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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REVISÃO DE COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO ESPECIAL - SISTEMA FINANCEIRO NACIONALEVENTO: Audiência Pública N°: 000134/01 DATA: 29/03/01INÍCIO: 10:38 TÉRMINO: 12:19 DURAÇÃO: 1:41:00TEMPO DE GRAVAÇÃO: 1:44:00 PÁGINAS: 42 QUARTOS: 21REVISORES: DEBORA, LUCIENE FLEURY, CLÁUDIA LUIZASUPERVISÃO: ESTELA, NEUSINHA, ZUZUCONCATENAÇÃO: LÍVIA COSTA
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃOARNOLD WALD – Jurista e Professor
SUMÁRIO: Debate acerca do tema “A Globalização dos Mercados e a Reforma do SistemaFinanceiro Nacional”.
OBSERVAÇÕESHá termo ininteligível.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - Sistema Financeiro NacionalNúmero: 000134/01 Data: 29/03/01
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Rubem Medina) – Bom dia, senhores.
Havendo número regimental, declaro abertos os trabalhos da presente
reunião de audiência pública, que se destina a ouvir a palestra do Prof. Arnold Wald,
renomado jurista brasileiro, com várias obras publicadas, entre as quais se destaca o
“Curso de Direito Civil”, com cinco volumes, que está na décima segunda edição,
sobre o tema “A Globalização dos Mercados e a Reforma do Sistema Financeiro
Nacional”.
Peço às Sras. e aos Srs. Deputados que queiram participar do debate que se
inscrevam junto à Secretaria.
Não preciso ler o currículo do Dr. Arnold Wald, pois todos o conhecem. Passo
a palavra imediatamente ao nosso palestrante.
O SR. ARNOLD WALD – Exmo. Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,
demais presentes, quero dizer da honra, do prazer e da alegria de estar hoje nesta
sala para discutir o problema da globalização do sistema financeiro e apresentar
algumas idéias. Agradeço a indicação do meu nome e a aprovação do convite, o
que realmente muito me sensibilizou, especialmente por ter sido feito pelos membros
desta ilustre Comissão.
Na realidade, o assunto que nos traz aqui é da maior importância, há muito
discutido, mas ultimamente tem tomado certamente um ritmo mais acelerado.
Recentemente, o Ministro da Fazenda, o Presidente do Banco Central e vários
membros do Congresso se manifestaram no sentido da necessidade de
encontrarmos uma solução rápida e adequada para alguns problemas básicos do
nosso sistema financeiro, entre os quais vários estão ligados à globalização, em
geral, e à globalização financeira, em particular, que tem sido tema de livros, artigos,
discussões. Dizem, de um lado, que é uma forma de imperialismo; de outro lado,
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vêem nela uma espécie de armadilha para o mundo moderno; e há quem diga até
que, afinal de contas, a globalização é um meio de alcançar mais rapidamente o
desenvolvimento.
Esse paradoxo se explica porque, na realidade, a globalização é um fato, a
exemplo do que foi o decorrente da eletricidade, da máquina a vapor, uma
verdadeira revolução tecnológica com ampla repercussão na vida das pessoas.
Portanto, não adianta admitirmos a idéia de que não é a melhor solução. Os
operários do século XIX não podiam quebrar as máquinas, para não deixar a
industrialização acontecer. É preciso aceitá-la e, em certo sentido, tentar defender os
nossos interesses nessa composição.
Lembro-me de que recentemente um Ministro do Supremo Tribunal Federal,
durante a manifestação do seu voto, afirmou: “Eu não quero ser globalizado”. Talvez
nenhum de nós queira ser globalizado, mas o seremos de um jeito ou de outro, não
podemos evitar o uso de todos os instrumentos da informática e da telemática com
os quais vivemos e acabamos nos acostumando.
Então, podemos dizer que a globalização tem as suas grandezas e as suas
misérias, mas é preciso tentar aproveitar os seus benefícios e restringir, na medida
do possível, com defesa adequada, os seus malefícios. Em certo sentido, podemos
dizer que a globalização é a abertura das fronteiras econômicas, vinculada a uma
revolução tecnológica devida à informática e às telecomunicações. Também se pode
dizer que ela significa a ampliação ilimitada do mercado e, ao mesmo tempo, a
extensão progressiva dessa ampliação a todas as esferas da atividade humana. Não
só desaparecem as fronteiras, mas uma série de matérias tipicamente regionais
passam a sofrer a influência da globalização em todos os seus sentidos, como
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acontece até em setores culturais específicos em relação à educação, à saúde e aos
direitos intelectuais.
Não há dúvida de que a globalização representa verdadeira revolução,
mudança de mentalidade. Isso é reconhecido por todos, porque se fala até numa
ruptura com o passado. Um historiador americano disse que é o fim da história. Não
é o fim da história, mas o início de uma nova história. Não há dúvida de que essa
transformação global tem um aspecto difícil para o homem, ou seja, a criação da
incerteza: ninguém sabe aonde ela vai nos levar nas suas finalidades.
A globalização, na realidade, não é uniforme em todos os setores. Em alguns
ela é realmente universal. Por exemplo, em matérias financeira e de comunicações.
E todos os países passam a se unir, a ter os mesmos problemas e a tentar encontrar
as mesmas soluções.
Em relação a outros setores, há globalizações regionais. É o caso da
indústria, da agricultura e de determinadas áreas culturais. Em vez de pensar numa
globalização total, temos globalizações regionais. Vamos manter durante muito
tempo ainda as peculiaridades de cada região, que vão ser defendidas, até porque a
igualdade, dizia Rui Barbosa, consiste em tratar desigualmente os desiguais. Então,
não é possível colocar no mesmo plano países totalmente desenvolvidos e países
em vias de desenvolvimento. Temos de diferenciar as situações que decorram dessa
globalização.
No plano financeiro ela realmente se apresenta como transformação radical.
Na realidade, a distância não só desapareceu, mas também fez com que as
transações financeiras virtuais se tornassem muito mais importantes do que as
transações físicas. Antigamente a transação física era a mais importante porque se
pagava em dinheiro e em cheque. Hoje cada vez mais esquecemos o dinheiro — já
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se fala em uma sociedade sem dinheiro —, o cheque, aos poucos, porque é um
instrumento caro. Hoje usamos mais o cartão de crédito, o lançamento eletrônico, o
contrato eletrônico, o que faz com que praticamente não haja mais distância entre os
países.
E isso criou uma espécie de tirania nos mercados financeiros. Eles se
tornaram, em certo sentido, quase mais fortes do que os próprios Estados. Não é
uma constatação, uma verificação valorativa, mas um fato. Em determinados
momentos, os mercados lutaram contra o que entendiam ser a supervalorização de
uma moeda. Foi o que aconteceu, por exemplo, na tradicional Inglaterra: a libra
esterlina, durante muito tempo, foi uma moeda tradicional, até o início do século XX,
a moeda padrão, antes de o dólar assumir esse papel; e foi destruída praticamente
pela especulação financeira em alguns dias. O mesmo aconteceu com a Itália.
Em certos momentos, o Estado se sente ameaçado, mais fraco do que o
próprio mercado. Falo até de países que têm tradições e estruturas muito mais
importantes de tempo e especialização nesse setor do que as existentes em nosso
País.
Isso, então, faz com que haja imprevisibilidade completa em relação ao
problema monetário. Por isso, há necessidade de nos precavermos contra ela. Não
é contra um fato determinado, é contra o imprevisível. Por exemplo, contra
terremotos, maremotos, inundação; não se sabe quando virão, de que modo virão.
Isso cria para as autoridades e legislações locais a necessidade de
reaparelhamento, de revisão dos seus textos escritos, das suas estruturas e das
suas instituições. A melhor prova é o reflexo das crises. Antigamente o Brasil
dedicava-se à vida brasileira. Quando muito ouvíamos falar de uma guerra mundial,
passávamos a sofrer no dia em que nossos navios foram afundados. Até então
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aquilo era um problema da Europa e não nosso. Nos últimos anos fomos atingidos
pelas crises mexicana, asiática, russa e argentina. E nos últimos dias, por mais
estranho que pareça, estamos sendo atingidos pela crise americana. Creio que os
brasileiros nunca pensaram que pudessem sofrer com a falta de confiança na
possibilidade de enriquecimento do americano ou de crescimento das bolsas. Ao
menos é o que dizem os jornais e os especialistas.
Um dos problemas que enfrentamos hoje, na medida em que a Argentina está
melhorando — os jornais de hoje publicam a notícia —, diz respeito aos Estados
Unidos. O Presidente do Banco Central não estaria agindo com a rapidez
necessária, não conseguiu antever todos os problemas, não foi um profeta
adequado, a sua bola de cristal não funcionou, e nós vamos pagar o pato.
O fato é importante porque essa transformação implica revolução cultural.
Temos de pensar de modo diferente. Ao mesmo tempo, junto a essa revolução
financeira, a essa globalização, temos toda uma revolução tecnológica da
telemática, da chamada nova economia. Essa é uma revolução importante, porque
não se limita apenas a aumentar os fatores de produção, mas também cria
necessidade de consumo muito maior. Há dos dois lados — produção e consumo —
um crescimento do leque de alternativas, de produtos a serem criados, de
concepções novas, de inovações, o que é realmente da maior importância.
Diante disso, o mundo tenta encontrar o consenso em relação a alguns
princípios. Em primeiro lugar, temos a idéia de que, se tudo está mudando, devemos
estar aparelhados para mudanças, ou seja, precisamos de maior prudência no
manejo da moeda, a unidade de todas as coisas. A idéia do passado é de que havia
unidade monetária. Desde o início do século passado sabemos que a unidade
monetária não corresponde à realidade, há uma ilusão sobre a moeda estável.
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Ilusão esta pela qual pagamos caro durante os anos de inflação, porque verificamos
que a inflação modificava diariamente o valor da moeda.
Dessa forma, há necessidade de sermos prudentes e relativamente
conservadores em matéria de controle da moeda, de poupança e sistema financeiro,
que utiliza e faz circular a moeda no País. Essa cautela é nacional e internacional; o
assunto preocupa tanto instituições nacionais quanto instituição de outros países.
Além da prevenção, temos de ter terapêutica, ou seja, devemos estar
preparados para a gestão da crise. Notamos, por exemplo, que em janeiro de 1999
nós não estávamos preparados para a gestão da crise. Ela aconteceu, havia muitos
comandos, muitas discussões. No entanto, logo em seguida retomamos o controle e,
em dois anos — de 1999 a 2000 —, conseguimos restabelecer a plena solidez do
sistema financeiro, apagando todos os resquícios e seqüelas daquela crise.
É preciso dizer que o Brasil apresentou, nesses últimos 15 anos,
determinados fatores que prepararam a globalização. Na realidade, foi uma espécie
de globalização interna: desapareceu um segmento tradicional na instituição
financeira brasileira. Tínhamos bancos especializados; de um lado, o banco
comercial, de depósito; do outro, o banco de investimento. No meio, a financeira, a
corretora, a empresa de leasing. Cada área desempenhando determinada atividade
específica. Era uma espécie de muralha, que conhecia também o Direito americano,
com a idéia que numa fase de crise era melhor não confundir investimento com
depósito, porque indo embora o investimento podia ir também o depósito.
Isso ocorria numa época em que investimento era uma coisa e depósito era
outra. Na medida em que a função monetária fez com que vários setores se
integrassem cada vez mais, tivessem interpenetração cada vez maior, essa distinção
passou a não ter mais razão de ser. Então, todos os países adotaram, a partir de
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1980 — no Brasil, a partir de 1989 —, a idéia do banco múltiplo, que exerce todas
as funções já citadas e, por isso mesmo, deve ter cautela e fiscalização maiores do
que quando era compartimento estanque. Esse primeiro aspecto podemos chamar
de globalização interna, em relação ao sistema financeiro.
Em segundo lugar, tivemos certa desregulamentação. Embora mantida a
Constituição vigente, na prática, houve desregulamentação. Aos poucos, o Banco
Central passou a entender que precisava aumentar a fiscalização e diminuir a
regulamentação, ou seja, dar mais liberdade, com responsabilidade. Ao mesmo
tempo, teve de acertar todas as questões pendentes do passado, quando
instituições bancárias cresceram sem bases adequadas. Iniciou-se, então, um
programa de saneamento financeiro em bancos públicos e privados.
Quando o Banco Central entendeu que tinha de controlar a moeda e evitar a
inflação, descobriu que havia duas moedas no Brasil: a federal e a estadual. Embora
não constasse da Constituição, havia a emissão de moeda fiduciária pelos bancos,
que poderia representar dívidas estaduais muito altas, não controladas pelo Governo
Federal.
Portanto, houve essa desregulamentação, seguida, em parte, da limitação da
operação do Estado. Vários bancos estaduais foram extintos; lançaram programas
especiais — PROEX E PROER —, com a finalidade de fazer o saneamento,
mantendo os bancos que podiam funcionar adequadamente.
Ao mesmo tempo, houve um movimento de "desintermediação". Na verdade,
é um investimento que não passa pelo banco. Antigamente os investimentos
normalmente eram feitos por via bancária. Essa desintermediação surgiu na medida
em que novas entidades fortes podiam fazer seus investimentos diretamente, quer
se tratasse de fundos de pensão — objeto de discussão ontem aqui na Câmara —,
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quer se tratasse de fundos mútuos. Eram novas figuras de acionistas, que
representam os grandes investidores, cuja atuação passava ou não pelos bancos.
Daí a desintermediação bancária. Algumas vezes, em vez de receber o depósito e
fazer a operação, o banco se torna um elemento da engenharia financeira que vai
transformando o dinheiro de uma empresa em participação acionária.
Daí decorreu a modificação no conceito de controle e de acionistas
minoritários, objeto do projeto de lei aprovado ontem pela Câmara dos Deputados.
Verificamos que aquela idéia patriarcal, que vinha do antigo privatismo doméstico,
da sociedade anônima que tinha um dono começou a desaparecer, pois os
minoritários entenderam que também tinham direitos. Desapareceu a idéia que os
majoritários do exterior e do Brasil fizeram dos minoritários durante muito tempo, ou
seja, que eram bobos e arrogantes; bobos porque entregavam o dinheiro para a
empresa e arrogantes porque ainda queriam receber dividendos e o dinheiro de
volta ao saírem da empresa. Então, tendo sido bobos, não poderiam ser arrogantes.
Essa idéia foi aos poucos desaparecendo porque os minoritários deixaram de
ser pessoas físicas com pequena poupança e se transformaram em grandes
investidores, sejam os fundos de pensão, sejam as empresas seguradoras etc. O
equilíbrio de poderes mudou.
Ao mesmo tempo, com as privatizações e concessões, criou-se uma figura
que não existia no Direito brasileiro, a não ser na lei: o controle partilhado, que, ao
invés do controle único, obrigou a empresa a adotar uma estrutura diferente, tendo
em vista que já não tinha mais um dono só, mas vários donos, cada um querendo
saber o que o outro fazia. Esse tipo de controle passou a funcionar.
Tudo isso teve repercussões nos bancos e nas instituições financeiras,
ensejando o desenvolvimento do capitalismo financeiro ao lado do capitalismo
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industrial, o aprimoramento tecnológico e facilidade cada vez maior de
internacionalização dos bancos.
Os bancos brasileiros começaram a ir para o exterior; os bancos estrangeiros
vieram para o Brasil. Em determinado momento, nas multinacionais não se sabia
muito bem se a operação era interna ou externa; começava num lugar, ia para outro.
A lei do menor esforço ou da maior rentabilidade no plano monetário não conhece
nacionalidade. Querem realizá-la com a maior eficiência, escolhendo o porto
adequado para isso.
Tudo isso aconteceu junto a uma evolução econômica imensa e, com toda a
sinceridade, à paralisação do Direito. O nosso Direito ficou parado, olhando a banda
passar. O que ele representava em relação a essas matérias? O Código Comercial
de 1850 tem um artigo ainda em vigor, que se refere aos mil réis. O nosso Código é
de 1850! O nosso Código Civil, mais do que centenário na sua elaboração — foi
elaborado em 1899 e entrou em vigor em 1917 —, também envelheceu um pouco; já
não é mais o jovem que Clóvis Bevilácqua tentou montar. Ainda tem algumas
referências ao cruzeiro corrigido; depois veio uma lei nova, que instituiu a ORTN.
Não existem mais cruzeiro nem ORTN. Que Código é esse?
Temos, por outro lado, leis mais recentes, mas que envelheceram muito
rapidamente. Para uma lei comercial, 70 anos já é uma idade mais ou menos
provecta. As Leis de Usura e sobre moeda estrangeira envelheceram porque o
tempo se modificou em progressões geométricas e não em progressões aritméticas.
Entre o Brasil de 1930, quando foi aprovada a Lei de Usura, e o Brasil de 2001 não
há semelhança alguma. Aliás, a única semelhança é que se falava português nos
dois casos. Nada mais. A sociedade e o meio comercial brasileiro se modificaram
por inteiro, ou seja, o mundo se modificou, e o Brasil não conseguiu ser antigo num
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mundo que se modificou. Não há mais possibilidade de viver em sistema autárquico,
com o qual sonharam alguns, durante certo tempo. E realizaram o sonho no
momento oportuno e de modo adequado, mas era um outro momento da vida
brasileira, para chegar à mesa internacional em condições de discussão. Chegou a
hora em que não havia mais como ficar fora do mundo.
Essas legislações estão ladeadas por resoluções do Banco Central, por
algumas normas mais modernas. No entanto, há uma espécie de caos legislativo. E
se torna necessário pensar em acabar com o que chamaria de entulho legislativo, do
mesmo modo que se falou em outro momento do entulho autoritário.
A idéia de transformar as 30 mil normas jurídicas vigentes no Brasil,
reduzindo-as a um número de regras claras e inequívocas, é muito importante. Não
se trata apenas de preocupação acadêmica, mas de preocupação pragmática,
prática, pois estamos enchendo os tribunais de problemas ligados a legislações
superpostas que não se coadunam. Uns vão escolher a Lei de 1850; outros vão
escolher o Código Civil ou a Lei de Usura; e haverá aqueles que escolherão a Lei nº
4.595. Cada um decide o que bem entende.
Na realidade, como a interpretação do Direito não é ciência exata, existe a
possibilidade de argumentação, estamos diante de um caos legislativo ao qual
corresponde um caos jurisprudencial, judiciário. E um dos motivos que tornam
necessária a reforma da Justiça é justamente a falta de regras precisas e objetivas
sobre essa matéria, especialmente no setor bancário. O problema referente ao
FGTS, que nos tem dado tanto trabalho, representou centenas de milhares de
processos na Justiça e tempo. É um custo imenso para o País, justamente porque
as leis não foram claras e oportunas.
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Do mesmo modo, os planos econômicos provocaram as mesmas
dificuldades. Ainda tramita no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de
Inconstitucionalidade por nós encaminhada, para saber se as tablitas eram
constitucionais ou não. Já se passaram quinze anos da vida brasileira. E a decisão
terá repercussões múltiplas e em cadeia, pois, se for julgado inconstitucional, haverá
um caos generalizado. A única possibilidade de voltar à normalidade será
estabelecer prescrição sui generis. Não há outra saída. Ainda não acabou o
julgamento; quatro ou cinco Ministros ainda vão apreciá-la. Se levarem o mesmo
tempo que levaram até agora para julgá-la — sem nenhuma crítica —, chegaremos
a 2015 sem saber se a tablita dos anos 80 era válida ou não.
Também estamos discutindo ainda, em milhares de processos, o Plano
Collor. Realmente é um caos legislativo. Talvez haja necessidade, em matéria de
constitucionalidade, de se decidir as demandas judiciais rapidamente. O meio
financeiro não admite dúvida. Fala-se na alergia ao vazio. O meio financeiro tem
alergia à dúvida; ele tem de saber exatamente qual é a norma vigente, caso
contrário, será criado o custo da inadimplência e do litígio.
O Presidente do Banco Central dizia outro dia que cerca de 40% do custo do
dinheiro decorrem da previsão de adimplência. Daí a famosa frase do nosso Ministro
da Fazenda, que parece ter surgido inicialmente em relação ao sistema financeiro
imobiliário. S.Exa. disse que em todos os países o futuro é imprevisível, mas no
Brasil temos algo mais: o passado também é imprevisível. Queria dizer o seguinte:
não sabemos, em determinado momento, quais serão os efeitos dos atos que
estamos praticando hoje. O que aconteceu durante o Plano Collor de 1990 ainda é
imprevisível em 2001.
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Na realidade, durante muito tempo o Direito tem sido considerado o ramo
auxiliar da vida nacional, partindo-se da idéia de que devemos dar solução aos
problemas econômicos. Entretanto, chega certo momento em que não basta dar
solução econômica. É preciso dar também solução jurídica, senão a solução
econômica vai acabar padecendo da ausência de normas, o que sentimos de
maneira muito forte no próprio sistema financeiro brasileiro e nas repercussões da
globalização.
Podemos dizer que o nosso Constituinte de 1988, nos setores econômico e
financeiro, elaborou normas constitucionais para o Brasil da época. E só podia fazer
isso; não podia prever o que aconteceria no mundo inteiro; não podia prever o
NAFTA, a ALCA ou todas essas evoluções internas e internacionais.
É preciso lembrar que o nosso Constituinte vivia numa economia fechada, em
1988, e a idéia básica era aplicar o princípio da substituição das importações, ou
seja, praticamente fazer tudo o que pudesse para que isso fosse alcançado, a
qualquer preço, a preço mínimo ou mesmo que fosse mais oneroso do que no
exterior. E ainda convivíamos com inflação razoável de 5.000% ao ano. Acho que foi
a base calculada no final do Governo Sarney. Em 1963 considerávamos 144% ao
ano algo insuportável. Conviver com inflação daquele nível foi experiência
considerada internacionalmente quase impossível, mas o Brasil conseguiu
sobreviver e se desenvolver durante um longo período graças à indexação, um mal,
a exemplo da cortisona, que nenhum médico aconselha tomar, mas muitas vezes é
a única saída. Não é sobremesa para um banquete, mas é o remédio para
determinadas doenças graves.
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Não há dúvida de que a Constituição brasileira ainda se refere à correção
monetária, ao valor real da moeda para efeitos de inflação, ao equilíbrio econômico-
financeiro, enfim, essas idéias dizem respeito a uma fase de inflação.
A partir de 1990, houve a abertura da economia brasileira e, ao mesmo
tempo, a consolidação dos grandes grupos econômicos, das grandes regiões. A
União Européia surgiu, em certo sentido, da idéia de evitar a guerra entre França e
Alemanha. Acreditaram os especialistas que o melhor meio era juntar a economia
dos dois países. Daí se desenvolveu uma série de planos, até chegarem à União
Européia, que hoje tem uma unidade básica estrutural e uma unidade monetária,
esta última recebida com muito receio, porque o europeu, ao contrário do brasileiro,
não se acostuma a mudanças de moeda.
Quando se estabeleceu o euro como moeda da Europa, recebemos uma série
de consultas, porque, segundo os europeus, nós, brasileiros, somos especialistas
em mudanças de moeda a curto prazo. E temos realmente um know-how específico
sobre o assunto.
Não há dúvida de que moeda única significa política única; significa unir o
controle de receita e despesa de vários países. É a grande preocupação que temos
em relação ao MERCOSUL, quando se fala na sua viabilidade.
Por outro lado, estamos admitindo que existe hoje um poder monetário, o
Direito monetário. Já se fala na Lei de Responsabilidade Monetária. Realmente a
moeda, sendo unidade que representa a circulação das riquezas no País, deve ter
tratamento e regime próprios. É o que se pretende dar ao Banco Central, no
momento em que se diz que ele é especialmente o guardião da moeda, quem deve
salvaguardar o seu valor, a sua estabilidade e fixar a política monetária.
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Para fixar a política monetária, o Banco Central deve ter poder amplo, a
exemplo do poder que o Ministro Cavallo acaba de pedir ao Congresso argentino.
Nas crises emergenciais, é necessário que alguém tenha poderes para decidir.
Quando ninguém tem o poder de decisão, as coisas não andam tão bem quanto
poderiam.
O Banco Central é uma instituição importante. Já se disse que é a maior
criação do homem depois da roda e do fogo, mas é preciso também que seja
devidamente controlado; sendo um Poder, não pode ser um Superpoder, nem na
letra, nem no espírito, nem na vivência da lei, donde a sua importância, quando se
pensa no sistema financeiro.
Já se disse que a moeda é de certa maneira o sangue que circula na
sociedade. Se isso é verdade, o Banco Central é o coração que faz esse sangue
circular mais ou menos rapidamente, de acordo com a velocidade que se atribui à
moeda, com a taxa de juros e as possíveis emissões de moeda, a regulamentação
da liquidez e do crédito.
A nossa Constituição trata muito dos problemas do Banco Central e da
moeda. Acho que é a constituição no mundo que mais trata desses assuntos.
Levantei cerca de dez artigos da Constituição que, direta ou indiretamente, tratam da
moeda e do Banco Central, como os arts. 21, 22, 48, 52, 84, 190 e os arts. 163, 164,
192. Isso quer dizer que temos quase uma miniconstituição monetária, que tem as
suas grandezas, mas também alguns defeitos.
Pelo fato de serem constitucionais, tais artigos criam uma camisa-de-força
num mundo em plena evolução. A evolução do mundo tem sido muito rápida. Como
a Constituição só pode ser modificada de acordo com determinados rituais, a
excessiva constitucionalização pode ser uma camisa-de-força negativa para o País.
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Ou, ainda, acabam-se modificando as constituições de tal modo que elas perdem o
seu próprio caráter. Acho que a Constituição tem que ter o nível constitucional, do
mesmo modo que o Código Civil tem que ter o seu nível. Não vamos pôr no Código
Civil normas absolutamente emergenciais, porque o Código Civil representa um
certo nível da civilização num determinado momento. Não se deve mudar o Código
Civil todos os dias; a Constituição, muito menos. Este é um dos aspectos do qual se
poderia dizer que houve um detalhamento um pouco excessivo, no sentido de fazer
com que as normas constitucionais sejam excessivamente abrangentes e dificultem,
algumas vezes, determinadas providências que devem ser tomadas com urgência.
Os dois artigos mais importantes certamente são os arts. 163 e 192. Vamo-
nos restringir ao art. 192, para não abusar da paciência do nosso público.
Realmente, esse artigo tem algumas idéias que se explicam em relação à
época em que foi elaborado. O que se pretendeu foi estabelecer uma espécie de
carta básica do sistema financeiro, contendo princípios básicos que devem ser
aplicados amplamente. Por quê? Porque temos a inflação, porque os bancos
ganham muito dinheiro, porque não confiamos no Poder Executivo, porque não
confiamos no Banco Central. Temos quase a impressão de que esses são os artigos
da desconfiança. Considero que uma constituição não pode basear-se na
desconfiança. É preciso estabelecer princípios básicos com relação ao que é
necessário e deixar à legislação — eventualmente à legislação complementar,
outras vezes à legislação ordinária — a possibilidade de encontrar soluções.
O primeiro problema que surgiu foi o dos juros de 12%, que tem sido discutido
nesses doze anos. Acho que já deve ter havido mais de 100 mil processos para
discutir a matéria. Até hoje ela não está acertada, do ponto de vista judicial, embora
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haja uma súmula do Supremo Tribunal Federal a esse respeito e embora tenha
havido a ADIN nº 4.
Na realidade, há uma série de discussões sobre a área limítrofe da aplicação
da usura, de acordo com o art. 192. O que se deve entender como instituição
financeira? A instituição que é autorizada pelo Banco Central, só por este motivo, é
considerada instituição financeira? É preciso haver uma legislação especial em
relação a cada título? Há um caos enorme!
De fato, esse artigo da lei referente à usura é relativamente incompatível com
a globalização. Houve épocas da vida americana em que os juros chegaram a 15%
ou 16%. Como nós, no Brasil, vamos dizer: "Não, amigos americanos, tudo bem,
vocês são americanos; nós só receberemos o dinheiro de vocês na base de um
deságio de ‘x’ por cento?
Agora, depois de dois anos de luta, quando o Banco Central reduziu à metade
as suas taxas, chegamos à taxa de juros de 15%, dinheiro do Banco Central! Este é
o chão, este é o desnível mínimo. Portanto, se temos a posição do Banco Central de
15%, é inconcebível que se estabeleça na Constituição 12%, a menos que se queira
chegar a uma hipocrisia generalizada e dizer: "Vamos estabelecer a regra, para
todos os interessados vão voltar às fraudes e haverá uma tolerância necessária,
porque a lei do menor esforço e a lei da oferta e da demanda, infelizmente, não
podem ser modificadas nem pela Constituição".
Esse é o primeiro aspecto. O segundo é o problema da Lei Complementar
Única para toda área abrangente do mercado financeiro, mercado de capitais, etc.
Nesse ponto também há um problema, porque a legislação é muito ampla. São
áreas que têm, em primeiro lugar, um grande dinamismo. Por outro lado, cada uma
das áreas tem as suas peculiaridades. Quase se poderia dizer que, com esse
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sistema, estamos paralisando todo o desenvolvimento. A Lei nº 4.595, que foi
considerada lei complementar, na realidade ainda está sendo adaptada e adotada
com alguma flexibilidade, mas a matéria fica muito complicada, porque ou se aplica
com rigor, e aí estamos parados, o Brasil parou completamente, ou aplica-se sem
rigor e não há mais sentido. Aplicado com muito rigor, poderíamos dizer que uma
parte do projeto aprovado ontem na Câmara é inconstitucional, porque, tratando-se
de mercado de capitais, teria que ser matéria a ser tratada por lei complementar.
Não estou defendendo essa tese. Penso que devemos flexibilizar por todos os
motivos, porque o Brasil precisa de flexibilidade, não pode ficar numa posição
retrógrada, mas, de qualquer modo, há a necessidade de repensar essa matéria.
O problema da limitação dos bancos estrangeiros também está no Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias e foi driblado mediante uma decisão do
Ministro da Fazenda e do Presidente da República que diz que interesse público
cabe ao Executivo dizer qual é. Presumimos que todo dinheiro estrangeiro é de
interesse público, então, o banco estrangeiro pode se instalar no Brasil com base no
interesse público.
Talvez tivesse sido mais adequado estabelecer em lei complementar algo
determinando o equilíbrio, por exemplo, do sistema financeiro, que atende o varejo e
os bancos de investimento. Em relação ao mercado de varejo, queremos uma
preponderância dos bancos brasileiros, porque quando há uma crise de uma
indústria local, uma empresa comercial, numa área determinada, é muito melhor
poder decidir os assuntos em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Brasília, em Belo
Horizonte, do que em Londres, em Xangai, em Tóquio, onde será muito difícil as
pessoas compreenderem exatamente a necessidade de um crédito maior.
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Na área do banco de investimento, de montagem de negócio, já não há mais
necessariamente a mesma posição. Mas, de qualquer modo, temos hoje um
equilíbrio. Talvez não valesse a pena criar um desequilíbrio desfavorecendo as
empresas nacionais.
Outro problema foi o fundo garantidor, que também deu margem a uma ADIN.
A idéia de que, na realidade, não é possível usar determinados recursos públicos
para o fundo garantidor e assim transferir para a iniciativa privada de vez,
especialmente com recursos do passado, que eram considerados da iniciativa
privada — é o caso do recheque, por exemplo — tem também dado ensejo a uma
ADIN. Consideramos algo que precisa ser reexaminado. Talvez não precise ser um
princípio constitucional. Na lei complementar poderia haver algumas normas mais
claras a respeito dessa matéria.
Quando pensamos no que está acontecendo hoje no Brasil em matéria de
sistema financeiro, podemos dizer que, em certo sentido, a norma constitucional,
que precisa ser regulamentada, é uma camisa-de-força. Não adianta regulamentá-la
como ela está hoje. Hoje, a regulamentação é a existente. Não há grandes
modificações que se possa fazer com o texto constitucional vigente.
Se pudermos tentar descongestionar, liberalizar essas normas da
Constituição, de tal modo que tenhamos dois ou três princípios básicos, mas se
permita uma maior flexibilidade à legislação, que é, em certo sentido, a idéia do
projeto que se discutiu no Senado Federal, parece-nos que vamos poder ter uma
solução. Aplicadas rigidamente, essas normas paralisam a economia. Se forem
excessivamente flexibilizadas, numa interpretação muito liberal, não têm mais razão
de ser, não significam mais nada.
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Portanto, esse é o dilema, juntamente com o fato de, na situação atual,
termos o Poder Judiciário sofrendo seriamente de uma crise decorrente do tumulto
legislativo existente com relação a essa matéria, que faz com que, conforme o Juiz e
o Ministro, a interpretação venha a ser diferente. Como não temos a súmula
vinculante, como as uniformizações demoram muito tempo, ainda temos dúvidas em
relação à interpretação de um texto constitucional, que está fazendo mais de doze
anos de vida.
Parece-me que é o momento de repensar com seriedade nestes dois
aspectos: o constitucional e o legislativo. Ao mesmo tempo, essa reformulação
constitucional deve ter em mente que estamos pensando cada dia mais em uma
arquitetura financeira internacional, ou seja, em compromissos internacionais em
relação às matérias financeiras e especialmente em alguns acordos, que serão
progressivamente relevantes no tocante ao MERCOSUL em matéria de moeda. Sem
chegar a uma moeda comum, não há dúvida de que alguns princípios deverão ser
estabelecidos e é importante nossa Constituição não ser uma vedação.
Assim, é preciso permitir que o legislador possa prever as situações e tomar
medidas antecipadas, porque é melhor prever do que prover, ou seja, prever para
prover. Se pudermos evitar, é melhor do que termos excelentes bombeiros para os
incêndios que de vez em quando surgem e que podem ter reflexos sistêmicos, como
o sistema dominó. Depois, durante dez anos, vamos discutir no Congresso e no
Poder Judiciário se havia ou não o risco sistêmico. Quando uma casa pega fogo, se
o vizinho vai ter ou não a casa incendiada é um problema de risco sistêmico. Mas o
melhor é desocupar a casa, enquanto o fogo não chega, além de chamar os
bombeiros.
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Portanto, esses problemas devem ter uma sistemática adequada. Daí a idéia
de uma reforma constitucional, que já está em curso, aguardando o pronunciamento
da Câmara dos Deputados, depois de uma longa e ampla discussão, no Senado
Federal e nesta Casa, que teve o mérito de trazer audiências públicas, não
necessariamente hoje, mas em outras ocasiões, com o consenso das várias classes
econômicas e da opinião pública brasileira, com a idéia de uma autonomia
operacional e não de uma independência do Banco Central, estando sob a
fiscalização dos Poderes. Isto não é moderno, porque quando Napoleão criou o
Banque de France, disse que deveria ser um órgão livre, autônomo ma non troppo,
porque não poderia se transformar em um superpoder. E, também, a consolidação
da legislação vigente nesta matéria, para que possamos ter um sistema financeiro
em que a lei dê garantias e segurança. Nós, advogados, podemos ser até os
beneficiados deste tumulto. Um colega nosso, antigo Ministro da Justiça, Dr. Saulo
Ramos, disse que ia colocar no seu escritório uma estátua de bronze em
homenagem ao economista legislador. Quando perguntaram o que quis dizer com
isso, respondeu que foi assim que o (ininteligível). Graças a ele.
Penso que hoje o momento é de os advogados, em vez de pensarem nos
litígios, pensarem na prevenção; é a possibilidade de cooperar com os senhores,
com a empresa, com as associações de classe, com os consumidores, para
encontrar soluções. Entendendo-se, também, que não adianta estabelecer
excessiva proteção ao consumidor. Quando a proteção é excessiva e viola as regras
do mercado, o consumidor tem direitos, mas não tem o que consumir. Então, como
ninguém pode ser obrigado a fabricar, a entregar e etc, em determinados momentos
aquela idéia de proteção ao consumidor não é a favor dele e, sim, contra ele.
É preciso ter esse justo equilíbrio que o Congresso Nacional sempre teve.
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Agradeço à Comissão o convite e peço desculpas por ter abusado um pouco
do tempo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Rubens Medina) – Muito obrigado, Prof.
Arnold Wald, por sua brilhante exposição, como sempre.
Passo a palavra ao Relator, Deputado Edinho Bez.
O SR. DEPUTADO EDINHO BEZ – Vamos ouvir, em primeiro lugar, a Sra.
Deputada Yeda Crusius. Depois, farei minha manifestação.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Rubem Medina) – Tem a palavra a Sra.
Deputada Yeda Crusius.
A SRA. DEPUTADA YEDA CRUSIUS – Sr. Presidente, Sr. Relator, Sr.
palestrante, quem sabe eu tome um pouquinho mais do tempo regimental, pelo
entusiasmo com que tratamos o assunto. Antes vou contar umas histórias. (Risos.)
Tenho uma escultura em meu gabinete que me foi dada pela Ordem dos
Economistas. Em um debate sobre lavagem de dinheiro, o então Ministro da Justiça,
Nelson Jobim, deu um cutucada nos economistas, como se o sistema tivesse uma
causa, uma culpa e um efeito sobre eles.
O SR. ARNOLD WALD - A culpa é nossa, dos advogados. (Risos.)
A SRA. DEPUTADA YEDA CRUSIUS – Não, não é! Apenas disse a S.Exa.
depois... E a escultura veio com a frase que eu disse àquela ocasião. Dizia: os
economistas nos causam muitos problemas. São os que desmancham o equilíbrio
da sociedade, por causa da questão do dinheiro. Ora, o economista entende como
se constrói uma moeda e os outros todos têm de se acomodar em cima disso.
Ao fazer a provocação disse o seguinte: pois é, Ministro Jobim, lembro-me de
quando a Faculdade de Economia era sempre nos porões da Faculdade de Direito.
Era alguma coisa saída da contabilidade. Hoje, os prédios das Faculdades de
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Economia, além de mais modernos, são maiores do que os prédios das Faculdades
de Direito. Até hoje os advogados não nos perdoam por termos conseguido
autonomia e reconhecimento como campo particular do conhecimento e da ciência.
Não fui tão delicada assim, mas S.Exa. também não havia sido. E ganhei a
escultura.
Sr. Presidente, a degravação demora muito. E a divulgação de sua palestra,
no momento, é importante. Então, se houver um roteiro ou uma cópia, solicitaria a
V.Exa. que nos passasse para divulgação. A degravação concorre com outros temas
nesta Casa e, às vezes, perde.
Sr. Arnold Wald, lembro-me também da leitura dos seus livros e do livro
elaborado com Mário Henrique Simonsen a respeito de uma regra que existiu, no
tempo da inflação e da hiperinflação, que permitiu a convivência no Brasil em cima
de um sistema de desconfiança. As pessoas conheciam as instituições. A caderneta
de poupança estava ali na esquina, o banco não sei onde. As pessoas entravam,
mas não sabiam o que havia dentro. A correção monetária foi a regra que permitiu
essa convivência durante os anos 70 e praticamente os anos 80.
Ao dar as aulas de Moeda e Banco, na faculdade, como se chamava — e
voltou a ser Moeda e Banco, é interessante —, percebemos que a costureira, o
porteiro tinham que interagir com coisas complicadas chamadas correção monetária
e taxa de inflação, para saber do que se tratava e o que ocorria nos bancos. Então,
desencravei do cofre o BANRISUL uma ORTN física, o papel ORTN atrás dos
quadradinhos, correção monetária trimestral e daí por diante. Fizemos uma
universidade aberta no campo financeiro. Ali reunimos grupos de trinta ou cinqüenta
estudantes, para mostrar que aquilo não era o demônio, que aquela desconfiança
não precisaria acontecer.
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Mas voltamos a isso com a globalização. De uma certa maneira volta o ciclo
da desconfiança. Ele precisa ser analisado e esmiuçado naquilo que sua palestra
apresentou de forma tão rica.
Vamos falar da Argentina. Vou fazer as duas perguntas, até para simplificar.
Quando foram discriminados os superpoderes que o Ministro Cavallo pediu, isso foi
na semana seguinte a nossa ida — um grupo de líderes partidários foi à Argentina, o
Ministro era outro, era o Murphy —, estava lá o Cavallo, o ex-Presidente e ex-
Ministros para dizer ao mundo, pela fotografia que foi tirada, que a América Latina
estava unida na Argentina, desse o que desse. E da lista dos superpoderes que ele
solicitou vi muito de regras brasileiras já antigas. Ele pede, como Ministro da
Economia, para ter o direito de editar medidas provisórias com duração de um ano,
no que diz respeito às questões federativas e às reformas administrativas, e pede a
CPMF, ou seja, o que estamos vivendo já há algum tempo. Inclusive citou o próprio
PROER, que deu estabilidade à fase de reformas constitucionais nos mais diversos
campos. Portanto, o Ministro Cavallo está pedindo razoavelmente a mesma coisa.
Não é à toa que ele veio conversar conosco.
Queria lhe fazer uma pergunta: o que está acontecendo com a Argentina
ajuda ou atrapalha na construção de uma moeda que não pode mais ser
simplesmente nacional? Se a nossa âncora era a inflação, no tempo da correção
monetária, para muitos países da América Latina, como a Argentina, é o dólar, mas
para outros a moeda é o dólar. Estou firmemente convencida de que temos de fazer
o exercício de construção da moeda do MERCOSUL antes de atingir os limites da
ALCA.
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A minha pergunta é essa: o que acontece com a Argentina, com relação a
essa questão de reforma constitucional no sistema financeiro, para a construção de
um poder financeiro que gere uma moeda estável, ajuda ou atrapalha?
O SR. ARNOLD WALD – Queria primeiro dizer que a minha citação do
Économiste não é crítica, porque tenho a impressão de que fui, muito
humildemente, um dos primeiros advogados a escrever livro a quatro mãos, ou a
seis mãos até, com economistas. Na realidade, lembro-me que, desde o tempo de
faculdade, uma das idéias que tínhamos era de encontrar um vocabulário, uma
linguagem comum, porque não adiantavam essas críticas de um lado a outro. Isso
surgiu na fase do regime militar. O advogado tinha que entender de economia e o
economista tinha que ter uma certa sensibilidade com relação ao problema jurídico.
Mário Henrique Simonsen para mim foi um dublê de economista e jurista.
Escreveu-se sobre Mário Henrique Simonsen cantor de ópera, mas eu ainda queria
escrever artigo sobre Mário Henrique Simonsen jurista, porque ele tinha uma grande
sensibilidade em relação ao problema jurídico. Acho que aí a simbiose é completa,
como também o sociólogo. Estamos vivendo a época da parceria pluridisciplinar.
Ninguém pode mais mandar sozinho. Gostaria apenas que o fim da minha palestra
não fosse mal interpretada.
A SRA. DEPUTADA YEDA CRUSIUS – Se me permite, é só para deixar
gravado. Eu entendi muito bem. De maneira nenhuma eu levaria para o outro lado.
Pelo contrário, quando foi colocado pelo Saulo, demos muitas risadas e continuamos
nosso pega, porque tem que haver humor.
O SR. ARNOLD WALD – Acho que cada vez mais esse trabalho é
pluridisciplinar. Tanto é perigoso o economista que não quer saber de Direito, e diz
que faz suas normas, aconteça o que acontecer — e depois acontecem muitas
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coisas nos tribunais, até dez anos depois, mas o Brasil é que vai sofrer —, quanto o
jurista que não quer saber de economia.
Diria, dentro do assunto específico, que o entrosamento quanto à moeda é
indispensável para que se possa fazer alguma coisa. Vamos ter — argentinos e
brasileiros —, como mostrei em teses nacionais, que montar uma moeda
MERCOSUL em um determinado momento. Essa é uma questão a ser tratada.
A Argentina talvez manteve a qualidade monetária com excessivo rigor. Não
tenho condição de julgar. Mas acho que levou isso um pouco ao exagero, e pagou
um certo preço. Enquanto nós tentamos flexibilizar, sem perder o controle monetário.
É importante o controle monetário, a luta contra a inflação. Ao mesmo tempo
em que achávamos muito necessário naquela fase a correção monetária, a tal
cortisona, achávamos que era um remédio muito amargo, mas não tinha outro jeito.
Seria importante tentar evitá-la no futuro. Mas temos de evitar a causa e não a
conseqüência. Ninguém é proibido de tomar cortisona; a idéia é tentar evitar o
câncer.
Em relação à Argentina, o momento é difícil para eles. Eles têm que tomar
algumas medidas, têm que reacertar a sociedade. O argentino tem que fazer aquela
revolução cultural completa que ele fez um pouco aos pedaços. Teve todos os
resquícios do peronismo, que na Argentina criou uma problemática um pouco mais
complicada do que o nosso Estado Novo.
Acho que, daqui a pouco, vamos ter que sentar, argentinos e brasileiros, para
pensar em uma moeda comum. Já estamos aceitando, no Brasil, alguns sacrifícios
para salvar a moeda argentina. E somos um país pobre para salvar a moeda dos
outros.
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Na realidade, estamos salvando o nosso modelo, o nosso bloco. É a
solidariedade do grupo; não é a solidariedade internacional, a solidariedade do
grupo que está perto de nós. Sabemos, também, que o fato de estarem abalados vai
repercutir na nossa vida.
Então, além da solidariedade, do afeto e do amor, é, na verdade, uma
legítima defesa. Acho que vamos chegar a uma moeda. Como é que vai ser feito
esse controle monetário? Quando o controle monetário é estabelecido, é uma
verdadeira unidade política. O grande problema da Europa é que fizeram a unidade
monetária e esqueceram que quem controla a moeda controla a política
governamental. Então, criam-se pequenas divergências. Acho que a União Européia
cresceu no mundo, e dela fazem parte países de níveis muito diferentes um dos
outros. Isto é um complicador. Pode ser muito bom para alguns, mas é um
complicador.
Vamos trazer o Uruguai e o Paraguai para essa conversa e, eventualmente, o
Chile. Talvez possamos chegar a uma moeda comum. Certamente será uma moeda
comum que teremos que proteger contra a inflação. Não sei se terá de haver uma
proteção cambial rígida. Confesso que, em primeiro lugar, isso vai demorar algum
tempo. É preciso que a Argentina se restabeleça plenamente, que andemos mais um
pouquinho para podermos sentar e conversar a respeito disso.
Lembro-me, quando estudante, que fui à Bolívia e o Ministro João Neves da
Fontana, Ministro das Relações Exteriores, nos chamou e disse: vocês vão entrar
em uma área de conflito entre Brasil e Argentina. E perguntamos por quê e ele
respondeu que, na realidade, a Bolívia é uma área de luta colonial. Disse que eles,
argentinos, estão lutando para ocupar a área. Então, é preciso que os jovens
estudantes de Direito, tenham isso em mente. Trata-se de uma luta de poder. É um
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pouco o que aconteceu na Índia, entre franceses e ingleses, no século XIX.
Queremos ocupar a área. É importante a ocupação, não militar. Temos até os
militares, as comissões mistas etc. Isso tem meio século.
De lá para cá andamos muito. Um dos momentos importantes foi aquele em
que o Presidente José Sarney foi convidado para conhecer as instalações atômicas
da Argentina. Aquele momento foi o que representou o carvão e o aço entre a
França e a Alemanha. Agora, não há mais guerra possível. Agora é um momento de
solidariedade. Evidentemente leva tempo. Não vejo a criação da moeda única para
2001, não. É mais fácil fazermos a reforma constitucional, a reforma do sistema
financeiro do que chegar a uma moeda única. Acho até que a reforma constitucional
e a reforma do Sistema Financeiro são caminhos que devem deixar em aberto
alguma coisa para um diálogo futuro com a Argentina.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Rubem Medina) – Deputada Yeda Crusius, já
terminou? (Pausa.)
Com a palavra o Deputado Coriolano Sales.
O SR. DEPUTADO CORIOLANO SALES – Sr. Presidente, inicialmente,
quero cumprimentar o expositor, Prof. Arnold Wald, figura muito conhecida nos
meios acadêmicos, sobretudo nas escolas de Direito. O Prof. Orlando Gomes falava
muito no Prof. Arnold Wald. Fui aluno do Prof. Orlando Gomes na Bahia.
O SR. ARNOLD WALD – De quem eu era um grande admirador. Fui
examinado por ele com muita alegria, com muita honra.
O SR. DEPUTADO CORIOLANO SALES – Para mim é uma satisfação vê-lo
aqui hoje, nesta reunião, com a certeza de que a contribuição de S.Sa. será
inestimável para o deslinde dos trabalhos desta Comissão com referência à
regulamentação do art. 192. Já vi que o senhor é a favor da Emenda Serra.
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O SR. ARNOLD WALD – A nosso modo.
O SR. DEPUTADO CORIOLANO SALES – A Emenda Serra praticamente
desconstitucionaliza esse processo de regulamentação. Temos algumas questões. É
exatamente a esse respeito que gostaria de ouvir a opinião de S.Sa. Essa
regulamentação deveria ser feita em bloco, em uma lei só no Sistema Financeiro,
complementar, ordinária, embora o Relator do Senado mandou que se fizesse uma
lei complementar? Está na Câmara para se decidir se se encampa a sugestão do
Relator do Senado ou se se deixam as coisas como estão. Na opinião de S.Sa., far-
se-ia essa regulamentação em bloco, numa única lei, complementar ou ordinária,
pouco importa, tendo em vista a complexidade do Sistema Financeiro? A economia
do Brasil não é mais a economia dos anos 30, de 64, quando se teve a Lei nº 4.595.
Estamos diante de uma outra economia, muito mais complexa. Do ponto de vista
financeiro, não se trata apenas da existência de bancos. Hoje há bancos e bancos.
Será que o Brasil vai resistir à internacionalização do Sistema Financeiro?
Deveríamos ter uma norma na lei bancária, na lei financeira nacional de reserva, por
exemplo, para o mercado bancário de varejo, para os bancos nacionais, como tem o
Canadá, por exemplo?
Estivemos no Banco Central do Canadá há três anos, juntamente com o
eminente Relator, e o Presidente do Banco Central do Canadá disse-nos, de viva
voz, sem meias palavras, que se não tivesse havido uma reserva para o mercado de
varejo bancário para os bancos nacionais canadenses, o sistema financeiro bancário
do Canadá já teria desaparecido há muito tempo, porque teria sido engolido pelos
bancos americanos, japoneses, ingleses.
Qual é sua opinião sobre isso? O sistema bancário nacional vai resistir à
internacionalização na hora em que se tiver uma abertura total sem nenhum tipo de
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controle de interesse público nacional, que está previsto nas Disposições
Transitórias? Qual a opinião de S.Sa. sobre a questão da regulamentação, se em
bloco, se por partes?
Há uma necessidade enorme de se criar estruturas financeiras menores no País
para desenvolver a base da sociedade brasileira que está empobrecida, na miséria,
porque não é atingida pelos bancos nacionais e muito menos pelos estrangeiros.
Falo da política de microcrédito, da política para os pequenos. No Brasil, hoje,110
milhões de pessoas não têm conta em banco. Quando dissemos isso na Alemanha,
na Universidade de Humbold, numa palestra sobre os temas dos bancos populares
alemães, como o Bundesbank, o professor disse: “Mas isso não é humano”. O que
ele quis dizer? Logo em seguida ele completou: “Na Alemanha, não há um único
cidadão que não tenha conta em banco”. Tendo em vista a complexidade e as
necessidades de crédito na base da sociedade para impulsionar o desenvolvimento,
pergunto ao professor se essa regulamentação deveria ser feita em bloco ou
separadamente.
Sobre as funções do Banco Central, não deveria este cuidar somente da
moeda e deixar a regulação e a fiscalização para outro setor, como uma empresa
estatal, que poderia tratar da supervisão bancária? A exemplo do que ocorre na
Alemanha, o Bundesbank cuida basicamente da moeda. Embora o controle da
moeda seja feito pela União Européia, as funções de regulação e fiscalização são
basicamente da superintendência de fiscalização bancária de Berlim.
Quanto ao mandato dos diretores do Banco Central, há autonomia sem
mandato? Qual é a sua opinião sobre essa questão? Quanto ao que está inserido no
192, sou favorável à derrogação dos 12%. Considero isso um empecilho. Pode se
chegar a um momento na economia em que a taxa de juros poderá ir até a 200%.
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Então, como é que se controla a fúria taxativa, essa ânsia de taxação de certos
instrumentos financeiros, tais como as administradoras de cartões de crédito, cujas
taxas de juros são de 14% a 15% ao mês?
Parabenizo V.Sa. pela brilhante exposição.
O SR. ARNOLD WALD – Agradeço a V.Exa. as palavras.
Considero-me discípulo de Orlando Gomes, alegro-me por ter sido examinado
por ele e por outros eminentes mestres da Faculdade de Direito da Bahia, como
também pelo Prof. Aderbal Gonçalves e outros que sempre nos ensinaram os
caminhos. Ainda hoje me lembro de que, no final do curso da faculdade, participei de
um seminário no Centro Acadêmico Rui Barbosa, na Faculdade de Direito em
Salvador, e continuam as amizades com ilustres advogados e Deputados, que
representam a Bahia nos seus vários setores.
Respondendo a V.Exa., número de leis é secundário, mas não deve haver
apenas uma lei. O Poder Legislativo, com sua autonomia e independência, decidirá
quantas leis serão necessárias. A idéia inicial era de uma lei única para seguros,
mercados de capitais e bancos. Porém, isso é inviável. O resto, na realidade, é uma
decisão de conveniência.
Menciono esse assunto rapidamente, porque não quero sustar a questão,
porque em até certo sentido a Lei das S.A. está mexendo na CVM, ou seja, no
mercado de capitais. Então, se levarmos ao extremo, é preciso que se façam leis
tantas quantas forem necessárias. A lei é um instrumento de desenvolvimento da
civilização. Não há razão para limitá-las, a não ser que haja interesse maior — e
acho que não existe.
Na realidade, o Canadá não é considerado um país excessivamente
nacionalista e temos de pensar em defender a nossa população. A abertura ao
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capital externo teve duas finalidades. Uma delas foi a necessidade de receber
capital externo. Uma das âncoras da nossa moeda que tem sido a entrada de capital
estrangeiro, sob as suas diversas formas — privatização, concessões, entrada de
capital nos bancos etc —, e foi o caminho que se escolheu. A outra foi entender que
havia uma espécie de oligopólio no setor bancário e que a entrada do capital
estrangeiro iria baixar os juros. Não sei se isso aconteceu. Estou de acordo com
V.Exa., pois não sei se se ensejou a baixa de juros. Talvez tenha sido ensejada uma
tecnologia mais adiantada para os bancos.
Especialmente no varejo, algo deve ser feito. Talvez até não se limitar o
interesse público, mas, em uma lei, estabelecer certo percentual em matéria de
equilíbrio. No varejo, por exemplo, 50% deve ficar na mão dos bancos brasileiros,
entendidos como os que têm realmente raízes no Brasil e não os que têm apenas a
organização etc. Acho que isso se justifica, considerando-se a posição do Brasil e as
nossas necessidades, porque, senão, vai acontecer o que teria acontecido no
Canadá, certamente, com o nosso Sistema Financeiro.
Quanto ao problema referente ao Banco Central, a fiscalização pode sair.
Quanto à regulamentação, tenho algumas dúvidas e vou dizer por quê. Na
realidade, entre a política monetária e a regulamentação bancária, há uma tal
simbiose que, sem querer, ao regulamentar os bancos, está-se mexendo na política
monetária. Se houver dois órgãos, vamos ter conflitos de competência. No Brasil,
quando há conflito de competência, nada se resolve e apenas se discute o conflito.
Tenho medo do conflito de competência. O Banco Central — como o Federal
Reserve, nos Estados Unidos — precisa realmente de poderes. Caso contrário, sua
situação pode tornar-se difícil. A fiscalização pode sair, mas a regulamentação está
muito vinculada à política monetária para termos dois órgãos. Com todo o respeito
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pela iniciativa governamental, acredito que incentivar, em uma agência
governamental, a concorrência em todos os setores talvez venha a dificultar a
posição do Banco Central. O problema da concorrência, em matéria de banco, deve
ser de competência do Banco Central.
Em relação aos juros, ninguém está dizendo que se deve acabar com a lei
dos juros. O que não se pode fazer é vincular a lei de juros a um organismo
determinado. É possível, por exemplo, dizer o que há em algumas outras licitações
— há uma taxa média, que não pode ser ultrapassada em mais de xis por cento —
e realmente criar um sistema de competição real. Se houver competição e taxa
média, acho que se chega lá, inclusive em relação aos cartões de crédito, que hoje
realmente estão cometendo verdadeiros abusos.
De modo que, nobre Deputado, estamos basicamente de acordo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Rubem Medina) – Com a palavra o Deputado
Coriolano Sales.
O SR. DEPUTADO CORIOLANO SALES – O eminente professor não
respondeu à questão referente ao mandato do Banco Central e a sua relação com a
autonomia.
O SR. ARNOLD WALD – Sim, desculpe-me.
O banco tem de ser autônomo e deve ter mandato. A diretoria tem de ter
mandato e acho muito importante fazê-lo. Inclusive é importante a idéia de mandatos
não-coincidentes, no sentido de termos certa continuidade e não uma composição
totalmente diferente. Do mesmo modo, são nomeados os diretores do Banco Central
justamente para que tenham mandato. O mandato é importante e relevante.
Desculpe-me por ter me olvidado desse assunto. Deixe-me levar pelo debate dos
juros, o que é mais discutido.
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O banco tem de ser autônomo e deve ter poder e responsabilidade. Durante
muito tempo tinha poderes e não tinha responsabilidade. Então, é preciso que tenha
poder e responsabilidade, liberdade e responsabilidade, mandato e algumas
limitações, tipo quarentena.
Se não há mandato, até a correnteza fica difícil. O senhor vai nomear um
diretor do Banco Central por um mês e, durante dois anos, não se pode fazer nada.
Nesse caso, acho que não é muito humano.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Rubem Medina) – Tem a palavra o Deputado
Nelson Proença.
O SR. DEPUTADO NELSON PROENÇA - Sr. Presidente, Sr. Relator, Sr.
Arnold Wald, Sras. e Srs. Deputados, gostaria de começar meu pronunciamento
fazendo um elogio à Deputada Yeda Crusius pela oportuníssima idéia de ter
sugerido que o Prof. Arnold Wald viesse fazer esta apresentação. Incluo-me entre as
pessoas que ficaram vivamente impressionadas com o brilhantismo do professor e
especialmente com o seu bom humor, capaz de amenizar assunto tão pesado como
este. Parabéns, Prof. Arnold.
O SR. ARNOLD WALD - Obrigado.
O SR. DEPUTADO NELSON PROENÇA - Gostei de ouvir muitas coisas,
professor, mas acima de tudo me impressionou ouvir a sua preocupação, várias
vezes reiterada, com a necessidade de que fizéssemos permanente atualização da
nossa legislação. Em um mundo que muda constantemente, é necessário que a
Casa que faz as leis esteja permanentemente atualizando a legislação.
O fenômeno da globalização é decorrente do processo de inovação
tecnológica que a humanidade enfrentou e viveu nas últimas duas décadas. A
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globalização é fruto da comunicação instantânea, da informatização, do fax, da
possibilidade de se transferirem capitais, overnight, entre os continentes etc.
Permitam-me que conte rapidamente um episódio. Em 1991, no meu primeiro
mandato de Deputado Federal, entendi claramente de que forma a globalização
causaria impacto em todas as pessoas, em qualquer recanto. Estive em um pequeno
Município do meu Estado, no Rio Grande do Sul, Constantina, onde visitei uma
cooperativa de produtores de soja. A primeira coisa que me disseram foi que se
tratava de uma cooperativa pobre, de pequenos produtores. Levaram-me para ver o
silo, onde estava a safra de soja daquele ano, e, depois, para ver o escritório da
cooperativa, que era pouco mais que um barracão de madeira. Entrei no escritório, e
então, a minha surpresa: no fundo do barracão havia uma mesa de madeira e em
cima dela um terminal de computador. Quando me aproximei do terminal, o rapaz
que o operava me disse: “Fazemos aqui o habitual, mas, entre outras coisas,
Deputado, quero lhe dizer que estamos “linkados” com a Bolsa de commodities de
Chicago. A safra que o senhor viu aqui já foi vendida. Já sabemos que ela trocou de
mãos, em operações eletrônicas, três ou quatro vezes para três ou quatro
compradores em diferentes lugares do mundo, sem ter deixado de estar fisicamente
depositada no silo, em Constantina”. Para quem não sabe, Constantina fica perto de
Carazinho, famosa por ser a terra natal do Dr. Leonel Brizola.
Esse processo de globalização, fruto da tecnologia, traz um impacto brutal.
Acho difícil, Deputado Coriolano, que, mesmo usando artifícios legais, consigamos
evitar a globalização. Ela é praticamente inevitável. Concordo com a sua
preocupação e com a do Prof. Arnold no sentido de que estabeleçamos alguns
mecanismos capazes de proteger a sociedade brasileira, os nossos sistemas
produtivos do impacto, muitas vezes predatório, que a abertura demasiada provoca.
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Entretanto, desconfio que hoje é praticamente impossível criar mecanismos políticos
capazes de segurar a inovação tecnológica.
A inovação tecnológica é tão rápida e brutal que é capaz de permear a
barreira política que a sociedade possa criar. Cito exemplo: se não tivéssemos
partido para a desregulamentação do nosso sistema de telefonia, ele seria
desregulamentado pela própria tecnologia. A tecnologia iria se encarregar de
desregulamentá-lo. Essa desregulamentação iria fazer com que os ativos, que em
determinado momento a sociedade brasileira conseguiu vender, desvalorizassem-se
brutalmente. A sociedade brasileira vendeu seus ativos de telecomunicações no
último e derradeiro momento. Se não tivéssemos feito aquilo naquele momento,
hoje, seguramente, eles valeriam muito menos do que valiam naquela época, por
causa da inovação tecnológica.
Estou dizendo isso porque ouvi com muita atenção a sua intervenção e com
alguma preocupação a sua manifestação acerca do eventual estabelecimento de
algum tipo de proteção ou de reserva de mercado para alguma parte do nosso
sistema financeiro.
Em tempo, gostaria de fazer uma pergunta cuja resposta sei que não é fácil
ser dada neste momento. Em todo caso, eu a farei. Parece-me que de todas as
questões que estamos discutindo o ponto básico diz respeito à autonomia e à
independência do Banco Central, como muito bem mencionou V.Sa. Qual seria o
nível de autonomia concederemos à nossa autoridade monetária?
V.Sa. tocou em um ponto interessante: um projeto de lei que o Poder
Executivo está encaminhando a esta Casa para criar a Agência de Concorrência, e
de que maneira esta agência ficará com algumas das atribuições do Banco Central.
Provavelmente, no segundo semestre deste ano, este Congresso Nacional vai se
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debruçar sobre a necessidade de modernizarmos também este setor, criando e
regulamentando a Agência de Concorrência.
O Brasil começa a viver as megafusões que têm acontecido lá fora, e há
necessidade de se preservar a concorrência. De que maneira podemos agora, nesta
Comissão em que tem o prazer de recebê-lo hoje, esboçar a autonomia do Banco
Central para que tenha o grau de independência necessário para poder atuar neste
mundo novo globalizado, cheio de desafios? É a Argentina que quebra em uma
semana, a Rússia, na semana seguinte; é a economia americana que desacelera e,
ao mesmo tempo, acelera. É o dólar, enfim. Precisamos dotar a autoridade
monetária de flexibilidade. Mas aonde isso pode chegar?
Não sei se as minhas perguntas foram demasiadamente amplas, mas
encaminho-as à sua competência.
O SR. ARNOLD WALD – Agradeço a V.Exa. as palavras. Tenho
acompanhado o trabalho de V.Exa. no Poder Legislativo há algum tempo e os
projetos de lei de sua autoria em vários setores e reitero o especial prazer de
conhecê-lo pessoalmente nesta reunião.
Esses dois problemas não são tão simples como pensamos. Em todo caso,
vamos analisá-los. O primeiro, globalização e proteção local, leva-nos a entender
que ninguém pretende segurar a inovação tecnológica. Somos obrigados a
aproveitá-las.
Há, entretanto, lacunas entre a inovação tecnológica, a estrutura da
sociedade e os mecanismos políticos e sociais. Vamos supor o seguinte: se
estabelecermos a globalização complexa, a partir de amanhã teremos de nos
comunicar em inglês. Para que falar português? Vamos falar inglês. O fato é que
temos uma cultura a preservar. E lembrem-se de que não estou falando de cultura
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no sentido estrito, da cultura intelectual. Refiro-me à cultura como modo de viver,
qualidade de vida, problema que já não é apenas nosso, por ele também passam os
europeus, em relação aos americanos.
Há, portanto, equilíbrio entre os aspectos positivos e negativos da
globalização, em relação aos quais alguma proteção pode ou não ser possível.
Apenas para darmos um princípio à generalização que V.Exa. lançou, li um
livro de um americano que diz que a rede McDonald’s vai-se impor em todos os
lugares. Entretanto, há alguns elementos do islamismo que querem preservar.
Nesse caso, há dois pontos radicais — o islamismo, de um lado, e o McDonald’s, de
outro. Entre os dois há certas coisas que podemos proteger e, sem discutir inovação
tecnológica, admitir que poderemos dar um passo à frente.
A privatização da telefonia precisava ser feita — talvez tenha sido feita com a
miniproteção de alguns acionistas minoritários do meio. Mas tudo bem, a perfeição
não é humana, e conseguimos ver na bola de cristal depois e não antes. Eu acho
que tinha de ser feita daquela forma, não havia outro jeito de fazê-la. Ademais, foi
feita no momento exato, único meio. Do contrário, iríamos à falência.
No contexto das telecomunicações, cerca de trinta ou quarenta anos atrás,
lembro-me de uma época em que, para falarmos do Rio para São Paulo, levávamos
em torno de 18 horas e, para conseguirmos linha, havia um office-boy que ficava na
linha, o chamado “boi na linha”. Essa é uma história da qual ninguém se lembra mais
hoje em dia, mas precisa ser lembrada.
O segundo aspecto diz respeito a uma fiscalização adequada. Um dos
perigos que existem na nossa telefonia é Lei de Lavoisier: aumenta-se muito o
número de instalações, mas o sistema começa a funcionar menos. De vez em
quando não somos totalmente felizes nas ligações por celulares, elas caem muito.
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Mas isso é adaptação, é algo que precisamos admitir que vai acontecer. Foi
importante não só o dinheiro que recebemos, mas também o investimento, que o
Governo não poderia fazer. De modo que isso é importante.
Algumas defesas devemos fazer. O banco a varejo realmente precisaria de
certo equilíbrio. O exemplo do Canadá é importante, mas se tivermos como
referência só os bancos estrangeiros, isso poderá ser negativo para o brasileiro,
para a nossa cultura, para a nossa produção. Por mais que queiramos, a
multinacional sempre dá preferência ao país de origem, que tem o seu sotaque.
Sempre fui a favor da abertura do sistema financeiro Então, em determinados
setores, a abertura foi útil e razoável. Não sei se temos de ir, no campo dos bancos
de varejo, muito além disso. Estamos hoje com 40% de bancos estrangeiros e 60%
de nacionais; os estaduais perderam grande parte da sua atuação. Então, acho que
não basta proteger contra a inovação, é preciso proteger também as instituições. Sei
que é difícil. A sua pergunta decorre da dificuldade, se não, já a teríamos resolvido.
De fato, há certo equilíbrio possível e tem sido admitido em alguns países.
Portugal teve uma briga desse tipo recentemente. Não sei se V.Exa. a acompanhou.
Um dos grandes bancos portugueses foi vendido para os espanhóis. O Governo
português impugnou a venda, e o vendedor recorreu ao Conselho da Europa e
conseguiu uma decisão dizendo que não podia haver, entre os países europeus,
diferença de tratamento. E realmente o banco português foi vendido — acho que foi
para o Santander —, e o seu titular ficou com um percentual, como o segundo o
acionista do banco espanhol.
Tenho a impressão de que em nossos acordos, até no MERCOSUL, valeria a
pena fazer alguma observação para dizer que queremos ressalvar o direito de ter os
nossos bancos, assim como os argentinos poderiam fazer. Em relação ao
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MERCOSUL, acho que o sistema português teria funcionado. O Governo português
não teria permitido e era importante que em Portugal houvesse três ou quatro
bancos portugueses, porque já havia um grande número de bancos estrangeiros.
Então, podemos chegar a um justo equilíbrio que não seja, de modo algum, uma
reserva de mercado, mas a idéia de equilíbrio em mercado. Prefiro a palavra
equilíbrio à palavra reserva. E esse equilíbrio é dinâmico, não é necessariamente
rígido. Ele pode ser flexibilizado, mas deve existir.
Eu ficaria triste no momento em que não tivéssemos nenhum banco brasileiro.
Havia uma caricatura nos jornais, mostrando que o sujeito para ir ao banco teria de
falar inglês; para ir à Telefonica, espanhol. Precisamos falar português, não só o
nosso, mas também o daquele seu amigo agricultor, que consegue utilizar o
computador, está ligado à Bolsa de Commodities de Chicago e continua falando
português, sendo o dono de seu negócio.
A empresa brasileira tem de reorganizar todo o sistema de fusões e
aquisições, porque a média empresa terá dificuldade para sobreviver. Mas esse é
outro problema que não vamos necessariamente resolver hoje, porque foge ao tema
proposto pela Comissão.
O segundo assunto suscitado por V.Exa. — e vou ser muito breve para não
atrapalhar o funcionamento da Comissão — é importante. Refere-se à autonomia do
Banco Central. Essa autonomia, em um regime democrático, funciona muito bem.
Acho até que hoje — não de direito, mas de fato — estamos em um sistema de
autonomia. Ou seja, há um encaminhamento para o Presidente do Banco Central de
uma política, e S.Sa., de um modo ou de outro, vem prestar contas ao Congresso
Nacional e à opinião pública.
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É verdade que isso não decorre de um sistema. É preciso sistematizar. Mas,
quanto a esse particular, acho que o exemplo americano não é ruim, pois nos dá um
Presidente do FED forte, com alguns poderes, e a necessidade de se obedecer à
política geral do País e à fiscalização do Congresso Nacional.
Nos Estados Unidos, existe o dever de falar com a opinião pública. Quando o
Presidente da FED faz seus pronunciamentos, na realidade está prestando contas,
está dizendo o que está e o que não está fazendo.
Portanto, deve haver mandato fixo, exercido por diretores com conhecimento
da questão e com independência. Deve haver um conjunto de atribuições, tais como
a concorrência, a aquisição de bancos e a proteção do consumidor. Caso contrário,
vamos cindir a operação bancária. Vamos dizer que a operação de um lado é uma,
mas o modo de se realizar, o modo de funcionarem os bancos, o modo de se
fundirem, de aumentarem a sua área de atuação, de protegerem o consumidor é
outro. Então, se houver dois órgãos que tratam da mesma matéria, vai haver conflito
burocrático. O Banco Central tem de assumir.
A idéia da Agência de Concorrência é muito interessante em relação a fusões
e aquisições em geral. Ela tem de levar em conta duas ordens de pensamento. A
primeira delas seria a situação específica do Brasil, um pouco diferente da de outros
países que já chegaram a outro nível de desenvolvimento industrial e empresarial.
Ao mesmo tempo, em determinados setores em fase de transição, de implantação
— estou me referindo não só ao setor financeiro, mas também ao setor das
concessões de telefonia, de energia elétrica, de petróleo —, não pode haver a cisão
das competências.
A Agência de Concorrência ou o CADE renovado têm importante função, mas
não pode assumir funções que hoje são do Banco Central, da ANEEL, da ANATEL,
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sob pena de atrapalhar as políticas setoriais. A concorrência e a proteção do
consumidor têm de estar vinculadas à regulamentação setorial. Não se pode dizer
que se regulamenta o setor, indicando que um vai tratar da concorrência e o outro
do consumidor, porque, no fim, vai ser um caos. E, como estamos aqui para tentar
sair do caos, o caminho é não permitir a cisão.
Os problemas estão surgindo hoje com o conflito de competência entre o
CADE e o Banco Central. O CADE tem importante área de desenvolvimento, mas,
no campo bancário, o Banco Central é que tem de estabelecer a política, sob pena
de não pode atuar adequadamente.
Citou-se o exemplo da Alemanha, que tem outro nível de estabilidade
monetária. Os problemas que a Alemanha conheceu ocorreram nos anos 30, ou
seja, há setenta anos. No Brasil, saímos da inflação, aos poucos, nos dois ou três
últimos anos. Então, ainda não é possível dizer que o nosso Banco Central poderia
ser comparado ao Banco Central alemão. O exemplo estrangeiro é muito importante,
mas temos de adaptá-lo a nossa realidade. Não temos a tradição que se firmou no
Bundesbank, que hoje permite dizer que o problema inflacionário da Alemanha não
existe, é história do passado.
Para nós, a preocupação de manter o valor da moeda é muito importante.
Então, temos de ser mais amplos.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Rubem Medina) - Concedo a palavra ao
Relator, Deputado Edinho Bez.
O SR. DEPUTADO EDINHO BEZ - Cumprimento o Sr. Arnold Wald, e quero
elogiar a iniciativa da nobre Deputada Yeda Crusius de ter propiciado a oportunidade
da visita de S.Sa. conosco nesta reunião.
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Recebi algumas sugestões. Peço escusas por não lê-las em função de que
esses assuntos já foram abordados pelos Deputados que me antecederam e pelo
próprio expositor. Por exemplo, se o senhor é contrário à autonomia do Banco
Central. Foi respondido. Se sugere manter sua maior fiscalização. Também já foi
respondido. Eu mesmo havia feito várias perguntas, já respondidas. De maneira que
estamos mais ou menos afinados, sabemos mais ou menos o que queremos aqui.
Temos um desenho, professor, do nosso trabalho, do que pretendemos.
Visitamos vários países, temos tido várias audiências públicas, já discutimos
praticamente com todos os segmentos do Sistema Financeiro Nacional do País,
vamos continuar ouvindo-os, e priorizaremos alguns juristas. A Deputada Yeda
Crusius nos brindou com sua contribuição e sua iniciativa foi aprovada, como disse o
Deputado Nelson Proença, por unanimidade nesta Comissão.
Quero parabenizá-lo pela palestra, dizer que esta Comissão sempre estará à
disposição, como também o Parlamento, para receber as sugestões de V.Sa.,
professor de renome nacional e internacional, com grandes obras publicadas.
Agradeço a V.Sa. do fundo do coração. Estamos sensibilizados com a
maneira cortês de V.Exa.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Rubem Medina) - Agradeço ao Dr. Arnold
Wald, em nome da Comissão, pela sua presença e brilhante exposição.
Cumprimento a Deputada Yeda Crusius e o Sr. Relator, Deputado Edinho
Bez, pelo brilhante trabalho.
Declaro encerrada a reunião.
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