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Volume 8, Setembro de 2017. 1
DISSEMINAÇÃO DOS PADRÕES ESTÉTICOS: A CIRURGIA PLÁSTICA E A
HIPERVALORIZAÇÃO DA IMAGEM
Júlia Chaves da Cunha
Maria Luiza Berto Figueira
Mariana Baptista Alves
Milena Nunes Pinto
“Influenciadas pela mídia e preocupadas em corresponder aos inatingíveis padrões de beleza que são apresentados, inúmeras mulheres mutilam sua autoestima - e, muitas vezes, seus corpos- em busca da aceitação social [...]” (AUGUSTO CURY)
RESUMO: A indústria da beleza tem exercido presença cada vez mais forte na sociedade moderna, o que tornou a
busca por recursos estéticos ainda maior. Neste artigo propomos uma reflexão sobre a crescente procura por
cirurgias plásticas, assim como as motivações para realizá-las. Através da análise de artigos e estudos sobre o
assunto, buscamos evidenciar a influência dos padrões estéticos e comportamentais na decisão de modificação da
aparência de homens e mulheres de acordo com a sociedade em que estão inseridos. Além disso, analisamos o
papel da mídia na manutenção destes padrões inalcançáveis que impulsionam tais mudanças estéticas, e as
possíveis consequências das mesmas. Sobretudo, este artigo contempla a atual padronização da imagem corporal e
a demanda pela adequação individual neste arquétipo.
PALAVRAS-CHAVE: Cirurgia Plástica; Padrões Estéticos; Beleza.
ABSTRACT: The beauty industry has been exerting an increasingly stronger presence in the modern society, which
made the demand for esthetic resources even greater. In this article, we propose a reflection over the growing
search for plastic surgery, as well as the motivations behind it. Through the analysis of articles and studies on this
subject, we seek to enlighten the influence of esthetic and behavioral standards in men and women’s decision of
getting appearance modifications according to the society in which they are inserted. Furthermore, we analyzed
media’s role in the maintenance of these unreachable standards that impel such esthetic changes, and their
possible consequences. Foremost, this article contemplates the current standardization of body image and the
demand for individual adequacy in this archetype.
KEYWORDS: Plastic Surgery; Esthetic Standards; Beauty.
1 INTRODUÇÃO
A perspectiva estética está diretamente associada ao tempo, sendo ela mutável e
adaptável às necessidades e às características de determinado período histórico. Na pré-
história, por exemplo, mulheres acima do peso denotavam abundância, fertilidade e
prosperidade visto a dificuldade de obter alimentos naquela época. Tal percepção difere de
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modo drástico do nosso padrão de beleza atual no qual as mulheres buscam, a qualquer
custo, assemelharem-se a atrizes e modelos que são exaltadas e aclamadas pelos meios
midiáticos.
A padronização dos indivíduos pode ser caracterizada como uma ação que se
naturaliza cada vez mais. Estabelecer um modelo a ser contemplado e seguido aparenta ser
a maneira mais fácil de ser aceito e aceitar-se dentro de uma sociedade. Assim, emergem
características e perspectivas estéticas idealizadas, moldadas, muitas vezes, por concepções
caucasianas que visam, principalmente para as mulheres, extrema magreza, feições
delicadas, pele clara, etc.
É em uma espécie de dismorfia corporal que mulheres e homens por todo mundo
demonstram suas insatisfações com seus corpos, levando à vontade de modificá-los. De
fato, os recursos para tornar-se mais belo e mais jovem são inúmeros, tentadores e a cada
dia mais acessíveis, facilitando tais transformações. Os procedimentos variam desde
pequenos tratamentos estéticos não invasivos até cirurgias de grande porte. Tudo isso,
notoriamente, traz segurança, prazer e satisfação pessoal; entretanto, até que ponto tais
intervenções se dão de forma saudável e não de modo exagerado e deturpado? Ou ainda,
qual a verdadeira motivação para essas modificações, a insatisfação individual ou a
necessidade de padronizar-se reproduzindo parâmetros impostos pela sociedade?
Tendo em vista os questionamentos que regem o tema e a abrangência deste
assunto, o artigo em questão procura analisar e demonstrar a relação da cirurgia plástica
com a padronização estética, além de esclarecer conceitos, diferenciando-os. Analisar as
razões que levam as modificações corporais envolve compreender a disseminação de
padrões de beleza e constatar seus impactos psicológicos e físicos nos indivíduos que
compõe a sociedade contemporânea. Desse modo, torna-se de extrema importância inquirir
os verdadeiros fundamentos que movimentam o mercado estético e perceber seu
crescimento meio à extensão da mídia e seus veículos de comunicação.
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2 QUANDO A IMAGEM SE TORNOU ALGO TÃO IMPORTANTE?
O mercado da beleza dissemina na sociedade um pensamento estético idealizado,
visando lucrar com seus mais diversos produtos em detrimento do bem-estar psicológico dos
seus consumidores. São maquiagens, cremes e outras alternativas que prometem efeitos
milagrosos para ocultar a ação do tempo e outras marcas como sinais, manchas, etc.;
entretanto, muito além de comercializar soluções, a indústria vende um falso conceito de
satisfação individual. Com esse conceito, a preocupação com o corpo ultrapassa seus limites,
passando a caracterizar uma obsessão narcisista sustentada por restrições calóricas e outras
dietas radicais seguidas por treinos pesados em academias que representam a padronização
e idealização corporal.
Para além das soluções temporárias e do esforço individual, clínicas estéticas
ganham espaço na atualidade, fornecendo os mais diversos procedimentos e inovações
cirúrgicas. Tudo isso representa a magnitude desse mercado, que em suas proporções
sustentam pensamentos de dismorfia e desagrado com o próprio corpo, motivando tais
modificações.
2.1 AS CONCEPÇÕES DE MODIFICAÇÃO CORPORAL
As modificações corporais são consideradas alterações propositais na anatomia ou
fenótipo humano. Em diversas situações, a modificação corporal é motivada pela cultura na
qual o indivíduo está inserido, o que a torna muito comum em tribos não urbanas, onde as
práticas e costumes são acentuados pelo isolamento. Muitas vezes começando na infância,
essas modificações são não-facultativas e trazem significados característicos dos valores da
sociedade.
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As mulheres da tribo Ndebele, na África, e Padauang, na Tailândia, são conhecidas
como mulheres girafas, uma referência aos seus longos pescoços. Essas possuem o costume
de usar anéis pesados de metal no pescoço desde muito jovens, a fim de alongá-lo,
substituindo-os até a fase adulta em que podem chegar a até 30cm, o que muitas vezes
enfraquece a musculatura, podendo ser prejudicial. Além de virar um símbolo de beleza, os
anéis são usados com a finalidade de restringir seus movimentos para que não olhem para
os lados ou fujam de seus maridos.
Na Etiópia, as mulheres da tribo Mursi cortam o lábio inferior ao completar 15 anos
para começar um processo de deformação e alargamento feito com placas circulares de
argila que se estendem em média até 12cm de diâmetro. Essa prática é muito semelhante
com a da tribo Kayapó, no Brasil, na qual os homens mais velhos têm o mesmo costume,
porém, com placas menores, de até 6cm.
Uma das modificações corporais mais comuns nas tribos africanas é a escarificação,
ou seja, cortes feitos com lâmina formando cicatrizes que podem ter somente valor estético
ou também podem ser o significado da chegada à vida adulta. Essa prática se expandiu
muito entre os praticantes de modificações corporais em tribos urbanas, evoluindo para o
costume dos piercings e tatuagens.
As modificações corporais são inicialmente induzidas pela sociedade e têm como
objetivo a reprodução de um padrão estético pré-determinado. Isso inclui as modificações
feitas em tribos, por mais que o padrão dessas culturas seja estrangeiro para a maioria
ocidental urbanizada. Ademais, além de trazerem vasto significado cultural, as modificações
corporais refletem o conceito de beleza dentro de determinada sociedade.
2.1 A EDIFICAÇÃO DA CIRURGIA PLÁSTICA
Segundo o livro "O Alcance Atual da Cirurgia Plástica" do autor Martire L. Jr (2005),
pode-se estabelecer quatro fatores determinantes da evolução da cirurgia plástica: a
necessidade, aspectos culturais, conhecimento anatômico e sucesso.
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A necessidade está relacionada às cirurgias que visam reparar e corrigir aspectos
danificados por traumas e lesões corporais - essa necessidade sempre existiu e foi
acentuada pelas guerras. Já os aspectos culturais fazem com que a ciência continue
avançando através de estudos anatômicos, pois os mesmos são necessários para o
progresso da cirurgia. É no Renascimento, com Andreas Vesalius e sua obra “De Humani
Corporis Fabrica”, publicada em 1543, que temos o marco inicial da anatomia moderna que
permitiria conhecer o corpo humano e atuar nele com menor probabilidade de erro. Isso
desencadeou um maior número de procedimentos e consequentemente o seu sucesso,
estabelecendo uma visão mais banalizada sobre a cirurgia plástica principalmente por parte
do paciente e da sociedade.
O êxito dos procedimentos somado às mudanças socioculturais resultaram na
ramificação do segmento da medicina plástica, surgindo então a cirurgia estética. A partir da
década de vinte, com a posição mais independente da mulher e a maior exposição corporal,
esse modelo cirúrgico avançou significativamente, disponibilizando, para a sociedade, um
recurso que corrigiria “imperfeições”, obtendo, então, uma das finalidades mais relevantes
da medicina moderna: o bem-estar individual.
2.3 CIRURGIA PLÁSTICA: RAZÕES MÉDICAS OU ESTÉTICAS?
Em um plano geral, a cirurgia plástica tem por objetivo a reconstrução de certa
parte do corpo humano. Entretanto, os motivos desencadeadores da reconstituição corporal
diferem e geram a ramificação da cirurgia plástica em duas ordens: estética e médica. A
cirurgia plástica médica tem como motivação a saúde do paciente, visando eliminar ou
melhorar defeitos congênitos e deformidades corporais naturais e, ainda, corrigir sequelas
consequentes de doenças ou acidentes. Já a ordem estética não possui motivações médicas
firmadas, mas provém do desejo do paciente de modificar aspectos físicos, buscando corrigir
defeitos e imperfeições que geram a insatisfação individual.
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Esse segundo ramo da cirurgia plástica cresce a cada dia, motivado por um padrão
estético internalizado e intensificado por uma indústria que idealiza determinado tipo físico.
Em 2013, o Brasil passou a liderar, pela primeira vez, o ranking mundial de procedimentos
cirúrgicos, superando os Estados Unidos. De acordo com um relatório divulgado pela
Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética em 2013, foram realizadas 1,49 milhão
de cirurgias plásticas, representando 13% do total mundial no ano. Além disso, as mulheres
representaram 87,2% dos pacientes que realizaram procedimentos cirúrgicos naquele ano.
Com base nesses dados, a Revista Veja elaborou um ranking dos cinco
procedimentos mais realizados no Brasil em 2013. Em primeiro lugar ficou o aumento das
mamas, (aproximadamente 228.000 operações). As próteses podem ser feitas de diferentes
materiais, sendo o silicone o mais comum entre eles por proporcionar melhor textura e
aparência. Normalmente, é viável a realização do procedimento de dois a três anos após a
primeira menstruação, o que acaba por permitir que adolescentes em torno de 14 a 17 anos
adquiram as próteses, possivelmente iniciando a primeira de muitas alterações no próprio
corpo.
Em segundo lugar, encontra-se a lipoaspiração, que consiste na retirada de gordura
localizada através de cânulas. A blefaroplastia fica em terceiro lugar, e também consiste na
retirada de gordura (ou pele “em excesso”), porém na região dos olhos. Por último vem a
rinoplastia, cirurgia de remodelagem do nariz, realizada através de cortes e retirada de
cartilagens e ossos dentro do nariz.
Os procedimentos cirúrgicos, em sua grande maioria, apresentam possíveis
complicações pós-operatórias similares, como infecções, sangramento e problemas de
cicatrização. Apesar disso, cirurgias mais complexas podem apresentar riscos maiores, e,
portanto, é imprescindível que o ambiente da operação seja adequado e o profissional
capacitado, atendendo às exigências da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Outro dado coletado em 2013 pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
constatou que o número de cirurgias realizadas em adolescentes entre 14 e 18 anos quase
triplicou em quatro anos. O número de procedimentos foi de 37.740 em 2008 para 91.100
em 2012, tendo aumento de 141%. Esse salto também alavancou o número de participação
de jovens no total de procedimentos anuais, crescendo em 4%.
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Ainda de acordo com o estudo da SBCP, as cirurgias mais procuradas por meninas
foram lipoaspiração e implante mamário e, para meninos, a redução da mama
(ginecomastia) e correção da “orelha de abano” (otoplastia). Sobre a questão da idade, o
presidente da SBCP, José Horácio Aboudib, afirma que não há uma determinada idade
mínima para o paciente que deseja sujeitar-se aos procedimentos estéticos; entretanto, é
imprescindível que o profissional avalie a evolução física e o crescimento de cada indivíduo
para determinar a segurança do procedimento.
3 A IDEALIZAÇÃO DA BELEZA OCIDENTAL
De uma maneira geral, as mulheres baseiam-se no padrão de beleza caucasiano
que envolve além da pele branca, feições delicadas e a magreza extrema. É durante os anos
de 1980 e 2000 que se observa o apogeu dessa idealização, devido à expansão dos meios
de comunicação ocidentais. E assim, à medida que essa influência avança, o seu alcance
aumenta, atingindo não mais somente adultos, mas sim crianças que já idealizam e se
comparam com desenhos animados, atores, etc. Essa imposição ocidental gera a ilusão de
que seguir um padrão de beleza é uma ação positiva provedora de autossatisfação e
inclusão social, intensificando sua reprodução.
3.1 CORÉIA DO SUL: NÃO SEJA VOCÊ MESMO
A cidade de Seoul, na Coréia do Sul, é conhecida mundialmente por ser a capital
das cirurgias plásticas. Segundo o estudo anual da Sociedade Internacional de Cirurgia
Plástica Estética, foram realizados mais de um milhão de procedimentos estéticos no país
em 2016. São em torno de 2 cirurgias a cada 100 habitantes, ultrapassando os Estados
Unidos onde é realizado 1 procedimento a cada 100 pessoas. Assim, a crescente fama das
cirurgias sul-coreanas reflete de forma cada vez mais clara o ideal irreal de beleza
perpetuado nos países asiáticos.
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O distrito de Gangnam, em Seoul, é referência quando se trata de estética na
Coréia do Sul. Além das inúmeras lojas de produtos de beleza, Gangnam concentra em
torno de 500 clínicas de cirurgia plástica. As ruas são cercadas de anúncios promovendo as
mudanças físicas e ressaltando o padrão, tornando quase impossível não questionar a
própria aparência e procurar mudá-la. O crescimento desse segmento do mercado também
tem feito com que muitos médicos não especializados se aventurem nos procedimentos
estéticos. Consequentemente, a Associação Coreana de Cirurgiões Plásticos precisou
formular regras mais rígidas tanto para os anúncios publicitários quanto para a qualificação
dos profissionais.
Em entrevista ao site Tech Insider (2015), o cirurgião Man Koon Suh afirmou que a
incessante busca por essas modificações decorre de um preconceito social muito grande no
país. No mercado de trabalho sul-coreano, muitas pessoas acabam rejeitadas para cargos,
mesmo que atendam aos requisitos necessários, apenas por não se enquadrarem no ideal
estético. A mídia, assim como no ocidente, influencia diretamente a visão da sociedade
sobre a beleza e é extremamente comum que atores e músicos sul coreanos também
passem por procedimentos cirúrgicos para alcançar mais fama.
Uma pesquisa feita pela Agência de Consumo da Coréia (KCA) com 1.000 pacientes
comprovou que 14,3% acreditavam que a plástica aumentara suas chances de conseguir um
emprego, mas 32,3% não consideraram os resultados satisfatórios. Os procedimentos mais
comuns são a cirurgia de pálpebra, implante mamário, botox e remodelagem da mandíbula.
Apesar da enorme procura por pessoas mais velhas que buscam rejuvenescimento, é muito
comum que jovens recém-formados no ensino médio recebam uma cirurgia plástica como
presente dos pais.
Além dos pacientes nativos, os cirurgiões costumam atender chineses, japoneses e
pessoas de outras regiões do leste asiático, devido às semelhanças no que buscam na
aparência. Em muitos casos, as modificações são tantas e tão extremas que algumas
pessoas têm dificuldade em voltar para seus países por estarem tão irreconhecíveis.
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Em 2009, 23 chinesas que voltavam da Coréia após diversos procedimentos foram
paradas pelo controle de passaportes e precisaram ter as partes do rosto analisadas uma a
uma. Por conta disso, algumas clínicas passaram a emitir certificados de cirurgia para os
pacientes contendo o número de passaporte, o nome da clínica onde foram atendidos e o
tempo que permaneceram na Coréia do Sul para que eles possam ser reconhecidos e
consigam voltar para seus países.
3.2 O MITO DA ETERNA JUVENTUDE
A sociedade contemporânea teme a velhice, mas, além disso, teme as
consequências acarretadas por esse período da vida. São inúmeros os produtos disponíveis
no mercado que prometem retardar a ação do tempo, comprovando a necessidade de
esconder marcas de expressão, rugas e outros sinais que evidenciem a idade física.
A vontade de perpetuar a juventude, muitas vezes, não parte de um desejo
individual, mas sim de uma influência midiática que associa a beleza com pele lisa,
malhação e outros atributos referentes às pessoas jovens. Além de uma propaganda que
exalta a juventude, é possível observar atrizes, atores e modelos que através de plásticas,
botox e outros métodos demonstram sua preocupação com a conservação da jovialidade.
Contudo, pesquisas realizadas pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética
confirmam que a aplicação do botox (toxina botulínica) é o procedimento mais realizado
entre o público feminino e masculino no mundo.
Segundo o cirurgião plástico brasileiro, Ricardo Boggio apud Larissa Trigueirinho
(2016), o público feminino busca a jovialidade e a beleza, desejando faces mais harmônicas
e perfeitas. Os homens também são consumidores ávidos do mercado estético e relatam
uma preocupação com a qualidade de vida, a influência da aparência na atividade
profissional e a autossatisfação; “Quando procuram pelos procedimentos não cirúrgicos, a
intenção dos homens é parecer mais jovem. Desejam atenuar os sinais do envelhecimento”
informa Boggio.
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Maquiagens e recursos para o dia a dia também estão disponíveis no mercado, além
de métodos para esconder a calvície, as bolsas debaixo dos olhos e tudo aquilo que pode ser
associado ao envelhecimento. As proporções dessas preocupações aumentam em
detrimento do que realmente deveria importar, como a saúde e o bem-estar, fatores que
vão além da busca pela eterna juventude e evidenciam a longevidade e a qualidade de vida.
4 IMPACTOS DA INDÚSTRIA ESTÉTICA
4.1 PSICOPATOLOGIA: O EFEITO DISMÓRFICO E A CIRURGIA PLÁSTICA
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) define o
transtorno dismórfico corporal (TDC) como:
Preocupação com a percepção de um ou mais defeitos ou falhas na aparência física que não são observáveis ou parecem apenas leves para os outros e por comportamentos repetitivos (por exemplo, verificar-se no espelho, arrumar-se excessivamente, beliscar
a pele, buscar tranquilização) ou atos mentais (por exemplo, comparar a própria aparência com a de outra pessoa) em resposta às preocupações com a aparência
(BALLONE, 2016, s/p.).
Dados de 2013 do Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais
elaborado pela Fundação Internacional de Transtorno Obssessivo Compulsivo (IOCDF)
estimam que em torno de 2% da população sofra de TDC, índice que aumenta quando se
trata dos pacientes de TDC que procuram a cirurgia plástica, sendo eles aproximadamente
11% do total de pessoas que passam por procedimentos estéticos. Assim, a cirurgia plástica
é procurada pelos indivíduos que apresentam TDC como uma possível solução para seu
transtorno. Entretanto, uma pesquisa elaborada em 2012 pela Dra. Sandra Mulkens, da
Associação Britânica de Cirurgiões Plásticos, que analisou a satisfação de indivíduos com
TDC em relação ao próprio corpo, comprovou que não há melhoria na percepção corporal
dos pacientes após a realização de procedimentos estéticos.
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Em casos como os de portadores de TDC, as consequências psicológicas se
manifestam de forma ainda mais intensa, uma vez que o paciente já lida com a questão
psicológica e em muitos casos não recebe tratamento. Segundo a Dra. Mulkens (2011), os
resultados da pesquisa evidenciam uma deficiência no processo de avaliação pré-operatória,
o que implicaria uma mudança nos moldes padrões, buscando abranger também a questão
psicológica.
De acordo com o protocolo padrão para a avaliação pré-operatória, definido pelo
Colégio Brasileiro de Cirurgiões, devem ser solicitados exames sanguíneos e uma avaliação
nutricional para determinar a condição do paciente, além da suspensão de determinados
medicamentos que possam influenciar o procedimento, incluindo antidepressivos.
Entretanto, esses levantamentos pré-cirúrgicos determinam apenas o estado físico do
indivíduo, fazendo necessária a inclusão de uma avaliação psicológica realizada por um
profissional, procurando prevenir possíveis danos psicológicos ao paciente.
4.2 COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS
As complicações pós-operatórias são muito corriqueiras nas cirurgias plásticas.
Contudo, as físicas são as mais recorrentes e podem se tornar a causa dos problemas
psicológicos no período pós-operatório. A formação de hematomas no local da operação é o
problema mais comum entre todas as intervenções, ocorrendo em 1 a cada 6 cirurgias de
aumento de mama. As infecções generalizadas também são frequentes, assim como danos
nos nervos que podem acontecer nos mais diferentes tipos de procedimentos, pois em torno
de 15% das mulheres que operam as mamas perdem completamente a sensibilidade nos
mamilos.
Casos mais sérios incluem trombose e embolia pulmonar, que, apesar de serem
raros, podem ser fatais. Além disso, operações como a lipoaspiração podem causar danos
nos órgãos internos como perfurações viscerais extremamente danosas. Mesmo sendo uma
parte essencial do procedimento em muitos casos, os problemas mais críticos podem estar
relacionados com a anestesia. Quanto à anestesia geral, há incidência de infecção nos
pulmões, ataques do coração, AVC e até a morte do paciente.
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Um fenômeno que tem ganhado notoriedade nos últimos anos é a tomada de
consciência durante as operações em pacientes que receberam a anestesia. Pesquisadores
da Revista Anaesthesia apud Romanzoti (2014), do Reino Unido, constataram que cerca de
um a cada 19.600 pacientes ficam conscientes durante a cirurgia e a maioria dos casos
ocorre quando o coquetel anestésico inclui uma dose de paralíticos. Devido a estes
paralíticos, os pacientes ficam inaptos de avisar aos médicos sobre a consciência anestésica
e acabam passando por sensações de asfixia e alucinações. Segundo o professor Jaideep
Pandit apud Romanzoti (2014), anestesista e principal autor do estudo, o fenômeno pode
trazer consequências psicológicas a longo prazo, como transtorno pós-traumático, síndrome
do pânico e depressão.
Evidentemente, muitas das complicações físicas, dependendo da gravidade, podem
levar a problemas psicológicos, visto que criam uma relação direta com a questão da
imagem e da autoestima do paciente que decide sujeitar-se às modificações corporais. É
com a promessa de que podem acabar com sérios problemas do corpo após as operações,
que milhões de pessoas se submetem às cirurgias estéticas, independentemente dos riscos
que os procedimentos oferecem. Assim, a procura incessante por modificações evidencia a
força da disseminação dos padrões de beleza e como a busca por um ideal pode exceder os
limites do perigo à saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao questionar certo aspecto envolvendo as modificações corporais cirúrgicas, é
necessário considerar os diversos ramos dessa prática global. Tanto as tradições culturais
seculares, específicas de uma reclusa tribo africana, quanto o comum procedimento de
lipoaspiração estão contidos no espectro das possíveis alterações estéticas. Com isso, as
causas e possíveis consequências dos procedimentos em geral divergem imensamente.
Entretanto, se destacarmos as modificações corporais meramente estéticas e,
claramente, mais difundidas atualmente, é possível as relacionarmos com alguns fenômenos
socioculturais. A globalização, por exemplo, propagou não só uma cultura homogênea e
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dominante como também um padrão de beleza ocidental e, especificamente, influenciado
por tendências estadunidenses ou europeias.
Com isso, existe ao redor do mundo uma expectativa já enraizada na sociedade a
respeito da aparência “correta” determinada para os indivíduos. Esse padrão é propagado
através das mídias sociais, o que torna o público jovem ainda mais vulnerável à influência de
mensagens que supervalorizam características padronizadas e discriminam aqueles que se
diferenciam. Com isso, os indivíduos crescem buscando a perfeição inatingível e recorrem
aos procedimentos cirúrgicos estéticos como “solução” para seus traços físicos julgados
defeituosos. A capacidade de profunda influência do discurso disseminado atualmente,
justificando e incentivando os procedimentos estéticos, pode ser observada em todas as
camadas sociais e, também, nas mais diversas idades. Inclusive, após anos internalizando
os ideais de beleza, muitos pacientes mais velhos se submetem a cirurgias sucessivas.
A indústria da cirurgia plástica fatura bilhões de dólares anualmente, o que não
seria possível sem o imenso controle do mercado publicitário e sua falta de
representatividade. Ainda mais preocupante é o modo como, hoje, nos baseamos em um
padrão humanamente inalcançável, construído artificialmente por meio dos programas de
edição de fotos. Assim, a indústria, visando o lucro acima de tudo, nunca deixará de se
beneficiar com a demanda incessante do ser humano pela perfeição.
Considerando as motivações encobertas que levam a procedimentos arriscados e,
muitas vezes, desnecessários, devemos questionar as reais vantagens e desvantagens,
consequentes do crescimento desenfreado do mercado dos procedimentos estéticos. Até que
ponto essas modificações representam efetivamente uma solução? Por que seguimos, como
sociedade, impondo padrões tão restritos que promovem mudanças radicais e podem
acarretar diversas complicações físicas e morais?
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