumjure;efficerequeutsitalterius:idquodpotest
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 177
optimeRespublicafacere,nonsecusacefficerepotest,utvenatio
aliquaillicita,utdisp.43ostensumest.”E,pelamesmarazão,se
há de dizer o mesmo das minas, ainda que fossem achadas em
terrasdeparticulares.
E,quandonãobastasseestarazão,quecertamenteéforçosa,o
CardealdeLugo,intractatu de Justitia et Jure,tom.I,disp.6,sect.10,
nº108,mostraqueEl-Reipodereservarparasiasminas(aindaque
seachememterradeparticulares)pormododetributoetributo
muitobem-posto,mandandoqueselhepaguealgumapartedo
quesetirardelas,paraosgastosdarepública.“Etdefacto(diz)jure
humanosolenthujusmodimineralia,quoadaliquamsaltempar-
temmaiorem,velmaiorem,Principiapplicare,quoadaliamvero
inventori,quodquidemfieripotuit,velquiaabinitioagriealege
singulisineaprovinciadistributifuerunt,utmineraliaPrincipis
dispositionireservarentur,utvultVasquezdeRestitutione,cap.5,
§4,dub.2,nº17,vel certe per modum tributi;sicutpotestPrincepsad
subsidiumetsumptuspublicosaliatributaexigere.Aliundevero
justificaturnonparumillemodustributiexeo,quodcumaurum
etargentumsintpotissimaeReipublicaevires;nonexpeditquod
iniisPrincepsipseettotaRespublicadependeataduobus,veltri-
busprivatis,quisolieametallainsuispraediiscolligant, ac collecta
reservent, et ad nutum distribuant.”
Ouseconsiderem,pois,asminascomopartedopatrimônio
real,oucomojustotributoparaosgastosemproldarepública,
écertoquesedeveaEl-Reioqueparasireservou,queéaquinta
partedoouroquedelassetirar,puroelivredetodososgastos;eo
quesemandanasOrdenaçõesacimareferidoestájustamenteorde-
nado;eque,prescindindodequalquerpena,oquintoex natura rei
selhedevenãomenosqueoutroqualquerjustotributo,ordenado
parabemdarepública,oucomocobraapensãoqueimpõemso-
brequalqueroutrapartedoseupatrimônio,comoéaqueselhe
deveeselhepagadosfeudos.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o178
Esealguémdisserquedeoutrasortesehádejulgarasminasdo
BrasilquedasdoReinodePortugal,porsermaiscertoodireito
dodomínioepossequecompeteaEl-ReidoreinodePortugalque
odasconquistasdoBrasil,seseexaminarasuaorigem,merecerá
comotemerárioamesmarespostaque,falandodasconquistasdas
ÍndiasOcidentais,dadasaosreisdeCastelapeloSumoPontífice
Alexandre VI, deram, depois de tratarem esta matéria com sin-
gular doutrina e atenção, varões doutíssimos em seus tratados,
trazendo as Bulas e ponderando e examinando a autoridade do
SumoPontíficeparasemelhantesdoações,eosjustosmotivosde
asfazerem,dizendoultimamentequejásenãodeviapermitiro
pôr-se isto em dúvida, por ser sentença do vigário de Cristo na
Terra,dadaepublicadalegitimamente,edepoisdemaduroconse-
lhoegrandeatenção,comopediaamatéria,edefendidaporjusta,
válidaelícitadetantosetãoinsignesdoutores.ItaSolorzano,de
Indiarum Gubernatione, tom. 1, lib. 2, cap. 24, nº 41. Avendanho,
inThesauro Indico, tom.1, tít.1,cap.1,pertotumetpraecipue§
4,nº17,ondetambémdizqueMascardo,inTractatu de Judaeis et
Infidelibus,Iparte,cap.14,nãoduvidaafirmarqueopoderdoPapa
parataldoaçãoétãocertoquedizerocontrárioparecequetem
sabordeheresia,oqueomesmoAvendanhoexplicaemquesen-
tidosedeveentender.
E que mereça a mesma resposta quem disser o mesmo da
conquista do Brasil, ninguém o poderá negar com razão, pos-
suindo os reis de Portugal pelos mesmos títulos o Brasil e as
outras conquistas, pelos quais todos esses autores, Solorzano e
Avendanho e outros, doutíssima e solidissimamente provam o
legítimo domínio e posse que compete aos reis de Castela, das
ÍndiasOcidentais,comoconstapelasBulasdosSumosPontífices
CalixtoIII,NicolauVeAlexandreVI,queseacharãonomesmo
cap.24deSolorzano,desdeapág.344atéapág.353eemtodoo
livro2 do dito primeiro tomo de Indiar. Gubern., que consta de
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 179
25 capítuloseno terceiro, queconstade8, onde,comsingular
erudição,provaunicamentea justiçacomqueseadquiriuese
conservaodomínioepossedestasconquistas.
E,falandoomesmoSolorzanonosegundotomo,liv.5,cap.1,
emparticulardasminasedosmetaisquedelassetiram,nº19,diz
queassimnasÍndiascomoemqualqueroutrapartepertencem
aodireitodeEl-Rei,comoseupatrimônioepartedoseusupre-
modomínio,querseachememlugarpúblico,queremterrasou
fazendasdeparticulares,desortequenuncaseentendemcom-
preendidasnasdatasedoações,aindaquegeralmentefeitas,se
senãofizerespecialmençãodelas.E,paraconfirmaroquediz,
trazvinteequatroautores,quetrataramdeRegalibus, de Metallis
et de Jure Fisci,ouinterpretaramocapítulo1,“Quaesintregalia”,
oualei2,Cod.deMetallar.Diztambém,nº20,queporrazãodos
gastosquesãonecessáriosparatirarosmetaisdasminasdestas
conquistas,contentam-seosreiscomqueselhespagueaquinta
partedometalquesetirar,proibindousardeleaténãosermarca-
docomocunhoreal,paraqueconstequesepagouaquintapar-
te.E,porquepodiahaverdúvidaseestaquintapartedemetalse
haviadeentendercomovemdaterra,nãolimpo,esesehaviam
decompreendernelaosgastosousesehaviadedarlivredeles,
traz no nº 16 a ordem de El-Rei, de 1504, que decidiu ambas as
dúvidasporestaspalavras:El quinto neto, y sin descuento de costas,
puesto em poder del nuestro Tesorero o Receptor, queéoquetambém
diza Ordenação dePortugal,tít.34dolivro2.Depois de fundido e
apurado, paguem o quinto em salvo de todos os custos.
Nota, mais, Solorzano, nº 27 do dito cap. 1 do livro 5, que
quando se fala de frutos da terra se entendem também os me-
tais, alegando para isso a João Garcia, de expensis, cap. 22, nº 47.
Lazarte, de Gabellis, cap. 19, nº 59. Barbosa, in dicto § “Si vir, L.
Divortio, ff. Soluto matrimonio”.Marquech,de divisione bonorum,lib.
2,cap.11,nº23etseq.Cabedo,decis.81,nº2,parte2.Gilken,de
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o180
expensis metallorum,in L. Certum Cod. de rei vendicat,cap.5,pág.722.
Farinac,quaest.104,nº62et63.Tusch,verboMinerae,concl.237
etverboPraeventio,ondetratadecomoasminas,dequemquer
que se ocupem, sempre passam com sua obrigação. Naevius, in
System.,adL.2,Cod.deMetallar.Pancirolus,in Thesaur.,lib.3,cap.
31,pág.214,327et372.Marsil,singul.531,etMenoch,cons.798
anº16.Eque,consequentemente,comoosoutrosfrutosdater-
ra,estãosujeitosaodízimoqueosPapasconcederamaosreisde
PortugaleaosdeCastela:utexL. Cuncti Cod. de Metallar.,Butrius
etaliiincap.Pervenitde decimis,Rebuffus,quaest.10,nº 23 et24,et
Solorzano,deIndiar. Gubern.tom.2,lib.3,cap.21,nº10,postoque
osreis(comodizomesmoSolorzano)nãotratemdecobrarestes
dízimosdosmineiros,contentando-seporrazãodosgastoscom
quelhepaguemaquintapartedoouroeprataquetiramdesuas
minas,quesãopartedoseupatrimônio,epartesemprereservada,
comoestádito.
Passandoagoraaooutroponto,emqueseperguntaseestalei
depagaraEl-Reiaquintapartedoouroquesetiradasminasobri-
ga em consciência: Digo que a resolução desta dúvida depende
detirarumafalsaimaginaçãodealgunsmenosatentoseacelera-
dosemresolver,osquais,porveremqueestaleiéacompanhada
dacominaçãodapenadaperdadafazendaedodegredopordez
anosedeoutraspelonovoregimentoacercadasminasdoBrasil,
cuidam que é lei meramente penal e que, como tal, não obriga
emconsciência,nemantesdasentençadojuiz,aostransgressores
dela,conformeocomumsentirdosteólogosemoralistasquetra-
tamdasleiseemparticulardaspenais.
Porém o P. Francisco Suarez, examinando mais profunda-
-mente(comocostuma)estepontono5ºlivrodeLegibus,cap.13,
anº2,resolvequeasimposiçõesepensõesquesepagamaosreis
e príncipes por coisas suas imóveis, e fruto delas, são tributos
reaisenaturais,fundadosemjustiça,porquesecobramdecoisas
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 181
próprias dos ditos príncipes, aos quais se deram para a sua sus-
tentaçãoeelesasderamaosseusvassaloscomobrigaçãodelhes
pagaremestaspensões;equeporissoasleisquemandampagar
estas pensões ou tributos, ainda que se lhes acrescente alguma
pena, sem dúvida não se podem chamar nem são puramente
penais,masdispositivasemorais,assimcomosãoasconvencio-
naisentrepartes,queparamaiorfirmezaadmitempenaentreos
contraentesparaqueseguardemoscontratoseaspromessasde
fazeroudepagarqualquerdívidaquealiundedejustiçasedeva.E
queconsequentementeestasleisobrigamemconsciênciaapagar
tais pensões e tributos inteiramente e espontaneamente, e sem
diminuiçãoalguma,ouengano,aindaquesenãopeçamporque
sedevemdejustiçacomutativa,quetrazconsigoestaintrínseca
obrigação,senãohouverpactoemcontrário.AtéaquioP.Suarez,
nº4,loco citato.
Edestefundamentocertíssimoseinferetambémcertamente
queosquintosdoouroquesetiradasminasdoBrasilsedevem
aEl-Reiemconsciência,equealeifeitaparaseguraracobrança
delesnãoémeramentepenal,aindaquetragaanexaacominação
dapenacontraostransgressores,masqueéleidispositivaemoral
equeobrigaantesdasentençado juiz,emconsciência.Porque,
sendoEl-Rei(comoestáprovadonaprimeirapartedestaquestão)
senhor legítimo das minas, por doação que lhe fez delas com a
conquistadoBrasiloSumoPontífice,eportodososoutrostítulos
quetrazSolorzanoemtodoolivro2doItomodeIndiar. Gubern.,
comumaosreisdePortugalcomoaosreisdeCastela;esendoas
ditasminasdodireitorealepartedoseupatrimônio,comoquais-
queroutrosbensqueselhederamparaasuasustentaçãoegastos
quefazemproldarepúblicaeparaaconservaçãoeaumentoda
fé,ereservando-asparasiemtodasasdatas,nemdandolicençade
tirarourodelas,senãocomcondiçãoquequemotirarlhepague
aquintapartedoquetirar,puroedessecado,elivredetodosos
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o182
gastos,epodendopertenderisto(prescindindodosoutrostítulos)
porjustoebem-ordenadotributo,comoestáprovadocomasra-
zões e autoridade de tantos doutores acima alegados, claro está
queestaobrigaçãoestáfundadaemjustiçacomutativa,comoade
quaisqueroutrospactosepromessasdequalquerjustocontrato
quecostumamadmitiroscontraentesemsuasconvençõeseque
aindaquealeinãoacrescentassepenaaostransgressoressempre
deviampagarestesquintosporserobrigaçãointrínseca,equeo
pôr-lheapenaéparafacilitarmaisacobrançadoqueselhedeve,
enãoparafazerumaleimeramentepenal.
“Nam adjectio poenae (diz Suarez, nº 10) non tollit obliga-
tionem,quameademlex,praecise latasinepoena, induceret in
conscientia:ergolicetilliaddaturpoenaobligatperseadtribu-
tum persolvendum, vel restituendum (si contra justitiam non
sit solutum) absque ulla condemnatione, vel sententia, etiamsi
tuncnemoobligetadpoenaesolutionemantesententiam,juxta
generalem doctriam datam de lege poenali.” E declarando isto
mais,dizqueestaleiémista,ouquasecompostadetributoede
penaequeseordenamadiversosfinsaimposiçãodapensãoou
tributoeapenaqueselheacrescenta,porqueotributoseordena
àsustentaçãodeEl-Reiouasatisfazeràobrigaçãonaturalquetêm
osvassalosdedarjustoestipêndioaEl-Rei,quetrabalhaemprol
darepública,eapenaseordenaaquesecumpraestaobrigação
esecastiguequemnãoacumprircomodeve;logo,aindaqueo
tributooupensãosejajustoeadequadoaoseufim,eaobrigação
fiqueinteira,justamenteselheacrescentaacominaçãodapena,e
justamenteseexecuta,sehouverculpa,alémdainteiracobrança
dotributo.Assimcomonaspenasquedecomumconsentimento
sepõempeloscontraentesemalgumjustocontrato,sepodejus-
tamenteobrigarovioladordapromessafeitanocontratoaque
pagueaditapenaalémdointeresseedanoquedatransgressão
seseguiu.Edizqueomesmosucedenonossocaso,porquesefaz
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 183
comoumcontratoentreEl-Reieosvassalos,paraqueEl-Reiosgo-
verneeossúditosossustentemcomostributosepensões.E,para
segurarquesepaguem,podeacrescentar-se-lheapena,aqualnão
diminuaaforçaeobrigaçãodocontrato,massirvadeumanova
coação,paraqueossúditospaguemoqueporjustiçalhedevem.
AtéaquioP.Suareznoditocap.13,nº10.
Eistoparecequebastavaparamostrarqueosquintosdoouro
quesetiradasminasdoBrasilsedevem,emconsciência,eantes
dacondenaçãoousentença,aEl-Reinossosenhordejustiça,enão
porumaleimeramentepenal,comoalgunserradamenteimagi-
nam.Acrescentarei,porém,outrosmotivosparaestabelecermais
estaresolução.Esejaoprimeiroqueestaleidosquintos(como
advertiuAvendanho,in Thesauro Indico,tom.I,tít.5,cap.8,nº43)
é muito racional pela razão que traz Molina, disp. 56, de Just. et
Jure,§ult.,evemaser:porqueestápostoemrazãoqueopríncipe
tenhaalgumapartemaisqueosoutrosparticularesemcoisasde
preçosingular,comotememoutrosbens,aindaquandoparece-
riasermelhordá-lasaopúblico.E,assim,faltandoosparentesaté
certograu,osbensdosquemorremab intestatovãoaofiscoreal;
eempenadealgunscrimes,lograEl-Reidetalsorteosbenscon-
fiscadosquesealguémporparente,aindaquemuitochegadoao
réu,ostirasseaofisco,pecariacontraajustiça,comobrigaçãode
osrestituir.Logo,quantomaissehádedizeromesmo,quandoo
reservarosquintosdoouroseordenanãosomenteàsustentação
deEl-Rei,mastambémaosgastosemproveitodarepública,epara
aconservaçãoeaumentodafé,ficandoaosmineirosomaisouro
dequesetiramosquintos?
Segundo.PorqueFilipeII,reideCastela,depoisdeterouvido
oparecerdos teólogoseconselheirosda Índia,escreveuresolu-
tamenteaoviso-reidoPeru,condedeVilar,noanode1584,desta
sorte:Y pudiera yo cobrar enteramente el quinto de todo ello: (asaber,
doouroepratalavrados) y las Personas, que le deben, están obligadas
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em consciencia a me lo pagar.Oquenãodiriadesuacabeça,contra
oparecerdosditosteólogoseconselheiros,seassimonãotives-
sementendido,comorefereAvendanhonoditocap.8,nº44,etraz
logoemconfirmaçãodistoaleidePortugalpelaqual(comodiz
o P. Rabelo) se devem os quintos a El-Rei antes da condenação
ousentença.DizmaisAvendanho,emprovadequesedevemos
quintosemconsciência,queassimotêmmaisdevinteautores
quealega,entreosquaissãoVasquez,Molina,Lugo,Rebelo,Azor,
Léssio, Castilho, Fragoso e outros quinze, todos da mesma opi-
nião.Edealgunsquecitaraspalavras,paraquemelhorconsteda
verdadeedaautoridadedaspessoasqueassimsentem.
Vasquez,inTract. de Restitutione,cap.5,§4,nº30,ait:“Arbitror,
quodpraedictaelegesnonfundenturinpraesumptione,necpo-
enalessint:etitanullaexpectatasententiasuntobservandae”.Et
nº 29citatCovarruviam,CaietanumetNavarrumitasentientes.
Lugo,tom.1,deJustitia et Jure,disp.6.sect11,nº131,diz:“Aliae
autemleges,quaepoenalesnonsunt,potueruntquidemtransfer-
redominiuminFiscum;etideovidenturinconscientiaobligare
anteomnemsetentiamjudicis.”
Molina,dictadisp.56,deJustitia et Jure,§ult.,ibi:In inferiori et
exteriori foro.
Terceiro.Porquedoouroedapratasedevepagarodízimo,do
mesmomodoquedosoutrosfrutosdaterra,comoestáprovado
acimacomosautoresque trazSolorzano, tom.2, lib.3, cap.21,
nº10,eoprovatambémoP.Suarez,tom.1,de Religione,lib.1,“de
divinocultu”,cap.34,nº3et6,eoP.Tancredi,tract.1,de Religione,
lib. 2, disp. 11, nº 7 “ex omnium mente”; e se infere ex generali
dispositioneincap.“Nonestdedecimis,ubiillahabenturverba”:
De omnibus bonis decimae sunt ministris Ecclesiae tribuendae; et ex
cap. “Transmissa” et ex cap. “Tua nobis”. Tendo, pois, os Sumos
Pontífices dado os dízimos do Brasil e de outras conquistas aos
reisdePortugal,pelasdespesasquefaziamefazemnasmesmas
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 185
conquistas,epelosoutrosmotivosquealegamemsuasbulas(o
quepodiamfazer,edefatoofizeramaoutrosreisepríncipes,
pelasrazõeseautoridadesquetrazeruditamenteSolorzano,com
asmesmasBulas, tom.2,deIndiar. Gubern., lib.3,cap.1), segue-
-sequetambémselhesderameselheshãodepagarosdízimos
doouroeprataquedasminasdoBrasilsetirarem,equeassim
estescomoosdízimosdosoutrosfrutosdaterraselhesdevemem
consciência.Eque,sendoasminasdosreis,atentandoaosgastos
quesefazememtirarosmetais,nãotratemdecobrarodízimo,e
secontentemcomapensãooutributodoquinto,nãosepodem
dizerrigorosos,masantesbenignos,comonotouAvendanhono
lugarcitadoanº 45,comFragoso,tom.1,pág.265,§alii addunt.
De tudo isto se segue que o dizer que os quintos do ouro se
devemaEl-Reiemconsciênciaéaopiniãoverdadeira,assimpelos
motivos intrínsecosdosseusfundamentos,particularmentepe-
losquetrazoP.Suarez,acimareferidos,comopelosextrínsecos,
daautoridadedosdoutoresalegados,quesãoteólogosdegrande
doutrinaereligião,deixandoaopiniãocontráriamuitoduvidosa,
muitofracaenadasegura.EqueosoficiaisdeputadosporEl-Reià
cobrançadosquintoseacunharoourotêmobrigaçãograve,em
consciência, de fazer bem, e finalmente, o seu ofício, e que não
podemdissimularosgravíssimosprejuízosquesefazemaopatri-
mônioreal,defraudadoporculpadeles,demuitolucro,receben-
doestipêndiodomesmorei,quetemasuatençãobem-fundada,
paraquecomfidelidadefaçamseuofício.ItaAvendanho,nº48.
Oqual,porém,nº56,édeopiniãodequeaproibiçãodenego-
-ciarcomouroempónãoobrigaemconsciência,comoobrigaa
lei de pagar os quintos, mas que o dito ouro em pó passa com
amesmaobrigaçãodeserquintadoaquemquerquevai,atése
satisfazeraestaintrínsecaobrigação.E,comisto,maisseconfir-
maoqueestáditodaleidosquintos,porserdispositivaepenal,
porque,enquantoédispositivadoquesedevedejustiça,aEl-Rei,
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quesãoosquintos,obrigaemconsciência,eenquantoépenal,
fazqueapenadostransgressoresnãosedevaemconsciênciase-
nãodepoisdasentença.Emumapalavra:oquintosempresedeve
dejustiçaeaperdadafazendaeodegredo,sópost sententiam.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 187
xroteiro do caminho da vila de são paulo
para as minas gerais e para o rio das velhas
G astam comumente os paulistas, desde a vila de São
Paulo até as minas gerais dos Cataguás, pelo menos
doismeses,porquenãomarchamdesolasol,masatéomeio-dia,
e quando muito até uma ou duas horas da tarde, assim para se
arrancharem,comoparateremtempodedescansaredebuscar
alguma caça ou peixe, onde o há, mel de pau e outro qualquer
mantimento.E,destasorte,aturamcomtãograndetrabalho.
Oroteirodoseucaminho,desdeaviladeSãoPauloatéaserra
deItatiaia,ondesedivideemdois,umparaasminasdoCaetéou
ribeirãodeNossaSenhoradoCarmoedoOuroPretoeoutropara
asminasdoriodasVelhas,éoseguinte,emqueseapontamos
pousoseparagensdoditocaminho,comasdistânciasquetemeos
diasquepoucomaisoumenossegastamdeumaestalagempara
outra,emqueosmineirospousame,seénecessário,descansam
eserefazemdoquehãomisterehojeseachaemtaisparagens.
No primeiro dia, saindo da vila de São Paulo, vão ordinaria-
menteapousaremNossaSenhoradaPenha,porser(comoeles
dizem)oprimeiroarrancodecasa,enãosãomaisqueduasléguas.
Daí,vãoàaldeiadeItaquequecetuba,caminhodeumdia.
Gastam,daditaaldeia,atéaviladeMoji,doisdias.
DeMojivãoàsLaranjeiras,caminhandoquatrooucincodias
atéojantar.
DasLaranjeirasatéaviladeJacareí,umdia,atéastrêshoras.
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DeJacareíatéaviladeTaubaté,doisdiasatéojantar.
DeTaubatéaPindamonhangaba,freguesiadeNossaSenhora
daConceição,diaemeio.
De Pindamonhangaba até a vila de Guaratinguetá, cinco ou
seisdiasatéojantar.
De Guaratinguetá até o porto de Guaipacaré, onde ficam as
roçasdeBentoRodrigues,doisdiasatéojantar.
DestasroçasatéopédaserraafamadadeAmantiqueira,pelas
cinco serras muito altas, que parecem os primeiros muros que
o ouro tem no caminho para que não cheguem lá os mineiros,
gastam-setrêsdiasatéojantar.
Daqui começam a passar o ribeiro que chamam Passa-vinte,
porque vinte vezes se passa e se sobe às serras sobreditas, para
passar as quais se descarregam as cavalgaduras, pelos grandes
riscosdosdespenhadeirosqueseencontram,eassimgastamdois
diasempassarcomgrandedificuldadeestasserras,edaísedesco-
bremmuitaseaprazíveisárvoresdepinhões,queaseutempodão
abundância deles para o sustento dos mineiros, como também
porcosmonteses,ararasepapagaios.
Logo,passandooutroribeiro,quechamamPassa-trinta,porque
trintaemaisvezessepassa,sevaiaosPinheirinhos,lugarassim
chamadoporseroprincípiodeles;eaquihároçasdemilho,abó-
borasefeijão,quesãoaslavourasfeitaspelosdescobridoresdas
minaseporoutros,queporaíqueremvoltar.Esódistoconstam
aquelas e outras roças nos caminhos e paragens das minas, e,
quandomuito,têmdemaisalgumasbatatas.Porém,emalgumas
delas,hojeacha-secriaçãodeporcosdomésticos,galinhasefran-
gões, que vendem por alto preço aos passageiros, levantando-o
tantomaisquantoémaioranecessidadedosquepassam.Edaí
vemodizeremquetodooquepassouaserradaAmantiqueiraaí
deixoudependuradaousepultadaaconsciência.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 189
DosPinheirinhossevaiàestalagemdoRioVerde,emoitodias,
poucomaisoumenos,atéojantar,eestaestalagemtemmuitas
roças e vendas de coisas comestíveis, sem lhe faltar o regalo de
doces.
Daí,caminhandotrêsouquatrodias,poucomaisoumenos,
atéojantar,sedánaafamadaBoaVista,aquembemsedeueste
nome,peloquesedescobredaquelemonte,quepareceummun-
donovo,muitoalegre:tudocampobemestendidoetodoregado
deribeirões,unsmaioresqueoutros,etodoscomseumato,que
vai fazendo sombra, com muito palmito que se come e mel de
pau,medicinalegostoso.Temestecamposeusaltosebaixos,po-
rémmoderados,eporelesecaminhacomalegria,porquetêmos
olhosqueverecontemplarnaprospectivadomonteCaxambu,
queselevantaàsnuvenscomadmirávelaltura.
DaBoaVistasevaiàestalagemchamadaUbaí,ondetambém
hároças,eserãooitodiasdecaminhomoderadoatéojantar.
DeUbaí,emtrêsouquatrodias,vãoaoIngaí.
DoIngaí,emquatrooucincodias,sevaiaoRioGrande,oqual,
quandoestácheio,causamedopelaviolênciacomquecorre,mas
temmuitopeixeeportocomcanoasequemquerpassarpagatrês
vinténsetemtambémpertosuasroças.
DoRioGrandesevaiemcincoouseisdiasaoriodasMortes,
assimchamadopelasquenelesefizeram,eestaéaprincipales-
talagemondeospassageirosserefazem,porchegaremjámuito
faltosdemantimentos.E,nesterio,enosribeirosecórregosque
neledão,hámuitoouroemuitosetemtiradoetira,eolugaré
muitoalegreecapazdesefazernelemoradaestável,senãofosse
tãolongedomar.
DestaestalagemvãoemseisouoitodiasàsplantasdeGarcia
Rodrigues.
Edaqui,emdoisdias,chegamàserradeItatiaia.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o190
Desta serra seguem-se dois caminhos: um, que vai dar nas
minasgeraisdoribeirãodeNossaSenhoradoCarmoedoOuro
Preto,eoutroquevaidarnasminasdoriodasVelhas,cadaum
delesdeseisdiasdeviagem.Edestaserratambémcomeçamas
roçariasdemilhoefeijão,aperderdevista,dondeseproveemos
queassistemelavramnasminas.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 191
xiroteiro do caminho velho da cidade
do rio de janeiro para as minas gerais dos cataguás e do rio das velhas
E m menos de trinta dias, marchando de sol a sol, po-
dem chegar os que partem da cidade do Rio de Janeiro
às minas gerais, porém raras vezes sucede poderem seguir esta
marcha, por ser o caminho mais áspero que o dos paulistas. E,
porrelaçãodequemandouporeleemcompanhiadogovernador
ArturdeSá,éoseguinte.Partindoaos23deagostodacidadedo
Rio de Janeiro foram a Paraty. De Paraty a Taubaté. De Taubaté
a Pindamonhangaba. De Pindamonhangaba a Guaratinguetá.
DeGuaratinguetáàsroçasdeGarciaRodrigues.Destasroçasao
Ribeirão.EdoRibeirão,comoitodiasmaisdesolasol,chegaram
aoriodasVelhasaos29denovembro,havendoparadonocaminho
oitodiasemParaty,dezoitoemTaubaté,doisemGuaratinguetá,
doisnasroçasdeGarciaRodriguesevinteeseisnoRibeirão,que
por todos são cinquenta e seis dias. E, tirando estes de noventa
enove,quesecontamdesde23deagostoaté29denovembro,
vieramagastarnestecaminhonãomaisquequarentaetrêsdias.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o192
xiiroteiro do caminho novo da cidade do rio de janeiro para as minas
P artindodacidadedoRiodeJaneiroporterracomgente
carregada,emarchandoàpaulista,aprimeirajornadase
vaiaIrajá;asegundaaoengenhodoalcaide-mor,ToméCorreia;
aterceiraaoportodoNóbreganorioIguaçu,ondehápassagem
decanoasesaveiros;aquartaaosítioquechamamdeManueldo
Couto.
Equemvaipormareembarcaçãoligeiraemumdiasepõeno
portodafreguesiadeNossaSenhoradoPilar;eemoutro,emca-
noa,subindopeloriodeMorobaíacima,ouindoporterra,chega
pelomeio-diaaoreferidosítiodoCouto.
Destesevaiàcachoeiradopédaserraesepousaemranchos.
E daqui se sobe à serra, que são duas boas léguas; e descendo o
cume,searranchanospousosquechamamFrios.Noditocume
fazumtabuleirodireitoemquesepodeformarumgrandebata-
lhão;eemdiaclaro,ésítiobemformoso,esedescobredeleoRio
deJaneiro,einteiramentetodooseurecôncavo.
DospousosFriossevaiàprimeiraroçadocapitãoMarcosda
Costa;edela,emduasjornadas,àsegundaroça,quechamamdo
Alferes.
DaroçadoAlferes,numajornadasevaiaoPauGrande,roça
queagoraprincipia,edaísevaipousarnomatoaopédeummor-
roquechamamCabaru.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 193
DestemorrosevaiaofamosorioParaíba,cujapassageméem
canoas.Dapartedeaquém,estáumavendadeGarciaRodriguese
hábastantesranchosparaospassageiros;edapartedalém,estáa
casadoditoGarciaRodrigues,comlarguíssimasroçarias.
DaquisepassaaorioParaibuna,emduasjornadas,aprimeira
nomato,easegundanoporto,ondehároçariaevendaimportan-
teeranchosparaospassageirosdeumaeoutraparte.Éesterio
poucomenoscaudalosoqueoParaíba;passa-seemcanoa.
Do rio Paraibuna fazem duas jornadas à roça do Contraste
de Simão Pereira; e o pouso da primeira é no mato. Da roça do
dito Simão Pereira se vai à de Matias Barbosa, e daí à roça de
AntôniodeAraújo,edestaàroçadocapitãoJosédeSousa,donde
sepassaàroçadoalcaide-morToméCorreia.Daroçadodito
alcaide-mor se vai a uma roça nova do Azevedo, e daí à roça
do juiz da alfândega Manuel Correia, e desta à de Manuel de
Araújo.Eemtodasestasjornadassevaisemprepelavizinhança
doParaibuna.
Da roça do dito Manuel Araújo se vai à outra rocinha do
mesmo.
DestarocinhasepassaàprimeiraroçadosenhorBispo,edaíà
segundadodito.
DasegundaroçadosenhorBispofazemumajornadapeque-
naàBordadoCampo,àroçadocoronelDomingosRodriguesda
Fonseca.
QuemvaiparaoriodasMortespassadestaroçaàdeAlberto
Dias,daíàdeManueldeAraújo,quechamamdaRessaca,edesta
àPontadoMorro,queéarraialbastante,commuitaslavras,don-
desetemtiradograndecópiadeouro;eaíestáumfortimcom
trincheirasefosso,quefizeramosemboabasnoprimeirolevanta-
mento.DestelugarsevaijantaraoarraialdoriodasMortes.
Equemsegueaestradadasminasgeraisdaroçasobreditade
ManueldeAraújodaRessacadoCampovaiàroçaquechamam
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o194
de João Batista; daí à de João da Silva Costa, e desta à roça dos
Congonhas,juntoaoRodeiodaItatiaia,daqualsepassaaocampo
do Ouro Preto, onde há várias roças e de qualquer delas é uma
jornadapequenaaoarraialdoOuroPreto,queficamatodentro,
ondeestãoaslavrasdeouro.
Todasasreferidasmarchasfarãodistânciadeoitentaléguas,a
respeitodosrodeiosquesefazememrazãodosmuitosegrandes
morros,eporrumodenorteasulnãosãomaisquedoisgrausde
distânciaaoRiodeJaneiro,porqueoOuroPretoestáemvintee
umgrauseoriodasVelhasestaráemvinte,poucomaisoume-
nos.Etodooditocaminhosepodeandaremdezatédozedias,
indoescoteiroquemforporele.
DocampodoOuroPretoaoriodasVelhassãocincojornadas,
pousandosempreemroças.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 195
xiiiroteiro do caminho da cidade da bahia
para as minas do rio das velhas
P artindo da cidade da Bahia, a primeira pousada é na
Cachoeira; da Cachoeira vão à aldeia de Santo Antônio
de João Amaro e daí à Tranqueira. Aqui divide-se o caminho, e
tomando-oàmãodireitavãoaoscurraisdoFigueira,logoànas-
cença do rio das Rãs. Daí passam ao curral do coronel Antônio
VieiraLima,edestecurralvãoaoarraialdeMatiasCardoso.
Mas,sequiseremseguirocaminhoàmãoesquerda,chegando
àTranqueira,metem-selogonocaminhonovoemaisbreve,que
fezJoãoGonçalvesdoPrado,evãoadianteatéànascençadorio
Verde. Da dita nascença vão ao campo da Garça, e daí, subindo
pelorioacima,vãoaoarraialdoBorba,dondebrevementeche-
gamàsminasgeraisdoriodasVelhas.
Os que seguiram o caminho da Tranqueira, à mão direita,
chegandoaoarraialdeMatiasCardoso,vãolongodoriodeSão
Franciscoacima,atédaremnabarradoriodasVelhas,edaí,como
estádito,logochegamàsminasdomesmorio.
Mas,porquenestajornadadaBahiaunscaminhamatéomeio-
-dia,outrosatéastrêsdatarde,eoutrosdesolasol,poreiadistân-
ciacertaporléguasdestesdoiscaminhosdaBahiaparaasminas
doriodasVelhas,queéaseguinte:
DacidadedaBahiaatéaCachoeira,dozeléguas.
DaCachoeiraatéaaldeiadeJoãoAmaro,vinteecincoléguas.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o196
Da aldeia de João Amaro até a Tranqueira, quarenta e três
léguas.
Da Tranqueira caminhando à mão direita até o arraial de
MatiasCardoso,cinquentaeduasléguas.
DoarraialdeMatiasCardosoatéabarradoriodasVelhas,cin-
quentaequatroléguas.
DabarradoriodasVelhasatéoarraialdoBorba,ondeestãoas
minas,cinquentaeumaléguas.Esãoportodasduzentasetrinta
eseteléguas.
Tomando o caminho da Tranqueira à mão esquerda, que da
Bahiaatéaíconstadeoitentaléguas,sãodaTranqueiraatéanas-
cençadorioGuararutibatrintaetrêsléguas.
DaditanascençaatéoúltimocurraldoriodasVelhas,quaren-
taeseisléguas.
DestecurralatéoBorba,vinteeseteléguas.Esão,portodas,
centoeoitentaeseisléguas.
EstecaminhodaBahiaparaasminasémuitomelhordoqueo
doRiodeJaneiroeodaviladeSãoPaulo,porque,postoquemais
comprido,émenosdificultoso,porsermaisabertoparaasboia-
das,maisabundanteparaosustentoemaisacomodadoparaas
cavalgaduraseparaascargas.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 197
xivmodo de tirar o ouro
das minas do brasil e ribeiros delas, observado de quem nelas assistiu
com o governador artur de sá
P oreiaquiarelaçãoqueomesmoautormemandoueéa
seguinte. Conforme as disposições que vi pessoalmente
nasminasdeourodeSãoPaulo,assimnaslavrasdeáguadosri-
beiros,comonasdaterracontíguaaeles,direibrevementeoque
podebastar,paraqueoscuriososindagadoresdanaturezamais
facilmenteconheçamemsuasexperiênciasqueterraequeribei-
rospossamterounãoterouro.Primeiramente,emtodasasminas
quevieemqueassisti,noteiqueas terrassãomontuosas,com
cerros e montes que vão às nuvens, por cujos centros correndo
ribeiros de bastante água, ou córregos mais pequenos, cercados
todosdearvoredograndeepequeno,emtodosestesribeirospin-
ta ouro com mais ou menos abundância. Os sinais por onde se
conheceráseotêmsãonãoteremáreasbrancasàbordadaágua,
senãounsseixosmiúdosepedrariadamesmacastanamargem
de algumas pontas dos ribeiros, e esta mesma formação de pe-
draslevapordebaixodaterra.Ecomeçandopelalavradesta,se
oribeirodepoisdeexaminadocomsocavãofaiscououro,ésinal
infalível que o tem também a terra, na qual, dando ou abrindo
catasecavando-aprimeiroemalturadedez,vinteoutrintapal-
mos, em se acabando de tirar esta terra, que de ordinário é ver-
melha,acha-selogoumpedregulho,aquechamamdesmonte,e
vemaserseixosmiúdoscomareia,unidosdetalsortecomaterra
que mais parece obra artificial do que obra da natureza; ainda
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o198
quetambémseachaalgumdesmontedestesoltoenãounido,e
commaisoumenosaltura.Essedesmonterompe-secomalavan-
cas,eseporacasotemouro,logoelecomeçaapintar,ou(como
dizem)afaiscaralgumasfaíscasdeouronabateia,lavandoodito
desmonte. Mas, ordinariamente, se pintou bem o desmonte, é
sinaldequeapiçarraterápoucoounenhumouro,edigoordina-
riamenteporquenãoháregrasemexceção.
Tiradoforaodesmonte,queàsvezestemaalturademaisde
braça,segue-seocascalho,evemaserunsseixosmaioresealguns
debomtamanho,quemalsepodemvirar,etãoqueimadosque
parecemdechaminé.E,tiradoestecascalho,apareceapiçarra,ou
piçarrão,queéduroedápouco,eesteéumbarroamareloouqua-
sebranco,muitomacio,eobrancoéomelhor,ealgumdestese
achaqueparecetalcooumalacacheta,aqualservecomodecama
onde está o ouro. E, tomando com almocafres nas bateias esta
piçarra,etambématerraqueestáentreocascalhosevailavarao
rio,e,botandoforaaterracomamesmabateia,andandocomela
àrodadentrodaáguapoucoapouco,oouro(seotem)vaificando
nofundodabateiaatéque,lavadatodaabateiadaterra,peloouro
quefica,sevêdequepintaéaterra.
Algumaterraháquetodapinta,outrasóempartes,eacada
passoseestávendoqueascatasemumapartepintambemeem
outraspoucoounada.Jáseaterratemveeiro,queéomesmoque
um caminho estreito e seguido, por onde vai correndo o ouro,
certamentenãopintapelasmaispartesdacataesevaientãose-
guindooveeiroatrásdoouro,eestasdeordináriosãoasmelhores
lavras,quandooouropegaemveeirosondeseencontramcom
grandezaeésinaldequetodaadatadaterra,paraondearremete
oveeiro,temouro.Ascatasordinárias,quesedãoemterra,sãode
quinze,vinteemaispalmosemquadra,epodemsermaioresou
menores,conformedálugaraterra.Esejuntodosribeirosaterra
fazalgumtabuleiropequeno(porqueordinariamenteosgrandes
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 199
nãoprovambem),estaéamelhorparagemparaselavrar.Posto
queocomumdoouroéestaraoliveldaágua,vimuitaslavras(e
nãodaspiores)quenãoguardamestaregra,senãoqueaoribeiro
iamsubindopelosouteirosacima,comtodasasdisposiçõesque
temosdito,decascalho,etc.,masnãoéistoordinário.
Atéaquioquetocaàslavrasdaterrajuntodaágua;porémas
dosribeiros,seelessãocapazesdeselhespoderdesviaraágua,se
lavramdivertindoestaporumabandadomesmoribeiro,comcer-
cofeitodepausmuitodireito,deitadosunssobreoutroscomesta-
casbemamarrados,feitoemformadecanoporumaeoutraparte,
paraquesepossaentupirdeterrapordentro,domodoqueaqui
sevê:
Margens
Cata Cata
Cerco Ribeiro
Cerco
Cata
Margens
Istoseentendequandosenãopodedesviartodooribeiropara
outraparte,paraoquerarasvezesdãolugaroscerros.Divertida
eesgotadaaáguacomasbateiasoucuias,setiramoscascalhos
ouseixosgrandesepequenosquenaáguanãoémuitoaltoese
dácomapiçarra;vê-seseoourodemandaparaaterradepoisde
lavadaacataesebuscaaterra,entrandoporelaesevaiseguindo
eabrindocatasumassobreoutras.E,ordinariamente,sedevepro-
varsempreemprimeirolugaroribeirodentrodamadreantesde
Cer
co
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o200
lavrarnaterra,paraversetemouro,porqueseotemquasesempre
ohádehaveremterracommaisoumenosabundância.Emuitas
vezes sucede (como se viu nas mais das lavras de Sabarabuçu)
que,pintandomuitopouconaáguaoumadre,emmuitaslavras
foradaáguasedeucommuitoouro.
Portanto,paraseexaminarseumribeirotemouro,vendo-lhe
asdisposiçõesquetemosditoentreaáguaeaterra,sedaráum
socavãodeseteouoitopalmosemquadraatéchegaraocascalho
epiçarra;esefaiscarésinaldeque,emterraenaágua,háouroe
pelaspintasdestessocavãosseconhecerásesãoderendimento.
Nemnestasminasserepartemribeirossemseremprimeiroexa-
minadoscomestessocavãosjuntodaágua.Nosribeiros,ondehá
areiapelomeioeanãohánasbarranceiras,tambémseachaouro,
havendocascalho;assimtambémnosribeiros,ondeháareiapor
entreaspedras,seacha.Oesmerilacha-secomareiapretaentre
oouro,eemqualquerpartequeseachaesmeril,tendooribeiro
cascalho,háouro.
Quandooourocorreemveeiro,deordináriocorredireitodo
ribeiroparaaterraadentro,enomesmoribeiro,sesucederacha-
rem-semuitosveeiros,serãodistantesunsdosoutros;esuposto
que perto do veeiro se ache formação, contudo, só no veeiro se
achamaisouro.Tambémseachammuitosseixoscomgranitos
deouro.
Estassãoalgumasdascoisasquesepodemdizerdestasminas,
paraquesepossaporaquifazerexameemalgunsribeirosonde
sesuspeitaquehaveráouro.Nãodeixarei,contudo,dereferiraqui
também o que vi no famoso rio das Velhas, porque parece fora
detodaaregradomineral.Emumapenínsulaquedaterraentra
norioquaseatéomeio,emquecomascheiasficatodacoberta
deágua,vilavrardoiscórregospequenosjuntodaágua,osquais,
abrindo-secomalavancas,eramtodosdeumpiçarrãoduroeclaro,
eporentreele,semseirlavaraorio,foitalagrandezadoourode
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 201
queestavamcheiosqueseestavavendoempedaçosegranitos
nasmesmasbateias.Ebateadahouveemquesetiravamdecada
vezquarenta,cinquentaemaisoitavas,sendoasordinárias,en-
quantoselavram,deoitoemaisoitavas.Aindaquelavrando-se
depois pela terra adentro na mesma península, foi diminuindo
cadavezmaisapintaeforamlogoaparecendoasdisposiçõesto-
dasquetemosdito,deterra,desmonte,cascalhoepiçarra,quenão
háregra,comojádisse,semexceção,emuitasvezesnãodácom
ouro quem mais cava, senão quem tem mais fortuna. Também
seachamuitasvezesumadisposiçãodedesmontequesechama
tapanhuacanga,quevaleomesmoquecabeçadenegro,pelote-
çumedaspedras,tãoduroquesóapoderdeferrosedesmancha,e
nãoémausinal,porquemuitasvezesocascalhoqueficaembaixo
dáouro.
De algumas particularidades mais destas minas, por serem
menos essenciais, não falo, e porque são mais para se verem
doqueparaseescreverem,eestassãoasquebastamparaoin-
tento dos que, ou por curiosidade, ou para acertar na lavra, as
procuram.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o202
xvnotícias para se conhecerem as minas de prata
P rimeiramente, pela maior parte, se acham as minas de
prata em terras vermelhas e brancas, limpas de árvores
edepoucaservas;esempresehãodebuscarnocumedosoutei-
rosoucerros,queéondearrebentamasbetasamododeparedes
velhas que correm sempre direitas, ou a modo de alicerces que
estãodebaixodaterra,oucomoummarachãodemuitaspedras
unidasemroda;e,seseachammuitojuntas,busque-sesemprea
maislarga,ouaqueestámaisnomeiodoouteiro.Emhavendo
cavadoumavaraoubraça,seguindosempreabeta,sepodefazer
experiênciadosgênerosdemetalquetiver,porquehábetasque
têmcincoouseisgênerosdepedras,aquechamamoscastelha-
nosmetais.Asditasbetascostumamterdelargoumabraça,ou
quatropalmos,outrês,oudois,ouum.Pelamaiorparte,entrea
betaseachaterradeváriascores,e,àsvezes,tudoépedramaciça,
eentãocostumasernegraebrancaaditapedra,amododeseixos;
equandoháterraentreapedra,pedraeterra,tudotemprata.Esta
betaordinariamenteestámetidaentrepenhascoagresteedesdea
superfíciedaterraatéofundosemprevaiencaixonada.
Apedraédeváriascores,diferentedasoutras,emuitoalegre:
branca, negra, a modo de malacacheta que se lança nas cartas,
cor de ouro, amarela, azul, esverdeada, parda, de cor de fígado,
alaranjada,leonada,eordinariamentetemocos,ondesecostuma
criarpratacomoemcubelos.Outraspedrassãotodasprateadas,
e outras com veias de prata, e só estas se conhecem logo que
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 203
têm prata. Porém, as acima nomeadas, só quem tem muita ex-
periênciaouquemasouberfazerviráemconhecimentoquea
têm.Também,àsvezes,seachaumamalacachetanegra,aqual
todatemprata,edeordinárioumalibradestamalacachetarende
duasonçasdeprata.Pelamaiorparte,nãohábetadeprataque
juntoaelasenãoachemalacachetabrancaouamarela ouem
pedrasagrestes,ouemterra.
Atodasestaspedraschamamoscastelhanosmetais,eaalgu-
masdãoestesnomes.Metal cobriço:eéumapedraquetiraaverde,
muito pesada, salgada ao gosto, estítica, e frange os beiços pelo
acredoantimônioevitríoloquetemmisturado.Metal polvorilha:
eéumapedraumtantoamarelaeédemaisleiqueoacima,eàs
vezes,paraofundo,costumadarempratamaciça.Metal negrilho
da primeira qualidadeépedranegracomresplendoresdelimadu-
rasgrossasdeferro,édepoucalei,porém,porquesaimisturado
commetalnegrodasegundaqualidade,queécomresplendores
deareiamiúda,ecomodaterceiraqualidade,queéaqueleque,
feito pó, a sua areia não tem resplendor algum, e é o melhor e
deve-sefazercasodele.Metal rosicleréumapedranegra,comoo
metalnegrilho,melhordeareia,comopóescurosemresplendor,
eseconheceserrosicleremque,lançandoáguasobreapedra,se
lhedácomumafacaouchave,comquemamóiefazummodode
barro,comoensanguentado;equantomaiscoradoobarro,tanto
melhoréorosicler,eémetaldemuitariqueza,efácildesetirar;e
dandoempartequehajadeságueaocerro,nãohámaisquepedir;
dáemcaixadebarrocomolama,epedrinhasdetodasascores.
Metal pacoétambémcomoorosicler,oqualéumapedraqua-
separda,comoopanopardooudefumadoemuitopesada.Seria
estender-semuito,sesehouvessedepôrseusgênerosdecaixa,de
qualidadeebenefícios,porqueéesefazdemuitosmodos,segun-
doosgênerosdepacos.Porém,sendoapedrasemgostoalgumao
mastigar-sepisada,serádeboaleiparaafundição,portermuito
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o204
chumbo,queajudaamesmafundição,eestegênerodemetale
onegrilhosãoosmaisabundantesnasminas,semseperderem
nem mudarem; e, quando muito, mudam de pacos a negrilhos,
edenegrilhosapacos.Metal plomo roncoéumapedradecorde
chumbo,porémmaisescura,emuitoduraepesada.Ériquezade
fundição,edestapedraafirmamalgunsquefazembolasdebolear
osíndiosCharruas,quevizinham,ouvizinhavam,comosportu-
guesesnanovaColôniadoSacramento.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 205
xvimodo de conhecer a prata
e de beneficiar os metais
S e houver lenha (e melhor é bosta de gado, por ser mais
ativo o fogo dela) far-se-á uma fogueira, e no meio dela
se lancem as pedras do gênero que tiver a mina, e as deixarão
queimar,atéqueseponhamvermelhas,comosepõeo ferro.E,
estandovermelhas,selancememáguafria,cadaumaemdiversa
parte,paraseconhecerqualdascorestemmaisprata,quelogose
mostraránaágua,porque,setemprata,brotamportodaapedra
comocabeçasdealfinetesoucomogrãosdemunição.
Também se podem reconhecer com chumbo nesta forma.
Quandoosmetaissãonegros,compoucasveiasbrancas(que,se
sãomuitas,faz-secomazougue),sendomuitopesados,semoerão,
desortequeogrãomaiorfiquecomoodetrigo,eemumafur-
na,comoasquesefazemparaderretermetaisdesinos,sebotará
chumboese lhedará fogocomfole,atéqueaquelechumbose
derretaeponhacorado,eentãoselhebotaráapedramoída,asa-
ber,emmeiaarrobadechumbo,sepoderãobeneficiarseislibras
depedranestaforma.
Estando derretido e corado o chumbo, se lhe lançarão duas
libras de pedra, estendendo-as por cima do chumbo; e estando
tudoincorporadocomochumbo,amododeágua,para[a]fôrma
sevai lançandoamaisterra,atéqueseacabemasseis libras.E,
emseacabandoapedraoumetal, secontinuecomdar fogoao
chumbo,atéqueofogooconsuma,ouoconvertaemumfarelo
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o206
quevaicriandoporcima,oqualseirátirandocomaescumadeira,
eapartandoaosladosdovaso,atéqueaprataporúltimosedispa
deumateagemquetemporcima;eantesquedetodoofaça,faz
primeirotrêsouquatroacometimentos,comoquemabreecerra
osolhos,amododeondas,atéquedetodoseabreeficaaprata
líquida,semfazermovimentos.Eentãoseparacomofogo,ees-
tandoumpoucodura,semeteaescumadeiraporumladoeoutro,
paraadesapegardovasoesetirafora.
Sequiseremfazerensaioporazougue,far-se-ádosmetaisque
não forem negros; ou, se forem negros, queimar-se-ão primeiro
emfornodereverberação,atéqueselhestireamaldadedecoisas
acres que têm os metais ou pedras negras. E esta queima se faz
depoisdemoídos;esealgumdosoutrosmetaistiveracridades,se
deveprimeiroqueimartambém.Oqueposto,digoquetodosos
metaisoupedrassedevemmoerepeneirar,desortequefiquem
comofarinhadetrigo;apeneirahádeserdepanoepesar-se-ãoos
metais.Seforemseislibras,selhesbotaráumpunhadodesal,e
tudojuntosemolharácomágua,comoquemmisturaacalcom
areia.Depoisdebemunido,sefazummontinho,desortequees-
tejabrandocomaágua,paraqueseincorporecomeleosal,enes-
taformasedeixaráestarsobreumatábuaquatrooucincodiasao
sol.Epassadosestesdias,sedesfaráomontinhoesepisarámuito
bemaquelaterra,eemumpanofinodelinhosebotarãoduason-
çasdeazouguevivo,ecomomesmopanoseespremeráporcima
daditaterra,queestaráespalhadaebemfina;ejuntaseamassará
comamão,portempodeumahora,e,seestivermuitoseco,se
molharácomágua,atéquefiquecomobarrodefazertelha.
Depôsdistosetornaráafazermonteeapô-loaosoloutrostan-
tosdias,nocabodosquaissetemprataalguma,omostraránesta
forma,evemaserqueoazougueeaprataseconverterãoemum
farelobranco.E,estandoassim,selhelançarámaisazougue,ese
tornaráaamassar,comoestádito,eapô-loaosoloutrostantos
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 207
dias,edepoissetorneamolhareamassar.Istofeito,seboteem
umacuiaenvernizadaumpedacinhodaquelaterra,dotamanho
deumanoz,ecomágualimpaseirálavando,atéquefiquelimpaa
areianacuia,paraconhecerseoazouguehácolhidotodaaprata;
eseestiveraindacomfarelo,selancemaisazougue,comoacima.
Havendocolhidooazouguetodaaprata,jánãofaráfarelona
cuia,eestarátodaincorporada.Então,selavetodoomontecom
muitocuidado,eselanceemumpanodelinhonovoeseespre-
ma;eaquelabolaqueficarsequeimaráatéquesequeimetodoo
azougue,eficarálíquidaaprata,eseconhecerásesãoosmetais
derendimentoounão.
Seoazougueestiverfrio(oqueseconheceráestandometido
dentro como em um saquinho negro, que de si mesmo forma)
selhebotarámaissaloumagistral;eseestiverquente(oquese
conhecerádeestarmuitonegroofarelodaprata)selhebotará
cinzamolhadaesemisturarátudo,comoficaditoacima.Alguns
dizemqueasobreditamassaseháderevolvereamassartodosos
diasduasvezes,porespaçodequarentadias,equeacadaquintal
de pedra se lança um almude de sal de compás e dez libras de
azouguenaformaacima.
Ultimamente,dãoestasregrasgerais.Asminasdenorteasul
fixosãopermanentes.Asminasdeourocabeceiamdeorientea
poente,edãoemseixobrancoounegro,ouembarrovermelho,
sesãoboas.Nãohavendosaldepedrasjuntodasserrasdeminas
deprata,ésinaldequenãosãominasdepermanência,eaeste
chamam os castelhanos sal de compás. Só à vista de quem tem
experiênciasepodemdaraconhecerfixamenteosmetais,porque
háoutrosgênerosdepedrascomoeles,quenãosãodeprata.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o208
xviidos danos que tem causado ao brasil a cobiça depois do descobrimento do ouro nas minas
N ãohácoisatãoboaquenãopossaserocasiãodemui-
tosmales,porculpadequemnãousabemdela.Eaté
nassagradassecometemosmaioressacrilégios.Quemaravilha,
pois, que sendo o ouro tão formoso e tão precioso metal, tão
útil para o comércio humano, e tão digno de se empregar nos
vasos e ornamentos dos templos para o culto divino, seja pela
insaciávelcobiçadoshomenscontínuoinstrumentoecausade
muitos danos? Convidou a fama das minas tão abundantes do
Brasilhomensdetodacastaedetodasaspartes,unsdecabedal,
e outros vadios. Aos de cabedal, que tiraram muita quantidade
delenascatas,foicausadesehaveremcomaltivezearrogância,de
andarem sempre acompanhados de tropas de espingardeiros,
deânimoprontoparaexecutaremqualquerviolência,edetomar
sem temor algum da justiça grandes e estrondosas vinganças.
Convidou-osoouroajogarlargamenteeagastaremsuperfluida-
desquantiasextraordinárias,semreparo,comprando(porexem-
plo)umnegrotrombeteiropormilcruzados,eumamulatade
mautratopordobradopreço,paramultiplicarcomelacontínu-
oseescandalosospecados.Osvadiosquevãoàsminasparatirar
ouronãodosribeiros,masdoscanudosemqueoajuntameguar-
damosquetrabalhamnascatas,usaramdetraiçõeslamentáveis
e de mortes mais que cruéis, ficando estes crimes sem castigo,
porquenasminasajustiçahumananãoteveaindatribunalnem
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 209
o respeito de que em outras partes goza, onde há ministros de
suposição,assistidosdenumerosoeseguropresídio,esóagora
poderá esperar-se algum remédio, indo lá governador e minis-
tros.Eatéosbisposeospreladosdealgumasreligiõessentemsu-
mamenteonãosefazercontaalgumadascensurasparareduzir
aosseusbispadoseconventosnãopoucosclérigosereligiosos,
queescandalosamenteporláandam,ouapóstatas,oufugitivos.
Oirem,também,àsminasosmelhoresgênerosdetudooquese
podedesejarfoicausadequecrescessemdetalsorteospreçosde
tudooquesevendequeossenhoresdeengenhoseoslavradores
se achem grandemente empenhados e que por falta de negros
nãopossamtratardoaçúcarnemdotabaco,comofaziamfolga-
damentenostempospassados,queeramasverdadeirasminasdo
BrasiledePortugal.Eopioréqueamaiorpartedoouroquese
tiradasminaspassaempóeemmoedasparaosreinosestranhos
eamenoréaqueficaemPortugalenascidadesdoBrasil,salvoo
quesegastaemcordões,arrecadaseoutrosbrincos,dosquaisse
veemhojecarregadasasmulatasdemauvivereasnegras,muito
maisqueassenhoras.Nemhápessoaprudentequenãoconfesse
haverDeuspermitidoquesedescubranasminastantoouropara
castigarcomeleaoBrasil,assimcomoestácastigandonomesmo
tempotãoabundantedeguerrasaoseuropeuscomoferro.
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 211
cultura e opulência do brasil pela abundância do gado e courama
e outros contratos reais que se rematam nesta conquista
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 213
ida grande extensão de terras para pasto,
cheias de gado, que há no brasil
E stende-se o sertão da Bahia até a barra do rio de São
Francisco,oitentaléguaporcosta;eindoparaorioacima,
atéabarraquechamamdeÁguaGrande,ficadistanteaBahiada
ditaterracentoequinzeléguas;deCentocê,centoetrintaléguas;
de Rodelas por dentro, oitenta léguas; das Jacobinas, noventa; e
doTucano,cinquenta.Eporqueasfazendaseoscurraisdogado
sesituamondehálarguezadecampo,eáguasempremanantede
riosoulagoas,porissooscurraisdapartedaBahiaestãopostos
nabordadoriodeSãoFrancisco,nadoriodasVelhas,nadorio
dasRãs,nadorioVerde,nadorioParamirim,nadorioJacuípe,na
dorioIpojuca,nadorioInhambupe,nadorioItapicuru,nadorio
Real,nadorioVaza-barris,nadorioSergipeedeoutrosrios,em
osquais,porinformaçãotomadadeváriosquecorreramesteser-
tão,estãoatualmentemaisdequinhentoscurrais,e,sónaborda
aquémdoriodeSãoFrancisco,centoeseis.Enaoutrabordada
partedePernambuco,écertoquesãomuitosmais.Enãosomente
de todas estas partes e rios já nomeados vêm boiadas para a ci-
dadeeRecôncavodaBahia,eparaasfábricasdosengenhos,mas
também do rio Iguaçu, do rio Carainhaém, do rio Corrente, do
rioGuaraíraedorioPiauíGrande,porficaremmaisperto,vindo
caminhodireitoàBahia,doqueindoporvoltasaPernambuco.
E,postoquesejammuitososcurraisdapartedaBahia,chegam
amuitomaiornúmeroosdePernambuco,cujosertãoseestende
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o214
pelacostadesdeacidadedeOlindaatéoriodeSãoFranciscooi-
tentaléguas;econtinuandodabarradoriodeSãoFranciscoaté
abarradorioIguaçu,contam-seduzentasléguas.DeOlindapara
oeste,atéoPiauí,freguesiadeNossaSenhoradaVitória,centoe
sessentaléguas;epelapartedonorteestende-sedeOlindaaté
o Ceará-mirim oitenta léguas, e daí até o Açu, trinta e cinco; e
atéoCearáGrande,oitenta;e,portodas,vemaestender-sedesde
Olindaatéestapartequaseduzentasléguas.
OsriosdePernambuco,que,porteremjuntodesipastoscom-
petentes,estãopovoadoscomgado(foraorioPreto,orioGuaraíra,
orioIguaçu,orioCorrente,orioGuariguaê,alagoaAlegreeo
riodeSãoFranciscodabandadoNorte)sãooriodeCabaços,orio
deSãoMiguel,asduasAlagoascomoriodoPortodoCalvo,oda
Paraíba,odosCariris,odoAçu,odoApodi,odeJaguaribe,odas
Piranhas,oPajeú,oJacaré,oCanindé,odeParnaíba,odasPedras,
odosCamarõeseoPiauí.
Oscurraisdestapartehãodepassardeoitocentos,edetodos
estesvãoboiadasparaoRecifeeOlindaesuasvilaseparaoforne-
cimentodasfábricasdosengenhos,desdeoriodeSãoFrancisco
atéorioGrande,tirandoosqueacimaestãonomeados,desdeo
PiauíatéabarradeIguaçu,edeParnaguáerioPreto,porqueas
boiadas destes rios vão quase todas para a Bahia, por lhes ficar
melhorcaminhopelasJacobinas,porondepassamedescansam.
Assimcomoaítambémparamedescansamasqueàvezesvêm
demaislonge.Mas,quandonoscaminhosseachampastos,por-
quenãofaltaramaschuvas,emmenosdetrêsmeseschegamas
boiadasàBahia,quevêmdoscurraismaisdistantes.Porém,sepor
causadasecaforemobrigadosapararcomogadonasJacobinas,
aíovendemosqueolevameaídescansamseis,seteeoitomeses,
atépoderiràcidade.
Só no rio de Iguaçu estão hoje mais de trinta mil cabeças
de gado. As da parte da Bahia se tem por certo que passam de
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 215
meiomilhão,emaisdeoitocentasmilhãodeserasdapartedePernambuco, ainda que destas se aproveitem mais os da Bahia,paraaondevãomuitasboiadas,queospernambucanos.
ApartedoBrasilquetemmenosgadoéoRiodeJaneiro,porquetemcurraissomentenoscamposdeSantaCruz,distantecatorzeléguasdacidade,nosCamposNovosdoriodeSãoJoão,distantetrinta,enosGoitacazes,distantesoitentaléguas;eemtodosestescamposnãopassamdesessentamilascabeçasdegadoquenelespastam.
A capitania do Espírito Santo se provê limitadamente daMoribecaedealgunscurraisaquémdorioParaíbadoSul.
AsvilasdeSãoPaulomatamasresesquetêmemsuasfazen-das,quenãosãomuitograndes,esónoscamposdeCuritibavaicrescendoemultiplicandocadavezmaisogado.
Sendo o sertão da Bahia tão dilatado, como temos referido,quasetodopertenceaduasdasprincipaisfamíliasdamesmaci-dade,quesãoadaTorreeadodefuntomestredecampoAntônioGuedesdeBrito.PorqueacasadaTorrestemduzentasesessentaléguaspeloriodeSãoFrancisco,acimaàmãodireita,indoparaosul,eindododitorioparaonortechegaaoitentaléguas.EosherdeirosdomestredecampoAntônioGuedespossuemdesdeo morro dos Chapéus até a nascença do rio das Velhas cento esessentaléguas.Enestasterras,parteosdonosdelastêmcurraispróprios, e parte é dos que arrendam sítios delas, pagando porcadasítio,queordinariamenteédeumalégua,cadaano,dezmil--réisdeforo.E,assimcomohácurraisnoterritóriodaBahiaedePernambuco,edeoutrascapitanias,deduzentas,trezentas,qua-trocentas,quinhentas,oitocentasemilcabeças,assimháfazen-dasaquempertencemtantoscurraisquechegamaterseismil,oitomil,dezmil,quinzemilemaisdevintemilcabeçasdegado,dondesetiramcadaanomuitasboiadas,conformeostempossãomaisoumenosfavoráveisàpariçãoemultiplicaçãodomesmogado,eaospastosassimnossítioscomotambémnoscaminhos.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o216
iidas boiadas que ordinariamente se tiram cada ano dos currais para as cidades, vilas e recôncavos do brasil, assim para o açougue como para o fornecimento das fábricas
P ara que se faça justo conceito das boiadas que se tiram
cadaanodoscurraisdoBrasil,bastaadvertirquetodosos
rolosdetabacoqueseembarcamparaqualquerpartevãoencou-
rados.E,sendocadaumdeoitoarrobas,eosdaBahia,comovimos
emseulugar,ordinariamentecadaanopelomenosvinteecinco
mil,eosdasAlagoasdePernambucodoismilequinhentos,bem
sevêquantasresessãonecessáriasparaencourarvinteesetemil
equinhentosrolos.
Alémdisso,vãocadaanodaBahiaparaoReinoatécinquen-
tamilmeiosdesola;dePernambuco,quarentamil,edoRiode
Janeiro(nãoseisecomputandoosquevinhamdaNovaColônia
ousóosdomesmoRioeoutrascapitaniasdoSul)atévintemil,
quevêmaser,portodos,centoedezmilmeiosdesola.
Ocertoéquenãosomenteacidademasamaiorpartedosmo-
radoresdorecôncavomaisabundantessesustentamnosdiasnão
proibidosdecarnedoaçougue,edaquesevendenasfreguesias
evilas,equecomumenteosnegros,quesãoumnúmeromuito
grande nas cidades, vivem de fressuras, bofes e tripas, sangue e
maisfatodasreses,equenosertãomaisaltoacarneeoleitesão
oordináriomantimentodetodos.
SendotambémtantososengenhosdoBrasilquecadaanose
fornecemdeboisparaoscarroseosdequenecessitamoslavrado-
resdecanas,tabaco,mandioca,serrariaselenhas,daquisepoderá
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 217
facilmenteinferirdequantohaverãomisterdeanoemano,para
conservarestetrabalhosomeneio.Portanto,deixaristoàconside-
raçãodequemlerestecapítulojulgoqueserámelhoracertodo
queafirmarprecisamenteonúmerodasboiadas,porquenemos
mesmosmarchantes,quesãotantosetãodivididosportodasas
partespovoadasdoBrasil,opodemdizercomcerteza;e,dizendo-
-o, temo que não pareça crível e que se julgue encarecimento
fantástico.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o218
iiida condução das boiadas do sertão do brasil; preço ordinário do gado que se mata e do que vai para as fábricas
C onstam as boiadas que ordinariamente vêm para a
Bahiadecem,centoecinquenta,duzentasetrezentas
cabeças de gado; e, destas, quase cada semana chegam algumas
aCapoame,lugardistantedacidadeoitoléguas,ondetêmpasto
eondeosmarchantesascompram;eemalgunstemposdoano
hásemanasemque,cadadia,chegamboiadas.Osqueastrazem
são brancos, mulatos e pretos, e também índios, que com este
trabalhoprocuramteralgumlucro.Guiam-se indounsadiante
cantando,paraseremdestasorteseguidosdogado,eoutrosvêm
atrás das reses, tangendo-as, e tendo cuidado que não saiam do
caminhoeseamontoem.Assuas jornadassãodequatro,cinco
eseisléguas,conformeacomodidadedospastosondevãoparar.
Porém,ondeháfaltadeágua,seguemocaminhodequinzeevin-
teléguas,marchandodediaedenoite,compoucodescanso,até
queachemparagemondepossamparar.Naspassagensdealguns
rios,umdosqueguiamaboiada,pondoumaarmaçãodeboina
cabeça,enadando,mostraàsresesovãoporondehãodepassar.
Quem quer que entrega sua boiada ao passador, para que a
levedasJacobinas,v. g.,atéCapoame,queéjornadadequinzeou
dezesseisatédezessetedias,lhedáporpagadoseutrabalhoum
cruzadoporcadacabeçadaditaboiada;eestecorrecomosgastos
dostangedoreseguias;etiradamesmaboiadaamatalotagemda
jornada.Desorteque,seaboiadaconstardeduzentascabeçasde
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 219
gado, dão-se-lhe outros tantos cruzados se com todas chegar ao
lugardestinado.Porém,senocaminhoalgumasfugirem,tantos
cruzados se diminuem quantas são as reses que faltam. Aos ín-
diosquedasJacobinasvêmparaCapoamesedãoquatroatécinco
mil-réis,eaohomemquecomseucavaloguiaaboiada,oitomil-
-réis.Sendoasdistânciasmaiores,cresceproporcionadamentea
pagade todos.E,por isso,doriodeSãoFranciscoacima,vindo
paraCapoame,algunsdosquetomamàsuacontatrazerboiadas
alheiasqueremseisousetetostõesporcadacabeça,emaissefor
maioradistância.
Uma rês, ordinariamente, se vende na Bahia por quatro até
cinco mil-réis; os bois mansos, por sete para oito mil-réis. Nas
Jacobinas vende-se uma rês por dois mil e quinhentos até três
mil-réis.Porém,noscurraisdoriodeSãoFrancisco,osquetêm
maiorconveniênciadevenderemgadoparaasminasovendem
naporteiradocurralpelomesmopreçoquesevendenacidade.
EoquetemosditoatéaquidasboiadasdaBahiasedevetambém
entendercompoucadiferençadasboiadasdePernambucoedo
RiodeJaneiro.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o220
ivque custam um couro em cabelo e um meio de sola beneficiado até se pôr do brasil na alfândega de lisboa
V alecadacouroemcabelo....................... 2$100
Deosalgaresecar.............................. $200
Deocarregaraocurtume .............................. $040
Deocurtir ............................................. $600 _____
Importa tudo dois mil, novecentos e quarenta réis . . . 2$940
Ummeiodesolavale.................................. 1$500
Deocarregaràpraia................................... $010
Defretedonavio ....................................... $120
Dedescargaparaaalfândega........................... $010
Portodososdireitos.................................... $340 _____
Importa tudo mil novecentos e oitenta réis . . . . . . . . . 1$980
OsmeiosdesolaqueordinariamentevãocadaanodoBrasil
paraoReinoimportamoseguinte:
DaBahia,cinquentamilmeiosdesola,a1$980 ... 99:000$000
DePernambuco,quarentamila1$750 ............ 70:000$000
DoRiodeJaneiroeoutrascapitaniasdoSul,vinte
mila1$640 ........................................ 32:800$000 _________
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 221
O que tudo importa duzentos e um contos
e oitocentos mil-réis, que, reduzidos a
cruzados, são quinhentos e quatro mil
e quinhentos cruzados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201:800$000
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o222
vresumo de tudo o que vai ordinariamente cada ano do brasil para portugal, e do seu valor
P orúltimademonstraçãodaopulênciadoBrasilempro-
veito do Reino de Portugal, porei aqui agora o resumo
doquenestasquatropartestenhoapontado,que,porjunto,não
deixarádecausarmaioradmiraçãodoquepodetercausadopor
partes.
Importa,pois,todooaçúcar.................... 2.535:142$800
Importaotabaco................................. 344:650$000
Importamaomenoscemarrobasdeouro........ 614:400$000
Importamosmeiosdesola....................... 201:800$000
Importaopau-brasildePernambuco.............. 48:000$000
O que tudo soma, como parece, três mil,
setecentos e quarenta e três contos, novecentos
e noventa e dois mil e oitocentos réis. Os quais,
reduzidos a cruzados, são nove milhões, trezentos
e cinquenta e nove mil, novecentos e oitenta e
dois cruzados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.743:992$800
Aosquais,seseacrescentaroquerendeocontratodasbaleias,
queporseisanosserematouultimamentenaBahiaporcentoe
dezmilcruzados,enoRiodeJaneiroportrêsanos,porquarenta
e cinco mil cruzados. O contrato anual dos Dízimos Reais que,
na Bahia, nestes últimos anos, fora as propinas, chegou perto
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 223
de duzentos mil cruzados, no Rio de Janeiro, por três anos, por
cento e noventa mil cruzados, em Pernambuco, por outros três
anos,pornoventaesetemilcruzados,emSãoPaulo,porsessenta
milcruzados,foraosdasoutrascapitaniasmenores,queemtodas
notavelmentecresceram.Ocontratodosvinhos,quenaBahiase
rematouporseisanosemcentoenoventaecincomilcruzados,
emPernambuco,portrêsanos,emquarentaeseismilcruzados,
enoRiodeJaneiro,porquatroanos,pormaisdecinquentamil
cruzados.Ocontratodosal,naBahia,arrematadopordozeanos,
avinteeoitomilcruzadoscadaano.Ocontratodasaguardentes
da terraede fora,avaliadopor juntoemtrintamilcruzados.O
rendimento da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, que, fazendo
em dois anos três milhões de moedas de ouro, deu de lucro a
El-Rei,queocompraadozetostõesaoitava,maisdeseiscentos
milcruzados,alémdasarrobasdosquintos,quecadaanolhevão.
Osdireitosquesepagamnasalfândegasdosnegrosquevêmcada
anodeAngola,SãoToméeMinaemtãograndenúmeroaospor-
tosdaBahia,RecifeeRiodeJaneiro,atrêsmilequinhentosréis
por cabeça. E os dez por cento das fazendas do Rio de Janeiro,
queimportam,umanoporoutro,oitentamilcruzados,bemse
vê a utilidade que resulta continuamente do Estado do Brasil à
FazendaReal,aosportosereinodePortugal;etambémàsnações
estrangeirasquecomtodaaindústriaprocuramaproveitar-sede
tudooquevaidesteEstado.
b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o224
últimoquanto é justo que se favoreça o brasil, por ser de tanta utilidade ao reino de portugal
P eloquetemosditoatéagora,nãohaveráquempossadu-
vidardeserhojeoBrasilamelhoremaisútilconquista,
assimparaaFazendaRealcomoparaobempúblico,dequantas
outrascontao reinodePortugal,atendendoao muitoquecada
ano sai destes portos, que são minas certas e abundantemente
rendosas.E,seassimé,quemduvidatambémqueestetãogrande
econtínuoemolumentomerecejustamentelograrofavordeSua
Majestadeedetodososseusministrosnodespachodaspetições
queoferecemenaaceitaçãodosmeiosque,paraalívioeconve-
niênciadosmoradores,asCâmerasdesteEstadohumildemente
propõem?Seossenhoresdeengenhoseoslavradoresdoaçúcar
edotabacosãoosquemaispromovemumlucrotãoestimável,
parecequemerecemmaisqueosoutrospreferirnofavoreachar
emtodosostribunaisaquelaprontaexpediçãoqueatalhaasdi-
laçõesdosrequerimentoseoenfadoeosgastosdeprolongadas
demandas.Secrescetãocopiosoonúmerodosmoradores,natu-
raisdePortugal,quecadavezmaispovoamaspartesqueantes
eram desertas, ficando muito distantes das igrejas, é justo que
estassemultipliquem,paraquetodostenhammaispertoone-
cessário remédio de suas almas. Pagando-se tão pontualmente
a soldadesca que assiste nas praças e nas fortalezas marítimas,
não poderiam deixar de sentir os que para isso concorrem, se
com serviços iguais não fossem adiantados nos postos. Se pelo
cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 225
seutrabalhotantocresceramosdízimosqueseoferecemaDeus,
pedearazãoqueosseusfilhosidôneosnãosejampospostosnos
concursoseprovimentosdasigrejasvacantesdoEstado.E,sendo
comumentetãoesmolerescomospobres,etãoliberaisparao
cultodivino,merecemteraDeuspropícionaterraeremunera-
doreternonocéu.
Patrocínio: Realização:
ProduçãoEditora BatelCoordenação editorialCarlos BarbosaProjeto gráfi coSolange Trevisan zc
DiagramaçãoSolange Trevisan zcIlustrarte Design e Produção Editorial
© 2012, Fundação Darcy RibeiroDireitos desta edição pertencentes à Fundação Darcy RibeiroRua Almirante Alexandrino, 199120241-263 - Rio de Janeiro – RJwww.fundar.org.br
1ª Edição. 1ª Impressão. 2014.
Texto estabelecido segundo o Acordo Ortográfi co da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
R369a
Ribeiro, Darcy, 1922-1997 América Lati na: a pátria grande / Darcy Ribeiro. - Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2012. – (Biblioteca básica brasileira). ISBN 978-85-63574-14-5 1. América Lati na – Civilização. 2. América Lati na - Políti ca e governo. I. Fundação Darcy Ribeiro. II. Título. III. Série.
12-6980. CDD: 980 CDU: 94(8) 25.09.12 09.10.12 039335
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Antonil, André João, 1650-1716 Cultura e opulência do Brasil / André João Antonil. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 262 p.; 21 cm. – (Coleção Biblioteca Básica Brasileira; 7). ISBN 978-85-63574-20-6
1. Ouro – Minas e mineração – Brasil – Séc. XVIII. 2. Plantas açucareiras – Cultivo – Brasil. 3. Fumo – Brasil. 4. Brasil – Condições econômicas – História – Séc. XVIII. I. Fundação Darcy Ribeiro. II. Título. III. Série. CDD-981.03
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