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AinvençãodenósemJoséMárioBrancoA Casa daMúsicahomenageia JoséMário Brancocom JP SimõesBatida MãoMorta e outrosProcurámos oque representaJMB paramúsicos poetasilustradoresporque tambémhá o livro40XAbril

GonçaloFrota

Numtomde rap eriçado assente em ritmos tradicionais portugueses JoséMário Branco apresentou em2007naCasaMúsica Porto –eum anodepoisna

Culturgest Lisboa – asuaúltimacriação conhecida em nome próprio Mudar deVida recuperava esseverbo activo na poética de insubmissão domúsico que em 1971 foi buscar Camões para chamar ao seudisco de estreia Mudam se os Tempos Mudam seasVontades Eraesseverbode rejeiçãomas de criação deum novo paradigma que o encontrava ainda JoséMário Branco português pequeno burguês de origem filhos de professores primários artista de variedadescompositor popular e aprendiz defeiticeiro ainda muito mais vivodo que morto como antes se dissera na estonteante declamaçãocatártica de FMI no Teatro Abertoem1982 MudardeVida assimdescreve o músico no documentáriocom o mesmo nome realizado porNelson Guerreiro e Pedro Fidalgoestreado no IndieLisboa avançavaem três movimentos primeiro umolharpara dentro uma análise pessoal umaprocura de estabelecer oseu lugar nomundo depois sabendo já onde os pés se enterravamvinha a interpelação ao próximoquestioná lo perguntar lhe que lugaré esse que ocupa se por inérciaou vontade própria finalmente aprocura de um sentimento comunal de recusa de umsistema de umcapitalismo em roda livre sem reinemroque desregrado impossíveldemanobrar irracionalNo texto deMudardeVida citava

a história de PaulEhrlich bacteriologista alemão cuja investigação seria determinante para a descobertade um tratamento eficaz para a sífilis Conta José Mário que após centenas de tentativas descobriu formade matar a doençamas também odoentee teráchamadoao tratamento Ehrlich 606 Chegado à tentativaEhrlich 914 conseguiu o seu propósito – matar sim mascomcritériopoupando o doente E nós tentámos quanto perguntava JoséMário acusando a humanidade de terdesistido de lutarporuma transformação social capaz de promover

uma fórmula mais justa mais fraterna demediar as relaçõesentreaspessoas Foi emparte esta imagemde resistência idealista a levar JP Simõesa gravar em2007 a sua versãode Inquietação Ascanções do JoséMário Branco acabaram por ficarmuitomarcadasnuma altura da nossa vida portuguesa que se calharera muito celebrada mas em que asua voz era uma espécie de decepção meio chateada dos anos 80–aporra da revolução não tinha idopara lado nenhum Por isso acredita JP JoséMário vacilava entreumapelo às armas –fossemintelectuais ou da união –e umacertaresistência como se a orgânica quefaz as coisas aconteceremudar fosse superior à nossa vontade

JP Simões é um dos músicos desafiados pelo jornalista radialistaRui Portulezparao concerto DeCertaManeira umahomenagema JoséMário Branco que sexta feira tomaconta da Casa daMúsica no PortoPara Portulez JP é um seguidornatural não tão duro e corrosivoquanto o Zé Mário mas tambémcom uma costela crítica e algumaironia Do espectáculo constarãoainda os contributos de ChullageMiguelPedro eAntónioRafael MãoMorta em colaboração com os Ermo Batida acrescentados de Manuel Pinheiro dosDiabo na Cruz eAF Diaphra Guta Naki Marfa eGambuzinos cada um responsávelpor um par de versões do cancioneiro do homenageado A que sejuntará no final o actor João Grosso na declamação de FMI A ideiasurgiu a Portulez em 2013 por umasérie de razões Uma delas foiporque acho que todos sentimos que opaís bateu no fundo E não há reacçãoHá portanto um propósito agi

tador na ideia de Portulez celebrara obra de José Mário Branco numano em que se cumpre o 40º aniversário do 25 deAbril Aefeméride

interessava lhe também e parecialhe possível e preferível festejar aliberdade para lá das sessões solenes na Assembleia da Repúblicapara cumprir calendário e picaroponto MudardeVida o filme convenceuaindamais Portulez de estarna presença de alguém cuja pertinência artística era sublinhada por

um activismo convicto e enérgicocontraa invasão do Iraque aprendendo com os timorenses a sua noção de resistência As razões eramcoincidentes comaquelas enunciadas por NelsonGuerreiro para avançar para odocumentário acriaçãomusical a prática social o humanismo a riqueza poética o apelo àmudança

Há uma certa tendência para aresignaçãona nossa cena portuguesa e ele aparecia sempre em contraste com isso concentrou todaa forçao heroísmo e a indignação da resistênciaquandoo país se foi aburguesando comenta JP Simões Tam

bém nesse sentido Pedro Coquenão do projecto Batida afirmaqueJoséMário Branco representa integridade intemporalidade a liberdade criativa e do tempo Representa amemória de uma certa época mas também o presente Gostode pensar que ele não cede na forma não facilita no conteúdo Nãofaz do nome a solo um culto ao seuego mas a ideias Este regresso aMário Branco representa tambémumbastiãoa que toda uma nova geração parece agarrar se na esperança de manter vivo um sentido deliberdade que consta do significadode 25 de Abril

Público

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2055

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Temática:Periodicidade:

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Âmbito:Tiragem:20­06­2014

Cultura

Ípsilon

Na estreia de Mudar em Vida noIndieLisboa José Mário Branco farse ia representar por aquilo quePortulez descreve como uma declaração violentíssima sobre o seudesencanto em relação ao país e àpolítica Comemorar o quêquestionava se sobre o aniversáriodo 25 de Abril argumentando queo trono estava agora nasmãos defilhos de Cavaco e netos de Salazar No encontro comPortulez emque este lhe apresentou a ideia deconcerto o músico pediu lhe quenão acontecesse emAbril Portulezconcordou E só então José Mário

acedeu Comoquedisponibilizando se cautelosamente a ser salvo dasua desesperança

A busca dos cravosDeCertaManeira o concerto não éfilho único Em Maio juntando esforçosaosde João PauloCotrim daeditoraAbysmo RuiPortulezpublicou 40XAbril resultado de umconvite endereçadoa20 poetaseoutrostantos ilustradorespara aí sim comemorar a efeméride sugerindoque FMI de JoséMário Branco pudesse correr em fundo Para a poetisa Margarida Vale de Gato a escolha do texto seria fácil ainda quedesligada desse ser persistentecombativo e curioso pós Abril aocontrário do país que identificaem José Mário Na véspera do 25deAbril de 2013 após correr floristasem busca de cravos os própriossímbolosparecem arredios encontrou consolonoquarto florista a quese dirigiu e passou a história para opoema A história foi enormementeexagerada em que tambémela sedefine comouma democrática defraudada Não alterei o poemapara servir ao José Mário Brancoque não precisa da ratificação daminhapoesia para nada Relendo ovejo que abordo nele o sentimentode classe algo para que o ZéMárioBrancome despertou a atenção e oquestionamento numaaltura háumpar de anos em que mantive comele uma correspondência sobretudoprodutiva para mim diz

A também poetisa Inês FonsecaSantos que se lembra de repetir deforma quase inconsciente versosdeJosé Mário e Sérgio Godinho se nainfância andasse na rua todoo diaem liberdade a saltar muros a apanhar ameixas e a descer morros debicicleta mordeuconvictamente oisco domote O tom talvez seja devedordo FMI admite não fazendoda palavra devedor ummero acaso De facto na carta ao 25 de Abrilque éRemessaLivre tambémela segue o exemplo de José Mário aproveitando o texto para se apresentar– como umaburguesaendividada

uma nobre de brasão no pregoTambém a ilustradora Mariana aMiserável com tendênciapara falarsobreoutrasmisérias da vida agarrou prontamente emFMI resgatando o slogan não há força que retorça o FMI Naqueles vinte minutosde texto genial há pano paramangas acredita Podia fazer damúsica um livro inteiro mas acabei porconstruir uma analogia entre o FMIeaconhecida caixadepapasCerelacna qualnormalmente figura umafamília feliz ebemalimentada Amãeno traçodeMariana passaa ter contornos sinistros distribuindo umaporçãomiserávelporoito filhospendentes da sua vontade O descritivodo produto queasembalagens costumam dedicar à nomeação de ingredientes ou ao modo de preparação diz apenas dida didadi dadidadi da didi–propositadamenteincompreensível

Foi tambémoFMIdosErmo ligando o passado de 1982 ao tempo presente a levar que Miguel Pedro eAntónio Rafael dosMãoMorta propusessemumaactuaçãoaquatrona

Casa da Música Miguel Pedro quedescobriu José Mário Branco na infância porque passeava muito decarro comum tio que tinha uma daquelas gavetas de guardar cassetescheia de cassetes de cantores de intervenção colaborou com o autorde Inquietaçãonoespectáculo EntãoFicamos no encerramento de Guimarães2012 Não entendendo a forma musical do seu grupo como deprotesto alega que o real emMãoMortaéolhadode formaabstractaMas recupera Inês Fonseca SantosdospoemasdeManuelAntónioPinaa realidade é uma hipótese repugnante Temos pois o direito delhe resistir acrescenta E as canções expressam essa vontade de resistência Mesmo que se defendaagora que não passam de símbolosmovimentam senum espaçoemqueé possível ouvir ainda as vozes dosque não desistem Defende ainda o

regressoaessas canções repetindoas aos mais velhos para que não esqueçam nemesmoreçam e partilhando as com os mais novos paraque não julguem a que a rasura daliberdade é uma ficção ou uma doença a que estamos imunes

Como artistas e se tudo correrbem seremos protestantes e provocadores constantes E como pessoas cadaum pela sua cabeça contribuindo para o todo argumentaPedroCoquenão JP Simões reforçaesse chamamento plural ao afirmarque noZeca e no ZéMário há umainvenção do nós A sua voz falade uma coisa que parece cada vezmais longínqua –consciênciacolectiva E o que nos une são as tecnologias de comunicação para nãodizermos uma ponta de um cornouns aos outrosEsse pilar cristão de amorao pró

ximo que José Mário Branco defende como alicerce da resistênciaecoa no lamento deMargarida Valede Gato que nunca chegou a agradecer o consolo oferecido pelo último florista obrigado a fechar o estabelecimento pouco depois de opoema estar escrito Por isso a poetisa diz que vai continuando a compraruma guerraemque ao contrário do discurso político vigente háalternativas E remata Quem dizque não há alternativas é porquenão sabe ler

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